MESTRADO PSICOLOGIA A Hipótese Predatória como Elemento ... · Cuidado por onde andas:...
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MESTRADO PSICOLOGIA
A Hipótese Predatória como Elemento
Decisivo na Emigração de Brasileiros
Nathália Leopoldo Souza Leão Fernandes Pereira
M 2019
I
A HIPÓTESE PREDATÓRIA COMO ELEMENTO DECISIVO NA EMIGRAÇÃO
DE BRASILEIROS
Nathália Leopoldo Souza Leão Fernandes Pereira
Outubro 2019
Dissertação apresentada no Mestrado em Temas de Psicologia,
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade
do Porto, orientada pelo Professor Doutor José Luís Fernandes
(FPCEUP).
II
AVISOS LEGAIS
O conteúdo desta dissertação reflete as perspetivas, o trabalho e as interpretações da autora
no momento da sua entrega. Esta dissertação pode conter incorreções, tanto concetuais
como metodológicas, que podem ter sido identificadas em momento posterior ao da sua
entrega. Por conseguinte, qualquer utilização dos seus conteúdos deve ser exercida com
cautela.
Ao entregar esta dissertação, a autora declara que a mesma é resultante do seu próprio
trabalho, contém contributos originais e são reconhecidas todas as fontes utilizadas,
encontrando-se tais fontes devidamente citadas no corpo do texto e identificadas na secção
de referências. A autora declara, ainda, que não divulga na presente dissertação quaisquer
conteúdos cuja reprodução esteja vedada por direitos de autor ou de propriedade industrial.
III
Agradecimentos
Ao professor Luís, que me ofereceu suporte nessa jornada acadêmica, compartilhando seu
vasto conhecimento e paciência, fazendo das orientações agradáveis momentos de
construção intelectual.
Por todo apoio e carinho, pelas revigorantes conversas virtuais, aos meus pais e meus irmãos.
Aos meus sogros por todo incentivo e generosidade.
Aos familiares e amigos que se fizeram presentes, apesar da ausência física.
À minhas companheiras de mestrado pelas trocas e companhia.
Pela disponibilidade e compartilhamento, aos participantes da investigação.
À Marcinho, companheiro de (quase) uma década, por ter embarcado comigo nessa aventura
de atravessar o oceano e por ser minha fonte diária de inspiração, calmaria e amor.
IV
Resumo
A comunidade brasileira sempre teve grande representatividade em solo português e, apesar
de ter passado cinco anos em decrescimento, a partir de 2016 ela voltou a crescer. Além das
estatísticas oficiais, os medias também tem noticiado o aumento do fluxo de imigrantes
brasileiros em Portugal, anunciando um “novo perfil de imigrantes” e relacionando a crise
de segurança pública do Brasil com esse novo movimento migratório. As cidades brasileiras
parecem ser percebidas como constantes espaços predatórios do crime, sentimento que
atormenta o cotidiano de muitos brasileiros e restringe sua circulação no habitat urbano, o
que caracteriza forte presença e impacto da hipótese predatória. Buscando perceber a relação
entre a atual migração brasileira para Portugal e o sentimento de insegurança no Brasil,
analisamos a influência da hipótese predatória na decisão da migração de Brasileiros
residentes em Portugal. Foi realizada uma investigação qualitativa, utilizando o método de
cadeia e o snowball, na qual entrevistamos 11 brasileiros residentes em Portugal e realizamos
análise de conteúdo das entrevistas. Os resultados da recolha de dados apontam para o caráter
multifacetado das motivações que levaram à migração. Contudo, apesar das limitações do
estudo, foi possível constatar influência expressiva da hipótese predatória na decisão de
emigrar do Brasil, ainda que na maioria dos casos este fator não tenha agido sozinho.
Palavras- chave: sentimento de insegurança; hipótese predatória; medo do crime; migração.
V
Abstract
The Brazilian community has always had great representation in Portuguese lands and,
despite having spent five years in decline, from 2016 it has grown again. In addition to
official statistics, the media also reported the increased flow of Brazilian immigrants to
Portugal, announcing a “new immigrant profile” and relating Brazil's public security crisis
to this new migratory movement. Brazilian cities seem to be perceived as constant predatory
spaces of crime, a feeling that haunts the daily lives of many Brazilians and restricts their
circulation in the urban habitat, which characterizes the strong presence and impact of the
predatory hypothesis. Seeking to understand the relationship between the current Brazilian
migration flow to Portugal and the fear of crime in Brazil, we analyzed the predatory
hypothesis influence over the migration decision of Brazilians residing in Portugal. A
qualitative research was conducted using the chain method and the snowball, in which we
interviewed 11 Brazilians residing in Portugal and proceeded a content analysis of the
interviews. The data collection results point to the multifaceted character of the motivations
that led to migration. However, despite the limitations of the study, it was possible to find a
significant influence of the predatory hypothesis on the decision to emigrate from Brazil,
although in most cases this factor did not act alone.
Keywords: feeling of insecurity; predatory hypothesis; fear of crime; migration.
VI
Résumé
La communauté brésilienne a toujours eu une grande représentation sur les terres portugaises
et, malgré cinq années de déclin, elle a encore augmenté depuis 2016. En plus des statistiques
officielles, les médias ont également rapporté l'augmentation du flux d'immigrants brésiliens
au Portugal, annonçant un “nouveau profil d'immigrant” et reliant la crise de la sécurité
publique brésilienne à ce nouveau mouvement migratoire. Les villes brésiliennes semblent
être perçues comme des espaces de criminalité prédatrice constant, un sentiment qui hante
la vie quotidienne de nombreux Brésiliens et limite leur circulation dans l'habitat urbain, ce
qui caractérise la présence et l'impact forts de l'hypothèse prédatrice. Pour tenter de
comprendre la relation entre la migration brésilienne actuelle au Portugal et la peur de la
criminalité au Brésil, nous avons analysé l’influence de l’hypothèse prédatrice sur la
décision de migration des Brésiliens résidant au Portugal. Une enquête qualitative a été
réalisée à l'aide de la méthode de la chaîne et de le snowball, dans laquelle nous avons
interrogé 11 Brésiliens vivant au Portugal et procédé à une analyse du contenu des entretiens.
Les résultats de la collecte de données montrent la nature multiple des motivations qui ont
conduit à la migration. Toutefois, malgré les limites de l’étude, il a été possible de trouver
une influence significative de l’hypothèse prédatrice sur la décision d’émigrer du Brésil,
bien que dans la plupart des cas, ce facteur n’ait pas agi seul.
Mots-clés: sentiment d'insécurité; hypothèse prédatrice; peur du crime; migration.
VII
Índice
Introdução.............................................................................................................................9
Capítulo I - Enquadramento teórico.................................................................................11
1. Cuidado por onde andas: relacionando o crime, a cidade e o sentimento de
insegurança ..............................................................................................................11
2. “Que país é esse”: nota sobre a segurança pública no Brasil e suas repercussões .....14
3. “Atravessamos para o outro lado”: Portugal como destino de fuga ..........................17
Capítulo II - Estratégias de Investigação..........................................................................21
1. Objetivos ..................................................................................................................21
2. Método .....................................................................................................................21
2.1. Amostragem......................................................................................................22
2.2. Instrumento .......................................................................................................23
2.3. Análise de dados................................................................................................24
Capítulo III: O imigrante brasileiro em Portugal e o sentimento de insegurança.........25
1. Caracterização da amostra .......................................................................................25
1.1. Distribuição etária .............................................................................................25
1.2. Escolaridade .....................................................................................................25
1.3. Ocupação ..........................................................................................................26
1.4. Com quem vivem ..............................................................................................26
1.5. Distribuição geográfica de origem (Brasil) .......................................................27
1.6. Distribuição geográfica em Portugal .................................................................27
1.7. Tempo de permanência em Portugal .................................................................27
2. Motivações para a migração .....................................................................................28
3. Sentimento de insegurança no Brasil .......................................................................30
3.1.Causas percebidas para o sentimento de insegurança .........................................30
3.1.1. Delinquência ..........................................................................................31
3.1.2. Mass media ............................................................................................32
3.1.3. Vitimação ..............................................................................................34
3.2. Intensidade ........................................................................................................36
3.3. Apreensão vivida ..............................................................................................39
VIII
4. Estratégias para lidar com o sentimento de insegurança ...........................................40
5. Dimensão Reflexiva .................................................................................................41
6. Sentimento de Insegurança em Portugal ..................................................................42
Nota Final ...........................................................................................................................45
Referência bibliográficas ..................................................................................................49
Anexos ................................................................................................................................54
Anexo 1 – Guião de entrevista ............................................................................................54
Anexo 2 – grelha de análise de conteúdo ............................................................................56
9
Introdução
Não é raro estar nas ruas de cidades portuguesas e ouvir uma língua portuguesa diferente
da falada por quem cresceu em Portugal. O sotaque e o vocabulário brasileiro são tão comuns
nestes lados que já não surpreende ao ser ouvido. Mas engana-se quem acredita que essa
disseminação do português brasileiro em solo lusitano justifica-se apenas pelo turismo, muitos
brasileiros também parecem estar elegendo Portugal como seu novo lar.
O Brasil, por seus órgãos administrativos e de pesquisa, infelizmente demonstra não ter
um bom controle dos processos de emigração do país, mas o Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras - SEF de Portugal, afirma, através de seus relatórios anuais, que os brasileiros
compõem a comunidade estrangeira mais expressiva em solo português desde 2007. Depois de
passar por um período de decrescimento, entre 2011 a 2016, o número de imigrantes brasileiros
voltou a crescer e atualmente são 105.423 brasileiros registrados como residentes em Portugal
pelo SEF (2019).
Hodiernamente existem alguns indícios, como o já ilustrado acima, que tem construído
a crença de que os processos emigratórios do Brasil tem se intensificado nos últimos anos, e
uma explicação muito difundida por meio dos rumores populares ou pelos meios de
comunicação é a de que isso se deve, em grande parte, à insegurança pública brasileira. Essa
hipótese não parece inusitada tendo em vista que, de fato, os índices de criminalidade no Brasil
atingem números impactantes e, além disso, o Brasil está passando por tempos de crise
econômica, que se relaciona também com o sentimento de insegurança.
O sentimento de insegurança já foi bastante explorado na literatura científica e já é
sabido que o receio de ser vítima de um crime pode regular o comportamento de um indivíduo1.
Mas será que o sentimento de insegurança, especificamente o medo de ser vítima de um crime
predatório, pode influenciar a decisão de mudança de país? É mesmo isso que está
impulsionando os números de imigrantes brasileiros em Portugal? Existe um discurso sobre a
insegurança no Brasil que permeia a motivação da migração de brasileiros para Portugal?
Buscando elucidar essas questões, o presente estudo teve como objetivo analisar a
relação entre hipótese predatória2 e a migração de brasileiros para Portugal, bem como
caracterizar esse migrante, desvendar as motivações para a migração e perceber o impacto do
sentimento de insegurança em seus cotidianos, compreendendo como eles lidam com essa
1 Conferir por exemplo em: Machado, 2004; Caldeira, 2000. 2 A hipótese predatória é um conceito que compõe o sentimento de insegurança e sua definição será apresentada no capítulo I.
10
questão. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, utilizando o método em cadeia e o
Snowball para construção da amostra. O instrumento de recolha de dados elegido foi a
entrevista e, posteriormente, foi realizada uma análise de conteúdo do material coletado.
O texto foi organizado em três capítulos. O primeiro trata do referencial teórico,
abordando tópicos como as definições do sentimento de insegurança, o conceito de hipótese
predatória, apontamentos sobre o cenário de violência e segurança pública no Brasil, e por fim,
apresentamos dados sobre as migrações de brasileiros em Portugal e repercussões mediáticas
desse fenômeno. O segundo capítulo aborda os objetivos da investigação e detalha os processos
metodológicos que foram realizados para construir e analisar o estudo empírico. O terceiro e
último capítulo apresenta e analisa os resultados alcançados referentes ao perfil da amostra,
motivações para migração, sentimento de insegurança no Brasil e em Portugal e as estratégias
para lidar com o sentimento de insegurança. Na nota final trazemos reflexões sobre as
limitações do estudo e questões que permeiam o contexto brasileiro que se relacionam com os
resultados obtidos na investigação.
11
Capítulo I - Enquadramento teórico
1. Cuidado por onde andas: relacionando o crime, a cidade e o sentimento de
insegurança.
O desenvolvimento e transformação das cidades, sobretudo com o avanço do
capitalismo e o processo de industrialização e, posteriormente, desindustrialização com o
aparecimento de uma nova dinâmica de mercado, proporcionou o afloramento de vários novos
fenômenos sociais, dentre eles as correntes manifestações da criminalidade. Partindo de um
contexto pré-industrial, no qual prevaleciam crimes contra vida, de honra, vingança, nos quais
a vítima e o autor se conheciam, passando para criminalidade identificada nas primeiras cidades
industriais do século XIX, com a atribuição da imagem de “classe perigosa” ao ocioso, o louco,
a meretriz, as crianças que andavam na rua à furtar (Fernandes & Rego, 2011), apresentou-se
um aumento do crime predatório, denominado assim pela extensão da dimensão relacional do
crime, que é, geralmente, um crime rápido, praticado por desconhecidos, que tem como objetivo
a subtração do patrimônio da vítima (Fernandes, 2003).
Nesse contexto, temos que a pequena criminalidade de rua, como o roubo e a venda de
drogas, é o principal fomento do medo à cidade, pois o rumor sobre sua proliferação se
dissemina rapidamente entre a população, alastrando a perceção generalizada da cidade como
palco de delitos, um lugar perigoso, de risco constante, inseguro (Fernandes & Rêgo, 2011). É
assim que se desenvolve o sentimento de insegurança, também chamado de medo do crime na
literatura da área.
O crime não é algo recente na preocupação social, mas, segundo Furstenberg (1971),
foi durante a década de 60 que ele surgiu como questão pública predominante. Esse fato atraiu
o interesse científico de algumas áreas e justificou inúmeras investigações sobre o assunto,
algumas dessas investigações apresentam o crime como o mais grave problema que a sociedade
enfrenta (Furstenberg, 1971). Através da exploração do crime como objeto de estudo, foi
identificado o sentimento de insegurança como um dos produtos do crime. O medo do crime se
tornou um problema mais difundido que o crime em si (Hale,1996).
Nos diversos estudos sobre sentimento de insegurança foram adotadas definições
diferentes para o conceito, não havendo descrição definitiva dos seus componentes. Algumas
dessas definições são apresentadas por Guedes, Cardoso e Agra (2012) de modo a destacar que
esse é um objeto complexo, que possui dimensões objetivas e subjetivas. Kuhn e Agra (2010,
cit. Guedes, Cardoso & Agra, 2012) esclarece que a dimensão objetiva diz sobre a realidade
12
concreta do mundo exterior, sendo composta pelo crime, pela vitimação e, de modo geral, pelos
comportamentos desviantes, a dimensão subjetiva descreve a repercussão da dimensão objetiva
em indivíduos e comunidades. Essa dimensão subjetiva, segundo os autores, se torna objeto de
vários estudos a partir da década de 70.
Abordando a identificação do sentimento de insegurança, Furstemberg (1971)
diferencia dois aspectos que o compõe, elucidando que o mesmo pode se manifestar nos sujeitos
como medo do crime, que se refere à autoperceção das chances de ser vitimado, bem como por
preocupação com o crime, que concerne à inquietude com a situação criminal do país que se
vive. O autor didaticamente ilustra que um sujeito pode estar desconfortável com a conjuntura
criminal do país, ou de sua cidade, mas não sentir ansiedade com o perigo potencial, não temer
ser vitimado.
Fonseca (1998) constrói seu estudo a partir do entendimento de que o sentimento de
insegurança é composto pela preocupação securitária, pela apreensão vivida e pela
representação da apreensão vivida pelos outros. A preocupação securitária situa-se na
inquietude frente a delinquência e o crime, assentada nas causas, soluções e pessoas, sendo um
julgamento que contém uma orientação moral e política. Quanto à apreensão vivida, o autor a
caracteriza como um sentimento, emoção ou alteração de comportamento que surge em reação
a fatores interpretados como sinais de ameaça. Por último, a representação da apreensão vivida
pelos outros é definida pelo “sentimento de empatia em relação à inquietude experienciada
pelos próximos, reunindo os mesmos domínios da apreensão vivida” (Fonseca, 1998, p.22)
Com o que foi exposto acima podemos perceber que, apesar de algumas
particularidades, as definições expostas não parecem divergir, pelo contrário. As diversas
conceptualizações contidas na literatura acadêmica sobre o tema evidenciam o caráter fluído
desse objeto de estudo, uma questão pontuada por Fernandes e Carvalho (2000), que alega que
o sentimento de insegurança não se faz observar empiricamente e que não possui solidez
teórica. O sentimento de insegurança é composto por uma junção de diversos acontecimentos,
circunstâncias e sujeitos, “portanto, difícil de delimitar empiricamente, porque faz convergir
em seu torno elementos múltiplos da experiência social e da vivência psicológica dos
indivíduos” (Fernandes & Rêgo, 2011).
O sentimento de insegurança é algo que pode ser justificado, ao primeiro olhar, como
um efeito diretamente determinado pela criminalidade, traçando-se aí uma linha de correlação
perfeita. Todavia, entre a aparência e a essência desse fenômeno existe uma série de mediações
que devem ser elucidadas. Começamos por ressaltar que “o medo é uma emoção, sentimento
de insegurança é uma ressonância psicológica do modo como se percecionam certas realidades”
13
(Fernandes & Rêgo, 2011). Dessa forma, é preciso ter em mente que existem diversos aspectos
histórico-culturais que mediam a nossa experiência social e como ela é interiorizada e sentida.
O sentimento de insegurança não se constrói apenas por meio de aspectos internos, oriundos do
imaginário, ou externos, como das taxas de criminalidade, mas sim pela interação entres esses
aspectos de ordem interior e exterior ao indivíduo.
A efetivação da política das janelas partidas, por exemplo, a qual atua sobre a perceção
da cidade, é a prova da não linearidade entre as taxas de criminalidade e o sentimento de
insegurança. Esta política decorre da teoria das janelas partidas (broken windows theory) ,
consagrada por Wilson e Kelling (1982), explicada a partir da ideia de que se uma janela de um
prédio for partida e não for consertada rapidamente, passando a impressão de que ninguém se
importa, a aparente desordem pode levar à depredação de outras janelas e até desenrolar-se em
consequências mais graves. A conversão desta teoria em uma política de combate à
criminalidade concluiu que os crimes relevantes e a delinquência em geral têm origem em
pequenos delitos e desordens urbanas que, não perseguidas, alastram-se pela cidade e
desenvolvem-se, ou propiciam, crimes maiores e mais complexos, o que faz a cidade parecer
perigosa para os seus cidadãos. Desse modo, o combate às pequenas desordens pode reduzir a
criminalidade.
Sob a análise crítica de Fernandes (2006), a política das janelas partidas é caracterizada
como uma ação pública que prioriza o investimento na eliminação dos sinais visíveis da
desordem da cidade, em detrimento da intervenção em aspectos sociais mais profundos que
geram esses desequilíbrios, a política consiste na remoção dos sinais de desordem física da área
urbana, os quais vão de janelas partidas e lixo não recolhido à presença de mendigos, pessoas
sem abrigo e arrumadores de veículos nas ruas, elementos que alcançam um impacto relevante
na construção do sentimento de insegurança, mas não necessariamente reduzem a
criminalidade.
O "Programa de Bairros Limpos e Seguros”, adotado nos anos de 1970, em 28 cidades
de Nova Jersey é um exemplo que caracteriza de forma clara o quanto a política das janelas
partidas pode afetar o sentimento de insegurança. Segundo Wilson e Kelling (1982), esse
programa contava com a estratégia de “patrulha a pé”, que consistia em retirar o carro dos
policiais, ordenando que eles fizessem a patrulha a caminhar. Os autores relatam que, após 5
anos de programa, foi realizada uma investigação e ficou constatado que as taxas de
criminalidade não se alteraram significativamente, mas os habitantes das cidades que adotaram
essa estratégia acreditavam que havia ocorrido uma considerável redução nos crimes e
afirmavam se sentirem muito mais seguros. Os autores relacionam a mudança na opinião geral
14
dos habitantes à efetiva redução dos sinais de desordem, das incivilidades urbanas e da pequena
delinquência comumente subnotificada, o que, segundo eles, reafirma o sucesso da política das
janelas partidas no sentido de tornar as cidades mais seguras. Por outro lado, podemos inferir
que restou demonstrado a não linearidade entre sentimento de segurança e taxas oficiais de
criminalidade, bem como a relevância dos “sinais de desordem” na construção social do medo
do crime.
A preocupação com a ordem social é, de acordo com Lourenço e Lisboa (1996) um dos
principais componentes do sentimento de insegurança, que se expressa pela estigmatização dos
supostos atores da desordem e pelo apelo ao Estado por mais repressão aos crimes, legitimando,
portanto, ações coercitivas do Estado sobre as populações estigmatizadas, o que, por sua vez,
produz mais crimes desse tipo, gerando um ciclo vicioso que se retroalimenta.
Outro agente que influi na perceção da insegurança urbana são os medias. Grande parte
da população tem os telejornais e a internet como principal fonte de informação, o que atribui
a esses veículos centralidade na formação da opinião e na “construção social da realidade
social” (Gomes, 2015). No entanto, Gomes (2015) alega que os meios de comunicação
transmitem uma imagem estereotipada da realidade, eles não apresentam os crimes mais banais,
mas sim os mais incomuns, que são os que também angariam mais audiência. A informação foi
transformada em mercadoria e, assim, o tipo de notícia que atrai mais audiência é aquele que
vai ser mais explorado e veiculado. A autora comenta que as pessoas, já afetadas com o medo,
querem saber o que as esperam ao saírem de suas casas, para então poderem evitar determinados
lugares ou pessoas que correspondem a um estereótipo, e assim as notícias sobre crimes tornam-
se muito valiosas.
É através desses fatores que a imagem predatória da cidade se sustenta. A cidade é vista
como um espaço de contínua probabilidade de encontro entre vítima e agressor, um espaço de
imprevisibilidade. Isso tudo produz o significado da Hipótese Predatória, conceituada por
Fernandes (2003): “a Hipótese predatória funciona como esquema interpretativo das interações
com desconhecidos e condiciona a liberdade de circulação no habitat urbano… A hipótese
predatória é, pois, um verdadeiro mecanismo atribucional para as relações da vida quotidiana”.
2. “Que país é esse”3: Nota sobre a segurança pública no Brasil e suas repercussões
Nos últimos anos o Brasil vem experimentando altos índices de criminalidade e uma
3 Canção da banda brasileira Legião Urbana, escrita por seu vocalista Renato Russo.
15
grave crise político-econômica. Esse fenômeno torna-se visível, sobretudo, por meio dos
telejornais e das redes sociais via web que estão cotidianamente transmitindo notícias e imagens
deprimentes das cidades brasileiras e dos seus espaços de vulnerabilidade social.
Caracterizando rapidamente a crise da segurança pública no Brasil é possível citar,
ilustrativamente, o caso do estado do Rio Grande do Norte - RN, que chegou ao ponto de,
através do governo do estado, solicitar duas vezes em curto espaço de tempo apoio emergencial
do governo federal e do exército brasileiro para garantir a segurança da população, alegando
estado de calamidade pública. A primeira solicitação foi feita em 2016 e a segunda no final de
2017. Essa ajuda, que foi concedida, se traduziu na colocação de tropas armadas, portando
ostensivamente armas e equipamentos de guerra, nas ruas das cidades do RN, para
supostamente combater os altos índices de atividade criminosa.
Os meios de comunicação brasileiros, como Jornal Nacional4 (telejornal de alcance
nacional da Rede Globo de comunicações), RNTV5 (telejornal de alcance estadual do canal
InterTV/Globo), G16 (website da Rede Globo de comunicações) e a Veja7 (revista física e
eletrônica de circulação nacional), cobriram essas operações com entusiasmo e se esforçaram
para estimular um pouco de esperança nos cidadãos norte-rio-grandenses. No entanto, tão logo
se registrava alguma queda nas ocorrências criminais, as forças armadas saíam de cena, e pouco
tempo depois os meios de comunicação voltavam a transmitir o retorno da criminalidade.
Em 2016, o cenário foi agravado por uma enorme rebelião num presídio da região
metropolitana de Natal, motivada pela disputa interna de facções criminosas e propiciada pela
ampla precariedade do sistema carcerário do estado. Durante o episódio, foram noticiadas fugas
em massa de presos e houve intensa cobertura midiática dos fatos, inclusive com transmissão
ao vivo durante horas de imagens do interior do presídio captadas à distância, as quais
reverberaram em todos os meios de comunicação, deixando a população em alerta.
No mesmo dia, veio a público a ocorrência de alguns atos criminosos perpetrados,
principalmente, em Natal, capital do estado, e a autoria foi atribuída, por rumores da população,
aos fugitivos. As redes sociais da web, nomeadamente WhatsApp e Facebook eram
constantemente alimentadas com novos relatos de crimes e com imagens amedrontadoras de
pessoas mortas ou bens e prédios pegando fogo. Essas publicações eram compartilhadas por
4 Notícia contida em site da web: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/01/soldados-do-exercito-vigiam-ruas-de-natal-apos-novos-ataques.html 5 Notícia contida em site da web http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/videos/t/todos-os-videos/v/forcas-armadas-vao-ocupar-ruas-de-natal-para-conter-onda-de-violencia/5590198/ 6 Notícia contida em site da web http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2016/08/tropa-do-exercito-chega-ao-rn-para-integrar-combate-ataques.html 7 Notícia contida em site da web https://veja.abril.com.br/especiais/um-presidio-condenado/
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muitas pessoas através dos seus perfis nessas aplicações, e rapidamente pânico tomou conta da
cidade, o medo de ser vítima aprisionou muitos norte-rio-grandenses em casa naquele dia,
deixando as ruas da cidade sem movimento.
No dia seguinte, foram divulgadas informações atualizadas pela imprensa, muitas das
quais descredibilizando todas aquelas que foram compartilhadas em dias anteriores. Fotos do
incêndio acidental de um gerador elétrico do principal shopping da cidade, ocorrido anos antes,
foram divulgadas nas correntes do WhatsApp como ação terrorista das facções criminosas e
muitas fotos e vídeos foram utilizados de forma totalmente alheia à realidade.
Os jornais foram abarrotados com as opiniões de “especialistas” sugerindo soluções,
sobretudo com o emprego de mais repressão, maior aparato policial e legislações mais severas
ou criticando a demora dos governantes em adotar medidas de combate à crise. Depois, as
medidas vieram, apagaram o incêndio, e quando os salvadores saíram de cena tudo
gradualmente voltou à desordem habitual.
Outro episódio que representa o insucesso das políticas de Estado é a intervenção militar
na cidade do Rio de Janeiro. Diferente do que ocorreu no RN, onde a participação do exército
assumiu um caráter de “ajuda” à polícia e às forças de segurança locais, no Rio de Janeiro o
controle da ordem pública foi totalmente delegada, pelo presidente do país, ao exército, depois
de, supostamente, a cidade ter registrado altos índices de violência durante o carnaval.
Essas decisões de Estado são muito questionadas no Brasil. Os movimentos sociais,
alguns representantes legislativos e outros atores envolvidos com o tema tem se pronunciado
vigorosamente contra a intervenção das forças militares nas cidades, não acreditando na sua
eficácia e afirmando que esta tática sempre vai gerar mais violência a médio e longo prazo.
Depois, a insegurança criminal no Brasil tem a particularidade de não ser atenuada, mas
nitidamente agravada pela intervenção das forças da ordem. O uso rotineiro da violência
letal pela polícia militar e o recurso habitual à tortura por parte da polícia civil (através
do uso da “pimentinha” e do “pau-de-arara” para fazer os suspeitos “confessarem”), as
execuções sumárias e os “desaparecimentos” inexplicados geram um clima de terror
entre as classes populares, que são seu alvo, e banalizam a brutalidade no seio do
Estado”(Wacquant, 2001, p. 5)
É por meio dessas e de outras situações, dentre as quais podemos citar os graves
escândalos de corrupção dos últimos anos, que a credibilidade do Estado vai cada vez mais se
comprometendo, deixando seus cidadãos insatisfeitos, preocupados, e, consequentemente, ao
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nosso ver, produzindo medo à cidade.
O medo, o sentimento de insegurança, pode gerar consequências significativas na vida
de quem o sente, Lurigio, Skogan e Davis (1990, cit. Machado, 2004) apontam quais são elas:
investimentos custosos em estratégias de segurança, restrição de atividades diárias e até mesmo
mudança de região habitacional. Desse modo, identificando a hipótese predatória como traço
marcante no cotidiano da população Brasileira, nos questionamos: qual a dimensão que a
hipótese predatória pode atingir no cotidiano de certos indivíduos? A hipótese predatória pode
assumir centralidade na vida de um brasileiro à ponto de fazê-lo deixar seu país?
3. “Atravessamos para o outro lado”8: Portugal como destino de fuga
Existe um rumor a se proliferar de que os Brasileiros, nomeadamente aqueles que tem
uma situação financeira privilegiada, estão deixando o seu país em busca de segurança e uma
melhor qualidade de vida. Não foi possível encontrar dados exatos e oficiais atualizados que
demonstrem o movimento migratório do Brasil e existe uma disparidade expressiva nas
estimativas publicadas, sobre o mesmo ano, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
– IBGE, o Ministério das Relações Exteriores e a Organização Internacional para as Migrações
– OIM. Os números referentes a 2010, data do último censo do IBGE, variam entre 491.000 e
3,7 milhões de brasileiros vivendo no exterior, segundo os relatórios emitidos pelas instituições
citadas.
De acordo com o IBGE (2010), os destinos prediletos dos brasileiros são os Estados
Unidos da América e Portugal. Nas mais recentes estimativas populacionais das comunidades
brasileiras no mundo9, precisamente de 2013 a 2015, realizadas pelo Ministério das Relações
Exteriores, Portugal aparece como o 3º país mais escolhido por brasileiros para migração,
ficando atrás dos Estados Unidos da América e do Japão.
É pertinente pontuar que não se contabiliza nessa lista os brasileiros com dupla
nacionalidade e, pela relação histórica que une Brasil e Portugal, é possível deduzir que exista
um número significativo de indivíduos nascidos no Brasil que tenham direito a cidadania
8 Diáspora. Canção da banda brasileira Tribalista. Composição: Arnaldo Antunes. 9 Disponível em: http://www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br/a-comunidade/estimativas-populacionais-das-comunidades/estimativas-populacionais-das-comunidades-brasileiras-no-mundo-2013/estimativas-2013.pdf http://www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br/a-comunidade/estimativas-populacionais-das-comunidades/estimativas-populacionais-brasileiras-mundo-2014/Estimativas-RCN2014.pdf http://www.brasileirosnomundo.itamaraty.gov.br/a-comunidade/estimativas-populacionais-das-comunidades/Estimativas%20RCN%202015%20-%20Atualizado.pdf
18
portuguesa por meio de descendência. Desse modo, os sujeitos com dupla cidadania que
decidem mudar de país não compõem as estimativas.
Sobre a concessão de cidadanias europeias a brasileiros, a Euroestat (2015, 2016, 2017,
2018, 2019) apresenta dados interessantes. Nos relatórios referentes aos anos de 2013 a 2017 é
possível perceber que Portugal é o país que lidera majoritariamente a concessão de cidadania a
brasileiros, perdendo lugar apenas em 2017 para Itália.
Membro da união europeia concessor
de cidadania
2013 (total de 15.300)
%
2014 (total de 14.200)
%
2015 (total de 14.200)
%
2016 (total de 21.500)
%
2107 (total de 21.500)
% Portugal 33.3 32.7 44.9 36.3 28.2
Itália 11.7 11.1 16.0 27.0 46.0 Espanha 29.0 28.2 10.2 15.9 6.0
Tabela 1 - Número de concessões de cidadanias dadas a brasileiros por membros (os três primeiros da lista) da
união europeia por ano. Dados euroestat (2015, 2016, 2017, 2018, 2019).
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – SEF (2019) de Portugal no seu mais recente
relatório divulgado, referente ao ano de 2018, assegura que a nacionalidade com mais
representantes em solo português é a brasileira, com 105.423 pessoas registadas, o que equivale
a 21,9% do total de 480.300 cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência em
Portugal. Esse número representa um aumento de 23% em relação ao ano de 2017, no qual o
SEF registrou o número de 85.426 brasileiros residentes em Portugal, que também representava
um aumento de 5,1% em relação a 2016. Essa tendência de crescimento não se registrava desde
2011. (SEF, 2018)
Um outro dado pertinente registrado nos últimos dois relatórios do SEF (2018, 2019) é
o crescimento da comunidade italiana em Portugal. Em 2017, a comunidade italiana entrou para
a lista das 10 nacionalidades mais representativas em solo português, apresentando um aumento
de 50% face a 2016, essa tendência se manteve em 2018 com um aumento de 45,9%. É curioso
perceber que o aumento da nacionalidade italiana em Portugal foi registrado no mesmo ano em
que se verificou um aumento significativo na concessão de cidadania italiana para cidadãos
brasileiros.
Portanto, os dados publicados pelo SEF fortalecem a hipótese já referida de que os
brasileiros têm emigrado cada vez mais para Portugal.
Ainda no campo dos rumores sobre o assunto e tentando compreender como eles se
apresentam busquei a internet, um meio completo, rápido e atualizado de acesso às notícias,
19
levando em conta que é através das informações lá contidas e da audiência e interação das redes
sociais que os boatos se disseminam.
Na primeira busca que realizei no sítio eletrônico Google, começando a frase com “os
brasileiros”, o Google logo sugeriu “… que fogem para Portugal”, aceitei a sugestão e o
primeiro link que apareceu estava intitulado “Mais imigrantes brasileiros em Portugal para fugir
à violência”, na página do Jornal de Notícias10, publicada em 25 de março de 2018. A página
contém um vídeo de uma matéria referente ao título mencionado, feita com Brasileiros. O
primeiro brasileiro entrevistado iniciou a reportagem dizendo que a tentativa de um sequestro
relâmpago foi a “gota d’agua” para ele decidir que não queria mais ficar no Brasil. Ele afirma
inclusive que inicialmente não pensou em Portugal, demonstrando a preponderância da
motivação “sair do Brasil” sobre fatores relacionados ao destino.
A matéria seguiu com o relato de outra brasileira que diz que ela e sua família
resolveram vir para Portugal depois de um evento criminoso no qual seu irmão foi vítima; esse
irmão acabou migrando para os EUA, ela e a irmã para Portugal. A busca da entrevistada era
por segurança e qualidade de vida. Ela descreve uma situação que vivenciou na avenida dos
Aliados às 22 horas, quando avistou um rapaz sentado em um banco público com seu portátil
ligado, aquilo lhe pareceu muito estranho e reconfortante ao mesmo tempo.
Outro brasileiro, que protagoniza a matéria, não alega ter sido vítima de um crime ou
conhecer alguém que o foi. Entretanto, vem a comparar rapidamente Portugal e Brasil quanto
a violência e sentimento de insegurança comentando que desde que chegou em Portugal não
precisa mais andar na rua olhando para trás, o que lhe parece um ótimo sinal. Ele comenta ter
consciência de que Portugal não é totalmente seguro, pois existem sítios onde se deve estar
mais atento, ou até evitar, mas, no caso do Brasil, não há mais os sítios seguros e os inseguros,
em todos os lugares você está exposto ao risco, a violência no Brasil é generalizada “basta você
estar no lugar errado e na hora errada, para um padrão, para que você deixe de ser um cidadão
para virar uma estatística”11 .
Uma outra reportagem sobre esse tema me foi sugerida a seguir, a autoria do vídeo é do
telejornal Fala Portugal, da emissora Record, que em sua edição do dia 22 de agosto de 2017
veiculou a matéria “um paraíso do outro lado do atlântico”12. Sol, a língua em comum,
10 https://www.jn.pt/mundo/videos/interior/mais-imigrantes-brasileiros-em-portugal-para-fugir-a-violencia-9210981.html 11 Transcrito literalmente. Retirado da reportagem do Jornal de Notícias: https://www.jn.pt/mundo/videos/interior/mais-imigrantes-brasileiros-em-portugal-para-fugir-a-violencia-9210981.html 12 https://recordeuropa.com/videos/fala-portugal/fala-portugal-um-paraiso-do-outro-lado-do-atlantico/
20
segurança, oportunidade de investimento e cidades cosmopolitas são os fatores que atraem os
brasileiros à Portugal, segundo o jornal. A matéria ainda apresenta o caso de um brasileiro que
saiu do Brasil aos 19 anos de idade, morou em países como Estados Unidos e Canadá, mas ao
visitar Portugal apaixonou-se e mudou-se para Cascais, onde ele acredita haver uma ótima
qualidade de vida e um contexto econômico interessante para investimentos. O repórter diz que
o entrevistado representa o novo perfil do imigrante brasileiro em Portugal, um profissional
com muitas habilidades e capacidade financeira, que encontra na sua nova pátria um porto
seguro. O repórter segue falando que os brasileiros pretendem desenvolver postos de trabalho
e contribuir com a evolução de Portugal, o que eles não conseguem fazer no Brasil, pois o país
está à beira do colapso.
A reportagem segue com imagens de tropas de choque entrando em bairros pobres do
Brasil e rendendo jovens. O entrevistado passa a falar de violência e perigo no Brasil, relatando
a invasão de criminosos armados à residência de seu irmão. Uma senhora brasileira também é
entrevistada e alega ter decidido mudar de país depois de ter presenciado um tiroteio enquanto
estava presa no trânsito rodoviário. Ao chegar em Portugal ela rapidamente conseguiu um
emprego em sua área de formação e afirma viver melhor agora, pois tem uma situação
financeira estável e tranquilidade. Por último, foi entrevistada uma jovem que veio para
Portugal trabalhar como cantora, ela reconheceu sua nacionalidade por ser descendente de
portugueses e diz que Portugal tem sim problemas, sobretudo relacionados a existência de
empregos precarizados, mas que tem a grande vantagem de ser um lugar seguro.
O Global Peace Index é um relatório realizado pelo Institute for Economics & Peace
(IEP) que divulga anualmente, desde 2008, a lista dos países mais pacíficos do mundo, de um
total de 163 países analisados. No relatório divulgado em junho de 2019, Portugal ocupa o 3º
lugar desse ranking, ficando abaixo apenas da Islândia e Nova Zelândia, respectivamente.
Portugal vem tendo um ótimo desempenho nesse ranking principalmente a partir do ano 2015,
no qual saiu da 18ª colocação para a 11ª, atingindo o 5º lugar em 2016, o 3º lugar em 2017 e 4º
lugar em 2018. O Brasil ocupa, em 2019, a 116ª colocação, nunca estando em uma posição
privilegiada nos 10 anos de relatório, sua melhor avaliação foi em 2011, onde ocupou o 74º
lugar.
E, tudo que foi exposto aqui, sobre sentimento de insegurança no Brasil, os rumores de
migração de brasileiros e pela possibilidade de Portugal ser visto por brasileiros como “um
paraíso do outro lado do atlântico”, somados a uma limitada produção científica acerca do
assunto e ao interesse particular desta investigadora brasileira, que está atenta a esses
acontecimentos da sua comunidade, é a base sobre a qual esta investigação se desenha.
21
Buscando compreender esse fenômeno, apresenta-lo de forma factual e contribuir para um olhar
mais compreensível e construtivo sobre o tema.
Capítulo II - Estratégias de Investigação
1. Objetivos
Geral:
• Analisar a relação entre a hipótese predatória e a migração de brasileiros para Portugal.
Específicos:
• Caracterizar Sociodemograficamente o imigrante Brasileiro em Portugal;
• Compreender a motivação da migração brasileira para Portugal;
• Identificar e analisar a influência da hipótese predatória em diversos aspectos da vida
desse indivíduo e especialmente sobre a decisão de migrar.
2. Método
O estudo realizado possui caráter exploratório, tratando de um tema que ainda oferece
muito espaço para investigação, em diversos aspectos, e com abertura para diferentes caminhos.
No entanto, para atender aos objetivos aqui estabelecidos, que visam analisar relações de cunho
subjetivo, sendo necessário o aprofundamento nas questões, nos pareceu mais pertinente a
opção por uma abordagem qualitativa. A investigação qualitativa parte de questões amplas que
vão se definindo a partir do desenvolvimento do estudo. Colocando o investigador em contato
direto com o fenômeno estudado, visando a obtenção de dados descritivos sobre pessoas,
lugares e processos interativos, procurando compreender os acontecimentos com base na
perspetiva dos sujeitos que compõe o estudo (Godoy, 1995).
A Recolha de dados ocorreu entre março e abril de 2019, através de entrevistas
individuais e tendo os brasileiros imigrantes em Portugal como população alvo. Elucidaremos
a seguir, de forma detalhada, todo o processo de amostragem e de recolha de dados.
22
2.1. Amostragem
A população objeto dessa investigação são os imigrantes brasileiros em Portugal que
migraram recentemente, precisamente a partir de 2013. Esse corte temporal se justifica pelo
interesse em compreender as motivações dos movimentos migratórios mais atuais. A partir de
julho de 2013 desencadeou-se, no Brasil, uma série de manifestações sociais que levaram
milhões de brasileiros às ruas em diversas cidades por todo o país, protestando por pautas
diversas correspondentes a praticamente todos os campos do espectro político. Com esses
movimentos sociais foi possível concluir que grande parte dos brasileiros estavam insatisfeitos
com seu país, mas os motivos das lutas se mostravam heterogêneos e polissêmicos, o que
dificultava o vislumbre de um futuro próspero e pacífico. Alguns trabalhos acadêmicos (Singer,
2013; Antunes, 2013) relatam bem esses movimentos, as pautas díspares desse período e o
sentimento que pairava na atmosfera social brasileira.
Nessa altura já se começava a ouvir com maior frequência um burburinho sobre o desejo
de alguns brasileiros, sobretudo os de classe média e classe média alta, de deixar o país,
movidos por esse sentimento de insatisfação. Consequentemente, desde lá, os rumores sob a
efetivação de emigrações vêm aumentando sensivelmente.
Dessa forma, pretendíamos alcançar pessoas migrantes que tinham a finalidade de
residência permanente, ou seja, que, de fato, tencionaram a emigração do Brasil e que
realizaram a mudança a partir de 2013. Buscou-se evitar, portanto, brasileiros que estavam em
Portugal apenas com o propósito de atender a um curso ou preparação temporária, ou que
viajaram por um período ocasional de trabalho e que visavam voltar ao Brasil logo após o
término dessas atividades.
A construção da amostra valeu-se do “método em cadeia” e do snowball. O método de
cadeia, de acordo com Fernandes e Carvalho (2003), analisa as redes como método subsidiário,
evidenciando as relações sociais. Essa estratégia permite analisar as redes de contactos e
estruturas sociais, desenvolvendo conclusões sobre as relações que envolvem o sujeito social.
Ao método de cadeia associamos o snowball como estratégia de amostragem, técnica que se
configura a partir da localização prévia de um indivíduo, ao qual será solicitado que indique
outros indivíduos que integram os critérios estabelecidos, desenvolvendo as cadeias de
referência (Fernandes & Carvalho, 2003).
Esse método é conveniente para o alcance de populações ocultas, embora a população
desse estudo não se configure como de difícil acesso. Cabe aqui mencionar que apesar da grande
simpatia dos brasileiros ao serem contactados, não foi fácil iniciar a recolha de dados com eles.
23
As duas primeiras cadeias não conseguiram desenvolver-se, pois havia uma dificuldade em
efetivar o compromisso por parte dos contactados. Assim acreditamos que o método empregado
se revelou muito pertinente.
As cadeias de referência foram iniciadas por meio da rede de contacto pessoal da
investigadora. Esses contactos iniciais seriam “ativadores”, que, apesar de não cumprirem o
critério para incorporar a amostra, tinham acesso a representantes das populações alvo e assim
poderiam indicar e facilitar o contacto da investigadora com os potenciais entrevistados
(Fernandes & Carvalho, 2003).
Inicialmente houve dificuldade em fazer avançar as cadeias, a despeito do esforço de
alguns ativadores. Contactamos pontualmente as pessoas indicadas e elas comprometiam-se a
comunicar-nos oportunamente sobre sua disponibilidade para entrevista, mas não retornavam.
Finalmente, um ativador proporcionou o acesso da investigadora a grupos de redes sociais da
web dedicados a interações entre imigrantes brasileiros, possibilitando contacto com um grande
número de potenciais participantes. O acesso a esses grupos e a abertura para realizar as
entrevistas por vídeo chamadas impulsionou o processo de recolha. As vídeo chamadas também
contribuíram no sentido do alcance do estudo, visto que foi possível entrevistar pessoas de
outras cidades de Portugal.
Por fim, a amostra foi constituída por 11 participantes de naturalidade Brasileira, 6 do
sexo feminino e 5 do sexo masculino. Com idade entre 34 e 66 anos e que imigraram entre 2015
e 2018. As características da amostra serão exploradas amplamente no capítulo seguinte.
2.2. Instrumento
O instrumento de recolha de dados elegido foi o de entrevistas individuais
semiestruturadas. Esse tipo de entrevista caracteriza-se por permitir que o entrevistado
desenvolva sobre o tema proposto, tornando o conteúdo exposto mais espontâneo e amplo,
promovendo um clima de conversa mais informal e talvez mais confortável para o informante.
Ainda assim, se valendo das questões previamente elaboradas de modo a não permitir que a
entrevista deserte do seu objetivo (Boni & Quaresma, 2005).
O guião de entrevista (Anexo 1) foi organizado em duas partes, a primeira com
perguntas sociodemográficas e questões objetivas simples, e a segunda parte com questões mais
extensas, na qual cabiam respostas de natureza mais ampla. A segunda etapa da entrevista era
norteada por temas, sendo eles: motivações para a migração, o sentimento de insegurança no
24
Brasil, estratégias para lidar com a insegurança e o sentimento de insegurança e apontamentos
sobre a vida em Portugal.
O contato com os sujeitos era feito previamente por telefone, momento no qual era
informados sobre o objetivo do estudo, o tempo estimado de duração da entrevista e o direito
de recusar participar, elucidando o caráter voluntário da participação e garantindo o anonimato.
Tudo conforme as recomendações éticas para estudos envolvendo seres humanos da Ordem dos
Psicólogos Portugueses (2016 [2011]) e da American Psychological Association (2002).
Decorrida a entrevista, era solicitado ao entrevistado a indicação de outros brasileiros
que pudessem participar da recolha de dados. Grande parte dos entrevistados foram atenciosos
e se esforçaram para criar pontes para o andamento da investigação. Alguns poucos
participantes tiveram alguma dificuldade nessa fase por ainda terem uma rede de amizades
reduzida em Portugal. Desse modo, foram iniciadas 2 cadeias concomitantemente, uma delas
não conseguiu se desenvolver, e então foram iniciadas mais 2 cadeias.
Foram realizadas 5 entrevistas presenciais, em cafés das cidades do Porto e Gaia, e 6
entrevistas por vídeo chamada. As entrevistas contaram com gravação de áudio previamente
autorizada pelos participantes e tiveram duração média de 43 minutos.
2.3. Análise de Dados
Depois da fase de recolha de dados, em posse das gravações do áudio das entrevistas,
deu-se início ao processo de transcrição do conteúdo integral do material, originando-se um
documento escrito que viabilizou um melhor tratamento das informações ali contidas.
A partir daí, foi realizada uma análise de conteúdo assentada nos fundamentos de Bardin
(1977), a qual consiste em um “conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter
por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção/recepção (variáveis inferidas) desta mensagem” (Bardin, 1977, p. 44).
Dessa forma, seguiu-se os passos de pré-análise do material; criou-se a grelha de análise
(anexo 2), baseada no referencial teórico; e, codificou-se o corpus.
O nome dos entrevistados foi omitido das transcrições e, nas descrições dos resultados,
foram utilizados nomes fictícios de modo a garantir o anonimato dos participantes.
25
Capítulo III: O imigrante brasileiro em Portugal e o sentimento de insegurança
1. Caracterização da amostra
Rumores sobre a mudança no perfil dos brasileiros que migram à Portugal estão se
disseminando nos programas de TV, em diversos outros tipos de medias, e nas conversas
populares. Este estudo não tem como principal objetivo construir o perfil dos imigrantes
brasileiros em Portugal, pois não há possibilidade de generalização nesse quesito, levando-se
em conta o método e o tamanho da amostra da investigação. Ainda assim, pareceu oportuno
caracterizar a amostra alcançada para refletir sobre a base factual desses rumores e chegar a
algumas conclusões.
1.1. Distribuição etária
Faixa etária Nº de Sujeitos
34-35 3
43-48 5
56- 66 3 Tabela 2 – Distribuição etária dos sujeitos entrevistados
Através dos dados expostos acima é possível observar a predominância de indivíduos
com mais de 40 anos. A idade média foi calculada em aproximadamente 47 anos e não há
sequer um participante que possa ser identificado como jovem. Nenhum participante se
distancia por mais de 19 anos da idade média.
Acreditamos que a relativa homogeneidade de idade dos participantes é reflexo do
método de amostragem, que privilegia a participação de pessoas componentes de um mesmo
círculo social e de relacionamentos, mas, por outro lado, não podemos deixar de especular que,
conforme a investigação aponta, uma faixa etária de idade mais elevada pode ser um traço
marcante da suposta nova onda de imigrantes brasileiros em Portugal.
1.2. Escolaridade
Todos os participantes declararam ter formação superior, 5 graduados, e 6 pós-
graduados. Formações diversas. São profissionais da área de arquitetura, comunicação, direito,
psicologia, educação física, economia, administração de empresas e matemática. Alguns dos
entrevistados fizeram formação em mais de uma área.
26
A escolaridade combina-se com a distribuição etária para indicar que a amostra é
formada por pessoas maduras ou em alguma medida experientes e de alguma forma eruditas.
Sabe-se que, no Brasil, o acesso à formação superior é pouco difundido, sendo
relativamente baixo o número de pessoas que alcançam este tipo de capital social. Esse fator,
portanto, é também um indicativo da condição social dos participantes.
1.3. Ocupação
A amostra tem situações muito distintas quanto à ocupação. Apenas 2 participantes
tinham emprego em Portugal no momento da recolha de dados, mesmo assim, essas duas
pessoas afirmaram que ainda prestam alguns serviços remotos a empresas do Brasil, o que lhes
complementa a renda conquistada em Portugal com recursos brasileiros.
Havia 3 participantes já reformados no Brasil, com pensões pagas pelo governo
brasileiro. Outros 6 participantes afirmaram se manter em Portugal por meio de renda familiar
compartilhada, sendo que 4 deles tinham essa renda familiar proveniente do Brasil, seja de
empresas que são administradas a distância ou de serviços autônomos que também são
prestados virtualmente a pessoas ou empresas do Brasil pelos seus familiares.
Alguns participantes mencionaram o desejo de ter uma vida profissional ativa em
Portugal, entretanto disseram que ainda não têm encontrado boas oportunidades.
Esses dados combinados com os demais já apresentados expressam um pouco mais da
situação econômica da amostra: Notoriamente não estamos apresentando um grupo
financeiramente precarizado. Apesar de alguns demonstrarem sua vontade de ter uma vida
profissional em Portugal isso não pareceu ser uma necessidade urgente, nem algo determinante
para a fixação de sua residência no novo país.
1.4. Com quem vivem
Dos 11 participantes, apenas uma mulher migrou sozinha e não vive em Portugal com
alguém da sua família. Ela divide um apartamento com amigos. Todos os outros 10
participantes imigraram com seu núcleo familiar, total ou parcial (um dos participantes havia
imigrado há um ano junto com a filha e estava esperando a esposa e o outro filho, que estavam
finalizando projetos no Brasil para poder se juntar ao resto da família em Portugal). E, portanto,
vivem com seu agregado familiar. São casais com e sem filhos, além de uma mãe que vive com
sua filha.
27
1.5. Distribuição geográfica de origem (Brasil)
A amostra, coincidentemente, teve egressos das 5 regiões do Brasil (norte, nordeste,
centro-oeste, sudeste e sul), o que é muito conveniente em termos investigativos. O Brasil é um
país de dimensão continental, o que se traduz em uma nação plural em vários aspectos
socioculturais. Assim, o fato de haver ao menos um representante de todas as regiões brasileiras
nos proporciona maior abrangência na perceção do fenômeno estudado.
É importante esclarecer que alguns poucos participantes viveram em mais de uma
cidade no Brasil. Como regra geral optamos por registrar a última cidade em que o sujeito
morou, com exceção de 3 casos, no qual os participantes tinham relação de atual proximidade
com duas cidades, como por exemplo o caso de uma das participantes que nasceu e morou até
o início da vida adulta em Erechim/RS e em seguida mudou-se para Manaus/AM, onde
construiu sua vida profissional e viveu durante muitos anos até que, já tendo decidido migrar
do país, voltou para sua cidade natal ficando cerca de um ano lá até vir para Portugal.
Isto posto, quando este estudo se referir ao Brasil, a partir da narrativa de seus
participantes, ele está usando como parâmetro alguma dessas cidades: Manaus/AM (Região
Norte); João Pessoa/PB, Fortaleza/CE e Recife/PE (Região Nordeste); Brasília/DF (Região
Centro-oeste); Indaiatuba/SP, Santo André/SP, São Paulo/SP, Niterói/RJ e Rio de Janeiro/RJ
(Região Sudeste); e Erechim/RS (Região Sul).
1.6. Distribuição geográfica em Portugal
Já em Portugal, por questões de viabilidade, não foi possível abranger imigrantes
residentes em numerosas cidades do país. Entretanto, a heterogeneidade deste fator não é tão
importante nesse caso devido aos objetivos do estudo, que estão mais focalizados em aspectos
da realidade brasileira. Ainda assim, além dos brasileiros residentes no Porto e Gaia, que foram
7, ainda foi possível entrevistar brasileiros residentes em Penafiel, Barcelos, Amadora e Sintra.
1.7. Tempo de permanência em Portugal
O tempo que os participantes têm de permanência em Portugal atingiu uma média de
16 meses, variando entre 6 meses a 46 meses em solo português, na altura da recolha de dados.
28
Mas a média de fato representa bem a maioria da amostra, que já estava há pelo menos um ano
em Portugal.
2. Motivações para a migração
Acreditamos ser pertinente dar início ao eixo de análise dos resultados a partir dos dados
provenientes da categoria Motivações para migração. Ora, se queremos compreender a relação
entre hipótese predatória e migração de Brasileiros a Portugal, é necessário inicialmente
perceber qual o motivo, expresso pelos participantes, que os levou a essa mudança. Vale
salientar que a pergunta relacionada a este assunto foi feita logo no começo da conversa, em
um momento onde os interlocutores ainda não estavam imersos no tema central da investigação.
O primeiro ponto a se destacar é o caráter plural dos motivos para a migração. Com
exceção de 3 participantes, todos os outros expressaram motivações associadas, explicando um
conjunto de fatores que fortaleceram a ideia de mudança.
Em outras épocas era comum se ouvir que pessoas deixavam seus países, especialmente
no caso dos países ditos subdesenvolvidos, procurando melhores condições de vida,
nomeadamente melhores condições de trabalho e consequentemente melhores condições
financeiras e, de fato, isso ocorreu no Brasil. A partir de 1980 o Brasil passou a ser um país de
mais emigração do que imigração, o que ocorreu em decorrência da estagnação económica e
do desemprego, somado à facilidade de acesso à informação e de transporte (Amaral, Costa &
Allgayer, 2017). Desse modo, os países de destino eram frequentemente aqueles de notável
sucesso económico, como os Estados Unidos da América. Por via da globalização, ou até
mesmo pela proximidade geográfica, a notícia das possibilidades que os EUA ofereciam
adentrava ao imaginário do Brasileiro. Os países da Europa também sempre estiveram no topo
da lista de preferência dos Brasileiros, afinal este é um continente que concentra um grande
número de países desenvolvidos, ou seja, com potenciais oportunidades de trabalho, e países
que também possuem um capital cultural muito vasto.
Todavia, dessa época para cá muita coisa mudou no cenário mundial e brasileiro. Hoje
o Brasil se tornou um país denominado “emergente”, com uma economia de relevância
mundial. Embora, apesar do cenário próspero economicamente, essa nação ainda enfrenta uma
série de contradições internas que geram desconforto em muitos dos seus habitantes.
A colocação do Brasil no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que
mensura o estado de desenvolvimento em todo o mundo a partir de indicadores de
desenvolvimento humano em vários aspectos, como população, educação, saúde, renda,
29
segurança, diferenças de género, sustentabilidade ambiental, entre outros, revela essas
contradições. O Brasil ocupa 79º colocação no ranqueamento do IDH, encontrando-se logo a
seguir à Venezuela (United Nations Development Programme, 2018), enquanto figura entre as
10 maiores economias do mundo em termos de produção total (International Monetary Fund,
2019) e a 35º colocação no ranqueamento de competitividade da indústria das nações (United
Nations Industrial Development Organization, 2019).
Além disso, de acordo com os dados disponibilizados pela Organização Internacional
para as Migrações – OIM (2017), se referindo ao ano de 2015, o Brasil ainda possui um número
maior de emigração do que imigração. Portanto, percebemos que a mudança da conjuntura
nacional brasileira não estancou os movimentos emigratórios, embora seja possível ponderar
que há novas razões que os motivam.
Na amostra desta investigação só houve um participante que relatou ter saído do Brasil
buscando melhores oportunidades de trabalho. Nenhum dos outros 10 participantes referiram
esse tema como motivação. Houve motivações pontuais como a de sentir-se só na cidade em
que residia, a vontade de fazer doutoramento, tranquilidade, saúde, ou por achar que o custo de
vida é mais razoável em Portugal.Também houve 2 sujeitos que mencionaram como motivo
primário acompanhar um familiar em trabalho ou estudo.
Outra motivação que também foi compartilhada entre os sujeitos foi o sonho antigo de
ter uma experiência de morar fora do Brasil, na Europa, em países de mais estabilidade, citado
por 3 participantes. “Primeiro a vontade de morar fora do Brasil, ter essas experiências (...)
aqui (Portugal), na Itália, aqui na Europa” (Antônio, 63 anos).
O Eurocentrismo parece ser ainda muito forte no ideário do brasileiro, o que faz muita
gente idealizar e almejar viver em uma cidade europeia. Fantasiando que na Europa tudo é
melhor, a qualidade de vida, a saúde, educação, segurança e a cultura. Essa ideia muitas vezes
é baseada em pré-conceitos, e não em fatos. Essa motivação se conecta com o motivo educação,
citada por 1 entrevistado como razão primária e por 2 como razão associada. “Educação
europeia é melhor do que a do Brasil” (Antônio, 63 anos). “Foi um conjunto de fatores... a
qualidade do ensino médio aqui é melhor do que o ensino médio no Brasil, infelizmente”
(Samuel, 66 anos).
Também houve 2 citações à instabilidade política e económica do Brasil. Contudo o
motivo que mais atravessou as narrativas dos sujeitos foi relacionado a questões voltadas à
segurança e violência, estando presente no discurso de 5 entrevistados, havendo um deles que
afirmou que esse era o único motivo da mudança de país. Seguem alguns excertos desse tópico:
“segurança em 1º lugar, porque segurança é o que você vivencia todos os dias, é a sua
30
liberdade de ir e vir, de não ter uma arma na tua cabeça, não ter alguém te roubando” (Cássio,
46 anos); “minha ex esposa, aconteceu um crime, num carro na frente do carro dela, aquilo
deixou ela com mais vontade de voltar (para Portugal), chegou próximo, podia ter sido ela. E
foi algo que quando ela chegou nós começamos a nos programar para vir” (Saulo, 48 anos);
“Quando a situação do Rio de janeiro começou a ficar muito violenta e a situação do país
muito caótica, a gente começou a pensar nisso mais seriamente” (Roberta, 43 anos).
Vários foram os fatores que fizeram os brasileiros quererem sair do Brasil, mas poucos
pareciam sonhar em morar em Portugal. Portugal pareceu ser conveniente em diversos aspectos,
como por um direito a dupla cidadania proveniente de antepassados ou cônjuges, ou por já
terem parentes morando aqui, pela língua e proximidade cultural, pelo custo de vida mais baixo
se comparado a outros países da Europa, ou até mesmo pela possibilidade do Visto Gold13.
“Eu comecei a pesquisar e vi que Portugal, embora não fosse o país mais valorizado,
é a porta de entrada para a Europa, é um país que tem uma certa estabilidade, se a gente for
ver, com pouco a gente vive razoável… o clima é bom, a língua é a mesma” (Sandra 47 anos).
3. Sentimento de insegurança no Brasil
Os resultados do tópico “motivações para a migração” indicaram a dimensão que as
questões securitárias podem ter na vida de alguns indivíduos e, como o tema do sentimento de
insegurança é central neste estudo, tratamos de explorá-lo a partir daí.
Já que os temas voltados à segurança afligem os brasileiros, e a violência no Brasil tem
notoriedade internacional. É pertinente entender como os Brasileiros, que migraram ou não por
esse motivo, percebem essa insegurança, como eles construíram esse sentimento, quais as
causas percebidas da insegurança, qual a intensidade do medo, e como eles lidam com isso.
3.1. Causas percebidas para o sentimento de insegurança
Os participantes, normalmente, ao expressarem seu sentimento de insegurança
automaticamente já tentavam justificá-lo, atribuindo causas, motivos que os legitimam nas suas
perceções. São as causas percebidas pelos participantes para o sentimento de insegurança. E foi
possível constatar que, ainda que apareçam algumas justificativas invulgares, a generalidade
13 Visto Gold é uma autorização de residência para entrada e permanência em território português, para fins de investimento, aquisição de imóveis e/ou criação de emprego.
31
das informações não foge aos temas já apontados na literatura: a delinquência, as vitimações e
os meios de comunicação são os fatores a que mais se atribui responsabilidade pelo crescimento
do sentimento de insegurança. Na verdade, é até difícil perceber a influência de cada um desses
determinantes de forma separada, no caso do Brasil todos eles parecem agir de forma intensa,
constante e combinada.
Sobre as eventuais justificativas invulgares, como acima mencionamos, chamou-nos a
atenção o caso de uma participante que mencionou a cultura como uma dessas causas,
afirmando acreditar que a corrupção e a criminalidade são intrínsecas ao Brasil. “Essa questão
é uma questão cultural. As pessoas, em casa, aprenderam que se burlar a fila está tudo bem,
se fizer isso errado está tudo bem, se ele pegar só 10 reais do outro está tudo bem…então não
é só uma questão de política é o povo que precisa mudar, isso precisa ser aprendido nas
escolas… então é uma purificação” (Sandra, 47 anos)
Apesar dela ter sido a única a referir-se expressamente a um suposto aspeto cultural
relacionado à segurança, também houve outras menções que denotavam um acentuado
descrédito com o Brasil e o brasileiro que podem ter relação com essa ideia: “a gente saturou
completamente de tudo, a gente não acredita mais em nenhuma melhora do Brasil” (Roberta,
43 anos).
Sob nossa reflexão, essa atribuição, que não pode se dizer rara, dos problemas de
corrupção e segurança do Brasil à índole do brasileiro ou à sua suposta cultura de delinquência,
nos parece mais uma tentativa descuidada de naturalização e conformação do problema,
evitando-se uma análise crítica e profunda das condições materiais e históricas da sociedade
brasileira que possam justificar a questão.
3.1.1. Delinquência
De modo geral os entrevistados percebem a cidade como perigosa através da
delinquência, que se faz percetível através de indicadores como: troca de tiros audíveis,
abordagens policiais ostensivas a indivíduos tidos como suspeitos nas ruas, tráfico e
toxicodependentes visíveis, sujeitos vistos como degradados à circular entre carros no trânsito,
índices crescentes de criminalidade expostos à população nos medias, interrupção da circulação
em certas regiões da cidade por organizações criminosas. Tudo isso os mostra diariamente que
estão vulneráveis.
Nesse sentido, três participantes mencionaram já terem ouvido tiroteios. A abordagem
a supostos criminosos pela polícia nas ruas também traz ao sujeito sensação de proximidade do
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ato criminoso, um dos participantes conta: “me assustou, porque eu estava vindo a pé para a
casa da minha mãe, e de repente dois motoqueiros pararam, eu percebi que tinha algo
estranho, viraram uma rua, daqui a pouco tinha policiamento ali, eu vi que estava a arma no
chão, capacetes, ou seja, eram assaltantes. Então a gente às vezes percebe que a violência está
próxima, então temos que tomar cuidado.” (Saulo, 48 anos)
A questão do tráfico é pontuada como um fator gerador de sentimento de insegurança,
assim como a concentração de toxicodependentes em espaços urbanos é frequentemente
associada à criminalidade: “ficava aqueles ‘craqueiros’ andando no meio dos carros, olhando
para ver se tinha bolsa” (Samuel, 66 anos). Esses são sinais de ruptura social, “grupos
problemáticos que habitam o espaço público – inspiram receio, ao mesmo tempo em que traduzem
a impotência das instâncias de controle” (Rêgo & Fernandes, 2012).
As taxas de criminalidade divulgadas são intimidadoras. “A gente via no jornal que os
índices de assalto em ônibus, no metro e em todos lugares tinha aumentado muitos por cento e
estava acontecendo em todos os bairros” (Camila, 34 anos). Sabemos que no caso de um país de
ampla dimensão como o Brasil, essas taxas podem ser supervalorizadas pela população, tendo em
vista que os números são sempre grandes e as informações não são inteligíveis a todos. Não há a
intenção aqui de desconsiderar os índices de criminalidade no Brasil, porque de fato eles são altos,
mas eles precisam ser interpretados, porque, por exemplo, crimes violentos não costumam ter as
mesmas incidências em todos os contextos brasileiros, nem configuram a maioria dos crimes
notificados, mas parecem ser muito temidos por todos. No fim das contas, para muitos a ideia que
fica é de caos absoluto, de risco constante, mesmo que para a maioria a vulnerabilidade ao crime
ou à violência não seja realmente significante.
3.1.2. Mass media
O “a gente via no jornal” do último excerto apresentado já nos conecta ao tema dos
meios de comunicação e o seu peso sobre a população. Os participantes comumente afirmam
ter acesso às notícias sobre o país através de redes sociais via web e telejornais. “Eu acompanho
até hoje os jornais de lá pelo instagram” (Camila, 34 anos). Cabe esclarecer que essas redes
sociais contam com perfis de grandes jornais e do jornalismo independente que parecem ter
credibilidade, mas também é campo fértil para a disseminação de notícias falsas (fake news).
Sobre esse assunto, um participante comenta: “hoje está tendo coisas bizarras que a grande
massa do Brasil não é pensante, a grande massa do Brasil ela vai de ‘notícia whatsapp é
verdade’” (Saulo, 48 anos).
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Além do problema das fake news, que já mostrou ser um grande desafio dos tempos
atuais, com grande poder de manipulação da massa, influenciando como a população percebe
a realidade e desencadeando consequências desastrosas, também existem outras questões a
serem problematizadas sobre os meios de comunicação. Os dois excertos a seguir enunciam
uma delas : “no que você liga a TV é um trauma” (Sandra, 47 anos); “a Record (emissora de
televisão) no Brasil espirra sangue” (Danilo, 34 anos).
No Brasil, o telejornalismo policial com foco no crime violento tem muito espaço de
transmissão. Normalmente é de frequência diária e apresentado em horários nobres, sendo
considerados por alguns como programas meramente informativos de acontecimentos
cotidianos. Montoro (2002) afirma que esses programas veiculam notícias de caráter
impactante, como assassinatos envolvendo crianças e adolescentes, estupros, sequestros e
conflitos de terra, e a forma como esses crimes são veiculados, com imagens, riquezas de
detalhes, armas do crime e sangue, banalizam a violência. Segundo a autora, as notícias de
violência se transformam em espetáculo, por isso há um investimento em pormenores e no
exagero de imagens.
“Os medias só colocam aquilo que a sociedade quer, então quer dizer que a sociedade
pauta os media? Ou os medias quando noticiam, pautam as conversas da sociedade? Eu acho
que isso é uma retroalimentação, é a cobra que come o rabo. Porque são coisa que a gente
quer, a gente quer o circo” (Danilo, 34 anos).
As histórias sobre o crime podem assumir o papel de entretenimento, entretanto o
interesse por esses programas ou por falar sobre o crime vai além. Caldeira (2000), afirma que
falar sobre o crime é contagiante, as pessoas se estendem no assunto, sempre há mais uma
história para ser contada sobre o tema, é como se as análises que surgem a partir daí
contribuíssem para a criação de estratégias para lidar com as experiências de caráter aleatório
e imprevisível da violência.
A repetição das histórias, no entanto, só serve para reforçar as sensações de perigo,
insegurança e perturbação das pessoas. Assim, a fala do crime alimenta um círculo em
que o medo é trabalhado e reproduzido, e no qual a violência é a um só tempo combatida
e ampliada (Caldeira, 2000, p. 27).
Alguns Brasileiros entrevistados acreditam que há sim uma hipermidiatização da
violência e crimes, outros afirmam acreditar que os crimes no Brasil são subnoticiados. É
possível entender a perceção de ambos. O Brasil é um país muito grande, no qual a atividade
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criminal é intensa e não é possível noticiar todos os crimes, até porque nem todos eles têm valor
para os media, e é justamente aí que podemos entrar no tema da hipermidiatização. O que existe
é uma supervalorização de crimes violentos, o crime que tem mais valor midiático, que gera
mais audiência e que aguça a curiosidade do telespectador.
Um dos entrevistados que tem formação na área de comunicação reflete sobre o valor
da notícia: “‘um aluno da rede pública ganha medalha de ouro na olimpíada mundial’, tem um
valor, ‘um cidadão está segurando uma velha refém na entrada do banco…’, valor enorme de
notícia, valor absurdo. E como os meios de comunicação precisam ter audiência para vender
publicidade e para se sustentar, eles vão vender aquilo que tem mais audiência” (Danilo, 34
anos). Esse participante também menciona a função dos medias de gerar experiências
(intermediadas). Uma pessoa pode nunca ter sido vitimada ou um tipo de crime pode estar muito
fora da sua realidade por questões como região onde mora, ou características
sociodemográficas, mas a partir do que é trazido pelo jornalista vive aquela experiência de
forma intermediada e acredita que aquilo pode acontecer com ela, que ela está em risco.
A partir daí ele fala na criação de um sentimento nacional de descredibilidade no futuro
da nação, como se no Brasil só acontecessem coisas ruins, é um país mergulhado na violência
e que a próxima vítima pode ser qualquer um de nós.
3.1.3. Vitimação
A vitimação consiste na experiência pessoal com o crime, na qual a pessoa é vítima
direta de um dano material, físico ou psicológico. Essa questão foi apontada pelos participantes
como outro gerador de sentimento de insegurança. Esse tópico rendeu por muito tempo na
maioria das entrevistas, o que faz parecer que ele talvez seja o principal causador de medo do
crime na concepção dos sujeitos entrevistados. No entanto, não foram as vitimações diretas que
mais tomaram espaço aqui, e sim a vitimação vicariante, que se caracteriza por uma vitimação
sentida por meio da experiência de terceiros, de amigos ou familiares, com o crime ou violência,
ou até através de notícias veiculadas pelos meios de comunicação sobre o caso de
desconhecidos (Gomme, 1988).
Relativamente à experiência de vitimação direta com o crime e/ou violência, dos 11
participantes, 2 já haviam sido vítimas de assalto, 3 de furto (2 furtos simples e 1 furto por
arrombamento de domicílio) e 1 de tentativa de sequestro.
O participante Danilo (34 anos) foi vítima de um assalto a mão armada há 18 anos em
um autocarro, onde o abordaram com uma arma de fogo e puxaram seu cordão. Talvez por ser
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um acontecimento antigo o participante não demonstrou tanto entusiasmo ao relatar o fato, tal
como não demonstrou ter ficado tão afetado com o ocorrido. Contudo, logo em seguida o
mesmo contou algumas histórias mais recentes, como o assalto à sua empregada doméstica na
esquina do seu prédio em João Pessoa, ou o furto na casa do seu vizinho, o sequestro que
aconteceu no carro que seguia na sua frente. Ele não foi vitimado diretamente em ocasião
recente, mas demonstrou ter ficado afetado com todos esses episódios mencionados, pensando
nos seus filhos e nas limitações que eles teriam em viver em um lugar cercado de delinquência.
A outra participante que também já havia sido assaltada, 2 vezes, e foi agredida em uma
delas. Na altura ela já possuía um carro blindado, que havia adquirido desde 2005, pois afirma
que há muito tempo se sentia insegura. No entanto, como ela mesmo menciona: “mas você só
está segura de carro blindado dentro dele” (Ruth, 56 anos). Ela foi abordada quando estava
saindo do seu carro ao estacionar junto à clínica onde trabalhava. Ruth conta como reagiu: “eu
gritei, corri, ele veio atrás de mim me deu uma coronhada na cabeça, eu caí e ele levou a
bolsa” (Ruth, 56 anos). Essa participante foi a que alegou ter deixado o Brasil exclusivamente
por causa da insegurança. Ela ainda comentou: “Essas coisas realmente me deixam
profundamente triste. os clientes nossos, da clínica e do restaurante, várias vezes foram
assaltados (...) a maior parte dos meus amigos, todos já tiveram um ou dois episódios de
assalto. É a banalização da vida. (Ruth, 56 anos).
Sobre a sua experiência com o crime, especificamente com um furto por arrombamento
de domicílio, Cássio (46 anos) coloca: “Pior coisa do mundo é você chegar na tua casa e achar
os portões abertos... Então dá um abalo psicológico, principalmente junto à família, você
chegar e ver seu patrimônio ir embora. Não o valor financeiro, porque tudo se compra, mas a
perda psicológica é muito grande, você chegar e não ter nada. Eu não levo muito a sério não,
mas a família levou muito a sério, os filhos, a esposa, fica aquela síndrome”.
Depois desse episódio, o entrevistado afirma que ainda tentou continuar residindo na
mesma casa, se valendo de estratégias securitárias mais rebuscadas, mas não resultou. “Aí botei
sistema de alarme, cerca elétrica, circuito de câmera, ou seja, você começa a entrar na neurose
do desespero da falta de segurança… mas eu vi que não ia ter paz de espírito e tranquilidade,
aí eu optei para ir para um condomínio fechado” (Cássio, 46 anos).
Os outros 5 participantes nunca passaram por uma situação de violência ou crime, mas
não se abstiveram de contar várias histórias que aconteceram com parentes ou com amigos,
assim como também fizeram os já vitimados. Eles alegam que esses episódios ocorridos com
terceiros produzem a sensação de que o crime está muito próximo. Alguns comentários foram
feitos nesse sentido:
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“Você começa, às vezes, não sofrer diretamente, mas vê os outros parentes próximos
sofrendo, principalmente na área de segurança. Então você fica num estado que você não
consegue sair de casa sem ver algumas... sem ter medo que aconteça alguma coisa.” (Cássio,
46 anos).
“É o tio do vizinho do meu primo, que você nem conseguia fazer uma associação de
quem era, foi assaltado essa semana. Hoje é o teu vizinho que foi assaltado. De um círculo de
10 amigos, 7 foram assaltados, você só está esperando a tua vez.” (Saulo, 48 anos).
“Tinha havido casos (no condomínio onde moravam) de entrar com a família na casa,
com arma, roubo. Ano passado inclusive. Então a gente ficou receoso.” (Vanessa, 44 anos).
É possível perceber que o que muitas vezes acontece é uma identificação com as vítimas
por parte dos entrevistados, por pertencerem a uma mesma comunidade ou por terem
características sociodemográficas parecidas. Há o desenvolvimento de empatia pelas
experiências dos outros sob essas circunstâncias, projetando para dentro de si o medo do outro
que foi vitimado, vivendo de forma vicariante e adotando estratégias de prevenção que o outro
vitimado deveria ter utilizado (Fonseca, 1998). “A experiências de pessoas ao meu entorno,
próximas do meu dia-a-dia, sempre me influenciou. Porque a sensação é de que daqui a pouco
é a minha vez” (Roberta, 43 anos).
3.2. Intensidade
O medo tem intensificadores socioambientais que fazem com que o sentimento de
insegurança seja relativizado por alguns entrevistados, sendo sentido com intensidade diferente
em função, especialmente, do ambiente, da cidade ou até mesmo da região do país.
Os dois participantes que vieram de Brasília, por exemplo, fizeram comentários no
sentido de ser incontestável a existência de realidades diferentes dentro do Brasil e até mesmo
dentro de uma mesma cidade, o que faz como que eles se sintam mais ou menos vulneráveis à
criminalidade. Brasília, enquanto capital do Brasil, sede dos três poderes da república, conta
com uma presença forte e sempre visível do controle formal do Estado. Esta foi uma cidade
planejada e arquitetada para a função que exerce, havendo espaços amplos e avenidas largas
que influem na perceção da cidade. Os entrevistados, Cássio e Antônio deduzem que é uma
região visada e controlada pelas autoridades, por isso a sensação de segurança é mais forte.
Assim afirma: “Por ser capital, por ser centro, por ter tudo ali, você nunca vai ter os mesmos
níveis de violência que você tem em outras cidades do Brasil. É o quadradinho de Brasília, ele
vai ser sempre diferenciado.” (Cássio, 46 anos); “eu vivia em um local bem tranquilo, bem
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legal em Brasília, vivia bem no centro, um local onde é muito policiado, onde o índice de
criminalidade não é tão alto” (Antônio, 63 anos).
No entanto, ambos afirmam que as cidades satélites de Brasília possuem uma realidade
muito diferente da que se encontra no plano piloto, ou do “quadradinho”, também
caracterizado por um dos participantes como “ilha da fantasia” (Cássio, 46 anos). “Você
morar em uma cidade satélite de Brasília é outra realidade, a violência é outra, tem cidades
violentíssimas” (Antônio, 63 anos).
São Paulo também foi mencionado como uma cidade onde o sentimento de insegurança
possui intensidades diferentes, dependendo do bairro. Assim como Brasília, São Paulo possui
uma organização espacial onde os bairros mais elitizados estão no centro. À medida que nos
afastamos desse centro, vão percebendo-se mais pistas socioambientais que influenciam no
sentimento de insegurança. Sobre São Paulo, uma participante afirmou: “eu fico em pinheiros,
que é um bairro mais elitizado e eu tinha a sensação que aquele era um bairro blindado. Eu ia
na padaria às 04:30 da manhã e nada acontecia, não via polícia, nem ladrão (...) mas eu sabia
que São Paulo não era só aquele espaço (...) eu acho que em outros bairros talvez eu não me
sentiria dessa forma.”
Essa organização espacial de algumas cidades permite que as pessoas consigam
identificar mais facilmente quais locais devem ser evitados, quais os lugares ditos perigosos, e
esse estigma normalmente afeta as periferias urbanas pobres, que geralmente se localizam no
entorno das cidades, afastadas do centro. Uma região que possui indícios ambientais do seu
desenvolvimento desordenado, principalmente no caso das grandes cidades, e que abriga uma
população marginalizada. Essas periferias, como as da cidade de São Paulo, manifestam a
grande desigualdade social presente no Brasil. Somado a isso, estudos realizados a datar de
1990 indicam que “o aumento expressivo das taxas de homicídio conforme afasta-se do centro
em direção à periferia das grandes cidades” (Neme, 2005).
Mas há outras cidades em que essa identificação do “espaço perigoso” não é tão fácil,
principalmente para quem não á habitante da região. Uma cidade brasileira que segue outro
padrão arquitetônico, no qual a questão social se faz ver facilmente, onde bairros
marginalizados se avizinham a bairros elitizados e foi citada algumas vezes como um lugar de
imprevisibilidade e de alto sentimento de insegurança foi a cidade do Rio de Janeiro. “No Rio
não tem isso, a periferia está nas suas costas, pendurada no morro. É onde está a violência,
onde… o pessoal desce para assaltar de onde? Vem de lá e assalta aqui e volta para lá. E a
insegurança é essa” (Antônio, 63 anos). “No RJ eu escutava tiroteio e isso me deixava muito
insegura” (Camila, 34 anos).
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Uma entrevistada que nasceu e sempre viveu no Rio de Janeiro afirma categoricamente:
“o Rio de Janeiro é 100% pior do que qualquer outro local, embora não tem nenhum lugar no
Brasil que eu considere seguro” (Roberta, 43 anos). Outros participantes que nunca moraram
no Rio de Janeiro, mas já havia visitado, comumente usavam a cidade como referência de
violência ou sentimento de insegurança.
O Rio de Janeiro é uma das cidades mais visadas e importantes, econômica e
culturalmente, do Brasil. A população é grande, grandes emissoras de televisão estão sediadas
lá, muitas pessoas de destaque social vivem lá. É possível que tudo o que acontece no Rio de
Janeiro seja mais exposto e mais superdimensionado. O Brasil todo consome muita informação
do eixo Rio-São Paulo.
O Nordeste que outrora era conhecida nacionalmente por sua tranquilidade e segurança,
apareceu na narrativa dos seus egressos como uma região complicada do Brasil no que se refere
a segurança. Havia duas pernambucanas egressas de Recife, que já residiram em outras cidades,
e ambas afirmaram que Recife é a cidade onde elas se sentiam mais inseguras, mesmo quando
comparam com cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, cidades que durante muitos anos
ocuparam os primeiros lugares nos rankings de criminalidade nacional. “A gente sabe que as
capitais do nordeste são bem complicadas com relação a isso, você não está livre em bairro
algum” (Camila, 34 anos).
Sandra (43 anos) nasceu e viveu grande parte da sua vida em Erechim, interior do estado
do Rio Grande do Sul, e depois viveu muitos anos na região Norte, no estado do Amazonas, na
cidade de Manaus. Antes de vir para Portugal viveu mais um tempo no Sul, de volta à sua
cidade natal. Ela afirma que estas são regiões e cidades muito distintas em diversos aspectos e
que o sentimento de insegurança é largamente diferente. Apesar de se identificar mais com a
população amazonense ela alega que no Sul a sensação de segurança lhe permitia sair na rua
caminhando a noite sem muita preocupação, algo que ela não faria em Manaus.
A comparação entre cidades grandes e cidades pequenas do interior dos estados também
foi citada por outra participante que morou na cidade de São Paulo e em Indaiatuba, no interior
do mesmo estado. “A gente estando em Indaiatuba, que é uma cidade de interior, a gente teve
muito mais sensação de segurança do que em São Paulo, sem dúvida.” (Vanessa, 44 anos). Ela
sentia que a vida no interior era mais tranquila e que ali ela não precisava estar tão vigilante
como em São Paulo.
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3.3. Apreensão vivida
No decorrer das conversas foi percetível que o discurso dos brasileiros estava muito
assentado em um aspecto particular do sentimento de insegurança, a apreensão vivida. Segundo
Fonseca (1998), Apreensão vivida é caracterizada por um sentimento, um medo, que surge em
situações específicas, situações vistas como ameaçadoras, o que pode gerar uma alteração de
comportamento.
Os 11 entrevistados, em diferentes proporções, evidenciaram estar sujeitos a essa
apreensão no contexto urbano Brasileiro, promovendo a ideia de que ela faz parte da
experiência cotidiana das cidades no Brasil. “A gente está toda hora olhando para trás, a gente
não consegue sentar e ver duas pessoas vindo na nossa direção sem ficar tenso” (Danilo, 34
anos).
O medo ao sair na rua, já leva alguns a não sair: “eu deixei muito, muito de sair”
(Sandra, 47 anos); “a violência me inibia demais. Eu não conseguia visitar lugares próximos
da minha casa de uma forma tranquila, caminhando. Me sentia muito reclusa” (Camila, 34
anos). Em outros casos, o medo leva-os a planejar cautelosamente suas rotas de circulação na
cidade, assim como estimula-os a evitar o sistema de transporte público, que é recorrentemente
citado como lugar de alto risco. “A gente via no jornal que os índices de assaltos em ônibus, no
metro e em todos lugares tinha aumentado muitos por cento e estava acontecendo em todos os
bairros” (Camila, 34 anos); “a gente sabe que assaltam em ônibus, arrastão, essas coisas”
(Samuel, 66 anos).
O habitat urbano, a rua, os encontros com desconhecidos, parecem ser sempre um
desencadeador da sensação de ameaça para esses entrevistados. Viver a cidade é também
sucumbir ao sentimento de insegurança: “meus últimos meses lá foi puro pânico nesse sentido”
(Camila, 34 anos); “sair sem saber se vai voltar inteira” (Ruth, 56 anos); “você tem que ter o
maior cuidado, porque na primeira oportunidade você vai ser roubado, sua vida está em risco
por causa de um aparelho de telefone” (Cássio, 46 anos).
Já é possível perceber aqui as limitações causadas pelo medo à cidade, o que nos remete
a hipótese predatória como marca cotidiana da vivência urbana brasileira, de acordo com os
entrevistados. A imagem predatória da cidade fica ainda melhor caracterizada na fala de uma
participante: “Eu me sentia a zebra na selva esperando o leão atacar, era essa imagem que eu
sentia no Rio de Janeiro, que você está numa selva e a qualquer momento você pode ser
atacado” (Roberta, 43 anos). A metáfora usada se relaciona perfeitamente com o conceito da
hipótese predatória desenvolvido por Fernandes (2003), que não por coincidência, se fez
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percetível durante uma visita prolongada do autor à capital carioca, quando percebeu a cidade
como um espaço urbano que “está continuamente em preparação para o encontro entre algum
agressor e alguma vítima” (Fernandes, 2003), como acontece na natureza o encontro entre
predador e presa.
4. Estratégias para lidar com o sentimento de insegurança
As estratégias utilizadas para lidar com o medo do crime dizem sobre as práticas
cotidianas moldadas pelas imagens que os participantes tinham das cidades em que residiam no
Brasil. São várias as estratégias securitárias citadas por eles, algumas usadas na proteção de
seus lares, mas mais do que tudo estratégias comportamentais voltadas para circular nos
ambientes urbanos de modo a reduzir a exposição ao risco.
São assumidas estratégias de evitamento, como: não sair à noite, “a noite parece que
permite tudo, né?” (Sandra, 47 anos); não sair sozinho, “A gente nunca sai sozinho” (Samuel,
66 anos); não circular por zonas conhecidas como perigosas, “evitava ruas que eu sabia que
eram isoladas, escuras, a noite principalmente” (Saulo, 48 anos); evitar se deslocar de
transporte público, ou caminhando, se tiver com pertences de valor ou com documentos
importantes, “não pegar ônibus com notebook” (Camila, 34 anos), “nunca andava com os
documentos que eu queria, que eu achava necessário, sempre com menos coisas” (Vanessa, 44
anos); evitar eventos em locais abertos, “shows abertos… você fala assim:‘vou não’” (Cássio,
46 anos), “não ficar em um bar que tenha mesas do lado de fora” (Camila, 34 anos) e evitar
“parar em semáforo e deixar vidro aberto” (Vanessa, 44 anos).
Estratégias pró-ativas foram ainda mais citadas, sendo elas: comportamento vigilante,
frequentar bairros mais elitizados, estar acompanhado, “estar em companhia te deixa mais
safe” (Camila, 34 anos); usar sempre o carro para se locomover, residir em condomínios
fechados, ter carro blindado e planejar trajetos que evitem certas regiões da cidade.
Não usar o transporte público brasileiro e evitar se deslocar caminhando demonstrou-se
como uma tática comum entre os entrevistados. 6 deles citaram evitar autocarros e caminhadas
nas ruas, sobretudo em horários noturnos e quando estavam em posse de objeto de valor,
sobretudo portáteis. Para caminhar na rua, 5 sujeitos afirmaram usar estratégias como: olhar
para os lados a todos os momentos, não estar de posse de malas grandes, esconder dinheiro e
celular na roupa, em alguns casos nem levá-los consigo, não sair com joias. Um dos
participantes mencionou usar o que chamou de “meu ‘kit mendigo’, uma sandália velha, uma
bermuda velha, uma camisa velha” (Danilo, 34 anos) ao se deslocar a pé pelas ruas.
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Foi possível inferir que a maioria dos participantes tinha carro quando moravam no
Brasil e que a utilização dele para qualquer deslocamento urbano era de extrema importância
para que eles se sentissem mais seguros. “Você sai de carro você está mais protegido, não
depende de transporte público… você começa a diminuir sua margem de vulnerabilidade”
(Cássio, 46 anos). “A gente não comprava um pão se não fosse de carro, e o carro fechado,
sempre” (Danilo, 34 anos). Medidas para deixar o veículo mais seguro foram também citadas,
tais como vidros sempre fechados, portas travadas, instalação de filme nos vidros e até mesmo
blindagem do veículo, no caso específico de uma participante.
Entretanto, a estratégia mais citada foi a de morar em condomínio. 6 sujeitos afirmaram
expressamente terem adotado este tipo de moradia como estratégia de segurança, mas todos os
participantes revelaram morar em condomínios ou apartamentos. “Se o ladrão vê que tem uma
casa na rua ali e tem uma casa dentro do condomínio, que tem cerca elétrica, câmera, o cara…
Entende? Só inibe” (Samuel, 66 anos). Contudo, apenas um deles optou pelo condomínio após
um assalto à sua residência. “Antes morava em casa e eu mudei porque roubaram minha casa
(...) optei para ir para um condomínio fechado” (Cássio, 46 anos).
Uma das participantes mencionou utilizar de um “sistema de vizinhos solidários” em
seu condomínio, “um toma conta do outro, se um viaja avisa ao outro, que fica atento à sua
casa” (Vanessa, 44 anos). Apesar de já estarem em um condómino, no qual havia todo um
aparato de segurança, inclusive com rondas, os vizinhos tinham o compromisso de ficarem
atentos a qualquer movimentação pouco habitual nas ruas e nas casas à sua volta,
compartilhando informações entre eles por telefone.
Por fim, a migração também parece ser uma estratégia para lidar com sentimento de
insegurança, embora os participantes não a tenham citado nesta secção especificamente. O fato
das questões voltadas à segurança, ao medo do crime, terem aparecido para alguns como um
motivador para a partida do Brasil diz de uma atitude, de uma tática, frente a perceção da
insegurança vivida.
5. Dimensão Reflexiva
Até então observamos a dimensão performativa do Sentimento de Insegurança, como
as pessoas agem a partir dele. Além disso, também foi possível identificar nos discursos de 3
participantes a dimensão reflexiva do sentimento de insegurança, através de comentários sobre
a possibilidade de um superdimensionamento da violência. Os participantes consideraram que
o sentimento de insegurança cresce a partir da hipermidiatização de crimes violentos e das fake
42
news. Todos eles afirmam se sentirem inseguros no Brasil e dizem saber que o crime e a
violência têm taxas altas no Brasil, mas ponderam que talvez o sentimento supere a realidade
criminal.
“Eu acho que nós estamos passando por um momento, no Brasil, complicado, que eu
acho que é mais um sentimento do que uma realidade. Apesar de estar acontecendo crime perto
de você, ainda é algo que não é generalizado, ainda é algo que não é ‘vou sair de casa e vou
ser assaltado’, você cria essa falsa sensação. Porque lá no Brasil, o brasileiro atualmente, com
a questão de redes sociais, fake news, tudo é traumático, tudo é uma potência muito mais
elevada” (Saulo, 48 anos).
6. Sentimento de Insegurança em Portugal
É unânime entre os brasileiros a declaração de que se sentem mais seguros em Portugal
do que no Brasil. Mas essa unanimidade não é homogênea quanto à intensidade do sentimento,
há perceções diferentes sobre a realidade portuguesa.
Há comentários como: “Extremely safe (risos). Eu me sinto muito, muito, muito bem
aqui” (Camila, 34 anos) ou “Eu não acho que Portugal seja essa maravilha que muita gente
acha... só que perto do Brasil aqui é 100% seguro” (Roberta, 43 anos).
Quando questionados sobre como se sentem em relação à segurança em Portugal
comumente vão usar a comparação com o Brasil nas suas respostas. Todos os Brasileiros
fizeram comentários quanto a dificuldade de caminhar nas ruas do Brasil sem sentirem-se
ameaçados, então muitos começaram sua narrativa nesse tópico afirmando que se sentiam
seguros em Portugal porque podem andar na rua, inclusive à noite, com o telemóvel na mão e
sem precisar estar vigilante.
Os entrevistados enalteceram o sentimento de segurança e de tranquilidade ao ir à praia
e ao fazer exercícios ao ar livre. “Eu já saí para correr aqui, só para ver como era, à meia
noite, e você não vê ninguém, e quando você encontra alguém as pessoas estão com outra
preocupação. Você não tem o estresse do medo, você não vai com medo de chegar na esquina
e ser assaltado” (Cássio, 46 anos). Esse comentário evoca uma reflexão sobre a apreensão
vivida a partir da inquietude percebida no outro, um processo de difusão do medo, que Fonseca
(1998) chama de representação da apreensão vivida pelo outro. O autor a identifica como um
dos aspectos que compõe o sentimento de insegurança, consistente na reação ao comportamento
securitário de terceiros. Note-se que quando o participante sai de casa, sem apreensão, e
43
encontra com pessoas na rua nas quais ele não perceciona preocupação securitária, por
consequência, seu medo não aflora e a tranquilidade alheia reforça sua sensação de segurança.
Três entrevistados, residentes no Porto e Gaia, que possuem filhos adolescentes,
frisaram que a liberdade que dão aos seus filhos nessas cidades é algo nunca imaginado por eles
enquanto estavam no Brasil. Os filhos usam transporte público e saem com amigos sem precisar
de monitoramento constante via telemóvel.
“Portugal é um paraíso? Não! Mas acho que é o 3º país em segurança da Europa, você
sai sem preocupação” (Cássio, 46 anos)
Foram poucas as menções sobre sentir-se realmente inseguro em Portugal. Surgiram
comentários sobre perceções de pistas da insegurança, nomeadamente em Lisboa, onde era
possível ver avisos de alerta contra pickpockets. Uma entrevistada mencionou que quando
visitou Lisboa foi alertada por uma amiga no sentido de ser cautelosa em lugares de maior fluxo
turístico e por isso ela tomava algumas precauções, como estar com os seus pertences muito
bem guardados. Nessa perspectiva, outra entrevistada fez um comentário sobre a estação de
comboio de Amadora: “na estação de comboio tem uma região de uma galera que a gente vê
que está mais desocupada, que a gente fica meio desconfiada da honestidade, da idoneidade”
(Vanessa,44 anos). Ela afirmou tomar alguns cuidados frente a essa circunstância, como não
levantar dinheiro na caixa bancária dessa estação. Afirmou ainda que a presença de grupos de
jovens com aspecto peculiar, que estavam sempre no mesmo sítio, a deixava desconfortável a
nível de segurança e que ela assumia alguns cuidados ao passar por eles.
Houve relatos de crimes sofridos por parentes ou amigos em Portugal, nomeadamente
4 crimes, dois furtos simples, um furto por arrombamento de carro e uma invasão de domicílio
para furto. No entanto, esses crimes não eram relatados de modo a justificar o sentimento de
insegurança, mas no sentido contrário, desconstruindo a imagem do crime como violento e,
assim, justificando haver menos medo.
Isso se relaciona com estudos germânicos realizados sobre o tema do sentimento de
insegurança (Kury et al., 1992; Kury & Wurger, 1993; Kury, 1995, cit. Kury, 1998) que
mostram que a gravidade da vitimação, bem como as condições de vida e os traços de
personalidade da vítima, são aspectos centrais da emergência do medo e da restrição de
comportamento através da vitimação. Portanto, tendo em vista que os participantes se
encontram na condição de emigrantes de um país considerado violento, onde receavam muito
a violência, compreende-se melhor a visão amortizada que possuem sobre a violência em
Portugal.
44
Vejamos o que disse uma participante sobre a violência brasileira: “a violência é muito
grande, eles não querem só roubar, eles querem descarregar os traumas, os medos… é uma
proporção muito forte” (Sandra, 47 anos). Por outro lado, o conhecimento sobre os baixos
índices de criminalidade portugueses e a constatação da frequência reduzida de crimes violentos
veiculados nos meios de comunicação alteram o tom do discurso sobre os episódios de violência
em portugal: “Aqui acontece o seguinte, quando há uma violência, o marido mata a mulher, ou
vice-versa, feminicídio ou qualquer coisa assim, aquilo passa (nos medias) a semana inteira
aqui, ou 15 dias, até aparecer um outro fato, eles se perdem de tanto comentário (...) porque é
muito menos, quando acontece um caso desses aqui ele é notícia, ele é um fato, é raro, não que
não tenha” (Antônio, 63 anos).
Consequentemente, ao sofrer um vitimação direta ou indiretamente reforça-se a ideia
de que o crime existe em Portugal, mas que não é um crime violento. A criminalidade
portuguesa parece ser apresentada pelos participantes como algo natural da vida, como o
resultado casual de desencontros do destino, como a mínima e inevitável consequência dos
riscos da vida em sociedade. Para os entrevistados, é a violência grave e predatória, não o mero
crime, sobretudo aquela relacionada ao risco de um acontecimento fatal, o que mais os
aterroriza. Os excertos a seguir expressam a perceção dos participantes sobre o crime em
Portugal:
“Mas não é ameaça de vida e morte. Porque não é gente armada… e é vacilo, se você
deu vacilo em qualquer parte do mundo… não pode dar vacilo. Mas é diferente, não é ameaçar
a sua vida, ou a sua morte” (Ruth, 56 anos).
“Mas a violência aqui não acontece com a tua presença, é furto” (Saulo, 48).
“Mas eles não te violentam, não te encostam uma faca, não apontam um revólver, não
te batem. Ele pega se tiver no seu bolso, seu bolso tá aberto ele vem, puxa, leva e você nem vê”
(Antônio, 63 anos).
“Se o cara me roubou a carteira e eu não percebi, não aconteceu nada comigo, o
máximo que me vai acontecer é encheção de saco de ir no SEF tirar outro” (Antônio, 63 anos).
A conjunção adversativa “mas” foi muito usada depois de se falar de episódios de crime
em Portugal. O crime é ruim, mas aqui não é tanto.
Apenas uma das entrevistadas demonstrou não se sentir tão segura quanto a maioria, ela
comentou, referindo-se à divulgação de crimes: “Acho que aqui não há a divulgação, eles
diminuem” (Roberta, 43 anos). Essa entrevistada é egressa do Rio de Janeiro e dizia sentir um
sentimento de insegurança muito forte que inibia sua vida social e profissional na capital
carioca. É possível que ela ainda esteja presa ao esquema mental de quando estava no Brasil.
45
Nota Final
Conforme apesentamos neste trabalho, a imagem predatória das cidades brasileiras é
algo concreto e marcante no discurso da amostra, sendo esta imagem o que sustenta o
sentimento de insegurança e, por essa via, molda o comportamento dos participantes no habitat
urbano. A imprevisibilidade do espaço público, a possibilidade permanente de estar “no lugar
errado na hora errada”, o medo constante de ser vítima de furto, roubo, sequestro relâmpago
ou qualquer outro crime de oportunidade é algo que sensivelmente os perturba e,
consequentemente, prejudica seriamente a sua convivência na cidade. Alguns chegam até a
evitarem ao máximo os espaços de sociabilidade coletiva, pondo-se reclusos em seus ambientes
domésticos, o que é percebido por eles como um agravo significativo em suas próprias vidas.
Nesse contexto, mudar de país em busca de territórios reconhecidos por sua segurança pública
pode ser interpretado como uma verdadeira fuga do sentimento de insegurança em busca de
liberdade urbana, convívio social e qualidade de vida.
Quando foram perguntados, logo no início das entrevistas, sobre as motivações da
migração, cinco dos onze participantes citaram o sentimento de insegurança como o principal
ou um dos grandes motivos que os levaram a sair do Brasil. Nessa altura ainda não havíamos
adentrado ao tema da insegurança e era possível perceber que muitos faziam algum esforço
para lembrar o que realmente os levou à decisão de sair do seu país. Acreditamos que foi
adequado ter posto essa questão logo no início das conversas, de modo a não enviesar as
respostas contaminando-as com eventuais conclusões alcançadas pelas demais perguntas.
Vimos, por exemplo, que alguns participantes, que não citaram as questões relacionadas à
segurança pública como determinantes da migração, depois estenderam-se bastante no tema,
apontando o ganho de tranquilidade e de convívio com a cidade como um dos maiores
benefícios da mudança. Nestes casos, vemos que a experiência comparada é de grande
influência na perceção do medo do crime e, apesar deste fator não ter sido citado como motivo
da migração, pode interferir como motivo de realização e continuidade da vida no estrangeiro.
O cuidado em diferenciar as motivações da decisão de migrar e as conclusões tomadas
após fixação de residência em Portugal se faz necessário diante do objetivo desse estudo, que é
perceber a atuação da hipótese predatória na migração de Brasileiros. Era preciso descobrir se
a interpretação da realidade cotidiana regulava a circulação desses indivíduos na cidade, bem
como saber se isso poderia atuar como causa da emigração do Brasil. Nesse sentido, a
investigação encontrou indícios que apontam para uma conexão entre migração e hipótese
predatória, entendendo, contudo, que na maioria dos casos a hipótese predatória não atua de
46
forma isolada, e sim em combinação com outros fatores que atuam como motivadores da
decisão de migrar. Entretanto, é preciso ressaltar que as limitações referentes à amostra deste
estudo impedem que os resultados sejam generalizados.
É evidente que a nossa amostra não é representativa da população de imigrantes
brasileiros em Portugal, pois, além do alcance quantitativo limitado, a coleta foi construída
através da rede informal de sociabilidade da investigadora, o que lhe confere um
atravessamento. Além disso, o método de amostragem em cadeia e o snowball igualmente
confere um caráter não representativo à amostra, tendo em vista o compartilhamento de um
mesmo círculo social entre os participantes. No entanto, foi possível constatar, por meio da
ficha do autor, que a amostra vai ao encontro do rumor sobre o novo perfil do imigrante
brasileiro, que supõe que os brasileiros que têm migrado para Portugal possuem um capital
financeiro, intelectual e social de relevância e que não necessariamente estão em busca de
emprego ou de uma melhor situação econômica.
Tendo isso em vista, concluímos que a busca por melhores condições de trabalho e
renda, o que historicamente provocou grandes fluxos migratórios em países referidos como
subdesenvolvidos, pode ter perdido a centralidade em alguns processos emigratórios
brasileiros, dando espaço para motivações de outra ordem relacionadas a outro perfil de
emigrante.
Essa ilação nos leva a refletir sobre o atual cenário sócio econômico do Brasil. Escuta-
se frequentemente nos meios de comunicação que o Brasil vem enfrentando uma crise
econômica relevante, a qual está relacionada a uma série de consequências, como desemprego,
desindustrialização, endividamento da população, declínio do padrão de vida das famílias,
restrição de investimentos públicos, desmonte de serviços estatais, retirada de direitos sociais,
aumento da desigualdade e da vulnerabilidade social e outros problemas que podem ser
relacionados com o aumento da criminalidade e, consequentemente, com o sentimento de
insegurança.
Porém, os participantes não demonstraram sofrer, do ponto de vista econômico, com a
crise brasileira, visto que a maioria deles se mantém em Portugal, num padrão de vida
confortável, com renda proveniente do Brasil. Nem mesmo a desvalorização relativamente
acentuada do Real frente ao Euro parece incomodá-los. Esses sujeitos, como já relatado, não
demostram grande anseio por um emprego em suas novas cidades e não buscam realizar
empreendimentos em Portugal. Aliás, podemos especular, com base nos discursos recolhidos,
que se o interesse da migração fosse meramente econômico eles não viriam a Portugal, visto
que este país não é reconhecido pelos participantes por uma eventual ampla oferta de empregos,
47
grandes oportunidades de negócios, cenário econômico favorável e tampouco por salários
atraentes.
Isso nos leva a refletir que se essa mesma investigação fosse aplicada nos Estados
Unidos da América, onde se encontra o maior número de migrantes brasileiros e onde existe
uma fama relacionada a amplas oportunidades de emprego e renda, o perfil detectado da
amostra poderia ser muito diferente do perfil aqui identificado.
Ainda sobre o contexto brasileiro, no sentido de refletir sobre a conjuntura da migração,
temos que é preciso considerar a grave crise política que se instalou no país. Apesar de não ser
uma crise recente, foi notável o seu agravamento nos últimos anos, havendo surgido uma
acirrada polarização política entre os brasileiros e tendo emergido posições reacionárias muito
preocupantes ao convívio democrático. Este acirramento de ideias, combinado à crise
econômica e institucional e apoiado na grande indignação popular com a revelação de grandes
escândalos de corrupção deu espaço para a ascensão de agentes políticos dos poderes executivo
e legislativo com discursos claramente autoritários, violentos, reacionários e antidemocráticos.
Nesse turbilhão político, é possível observar, dentre a população, três posicionamentos
recorrentes: existem aqueles que acreditam no potencial do governo atual para resolver
problemas nacionais, confiando que o “pulso firme” que eles demonstram possuir é algo
necessário diante da gravidade das calamidades sociais que o país enfrenta; por outro lado, há
aqueles que, em oposição aos primeiros, acreditam que o governo atual acentuará os problemas
e criará outros, agravando a crise sociopolítica brasileira; e há também muitos daqueles que se
dizem apolíticos (quando na verdade parecem estar apáticos à política) e afirmam não
acreditarem em nenhuma proposta política para recuperar o Brasil – entre estes reina a
descrença, a desilusão, a ideia de que “o Brasil não tem jeito”.
De forma geral, essas pessoas desacreditadas do seu país veem o problema da corrupção
como algo inerente ao povo brasileiro. É a “questão cultural”, que uma das participantes
colocou como causa para o seu sentimento de insegurança. A tese do culturalismo racista de
Souza (2017) – nesse caso culturalismo racista invertido, pois é dirigido a si mesmo, descreve
com maestria esta situação e está percetível em alguns comentários dos participantes. Durante
a entrevista, mesmo sem haver qualquer pergunta sobre o assunto, muitos falaram sobre a
questão política no Brasil, enfatizando em tom de lamento o caos atual, afirmando não
possuírem fortes convicções políticas e demonstrando ampla descrença na resolução da crise
social política e econômica brasileira.
Por fim, é percetível que os participantes deste estudo têm o sentimento de insegurança
muito consolidado em relação às cidades do Brasil. A crise política, que talvez resida na
48
fragilidade da democracia brasileira, gera crises de outas ordens, como a econômica, social e
de segurança pública, o que deixa a população insegura em diversos sentidos. Entretanto, para
algumas camadas mais abastadas da população, a vulnerabilidade perante a criminalidade é o
principal inconveniente da instabilidade nacional, sendo o principal fator que os desconforta,
limita, e, consequentemente, impulsiona à criação de estratégias de segurança que vão desde a
pequena escala – como o mero comportamento de estar vigilante ao sair de casa, até a grandes
decisões como a de migrar do seu país natal.
49
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Anexos Anexo 1: Guião de entrevista Primeira parte – questões mais diretas que tem por objetivo caracterizar o participante.
• Idade?
• Sexo?
• Em que cidade portuguesa reside?
• Há quanto tempo reside em Portugal?
• Imigrou sozinho? Quem o acompanhou?
• Possui formação? Qual?
• Qual sua ocupação?
• Seus rendimentos são provenientes do Brasil?
• Em qual cidade residia antes de vir para Portugal?
• Já viveu em outras cidades fora do Brasil?
Segunda parte – questões abertas, as perguntas estão descritas apenas para nortear os temas na narrativa do sujeito. Não significa que todas as perguntas foram realizadas e seguindo essa mesma ordem. Por vezes os entrevistados faziam o encadeamento de ideias do modo que lhes era conveniente, atingindo os temas centrais, não sendo necessário realizar todas as perguntas.
• Qual o motivo da emigração, ou seja, por que decidiu sair do Brasil?
• Por que escolheu Portugal? (Tem cidadania Portuguesa?)
• Como você caracteriza a cidade na qual você vivia, e o Brasil de modo geral?
• Você se sentia seguro no brasil?
• Em que circunstância você se sentia inseguro?
• Você tomava alguma medida para se sentir mais seguro? (medidas para lidar com o medo:
mudar de casa para apartamento, blindar carro, sistema de segurança, não andar
desacompanhado na rua...)
• Você já foi vítima de violência/crime? Que tipo? Pode contar o episódio?
• De que tipo de violência/crime você mais receava ser vítima?
• De que forma isso interferiu na sua relação com a cidade?
• Você se sente seguro em Portugal? houve mudanças no seu cotidiano ao mudar de país?
• Seus objetivos com a migração foram alcançados?
• Qual é sua pretensão de estadia aqui, temporária ou permanente?
55
• Qual o maior benefício da mudança de país?
• Você tem alguma pretensão de regressar ao Brasil? Sob quais condições você voltaria a viver
no Brasil?
56
Anexo 2: Grelha de Análise de Conteúdo Ficha do Autor
Motivação para migração
Sentimento de Insegurança no Brasil Causas percebidas
Intensidade
Apreensão vívida
Dimensão Reflexiva
Estratégias para lidar com o sentimento insegurança
Pró-ativas
Evitamento
Sentimento de insegurança em Portugal
Intensidade
Perceção de pistas da insegurança
57
Descritivo das categorias Ficha do ator:
Nesta categoria reúnem-se todos os elementos que permitam construir um retrato da
pessoa entrevistada. Os dados sociodemográficos constituem os elementos principais da
caracterização do ator.
Motivação para migração:
Nesta categoria incluim-se todos os segmentos de texto que façam referência aos fatores
que serviram como motivador para a migração.
Sentimento de Insegurança no Brasil:
Esta categoria engloba todos os elementos que compõe o sentimento de insegurança
referente ao contexto brasileiro, especificamente a apreensão vivida na interação com o
ambiente e com outro, as diferentes intensidades do medo do crime decorrente do contexto, as
reflexões sobre a insegurança e o se sentir inseguro, assim como as causas percebidas pelos
entrevistados para o sentimento de insegurança.
Estratégias para lidar com o sentimento insegurança no Brasil:
Nesta categoria reúnem-se os segmentos de textos que fazem referencia as ações
realizadas pelos entrevistados que tem como objetivo proporcionar mais sensação de segurança,
bem como segmentos que aludem ao comportamento de evitamento a situações e/ou contextos.
Sentimento de insegurança em Portugal:
Esta categoria engloba todos os elementos que compõe o sentimento de insegurança
referentes ao contexto português. Nomeadamente segmentos de texto que apresentam
perceções das pistas de insegurança em Portugal e também segmentos que citam a intensidade
do medo, que trazem relativização do sentimento se insegurança decorrente contexto, cidade
ou país.