Metodologia do Ensino de Historia

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METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA Professora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão GRADUAÇÃO PEDAGOGIA MARINGÁ-PR 2012

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METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA

Professora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

GRADuAçãO

PEDAGOGIA

MARINGÁ-PR2012

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Reitor: Wilson de Matos SilvaVice-Reitor: Wilson de Matos Silva FilhoPró-Reitor de Administração: Wilson de Matos Silva FilhoPresidente da Mantenedora: Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância

Diretoria do NEAD: Willian Victor Kendrick de Matos SilvaCoordenação Pedagógica: Gislene Miotto Catolino RaymundoCoordenação de Marketing: Bruno JorgeCoordenação Comercial: Helder MachadoCoordenação de Tecnologia: Fabrício Ricardo LazilhaCoordenação de Curso: Márcia Maria Previato de SouzaSupervisora do Núcleo de Produção de Materiais: Nalva Aparecida da Rosa MouraCapa e Editoração: Daniel Fuverki Hey, Fernando Henrique Mendes, Jaime de Marchi Junior, Luiz Fernando Rokubuiti e Thayla Daiany Guimarães CripaldiSupervisão de Materiais: Nádila de Almeida Toledo Revisão Textual e Normas: Cristiane de Oliveira Alves, Gabriela Fonseca Tofanelo, Janaína Bicudo Kikuchi, Jaquelina Kutsunugi e Maria Fernanda Canova Vasconcelos.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - CESUMAR

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a distância:

C397 Metodologia do ensino de história/ Priscilla Campiolo Ma- nesco Paixão - Maringá - PR, 2012. 228 p.

“Graduação em Pedagogia - EaD”. 1. Metodologia de ensino. 2. Ensino superior. 3. História. 4.EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 372.89 CIP - NBR 12899 - AACR/2

“As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir dos sites PHOTOS.COM e SHuTTERSTOCK.COM”.

v. Guedner, 1610 - Jd. Aclimação - (44) 3027-6360 - CEP 87050-390 - Maringá - Paraná - www.cesumar.brNEAD - Núcleo de Educação a Distância - bl. 4 sl. 1 e 2 - (44) 3027-6363 - [email protected] - www.ead.cesumar.br

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Professora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

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APRESENTAçãO DO REITOR

Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e solução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho.

Cada um de nós tem uma grande responsabilidade: as escolhas que fizermos por nós e pelos nossos fará grande diferença no futuro.

Com essa visão, o Cesumar – Centro Universitário de Maringá – assume o compromisso de democratizar o conhecimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros.

No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Cesumar busca a integração do ensino-pesquisa-ex-tensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consciência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade.

Diante disso, o Cesumar almeja ser reconhecido como uma instituição universitária de referên-cia regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de compe-tências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; consolidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrativa; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relacionamento permanente com os egressos, incentivando a educação continuada.

Professor Wilson de Matos SilvaReitor

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Caro aluno, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996, p. 25). Tenho a certeza de que no Núcleo de Educação a Distância do Cesumar, você terá à sua disposição todas as condições para se fazer um competente profissional e, assim, colaborar efetivamente para o desenvolvimento da realidade social em que está inserido.

Todas as atividades de estudo presentes neste material foram desenvolvidas para atender o seu processo de formação e contemplam as diretrizes curriculares dos cursos de graduação, determinadas pelo Ministério da Educação (MEC). Desta forma, buscando atender essas necessidades, dispomos de uma equipe de profissionais multidisciplinares para que, independente da distância geográfica que você esteja, possamos interagir e, assim, fazer-se presentes no seu processo de ensino-aprendizagem-conhecimento.

Neste sentido, por meio de um modelo pedagógico interativo, possibilitamos que, efetivamente, você construa e amplie a sua rede de conhecimentos. Essa interatividade será vivenciada especialmente no ambiente virtual de aprendizagem – AVA – no qual disponibilizamos, além do material produzido em linguagem dialógica, aulas sobre os conteúdos abordados, atividades de estudo, enfim, um mundo de linguagens diferenciadas e ricas de possibilidades efetivas para a sua aprendizagem. Assim sendo, todas as atividades de ensino, disponibilizadas para o seu processo de formação, têm por intuito possibilitar o desenvolvimento de novas competências necessárias para que você se aproprie do conhecimento de forma colaborativa.

Portanto, recomendo que durante a realização de seu curso, você procure interagir com os textos, fazer anotações, responder às atividades de autoestudo, participar ativamente dos fóruns, ver as indicações de leitura e realizar novas pesquisas sobre os assuntos tratados, pois tais atividades lhe possibilitarão organizar o seu processo educativo e, assim, superar os desafios na construção de conhecimentos. Para finalizar essa mensagem de boas-vindas, lhe estendo o convite para que caminhe conosco na Comunidade do Conhecimento e vivencie a oportunidade de constituir-se sujeito do seu processo de aprendizagem e membro de uma comunidade mais universal e igualitária.

Um grande abraço e ótimos momentos de construção de aprendizagem!

Professora Gislene Miotto Catolino Raymundo

Coordenadora Pedagógica do NEAD- CESUMAR

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APRESENTAçãO

Livro: METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIAProfessora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

Prezado aluno,

Acredito que uma breve apresentação da minha pessoa se faça necessário para que você possa compreender o motivo que me levou a escrever este material que faz parte da disciplina de METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA.

Desde criança sempre gostei muito de crianças e de ensinar. Minha primeira experiência foi com meus próprios irmãos. Ajudei-os a descobrir o mundo letrado, ensinando-lhes a ler e escrever por meio dos gibis que tínhamos em casa, quando ainda cursava o 1° grau como chamávamos. Pela manhã estudava e a tarde ajudava as “tias” como eram denominadas as professoras nas turmas do pré-escolar.

Quando então cheguei ao 2° grau, não pensei duas vezes, fui logo cursar o Magistério. A experiência foi fantástica e depois disso nunca mais saí da escola. Da Educação Infantil ao Ensino Superior, pude experimentar de tudo um pouco.

Sou apaixonada pela educação e isto não é um discurso barato desses que a “gente” compra em qualquer lugar. Tenho orgulho em dizer que SOU PROFESSORA. E mais ainda, a História, especificamente, me fascina.

Nesta perspectiva, este material foi desenvolvido especialmente para você. É destinado a estudar o Ensino de História enquadrado na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental.

Cabe lembrar que na Educação Infantil não temos a disciplina específica de História, a disciplina faz parte do eixo NATUREZA E SOCIEDADE. E com as mudanças ocasionadas pelo Ensino Fundamental de 9 anos, também passamos a entender os anos iniciais de uma forma mais abrangente.

O ponto de partida de qualquer trabalho voltado para o ensino-aprendizagem de História envolve considerar o repertório dos alunos, ou seja, todo o conhecimento que eles trazem consigo que denominamos conhecimento prévio, senso comum ou mesmo conhecimento

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cotidiano. Isto porque as crianças participam de inúmeros espaços de convívio, em que se socializam, produzem e reproduzem uma infinidade de regras, valores, hábitos e costumes.

Além do convívio familiar, do bairro, da escola, das festas, da Igreja, ainda contam com os meios de comunicação e informação como a televisão, o rádio, o jornal, o cinema e o mais adorado de todos, a internet.

Em outras palavras, devemos considerar nossos alunos como sujeitos que possuem um repertório cultural enorme e que exercem a cidadania constantemente. Assim, é fundamental que, nós professores, possamos desenvolver o interesse destas pessoas pelo conhecimento histórico por meio dos mais variados recursos, cada qual exigindo as diversas habilidades cognitivas: da observação à análise, passando pela identificação, interpretação e compreensão.

É fundamental, ainda, desenvolver o interesse pelas várias formas de acesso ao conhecimento histórico pelas diferentes fontes e linguagens. Cada um deles exigindo dos alunos diversas habilidades.

Aqui não vamos apresentar cada uma das unidades, pois isto você descobrirá ao longo de sua leitura e estudo. Procuramos sim, dar uma visão geral da disciplina e, como costumava dizer aos alunos do Esnino Fundamental, lançar um desafio: ao final de sua leitura, quero que você, asism como eu, possa se sentir apaixonado pela História.

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SuMÁRIO

uNIDADE I

O ENSINO DE HISTÓRIA

A HISTÓRIA TEM “HISTÓRIA” 16

A PÓS-MODERNIDADE E SUAS IMPLICAÇÕES 27

EIS AÍ UM TEMA PARA NOSSA REFLEXÃO 39

A HISTÓRIA COMO DISCIPLINA ESCOLAR 40

QUAL HISTÓRIA DEVE SER ENSINADA? 45

uNIDADE II

TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA

MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NOS MÉTODOS DA HISTÓRIA ESCOLAR 56

CONCEPÇÕES DE CONTEÚDOS ESCOLARES E DE APRENDIZAGEM 62

A FORMAÇÃO DE CONCEITOS 74

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE HISTÓRIA E O COTIDIANO DE SALA DE AULA 82

uNIDADE III

A UTILIZAÇÃO DOS DOCUMENTOS HISTÓRICOS EM SALA DE AULA

HISTORIADORES E PROFESSORES: DIFERENTES USOS DAS FONTES HISTÓRICAS 100

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A ANÁLISE DIDÁTICA DE UMA FONTE HISTÓRICA 103

DOCUMENTOS ESCRITOS E NÃO ESCRITOS 107

A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO POR INTERMÉDIO DAS FONTES HISTÓRICAS 118

uNIDADE IV

A PRÁTICA PEDAGÓGICA E O ENSINO DE HISTÓRIA

EFETIVANDO A APRENDIZAGEM: O PLANEJAMENTO COMO O PONTO DE PARTIDA

130

CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA 152

AVALIAÇÃO COMO PROCESSO DE MELHORIAS DA AÇÃO DOCENTE E DISCENTE 172

uNIDADE V

HISTÓRIA: A CIÊNCIA DO HOMEM NO TEMPO

O TEMPO: CATEGORIA ESSENCIAL PARA PENSAR A HISTÓRIA 194

O TEMPO COMO APRENDIZAGEM SOCIAL 195

IDENTIFICANDO OS DIFERENTES TIPOS DE TEMPO 201

AS NOÇÕES TEMPORAIS DA CRIANÇA 203

O TRABALHO COM LINHAS DO TEMPO 212

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CONCLuSãO 221

REFERÊNCIAS 223

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uNIDADE I

O ENSINO DE HISTÓRIAProfessora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

Objetivos de Aprendizagem

• BuscarpelasorigensdapalavraHistória,compreendendoseusdiversossentidos.

• DiscutiroensinodeHistórianummomentodecrisedeparadigmasquehoraatra-vessamos.

• Entenderquestõesepistemológicasdoconhecimentohistóricoeaproblemáticadoconhecimento no ensino de História.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• AHistóriatem“história”

• Após-modernidadeesuasimplicações

• AHistóriacomodisciplinaescolar

• QualHistóriadeveserensinada?

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INTRODuçãO

Para iniciarmos nossas discussões, teremos que nos remeter à origem da palavra História, isto porque tudo tem uma história, um começo, uma origem. A História não poderia ser diferente. É por isso que dizemos que a História tem história.

Partiremos da definição da palavra História, buscando suas origens e definições. Depois, nos remeteremos à História enquanto disciplina escolar.

Talvez neste momento você já esteja pensando que estudar tal disciplina seja um tanto monótono. Mas, tenho certeza que ao final deste material você se dará conta do quanto é prazeroso estudar uma disciplina que por muito tempo ficou relegada a um segundo plano.

A História é uma disciplina que faz parte das chamadas “humanidades”, termo pelo qual os franceses designam estudos humanos superiores. Mas, por muito tempo teve negado os seus foros de ciência, sendo considerada uma disciplina de segunda categoria.

Lembremo-nos que no Brasil dos séculos XIX e XX, a educação escolar se limitou a ensinar a “ler, escrever e contar”. A ênfase do trabalho docente restringia-se à “alfabetização”, na maioria das vezes compreendida como aquisição da leitura, da escrita e do domínio das quatro operações matemáticas. Assim, raramente havia lugar para o Ensino de História. Dessa forma, os resultados nesta área do conhecimento têm sido pouco significativos ou, quando não, nulos.

No entanto, compreendemos a alfabetização como a capacidade de leitura não só do texto, mas também da experiência humana vivida por todos, e como construção da própria história. Nesta perspectiva, entendemos leitura\escrita não somente como a habilidade mecânica, mas como uma manifestação de cidadania. Estudar as informações históricas a partir da realidade social com o objetivo de desenvolver o raciocínio histórico deve constituir o objeto das aulas de História. Há vários encaminhamentos na defesa da disciplina.

Paul Valéry (1871-1945) considerava tal disciplina um dos produtos mais perigosos do cérebro

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humano, saber indigno de ser valorizado.

A partir da filosofia histórica de Karl Marx (1818-1883), a História recebeu o seu devido valor, sendo considerada uma ciência que se inicia onde as outras terminam e que possui um valor intrínseco, em si mesma, capaz de oferecer um repertório de reflexão às outras ciências, exatas ou biológicas. E, ainda, comunicar-se e interagir com as outras ciências humanas e sociais, num processo de enriquecimento recíproco. Isto porque, não desmerecendo as demais disciplinas, a História fascina e é capaz de transformar o sujeito, por isto dizemos que cabe a ela “formar um cidadão crítico, reflexivo e atuante”.

Portanto, caro acadêmico de Pedagogia, podemos afirmar que a História tem história e que sua aplicação como disciplina escolar passa por uma revisão que lhe confere um grande valor na atualidade.

Os escritos de Ambroise Paul Toussaint Jules Valéry nos remetem a uma crítica que fica no passado, baseada naqueles que desconsideravam a História pelo seu método indutivo, que partem do singular e como tal não chega a leis gerais.

AHISTÓRIATEM“HISTÓRIA”

Nas três dimensões básicas do tempo, passado, presente e futuro, a História tem seu destaque.

Marc Bloch (1886-1944), um dos fundadores da escola dos Annales francesa, definiu a história

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como a ciência do homem no tempo. Este historiador, vítima dos nazistas, foi executado por não concordar em por sua história a serviço dos ideais de seus torturadores, e merece todo relevo por ter participado da revisão de conceitos e métodos, a chamada Nova História.

Para saber mais sobre a chamada Nova História vale a leitura da obra: A escrita da História do his-toriador Peter BURKE (org.) São Paulo: Editora UNESP, 1992, 360p.O livro A Escrita da História, de Peter Burke, publicado originalmente em 1991, discute as mudanças ocorridasnahistoriografiaapartirdosurgimentodacorrentechamadaNovaHistória.Paraisso,váriosnovos temas da história, entre eles, a história das mulheres, o renascimento da narrativa, a história oral etc., merecem capítulos especiais. Os modos de escrever a História são o ponto central da obra. Oautor,tentandodefiniraHistóriaNova,observaqueamesmaseoriginouassociadaàEscoladeAnnales e que, além de lutar por uma história total, opõe-se totalmente ao paradigma tradicional da historiografia.

Peter BurkeDe acordo com Burke, a Nova História diferencia-se da tradicional em seis pontos: o paradigma tradi-cional diz respeito somente à história política, a Nova História, como dito anteriormente, preocupa-se com uma história total, onde tudo é histórico; a história tradicional pensa na história como narração dos grandes fatos, a nova preocupa-se em analisar as estruturas; a tradicional olha de cima, a nova, decima,debaixoedeoutrosângulospossíveis;documentosoficiaissãoosqueinteressamaopara-digma tradicional, o paradigma da Nova História aceita qualquer espécie de documento; o historiador

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tradicional explica por meio da vontade do indivíduo histórico, a Nova História preocupa-se com os movimentossociais,astendências;e,finalmente,oparadigmatradicionalconsideraaHistóriaumaciência objetiva, o paradigma novo não crê na possibilidade de uma objetividade total. Peter Burke também observa que a História Nova não é assim tão nova e que já houve tentativas se-melhantesanteriormente,tambémnotaqueaNovaHistóriaapresentaproblemasrelativosàdefinição,posto que os historiadores estão avançando em um território não familiar, estão pouquíssimo habitua-dos a relacionar acontecimentos e estruturas, quotidiano e mudança, visão de cima e visão de baixo. Problemas relativos ao uso fontes também são apontados, essas novas fontes precisariam de uma novacrítica,deumnovométododetrabalho.Porfim,Burketambémpercebeproblemasdeexplica-ção e de síntese, e diz que a explicação estrutural, apesar de aumentar a interdisciplinaridade, muitas vezesnãotomacontadofluxodotempo,oqualéumadaspreocupaçõesdohistoriador,alémdisso,está cada vez mais difícil conseguir uma síntese, em decorrência da profusão de diferentes objetos. O último capítulo do livro, A História dos Acontecimentos e o Renascimento da Narrativa, também escrito por Burke, está intimamente ligado à discussão referente aos métodos de explicação histórica propostospeloparadigmadaNovaHistória.Percebendooretornodaformanarrativaàhistoriografia,oautordiscuteograudenarratividadenahistoriografiacontemporâneaeobservaalgunsdebatesexistentes ao redor do tema, apontando as principais tendências. Burke volta a falar sobre o debate entre paradigma tradicional e Nova História, partindo em seguida para a discussão iniciada na década de sessenta – principalmente estadunidense – ligada à narrativa. Destaca as idéias de Kracauer, Hayden White entre outros.

BURKE, Peter: “A escrita da História”

Oautorobservaqueorecursoànarrativamuitasvezeséessencialparaaapreensãodofluirtem-poral; entretanto, conclui que a narrativa tem de ser outra, não a narrativa tradicional, mas sim uma

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formadenarrativaqueconsigaescapardasuperficialidadedoacontecimentalismo,masquetambémescapadarigideztemporaldeumdiscursoanalítico.Paratanto,énecessáriodensificaranarrati-va, e para isso, Burke apresenta quatro soluções encontradas nas obras de outros historiadores: a micro-narrativa, narração da história de populares no tempo e no espaço, observando a presença dasestruturas;utilizarváriasvozesafimdecaptarosconflitoseaspermanências; redigirde trásparafrente,mostrandoopesodopassado;e,finalmente,encontrarorelacionamentodialéticoentreacontecimento e estrutura. Burke aposta na primeira solução, não por preferência, mas por observar que a mesma já está crescendo. A obra de Burke mostra-se sobremaneira interessante para pensarmos os novos caminhos da história e os novos caminhos da produção histórica. Além de apresentar novas tendências discutidas por es-pecialistas, traz uma teoria da apresentação do trabalho histórico, uma teoria que não exclui as teorias de longo alcance, mas que pensa a História de modo literário, sem esquecer das estruturas.

In: Renato Pignatari Pereira [email protected]

Quarto Ano - História/USP download - burke.rtf - 8KB

Fonte: <http://www.klepsidra.net/klepsidra10/burke.html>. Acesso em: 31 maio 2011.

Parece claro que se todos os homens pudessem perceber a realidade vivida e compará-la com aquela que estão vivendo, seriam mais conhecedores de seus destinos.

Existe uma libertação potencial no conhecimento do que passamos, a informar o nosso presente. É a nossa experiência posta a serviço de nossos “acertos” em nossas escolhas de vida. É por isso que existe a necessidade de conhecer a “história” que a disciplina histórica nos oferece, a sucessão de fatos passados fornecendo exemplos a serem imitados ou rejeitados.

Este resgate parcial da História como uma “mestra” da vida ainda persiste como um dos meios mais eficazes para educar as novas gerações e a elas apresentar o que o passado humano tem a oferecer de didático.

Gosto muito de citar a introdução da obra do historiador Leandro Karnal, “História na sala

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de aula: conceitos, práticas e propostas” para pensarmos sobre os sentidos da palavra História.

Para o historiador, podemos entender o exercício profissional da História de muitas formas. Ele também faz opção pelo diálogo entre o passado e o presente. Isto porque não podemos reconstruir um passado exatamente como era, tampouco podemos nos remeter ao passado com “os olhos do presente”, ou melhor, com “pré-conceito”. Uso o termo desta maneira, porque definimos o “pré” como sendo algo que antecipa o que está por vir, assim olhamos o passado com a concepção que temos do presente.

O passado existe e isto é inegável. Porém, quem lança o olhar sobre ele faz o recorte, escolhe, dimensiona e narra este passado, é um sujeito do tempo presente. Para ilustrar tal afirmação, Karnal nos conta uma ficção.

Imaginemos uma menina de 15 anos que esteja no seu baile de debutantes (será que ainda existem no século XXI?). Vestida de branco, emocionada, ela vive um momento muito especial. Música, amigas, um possível namorado, comida e muitos fatos para guardar e comentar. A festa é densamente fotografada e filmada. Passados dez anos, nossa protagonista ficcional chegou aos 25. Ela olha os filmes e as fotos e pode vir a considerar tudo de extremo mau gosto. Abrindo o álbum em meio a suspiros, poderia dizer: “Por que não fiz uma viagem com esse dinheiro?”. Passado mais meio século do baile, eis nossa personagem aos 65 anos. Já de cabelos brancos, ela abre o álbum amarelado e comenta com seus netos: ”Olhem como eu era bonita! Que noite maravilhosa foi aquela” (2004, p. 8).

Na ilustração, podemos verificar que houve um fato: o baile de debutantes, mas o olhar que se lança sobre o fato muda conforme a concepção de mundo e do tempo em que o sujeito está inserido.

Assim, podemos verificar que a palavra História pode ser entendida sob três sentidos como afirma Glénisson (1961):

• Realidade histórica: conjunto dos fenômenos pelos quais se manifestou, se manifesta ou se manifestará a vida da humanidade; a realidade objetiva do movimento do mundo e das coisas.

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• Conhecimento histórico: a observação subjetiva da realidade pelo historiador.

• Obra histórica: o registro da observação da realidade feita pelo historiador em um relato escrito.

Se pudéssemos, desta maneira, estabelecer um comparativo entre a ficção e os sentidos da palavra História teríamos a realidade histórica como sendo o baile de debutantes; o conhecimento histórico sendo o olhar subjetivo da protagonista da história e as lentes da filmadora e da máquina fotográfica como sendo a obra histórica.

A representação do passado e do que consideramos importante representar é um processo constante de mudança. Se a memória muda sobre fatos concretos e protagonizados por nós, também muda para fatos mais amplos. A História está envolvida em um fazer orgânico: é viva e mutável. Um livro sobre uma guerra escrito há cem anos continua válido como documento, mas é muito provável que a visão de quem o escreveu esteja superada. Por superação entendemos o que não é mais compartilhado pela maioria (KARNAL, 2004, p. 8).

Para Karnal (2004), o “fazer histórico”, ou seja, ensinar História está submetido a duas transformações constantes: do objeto em si e da ação pedagógica. Isto porque as novas descobertas arqueológicas, os debates metodológicos, as novas documentações mudam constantemente; o fazer histórico é mutável no tempo, sendo assim, mudam-se também seus agentes e a ação pedagógica não pode ficar presa ao passado, pelo contrário, precisa acompanhar tais mudanças sociais e de mentalidade.

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VOCÊ TAMBÉM PODE LER A OBRA HISTÓRIA NA SALA DE AuLA/CONCEITOS, PRÁTICAS E PROPOSTAS, NA ÍNTEGRA.

Autor: Leandro KarnalFormato: Brochado 216 páginasData de publicação: 2003/01Editor: Contexto do BrasilISBN: 85-7244-216-2EAN13: 9788572442169 Número de páginas: 216SinopseA presente obra é, antes de tudo, uma declaração de amor ao ofício de ensinar História. Catorze pro-fissionaisreconhecidosdaáreaunemsuasexperiênciaseconcepçõesemumlivroquelançanovasluzes sobre o trabalho do professor, tanto do ensino fundamental quanto do ensino médio. O livro é, também, um libelo em defesa das aulas de História, que, em tempos de informação instantânea e alta competitividadeprofissional,correoriscodeperderespaçoparadisciplinastidascomomaispráticaseúteis na preparação do estudante para o mercado de trabalho. Não podemos abrir mão de apresentar nossos jovens ao patrimônio cultural da humanidade. E qual é o papel do professor senão estabelecer uma articulação entre o patrimônio cultural da humanidade e o universo cultural do aluno? Fonte:<http://www.editoracontexto.com.br>. Acesso em: 31 maio. 2011.

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Exercitando a História, remetemo-nos ao passado para entender o presente. Parece que esta é a definição mais aceita pelos historiadores. Mas, de onde e de quando vem esta origem?

Os gregos (atenienses em particular) foram os primeiros a utilizar o termo histor para representar quem aprende pelo olhar e, mais tarde, a palavra se estendeu ao testemunho, ou seja, quem testemunhou acontecimentos ou a realidade.

Aquele que é por muitos considerado o Pai da História - Heródoto de Halicarnasso (484 - 425) - foi uma espécie de repórter que viajou pelo mundo conhecido, realizou pesquisas acerca das guerras entre gregos e persas que aconteciam em seu tempo e até procurou por causas que explicassem a vitória helênica perante um exército muito mais armado e numeroso. Os persas contavam com um exército predominantemente mercenário, mas os gregos (atenienses, principalmente) combatiam em causa própria, eram todos patriotas, movidos pelo fervor de defender a sua terra dos invasores. Combater com o coração lhes deu a grande vantagem, e além de seus generais serem grandes estrategistas, os persas tinham um excesso de confiança em seus armamentos e poder de sua esquadra.

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Com o tempo o termo História passou a significar pesquisa e os resultados dessa pesquisa eram reunidos em uma obra histórica.

Segundo Glénisson (1961, p.13), esta maneira de encarar os estudos históricos parece ter-se consagrado na época do historiador Políbio, no século II a.C. “com a reserva de que, como o saber histórico daqueles tempos não conhecia o rigor atualmente exigido, associando-se ainda a fábulas e as lendas” a precisão dos fatos cedia lugar a um termo empregado para definir a disciplina, qual seja o de “narrativa”.

O mesmo Glénisson nos adverte que, “hoje, ao pronunciarmos a palavra História”, temos de diferenciá-la entre “três sentidos possíveis: o de realidade histórica [...], de conhecimento histórico e [...] de obra histórica” (1961, pp.13-14), assim como ilustramos a ficção da personagem em seu dia do baile de debutantes (KARNAL, 2004).

Isto significa que existe um conjunto de fenômenos a ser estudado na vida passada da humanidade, a história representando a observação deste movimento pelo historiador que, em seguida, registra tais observações em seu relato de cunho científico numa obra histórica.

Por este ângulo, podemos definir a palavra História como sendo:

• Aciênciaqueestudaasmudançaseaspermanências.

• Oprocessodetransformaçãoondetodososhomenssãoagentes.

• Anarraçãometódicadosfatosmaisrelevantesocorridosnavidadospovos,emparticular,e na vida da humanidade, em geral.

• Oconjuntodeconhecimentos(cultura)adquiridosporintermédiodatradiçãoe/oupormeiodos documentos, relativos à evolução, ao passado da humanidade.

A História atualmente é considerada uma ciência e tem seu devido valor reconhecido nos meios acadêmicos, escolares entre outros. Essa estuda as mudanças e as permanências dos fatos e acontecimentos por meio de um método próprio, buscando compreender os caminhos

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traçados por um povo específico ou pela humanidade em geral. E ainda, busca a cultura das sociedades para entendê-las.

Costumo citar o antropólogo Darci Ribeiro para compreendermos o conceito de cultura. Ele trata o assunto de um jeito divertido e de fácil compreensão por meio da literatura infantil “NoçõesdasCoisas”.

CuLTuRAChama-se cultura tudo o que é feito pelos homens, ou resultado do trabalho deles e de seus pensa-mentos. Por exemplo, uma cadeira está na cara que é cultural porque foi feita por alguém. Mesmo um banquinho mais vagabundo, que mal se põe em pé, é uma coisa cultural. É cultura, também, porque feita pelos homens, uma galinha. Sem a intervenção humana, que criou os bichos domésticos, as galinhas, as vacas, os porcos, os cabritos, as cabras não existiriam. Só haveria animais selvagens (...)Uma casa qualquer, ainda que material, é claramente um produto cultural, porque é feita pelos ho-mens. A mesma coisa se pode dizer de um prato de sopa, de um picolé ou de um diário. Mas estas são coisas de cultura material, que se podem ver, medir, pesar.Há também, para complicar, as coisas de cultura imaterial, impropriamente chamadas de espiritual – muitíssimo mais complicadas. A fala, por exemplo, que se revela quando a gente conversa, e que existe independente de qualquer boca falante, é criação cultural. Aliás, a mais importante. Sem a fala, os homens seriam uns macacos, porque não poderiam se entender uns com os outros, para acumular conhecimentos e mudar o mundo como temos mudado.A fala está aí, onde existe gente, para qualquer um aprender. Aprende-se, geralmente, a da mãe. Se ela é uma índia, aprende-se a falar a fala dos índios, dos Xavantes, por exemplo. Se ela é carioca, professora, mora na Tijuca, a gente aprende aquele português lá dos tijucanos. Mas, se você trocar afilhinhadaíndiapelafilhinhadaprofessora,ecriar,bemali,napraçaSaensPeña,elavaicrescercomoumameninaqualquer,tijucana,dalimesmo.Evice-versa,omesmoocorreseafilhadaprofes-sora for levada para a aldeia Xavante: ela vai crescer lá, como uma xavantinha perfeita – falando a língua Xavante e xavanteando muito bem, sem nem saber que há tijucanos.Além da fala, temos as crenças, as artes, que são criações culturais, porque inventadas pelos homens e transmitidas uns aos outros através das gerações. Elas se tornam visíveis, se manifestam, através das criações artísticas, ou de ritos e práticas – o batizado, o casamento, a missa -, em que a gente vê os conceitos e as idéias religiosas ou artísticas se realizarem. Essa separação de coisas cósmicas,

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coisa vivas, coisas culturais, ajuda a gente de alguma forma? Sei não. Se não ajuda, diverte. É melhor que decorar um dicionário, ou aprender datas. Você não acha?

Trechos retirados de RIBEIRO, Darcy. NoçõesdasCoisas. São Paulo: FTD, 1995, p.34. Paraquemjálêrapidinho

“Quem descobre uma planta nova, mesmo uma plantinha à-toa, muito sem graça e sem serventia, pode pôr seu nome nela. Mas precisa ser em latim, para as gentes do mundo inteiro fazerem de conta

que entendem.”

“Infelizmente, os povos do mundo ainda guerreiam demais. Tudo guerra suja. Não há guerra limpa. Sempre quem guerreia está querendo tirar alguma coisa do outro, que não quer entregar.”

NOçÕES DE COISAS De Darcy Ribeiro Ilustrações: Ziraldo O livro “NoçõesdeCoisas” tem o título certo. Fala de tudo que existe no mundo com todo o humor e sabedoria de Darcy Ribeiro. E com as ilustrações sempre geniais do Ziraldo. É difícil resumir aqui, em poucas linhas, este livrão em todos os sentidos, mas para você ter uma idéia, veja só os nomes de alguns capítulos: números, micróbios, planetas, cocô e ovos, eletricidade, caretas, seres, matéria, poluição, unhas e barbas... e por aí vai. Ficou curioso? Ainda bem. Este é um livro ótimo até para adultos. Você pode ler muitas vezes. E tem tantas frases engraçadas e interessantes, que deu um trabalhão para escolher. Daí escolhi duas! Editora: FTD Fonte: <http://www.divertudo.com.br/dicas3.htm>. Acesso em: 01 jun. 2011.

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Na relação entre a visão do geral e o saber do singular está a pedra angular dos conhecimentos históricos promovidos pelo historiador. A relação racional então obtida pelo método indutivo, segundo Lakatos (1990), vai da conexão ascendente do particular para o geral, e é o produto visado por aquele que, segundo Marc Bloch (1976), se dedica ao “ofício” de historiar e sempre começa pelo “ídolo” das origens, partindo do passado para o presente e, depois, em relação inversa, do presente para o passado.

Finalmente temos de lembrar alguns comentários que dão o valor aos conhecimentos históricos: “o proveito que se poderá tirar do conhecimento certo do passado, para prejulgar acontecimentos análogos ou idênticos, a brotar futuramente no fundo comum da natureza humana” (GLÉNISSON, 1961, p. 17) ou: “a história é o estudo da ação humana ao longo do tempo, concomitantemente ao estudo dos processos e dos eventos ocorridos no passado”.

A aula de História “nasce da própria História”, pois a “análise da dimensão temporal das reflexões sociais” é o grande objetivo da disciplina. Isto equivale a considerar a história uma “construção coletiva”. É para essa direção que Nemi e Martins (1996) apontam quando fazem um comentário didático: “as aulas de história para crianças das séries iniciais do Ensino Fundamental têm por base essa concepção de vida”, qual seja a “busca” de uma transformação “constante e possível” (1996, p.25). E esse aprimoramento do saber oferecido pela história como um instrumento de cidadania só pode ser obtido se confrontarmos as experiências do passado com as do presente, sempre visando a um futuro melhor e de maior qualidade de vida para todos.

A PÓS-MODERNIDADE E SuAS IMPLICAçÕES

A julgar pelas reflexões de estudiosos atuais, cientistas humanos distribuídos entre filósofos (SERRES, 1999), historiadores (HOBSBAWM, 1995), sociólogos (DE MASI, 2001), administradores (DRUCKER, 1993) entre outros, estamos em transição entre duas sociedades, duas épocas.

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Aquela que estamos ultrapassando se convencionou chamar, segundo alguns, de Sociedade Industrial, oriunda da Revolução Industrial de 1760 na Inglaterra.

A sociedade do século XXI, que estará plenamente configurada só daqui a algumas décadas, segundo Drucker (1993), terá novos nomes: Pedagógica para Serres (1999), Pós-industrial para De Masi (2001), Pós-capitalista para Drucker (1993), ou do Conhecimento segundo a maioria dos educadores. Será uma nova sociedade formada sob a base de novos valores e visando a um novo tipo de intelectual de ação profissional, qual seja o “trabalhador do conhecimento”.

Essa pós-modernidade é considerada a condição sociocultural e estética do capitalismo contemporâneo, também denominado pós-industrial ou financeiro.

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Embora o uso do termo pós-moderno tenha se tornado corrente, há controvérsias quanto ao seu significado e pertinência. Essas controvérsias resultam da dificuldade de se examinarem processos em curso com suficiente distanciamento e, principalmente, de se perceber com clareza os limites ou os sinais de ruptura nesses processos.

Esse termo apresentado por Peter Drucker em sua obra sobre a sociedade pós-capitalista por (1993) diz respeito a um novo tipo de trabalhador que será necessário e mesmo líder, nesse novo tipo de sociedade que está em gestação.

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O que diferenciará esta nova categoria da antiga, quais serão seus atributos, competências e valores necessários? José Esteve (2004), diante de tantas mudanças, constata que está em curso uma terceira revolução educacional.

O ponto de partida dessa nova sociedade pedagógica e da revolução educacional nela embutida começou com a chamada revolução tecnológica, iniciada em 1945 com invenções como o computador, e ampliada em 1970, irradiando-se para o mundo.

A tecnologia mudou o mundo e trouxe a necessidade de um novo tipo de educação adequada à formação de um novo trabalhador, sob novas exigências vindas do Estado como aquele que dita as políticas educacionais.

A História como instrumento de preparo dos futuros cidadãos, visava principalmente que estes educandos fossem engajados na sociedade para o exercício de uma profissão.

Nas chamadas operações mentais (da leitura, memorização à análise e síntese) a ênfase era para a segunda etapa, a decorativa. Talvez por isso, a História guarda até hoje esse ranço que alguns ainda consideram válido, de ser uma disciplina que depende exclusivamente da memória.

Fonte: <pt.wikipedia.org/wiki/Graciliano_Ramos>

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Podemos lembrar a obra “Infância” de Graciliano Ramos. Publicada em 1945, “Infância” é uma autobiografia de Graciliano Ramos que prova ser possível uma obra somar os elementos pessoais com os sociais. Muito do que o autor confessa em suas memórias são problemas que afetaram não só a ele mesmo, mas também o seu meio. “Sua dor é também a dor do nosso mundo”.

O primeiro aspecto que nos chama a atenção é a descrição de Graciliano Ramos como uma criança oprimida e humilhada, pois é um ser fraco diante dos adultos, mais fortes. Este é um dos temas centrais de sua visão de mundo: a opressão. Constatamos tal afirmação quando retrata que em determinado tempo de sua vida escolar os personagens históricos começaram a fazer parte de seu dia a dia, ele não compreendia o motivo de tal ênfase, mas quem era ele para questionar o “mestre”, então fingia que aprendia e o professor fingia que ensinava.

“O conteúdo cívico era intencionalmente funcional e pouco reflexivo, mais prático do que teórico”, com isso intentando “adaptar o aluno a uma sociedade em vez de ajudá-lo a compreender e questionar o meio social em que vive” (NEMI; MARTINS,1996, p.22). Era importante “estudar” e reproduzir o que foi ensinado, “criticar” (no sentido da reflexão) nunca, como fazem notar os autores estudados.

Hoje, a Sociedade dita do conhecimento, pretende que ocorram invenções, fruto da criatividade provocada no aluno pelo professor e na sociedade como um todo em virtude do saber.

Para isto é preciso que se ultrapasse a fase da memorização e se desenvolvam as habilidades cognitivas como bem nos lembra Bloom. Este estudioso liderou um grupo formado pela American Psychological Association para criar uma “classificação de objetivos de processos educacionais”.

O primeiro passo para a definição dessa taxonomia foi a divisão do campo de trabalho em três áreas a saber:

• Acognitiva,ligadaaosaber;

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• Aafetiva,ligadaasentimentoseposturase

• Apsicomotora,ligadasaaçõesfísicas.

Aqui remetemo-nos, exclusivamente, à primeira área, a cognitiva e usamos como referência sua obra “Taxonomia e Objetivos no Domínio Cognitivo”, publicada pela primeira vez em 1956. Nessa obra, Bloom classifica os objetivos do domínio cognitivo em seis níveis, que, usualmente, são apresentados numa sequência que vai do mais simples (conhecimento) ao mais complexo (avaliação); cada nível utiliza as capacidades adquiridas nos níveis anteriores. As capacidades e conhecimentos adquiridos por meio de um processo de aprendizagem são descritos por verbos. Para entender melhor, observe o quadro abaixo organizado por Marcos Telles e encontrado no site:

<http://www.dynamiclab.com/moodle/mod/forum/discuss.php?d=436>.

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Tal Taxonomia difundida no Brasil, e divulgada principalmente na década de 1970 ganhou novo vigor em 2001, quando Anderson and Krathwohl publicou uma revisão na qual foram combinados o tipo de conhecimento a ser adquirido (dimensão do conhecimento) e o processo utilizado para a aquisição desse conhecimento (dimensão do processo cognitivo).

O quadro apresentado abaixo torna mais fácil tanto a tarefa de definir com clareza objetivos de aprendizagem quanto aquela de alinhar esses objetivos com as atividades de avaliação. Como na taxonomia original, a versão revisada apresenta verbos que definem objetivos:

Nível Verbos

Lembrar Reconhecer, recordar

Compreender Classificar, comparar, exemplificar, explicar, inferir, interpretar, resumir

Aplicar Executar, realizar

Analisar Atribuir, diferenciar, organizar

Avaliar Criticar, verificar

Criar Gerar, planejar, produzir

Fonte: <http://www.dynamiclab.com/moodle/mod/forum/discuss.php?d=436>.

Note-se que a versão revisada dá nomes diferentes aos 6 níveis da hierarquia e inverte as posições de “síntese” (agora “criar”) e “avaliação” (agora “avaliar”).

Convém lembrar que nem todos educadores concordam com tal concepção de conhecimento e aprendizagem, porém outros tantos educadores entendem que seu uso pode ser muito útil para o planejamento e desenvolvimento de processo de ensino-aprendizagem. Ademais, ela oferece um bom apoio ao esforço de compatibilizar testes de avaliação com conteúdo de ensino. De fato, estudos mostram uma forte tendência, em certos níveis de ensino, de propor testes com questões concentradas nas faixas de “conhecimento” e “compreensão” o que poderia levar os alunos a distorcer o processo de aprendizagem, focando mais aquilo pelo que julgam que vão ser avaliados.

Mas, é preciso que a escola deixe de ser aquilo que os crítico-reprodutivistas como Bourdieu

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(1930-2002) assinalam, e caminhe, além disso, porque os novos tempos exigem um melhor uso para os conhecimentos acumulados ao longo do tempo. Por meio do uso da noção de violência simbólica, ele tenta desvendar o mecanismo que faz com que os indivíduos vejam como “naturais” as representações ou as ideias sociais dominantes. A violência simbólica é desenvolvida pelas instituições e pelos agentes que as animam e sobre a qual se apoia o exercício da autoridade. Bourdieu (1997) considera que a transmissão pela escola da cultura escolar (conteúdos, programas, métodos de trabalho e de avaliação, relações pedagógicas, práticas linguísticas), própria à classe dominante, revela uma violência simbólica exercida sobre os alunos de classes populares.

Bourdieu (1997) partia de um conceito central: que a dominação recobria formas variadas de relações de poder, sendo a mais insidiosa a “violência simbólica”. No livro “Leshéritiers” (Os herdeiros) ele releva que o sucesso escolar é condicionado à origem social dos alunos e, assim, torna-se o primeiro a revelar os mecanismos cognitivos ligados às condições sociais. O termo violência simbólica aparece como eficaz para explicar a adesão dos dominados: à dominação imposta pela aceitação das regras, das sanções, à incapacidade de conhecer as regras de direito ou morais, às práticas linguísticas e outras.

Fonte: <pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_Bourdieu>

Pierre Bourdieu (1997) elabora, assim, um sistema teórico que não cessará de desenvolver:

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as condições de participação social baseiam-se na herança social. O acúmulo de bens simbólicos e outros estão inscritos nas estruturas do pensamento (mas também no corpo) e são constitutivos do habitus por meio do qual os indivíduos elaboram suas trajetórias e asseguram a reprodução social. Esta não pode se realizar sem a ação sutil dos agentes e das instituições, preservando as funções sociais pela violência simbólica exercida sobre os indivíduos e com a adesão deles.

A crítica de Bourdieu (1997) permanece atual como um alerta, ainda que outras tendências e explicações sobre o fenômeno escolar a ela se acrescentem. Sua posição contrária ao neoliberalismo e ao poder da mídia é, ainda hoje, muito comentada.

Construir o conhecimento junto com os nossos alunos parece ser uma urgência de nossos tempos. Isto inclui saber o que vem do cotidiano para elevá-lo ao nível da ciência. Tal postura se faz necessária por parte do docente, seja qual for a corrente por ele adotada, do construtivismo de Piaget ao sociointeracionismo de Vygotsky, ou mesmo, a pedagogia Histórico-crítica, ressalvado que a História exige uma metodologia diferenciada daquela que foi característica da escola “positivista” no século XIX. Para que possamos compreender melhor a escola “Positivista”, passamos a analisá-la.

Remetemo-nos ao século XIX, quando a Europa presenciou amplo desenvolvimento tecnológico e industrial, permitindo sua evolução econômica e a afirmação como o continente mais poderoso do mundo até a Primeira Guerra Mundial. Ao mesmo tempo em que crescia internamente, o continente se expandia para fora de seus domínios, conquistando terras, pessoas e novas riquezas na África e Ásia, numa reedição do colonialismo do Antigo Regime. No entanto, não bastava conquistar tais territórios e impor uma dominação à força em suas populações: era preciso justificar a razão daquele domínio e gerar um argumento incontestável. Para tal fim, os pensadores e intelectuais europeus utilizaram-se do conceito de ciência, entendida como conhecimento superior e acessível a poucas pessoas.

Nesta perspectiva, os europeus, donos da ciência e do desenvolvimento, se dirigiam àquelas

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novas terras para “salvar” suas populações do estado de barbárie e abandono em que estavam. Justificava-se, assim o Imperialismo por meio de argumentos científicos, baseados na superioridade técnica e racial do europeu branco sobre o negro africano e o asiático: cientificamente falando, o europeu tinha o direito de dominar os novos colonos porque era de uma civilização mais avançada, dado o desenvolvimento que mostrava e o poder de seu conhecimento. Esta forma de se compreender o mundo, isto é, baseada no cientificismo, tornou-se em pouco tempo a tônica de todo o pensamento do Velho Continente, espalhando-se para diversos campos do saber. Renasceu a importância da Física e da Química como disciplinas exatas, por exemplo. Mas o caso mais destacado desse processo de construção de conhecimento é a transformação que ocorre nas chamadas disciplinas humanistas, a História e a Sociologia. Elas também incorporaram a tendência cientificista, auxiliando a explicar o domínio europeu nas novas colônias e impondo novos métodos de se estudar as relações sociais e ao andamento da História dos povos.

Duas correntes dominaram o pensamento europeu a essa respeito. Tratava-se do Racionalismo surgido no final do século XVIII, com a Revolução Francesa, e do Conservadorismo, presente no pensamento do continente desde o final da Idade Média e durante a Idade Moderna. Contudo, Nisbet não aprovava a visão individualista presente na fase pós-Revolução Francesa, a qual pregava a autossuficiência e a individualidade de cada ser humano e que servia de base para a cientifização do conhecimento e do estudo social. Esta negava, pois, a própria existência da sociedade como organização e como meio de influência de comportamentos humanos. O homem seria um ser de livre-arbítrio sobre seus atos, sem a necessidade de estabelecer relações com seus semelhantes. Ele se bastaria por si mesmo. Com isso, surgiram correntes de pensamento relacionadas a essa forma de pensar e que se opunham a seus princípios, como o próprio Positivismo.

O Positivismo pregava a cientifização do pensamento e do estudo humano, visando à obtenção de resultados claros, objetivos e completamente corretos. Os seguidores desse movimento acreditavam num ideal de neutralidade, isto é, na separação entre o pesquisador/

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autor e sua obra: esta, em vez de mostrar as opiniões e julgamentos de seu criador, retrataria de forma neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos, mas sem os analisar. Os positivistas creem que o conhecimento se explica por si mesmo, necessitando apenas seu estudioso recuperá-lo e colocá-lo à mostra. Não foram poucos os que seguiram a corrente positivista: Auguste Comte, na Filosofia; Émile Durkheim, na Sociologia; Fustel de Coulanges, na História, entre outros, contribuíram para fazer do Positivismo e da cientifização do saber um posicionamento poderoso no século XIX.

Pode-se inclusive dizer que o Positivismo reduz o papel do homem enquanto ser pensante, crítico, para um mero coletor de informações e fatos presentes nos documentos, capazes de fazer-se entender por sua conta. “Os fatos históricos falam por si mesmos”, dizia Coulanges, historiador francês (BOURDÉ e MARTIN, 1984, p.99). Assim, para os positivistas que estudaram a História, esta assume o caráter de ciência pura: é formada pelos fatos cronológicos e o que realmente significam em si. São objetivos à medida que possuem uma verdade única em sua formação (que é o seu sentido e sua única possibilidade de compreensão) e não requerem a ação do historiador para serem entendidos: como já dito, o papel deste é coletá-los e ajeitá-los, constatando pela análise minuciosa e liberta de julgamentos pessoais sua validade ou não. O saber histórico, dessa forma, provém do que os fatos contêm, e assume um valor tal qual uma lei da Física ou da Química, ciência exatas.

Tão objetiva é a História para os positivistas que um de seus maiores ensinamentos é a busca incessante de fatos históricos e sua comprovação empírica. Daí a necessidade, como pregavam, de se utilizar na pesquisa e análise o máximo de documentos possíveis para se obter a totalidade sobre os fatos e não deixar nenhuma margem de dúvida no que se refere à sua compreensão. A busca desses fatos deve ser feita por meio da neutralidade, pois qualquer juízo de valor na pesquisa e análise altera o sentido e a verdade própria dos fatos, modificando, pois a própria História. Esta se tornaria uma ciência falha e totalmente fora de seu caráter científico, e, portanto destituída de valor e validade. "Coulanges chegou a afirmar que a “História não é arte, mas uma ciência pura [...] a busca dos fatos é feita pela observação

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minuciosa dos textos, da mesma maneira que o químico encontra os seus em experiências minuciosamente conduzidas”. (BOURDÉ e MARTIN, 1984, p.100)

A objetividade, a minuciosidade, o detalhe e a dedicação impessoal, portanto, são as grandes lições da escola positivista para o estudo da História no século XIX e no início do XX. Os historiadores que, nessa época, tentaram provar outras formas de se estudar a disciplina foram desconsiderados e postos à margem. Numa sociedade europeia que buscava seu próprio desenvolvimento e avançava rumo a grandes descobertas na ciência e na tecnologia, a cientifização que marcou a época também se espalhou para o campo dos estudos humanos, reduzindo o papel do profissional desse campo para um mero coletor de informações. A implicação de opiniões externas aos sentidos dos fatos históricos alterava a História, na opinião positivista, e eliminava assim sua legitimidade como saber de importância social.

Para positivistas como Fustel de Coulanges

a História é uma ciência pura [...] o historiador não deve ter outra ambição que a de ver bem os fatos e compreendê-los com exatidão. Não é em sua imaginação ou lógica que ele os procura, mas sim na observação minuciosa dos textos, da mesma maneira que o químico encontra os seus em experiências minuciosamente conduzidas (BOURDÉ e MARTIN, 1984, p.102).

A História deveria, sob essa perspectiva, ser tratada como a química e a matemática, por exemplo: sua compreensão estaria na perfeita observação dos fatos por parte do historiador, e não em sua análise: a opinião humana mudaria o verdadeiro sentido do conhecimento histórico. Os fatos falam por si mesmos e possuem uma verdade implícita que aparece quando postos à tona. O trabalho e o ofício do pesquisador seria tão somente resgatá-los do esquecimento e possibilitar sua divulgação. Mas nunca interpretá-los ou propor um entendimento para os mesmos: este seria conhecimento falho e mentiroso, por se basear nos sentidos e na avaliação de um ser humano passível de erros e que não possui a exatidão da verdade histórica.

Essa forma de se estudar a História nacional predominou até o início dos anos 1930, quando a emergente Escola dos Annales francesa, que emergia na Europa desde a década anterior,

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começou a influenciar os autores e pensadores brasileiros, forçando uma renovação no pensamento histórico e social da nossa realidade. Tratava-se de um novo olhar dado ao Humanismo, com a retomada do papel do historiador na formação do saber histórico: ele reassumiria sua atuação na escolha do que pesquisar, como o fazer e qual a linha que daria a seu trabalho.

Atualmente, sob influência da Nova História, além de historiar na curta duração, com aquela orientação factual criticada por Fernand Braudel, não mais procuramos pelos heróis da pátria nem ressaltamos apenas os acontecimentos políticos. Com tal ponto de partida, procuramos evitar a parcialidade intencional que levou a esconder fatos que manchavam o patriotismo, por exemplo. Foi a orientação “positivista” que levou Rui Barbosa (1849-1923) a cometer um ato prejudicial contra o nosso patrimônio histórico, ordenando a destruição de documentos (muitos deles) existentes sobre a escravidão em nosso país.

Para entender melhor esse segmento, recomendamos ler com muita atenção o Saiba Mais explicitado abaixo onde fazemos a diferença entre a corrente positivista e aquela que agora adotamos, qual seja, a Nova História. Uma consideração que se pode fazer sobre atos como aquele ordenado por um dos luminares de nossa pátria, mas que representa um ato de “esconder a cabeça” como o avestruz para não ser visto, é que uma simples incineração não pode apagar os fatos daquela à qual se chamava a “mancha negra” de nosso passado e nos fazia – e faz – envergonhados.

Por Priscilla C. M. Paixão De uma forma não muito adequada – os historiadores preferem o termo “escola metódica”, a corrente a que chamamos positivista que dominou nas universidades francesas até os anos 1940 e, entre nós, algumas décadas além. O que caracteriza esta “escola” de pensamento em História é a busca de uma objetividade absoluta (impossível) e para isto aplicava técnicas rigorosas quanto ao inventário das fontes, à crítica dos documentos e à organização das tarefas. Mas o discurso ideológico que aparece

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como conseqüência dessa corrente leva a venerar o regime republicano em detrimento dos outros, alimentar a propaganda nacionalista e aprovar as conquistas coloniais e ignorar os meios sociais e culturais dos outros povos. Exaltar apenas os heróis nacionais e fugir das explicações, se prendendo aos fatos e não o contexto é outra característica positivista.

Contudo, tal vergonha não promoveu a integração do negro liberto na sociedade e levou à formação de favelas as quais rotulamos como as grandes vilãs da violência urbana.

EIS AÍ uM TEMA PARA NOSSA REFLEXãO

“Chamamos ideologia àquele saber que falseia a realidade apresentando um conhecimento parcial sobre ela”. Assim, ao analisar o aumento dos índices de violência na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, a imprensa privilegia aspectos secundários como a má atuação dos policiais na repressão ao banditismo, porém omite (propositalmente? Ou por ignorá-lo?) o fundamental: “a violência relaciona-se com problemas criados pelo homem em sociedade, como a insatisfação diante da vida material e a ausência de condições culturais mínimas para a organização do pensamento crítico” (NEMI; MARTINS, 1996, p. 34).

Segundo Marilena Chauí, “a ideologia é um saber cheio de lacunas ou de silêncios que nunca poderão ser preenchidos” isto porque, “se o forem, a ideologia se desfaz por dentro; ela tira sua coerência justamente do fato de só pensar e dizer as coisas pela metade e nunca até o fim” (SOUZA, 1989, p.8).

A necessidade de vencer a grande distância que vai da consciência ingênua, que aceita tudo que lhe é apresentado, à consciência crítica que procura sempre avaliar e pensar por si mesma introduz a grande exigência – e responsabilidade nova – do trabalho docente.

A História pode ser um instrumento valioso nessa direção em torno da criatividade do aluno que faz retornar a um pensamento de Michel de Montaigne (1533-1592) que é um mote para

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todos os professores que atuam do Ensino Fundamental ao Superior: o aluno não é uma página em branco que está ali para ser preenchida.

Homogeneizar a sociedade não é mais a finalidade de uma educação que, antes de tudo, busca pelo potencial humano e este só se encontra no diferencial que pode ser trazido à tona pela educação.

A HISTÓRIA COMO DISCIPLINA ESCOLAR

Ao historiar sobre a História, verificaremos que seu desempenho como disciplina teve início na França, em um cenário presidido pelo “iluminismo” em que razão e ciência se uniam para promover a libertação do homem e uma relativa igualdade entre eles. Esse era o ideal da educação burguesa oferecida na França de Napoleão onde o ensino público, gratuito e obrigatório foi a “novidade” do século XIX.

Segundo a historiadora Elza Nadai (1986, p.106), “o século XIX acrescentou, paralelamente aos grandes movimentos que ocorreram visando construir os Estados Nacionais” a utilidade da História como uma disciplina que atendia à necessidade de se retornar ao passado “com o objetivo de identificar a ‘base comum’ formadora da nacionalidade”. Foi onde se começou a falar em conceitos que ainda hoje existem em nossas histórias ensinadas: nação, pátria, nacionalidade e cidadania.

Paralelamente a este requisito tivemos a escola metódica ou positivista sendo posta a serviço da República Francesa pós-napoleônica quando ocorria aquela que Bourdé e Martin (1984, p. 110) chamam de “exaltação permanente” da mãe pátria: uma propaganda “nacionalista desenfreada” trazia em primeiro lugar o que se esperava do aluno-soldado, inflamado por exemplos e cantos marciais:

Para ser um homem é preciso saber escreverE em pequeno, aprender a trabalhar.Pela Pátria, uma criança deve instruir-se

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E na escola, aprender a trabalhar.Soou a hora, marchemos a passo,Jovens crianças sejamos soldados.(BOURDÉ; MARTIN 1984, p. 110)

Esse canto citado ao nível da escola maternal e do atual Ensino Fundamental entrava em um clima onde “os manuais de história” selecionavam “os feitos de armas que ilustravam a defesa do território contra o invasor”. Foi ainda nessa época que Joana d’Arc tornou-se “heroína nacional, o símbolo da resistência”, uma das figuras mais impressionantes que apareceram na Terra; nenhum outro povo tinha em sua história “uma Joana d’Arc conforme trazia o Manual Gautier-Deschamps” (BOURDÉ e MARTIN, 1984, p.111).

No Brasil, segundo Schmidt e Cainelli (2004), a trajetória da História como disciplina teve início no Segundo Reinado e a partir do colégio Dom Pedro II, sempre sustentada pelas diferentes concepções e “escolas” históricas como querem Bourdé e Martin (1990).

A República “Velha” brasileira, sob a égide de republicanos “históricos” como Rui Barbosa, Benjamin Constant e outros, pretendia um Estado presidido pela “ordem e progresso” como até hoje lemos em nossa bandeira. E este não é outro senão um dístico positivista, que em sua origem com Augusto Comte (1798-1857) se acrescentava ainda da palavra “amor”.

A Europa era então, principalmente no foco francês, a principal referência de nossos historiadores como Capistrano de Abreu (1853-1927) na época positivista.

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É de Capistrano a tese ensinada em todas nossas escolas, até pelo menos a década de 50 do século passado, que o Brasil foi descoberto por acaso. Segundo ele, teriam sido as calmarias as principais responsáveis pelo afastamento da esquadra de Cabral das costas africanas para o Atlântico Sul, na latitude da atual Bahia. Mesmo após a comprovação da experiência náutica portuguesa e seu evidente conhecimento de terras que pensavam ser uma grande ilha, décadas anteriores a Cabral, muitos ainda acreditavam na teoria do acaso.

Historiadores como Tito Lívio Ferreira e outros muitos discutiram até que a intencionalidade no descobrimento português do Brasil deixasse de ser vista como obra do acaso e assumisse o caráter de empresa de navegação planejada por uma nação mercantilista, visto o mercantilismo como a política econômica do capitalismo em sua fase comercial.

Capistrano, como todo historiador positivista, tinha suas preferências e elegia seus ídolos ou desafetos, como podemos comprovar em notas sobre sua obra compiladas por José Honório Rodrigues (1979) no seu “História da História do Brasil (tomo I, fase colonial)”:

“Capistrano de Abreu, que não foi muito simpático à oratória do Padre Vieira, escreveu a João Lúcio de Azevedo (historiador português) em 14 de abril de 1918: entre os colonos e os jesuítas minha posição é bem definida: sou pelos jesuítas” (RODRIGUES, 1979, p.478). Essa parcialidade, que pode ser vista como a parcialidade intencional dos positivistas para colocar a História a serviço de uma exaltação de valores cívicos e nacionalistas, começou a ceder a outra “escola”, desta vez a marxista quando o historiador Caio Prado Júnior fez escola entre nós.

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João Capistrano de Abreu (Maranguape, CE, 23 de outubro de 1853 — Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1927) foi um historiador

brasileiro.

Por meio das leituras realizadas, percebemos que Capistrano de Abreu foi um dos primeiros grandes historiadores do Brasil, produzindo ainda nos campos da etnografia e da linguística. A sua obra é caracterizada por uma rigorosa investigação das fontes e por uma visão crítica dos fatos históricos.

Hoje, ao lado desta explicação e de outras, entre as quais avultam as explicações tiradas à Nova História, herdeira da escola dos Annales de Bloch (1976) e Braudel (o historiador da longa duração), temos historiadores que pensam em termos de descontinuidade e relação, uma outra história que procura analisar mitos, textos e rituais, outros que como Henri Marrou, Paul Veyne ou Michel de Certeau inserem pontos de dúvida sobre a história.

Michel Foucault mostrou, sobretudo, a intenção de “exibir os princípios” da transformação em curso na história. A história estrutural e serial de Braudel (1965) que se esforçava por tirar consequências teóricas dos eventos deu lugar à conhecida “Arqueologia do Saber” de 1969.

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Aquilo que Bourdé e Martin, comentando Foucault, chamam de mutacionismo “que privilegia as rupturas bruscas e a emergência de estruturas novas” passou a ser a tônica (1990, p.189).

Bourdé e Martin falam de um corte que configura uma escrita “etnológica que consiste em distinguir, por detrás da irredutível estranheza, a presença de certo número de invariantes que se encontram ligados a uma única e mesma natureza humana”, ou ainda, a uma lógica universal (1990, p.197).

Paul Veyne pode ser visto como um hipercrítico que procura banir da História as filosofias totalizantes como o marxismo ainda que sua crítica não seja a de um cético do valor histórico: “a história continua a ser capaz de elaborar um conhecimento autêntico” apesar de parcial, do homem (BOURDÉ e MARTIN, 1990, p.201).

No nosso país, Brasil, continuamos as reflexões sobre impacto dessas escolas que trazem o dinamismo à nossa disciplina, mas são muito importantes na medida em que norteiam os rumos da escola em nível fundamental ou médio, seja qual for o objeto de nossa discussão e, ainda, os rumos dos estudos universitários ligados à disciplina histórica.

Um desses momentos aconteceu durante o período de ditadura entre 1964 e 1985, aproximadamente, quando não havia preocupação em resgatar o homem como sujeito de sua história, mas sim reservar para ele um caráter de mero expectador, dentro da perspectiva de que o indivíduo serve o seu Estado. Nesse sentido, foram introduzidas no currículo disciplinas que privilegiavam o civismo em detrimento da crítica ao conhecimento advindo do passado, como foi o caso da Educação Moral e Cívica.

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Ditadura = Não à liberdade de Expressão

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 (Lei Federal n. 9.394) procurou readequar os conteúdos das ciências na direção da democracia e verdadeira cidadania. Sendo assim, há alguns anos atrás tivemos a composição dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) programados para servirem de referência em conteúdos e metodologias de ensino para a estruturação escolar brasileira. “Na área de história, os Parâmetros Curriculares Nacionais tiveram como proposta fundamental a modificação da estrutura dos conteúdos até então apresentados”. Mais que isso, “a idéia básica era a transformação dos conteúdos organizados de forma linear em eixos temáticos” (SHMIDT e CANELLI, 2004, p.14). Atentando-se a este assunto, aguarde, pois o mesmo será retomado na próxima unidade.

QUALHISTÓRIADEVESERENSINADA?

A colocação da História como disciplina e não apenas como matéria escolar é um primeiro passo indicado por Circe Bittencourt (2004) em que ocorre uma explanação sobre conceitos. A História deve ir além daquela “transposição didática” que caracterizou o nosso passado e

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se situar em um processo dinâmico de produção que obedece a uma finalidade e definição de métodos que garantam a sua eficácia como “disciplina”.

Mas, afinal, o que é uma disciplina escolar e quais são suas especificidades? Qual tem sido a participação dos professores na constituição da disciplina de História nas salas de aula? Segundo Bittencourt (2004, p. 35), “responder à pergunta 'o que é uma disciplina escolar' não é simples, e existe séria polêmica a respeito desse conceito”.

Para entendermos a disciplina escolar, em seu sentido amplo, é preciso situá-la em um processo dinâmico de produção. Isto é o mesmo que dizer que toda disciplina precisa ter estabelecida as finalidades, explicitar os conteúdos a serem ensinados e definir os métodos que garantam tanto a apreensão de tais conteúdos como a avaliação de tal aprendizagem.

Assim, “cada disciplina formula seus objetivos no intuito de contribuir para uma formação intelectual e cultural que desenvolva o espírito crítico e capacidades diversas de comparação, dedução, criatividade, argumentação, lógica e habilidades técnicas, entre outras” (BITTENCOURT, 2004, p.41).

Um constituinte fundamental da disciplina é, ainda, seu conteúdo explícito que se articula com os outros componentes da disciplina escolar, que envolve os métodos de ensino e de aprendizagem.

A avaliação é o momento final do ensino-aprendizagem e tem de estar relacionada a métodos e finalidades.

Temos afirmado que a concepção de disciplina escolar está intimamente associada à de pedagogia e à escola e, portanto, ao papel histórico de cada um desses componentes. Ao concebermos a disciplina escolar como produção coletiva das instituições de ensino, admitimos que a pedagogia não pode ser entendida como uma atividade limitada a produzir métodos para melhor ‘transpor’ conteúdos externos, simplificando da maneira mais adequada possível os saberes eruditos ou acadêmicos (BITTENCOURT, 2004, p.49).

“Dar aula” é uma ação complexa que demanda do professor o domínio de saberes

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característicos e heterogêneos: o trabalho profissional que se define como “saber docente” traz a necessidade de liberar esses saberes do professor “e submetê-los ao reconhecimento por parte dos grupos produtores de saberes da comunidade científica, enquanto um saber original sobre o qual detêm o controle é um empreendimento que lhe parece condição básica para um novo profissionalismo” (TARDIFF, 2002, p.232).

Quando pensamos em qual História devemos ensinar, poderemos refletir sobre o que se escreve a respeito dos objetivos da História no então “curso secundário” (hoje Ensino Fundamental – nível 2), Emília Viotti da Costa (apud BITTENCOURT, 2004, p.93), num exemplar de 1957 da Revista de História mas que ainda permanece atual quanto ao seu legado, ressalta:

“A História matéria tem uma finalidade a preencher [...] como a de formar a personalidade integral do adolescente e, em segundo plano, fornecer-lhe conhecimentos básicos”. A autora cita como matéria o que hoje tomamos como disciplina, mas à parte dessa diferença avulta a necessidade de formar antes de informar, no melhor sentido que lhe davam os gregos antigos quando pensavam em uma educação liberal, voltada para a formação integral do ser humano.

Viotti da Costa (apud BITTENCOURT, 2004, p.94) prossegue se indagando sobre como seria possível à História preencher tal função, e aí encontramos um mote para a resposta que buscamos em nossa pergunta-título: “Inicialmente pelo seu caráter informativo, amplia a visão intelectual, fornece conhecimentos novos. Por outro lado, ela dá margem à expansão do aluno – oralmente e por escrito”.

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A partir da informação básica e obtida por leitura em documento real ou virtual ou, também aula expositiva, a expressão do aluno será consequente e natural e a esse respeito Viotti da Costa (apud BITTENCOURT, 2004, p.94) esclarece melhor: “A exposição oral contribui para dar segurança ao aluno, domínio e controle de si mesmo, hábito de falar em público. Diminui inibições. Dessa forma, estamos contribuindo para a formação de sua personalidade”.

Nesse ponto, a historiadora passa da informação para a ênfase à formação. Mas encontra outras aplicações para o conhecimento histórico que podem nos responder sobre qual a melhor História a ser ensinada:

A História ainda pode também desenvolver o raciocínio indutivo. Educa a imaginação. Formulando problemas, analisando os porquês, as razões, as condições que explicam um determinado fenômeno, problemas da sociedade. Enxergar soluções. Mas tudo isto sempre que a História ensinada permaneça num plano explicativo e não se restrinja à fastidiosa enumeração de fatos, dados, nomes, geralmente sem significado, e que são obrigatoriamente decorados pelos alunos (acréscimo e grifo nosso) (apud BITTENCOURT, 2004, p.94).

Entre os métodos científicos de abordagem como o destacado por Bittencourt, encontramos os métodos:

• Indutivo–suaaproximaçãodosfenômenosseencaminhadoparticularparaogeral,ouseja,partedasconstataçõesmaisespecíficasparaasmaisabrangentes,numaconexãoascendente.Podemospartirdabiografiadoindivíduoinseridoemsuasociedadeetempode vida para o retrato de uma época histórica, por exemplo.

• Dedutivo–partedasteoriaseleis,numâmbitogeral,paraaocorrênciadefenômenospar-ticulares, numa conexão descendente. Ou seja, podemos estudar a globalização e então compreender suas características e aplicações na sociedade brasileira.

Percebemos que o pensamento de Viotti da Costa é basicamente ilustrativo para que entendamos a História não mais como uma matéria meramente decorativa, mas sim como uma disciplina que nos permite a apropriação de um conhecimento científico que tem um método e atende a uma finalidade.

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Embutida na reflexão acima, podemos agora inferir a distância que vai de matéria à disciplina: da centralização do conteúdo na informação à passagem para um conjunto ordenado de conhecimentos que se relaciona a outros e com eles interage sempre em prol do aumento do saber.

Leia trechos de um artigo retirado de <http://www.klepsidra.net/klepsidra7/annales.html> que completa nossas discussões realizadas até aqui.

O Espírito dos Annales: LucienFebvre,MarcBlocheFernandBraudel

Angela Birardi, Gláucia Rodrigues Castelani, Luiz Fernando B. Belatto

Fonte: <www.annales.rtf>. Acesso em: 01 jun. 2011.Lucien Febvre O historiador, na chamada “escola metódica”, não poderia, portanto, escolher os fatos, pois a escolha eraapróprianegaçãodaobracientífica.Talconceitofoiamplamentecriticadoerecusadopelogrupodos Annales,personificadosobremaneira,nafiguradeLucienFebvre.Paraohistoriador“todahistóriaé escolha” (FEBVRE: 1989, 19), pois o historiador cria os seus materiais, ou se se quiser, recria-os; em outras palavras, o historiador parte para o passado com uma intenção precisa, um problema a resolver,umahipótesedetrabalhoaverificar.Nesse sentido, Lucien Febvre enfatiza, em seu legado intelectual, a importância e, não obstante, a necessidade de uma história engajada que compreende e faz compreender, isto é, uma ciência humana constituída por fatos e textos, capazes de questionar e problematizar a existência humana… “Peço-lhes que vão para o trabalho à maneira Claude Bernard, com uma boa hipótese na cabeça. Que nunca se façam colecionadores de fatos, ao acaso, como dantes se fazia pesquisadores no cais”. Em outras palavras, Lucien Febvre propunha uma História não automática, mas sim problemática. Este foi o grande ensinamento de Lucien Febvre, bem como do grupo dos Annales: formular uma história engajada, cujo objetivo principal fosse responder às lacunas inerentes à condição humana.

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MarcBloch MarcBlochesforçou-seporrefletirsobreométodoemhistória,tendoemcontaaexperiênciadogrupodos Annales.Oseumanuscritoqueficou incompleto, foiordenadoepublicadoposteriormenteporLucien Febvre sob o duplo título: Apologie pour l´histoire ou Métier d´histoiren. Bloch mostra-se ligei-ramente menos crítico do que Lucien Febvre a respeito da “história historicizante”. Aprecia a aquisição da erudição do século XIX. Para ele a escola alemã (Fustel de Coulanges), desenvolveu a erudição a sua categoria intelectual. “O historiador foi levado à banca de trabalho”. Tanto Bloch como Febvre, condenam a falta de ambição dos historiadores “positivistas”. Estes, “’muito preocupados,dadasuaeducaçãoprimeira,pelasdificuldades,asdúvidas,osfreqüentesrecomeçosda crítica documental, tiraram destas constatações, antes de tudo, uma lição de humildade desiludida. Adisciplinaàqualvotavamosseustalentosnãolhespereceu,afinaldecontas,capaz,nemnopre-sente, de conclusões bem seguras, nem no futuro de muitas perspectivas de progresso’”. (MARTIN: 2000, 125) Comrelaçãoaosdocumentoshistóricos,Blochafirmaqueo“stockdedocumentos”,dequeahistóriadispõe não é limitado; sugere não utilizar exclusivamente os documentos escritos e recorrer a outros materiais: arqueológicos, artísticos, numismáticos, etc. Bloch não entende apenas explorar novos documentos, que também descobrir novos domínios. Mais que qualquer outro responsável dos Anna-les,orienta-separaaanálisedosfatoseconômicos.Nestecampo,éinfluenciado,semoreconhecerexplicitamente, pela obra de Karl Marx, que o incita a relacionar as estruturas econômicas e as classes sociais; e é inspirado pelas investigações do economista F. Simiand, do historiador H. Hauser, que o empenhamnaapreciaçãodasflutuaçõeseconômicasnabasedassériesdepreços.

Fernand Braudel Publicado pela primeira vez em 1949, a obra O Mediterrâneo na Época de Felipe II, representou a inovação metodológica para o estudo histórico. Tal obra, característica do espírito dos Annales, volta às costas para a tradição da “história historicizante”. Fernand Braudel, em certo momento na sua obra, ao dar atenção à “história batalha”, fez uma conces-são à escola “positivista”, cuja posição continua forte na instituição universitária; todavia, como digno representante da escola dos Annales, relega esses acontecimentos para segundo plano. Durante mais de vinte anos, de 1946 a 1968, em primeiro lugar junto de Lucien Febvre, depois sozinho nos comandos, dirige a revista Annales, preside a 6.ª seção da Escola Prática dos Altos Estudos, ocu-pa uma cátedra no Colégio de França, guia as investigações de inúmeros historiadores debutantes. Braudel,demaneirageral,permanecefielàsorientaçõesdeLucienFebvreedeMarcBloch:louvaaunidadedasciênciashumanas,tentaedificaruma“históriatotal”emantémaligaçãoentreopassadoe o presente. “’Depois da fundação dos Annales…, o historiador quis-se e fez-se economista, antropó-

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logo, demógrafo, psicólogo, lingüista… A História é, se se pode dizer, um dos ofícios menos estrutura-dosdaciênciasocial,portantoumdosmaisflexíveis,dosmaisabertos…AHistóriacontinuou,dentrodesta mesma linha, a alimentar-se das outras ciências do homem… há um história econômica…, uma maravilhosahistóriageográfica…,umademografiahistórica…;hámesmoumahistóriasocial…Masse a história omnipresente põe em causa o social no seu todo, é sempre a partir deste movimento do tempo… A História dialética da duração… é o estudo do social, de todo o social; e portanto do passado e portando também do presente”. (MARTIN, 2000, p. 131) Apesar de se proibir de instaurar um “historicismo” - uma espécie de imperialismo da explicação histórica -, Fernand Braudel nem por isso deixa de colocar a sua disciplina em posição dominante, na encruzilhada das ciências humanas.

CONSIDERAçÕES FINAIS

Nesta primeira unidade, procuramos nos aproximar do universo da História, buscando pelas suas origens e sentidos dados a palavra História. Vimos o quanto esta ciência do tempo é necessária para o entendimento da sociedade em suas diversas nuances do passado ao presente ou vice-versa.

Há também de considerar que a disciplina História percorreu um bom caminho para chegar ao entendimento do que concebemos hoje. De origem tradicional apoiada no positivismo, passou a ser concebida como uma disciplina essencial na formação do cidadão consciente e participativo, embora entendamos que cidadania seja um direito não possível de ser formado, mas sim uma visão de conscientização ao exercício pleno desta cidadania.

Na unidade seguinte, nos remeteremos às mudanças e permanências dos métodos do Ensino de História, bem como à ação docente objetivando a formação global de nossos educandos.

ATIVIDADE DE AuTOESTuDO

1. Inicialmente,procuramosnestaunidade refletir sobreaorigemdapalavraHistóriaeossentidos dados a ela, segundo o historiador Glénisson. Assim, procure explicar e dar exemplos para os três sentidos da palavra História.

2. Ainda nesta primeira unidade, discutimos o ensino de História e suas várias perspectivas. Neste sentido, estabeleça um contraponto entre a concepção positivista e a Nova His-tória ressaltando aspectos como a utilização de documentos, o enfoque do estudo, a

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visãodoheróieatemporalidade.

3. Leia novamente o subtítulo “Qual História deve ser ensinada?” e posicione-se criticamen-te diante da disciplina escolar História. Lembre-se de diferenciá-la de matéria escolar.

APROFuNDANDO NOSSOS ESTuDOS:Para aprofundamento de nossos estudos, leia as “Diretrizes Curriculares da História para aEducaçãoBásica” disponível na página do Portal Educacional do Estado do Paraná: <www.diaadiaeducacao.pr.gov.br>.

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uNIDADE II

TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIAProfessora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

Objetivos de Aprendizagem

• Compreender que ensinar História é criar a possibilidade de investigação, semseparar o ensino da aprendizagem e da pesquisa.

• ReconhecerqueoprofessordeHistóriaéumsujeitohistóricoinseridoemumgruposocial no qual interage e, por isso mesmo, tem um papel fundamental na construção do conhecimento histórico por parte dos alunos.

• Destacarosconhecimentospréviosdosalunoscomopontodepartidaedasmetasde aprendizagem.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• MudançasepermanênciasnosmétodosdaHistóriaescolar

• Concepçõesdeconteúdosescolaresdeaprendizagem

• Aformaçãodeconceitos

• AformaçãodoprofessordeHistóriaeocotidianodesaladeaula

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INTRODuçãO

Toda ciência tem seus métodos de abordagem e procedimento, e são eles que mostram a nossa orientação ideológica.

Um historiador que seja herdeiro da escola dos Annales francesa como vimos na primeira unidade e, portanto se inclua entre os neo-historiadores, obedece a uma linha mestra que foi demarcada pelos “fundadores” da corrente, Marc Bloch e Lucien Fèbvre, na década de 40 do século passado.

Estudamos que tanto Bloch (historiador) como Fèbvre (geógrafo) se insurgiram contra o rigorismo da escola metódica (positivista) e ampliaram o sentido de documento histórico. Trouxeram para o estudo de nossa disciplina as outras ciências coirmãs, tais como a Geografia, a Sociologia, a Antropologia e até a Arqueologia o valor que cada uma merece.

A segunda geração da Nova História – Fernand Braudel liderando – além de incluir a Geografia, o espaço como básico, ampliou o conceito de tempo da curta duração (fatos e datas) para a média (conjuntura) e mais notadamente para a longa duração, os séculos onde aparecem mais nítidas as estruturas históricas. Assim, o feudalismo tinha uma estrutura diferente do sistema capitalista que o seguiu, tais mudanças sendo sempre marcadas por época de transição onde coexistem o velho e o novo até que este último definitivamente se instale. Esta é a formação que vai estabelecer o perfil do professor que está se formando para partir e formar o quadro docente que informa e forma os alunos em sala de aula.

Assim, nesta unidade, estudaremos as concepções de conteúdos escolares e de aprendizagem, dando ênfase às atuais propostas que colocam o conhecimento como centro de todo o processo ensino-aprendizagem.

Discutiremos, ainda, a formação de conceitos, considerando os conhecimentos prévios dos alunos e o papel de relevo que o professor merece. Isto porque acreditamos que ele exerce

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função fundamental neste processo de ensino-aprendizagem.

MuDANçAS E PERMANÊNCIAS NOS MÉTODOS DA HISTÓRIA ESCOLAR

Por muito tempo, a escola denominada elementar ou escola primária como era conhecida, era o lugar de ensinar a “ler, escrever e contar”. Para o ensino da leitura, os professores deveriam utilizar, entre outros, a “Constituição do Império e a história Geral”. O objetivo maior era o fortalecimento do senso moral por meio de deveres para com a Pátria e seus governantes. O que, segundo Bittencourt (2004), se acentuou no decorrer dos séculos XIX e XX.

Seguindo preceitos do Positivismo, a escolarização das classes populares incluía ensinar a História para “inculcar determinados valores para a preservação da ordem, da obediência à hierarquia, de modo que a Nação pudesse chegar ao progresso, modernizando-se segundo o modelo dos países europeus” (BITTENCOURT, 2004, p. 64).

Nesta prerrogativa, aprender História significava memorizar nomes, fatos e datas, repetindo exatamente o que estava escrito nos livros ou copiados nos cadernos. Não precisamos ir longe para constatar tal afirmação. Ainda hoje é possível verificar professores que se recusam a inovar e acompanhar as tendências atuais para o ensino e se gabam na sala dos professores, por exemplo, que seus alunos já “terminaram mais um caderno” ou que “todos vão bem às provas, afinal, faz uma revisão dando-lhes um questionário para responder e cobra tal e qual na prova”.

A História, segundo o método catecismo, era apresentada por perguntas e respostas, e assim os alunos deviam repetir, oralmente ou por escrito, exatamente as respostas do livro. Como castigo, pela imprecisão dos termos ou esquecimento de algumas palavras, recebiam a famosa palmatória ou férula. O sistema de avaliação era associado a castigos físicos (BITTENCOURT, 2004, p. 67).

O “aprender de cor” tem sido uma constante desde fins do século XIX. O que nos chama a atenção é a perpetuação de um sistema que por vezes sofreu críticas e continua perpetuan-do-se, muitas vezes, em nossas escolas. Mas, precisamos ainda considerar que memorizar conscientemente é diferente de “aprender de cor”, ou memorizar mecanicamente.

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Se por um lado tal método nos incomoda até hoje, a situação se agravou ainda mais quando a partir dos anos de 1930 os Estudos Sociais passaram a construir disciplina escolar nas “escolas primárias” em substituição à História, à Geografia e ao Civismo. Tal substituição visava à integração do indivíduo na sociedade, devendo os conteúdos auxiliar a inserção do aluno na comunidade da qual fazia parte.

Os Estudos Sociais foram adotados em algumas escolas denominadas “experimentais” ou “vocacionais”, no decorrer da década de 60, e depois da reforma educacional na fase da ditadura militar, pela Lei 5.692 de agosto de 1971, a área foi introduzida em todo o sistema de ensino – o qual então passou a se chamar de primeiro grau -, estendendo-se para as demais séries do antigo ginásio (BITTENCOURT, 2004, p. 73).

Vale ressaltar que tal mudança provocou um esvaziamento de cada uma das disciplinas, uma vez que agora, todas elas se diluíam, assim como as categorias e conceitos básicos provenientes das ciências de referência. Assim, os métodos, que antes eram destinados à memorização, passaram a se tornar vitais para o bom resultado do então chamado Estudos Sociais, devendo destacar a observação e descrição do meio local. As crianças das escolas primárias deveriam observar e descrever situações de trabalho, a organização das ruas e praças, os transportes etc. O mais importante era criar uma atmosfera pedagógica, “para formar, a partir da escola, um indivíduo socialmente eficiente para o sistema” (BITTENCOURT, 2004, p. 75).

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Tiradentes

As datas cívicas e as comemorações dos feitos dos heróis e dos grandes acontecimentos políticos nacionais eram, na prática, os únicos conteúdos históricos para os alunos da escola primária.

O professor deveria manter uma atitude de neutralidade diante de todos os acontecimentos históricos do passado ou do presente. A constante solicitação da postura neutra do professor evidenciava, paradoxalmente, o caráter político da disciplina (BITTENCOURT, 2004, p. 89).

É possível percebermos que todas as mudanças dos anos de 1970 para o ensino de História estavam ligadas especificamente aos métodos e técnicas, como deixamos evidente em nossas discussões, e visavam adequar-se a determinado e reduzido conhecimento histórico, sem que essencialmente os conteúdos fossem alterados, mas apenas simplificados e resumidos.

Contudo, todos os esforços por reformulações que se iniciaram no fim dos anos 80 do século passado ganharam força nos anos 1990 decorrente da nova configuração mundial, que impunha um modelo econômico para submeter todos os países à lógica do mercado.

Vale lembrar que esta série de reformulações curriculares não foi exclusiva em âmbito nacional.

Outros tantos países também sofreram mudanças em seus currículos oficiais, e muitas

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dessas propostas curriculares, como as dos países integrantes do Mercosul, a de Portugal e a da Espanha, possuem a mesma estrutura na organização dos documentos oficiais e a mesma terminologia pedagógica (BITTENCOURT, 2004, p. 100).

Consagrando-se como tendências atuais, a partir do fim da década de 1980, criaram-se várias propostas curriculares de História para o Ensino Fundamental, além dos PCN’s que explicita-remos ainda nesta unidade. Essas propostas tiveram em comum algumas características que passamos a considerar tal como fez nossa historiadora e professora Circe Bittencourt em seu livro intitulado “EnsinodeHistória:fundamentosemétodos”, publicado pela primeira vez em 2004 pela Editora Cortez em sua coleção Docência em formação: ensino fundamental (pp. 111-112).

• A alteração nas formulações técnicas dos textos curriculares, que passaram aapresentar fundamentações sobre o conhecimento histórico e sobre os demais tópicos da disciplina;

• Apreocupaçãocoma implementaçãodoscurrículos,buscandosua legitimidadejunto aos professores, justificando sua produção e procurando diluir formas de resistência aos documentos oficiais;

• Aredefiniçãodopapeldoprofessor,fornecendo-lhemaiorautonomianotrabalhopedagógico, concepção esta expressa na ausência de um rol de conteúdos estabelecidos de forma obrigatória para cada série ou ciclo;

• A apresentação mais detalhada dos pressupostos teóricos e metodológicos doconhecimento histórico;

• Afundamentaçãodemaneirasdiversas,mastendocomoprincípioqueoalunoésujeito ativo no processo de aprendizagem;

• Aaceitaçãodequeoalunopossuiumconhecimentopréviosobreosobjetosdeestudos históricos, obtido pela história de vida e pelos meios de comunicação, o qual deve ser integrado ao processo de aprendizagem;

• Aintroduçãodosestudoshistóricosapartirdassériesiniciaisdoensinofundamental.

A partir destas características, podemos fazer uma contraposição entre a História tradicional e as tendências atuais.

Da preocupação do estudo dos fatos e a ênfase na história dos fatos políticos, debaixo da tentativa irreal de “neutralidade” do historiador, passamos a uma história em que todos os

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componentes da mesma são vistos como homens e suas esferas de atuação (da política à econômica, da social à ideológica) são vistas em interação recíproca.

A transdisciplinaridade é uma característica dessa nova tendência, em que história se relaciona com a sociologia, antropologia cultural, filosofia e outras ciências do homem, até a psicologia (ênfase ao inconsciente coletivo, por exemplo). Mas este é um assunto para tratarmos daqui a pouco na unidade IV. Aguarde!

O estudo das origens da genealogia das nações, com o objetivo de formar o cidadão patriota voltado para o legado europeu, cedeu lugar à integração do educando em um meio cada vez mais amplo, que evita o estudo do passado pelo passado e tem sempre em mente o presente.

Edgar Morin

Só o conhecimento crítico do passado permite a construção da cidadania tal como se pretende hoje, com o desenvolvimento de um senso histórico-crítico. Na apreensão da pluralidade da

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memória humana parece estar o caminho e não apenas na memória nacional. É esta uma das preocupações de Edgar Morin (2001), quando afirma como o pensamento é complexo e quantas lacunas estão aí embutidas sem que nos apercebamos disto.

Nesse sentido, recomendamos a leitura da obra: “Introdução ao pensamento complexo” em que o autor aborda aqueles que consideram os atos inibidores do conhecimento em nossa sociedade. Para ele, “o pensamento complexo é animado por um saber não parcelar, não fechado, não redutor e pelo reconhecimento do inacabado, do incompleto, que isola todos os objetos daquilo que os envolve” (MORIN, 2001, p.18). O autor propõe distinguir ideias sem separar, associar, identificar ou reduzir.

Todas essas modificações deslocam o professor do papel de transmissor do saber pronto e acabado para um professor mediador entre o aluno e a produção do próprio conhecimento que este aluno efetua, atuando como sujeito de suas operações mentais que o levam a recuperar a historicidade e apreender conceitos que levem às sínteses visadas como o ponto mais alto da escalada do conhecimento.

Aliás, desde que a Revolução da Informática (1970), quando os computadores se uniram às telecomunicações (Internet), a informação está ao alcance de todos e fica claro que o professor não tem mais o monopólio da informação. A flexibilidade necessária à docência inclui então ser além de um informante: um formador de consciências críticas e criativas, capazes de pensarem por si mesmas.

A avaliação passa, a partir daí, por um processo de revisão que inclui a eliminação da

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62 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

“avaliação bancária” apontada por Paulo Freire e sua substituição por outra avaliação. Esta se define agora como diagnóstica, processual e formativa e, segundo Schmidit e Cainelli, busca “o crescimento do aluno e não sua classificação e exclusão” (2004, p.17).

Hobsbawm, na sua obra “Era dos Extremos”, lembra que a destruição do passado é um dos fenômenos mais “lúgubres” enfrentados pelo historiador hoje (1995, p.13) e recoloca a história no verdadeiro papel que também vem enfatizado por autores nacionais como José Murilo Carvalho:

Nada do que é humano será agora alheio ao historiador. Daí a multiplicação de estudos sobre a cultura, os sentimentos, as idéias, as mentalidades, o imaginário, o cotidiano. E também sobre instituições e fenômenos sociais antes considerados de pequena importância, se não irrelevantes, como o casamento, a família, organizações políticas e profissionais, igreja, etnias, a doença, a velhice, a infância, a educação, as festas e rituais, os movimentos populares (1998, p.454).

Portanto, a construção de uma memória social exclusivamente nacional cederá lugar a uma memória que fale da identidade humana e considere a simetria entre as culturas para erradicar os preconceitos que fortalecem os inimigos da democracia, como acontece com os totalitarismos de toda espécie.

CARDOSO, Ciro Flamarion. Umhistoriadorfaladeteoriaemetodologia. Ensaios. Bauru: Edusc, 2005. (Coletânea de ensaios em que o autor discute questões pertinentes ao ofício do historiador).

CONCEPçÕES DE CONTEÚDOS ESCOLARES E DE APRENDIZAGEM

Quando nos anos 80 do século XIX houve uma tentativa oficial, no campo da legislação, de descaracterizar a História e a Geografia e uni-las pelo nome comum de Estudos Sociais, a

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63METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

questão do conteúdo da disciplina histórica se fez mais aguda.

Além disso, ao longo de muitas décadas do século passado e mesmo deste que se inicia, a questão do conteúdo programático tem-se apresentado como um problema para a maioria dos professores. Muitos deles sentem dificuldades de contemplar todos os itens a serem ministrados em suas aulas e, quase sempre, os fatos mais atuais ficam por serem vistos, em detrimento do passado que é sempre estudado quase sem ligação com o presente.

Nélio Bizzo, professor da USP, nos adverte que professores polivalentes, ou seja, que ministram todas as disciplinas como é o caso dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, carecem de domínio dos conteúdos específicos como os de História. Isto porque a disciplina que ora discutimos possui complexidades que vão além de “saber” os conteúdos, é preciso dominar os eixos estruturantes da disciplina que transpassam todos os conteúdos como o domínio da temporalidade.

Há professores que ainda hoje consideram o aprender como equivalente a memorizar, dominar muitas informações de acontecimentos de uma história nacional, datas, episódios, heróis e seu desempenho, a chamada História factual de curta duração que Braudel (1965), da segunda geração de neo-historiadores franceses, criticou e propôs substituir pela longa duração.

Ainda que admitisse que a ideia de tempo estivesse ligada ao pensamento do historiador como a terra adere à pá do jardineiro, Braudel (1965) pensava em estruturas que duravam por um tempo bem mais longo do que aquela ocupada por uma simples batalha.

Nas diferentes formas de produzir currículos escolares, os conteúdos são fundamentais ainda que permitam a comparação entre os currículos ideais, os da teoria e o currículo real. Tudo envolve, ainda, o currículo oculto ou aquele que está implícito nas formulações oficiais e que é o resultado da orientação pedagógica, da ideologia que se pretende contemplar.

Como escreve Circe Bittencourt (2004), um debate que então se possa instalar é benéfico na

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64 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

medida em que permite avanços para a seleção de conteúdos como fruto de uma concepção que orienta o processo de ensino-aprendizagem.

Portanto, a se julgar pelos currículos mais recentes, os conteúdos escolares correspondem à integração dos vários conhecimentos adquiridos na escola. “Destarte, concebem-se como conteúdo escolar tanto os conteúdos explícitos de cada uma das disciplinas como a aquisição de valores, habilidades e competências que fazem parte das práticas escolares” (BITTENCOURT, 2004, p.106).

Para a História, todos os autores são unânimes em afirmar que a apreensão do conteúdo envolve não apenas a capacidade dos alunos de dominar informações e conceitos de um determinado período, mas principalmente a capacidade analítica que permitirá a síntese. Sendo assim, se faz necessária à habilidade interpretativa do texto, a leitura de tabelas, gráficos e mapas e esses conteúdos são o “lugar” do saber histórico mais privilegiado.

Convém destacar que informação não é conhecimento. Informação é “matéria-prima”, mas só se torna conhecimento se for transformada pelo sujeito cognoscente, se fizer sentido para este e se relacionar com outros conhecimentos já construídos e incorporados.

Seguindo orientações dos PCN’s, mesmo que esses sofram críticas desde sua elaboração

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explicitamos seus objetivos gerais para o Ensino de História (BRASIL, 1997, p.41). Assim, espera-se que, ao longo do Ensino Fundamental, os alunos gradativamente possam ler e compreender sua realidade, posicionar-se, fazer escolhas e agir criteriosamente. Nesse sentido, os alunos deverão ser capazes de:

• Identificaroprópriogrupodeconvívioeasrelaçõesqueestabelecemcomoutrostempos e espaços;

• Organizar alguns repertórios histórico-culturais que lhes permita localizaracontecimentos numa multiplicidade de tempo, de modo a formular explicações para algumas questões do presente e do passado;

• Conhecer e respeitar omodo de vida de diferentes grupos sociais, emdiversostempos e espaços, em suas manifestações culturais, econômicas, políticas e sociais, reconhecendo semelhanças e diferenças entre eles;

• Reconhecermudançasepermanênciasnasvivênciashumanas,presentesnasuarealidade e em outras comunidades, próximas ou distantes no tempo e no espaço;

• Questionarsuarealidade,identificandoalgunsdeseusproblemaserefletindosobrealgumas de suas possíveis soluções, reconhecendo formas de atuação política institucionais e organizações coletivas da sociedade civil;

• Utilizar métodos de pesquisa e de produção de textos de conteúdo histórico,aprendendo a ler diferentes registros escritos, iconográficos, sonoros;

• Valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a diversidade, reconhecendo-acomo um direito dos povos e indivíduos e como um elemento de fortalecimento da democracia.

Para saber mais sobre o assunto, acesse <http://www.zinder.com.br/legislacao/pcn-fund.htm#Hist2> e conheça os parâmetros que permeiam os caminhos do Ensino de História em nossas escolas.

Se analisarmos a metodologia adotada em nossas escolas hoje, quanto aos objetivos do ensino da História, teremos especificado para os anos iniciais do Ensino Fundamental itens

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66 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

envolvidos em um conteúdo que permita, sobretudo, identificar o seu grupo de convívio e as relações que entre eles se estabelecem com outros tempos e espaços. Como lemos no próprio documento emanado do MEC, é necessário “organizar alguns repertórios histórico-culturais que lhes permitam (aos estudantes) localizar acontecimentos numa multiplicidade de tempo, de modo a formular explicações para algumas questões do presente e do passado” (BRASIL, PCN’s de História e Geografia, 1997, p. 50).

A superação do preconceito aparece em outros itens quando se pretende formar uma base de tolerância para a convivência entre os membros de uma mesma sociedade regional, nacional e ampliando para a sociedade humana como querem Morin (2001) e outros.

Nos anos iniciais do Ensino Fundamental é importante identificar as relações sociais no seu grupo de convívio, situar acontecimentos históricos na multiplicidade dos tempos, fazer a relação com outras disciplinas aprendidas como a Geografia, por exemplo, e novamente, conhecer e respeitar o modo de vida dos outros, nacionais ou não.

A grande intenção é estabelecer a harmonia, do micro ao macro, visando nossa humanidade tão atingida pelo fenômeno do “estranhamento” entre culturas, hostilidade motivada pela

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diferença que brota da especificidade de cada grupo.

A valorização do patrimônio sociocultural não escapou aos que pensaram em termos de PCN’s conforme a orientação vinda da Europa e que foi aplicada à nossa realidade e a busca da verdadeira cidadania e democracia finalizando, como a síntese do documento.

Muito interessante é o texto anotado por Schmidt e Cainelli que mostram uma menina anônima de quatro anos se perguntando, como fez o filho de Marc Bloch (1976) ao pai em outra época, “Como era isso antes de eu estar aqui?” (2004, p.25).

Eis aqui um bom ponto de partida para uma aula e situação da História como um centro de interesse para nossos alunos, pois reflete a profundidade necessária e permite que se parta do interesse e da curiosidade e construa um conhecimento verdadeiramente histórico.

Quando trata do ensino da História, no que diz respeito aos conteúdos em sua ligação com conceitos, Holien Gonçalves Bezerra (apud KARNAL, 2004) não só estuda a nossa lei de diretrizes e bases de 1996, como também se preocupa com a maneira como os conteúdos vão capacitar ao que se pretende, em termos de articulação de conhecimentos e valores.

Uma das grandes preocupações desse autor é como tudo o que vem no bojo dos conteúdos poderá contribuir de uma maneira “efetiva” na sempre invocada “transformação da sociedade” (BEZERRA apud KARNAL, 2004, p. 37).

É bastante explícito com relação à seleção e organização dos conteúdos e na orientação primeira de não atender a uma única metodologia.

Senão, vejamos: “A necessária seleção de conteúdos faz parte de um conjunto formado pela preocupação com o saber escolar, com as capacidades e com as habilidades, e não pode ser trabalhada independentemente” (BEZERRA apud KARNAL, 2004, p. 38).

Além de enfatizar que os conteúdos são um meio e não um fim em si mesmos, recomenda a

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68 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

diversidade na apresentação dos conteúdos, não obstante se imponha sempre a linearidade e a sequência cronológica, básicas à apreensão do fato histórico.

EXEMPLIFICANDO:

Faça a leitura das imagens abaixo e os fatos relatados:

a)

Fonte: <http://www.jornallivre.com.br/175827/quem-foi-o-imperador-nero.html>

b)

Fonte: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/seculo/2003/03/10/000.htm>

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69METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

c)

Fonte: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/seculo/2003/03/10/000.htm>

a) “Remorso de Nero”. NeroCláudioCésarAugustoGermânico ou Nero Claudius Cæsar Augustus Germanicus (15 de dezembro 37 - 9 de junho 68) foi o quinto Imperador Roma-no entre 54 e 68 d.C.

b) Lágrimas de um camponês georgiano por Stalin (foto S. Aizarov/AP).

c) Pôster anti-stalinista.

1. Faça uma comparação estabelecendo diferenças e semelhanças entre a imagem de Nero e a de um camponês da Geórgia (ex-República Soviética) que chora pela morte de Joseph Stalin (1924 -1953), que assim como o imperador romano incendiou Roma e matou milhares de cristãos, se tornou um símbolo de crueldade, contribuindo para a morte de mais de 500 mil pessoas e prisão e tortura de 5 milhões de cidadãos, numa das mais sangrentas ditaduras da história.

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70 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

2. Examine a gravura que tenta representar a crueldade de Stalin. Depois, compare-a à figura igualmente sanguinária de Nero César que fez tantas vítimas em Roma (lembre-se de quantos cristãos foram martirizados - queimados vivos como tochas humanas, jogados às feras no Coliseu e outros martírios que a maldade humana engendra).

3. Coloque as gravuras de Stalin na ordem cronológica, colocando o início da ditadura stalinista e seu fim. Para isso, pesquise na Internet as datas para dar os limites cronológicos desse período sangrento que custou muitas vidas humanas. Pesquise também outras informações relevantes e acrescente na sua linha do tempo. Na unidade V, pensaremos em termos de LinhadoTempoedetalharemosoassuntoparaseumelhorentendimento.

Essas imagens obtidas pela indicação dos nomes (Nero, Stalin) no site da Google são muito eloquentes e permitem uma reflexão em termos Históricos a envolver mentalidades e datas---limite que são sempre necessárias para o bom entendimento da disciplina.

A temporalidade cronológica ao lado da temática são importantes componentes daquela a qual chamamos hoje de História integrada que atende não só ao conteúdo como fim, mas também à necessidade de capacitação envolvida na apreensão desses conteúdos.

Bezerra (apud KARNAL, 2004, p. 40) lembra, ainda, alguns cuidados especiais com relação aos conteúdos: “o primeiro se refere ao envolvimento do aluno com o objeto de estudo que está sendo trabalhado” e, em seguida, jamais descuidar da preocupação com o desenvolvimento das habilidades cognitivas que fazem parte dos horizontes dessas propostas pedagógicas.

Trabalhar historicamente os temas e objetos em pauta parece ser a prioridade que se impõe quanto aos conteúdos de História. Neste sentido, passamos a apresentar resumidamente as transformações do ensino de História no Brasil.

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71METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

ENSINO

TRADICIONAL

ENSINO DE ESTUDOS

SOCIAIS

TENDÊNCIAS ATUAIS

VISÃO DA

CIÊNCIA

Preocupação com o

estudo dos fatos,

neutralidade do

historiador e da

explicação histórica.

Enfase na história

dos fatos políticos e

na história como

produto da ação de

indivíduos, de heróis.

História considerada

como ciência que

estuda

exclusivamente o

passado.

Interdisciplinaridade das

ciências sociais

(História, Geografia,

Antropologia e

Sociologia). Predomínio

do ensino de estudos

sociais. Estudo das

sociedades no

transcorrer do tempo

como objetivo do ensino.

História como história de

todos os homens e não

somente de heróis. Inclusão

de novas contribuições

historiográficas: história

economica, cultural e social.

Análise do fato histórico

substituída por outras

possibilidades, como análise

do processo histórico e da

experiência dos sujeitos da

história. Incporporação dos

novos temas e objetos da

História, como a história das

mulheres, a das crianças e a

dos movimentos sociais.

FUNÇÃO DO

ENSINO

Estudo das origens

das nações. Objetivo

de formar o cidadão

para a pátria e

construir identidades

nacionais. Estudo dos

legados,

principalmente

daqueles da

civilização européia.

Compreensão da

nação brasileira como

fruto da integração

entre três raças:

branca, índia e negra.

Integração do educando

em um meio cada vez

mais amplo. Estudo da

história do presente,

evitando o estudo do

passado pelo passado.

Formação de cidadãos

para a sociedade em

desenvolvimento,

democrática e industrial.

Contribuição para a

construção da cidadania.

Desenvolvimento de

raciocínios historicamente

corretos. Aquisição da

capacidade de análise da

relação presente-passado.

Apreensão da pluralidade de

memórias, e não somente da

memória nacional.

Preocupação com as

finalidades do ensino de

História no mundo

contemporâneo.

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72 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

Page 73: Metodologia do Ensino de Historia

73METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

MÉTODO Formal e abstrato,

sem relação com a

vida do aluno.

Conteúdos e métodos

sem objetivo de

desenvolver a

criticidade.

Predomínio do

“ponto” (texto sobre

determinado

conteúdo),

questionário, testes e

múltipla escolha e

exercícios com

lacunas a serem

completadas.

Baseado no ensino por

atividades. Ênfase na

pesquisa e no trabalho

em grupos.

Tem como referência a

própria ciência. Recuperação

do método da História em

sala de aula. Preocupação

com a transposição didática:

relação entre saber

científico, saber a ser

ensinado, saber ensinado,

saber aprendido e prática

social. Valorização do uso de

documento histórico em sala

de aula. Incorporação de

novas linguagens e

tecnologias no ensino da

História, como análise de

filmes e uso da informática.

AVALIAÇÃO Avaliação centrada no

professor. Avaliação

de resultados, do

produto da

aprendizagem,

baseada na

memorização de

informações

transmitidas pelo

professor. Avaliação

classificatória.

Baseada em objetivos

previamente propostos.

Avaliação do processo,

e não do conteúdo.

Diagnóstica, processual,

formativa. Busca o

crescimento do aluno e não

sua classificação e exclusão.

Retirado da obra: Ensinar História, de Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli. São Paulo: Scipione, 2004. (Pensamento e ação no magistério). (pp. 15, 16 e 17).

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74 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

A FORMAçãO DE CONCEITOS

O conhecimento histórico que aqui nos propomos a analisar não se limita a apresentar o fato no tempo e no espaço acompanhado de documentos que comprovem e dão legitimidade a sua existência. É preciso considerar os sujeitos que os produziram para buscar uma explicação plausível. “E para explicar e interpretar os fatos, é preciso uma análise, que deve obedecer a determinados princípios. Nesse procedimento são utilizados conceitos e noções que organizam os fatos, tornando-os inteligíveis” (BITTENCOURT, 2004, p. 183).

Pensando sobre a formação de conceitos, podemos nos interrogar: como nossas crianças aprendem conceitos? É possível a crianças de qualquer faixa etária dominar conceitos?

Tomando como referência os pensamentos do pesquisador russo L. S. Vygotsky (1896 – 1934), acreditamos que há uma proximidade entre os conceitos espontâneo e o científico. Na passagem do conhecimento espontêno para o científico não há necessariamente o desaparecimento do primeiro, mas modificações de esquemas intelectuais anteriormente adquiridos. Tal teoria recai sobre a aquisição social dos conceitos.

Observando a dinâmica do processo de formação de conceitos, Vygotsky chegou a algumas conclusões que passamos a destacar:

• Apercepçãoealinguagemsãoindispensáveisàformaçãodeconceitos;

• Apercepçãodasdiferençasocorremaiscedodoqueassemelhançasporqueexisteuma estrutura de generalizações e de conceituação mais avançada;

• Odesenvolvimentodosprocessosqueresultamnaformaçãodeconceitoscomeçana infância, mas as funções intelectuais que formam a base psicológica do processo de formação de conceitos amadurecem e se desenvolve somente na adolescência;

• Aformaçãodeconceitoséoresultadodeumaatividadecomplexa,emquetodasas funções intelectuais básicas (atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar) tomam parte;

• Os conceitos novos e mais elevados transformam o significado dos conceitosinferiores (VYGOTSKY, 1991).

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75METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

Neste sentido, o conhecimento prévio dos alunos é a condição necessária para a construção de novos significados e esquemas.

Outro aspecto bastante relevante sobre a formação de conceitos, tratado por Vygotsky (1991), diz respeito aos processos cotidianos, à experiência pessoal da criança e a instrução formal, à aprendizagem em sala de aula, que em seu entender, desenvolvem dois tipos de conceitos que se relacionam e se influenciam constantemente.

Nesse aspecto, contesta Piaget, por ter sobre esse assunto um ponto fraco na sua teoria, uma vez que para Piaget os conceitos “espontâneos” que constituem as ideias da criança acerca da realidade são independentes dos conceitos científicos, decisivamente influenciados pelos adultos e que vão gradativamente substituindo os primeiros. Vygotsky acredita que os conceitos espontâneos e os científicos não estão em conflitos, pois fazem parte de um mesmo processo, ainda que se formem e se desenvolvam sob condições externas e internas diferentes e motivadas por problemas diferentes.

Segundo ele, nas experiências cotidianas, a criança centra-se nos objetos e não tem consciência de seus conceitos (por exemplo, usa corretamente o conceito de município, mas não é capaz de fazê-lo numa situação experimental), ao passo que nos conceitos aprendidos na escola, em colaboração com o adulto, consegue resolver melhor problemas que envolvem o uso consciente do conceito. No entanto, seus estudos confirmaram a hipótese de que os conceitos espontâneos e os conceitos científicos, inicialmente afastados porque se desenvolvem em direções contrárias, terminam por se encontrar [...].

Pode-se dizer que o desenvolvimento dos conceitos espontâneos da criança é ascendente (indutivo), enquanto o desenvolvimento dos seus conceitos científicos é descendente (dedutivo) (VYGOTSKY, 1991, p.93).

Contudo, Vygotsky afirma que é necessário que o conceito espontâneo tenha alcançado certo nível para que o conceito científico correspondente seja internalizado. Eles dependem e se

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76 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

constroem a partir dos conceitos cotidianos.

Vygotsky

Antes do ingresso na escola, a criança já construiu um conjunto de conhecimento informal, produto do desenvolvimento ontogenético a partir de suas experiências e que constitui o seu sistema de crenças sobre o mundo, a influenciar profundamente a obtenção do conhecimento formal, que se dará de forma planejada pela aprendizagem escolar.

Considerando então que o aluno traz uma riqueza de conhecimentos sobre o mundo e seu funcionamento que, na maioria das vezes, entram em conflito com o que é imposto pela escola e tem de ser aprendido, como o professor pode agir para que os estudantes não rejeitem esses conhecimentos, não tenham dificuldades em assimilá-los ou, ainda e principalmente, não deem “repostas corretas” apenas para cumprir tarefas escolares sem sentido e inúteis?

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Para os professores, esta tarefa não é fácil, porque implica uma revisão tanto de conteúdos quanto de metodologias. Para que as práticas pedagógicas sejam mais adequadas à formação de conceitos científicos, algumas sugestões são apontadas com o intuito de primar pela busca do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade:

• As idéiasqueoaluno trazparaaescola sãonecessáriasparaa construçãodesignificados. Suas experiências culturais e familiares não podem ser negadas. Essas idéias devem ser aceitas para progressivamente evoluírem, serem substituídas ou transformadas;

• Aresistênciaparasubstituiralgunsconceitossóésuperadaseoconceitocientíficotrouxer maior satisfação: for significativo, fizer sentido e for útil. Os conceitos científicos com maior grau de aplicabilidade, que explicam um maior número de situações e resolve um maior número de problemas, facilitam a mudança;

• Odiálogocomosalunospossibilitaodiagnósticodesuasideaisemváriosmomentosda aprendizagem. Da mesma forma, a interação entre parceiros e a observação dos diálogos travados entre eles;

• Provocarconflitocomcontra-exemplospodegerardúvidaseinsatisfação,levandoos alunos a testarem suas concepções;

• Resolverproblemascomumplanodeatividadescognitivasdeveserestimulado,uma vez que a simples nomeação das características essenciais e a repetição de definições não garantem a formação de conceito. Deve-se estimular o aluno a considerar soluções alternativas para um mesmo problema;

• Deve-sepossibilitaraoaluno retomarseuprocessode trabalho,explicandosuasidéias e analisando a evolução das mesmas;

• Noprocessodeformaçãodeconceitos,édesejáveldesenvolveraçõesdeinclusão– estabelecer se um objeto dado refere-se ao conceito indicado, e de dedução – reconhecer as características necessárias ou suficientes para incluir ou não os objetos em um conceito dado;

• Nemtodoconceitoépassíveldeexperimentação,daíovalordemeiosvariados:filmes, explorações de campo, vestimentas do passado, entrevista, etc.

FORMAçãO DOS CONCEITOS CIENTÍFICOS E PRÁTICAS PEDAGÓGICASPor Cleide Nébias (Trabalho apresentado em mesa-redonda no IX Endipe – Encontro

Nacional de Didática e Prática de Ensino. Águas de Lindóia, 1998).

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78 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

É importante lembrar que o ensino sistemático e explícito na escola deve levar o aluno à reconceitualizações e, principalmente, desenvolver formas de pensar que se estendam para outras áreas e para situações que transcendam a sala de aula.

Em seu estudo sobre o livro didático, Maria Carolina Bovério Galzerani chegou à conclusão que já aparece no título do artigo produzido: “belas mentiras” comentando a ideologia nos estudos sobre o livro didático.

Comentando, assim, a ideologia com o sentido que Marilena Chauí tão bem explica, nossa autora trata dos conceitos ainda que de maneira indireta, mas de forma a fazer a ligação com tudo o mais que os autores têm nos apresentado.

Suas conclusões nos levam a inferir que o livro didático, em sua relação dialética (afirmações X contradições) com a sociedade, ainda tem muito a contribuir, pois contém ainda elementos que permitem manter a ambiguidade em aspectos vitais que dizem respeito a essa própria sociedade. É a tentativa de manter a ordem antes do progresso, como ocorre na nossa bandeira de lema positivista. Em seu título ela se apropria com autorização das ideias de Maria de Lourdes D. Nosella, que se preocupa com as “belas mentiras” permitidas pela ideologia subjacente aos livros didáticos.

Um ranço de autoritarismo em prejuízo da ciência como conhecimento é o que ela procura diagnosticar, bem como a “sobrevalorização do conhecimento dito científico” como mais importante do que “outros tipos de conhecimento possíveis de serem adquiridos e vivenciados no cotidiano da vida social ou mesmo da vida escolar” (PINSKY, 2004, p.109).

Os fatos são “senhores de segredos que se deixam revelar com lentidão” (AQUINO; FRANCO; LOPES, 1980, p.41).

Pensando desta forma, temos de nos render ao fato de que as apreensões do conteúdo e sua consequente elaboração em conceitos ou partes do entendimento em que se definem palavras e ideias envolvem não só a episteme ou ciência em si mesma, mas também uma determinada

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79METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

forma de tratar o objeto.

Assim, a elaboração de conceitos exige um planejamento de ação e depois um método (do grego methodo = caminho) para chegar ao que se pretende.

Nesta perspectiva, numa primeira fase teríamos a observação e a análise, e estas se fariam seguir da formulação de conceitos. Por isso é importante lembrar que “o ponto mais importante de qualquer processo compreensivo está justamente aí: esta ou aquela forma de tratar o objeto está intimamente ligada à própria estrutura mental da sociedade em determinada época, ou seja, à própria visão de mundo, à forma como o objeto é percebido pelo ser que compreende” (AQUINO; FRANCO; LOPES, 1980, p.23).

Um conceito, para ser totalmente apreendido, necessita levar em conta a concepção que se tem da relação entre o ser que compreende e os seres compreendidos sem nunca esquecer a outra parte importante que é a realidade apresentada.

É essa realidade que vai determinar a fixação dos conceitos teóricos, seguida a ação de fixação dos mesmos conceitos.

Assim, como apresentam nossos autores citados com muita propriedade, é fundamental diferenciar história e teoria. Pois “a teoria é a visão geral do que se apresenta e, portanto, é a priori, o que vai presidir e condicionar a apreensão da realidade” (AQUINO; FRANCO; LOPES, 1980, p.24).

Fernand Braudel, responsável por tantas colocações interessantes ao nosso “ofício”, escreveu que “a realidade do social, a realidade fundamental do Homem revela-se inteiramente nova aos nossos olhos e, queiramos ou não, nosso velho ofício de historiador não cessa de brotar e de reflorir em nossas mãos”.

É essa a verdade que tem de informar a nossa prática, só será importante quando a tarefa de construir um novo homem à altura do passado e do presente, com vistas às mudanças futuras

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80 METODOLOGIA DO ENSINO DE HISTÓRIA | Educação a Distância

for assumida por nós.

Da história engajada a uma história que vise mesmo à integração do cidadão, existem alguns conceitos fundamentais.

Holien Bezerra (apud KARNAL, 2004), por exemplo, menciona quais seriam esses conceitos quando fala de escolaridade básica. Em primeiro lugar, cita a cidadania ou a formação histórica que contribuem para a vivência do cidadão. Considera ainda o conhecimento histórico como a compreensão dos processos e dos sujeitos históricos, o desvendamento das relações que se estabelecem entre os grupos humanos em diferentes tempos e espaços. A problematização pode ser um bom método, bem como a prática interdisciplinar.

A ampliação das fontes históricas e a percepção da complexidade das relações sociais presentes no testemunho individual ou dos fatos é própria da trama histórica.

Enfim, a historicidade dos conceitos históricos envolve um senso muito próprio. “Os conceitos históricos somente podem ser entendidos na sua historicidade” escreve Bezerra (apud KARNAL, 2004, p.46). “Isto quer dizer que os conceitos criados para explicar certas realidades históricas têm seu significado voltado para essas realidades, não sendo possível empregá-los indistintamente para toda e qualquer situação semelhante”. Mais que isso, “os conceitos, quando tomados em sua acepção mais ampla, não podem ser utilizados como modelos, mas apenas como indicadores de expectativas analíticas” e por isso mesmo quando permitem uma compreensão geral podem receber o nome de “categoria” (BEZERRA apud KARNAL, 2004, p.

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47). E o autor exemplifica: a categoria trabalho, continente, homem, revolução.

O conceito de cidadania, por exemplo, envolve o conjunto de preocupações que informam o conhecimento histórico e suas relações com o ensino vivenciado na escola e que leva ao aprimoramento de atitudes e valores imprescindíveis para o exercício da cidadania dotando de recursos para atuar e dispor dos instrumentos que a cultura põe à nossa disposição.

Depois que Braudel (1965) demoliu o factual e a ênfase ao político, temos de novo a volta do político, mas desta vez ao lado do social, do ideológico, do econômico, num todo, como esferas. Em relação a esta nova visão, temos, sobretudo, o conceito que permite a historicidade, mas evita o historicismo, como escreve Jaime Pinsky (2004) quando comenta a ciência que Aristóteles considerava apenas a ciência do particular.

“Esmagado duplamente, de um lado pelo herói, do outro pelo ‘processo’ do qual era vítima passiva, o homem começa a ser descoberto como agente real da história, como aquele que atua para que ela possa ocorrer”, resgata de uma forma mais “nobre” a sua “particularidade mas sem abandonar a sua universalidade enquanto ser humano” (PINSKY, 2004, p.21).

Essas são as principais diretrizes de nosso tempo para tal abordagem.

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A FORMAçãO DO PROFESSOR DE HISTÓRIA E O COTIDIANO DE SALA DE AuLA

Munido de conhecimento, baseado em seu próprio meio subjetivo de encarar a História em suas individualidades, fatos, processos e visão geral possível, o professor tem perante a si o encargo de transportar tudo isto para a prática.

Isto porque é ele quem transforma o saber a ser ensinado em saber apreendido, ação fundamental no processo de produção do conhecimento (BITTENCOURT, 2004).

E o cotidiano da sala de aula é, ao mesmo tempo, laboratório e palco de sua capacidade de levar aos seus alunos a historicidade, em conceitos e fatos, a permitir-lhes a apropriação pessoal de um verdadeiro conhecimento histórico em seu sentido e propriedades.

Circe Bittencout (2004) organizou um precioso volume sobre “O saber histórico na salade aula” com a colaboração de vários professores aqui já citados, como Maria Auxiliadora Schmidt.

Nesse livro que trata dos saberes práticos necessários ao historiador, a professora doutora Maria de Lourdes Monaco Janotti expressa suas preocupações a respeito do papel que a história pode – ou não pode – representar a partir do cotidiano de nossas salas de aula nacionais, amparada nas reflexões de Hobsbawm em obras como a “Era dos Extremos”

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(1995).

O fenômeno indesejável a que ela se refere é “uma inimaginável alienação coletiva de resultados imprevisíveis” (JANOTTI apud BITENCOURT, 2004, p.42) que pode ocorrer agora, em plena sociedade dita do conhecimento prescedida pela globalização.

O esquecimento é uma arma poderosa nesse movimento que, não ingenuamente, promove pela mídia internacional espetáculos regionais – originalmente fruto de reações à cultura dominante – tornando-os produtos consumíveis pelo público dos talk-shows (JANOTTI apud BITTENCOURT, 2004, p.43).

Essa é uma importante indicação para um professor fazer sua escolha dentre os temas que considera relevantes para levar à sala de aula.

Prestigiar temas apenas do passado ou as irrelevâncias do presente são igualmente perigosos, pois o passado visto em si mesmo não ilustra nem informa o presente. Nem, como escreve a professora, o presente se explica a partir de si mesmo.

Do passado devem ser destacados fatos que permitam a conexão com o presente e nenhum aspecto ou esfera deve ser desprezado, da política ao econômico, do social ao ideológico.

Isto tudo tem de ser lembrado, pois se “a História não é o terreno do ‘interessante’ e do mundo privado enquanto tal”, ao mesmo tempo, “o perigo de ignorar o passado público pode acarretar a perda da visão dialética da História”. Afinal, conclui a professora Janotti (apud BITTENCOURT, 2004, p.43), é “a vontade política que leva à crítica e à construção de projetos futuros”. Para operar a transformação a partir da consciência individual de nossos alunos, cuja reflexão tem de ser convenientemente suscitada, temos de partir de suas próprias experiências cotidianas e encaminhá-los à linguagem culta própria da ciência e aos conhecimentos sistemáticos característicos da ciência, de forma planejada, paulatina, onde os problemas sejam apresentados em forma crescente mas cuidadosa para não assustar ou fazer desinteressar pela incapacidade de apreender.

Janotti cita Durmeval Trigueiro Mendes (apud BITTENCOURT, 2004, p.44) quando alerta aos

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líderes educacionais da necessidade que vem imposta pela compreensão de que “toda ação eficaz, sobretudo no mundo de hoje, é antes de tudo a ação que muda a consciência – a própria e a dos outros”. Eis aí um momento de relevância, pois a professora da USP nos alerta para a necessidade de revisarmos bem o nosso papel de intelectuais “orgânicos” como pensava Gramsci, quando o intelectual italiano ressaltava que os professores estão sempre, ainda que inconscientemente, engajados num processo de construção de um Estado... que o Estado quer.

O que Janotti pretende, afinal, é que ao professor não passem desapercebidos aqueles “segredos” que existem nas sociedades, ou que não caiam nas armadilhas postas em seu caminho intelectual pelas ideologias vigentes.

Refletindo sobre o tema, examine o que se diz sobre o quadro-negro.

O quadro-negro fez e faz parte do cotidiano de nossas salas de aula e, desde o advento da tecnologia, tem sido preterido e substituído por máquinas, tais como o retroprojetor, o multimídia, o data-show. Aliás, é sobre a tecnologia que podemos falar agora. Os novos recursos postos a nosso serviço em sala de aula podem nos induzir a um outro excesso, tão prejudicial quanto contar só com a lousa tradicional ou as aulas expositivas que se alongam por horas a fio.

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Quadro, Quadro-Negro ou Lousa é uma superfície reutilizável onde se escreve textos ou desenhos quesãofeitoscomgizououtrosmarcadoresapagáveis.Eramfeitosoriginalmentelisos,folhasfinasde Ardósia preta ou cinza escuro.Um quadro pode ser uma “placa” pintada em cores escuras com lustro (Geralmente Negro ou Verde Escuro).Os quadros são usados geralmente para ensinar como o uso da escrita, dúvidas, cálculos, atividades e anotações diversas, pertinentes ao assunto estudado no momento. As marcas do giz podem limpar rapidamente com um pano úmido ou um Apagador, para escrever neles é altamente recomendavel o uso de “Giz processado” feito de uso especial para quadros negros, com várias cores como: Branco, azul, verde etc. Estes não são feitos realmente de rocha de giz, mas de Gesso.Como Desvantagem, o Quadro-Negro produz uma grande quantidade de poeira, dependendo da qua-lidade do giz usado. Algumas pessoas encontram incômodo, ou podem ser alérgicas, e houve boatos sobre a poeira do giz ligado a problemas respiratórios. Estas desvantagens podem conduzir a uma adaptação do Quadro-Branco, que usa Canetas de Tinta e não produzem nenhuma poeira.Ao riscar um quadro com as unhas o som pode ser extremamente irritante tanto para o professor como para os alunos, mas isto não invalida seu papel primordial que continua inalterado entre nós: apresentar os dados e a data da aula, os temas principais na abertura dos trabalhos e encerramento dos mesmos em sala de aula, anotações necessárias e organização dos trabalhos.Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Quadro_negro>. Acesso em: 01 jun. 2011.

A esse respeito Karnal faz uma importante observação sobre o cotidiano de nossa prática pedagógica. “Há algumas décadas houve um equívoco expressivo na modernização do ensino. Julgou-se que era necessário introduzir máquinas para se ter uma aula dinâmica”. E, nesse intuito, “multiplicaram-se os retroprojetores, os projetores de slides e, posteriormente, os filmes em sala de aula” (KARNAL, 2004, p.9).

O autor não se insurge contra o acréscimo de recursos em prol da aprendizagem, mas quanto

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a uma nova hipertrofia que demonstra um excesso.

A Revista Nova Escola apresenta uma possibilidade de usar a tecnologia, mais precisamente a internet, a nosso favor. Traduzindo-se em um recurso que favorece a pesquisa de conteúdos de História. Leia trechos desta reportagem.

Quetalregistrarhistóriaslocaisusandotecnologia?SaibacomoépossívelpesquisarconteúdosdeHistória,utilizandorecursostecnológicos

Amanda Polato A internet apresenta leitura quase inesgotável de fontes de pesquisa. Para que se faça bom proveito de tanta riqueza, a classe precisa ter claros os objetivos da investigação. Em seguida, é importante discutirondeencontrarinformaçãoconfiável.Nesseponto,seutrabalhoéensinarque,diferentementedo que a garotada costuma acreditar, fatos históricos não são contados de maneira neutra. Qualquer relato traz embutido certa dose de opinião do autor (se isso já é verdade mesmo para os verbetes en-ciclopédicos,imagineoriscodeumalunoconfiarcegamente,aopesquisarsobreaSegundaGuerraMundial, por exemplo, em um site que defende o revisionismo do Holocausto, argumentando que o extermínio de judeus não ocorreu). As tecnologias também permitem que os estudantes produzam e compartilhem com facilidade re-gistros da história local. Um exemplo é a parceria do Museu da Pessoa (www.museudapessoa.net), uma instituição que mantém um site sobre histórias de vida, com escolas municipais de São Paulo. Professores, estudantes e funcionários contam relatos pessoais em vídeo, áudio e texto e os colocam em uma comunidade virtual. Narrando suas experiências e contemplando outras, os alunos aprendem que os testemunhos são um importante ponto de partida para conhecer melhor uma realidade ou determinada cultura. “A história de cada um importa”, explica Marcia Elias Trezza, coordenadora do projeto.Fonte: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/tal-registrar-historias-locais-usan-do-tecnologia-476004.shtml>. Acesso em: 01 jun. 2011.

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Karnal (2004) adverte que a tecnologia não é um fim em si mesma, mas sim um meio para se atingir uma finalidade. O caso de Barra do Chapéu comentado na Folha de São Paulo do dia 29 de abril de 2007 por Gilberto Dimenstein ilustra esse problema.

“Ninguém poderia imaginar que aquela cidade, perdida no Vale do Ribeira, iria surpreender a todo o país”, escreve Dimenstein (FOLHA DE SÃO PAULO, C 10 cotidiano, domingo, 29 de abril de 2007).

Como esse documento será reproduzido para leitura em nosso momento de escolher um texto para reflexão, antecipamos apenas que esse caso anotado pelo articulista da Folha comprova o que vem afirmado a seguir por Karnal (2004) e outros autores.

A respeito da possibilidade de dialogar com intelectuais como Dimenstein, aconselhamos a ocasião em que jornais como a Folha de São Paulo abrem “chats” onde são vinculadas muitas ideias proveitosas. Um destes momentos aconteceu no dia 25 de janeiro (2007), data da fundação da cidade de São Paulo, como mostramos abaixo:

FolhaOnlineConfiraabaixopartedobate-papocomojornalistaGilbertoDimenstein,colunistadaFolha, sobre o aniversáriodeSãoPaulo(...).Otextorefleteaformacomoosparticipantesdigitaram.Participaramdo chat 207 internautas.Bem-vindo ao Bate-papo com Convidados do UOL. Converse agora com Gilberto Dimenstein sobre o 453º aniversário da cidade de São Paulo. Para enviar sua pergunta, selecione o nome do convidado no menu de participantes. É o primeiro da lista.

Andre Porto/Folha ImagemO jornalista Gilberto Dimenstein

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(03:01:50) Gilberto Dimenstein: podemos começar (03:02:37) Gilberto Dimenstein: boa tarde, é um prazer estar aqui com vocês para falar sobre nossa cidade. (03:03:45) Luisa fala para Gilberto Dimenstein: Gilberto, vc acha que com tanta desgraça acontecendo em SP temos o que comemorar?(03:05:17) Gilberto Dimenstein: Não é mesmo fácil comemorar. Mas, ao mesmo tempo em que vive-mos nesse caos, também estamos numa cidade efervescente, cheia de possibilidades. Não existe, em termos de possibilidade, nada igual no Brasil, apesar de todos os nossos problemas. Acesse: <http://tc.batepapo.uol.com.br/convidados/arquivo/comportamento/gilberto-dimenstein-fala--sobre-os-desafios-de-sao-paulo-no-seu-453-aniversario.jhtm> para ler o bate-papo na íntegra.

Esse “chat”, por si só, nos demonstra o que deve ser uma aula moderna, atual, que considere o conhecimento prévio dos alunos, mas a ele acrescente algo que seja novo e capaz de suscitar uma nova reflexão.

Com a Internet em “aula virtual” ou com o giz e a lousa, em qualquer dos casos, independentemente da tecnologia, o que vale é a intervenção do mediador, no caso o professor ou o intelectual que responde a questionamentos.

A produção do conhecimento se faz de maneira formal, mas também a partir do informal, do cotidiano, da experiência do aluno.

Le Goff, por exemplo, quando discute esse tema do que é importante em História ou como a disciplina deve ser ensinada, nos remete a uma reflexão sobre o seguinte: o que se discute não é o ensino, mas sim a produção do conhecimento histórico no seu sentido mais restrito e específico.

Ainda no interesse de organizar o pensamento para o docente da disciplina ele aponta “para os imprescindíveis elementos de ordenação do conhecimento histórico”, tais como: “o que aconteceu? Como aconteceu? Quando, em que ritmo aconteceu?” Pois sem tais questões não

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se constroem os processos e as explicações gerais. E mais “que isso não se faz uma ciência da história” (NEVES, 2003, p. 163).

Os detalhes introduzidos em nossa prática didática em sala de aula podem parecer insignificantes à primeira vista, mas são os responsáveis pela nossa eficaz docência.

O que e como ensinar é algo que passa muito além dos temas, que envolve nossa investigação e tratamento metodológico, mas, sobretudo põe à prova a nossa verdadeira capacidade de comunicação do que sabemos. “A produção historiográfica busca estabelecer diálogos com o seu tempo, reafirmando o adágio que ‘toda a história é filha do seu tempo’, mas sem ignorar o fruto de muitas tradições de pensamento”. Assim, da mesma forma que não podemos descartar as boas heranças do passado ou só confiar nas necessidades do presente, temos de entender o que existe de verdade na dinâmica da inovação. Continuando com Karnal: “Que seja dito e repetido à exaustão: uma aula pode ser extremamente conservadora e ultrapassada contando com todos os mais modernos meios audiovisuais. Uma aula pode ser muito dinâmica e inovadora utilizando giz, professor e aluno” (2004, p.9).

Isto significa que o importante é a nossa concepção de História nas opções que fazemos e que devem sempre levar em conta o aluno, suas necessidades, sua curiosidade, indagações e pré-requisitos ou recursos intelectuais prévios que variam de um para outro, sempre.

Le Goff, pelos comentários de Joana Neves (2002, p.166), nos permite uma conclusão: a história como disciplina escolar não deixa nunca de ser história ciência, mas necessita partir “de um conjunto de provocações” que encaminhem para o verdadeiro saber histórico.

O educador Frances Edgar Morin, em entrevista a Revista Nova Escola (dez. de 2003, Ed. n. 168, pp. 36-37), acredita que instigar a curiosidade da criança é a melhor forma de despertá-la para o saber. No nosso caso, o saber histórico.

Para Morin, “se vivemos em um mundo complexo e interligado, e novas informações nos fazem, a toda hora, mudar de planos, por que a escola ainda teima em ensinar certezas e

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conhecimentos que parecem únicos e absolutos?” Diante de suas inquietações pela forma como a educação caminha, fez um estudo sobre quais seriam os temas que não poderiam faltar para formar o cidadão do século XXI. Assim nasceu “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, texto que serviu de base para a elaboração de nossos Parâmetros Curriculares Nacionais entre outros documentos.

Resenha:OsSeteSaberesNecessáriosÀEducaçãoDoFuturo(EdgarMorin) Morin, Edgar - Os sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 3. ed. - São Paulo - Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2001.Em1999,aUNESCOsolicitouaofilósofoEdgarMorin-nascidonaFrança,em1921eumdosmaio-resexpoentesdaculturafrancesanoséculoXX-asistematizaçãodeumconjuntodereflexõesqueservissem como ponto de partida para se repensar a educação do século XXI.Os sete saberes indispensáveis enunciados por Morin, objeto do presente livro: - as cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão;- os princípios do conhecimento pertinente; - ensinar a condição humana;- ensinar a identidade terrena;- enfrentar as incertezas;- ensinar a compreensão;- a ética do gênero humano,são eixos e, ao mesmo tempo, caminhos que se abrem a todos os que pensam e fazem educação e que estão preocupados com o futuro das crianças e adolescentes. OtextodeEdgarMorintemoméritodeintroduzirumanovaecriativareflexãonocontextodasdiscus-sões que estão sendo feitas sobre a educação para o Século XXI.Aborda temas fundamentais para a educação contemporânea, por vezes ignorados ou deixados à margem dos debates sobre a política educacional. Sua leitura levará à revisão das práticas pedagógicas da atualidade, tendo em vista a necessidade de situaraimportânciadaeducaçãonatotalidadedosdesafioseincertezasdostemposatuais.Seuscapítulos-oueixos-expõemagenialidade,clarezaesimplicidadedofilósofoMorin,numtexto

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dedicado aos educadores, em particular, mas acessível a todos que se interessam pelos caminhos a trilhar em busca de um futuro mais humano, solidário e marcado pela construção do conhecimento. Fonte:<http://www.conteudoescola.com.br/resenhas/89-resenha-os-sete-saberes-necessarios-a-edu-cacao-do-futuro-edgar-morin>. Acesso em: 01 jun. 2011.

Mas, o que tem essa proposta de diferente? Ela coloca o ser humano e o planeta no centro do ensino. “É preciso aprender sobre a condição humana, a compreensão e a ética, entender a era planetária em que vivemos e saber que o conhecimento, qualquer que seja ele, está sujeito ao erro e à ilusão”, adverte Morin.

Ainda acrescenta que é no cotidiano da sala de aula que tudo acontece. Por isto a nossa responsabilidade, enquanto professores aumenta. Precisamos ser mais que professores como nos lembra Rubem Alves, é preciso ser EDUCADORES.

São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007 - Folha de S.Paulo - CotidianoGILBERTO DIMENSTEIN OmilagredeBarradoChapéu

Ninguém poderia imaginar que aquela cidade, perdida no Vale do Ribeira, iria surpreender todo o país

EM 2005, a Faap decidiu adotar um município para ensinar-lhe técnicas de gestão, o que, além de ajudá-lo a se desenvolver, serviria de laboratório acadêmico. Procurou-seoquehaviademaispobreemSãoPauloparaqueodesafiofossemaior.Encontraramum lugar em que a maioria das casas não tinha banheiro, o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvi-mento Humano) paulista. Ninguém poderia imaginar, rigorosamente ninguém, que aquela cidade, perdida no Vale do Ribeira, iria, na semana passada, surpreender todo o país. Entre várias tarefas, como melhorar o saneamento básico, criar um plano diretor e estimular a vocação econômica, os universitários introduziram o xadrez

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no currículo, ensinaram informática para professores e alunos, distribuíram computadores conectados à internet. Nesta semana, a escola está recebendo lousas digitais; o giz, portanto, está prestes a ser aposenta-do. Com pouco mais de 4.000 habitantes, Barra do Chapéu entrou, na semana passada, na história, por ser o campeão da quarta série no ranking de qualidade de ensino, elaborado pelo Ministério da Educação. Para chegar à nota média deles, o Brasil terá de aguardar pelo menos mais 20 anos. Isso se tudo o que foi proposto pelo plano educacional do governo federal der certo. Os alunos e professores da Faap foram para lá ensinar, mas aprenderam uma lição -assim como todo o país. Como a primeira ação da Faap ocorreu em 2005, não se pode atribuir-lhe a maior responsabilidade pelos resultados de Barra do Chapéu. Mas a receptividade com que aceitaram a colaboração externa e o empenho de implementar mudanças dão as pistas do sucesso da cidade. A disposição da comunidade para o estudo está simbolizada no vice-prefeito de Barra do Chapéu, Gentil Alves, que, neste momento, está cursando a sétima série do ensino fundamental. Ele tem 67 anos e, orgulhoso, vai à escola todas as noites. A receita deles é infalível em qualquer canto do planeta. Se o aluno falta, a diretora manda chamar os pais; se eles não comparecerem, aciona-se o Conselho Tutelar. Considera-se a família um elemento essencial no processo de aprendizagem. Os estudantes não são números numa sala superlotada, mas indivíduos. São 25 alunos por classe. São feitas avaliações de cada estudante a cada 15 dias. Para os que não aprendem, são oferecidos reforço fora do horário regular e um serviço diário para tirar dúvidas. Com isso, as repetições de série ocorrem apenas em casos excepcionais. Há investimento especial em leitura e escrita, base para os demais aprendizados. Impede-se, assim, a bola de neve. Como não se aprende a ler direito, as carências se avolumam sem parar. Os professores não são papagaios de apostilas escolares, mas produtores de conteúdo. Sentem-se valorizados, inclusive no bolso. Eles recebem em média R$ 980 por mês; mais que o dobro do que ganham os trabalhadores locais. Com essas ações, cria-se um círculo virtuoso. Os governantes valorizam as escolas, os professores se sentem estimulados e são respeitados pela comunidade. Compreensível que, neste ambiente, um professor local não se considere ameaçado - pelo contrário-, com a interferência de forasteiros

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universitários. E até se disponha a jogar fora o giz e usar um smartboard, permitindo a ampliação da tela do compu-tador para que os alunos possam juntos navegar na internet -isso numa cidade em que quase todas as ruas são de terra. PS- Vê-se, nesse exemplo, como universitários conseguem ajudar concretamente o país. Já que pare-ce impossível cobrar mensalidade no ensino superior público, deveria ser obrigatório que os estudan-tes pagassem de volta com serviços comunitários. O que ajudaria também em sua empregabilidade. Vale a pena conhecer a experiência de Minas Gerais, onde alunos de dez universidades estão dando aulas, fora do horário regular, para estudantes da rede pública; usam-se jogos e brincadeiras, muitas vezes em parques. O projeto começou neste ano e, apesar do pouco tempo, já se percebem resultados. Coloquei no meu site (www.dimenstein.com.br) as experiências dos alunos da Faap e das universidades mineiras. [email protected]

Fonte: FolhadeS.Paulo, 29/04/07, Seção: Cotidiano, Página C 12.Disponível em: <http://www.faap.br/destaques/barra_chapeu/milagre_barra_chapeu.html>. Acesso em: 01 jun. 2011.

CONSIDERAçÕES FINAIS

Nesta segunda unidade, passamos a estudar as mudanças e permanências dos métodos do ensino de História e, assim como devemos fazer com nossos alunos, nos propomos a destacar o que mudou e o que permaneceu como concepção de História ao longo do último século e início deste século XXI. O que merece destaque é o entendimento de que hoje todos somos sujeitos da História e não mais somente os heróis como queriam os filhos da escola metódica.

Também estudamos que o espaço e o tempo de aprendizado é extremamente infinito se considerarmos o ambiente virtual, e mais, que a relação entre o objeto e o sujeito do conhecimento é fundamental para a compreensão do pensamento de determinada época e o mediador desse processo, na escola, é sempre o professor. Portanto, tarefa complexa, mas apaixonante. Vocês não acham?

Na próxima unidade nos restringiremos ao estudo dos documentos históricos e às possibilidades dos seus usos em sala de aula.

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ATIVIDADE DE AuTOESTuDO

1. FaçaaconexãoentreopensamentodeBraudeleadefiniçãoqueMarcBlochdáparaahistória,pensandoemseuobjetodeestudo. Tudo o que você precisa para responder se encontra na Unidade II que acabamos de estudar.

2. Analise os objetivos apresentados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino de História (1997), e discorra sobre o assunto relacionando-o com o que estudamos nesta unidade.

3. Leia novamente o subtítulo “A formação do professor de História e o cotidiano de sala de aula”.

a) Caracterize o papel do professor de História e suas responsabilidades.

b) Apresenteumaestratégiadidáticaaserutilizadapeloprofessorquecontem-ple as exigências da sociedade atual.

Livro: Sobre História- EnsaiosAutor: HOBSBAWM, ERIC J.Tradutor: MOREIRA, CID KNIPELEditora: COMPANHIA DAS LETRASAssunto: HISTÓRIA GERAL

SinopseNestacoleçãodeensaios,muitosaindainéditos,EricHobsbawmrefletesobrepráticaeteoriadadisci-plinaquefezsuajustafamacomoumdosmaioreshistoriadorescontemporâneos.Emsuasreflexões

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sobreopapeldohistoriador,Hobsbawmanalisaproblemasdaordemdodia,comoa identificaçãodas identidades nacionais na Europa e o uso ideológico do discurso histórico naquele contexto; um balançodos150anosdoManifestoComunista;asrelaçõesentrehistóriaeeconomia;osignificadodareduçãodanarrativahistóricaameravariantedanarrativa;asmodasevertentesdahistoriografiacontemporânea; a noção de progresso no conhecimento histórico.Fonte:<http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha>. Acesso em: 01 jun. 2011.

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uNIDADE III

A uTILIZAçãO DOS DOCuMENTOS HISTÓRICOS EM SALA DE AuLAProfessora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

Objetivos de Aprendizagem

• Aguçar o interesse pelas várias formas de acesso ao conhecimento histórico ediferentesfonteselinguagens:fotografia,vídeo,pintura,textosedocumentosdeépoca.

• Desenvolver habilidades de observação, identificação e compreensão, além daprópria linguagem (forma, estética, composição do todo), para estabelecer relação entre forma e conteúdo das fontes históricas.

• Identificarediferenciarumdocumentoescritodeumnãoescrito,bemcomosuautilização por parte dos professores.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• Historiadoreseprofessores:diferentesusosdasfonteshistóricas

• Aanálisedidáticadeumafontehistórica

• Documentosescritosenãoescritos

• Aconstruçãodoconhecimentopormeiodasfonteshistóricas

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INTRODuçãO

Desde que o conceito de documento foi ampliado, da posição de um positivista (ou metódico) para um neo-historiador, houve um enriquecimento quanto às fontes possíveis para um historiador. O uso das fontes históricas passou a incluir não só o documento escrito em seu sentido restrito como foi ampliado para outros materiais disponíveis.

Contrariamente ao que Charles Langlois ou Seignobos (positivistas) defendiam, Marc Bloch (1886 -1944) afirmava que:

O stock de documentos de que a história dispõe não é limitado: sugere não utilizar exclusivamente os documentos escritos e recorrer a outros materiais, arqueológicos, artísticos, numismáticos (considerada uma ciência auxiliar da História e como ciência trata da descrição e da história das moedas e medalhas) etc. (BOURDÉ; MARTIN, 1990, pp. 125 -126).

Portanto, aventava a hipótese de se consultar certidões de batismo e outros documentos pessoais e oficiais que constavam nos arquivos municipais, estaduais e até nacionais, observar imagens pintadas ou esculpidas, o mobiliário dos túmulos e inscrições das lápides, crônicas, cartas do passado, objetos retirados de escavações arqueológicas entre outros.

O diferente uso das fontes históricas inclui a análise didática de uma fonte histórica e a construção do conhecimento por meio dessas fontes, por isso Bloch insistia muito em que a formação de um historiador deveria obedecer a um cuidadoso processo que o preparasse corretamente para aquele que chamava de “ofício” de historiar.

Por isso, caro estudante de Pedagogia, nesta nova unidade você compreenderá os diferentes usos das fontes históricas pelos historiadores e professores. Também conheceremos os processos de análise didática de uma fonte histórica, isto porque a fonte em si não é produzida com fins didáticos. É preciso fazê-la “falar” para ser como um recurso didático e desenvolver a aprendizagem em nossos alunos.

Ainda, faremos a distinção entre os documentos escritos e não escritos e para isto utilizaremos

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como referência os estudos da nossa historiadora Circe Bittencourt.

Tudo isto, você terá a oportunidade de estudar a partir de agora.

HISTORIADORES E PROFESSORES: DIFERENTES uSOS DAS FONTES HISTÓRICAS

Marc Bloch (1976) insistia não apenas em explorar novos documentos, mas também em descobrir novos “domínios” para a História, ou seja, tentava alargar o campo da História para outras direções.

Orientava seus estudos, por exemplo, para a análise dos fatos econômicos e nesse ponto foi influenciado “sem o reconhecer explicitamente, pela obra de Karl Marx, que o incita a relacionar as estruturas econômicas e as classes sociais”. Ou, ainda, foi inspirado por outros historiadores como Henry Hauser com relação a estudos em que se ocupava da apreciação das flutuações econômicas com base em séries de preços (BOURDÉ; MARTIN, 1990, p. 226).

Aquilo que ele preconizava para todo aquele que aspirasse à ciência histórica, ele aplicou aos seus próprios trabalhos, dos quais um dos maiores foi: “Os caracteres originais da história rural francesa, do século XI ao século XVIII” de 1931, além do culto às origens e do correto enquadramento no tempo que se exige de toda obra histórica, Bloch observou as formas de ocupação do solo (espaço e produção), as técnicas produtivas e os modos de povoamento (demografia), as práticas comunitárias (realidade/imaginário), tudo contextualizado na longa duração e em relação ao conjunto do território nacional. Com isso deu o modelo básico para as vias que levaram os neo-historiadores as suas pesquisas e resultados das mesmas ao longo de todos os tempos até a atualidade.

“É bom que o historiador possua pelo menos uns laivos das principais técnicas do seu ofício”, escreve Bloch. Saber epigrafia, paleografia, diplomática, arqueologia, estatística, história da arte é algo necessário a “um autêntico profissional da história” que, além disso, precisa

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conhecer “as ciências vizinhas” tais como “a geografia, a etnografia, a demografia, a economia, a sociologia, a lingüística” (BOURDÉ; MARTIN, 1990, p. 227).

• AepigrafiaéoutraciênciaauxiliardaHistória,queestudaasinscriçõesfeitasemmaterialdurável,tais como a pedra e o metal. É particularmente útil para o conhecimento da história das civilizações antigas, cujos documentos perecíveis em sua maioria desapareceram.

• A etnografia se refere ao estudo descritivo das atividades de um grupo humano determinado(técnicas materiais, crenças religiosas, modos de transmissão do conhecimento, instrumentos de trabalho, organização social, exploração do solo, estrutura de parentesco).

• Apaleografiaéaciênciaquesededicaàdecifraçãodosescritosantigosequantoàarqueologia,setrata de outra ciência que estuda os monumentos e vestígios de civilizações antigas.

Fonte: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em: 01 jun. 2011.

Bloch sentindo a dificuldade de preencher tais requisitos, então, sugere:

Se não for possível conseguir a multiplicidade das competências num mesmo homem (o historiador) pode-se encarar uma aliança das técnicas praticadas diferentes eruditos, sendo que isto supõe a organização de um trabalho por equipes, o que reagrupa especialistas de diversas disciplinas (BOURDÉ; MARTIN, 1990, p. 127).

Em sua obra “Introdução à História” (1986), Bloch inicia com uma pergunta feita a um pai historiador por seu filho: “Para que serve a História?” e esclarece que todo este trabalho se destinará a responder esta pergunta.

A História, como um “profeta com o olhar voltado para o passado”, segundo Eduardo Galeano, é para Bloch “uma ciência dos homens no tempo, que, sem cessar, precisa unir o estudo dos mortos ao estudo dos vivos” (1976, p. 15).

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O historiador deve ter a “paixão de compreender, o que implica que renuncie, tanto quanto possível, ao juízo de valor” ou àquilo que é dominado pelo antropocentrismo do bem e do mal. Para ele, o parecer do historiador é o do sábio, que examina sempre os dois lados de uma questão, com isenção de ânimo.

Para nos livrar da mania de colocar sempre uma superioridade humana (donde antropos em grego= homem, sediar o núcleo da concepção), Bloch (1976, p. 70) lembra que, para penetrar numa consciência alheia, é preciso que nos despojemos “de nosso próprio eu”.

O saber objetivo, ainda que não absoluto, entra no rol de metas de um historiador que procura “compreender o passado a partir do presente” (1976, p. 11) ou, numa via de duas mãos, “compreender o presente à luz do passado” (1976, p. 13). Aliás, enfatiza sempre que é o perpétuo “vaivém entre passado e presente” que permite “enriquecer o conhecimento das sociedades antigas e esclarecer sobre ela mesma e a sociedade actual” (BOURDÉ; MARTIN, 1990, p. 128).

Logo, perante manuscritos, escritos gráficos, epigráficos, materiais de toda sorte, desde moedas até selos, o historiador tem de saber “conversar”, o que equivale a “dialogar atentamente” com suas fontes como recomenda, em acréscimo, Marc Bloch.

A metodologia do Ensino de História inclui em seus capítulos mais importantes o uso das fontes históricas e de suas análises didáticas.

Na perspectiva histórica da Escola dos Annales, fundada por Frebvre e Marc Bloch, propõem--se a utilização de diversos tipos de fontes, não se restringindo apenas à utilização da história política, dos grandes feitos, como propunham os positivistas. Isto porque,

Diante dessas considerações configura-se a necessidade da utilização de diversas metodologias, fontes e linguagens para a construção de uma História mais atrativa para os jovens desinteressados e desmotivados diante de repetições, decorações e nulidade analítica. Dentre as linguagens que podem ser abordadas no estudo da História estão a literatura, a música, a cultura material e imaterial, o teatro, as artes plásticas e o cinema (FERRAZ e CAVALCANTI, 2006, p.159).

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Mas, é importante frisar que os historiadores utilizam-se das fontes históricas para desvendar a História dos povos, em particular, ou da sociedade, em geral, e para isto utilizam-se de métodos científicos. No entanto, os professores transformam essas fontes em recursos didáticos, mas para isto é preciso dominá-los.

Isto é o mesmo que dizer que todos os documentos têm uma linguagem que lhe é própria e, para poder utilizá-la como instrumento pedagógico para a construção do conhecimento histórico, é necessário dominar as suas especificidades enquanto produto cultural e histórico.

A ANÁLISE DIDÁTICA DE uMA FONTE HISTÓRICA

Ensinar História representa um desafio para os professores, como já se demonstrou acima, pois há uma permanente necessidade de unir o papel de docente ao ofício de historiador, o que nem sempre é viável. Além disto, por outro lado, existe um público estudantil nem sempre disposto a estudar a disciplina histórica que, de forma preconceituosa e inadequada, tem sido conotada ao caráter de matéria meramente decorativa, pouco digna do status de ciência. Tudo isto nos leva a privilegiar, num momento inicial, conteúdos realmente significativos e que permitam todo o suporte didático à tarefa de um professor que ministra aulas de História, com todos os quesitos que tem de preencher, muitas vezes sem ajuda.

Os materiais didáticos são instrumentos do trabalho docente, se apresentam como suportes fundamentais na mediação entre o ensino e a aprendizagem. Por isso mesmo, por meio do uso de documentos oficiais e não oficiais (reportagem de jornal, fotografia, filme, monumento, arte rupestre, carta, música, testemunhos de personagens que viveram na época) encontramos muitos tipos de documentos históricos que podem facilitar nossa tarefa de mediadores entre o aluno e sua aprendizagem do método indutivo que caracteriza a História.

Inovar quanto ao ensino de História, por meio de recursos pré-selecionados que proporcionem aulas mais interessantes e atrativas, viabilizando assim a melhor aprendizagem é algo

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necessário para que o aluno compreenda a História enquanto uma área do conhecimento em construção e não apenas um rol de informações quase sem valor sobre o passado.

“O processo de conhecimento é a grande aventura e o grande desafio que o educador enfrenta quando prepara suas aulas e quando as envolve com os seus alunos” (RUIZ, 2004, p.75).

Ultimamente, generalizou-se entre nós o uso de livros didáticos, paradidáticos, filmes, excertos de jornais e revistas, mapas, dados estatísticos e tabelas, CDs, DVDs, e outros suportes informativos que, produzidos (ou não) especialmente para a escola, exigem dos professores uma análise de sua viabilidade quanto à promoção da verdadeira ciência a serviço da aprendizagem.

Bittencourt (2004) explica como fazer a análise destes suportes informativos, e pesquisadores do ensino de História e Geografia do Institut National de Recherche Pédagogique (INRP) da França nos indicam alguns meios para tal raciocínio que decompõe em partes o que vem apresentado em tantos instrumentos novos a nossa disposição.

Nossa sociedade atual chamada de Sociedade ou Economia do Conhecimento, ainda Sociedade Pedagógica, segundo pensadores como Peter Drucker (1993) ou Michel Serres (1999), assinala ascensão do conhecimento como um componente nuclear do capital.

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Visto como um bem que gera outro bem, renda ou produção, o capital, com todos seus componentes (equipamento, patrimônios, títulos, propriedades...) ainda tem por centro de convergência o dinheiro. Ainda, afirmamos porque cada vez mais se tem por máxima que a socialização da renda se fará por meio do conhecimento. Isto fica fácil de entender se pensarmos que sem dinheiro no bolso poucos adquirem conhecimento (donde o papel das escolas públicas ser cada vez mais enfatizado), mas sem conhecimento o dinheiro no bolso escasseia na mesma medida em que o conhecimento o faz recheado.

Além disso, estamos em um tempo em que as novas tecnologias propiciam o conhecimento, tornam seu acesso possível a um grande número de pessoas e não só aos professores como antigamente ocorria.

A informação transpôs os limites da sala de aula e após a Revolução da Informática, quando em 1993 a Internet permitiu a “globalização” criando um ciberespaço, pôde-se falar em uma cibercultura.

Seacibernéticasignificaocontroleatravésdastecnologias,dasmáquinas,comosurgimentodasre-des de computadores (BBS’s e Internet), a cibernética ganha outra conotação, principalmente a partir do início dos anos 1990 com a expansão da área multimídia da Internet (WEB) que traz consigo uma liberdade de geração e de difusão de informações pelo cidadão comum através da criação de sites e outrosmeiosdedifusãodeidéias.ÉnessecontextoquesurgeaCibercultura,definidaporLévyemseu livro sobre a Cibercultura (1999, p. 17) como “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”. Nesta obra o autor nos explica o que é cibercultura, o que se encontra de social e cultural por trás desse fenômeno técnico implicando em uma nova relação com o saber. Istosignificaexplicaralgosobreas implicaçõesculturaisdasnovas tecnologias,dadigitalizaçãoànavegação, memória, realidade virtual, multimídia e interatividade característicos dos nossos tempos.Fonte: <http://elearning20.net/2010/07/15/cibercultura/>. Acesso em: 01 jun. 2011.

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Segundo Pierry Lévy, em seu livro “Cibercultura” (1999), ciberespaço é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores, especificando não só a infraestrutura, mas o universo de informações e os próprios seres humanos que o movimentam.

Livro: Cibercultura Autor: Pierry LévyEditora: editora 34Fonte:<http://www.4shared.com/document/1E7olM7D/Cibercultura_-_Pierre_Levy.html>.

A partir do acesso às novas tecnologias, portanto, criaram-se novos espaços do conhecimento, tanto nas empresas, domicílios, espaços sociais quanto nas escolas. E tal conhecimento se reflete nas múltiplas oportunidades de aprendizagem que, agora, cabe à escola selecionar e rever criticamente sempre no sentido de melhorar, inovar e conservar o melhor do tradicional, dos “clássicos” autores e saberes do passado.

Nesta perspectiva de inovar que enfocamos o ensino de História. Nosso objetivo centra-se em propiciar à sociedade uma nova forma de pensar este ensino, voltada para uma aprendizagem por excelência, oportunizando compreender o homem como um todo, dentro de uma visão holística1 , por meio de uma abordagem mais próxima da realidade cotidiana do educando e, 1 Por holístico, da palavra grega holos, entendemos a concepção pela qual o homem é um todo. Tal pensamento nos informa que o ser humano é um todo onde o espírito move a mente e esta move o corpo, ou seja, “somos aquilo que pensamos”.

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portanto, significativa.

A abordagem holística nos permite ver o aluno como um ser anímico total e não apenas como uma máquina de aprender.

Segundo Antunes (2001, p. 30), “a aprendizagem significativa é o processo pela qual uma nova informação se relaciona de maneira não arbitrária e substantiva (não literal) à estrutura cognitiva do aprendiz”, ou seja, é uma aprendizagem que tem significado para o aluno, dirigindo-o à construção do conhecimento.

Bittencourt se serve dos ensinamentos de Paulo Freire para lembrar que:

Cabe ao professor, [...], reconhecer e estabelecer um diálogo com esse conhecimento, porque os alunos estão sempre em processo de aprender mais e não são absolutamente sujeitos acomodados; ademais, adverte-nos o grande educador, o conhecimento não é um dado imobilizado apenas transferido de um especialista para outra pessoa que ainda não o possui (2004, p. 190).

Portanto, a tarefa de estabelecer significados é estabelecer a ponte entre a leitura, interpretação e correta assimilação das informações com vistas ao pensamento autônomo. É uma tarefa nada fácil que envolve sempre levar da memorização pura e simples às análises críticas e ao pensamento crítico, que se expressa nas conclusões ou sínteses que elaboramos por nós mesmos com base nas informações recebidas.

É nesse sentido que a seleção de materiais, seguida de uma análise que dará o diagnóstico sobre sua viabilidade com vistas ao melhor aproveitamento do aluno, sempre se faz necessária.

DOCuMENTOS ESCRITOS E NãO ESCRITOS

Muitos autores contemporâneos como Bittencourt (2004) ou Cardoso (1997) defendem a ideia de utilizar documentos históricos como um recurso inovador adequado ao ensino de História. E Bittencourt também recorre ao Institut Nacional de Recherche Pédagogique francês para

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explicar o que tal pesquisa pedagógica significa em conexão com o conceito de documento bem de acordo ao que foi estabelecido conforme nossa visão de neo-historiadora:

todo conjunto de signos, visuais ou textuais, que são produzidos em uma perspectiva diferente dos saberes das disciplinas escolares e posteriormente passam a ser utilizados com finalidade didática. [...] Contos, lendas, filmes de ficção ou documentários televisivos, músicas, poemas, cartas, romances são documentos produzidos para um público bastante amplo que, por intermédio do professor e seu método, se transforma em materiais didáticos (2004, p.296).

Dentro de tal categoria, portanto, podemos inserir documentos escritos e não escritos, que podem ser utilizados pelos educadores em sala de aula desde os anos iniciais do Ensino Fundamental. Sua finalidade, já assinalada, será a de desenvolver habilidades cognitivas, como a capacidade de observar, interpretar e extrair informações dessa “fonte”, sempre em conexão com a realidade vivida. É, portanto, uma maneira de possibilitar o contato com o “real”, por meio das situações concretas de um passado abstrato, tornando as aulas mais atrativas e dinâmicas.

Para Napolitano (2004, p.149), “nos últimos anos tem sido cada vez mais freqüentes o uso de ‘novas linguagens’ não só para motivar os alunos, mas para tentar ‘atualizar’ a concepção de documento histórico”.

Bittencourt aponta o principal objetivo,

[...] favorecer sua exploração pelos alunos de maneira prazerosa e inteligível, sem causar muitos obstáculos iniciais. É preciso cuidado para que os documentos forneçam informações claras, de acordo com os conceitos explorados, e não tornem difícil a compreensão das informações (2004, p.330).

Isto e mais a possibilidade de ampliar o leque e a utilização de documentos aberta pela Nova História facilita e moderniza o trabalho de um professor de História.

É preciso, agora, diferenciar os documentos escritos e não escritos que se apresentam para a utilização em sala de aula, portanto, à disposição do professor que pretende dinamizar a sua didática.

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Entre os documentos mais comuns estão os escritos, aqueles que tradicionalmente são os mais empregados em aulas de História e que se utilizam do registro escrito para expressar sentimentos, ideias e impressões do mundo. Entre eles, temos os documentos não oficiais como jornais, literatura, revistas, poemas, letras de música.

A utilização de tais documentos emanados da imprensa escrita é um dos muitos instrumentos que podem enriquecer o processo de ensino-aprendizagem. Especificamente a respeito do uso de textos jornalísticos, Bittencourt ressalta que é importante considerar tais notícias como um discurso que jamais é neutro ou imparcial. É isto que nos permite uma crítica mais cuidadosa “referente aos limites do texto e aos interesses de poder implícitos nele” (2004, p. 337).

Um discurso que não seja neutro pode ser visto como um produto de uma empresa capitalista que então oculta estratégias tendentes a facilitar a recepção da mensagem por parte dos leitores, ainda que as ideias veiculadas não expressem a realidade em suas faces possíveis.

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É o que Marilena Chauí (2000) nos ensina quando afirma que esse tipo de ideologia é “a arte de dizer meias-verdades” porque se a verdade for dita inteira, a intenção de mascará-la não se completa.

MarilenaChauí:livre-docentedaUSPFonte:<http://altamiroborges.blogspot.com/2010/10/marilena-chaui-tritura-midia-golpista.html>.

O jornal, portanto, é um material didático de fácil acesso, com conteúdos atualizados ou que permitem retrospecto histórico, mas tudo que envolve o ato de educar pressupõe também cuidados que resguardam a responsabilidade com a verdade.

O JORNAL COMO PROPOSTA PEDAGÓGICAPor Priscilla Campiolo Manesco Paixão1. PASSEIO PELA HISTÓRIAA comunicação maciça e instantânea do mundo em que vivemos atualmente torna difícil imaginar um tempo e um lugar em que as coisas não eram assim. Por isso, causa espanto deparar com a informa-ção de que, embora o homem tenha surgido na face da Terra por volta de 2 milhões de anos atrás, a escrita só foi aparecer por volta de 6 mil anos atrás.Acredita-se que tenha transcorrido toda uma história antes que o homem fosse capaz de se expressar por meio de símbolos combinados de maneira a transmitir fatos, pensamentos, emoções. O que não se coloca em dúvida é o avanço que a escrita representou para a humanidade.

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O homem precisou lidar por 2 mil anos com símbolos e desenhos até perceber que eles poderiam representar, também, o som das palavras. Foi assim que surgiu o alfabeto fonético, cujo desenvolvi-mento é creditado aos fenícios.Osegípciosdesenharamseushieróglifos nopapiro, espécie de folha flexível feita comhastesdeuma planta de mesmo nome. Depois surgiu o pergaminho, feito com couro curtido de animais, o que propiciou o aparecimento dos códices (feixes de páginas encadernadas).Foi só no século XII que o papel foi introduzido na Europa, assemelhando-se aos livros de hoje. Na Idade Média, a produção escrita era restrita aos monastérios, onde clérigos copistas encarregavam-se de copiar e ilustrar livros manuscritos.Quantoaojornal,édifícil imaginarqueeletenhaprecedidooadventodatipografia,masfoiexata-menteissoqueaconteceu.AntesdoalemãoJohannesGensfleischGutenberg(1400–1468)inventaruma máquina que permitia a utilização de letras de metal móveis para compor as páginas, já existiam as gazetas manuscritas. Surgidas na Itália, continham uma espécie de crônica dos acontecimentos, críticas e fofocas.Gutenberg representou um avanço notável na época, pois não era mais necessário entalhar as cha-pas, bastava montar as páginas com letrinhas de metal e imprimir diversas cópias de uma só vez.Foi só em 1597, na Tchecoslovávia, que surgiu o primeiro jornal impresso. Mas, como se tratava de umapublicaçãomensal,háquemprefiraconcederopostodeprimeirojornalimpressoaoDaily Cou-rant, uma publicação diária, editada por Elizabeth Mallet, na Inglaterra, em 1702. Neste mesmo século dois fatores contribuíram para o desenvolvimento da imprensa: o Iluminismo e a Revolução Industrial.Hojeemdiaexistemmétodosdeimpressãomuitomaissofisticadosequeoferecemqualidadesmuitomaiores, permitindo a impressão de milhares de exemplares em apenas algumas horas.2. PLANEJAMENTO E PRÁTICA PEDAGÓGICAAcreditando no jornal como uma das formas mais acessíveis de acompanharmos as mudanças verti-ginosas dos fatos e aqui nos remetemos às aulas de História, é fundamental que professores e alunos desenvolvam habilidades e o hábito de ler e descubram na leitura formas de ingressar no mundo do saber e da cultura.É importante que os educadores atentem a fatores básicos para o planejamento de atividades com o jornal em sala de aula:1. O tempo que se pretende dedicar ao jornal, no conjunto de atividades de seu programa anual.2. Trabalho prévio com a criança sobre a dimensão social da escrita e da leitura (escolha das ativida-des que se pretende desenvolver para que o aluno manifeste sobre qual seção prefere, enumerando--asemordemcrescentedeescolhaejustificando-a;opinesobreotextolido,recortandoumanotíciaeidentificando-a).

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3. Trabalho com o jornal na sua totalidade e não desmembrando letras e palavras que só possuem significadonocontexto(dentrodeumcontextoenãocomopretexto).4.OusodojornalnãodeveficarrestritoàsaulasdeLínguaPortuguesa,pelocontrário,nasaulasdeHistória, por exemplo, servem como importante recurso didático para estudar fatos vividos por grupos sociais distintos.Determinados esses pontos, vem o principal: estabelecer as estratégiaspedagógicasaseremuti-lizadas, atentando-se aos pontos:1. Os objetivos que se pretende atingir com as atividades escolhidas.2. O estabelecimento de uma progressão equilibrada entre uma atividade e outra.3. Finalmente, estabelecidos estes pontos, será preciso ainda, reunir o material necessário à execu-ção do trabalho e determinar previamente os locais em que as atividades serão desenvolvidas: na sala de aula, em casa, na biblioteca...3. REFÊRENCIAS:FARIA, Maria Alice de Oliveria. Como usar o jornal na sala de aula. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1999 (Repensando o ensino).FOUCAMBERT. Jean. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.MAGIO, Elisabeth; SGROI, Fábio. Vamos fazer um jornal? São Paulo: Moderna, 1998 (Coleção desafios).MURTA, Antonio Marcos. In: Revista do Professor, Porto Alegre, out/dez. 1996.

Outro tipo de documento escrito não oficial que pode ser trabalhado de maneira interdisciplinar é a literatura, como romances, poemas ou contos. Tais textos cabem como consulta não apenas nas aulas de Língua Portuguesa, mas também contribuem para o ensino de História e outras disciplinas.

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Os estudos de textos literários têm como objetivo não apenas desenvolver o gosto pela leitura, mas também fornecer condições de análises mais profundas para o estabelecimento de relações entre conteúdo e forma. Para analisar uma literatura, é necessário também oferecer outros textos de apoio como informações sobre o autor e a obra, dicionários, enfim, complementos para a compreensão do texto literário.

Para o ensino de História, a literatura torna-se um referencial possível de ser analisado e estudado como documento da época, cujos autores pertencem a um contexto histórico e fazem parte de uma cultura. Fonseca traz palavras bastante esclarecedoras:

A leitura de textos literários, reservando as especificidades artísticas, pode nos oferecer pistas, referências do modo de ser, viver e agir das pessoas, dos valores e costumes de uma determinada época. É uma fonte/documento/evidência que auxilia o desvendar da realidade, as mudanças menos perceptíveis, os detalhes sobre lugares e paisagens, as mudanças naturais, os modos de o homem relacionar-se com a natureza em diferentes épocas (2003, pp.165-166).

Cabe aos professores uma escolha que permita não confundir história com ficção ou aventura, ainda artigos e textos que contenham mais opiniões do que análises e sínteses científicas que não permitam que no educando se instalem concepções fantasiosas a respeito do assunto em discussão.

Entre os documentos oficiais, produzidos pelo poder institucional, tem-se a recordar que no século XIX, época dos domínios da corrente metódica, era o preferido pelos “positivistas” como os mais importantes dentre os documentos escritos. Nessa época de crítica interna e externa minuciosa e detalhista só se consideravam fidedignos os documentos que passavam por rigoroso exame e provinham de instituições governamentais, refletissem a atuação de grandes personalidades, tratassem de questões de política internacional. Mas, Certidões de Nascimento, RG’s, CIC’s e outros documentos pessoais podem emprestar autenticidade a um outro documento, respeitadas as condições do fato e entram como matéria-prima de debates acerca do que significa a cidadania nas sociedades contemporâneas.

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Entre os documentos não escritos, fotografias e imagens ocupam um lugar de destaque e tendem a sensibilizar quem as observa com seu impacto real e multifacetado em sensações e informações. São denominados documentos iconográficos por utilizar-se de imagens para imprimir o mundo.

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A iconografia (do grego “Eikon”, imagem, e “graphia”, descrição, escrita) é, portanto, uma forma de linguagem visual que utiliza imagens para representar determinado tema. A iconografia estuda a origem e a formação das imagens. Muito usada na indústria editorial, a iconografia serve para pesquisar e selecionar imagens que serão publicadas em um livro, seja como tema principal da obra ou como complemento de um texto.

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Cabe lembrar que a pesquisa iconográfica pode enriquecer e muito um estudo sobre determinado período histórico com imagens de esculturas, obras arquitetônicas, quadros ou fotografias de pessoas. Isto dentro de uma perspectiva da Nova História que dá o devido valor aos diferentes tipos de fontes e não exclusivamente aos documentos escritos como a escola metódica fazia.

Fotografias, quadros, “charges”, ou filmes, vídeos, DVD’s se enquadram nessa categoria e para todos eles existem métodos de análise que permitem avaliar as características de suas linguagens ou a forma específica pela qual veiculam suas informações. Celso Antunes (2005, p. 120) lembra como a “ausência da palavra aguça a imaginação e sensibiliza a mente”, permitindo uma leitura não verbal que “dá asas à imaginação”.

É o mesmo que Leite quer nos dizer quando explica:

Os contextos em que estão inseridas as imagens que se deseja ler reservam ou exprimem sentidos que podem ser transformados em novas mensagens, que por sua vez podem atingir os diferentes sentidos. Assim, [...] é necessário um conhecimento prévio e direto da realidade que a imagem representa, simboliza ou indica para não ficar desorientado [...] (1993, p. 158).

Antunes (2005, p. 122) acrescenta que é preciso selecionar documentos que estimulem “os alunos a enxergar as entrelinhas das fotos, os detalhes da ilustração” para aprimorar sua acuidade visual e espacial “em aprendizagens mais estruturadas e mais significativas”.

Além disso, qual o conhecimento histórico que a fotografia permite? Bittencourt explica:

A fotografia registra fatos, acontecimentos, situações vividas em um tempo presente que logo se torna passado. Os álbuns de família são um exemplo de como esse suporte material de imagem serve de registro da memória. Rever fotos significa relembrar, rememorar ou mesmo “ver” um passado desconhecido (2004, p.366).

Portanto, a imagem fotográfica pode revelar aspectos da vida material de um determinado tempo com muita facilidade e bem menos esforço que uma descrição verbal permitiria.

A fotografia, por fim, inclui significados, permite uma comunicação instantânea que a qualifica

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como um meio para aprimorar nossos conhecimentos.

O cinema pode ser visto como outra forma de registro que amplia o foco de um professor interessado em utilizar o dinamismo de suas imagens, pois um programa de televisão ou um filme nos despertam sensações e o conhecimento ocorre com profundidade quanto às emoções e percepções provocadas.

Bittencourt (2004) recomenda ao professor identificar as preferências dos alunos e conciliá-las com o tipo de imagens que permitirão o levantamento de questões e incentivarão a curiosida-de. O fundamentalismo tal como acontece no Irã, as sempre retomadas cenas da 2ª Guerra Mundial, o julgamento de Joana d’Arc, a história de Abelardo e Heloísa são excelentes para remeterem nossos alunos a uma realidade em seu contexto, com cores e impressões duradou-ras. Eles são instituições abertas ao público que conservam e exibem evidências do passado e têm a finalidade de promover a pesquisa e a educação, valendo-se de um recurso prazeroso, de lazer.

Ainda, entre os documentos não escritos podemos citar as peças musicais. Assim como a literatura é comum afirmar que elas são espelhos da sociedade que as produziu.

Há mais de dois mil anos, filósofos como Platão e Aristóteles já exaltavam a sonoridade como veículo da educação. Era comum entre os jovens gregos declamarem seus poemas acompanhados de suas cítaras ou liras.

Anchieta, enquanto catequista dos curumins do Brasil, associava música e dança, ensinando a esses indiozinhos com sons e passos de cateretê.

Fonseca dá seu testemunho a esse respeito lembrando que:

Ensinar história por meio de canções foi meu maior desafio e minha grande paixão desde o início da minha carreira docente. Nos primeiros anos de magistério, procurava

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auscultar os interesses dos adolescentes e, sempre que possível – muitas vezes por sugestões deles -, incorporava uma ou mais canções históricas, especialmente nas temáticas ligadas à história do Brasil (2003, p. 187).

Com ela concorda Bittencourt (2004) quando afirma que a música, erudita ou popular, integra nossa cultura tão fortemente que pode ser classificada entre os mais atuantes dos documentos não escritos que temos à disposição em nossa docência.

Porém, fazer uso da música como mera ilustração do conteúdo não conduz à reflexão e tão pouco ao conhecimento histórico tão privilegiado atualmente como apresentamos até aqui, pois não promove o pensamento crítico do aluno nem o leva a se interrogar sobre sua historicidade, já que o mesmo está condicionado a olhar as canções como alegorias ilustrativas e até mesmo desprezá-las, escutá-la e, na maioria das vezes, desvinculada de seu período histórico.

Para Bittencourt (2004, p. 379), “o uso da música é importante por situar os jovens diante de um meio de comunicação próximo de sua vivência, mediante o qual o professor pode identificar o gosto, a estética da nova geração”.

Bittencourt não foi a única historiadora a estudar o “poder” que a música exerce sob as pessoas. Pelo contrário, o historiador britânico Erick Hobsbawm foi um dos pioneiros no estudo das canções, fazendo um estudo aprofundado sobre o jazz norte-americano e observando suas influências no mundo ocidental. Por ser materialista histórico, ele analisou as condições sociais e também o contexto no qual este gênero estava inserido.

Podemos destacar, então, que a música é um importante instrumento de transmissão de mensagem que consegue abranger uma gama de pessoas por todo mundo. Devido a isso, não utilizá-la em sala de aula é o mesmo que o professor não oferecer aos alunos materiais suficientes para seu desenvolvimento intelectual e social, pois a música é presença constante na vida das pessoas.

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A CONSTRuçãO DO CONHECIMENTO POR INTERMÉDIO DAS FONTES HISTÓRICAS

Está ficando cada vez mais óbvio o sentido que pretendemos dar à construção do conhecimento por meio das fontes históricas, sem desprezar nenhuma delas, das manuscritas tais como encontramos em arquivos antigos, mais difíceis de manusear, mas sempre interessantes como testemunho, às escritas impressas, e não escritas de vários tipos e, ainda, os documentos virtuais que a informática e a Internet nos proporcionam.

O uso de documentos em sala de aula, qualquer que seja o seu teor e forma, permite que operemos a construção e reconstrução do conhecimento histórico.

Na visão positivista da História, o documento era encarado como prova do real. A aplicação dessa visão ao livro escolar assumia um caráter teleológico2 – o documento cumpria a função de ressaltar, exemplificar e, sobretudo, dar credibilidade à argumentação desenvolvida pelo autor. Na sala de aula, isso se reproduzia: o documento servia para ampliar e, principalmente, confirmar o que o professor disse durante sua exposição.

Todos nós sabemos que o passado não pode ser recuperado tal como aconteceu, e que sua retomada só pode ser realizada a partir de problemas colocados pelo presente. Paralelamente a isso, uma nova concepção de documento se formou, ganhando uma nova dimensão nos estudos da História. O começo da utilização desse rico acervo à nossa disposição ainda está começando, mas já se revela um meio útil para suscitar o interesse do alunado.

O trabalho com o documento histórico, independente da sua natureza, deve ser pautado na interpretação. É evidente que as interpretações são relacionadas a todo o conhecimento histórico acumulado, ou seja, às interpretações de historiadores consagrados. Nesse sentido, docentes e alunos devem atuar não apenas como consumidores, mas como cocriadores deste conhecimento.

2 A teleologia é a doutrina que trata das causas finais; é um conjunto de especulações que se aplica à noção de finalidade.

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Vale ressaltar o cuidado que devemos ter ao analisarmos um documento histórico, isto porque, segundo Mauad (1996), ele pode “mentir”, isto é o mesmo que dizer que o documento em si foi produzido com uma intenção, aliás, todas as ações são resultados de intenções, assim requer por parte de professores e alunos, no caso do Ensino de História, uma apreensão da totalidade, buscando as razões pelas quais esses foram produzidos. Vejamos um trecho da obra da autora e o exercício que se possa verificar a partir dele.

ATRAVÉS DA IMAGEM: FOTOGRAFIA E IMAGEM“Nuncaficamospassivosdiantedeumafotografia:elaincitanossaimaginação,nosfazpensarsobreo passado a partir do dado de materialidade que persiste na imagem. Um indício, um fantasma, talvez uma ilusão que, em certo momento da história, deixou sua marca registrada, numa superfície sensível, da mesma forma que as marcas do sol no corpo bronzeado. Num determinado momento o sol existiu sobreaquelapele,numdeterminadomomentoumcertoaquiloexistiudiantedaobjetivafotográfica,diante do olhar do fotógrafo, e isso é impossível negar.Discute-seapossibilidadedomentirdaimagemfotográfica.Arevoluçãodigitalprovocadapelosavan-ços da informática torna cada vez maior esta possibilidade. Permitindo até que os mortos ressurjam para tomar mais um chope, tal qual a publicidade já mostrou. Não importa se a imagem mente; o importante é saber por que mentiu e como mentiu. O desenvolvimento dos recursos tecnológicos demandará do historiador uma nova crítica que envolva o conhecimento das tecnologias feitas para mentir.Toda imagem é histórica. O marco de sua produção e o momento da sua execução estão calcados nas superfícies da foto, do quadro, da escultura, da fachada do edifício. A história embrenha as imagens, nas opções realizadas por quem escolhe uma expressão e um conteúdo, compondo através de signos denaturezanãoverbal,objetosdecivilização,significadosdecultura.”Fonte: MAUAD, Ana Maira. Atravésda imagem: fotografiaehistória– interfaces.Tempo,RiodeJaneiro, v. 1, n. 2, pp. 73 – 98, dez. 1996.

Exercitando a História a partir da leitura do texto apresentado, procure analisar: a posição

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da autora em relação aos métodos de análise das imagens tecnológicas; os diferentes tipos de imagem que podem ser utilizados no ensino de História; o papel do professor de História consciente de sua responsabilidade social e o aluno enquanto sujeito histórico.

O que mais se impõe é a percepção do explícito em conjunto com o implícito, os chamados testemunhos involuntários que se revelam quando conseguimos ler um documento nas suas entrelinhas, naquilo que escapou ao autor e revela algo de sua percepção a respeito do seu tempo ou algo que quer ocultar daqueles que estão lendo o documento.

A sala de aula pode ser vista como um ambiente ideal para a reconstrução de tais conhecimentos por intermédio de fontes históricas, e aqui nos referimos às que se encontram no sistema presencial ou que caracterizam a realidade virtual de um ensino a distância.

Neste último caso, as telecomunicações unidas à informática proporcionam um veículo rápido e que encurta distâncias para o conhecimento.

Em sua obra em que aborda os novos modelos que podem se estabelecer para o ensino da História, Karnal (2004) parte do princípio de que a História linear está condenada ao desaparecimento e que depois do advento do fenômeno da globalização – marcadamente na década de 1990 – temos de olhar em múltiplas direções, atender a divergentes contextos.

“Até agora”, escreve, “a história era ensinada como se tratasse de quadros já acabados”. Hoje já não é suficiente explicar como se chegou ao Renascimento ou à Segunda Guerra Mundial, à construção do capitalismo ou ao desprestígio do socialismo que levou à hegemonia do neoliberalismo como política econômica. “Ensinar a edificar o próprio ponto de vista histórico significa ensinar a construir conceitos e aplicá-los diante das variadas situações e problemas”. Isto equivale a “interpretar dados e informações de maneira a ter uma maior compreensão da realidade que estiver sendo estudada” (KARNAL, 2004, pp. 77-78).

O autor parece preocupado com a retomada do humanismo em tempos dominados pela tecnologia e, para valorizar o homem, nada melhor do que o pensamento autônomo, construído

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pelo próprio indivíduo, produto de “uma percepção o mais abrangente possível da condição humana, nas mais diferentes culturas e diante dos mais variados problemas” (KARNAL, 2004, p. 78).

“O nosso desafio”, finaliza, “consiste não em saber se é possível fazer isso ensinando História, mas em responder positivamente, com um método adequado, à pergunta sobre como é possível fazer isso, ensinando História” (KARNAL, 2004, p. 78).

E é aí que os documentos citados assumem seu lugar como uma alternativa viável e atual a nossa disposição, com todas as tecnologias de que dispomos.

Os documentos não têm intenção didática e por isso são produzidos em diferentes linguagens, por diversas formas de comunicação. Portanto, devem ser analisados com antecedência para serem uti-lizadoscomfinsdidáticos.Comorecursodidáticoenfocaremosdoistiposdedocumentos:osescritose não escritos.A escrita é utilizada pelos homens a milhares de anos para expressarem suas idéias, sentimentos e impressõesdomundo.Osdocumentosescritossãosubdivididosemoficiaisenãooficiais.Oprimeirotemafinalidadederegistrarumfato.SãoexemplososregistrosdeinstituiçõescomoSecretariasePrefeituras.Osdocumentosnãooficiaissãodiários,cartas,anotaçõespessoais,entreoutros.Quanto aos documentos não-escritos, estes podem ser subdivididos em:•Iconográficos: As imagens também são utilizadas pelos homens para registrar a história de deter-minado período histórico. Nelas podemos representar as idéias, os objetos, as pessoas, as vestimen-tas,osacontecimentospormeiodeesculturas,desenhos,pinturasefotografias.•Orais: Recentemente os historiadores reconheceram os depoimentos orais como sendo fontes his-tóricas. O historiador tem a possibilidade de entrevistar uma pessoa que conta sua versão da história.•Sonoros: São as músicas e os ritmos em geral que também informam sobre como pensavam os homens de determinada época.• De cultura material: Os historiadores reconhecem, ainda, os objetos, as roupas, os brinquedos, os monumentos, ferramentas, móveis, entre outros, como sendo fontes valiosas principalmente em se

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tratando de sociedades que não deixaram registros escritos. Para estudá-los, os pesquisadores in-vestigamcomquemateriaisforamfeitos,quemosconstruiu,quemfinanciouecomquaisinteresses.

Fonte: CABRINI; CATELLI; MONTELLATO. História temática: tempos e culturas. 6. ano. Ensino Fun-damental. 4. ed. reform. São Paulo: Scipione, 2009.

CONSIDERAçÕES FINAIS

Ao longo desta unidade, verificamos que, para compreendermos as sociedades nos seus aspectos mais amplos, devemos considerar todas as informações, desde as vestimentas, as grandes construções passando por textos escritos, imagens, objetos do cotidiano entre outros. E que é possível adquirir conhecimento histórico por meio das fontes, contudo, constatamos que os historiadores e professores fazem uso de maneira diferente destes documentos históricos.

É interessante ressaltar também que os documentos e as fontes históricas, por nós, foram tomados como sinônimos. E que, hoje houve uma mudança quanto ao entendimento do que seja um documento. Tal ênfase deve-se a herança deixada pelos historiadores da Escola dos Annales que lançaram um novo olhar aos documentos.

Nesta perspectiva, podemos destacar os objetivos que podemos alcançar fazendo uso desses documentos no processo ensino-aprendizagem:

• Fazeroalunoconhecerumagrandevariedadede fonteseadquirir experiênciana sualeitura.

• Desenvolvernoalunoacapacidadedeanáliseeavaliaçãocríticadasfontes,distinguindoo que são dados de informação e o que são opiniões.

• Ensinara“olharhistoricamente”umfenômeno.

• Desenvolvernoalunoacapacidadedesínteseinterpretativaenarrativa.

• Aprenderarecolherinformaçõessobreopassadodistanteepróximo.

• Desenvolverhabilidadesdepesquisaremarquivoseconstituirosseuspróprios.

Por fim, consideramos o educador como responsável pela intermediação entre o aluno e o percurso do conhecimento histórico e que as fontes são recursos didáticos inesgotáveis de

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conhecimento, basta, para isto, dominar suas especificidades e ser um eterno pesquisador.

Na unidade seguinte, daremos continuidade as nossas discussões refletindo sobre a prática pedagógica e as possibilidades que o professor tem para ministrar uma boa aula de História.

ATIVIDADE DE AuTOESTuDO

1. Vimos, nesta unidade, que as pessoas fazem História participando de diferentes grupos sociais. Esses grupos produzem documentos que nos ajudam a reconstruir e representar essas histórias. Nesta perspectiva, a sugestão de atividade pedagógica é a constituição de um DOSSIÊ TEMÁTICO, ou seja, selecionar documentos dos mais variados sobre um mesmo tema. O tema proposto é FAMÍLIA. Procure pesquisar, encontrar documentos quedizemrespeitoàsuafamília:objetosquepertenceramafamiliares;fotografias,vídeos, músicas prediletas que representem algo para seus antepassados; registros de diversos momentos da vida ou documentos pessoais de pais, avós, bisavós etc. De posse destes documentos, você deverá produzir um dossiê contando a HISTÓRIA DA SuA FAMÍLIA.

2. Ainda,nestaunidade,verificamosqueohistoriadordeve tera“paixãodecompreender,o que implica que renuncie, tanto quanto possível ao juízo de valor” ou àquilo que é do-minado pelo antropocentrismo do bem e do mal. Para Bloch, o parecer do historiador é o do sábio, que examina sempre os dois lados de uma questão, com isenção de ânimo e lembra que para penetrar numa consciência alheia, é preciso que nos despojemos “de nosso próprio eu”. Refletindosobresuascolocações,façaumaanálisesobreotrechosublinhadodestacandoarelaçãocomasfonteshistóricas.

3. Procureanalisarosdocumentosiconográficos que seguem para fazer o que se pede:

TRABALHO INFANTILa) Descreva as imagens, observando todos os detalhes que envolvem cada cena: o que os

personagens estão fazendo, sua expressão (se estão tristes, alegres, irritados etc.), suas roupas,apaisagem,enfim,tudooquecompõeasfotografias.

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b) Construaumatabeladestacandoasdiferençasesemelhançasentreasfotografiasanali-sadas.

c) Escolhaumadascriançasdasfotografiaseredijaumabiografia,imaginandocomoseriasua vida cotidiana.

d) Reflitaeescrevasobreaimportânciadeutilizardocumentoshistóricoscomoestesemsalade aula.

4. A truculência e falta de preparo, herança do modelo policial adotado pela ditadura militar não poderia ter saído ileso às canções que a juventude da década de 1980 cantava. A Banda Titãs expressou bem este cenário na canção abaixo. A partir da leitura de sua letra, expresse sua opinião sobre o assunto.

Polícia(Tony Beloto)

Dizem que ela existePrá ajudar!

Dizem que ela existePrá proteger!

Eu sei que ela podeTe parar!

Eu sei que ela podeTe prender!...

Polícia!Para quem precisa

Polícia!Para quem precisa

De polícia...Fonte: <http://letras.terra.com.br/titas/48993/>. Acesso em: 01 jun. 2011.

Para finalizarmos as discussões referentes a esta unidade, fazemos uso das sugestões de análise dos documentos apresentadas no livro didático de Cabrini, Catelli e Montellato.

1. Documentos escritos:a) Qual o tipo de documento?b) Em que data foi escrito?

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c) Onde e quem escreveu?d) Que outras informações ele traz?e) De que material é feito? Foi manuscrito ou impresso?f) Quais suas condições de conservação?2.Fotografias:a)Quepessoasaparecemnafotografia?b) Descreva a aparência física e o vestuário das pessoas da foto.c)Sepossível,descrevaolocalondefoitiradaafotografia.d) O que as pessoas da foto estão fazendo?e)Háalgumainformaçãoescritanoversodafotografia?f) Em que época ou data ela foi tirada?g) Quem a tirou? Descubra, se possível.h)Quaisascondiçõesdepreservaçãodafotografia?3. Objetos:a) De que objeto se trata?b) Para que servia?c) Quem o utilizava?d) De que material é feito?e) É possível saber quantos anos ele tem?f) Como foi feito? É possível saber quem o fabricou?4. Depoimentos orais:a) Quem contou a história?b) Qual o assunto?c) A que época se refere?5. Músicas:a) Quem é o autor da canção (letra e melodia)?b) Quando foi composta?c) Qual o tema?d) Qual o ritmo da música?e) Qual a relação da canção com a história da família?Fonte: CABRINI, Conceição; CATELLI, Roberto Júnior; MONTELLATO, Andréa. História temática:

tempos e culturas, 5ª série. São Paulo: Scipione, 2004. (Coleção História temática).

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uNIDADE IV

A PRÁTICA PEDAGÓGICA E O ENSINO DE HISTÓRIAProfessora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

Objetivos de Aprendizagem

• Discutiroplanejamentocomopontodepartidadequalqueraçãodidáticavisandoàaprendizagemsignificativa.

• Compreender as diferentes linguagens para o ensino de História: dos projetosinterdisciplinares às pesquisas numa perspectiva holística.

• ApresentaroParecer/Lei 10.639/04– transformadanaLei 11.645de2008,queincluiu a temática Cultura Afro-brasileira e Indígena – abrindo possibilidades à edificaçãodaigualdadeedarepreensãoàsatitudeseposturasdediscriminaçãono ambiente escolar.

• Estudar o processo avaliativo para a disciplina de História considerando suascaracterísticasecompreendendosuasespecificidades.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• Efetivandoaaprendizagem:oplanejamentocomopontodepartida

• AsdiferenteslinguagensnoEnsinodeHistória:umapropostainterdisciplinar

• Oeducarpelapesquisa

• Avaliaçãocomoprocessodemelhoriasdaaçãodocenteediscente

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INTRODuçãO

Autores como Bernard Charlot (1990 e 1994) em suas obras nos alertam sempre sobre o perigo de se enveredar por uma “mistificação pedagógica”.

A diferença, o abismo que muitas vezes se abre entre o que se projeta e pretende e o que se alcança na prática, é flagrante e a se julgar pelo que afirma Charlot, nas terras francesas, ocorre o mesmo fenômeno frustrador que sentimos entre nós brasileiros.

Uma das grandes prioridades do mundo intelectual nas últimas décadas tem sido a necessidade de planejar.

Planejamento, ou planeamento como se escreve no português de Portugal, é a atividade primeira sem a qual nada parece viável em uma atividade pedagógica. Ao visarmos o ensino de História como prioridade, precisamos pressupor um método, tal como a melhor receita de Descartes em seu combate à escolástica.

O método – entenda-se, o caminho – inclui vários passos, todos eles encaminhando para um estado de esclarecimento, da dúvida inicial para algumas certezas. Seja pela leitura, pela pesquisa ou outra metodologia qualquer a aula precisa sempre caminhar em uma direção segura, visando à sistematização do conhecimento tão exigido em tempos pós-modernos.

A sala de aula é o nosso campo de provas, o nosso permanente laboratório onde são testados os procedimentos que podem dar os resultados que pretendemos em nossa tarefa docente. Lá é onde tudo acontece, como dizemos, e é nesse local privilegiado da relação ensino-aprendi-zagem que pomos o melhor de nossas energias, ideias, propósitos e crenças.

É também neste espaço que temos a possibilidade de inserir um tema necessário e atual: a Cultura Afro-brasileira e Indígena que precisaram ser transformadas em Lei para adentrar o ambiente escolar.

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Por que será que vemos o outro com diferença? Por que omitimos informações sobre nossas origens? Por que a cultura africana e indígena ainda são vistas como primitivas? Por que fal-tam esclarecimentos de como trabalhar a temática em sala de aula? Estas e outras questões serão respondidas nesta unidade IV, impondo-se também um estudo mais pormenorizado desse momento de educar fazendo do ensino de História o nosso instrumento, e da prática pedagógica, a nossa reflexão.

EFETIVANDO A APRENDIZAGEM: O PLANEJAMENTO COMO O PONTO DE PARTIDA

Segundo Rafael Ruiz (apud KARNAL, 2004, p. 75), “o processo do conhecimento é a grande aventura e o grande desafio que o educador enfrenta quando prepara as suas aulas e quando as desenvolve com os seus alunos”.

Em 1996, houve uma conferência proferida pelo historiador francês François Hartog, o qual dividia a História em três modos de entendê-la e entender o papel do historiador. Seriam eles: a história voltada para o passado, a história teológica voltada para o futuro, e por fim, a história do presente.

Assim, o primeiro modo seria o modelo clássico proposto por Tucídides e Cícero, os quais entendiam a história como a magistra vita (velha mestra), onde esta educaria por meio do passado, preparando nosso caminho para o futuro.

O segundo modelo seria o de Chateaubriand, um historiador e escritor francês que viveu no próprio tempo em que escreveu. Chateaubriand, diferentemente dos primeiros, procurava escrever sobre o passado, vislumbrando o futuro e, ao mesmo tempo, tentando entender a Revolução Francesa, a qual acontecia na mesma época. Ele afirmava: “eu escrevia História Antiga, e a História Moderna estava a bater em minha porta”.

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O terceiro e último modelo surgiu ao final da Segunda Guerra Mundial, em que o presen-te tornou-se mais importante que o futuro. Segundo Hartog, o que temos experimentado no Ocidente ao longo do século XX, dizia ele, é uma ênfase crescente no presente enquanto tal. Portanto, fica a pergunta: como nós, professores de História, devemos encaminhar nossas aulas de modo que essas sejam significativas aos alunos?

Para este mesmo pesquisador, a queda do muro de Berlim, em 1989, simbolizou o momento de mudança, pois a partir daí foi mais fácil perceber que há muitos pontos de vista sobre o passado, os narrados de maneiras diferentes.

Segundo Rafael Ruiz (apud KARNAL, 2004, p. 77), existem dois princípios para estudar e ensinar História:

• Edificaroprópriopontodevistatãoexplicitamentequantopossível;e

• Realizarsempreumaabordagemcomparativa.

Assim, não devemos ensinar o próprio edifício da História, mas sim ensinar-lhes a edificar o edifício. Pois, até agora a História era ensinada como se já houvesse quadros acabados. Ensinar a edificar é o mesmo que levar nossos alunos a construir conceitos e aplicá-los diante das várias situações problema que a vida impõe-lhes. Significa, ainda, ensinar a selecionar, relacionar, interpretar, compreender, construir argumentos; lembrem-se da Taxionomia de Bloom apresentada na unidade II. Enfim, “ensinar a ter uma percepção mais abrangente possível da condição humana, nas mais diferentes culturas e diante dos mais variados problemas” (RUIZ apud KARNAL, 2004, p. 78).

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Portanto, o desafio do professor não é saber se isso é possível, mas sim fazê-lo ensinando História, e o planejamento é um dos primeiros passos para a aprendizagem eficiente e eficaz.

Planejar é um processo de busca e equilíbrio entre meios e fins, envolve recursos e objetivos, tudo convergindo para a eficácia que se traduz em resultados. O planejamento é um ato reflexivo que vai da decisão à ação, previsão e racionalização, definindo etapas e pressupondo uma avaliação.

Segundo Vasconcellos (1995, p. 56), o planejamento curricular é “o processo de tomada de decisões sobre a dinâmica da ação escolar. É previsão sistemática e ordenada de toda vida escolar do aluno”. É evidente que planejar é um dos melhores instrumentos, uma verdadeira bússola para a ação educativa, pois as experiências de aprendizagem implícitas e explícitas são programadas para o estudante por meio dos componentes curriculares.

Vale lembrar que não devemos entender o planejamento como uma simples tarefa burocrática, ou seja, realizá-lo porque a equipe diretiva exige. Muito mais que isto, o planejamento é o momento inicial de qualquer ação docente, afinal todos os dias quando acordamos planejamos nossas ações diárias, fazemos também planos para o futuro próximo ou longínquo e na escola

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não poderia ser diferente.

Esse processo de decisão sobre a atuação concreta dos docentes envolvidos no cotidiano de seu trabalho pedagógico não deve nunca ser improvisado, e o professor deve não só conhecer os alunos para os quais planeja tais atividades como também saber o que irá ensinar e como ensinar.

Campos e Nigro (1999, p.99) se dedicam a explicar algo sobre o planejamento de uma unidade didática “de olho na sala de aula”. Seus exemplos são importantes para explicar o que ocorre quando um professor desconsidera as concepções que as crianças têm sobre o assunto que vão estudar e acaba fazendo um planejamento descuidado, que compromete seus objetivos e torna as unidades didáticas frágeis e a aprendizagem superficial.

Existem alguns princípios que o professor deve considerar ao planejar. Por exemplo, iniciar novos conteúdos ainda não problematizados pode não ser a melhor escolha. Conteúdos diferentes precisam ser trabalhados por meio de várias atividades, considerando as múltiplas inteligências3. Embora tais inteligências tenham sido um tanto criticadas, para nós, elas são importantes para atingirmos o foco do aprendizado em cada um de nossos alunos.

E ainda, é necessário manter os conteúdos articulados, ainda que a aprendizagem não seja possível de forma linear e exija sucessivas reorganizações do conhecimento.3 Em 1994 Howard Gardner publicava sua obra “Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas” apresentando as inteligências múltiplas e múltiplas linguagens nos caminhos do aprendizado.Ele retoma as linhas de ação do aluno sobre o conhecimento. Para ele são inteligências: Linguística ou verbal; Lógico-matemática; Espacial; Sonora ou musical; Cinestésico-corporal; Naturalista; Pessoais.

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O contexto no qual a aprendizagem acontece é fundamental para o planejamento. A respeito disso, a atividade de planejar não deve ignorar alguns pressupostos fundamentais que valem para o ensino de História, segundo nossa visão:

• Osconteúdosnãodevemserdesligadosdomundo,pelocontrário,devemsercontínuoseprosseguir ao longo da vida.

• Osconteúdosdevemconsiderarosconhecimentospréviosdosalunos.

• Aauladeveestarcomprometidacomonívelcognitivodaturma,nemtãoalémenemtãoaquém do exigido para a série.

• Proporatividadesquedesenvolvamaautonomiadosalunos.

• OensinodeHistóriadeveter“lugar”emoutrosambientesquenãoaescolaformal,porintermédio de uma pesquisa de campo, nos museus etc.

Ainda, em acréscimo, podemos afirmar que a modalidade de ensino que mais tem se afirmado ultimamente é aquela que se vale de trabalhos interdisciplinares.

Uma alternativa que vem ganhando forças entre educadores no que tange ao planejamento é a perspectiva Histórico-crítica. João Luiz Gasparin propõe uma ação docente-discente na qual o professor trabalha com o aluno e não pelo aluno. Essa proposta de trabalho pedagógico consiste no uso do método dialético prática-teoria-prática.

Em sua obra “Umadidáticaparaapedagogiahistórico-crítica” de 2002, Gasparin divide a nova didática em cinco passos: prática social inicial; problematização; instrumentalização; catarse e prática social final com o intuito de alcançar um único objetivo, qual seja, a aprendizagem significativa dos conteúdos.

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Para saber mais sobre o assunto, caro aluno de Pedagogia, acesse o site: <http://www2.ufpa.br/ensinof> • Valorizaçãodoalunoeseuuniverso.

• Estimularaoralidade,aproduçãotextualeanalisededocumentos.

• Nãoépossívelestudartudo,assiméprecisoselecionaroquefalarecomofalarparaqueoalunopossa fazer a articulação entre sua individualidade e a história coletiva.

• Valorizaçãodoalunoeseuuniverso.

• Estimularaoralidade,aproduçãotextualeanálisededocumentos.

Fonte: <www2.ufpa.br/ensinofts/artigo4/metodocts.pdf> ou leia a obra na íntegra.

SINOPSESumário - Parte I. Prática social - nível de desenvolvimento atual do educando - Capítulo 1. Prática social inicial do conteúdo - o que os alunos e o professor já sabe; Parte II. Teoria - zona de desenvol-vimento imediato do educando - Capítulo 2. Problematização - explicitação dos principais problemas da prática social; Capítulo 3. Instrumentalização - ações didático-pedagógicas para a aprendizagem; Capítulo 4. Catarse - expressão elaborada da nova forma de entender a prática social; Parte III. Prá-ticasocial-níveldedesenvolvimentoatualdoeducando-Capítulo5.Práticasocialfinaldoconteúdo- nova proposta de ação a partir do conteúdo aprendido; Conclusão - como iniciar?Fonte:<http://www.autoresassociados.com.br/livro/88/uma-didatica-para-a-pedagogia-historico-criti-ca>. Acesso em: 01 jun. 2011.

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Livro: Uma Didática para a Pedagogia Histórico-CríticaAutor: João Luiz GasparinISBN: 8574960443ISBN -13: 9788574960548Brochura1ª edição

As diferentes linguagens no Ensino de História: uma proposta interdisciplinar

Segundo José Aves de Freitas Neto (apud KARNAL, 2004, p. 57),

O ato de educar é constante! Desde os fundamentos filosóficos acerca do modo de conhecer até os procedimentos contínuos em sala de aula é comum supor que educadores e educandos se confrontem e questionem sobre as ações e conteúdos trabalhados e aprendidos pelos estudantes. O mundo em contínua transformação, as constantes alterações das diretrizes e orientações legais, o controle burocrático cada vez mais eficiente, e alunos pouco dispostos a aceitarem o universo escolar como algo útil e aplicável ao seu cotidiano, provocam no educador a necessidade contínua de discussão e alteração para que a escola, em sua tarefa de educar, não se esvazie, e com ela, sua própria profissão.

A valorização da educação traz uma ideia de redenção e grandeza, a qual se choca com o que o aluno esperava. Logo, quando se passa os anos iniciais do Ensino Fundamental, é comum o aluno se perguntar: por que devo estudar isso? Onde vou usar este conhecimento? Ele é importante? Pois, muitas vezes, os argumentos dos professores de que estudar é importante, e são fundamentos da civilização, são insuficientes e incompreensíveis para os alunos. Para esses estudar é inútil, como afirma Içami Tiba “os jovens adoram estar na escola o que não gostam é de estudar” (palestra proferida em Maringá/PR., 2007).

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Fonte: http://www.cathedral.edu.br/boavista/academico/extensao/e-jornal-06-04-10/images/02.jpg

Alguns professores falham na hora de explorar a realidade e descobrir o conhecimento acumulado historicamente pela humanidade com o aluno. Esse fato ocorre principalmente na disciplina de História, na escolha dos conteúdos, em que professor valoriza o passado. Além disso, a fragmentação dos conteúdos, dos horários e da estrutura burocrática na escola dificulta mais ainda esse aspecto.

Para alunos atualizados e modernos, que têm acesso à internet, explorar significa “navegar”. Já para o aluno excluído desse processo, explorar a realidade significa a busca pela sobrevivência no mundo atual, com violência e violação da dignidade e direitos. Assim, para ambos os alunos, “a realidade é mais dinâmica e mais urgente do que a exposição de uma aula” (NETO apud KARNAL, 2004, p. 58).

Para superar o problema, há a proposta da transversalidade, atrelada aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) que já mencionamos em outra unidade anterior.

A transversalidade apresenta uma proposta que ultrapassa a fragmentação dos conteúdos e disciplinas, prevendo um trabalho cujo conhecimento seja construído em função dos temas e propostas apresentados. Atrelado aos PCN’s, publicados pelo Ministério da Educação, onde se pretende obter um referencial de conteúdos das diversas disciplinas, são apresentados temas que devem nortear a elaboração dos objetivos, programas e conteúdos que serão desenvolvidos por professores e alunos nas escolas brasileiras (NETO apud KARNAL, 2004, p. 59).

A partir da análise da realidade brasileira por especialistas, foram propostos cinco temas para a transversalidade na Educação Nacional: ética, meio ambiente, orientação sexual, pluralidade cultural e saúde. Assim, esses temas devem ser referência na prática escolar de alunos do Ensino Fundamental, aproximando-a do cotidiano do aluno, e evitando o choque citado acima entre conhecimentos dos professores e expectativas dos alunos.

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Fonte: PHOTOS.COM

Pelo fato de os temas ultrapassarem as visões disciplinares dos professores, são propostas três situações de aplicação da transversalidade:

• Trabalho interdisciplinar: a partir de uma temática em comum, professores de duas oumais disciplinas trabalham por um período de tempo com o tema indicado, levando em consideraçãoasespecificidadesdecadaumadelas.Adificuldadedessasituaçãoestáemunificarotemaapartirdadivisãodecadadisciplinaesuasparticularidades.Assim,deve--se tentar englobar todos na busca de uma compreensão ampla sobre o determinado tema (NOGUEIRA, 1998).

• Espaço dentro da grade horária: a escola deve reservar uma aula para discussão dostemas da transversalidade. Porém, ao criar este instante, o tema transversal não estará mais ligado às disciplinas tradicionais, trazendo um conhecimento repetitivo e até mesmo descontextualizado, contrariando o princípio da transversalidade.

• Asdisciplinascomomeioseatransversalidadecomofim:apresentandotemasqueultra-passam as diferentes áreas do conhecimento, a proposta de trabalho transversal requer uma nova concepção das disciplinas dentro da escola.

Assim, não excluiremos uma disciplina, ou criamos uma nova, mas sim mudamos a forma de abordagem das disciplinas atuais.

Devemos capacitar nossos alunos para estarem aptos a viverem nestes tempos que se impõem, ou seja, prepará-los para resolver situações-problemas, adquirindo autonomia. Mas, o desenvolvimento dessas capacidades habilitará o estudante a relacionar as informações e instrumentalizá-las na sua leitura de mundo, e esta deverá ser menos preconceituosa, mais plural e ética, conforme os temas propostos pela transversalidade.

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Para chegar a essa realização, todas as áreas têm compromissos que implicam em maior participação no processo de formação dos alunos.

No processo de formação de estudantes, alguns menosprezam os saberes tradicionais, como se a presença de formação ética e cidadã signifique a ausência do domínio de conteúdos e das ciências.

Outros desprezam as formulações feitas ao longo da tradição ocidental, em nome de uma discussão atual, correndo o risco de ficar num discurso inconsciente. O professor deve lembrar que o saber não surge espontaneamente, mas sim que é adquirido, produzido e transformado historicamente.

Para Neto (apud KARNAL, 2004, p. 64),

os temas transversais não deverão ser vistos como opositores dos saberes clássicos, mas necessidades e questões do presente, de grande importância, que não podem ser ignorados pelos educadores. Se o mundo, a família, os modelos mudaram, faz-se necessário uma nova prática escolar, que atualize e valorize a própria escola e os que nela estão. Não permitir que os temas do cotidiano se façam presentes em sala de aula em detrimento dos grandes feitos do passado, é ignorar a angústia dos alunos e educar com o olho voltado para trás, com um saudosismo injustificável que significa dizer que as questões de outras gerações foram mais importantes que as da atualidade.

A implantação da transversalidade implica alterações no ensino de História, tanto por meio das mudanças didático-pedagógicas quanto e conceituais tanto por meio das mudanças didático-pedagógicas e conceituais quanto pelo ato de educar.

Os estudantes brasileiros são educados com uma disciplina de História marcada por grandes acontecimentos sequenciais até chegarmos ao que somos hoje. Essa prática gerou um distanciamento e indiferença ao ensino de História com relação aos estudantes, principalmente nos anos iniciais, criando um senso comum o qual afirma que a disciplina trata apenas de coisas antigas e que não tem nada a ver com a atualidade.

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Segundo Neto (apud KARNAL, 2004, p. 66),

a inserção dos temas transversais deve ser considerada nesse contexto de questionamento aos procedimentos escolares. Alterar a compreensão de que a disciplina não é um fim em si mesma, mas um meio de chegar a outros objetivos, refletindo e atuando na educação de valores e atitudes dos alunos e cidadãos, é condição fundamental para renovação do ensino. Deve-se abandonar a visão do conhecimento específico da disciplina, sem abrir mãos dos repertórios e recursos de cada área de conhecimento, e, ao mesmo tempo, incorporar o papel de formação exercido pelo educador, tratando de temas e questões que ultrapassam o conteúdo programático, por meio dos temas transversais. A busca da compreensão da realidade e a efetiva participação do indivíduo a partir de dados e noções relativos ao seu cotidiano, ao seu universo, fazem com que a escola passe a ser considerada como um espaço de conhecimento e reconhecimento, onde por intermédio das diversas disciplinas e de sua nova abordagem o aluno seja capaz de ver e vislumbrar-se como construtor de sua própria história.

Assim, o ensino de História deve ser realizado de acordo com os temas propostos pela escola, a fim de se tornar presente e capaz de dizer sua função no processo escolar.

Dois são os procedimentos utilizados no ensino de História:

• AdivisãoemperíodosdaHistória:HistóriadoBrasil,HistóriaGeraloudaAmérica.

• Adivisãoportemas,comoaorganizaçãodotrabalho,industrialização,formaçãodecida-des e a vida urbana.

Em ambos os processos, pode-se trabalhar com os temas transversais. A proposta de renovação e de visão da História que supere a divisão cronológica aponta para o segundo procedimento como o mais adequado para o ensino transversal.

Podemos, a partir das discussões, aponta algumas primeiras conclusões sobre o tema. O ensino é algo dinâmico e necessita se adaptar à realidade dos alunos. Assim, o professor pode e deve renovar e modificar o ensino de História.

A seguir, são citados alguns pontos que resumem a proposta de trabalho com os temas transversais:

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• Valorizaçãodoalunoeseuuniverso.

• Estimularaoralidade,aproduçãotextualeanálisededocumentos.

• Nãoépossívelestudartudo,assiméprecisoselecionaroquefalarecomofalarparaqueo aluno possa fazer a articulação entre sua individualidade e a história coletiva.

• Saberidentificaroesgotamentoouanecessidadedeaprofundamentodeumtópicopelamaturidade, envolvimento e proximidade com o que é vivido pelos alunos, devendo estar atento ao ritmo dos mesmos.

• Exporaoalunooqueseensina,porqueseensinaeaondequerchegar,paraqueelesreajam e discutam em torno desses mesmos objetivos.

• Daradimensãodequeoconhecimentohistóricoéummeioparacompreenderomundo,as questões da atualidade, suas origens, as diversas respostas e explicações para um determinado fato, levando o aluno a ver que há diversas explicações para uma mesma realidade devendo abrir-se para ouvi-las e questioná-las (NETO apud KARNAL, 2004, 73).

Nilbo Ribeiro Nogueira (1998), ao discutir sobre os termos multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, faz uma interessante distinção que merece nossa atenção.

A multidisciplinariedade, segundo ele, acontece quando há integração de diferentes conteúdos de uma mesma disciplina. O professor de História pode tratar de temas como a escola, integrando-os ao contexto da cultura.

Na pluridisciplinaridade existem sinais de uma cooperação entre as disciplinas, ainda que pequena. Exemplo típico, segundo Nogueira (1998), é quando trabalhamos com um mesmo tema nas diferentes disciplinas.

Já na interdisciplinaridade, a tônica é o trabalho de integração dos diferentes áreas do conhecimento. As diferentes disciplinas não aparecem isoladas, pois a dinâmica conduz à unificação. Neste momento, se propõe um sistema sem fronteiras, em que a integração chega

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a um nível tão alto que é impossível distinguir onde começa uma disciplina e onde outra termina.

Segundo Nogueira (1998), este nível beira a utopia. E, Ivani Fazenda (1995, p. 31), concordando com ele, considera o nível transdisciplinar “o mais alto das relações iniciais nos níveis multi, pluri e interdisciplinares”. Mas assinala que se trata de uma utopia por apresentar uma incoerência básica. E explica: “a própria idéia de uma transcendência pressupõe uma instância científica que imponha sua autoridade às demais, e esse caráter impositivo da interdisciplinaridade negaria a possibilidade do diálogo, condição sine qua non para o exercício efetivo da interdisciplinaridade”.

Para Nilbo (1998), é importante refletir sobre a postura do professor, pois ela norteará os trabalhos de caráter interdisciplinar. Ele acredita que não basta ter vontade de praticar a interdisciplinaridade, há de existir uma vontade política que supere o mero discurso e assuma uma atitude concreta, principiando por romper com velhos paradigmas.

Isto porque há que se presumir que o aluno já é possuidor de um “espectro de competências, ávidas por serem desenvolvidas” e que a centralização nos conteúdos não é superior “às vivências, à interação social e todos os demais fatores essenciais à construção do conhecimento” (RIBEIRO, 1998, p. 31).

A postura de aceitação do novo não deve, no entanto, partir de um único ou de poucos dentre os professores que trabalham com a mesma série, isto quando não é um único docente que trabalha com todas as disciplinas. A grande dificuldade consiste em formar uma equipe, chegar ao consenso, superar a fase dos sujeitos isolados e terminar com uma divisão de tarefas que permita os bons resultados como resultado dos projetos interdisciplinares.

Uma boa proposta de trabalho é a união entre o ensino de Língua Portuguesa e de História. Nas aulas de Língua Portuguesa, o professor propõe a leitura de literatura infantil ou mesmo de paradidáticos que tratem de temas relativos à História.

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Vale ressaltar que enquanto os livros de literatura infantil se preocupam apenas em contar uma “história”, os paradidáticos visam oferecer informação ao leitor. Neste sentido, é uma ferramenta a mais que o professor pode e deve utilizar em suas aulas para que as mesmas se tornem atrativas e produtivas aos olhos dos alunos. Mesmo quando o autor destes paradidáticos faz uso de uma pequena história para ilustrar o contexto, ela é sempre pretexto para facilitar a compreensão do assunto de determinada área do conhecimento.

No entanto, o texto expositivo não deve se restringir meramente à transmissão de informações. Isso porque, no mundo atual, ocorreu uma incrível mudança com a crescente ampliação do campo do saber e com o avanço da tecnologia, sobretudo no setor das comunicações, o que tornou a informação bastante acessível. Por isso mesmo, o leitor precisa ter condições de selecionar essas informações e de lançar sobre elas um olhar crítico, o que só é possível pelo desenvolvimento da autonomia do pensar e do agir.

A formação desse leitor autônomo supõe que a informação seja contextualizada: que parta do que é familiar ao aluno e, ao final, retome a realidade vivida, para que não se reduza a abstrações, mas adquira sentido vital.

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O conhecimento contextualizado, inserido nas situações vividas, deixa de ser passivo, como acontece com o saber acabado e recebido de fora. De fato, quando o aluno consegue identificar os problemas e conflitos da realidade, tudo o que aprende adquire sentido novo para sua vida.

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Assim, o conhecimento deixa de ser uma aventura apenas intelectual, porque se encontra enriquecimento por contornos afetivo e valorativo.

O saber incorporado ao vivido é condição importante para a formação integral do aluno porque estimula a atitude crítica e responsável, preparando-o para se tornar um cidadão ativo na sociedade, membro integrante da comunidade e possível agente transformador.

Esta relação que podemos estabelecer entre literatura e História merecem destaque nos últimos anos por meio de estudos aproximando as duas áreas. Essa aproximação, pouco valorizada até tempo atrás, oferece novas possibilidades de trabalho aos professores polivalentes como é o caso dos pedagogos que atuam da Educação Infantil aos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Para estabelecer esta relação, é preciso “quebrar” as fronteiras entre o discurso histórico e o discurso literário, sistematizando alguns elementos e propondo novas formas de trabalho, principalmente nas salas de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no momento da “hora do conto” em que, normalmente, a professora da turma reúne seus alunos para ouvirem contos de fadas, lendas, histórias infantis atuais ou obras de literatura infantil. Assim, propomos que haja um trabalho conjunto, promovendo articulações entre o discurso literário e o histórico, problematizando as características das narrativas histórica e literária.

Para Fernando Seffner e Ramiro L. Bicca Jr (apud HICKMANN, 2002, p. 65),

reconhecer que a escrita histórica toma a forma da narrativa e partilha com outras narrativas, inclusive as ficcionais, numerosas características em comum, pode significar ameaça ao próprio estatuto científico da narrativa histórica, trazendo a percepção de que as fronteiras entre história e literatura apresentam contornos pouco nítidos.

Isto porque “a história foi por longo tempo considerada um ramo da retórica - a arte de bem dizer- modalidade esta que admitia a proximidade entre ela e as manifestações literárias em geral” (HICKMANN, 2002, p.65).

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A aparente confusão entre História e literatura, que hoje em dia parece existir, se resolve melhor se o professor puder trabalhar ambos os discursos conjuntamente na sala de aula, destacando proximidades e diferenças, concordâncias e discordâncias. Para que o aluno possa perceber características do pensamento científico

Como forma de representação do mundo das relações sociais, a narrativa traz, inevitavelmente, para o corpo da ciência, a figura ativa do sujeito. Reconhecer a história como discurso narrativo é reconhecer a presença do sujeito no ato da formulação científica. Negar à narrativa legitimidade de representação do mundo real é retificar o projeto de uma ciência sem sujeito. Uma história sem sujeito, centrada no objeto, prefiguraria o ideal científico do positivismo, do estruturalismo e quem sabe até dos pioneiros de uma filosofia da história no sentido preciso de um “telos” que amarraria vontades e instintos às leis gerais objetivas que determinam as relações sociais (BOMENY, 1990, p.92 apud HICKMANN, 2002, p. 67).

Assim, tratar do problema da narrativa, abordando a figura do autor, é algo que pode ser feito logo nos anos iniciais, na hora do conto.

A História e a literatura são formas de conhecer o mundo por meio da narrativa, e sua apresentação desde cedo às crianças trará intimidade com elementos típicos da narrativa, tais como: enredo, trama, personagens, ação, contexto etc., facilitando assim, a compreensão da criança aos dramas sociais vividos, dando-lhes capacidade de interferência neles. Além de desenvolver na criança competências de leitura, escrita e leitura histórica do mundo.

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Convém destacar que ambas narraram o mundo de formas diferentes, pois enquanto a literatura trabalha com a convenção da ficcionalidade, a história trabalha com a convenção da veracidade.

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Se adotarmos o modo de ver as coisas “ao pé da letra” como tratavam filósofos e teóricos das ciências sociais até o início do século XIX, que acreditavam que o fato real não se reduzia a si mesmo para constituir a “verdade”, e esta por sua vez, seria alcançada no momento em que se integrasse a um “conceito”, formando o “discurso”, teremos problemas ao trabalhar História e literatura, pois ao considerarmos a ficção como “o que não é verdade”, teremos o obstáculo da compreensão da realidade.

Devemos considerar equivocada uma pessoa que busca desqualificar uma obra de arte, procurando nela erros históricos. A obra literária é totalmente ficcional ou artística, mas também, totalmente histórica. Pois, segundo Fernando Seffner e Ramiro L. Bicca Jr. (apud HICKMANN, 2002, p. 68), “analisada pelos olhos da história, uma obra de ficção deixa perceber pistas e pegadas históricas que existem dentro dela”, podendo proporcionar um debate em sala de aula. Muitas obras literárias influenciam até hoje gerações, sendo considerados documentos históricos de tal época.

Houve um tempo, não muito longínquo, em que a maioria dos historiadores profissionais desconfiavam da escrita elegante como se existisse algo de imoral em tentar atrair os leitores oferecendo-lhes mais do que ‘os fatos’, servido sem nenhum ornamento, como a comida inglesa. Felizmente na França e em outros lugares, alguns dos melhores historiadores em atividade hoje se destacam também como escritores – mesmo se não encaram a história como forma de ficção (BURKE, 1998, p.3).

A hora do conto ou hora da história, como muitos professores enfatizam, é uma metodologia que propõe atividades a partir da relação entre História e literatura. As obras literárias, em geral, são abordadas a partir de um roteiro original, dividido em quatro tópicos que permitem estabelecer relações entre o ficcional e o histórico.

• Descrever e analisar situações presentes na narrativa literária, aprofundando acompreensão através de pesquisa histórica.

• Caracterizar os personagens ficcionais, como profissão, aproximando-os compersonagens históricos.

• Percebereanalisarosespaçosficcionais,comocastelo,floresta.

• Perceberacrítica ideológicapresentena literatura,analisandoas falas tantodonarrador quanto dos personagens (HICKMANN, 2002, p. 69).

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Ao final, deve se aprofundar uma análise mais ampla da obra, com elementos históricos e literários.

Assim, o objetivo da metodologia não é o de corrigir as obras literárias de seus erros históricos, mas sim estabelecer uma narrativa histórica que segue e comenta as cenas descritas na literatura, e até mesmo apontar divergências entre o ficcional e o histórico, no intuito de problematizar os diferentes caminhos de produção das narrativas.

Deve-se, portanto, escolher uma narrativa rica de cenas que possam ser comentadas a partir de um ponto de vista histórico. Fazendo com que a narrativa histórica preencha algumas lacunas que possam existir como, por exemplo, acrescentar informações a respeito de um determinado personagem histórico, permitindo que o aluno se familiarize com conceitos como tempo, cultura, história, identidade, memória, guerreiro, cavaleiro, dinastia, casamento, cidade, passado, presente, futuro etc., conceitos esses que lhes serão úteis quando estudarem a disciplina de História na sua totalidade e especificidade.

Para Fernando Seffner e Ramiro L. Bicca Jr. (apud HICKMANN, 2002, p. 70),

O trabalho de história sobre as literaturas infantis orienta-se no sentido de recuperar os elementos históricos dispersos pelo texto, e aprofundá-los com leituras complementares, feitas pela professora e depois transmitidas aos alunos através de contação de histórias, do uso de gravuras, da leitura de pequenos textos, etc. configurando a “hora da leitura”.

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Assim, podemos verificar as profissões que aparecem na literatura, em que, por exemplo, o povo trabalha, o clero reza, os nobres guerreiam. Ainda podemos analisar os costumes do cotidiano, como: o que os personagens comem, quais objetos possuem em suas casas, quais animais possuem, quais os meios de locomoção, onde moram etc., além da estrutura familiar, como o papel da madrasta. Isto tudo localizando-os no tempo e no espaço.

As gravuras e ilustrações também merecem destaque, pois são muito importantes para análise da obra. Podemos utilizar gravuras de épocas como as presentes em literaturas infantis clássicas, ou imagens atuais, discutindo assim, como o ilustrador interpretou as situações e os personagens presentes na obra, e ainda fazer uma comparação entre essas gravuras e gravuras históricas relacionadas ao mesmo tema.

A produção de uma aprendizagem significativa na aula de História é dada pela capacidade de analisar situações históricas pelo aluno. E assim, uma obra literária fornece várias situações históricas tanto do passado quanto do presente.

Para Seffner (2000, p.2),

o ensino da história é um ensino de situações históricas [...] é a partir de questões do mundo de hoje que o professor orienta seus alunos no estudo de situações do passado [...] nesta medida torna-se importante orientar o aluno a verificar recorrências, mudanças e permanências dentro de cada situação estudada.

A partir de fragmentos históricos contidos na literatura infantil e de outras informações, montamos uma história complexa, trazendo aprendizagens significativas em sala de aula, afinal esta é nossa proposta.

Nos momentos de o professor contar histórias a seus alunos, é possível orientá-los a identificar elementos históricos presentes na literatura, associando com a realidade da época em que a obra foi escrita. Seffner e Bicca (apud HICKMANN, 2002) nos lembram que é possível também perceber a atualidade de alguns dramas sociais apresentados pelas histórias infantis, e que justamente contribuem para garantir suas permanências como clássicos na literatura,

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é o caso do clássico Chapeuzinho Vermelho, em que podemos estabelecer um comparativo, destacando diferenças e semelhanças entre como era no tempo que a história foi narrada e como seria hoje. O que substituiria o lobo mau, a floresta, a menina que levou os doces para a vovozinha etc.

• Umavezselecionadaaobra,osprocedimentosdetrabalhoenvolvemacoletadasdiferentes edições e versões do conto disponíveis em língua portuguesa.

• Leitura e interpretação dos textos, identificando diferenças relevantes entre asvárias edições.

• Identificaçãodoselementoscaracterísticos, tantonoaspectohistórico (adivisãoda herança, a vida dos camponeses, o casamento de interesses etc.) como no aspecto cultural-simbólico (o castelo, o gato, as botas etc.).

• Apesquisahistóricaacercadoselementosselecionados,permitindomontarumroteiro de questões para discussão com as crianças.

• Elaboraçãodeumtextoapresentandoosresultadosdapesquisahistórica.

• Seleção e análise das ilustrações, identificando os aspectos históricos nelaspresentes, identificando diferenças e recorrências entre as gravuras das diferentes edições.

• Comparaçãodeaspectosdiscordantesnasdiferentesversõesdoconto.

• Construçãoderoteirodeatividadesparaotrabalhoemsaladeaula.

(SEFFNER E BICCA, apud HICKMANN, 2002, p. 73).

A atividade lúdica por intermédio de jogos e brincadeiras é, também, de fundamental importância, uma vez que possibilita o desaparecimento da fronteira entre o trabalho, que é obrigatório e exige esforço, e o divertimento, prazeroso e alegre, levando os alunos a se envolverem, se arriscarem, se interessarem e aprenderem com satisfação, prazer e autoconfiança.

Os jogos utilizados com fins didáticos devem apresentar regras criadas pelo professor ou juntamente com os alunos para trabalhar determinadas habilidades, atitudes, conteúdos e valores. Deve ser uma atividade orientada em que a criança utiliza-se do faz de conta, que é próprio das brincadeiras e da recreação, em que o aluno é espontâneo, tem autonomia para imaginar e desenvolver atividades, e onde, em geral, não há interferência do professor.

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Além disso, o lúdico deve proporcionar maior socialização e integração entre o grupo de alunos, entre professor aluno, e, acima de tudo, o estabelecimento de valores que venham a contribuir na formação de cidadãos responsáveis, críticos construtores de um mundo melhor.

São inúmeras as vantagens dos jogos educativos, que envolvem aspectos motores, afetivos, morais e sociais. Cabe ao professor utilizar os jogos que deem oportunidades aos alunos para desenvolverem esses aspectos, que estão, na realidade, interligados.

A amarelinha, brincadeira tradicional e conhecida por todos, é um bom exemplo para pensarmos a importância do lúdico na aprendizagem. Isto porque desenvolve noções espaciais e o esquema corporal da criança.

Nessa brincadeira, a criança irá deslocar-se para um lado ou outro, para frente, utilizando as mãos e os pés. A amarelinha estimula o desenvolvimento da criança por meio de várias maneiras:

• Estimulaacomparaçãoentreasaçõesdosjogadores.

• Exigequeosparticipantespesquisemedescubramaforçaquedevemusarapedraparacertar o alvo.

• Exigeaestruturaçãodosmovimentoscorporais,quepermitiráacriançapular.

• Desenvolvimentodoraciocínioespacial.

• Desenvolvimentoememorizaçãodasequêncianumérica.

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Outra possibilidade é a brincadeira do gato e do rato. Nessa brincadeira, os amigos fazem uma roda, dando as mãos. Alguém tem de ser o rato e ficar dentro da roda. Outra pessoa é o gato e fica do lado de fora. O gato pergunta e a roda responde:

-O senhor rato está em casa?

-Não! -A que horas chega?

-Às oito horas!

A roda, então, começa a girar, contando as horas combinadas.

Quando terminar, solta os braços, mas mantém a posição. O gato entra na roda para pegar o rato.

O gato e o rato podem entrar e sair da roda, correndo.

O gato tenta agarrar o rato, que foge do gato o quanto pode. Quando o rato é preso, recomeça o jogo.

Quem foi o rato é o gato na vez seguinte. Outra pessoa da roda é o rato.

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Esta brincadeira possibilita desenvolver a noção de tempo, bem como permite a socialização entre outros.

Para conhecer estas brincadeiras e outras basta acessar o link:<http://www.abec.ch/Portugues/subsidios-educadores/Brincadeiras/Brincadeiras-infantis/brincadei-ras_infantis.htm>.

CuLTuRA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA

Diferentes culturas e modos de vida sobrevivem lado a lado no território brasileiro. Quais reações tem provocado o encontro dessas culturas? Como cada um de nós interpreta o outro, o desconhecido? Leia a canção a seguir, escrita pelos compositores e estudiosos da cultura popular Antonio Nóbrega e Wilson Freire, que procura reproduzir a impressão dos habitantes do território brasileiro na chegada dos portugueses (CABRINI; CATELLI; MONTELLATO, 2009).

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CHEGANÇASou Pataxó, sou Xavante e Cariri,Ianomâmi, sou Tupi, Guarani, sou Carajá,Sou Pancaruru, Carijó, Tupinajé,Potiguar, sou Caeté, Ful-ni-ô, Tupinambá,Depois que os mares dividiram os continentes,Quis ver terras diferentes.Eu pensei “vou procurar um mundo novo, lá depois do horizonte,levo a rede balançante pra no Sol me espreguiçar”.Eu atraquei num porto muito seguro, céu azul, paz e ar puro...Botei as pernas pro ar.Logo sonhei que estava no paraíso, onde nem era preciso dormir para sonhar.Mas de repente me acordei com a surpresa...Uma esquadra portuguesa veio na praia atracarDa Grande-nau, um branco de barba escura, vestindo uma armadura me apontou pra me pegar.

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E assustado dei um pulo lá da rede, pressenti a fome, a sede, Eu pensei: “Vão me acabar”.Me levantei de broduna já na mão.Aí, senti no coração, o Brasil vai começar.

NÓBREGA, Antonio; FREIRE, Wilson. Chegança. In: NOBREGA, Antonio. Madeira que cupim não rói (CD). São Paulo: Estúdios Eldorado, 1997.

Na primeira unidade do nosso material didático, foi abordado que a ciência histórica procura compreender a cultura das sociedades. Para isto, buscamos como referência o antropólogo brasileiro Darci Ribeiro.

Darcy RibeiroFonte: <www.fundar.org.br>

O antropólogo Darcy Ribeiro (1913-1997) foi um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX. No site <http://forumeja.org.br/book/export/html/1236> é possível encontrar vários vídeos que mostram os programas da série baseada na obra central de Darcy: O Povo Brasileiro, em que o autor responde a questão "quem são os brasileiros?", investigando a formação do nosso povo. Coproduzida pela TV Cultura, a GNT e a Fundar, a série conta com a participação de Chico Buarque, Tom Zé, Antônio Cândido, Aziz Ab´Saber, Paulo Vanzolini, Gilberto Gil, Hermano Vianna entre outras personalidades. O Povo Brasileiro é uma recriação da narrativa de Darcy Ribeiro, e discute a formação dos brasileiros, sua origem mestiça e a singularidade do sincretismo cultural que dela resultou.

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• Que tal, antes de darmos continuidade aos estudos da disciplina, você assistir a estes vídeos e relacioná-los com suas vivências sobre o assunto?

Se buscarmos uma definição universal sobre cultura chegaremos a Edward B. Tylor (1832 – 1917) que a definiu como sendo o conjunto complexo de conhecimentos, crenças, arte, moral e direito, além de costumes e hábitos adquiridos pelos indivíduos em uma dada sociedade.

Tal conceito se faz importante para compreendermos por que cada um tem uma visão de mundo, avalia determinado assunto sob certa ótica, nasce e convive em uma classe social, pertence a uma etnia... Todas estas são condições que nos levam a pensar na diversidade cultural e, consequentemente, na alteridade, isto é, no outro ser humano, que é igual a cada um de nós e, ao mesmo tempo, diferente.

Se nos remetermos especificamente à cultura brasileira, muitos foram aqueles que tentaram determinar e entendê-la em suas múltiplas dimensões. Mas, é certo que, embora com diferentes posições ideológicas e política, a grande maioria concorda com o fato de que a característica marcante desta cultura é a pluralidade cultural, o que é resultado do processo histórico-social e das dimensões continentais de nosso imenso território. Assim, acredita-se que não há somente uma cultura brasileira, mas sim várias culturas inseridas em uma, fruto da multiplicidade étnica de sua concepção.

Ribeiro (1995, p.20) explicita que somos fruto da “confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos”. E prossegue afirmando que “a sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória europeia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos”.

No Brasil, a miscigenação e a diversidade multicultural da sociedade foram constituídas em suor e trabalho não remunerado de indígenas e africanos que receberam como fruto de seu esforço físico a segregação e os maus-tratos. Foram séculos de dívida que marcaram nossa história comemorada no dia 20 de novembro.

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DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRAComemorado no dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra é feriado em várias cidades e data oficialdocalendárioescolarbrasileiro.Adata,temadediversoseventospelopaís,lembraodiaemque foi assassinado, no ano de 1695, o líder Francisco Zumbi, do Quilombo dos Palmares, herói e um dos principais símbolos da resistência negra à escravidão (BRAGA, 2009, p.7).

Fonte: <www.jornallivre.com.br/125282/escravidao-no-brasil-escravos-no-brasil.html>

Trazendo a problemática para o âmbito Educacional vemos que ela também ficou relegada a um modelo eurocêntrico como afirma Nascimento (1978, p. 95),

O sistema educacional [brasileiro] é usado como aparelhamento de controle nesta estrutura de discriminação cultural. Em todos os níveis do ensino brasileiro – elementar, secundário, universitário – o elenco das matérias ensinadas, como se se executasse o que havia predito a frase de Sílvio Romero constitui um ritual da formalidade e da ostentação da Europa, e, mais recentemente, dos Estados Unidos.

E o autor prossegue indagando:

Se consciência é memória e futuro, quando e onde está a memória africana, parte inalienável da consciência brasileira? Onde e quando a história da África, o desenvolvimento de suas culturas e civilizações, as características, do seu povo, foram ou são ensinadas nas escolas brasileiras? Quando há alguma referência ao africano ou negro, é no sentido do afastamento e da alienação da identidade negra. Tampouco na universidade brasileira o mundo negro - africano tem acesso. O modelo europeu ou norte-americano se repete, e as populações afro-brasileiras são tangidas para longe do chão universitário como gado leproso. Falar em identidade negra numa universidade do país é o mesmo que provocar todas as iras do inferno, e constitui um difícil desafio aos raros universitários afro-brasileiros (NASCIMENTO, 1978, p. 95).

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Este cenário de discriminação cultural passou a ser repensado com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 e mais especificamente com o advento do Parecer/Lei 10.639/03 – transformada na Lei 11.645 de 2008, que incluiu a temática indígena – abrindo grandes possibilidades no que diz respeito à edificação da igualdade e da repreensão às atitudes e posturas de discriminação no ambiente escolar.

A Lei 10.639 é de autoria de Esther Grossi, e foi promulgada pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 9 de fevereiro de 2003. Ela incluiu no currículo oficial dos estabelecimentos de Ensino Básico das redes pública e privada a obrigatoriedade do estudo da temática história e cultura africana e afro-brasileira. Ferreira (2005, p.01) expõe sobre o conteúdo da Lei:

De acordo com a lei, o conteúdo programático das diversas disciplinas deve abordar o estudo de história da África e dos povos africanos, a luta das pessoas negras no Brasil, a cultura negra brasileira e o(a) negro(a) na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil. Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira devem ser ministrados no âmbito de todo o currículo escolar e, principalmente, nas áreas de educação artística, literatura e história brasileira.

Esta lei foi regulamentada por um parecer homologado em 19 de maio de 2004, que institui as diretrizes curriculares do país para a educação das relações étnico-raciais e traz direções de como a Lei deve ser colocada em prática. Ela ainda pertence à lista de medidas educacionais que devem ser implementadas pelo governo federal como signatário de pactos internacionais no combate ao racismo.

Para Ferreira (2005, p. 01), esta medida “atende uma demanda gerada pelo desconhecimento, por parte de grande parcela da população brasileira, das questões relativas às sociedades africanas”, de modo especial no que diz respeito às marcantes influências do povo africano na formação da sociedade brasileira. O autor entende que este parecer “foi elaborado para contribuir com a efetivação dessa medida de ação afirmativa e estabelecer as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no país” (FERREIRA, 2005, p. 01).

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A partir de sua homologação pelo Ministro da Educação, passou-se a constituir uma ferramenta para que todo cidadão, especialmente pais, mães, estudantes e profissionais de educação, pudessem dialogar com as escolas e todo o sistema de ensino, além de acompanhar e fiscalizar o cumprimento da lei. Este parecer tem força de lei, e deve, portanto, ser utilizado como norma regulamentadora.

Ele corrige conceitos e abordagens das políticas de reparações; reconhece e valoriza os indivíduos e as ações afirmativas; contextualiza a educação nas relações étnico-raciais; apresenta as determinações para a inclusão da história e cultura afro-brasileiras e africanas e suas implicações e repercussões pedagógicas, incluindo a formação do professorado. O parecer trata de questões como consciência política e histórica da diversidade, fortalecimento de identidade e de direitos, ações educativas de combate ao racismo e às discriminações e discute o papel dos conselhos de educação em adequar o proposto pela lei, e pelo próprio parecer, à realidade de cada sistema de ensino (FERREIRA, 2005, p. 01).

OQUEDIZALEI?Transcorremos abaixo o que a Lei vem nos explicitar para então darmos continuidade as nossas discussões.Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:Art. 1º O art. 26-A da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte re-dação:Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna--se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resga-tando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (NR)Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.Brasília, 10 de março de 2008; 187º da Independência e 120º da República.LUIZ INÁCIO LULA DA SILVAFernando Haddad

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A necessidade de aprofundar o estudo sobre a questão étnica no Brasil ficou subsidiada com a promulgação das Leis n. 10.639/03 e 11645/08, que altera a Lei 9394/96 e torna obrigatória, nos currículos do Ensino Fundamental e Médio em todos os estabelecimentos de ensino do país, a inclusão da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.

Para Barbosa (2007, p. 01),

Todo esse legado cultural trazido pelos escravos africanos, ainda permanece, infelizmente desconhecido por boa parte de nossas crianças. A lei federal 10.6931, sancionada em 2003, tornando obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio, público e particular, em disciplinas como história e literaturas brasileiras, é uma conquista da sociedade e pretende justamente possibilitar que nossas crianças percebam a importância desses valores civilizatórios na sociedade brasileira.

Percorrendo sites de editoras do nosso país, vemos a preocupação de adequar-se à Lei. A editora Ática, por exemplo, explicita em seu meio eletrônico que a demanda que a comunidade afro-brasileira, há décadas, vem exigindo cristaliza-se com essa lei, pois reconhece e exige valorização e respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, à sua cultura, à sua história.

E prossegue afirmando que, historicamente, a política educacional brasileira traz a exclusão já em seu bojo, pois não só o preconceito de classe, mas também o preconceito de raça e as propostas curriculares voltadas para as classes populares constituem-se em falácias e fortalecem o mito da democracia racial. Isso porque, na medida em que não inclui a História da África e da cultura afro-brasileira nos currículos escolares do país, nossa política educacional não leva em conta a identidade dos negros, não respeita seu modo de ser e pensar o mundo, resiste a considerar a imensa influência que a cultura africana sempre exerceu sobre o modo de ser do brasileiro, com seus mais de 40% da população negra e mestiça.

Esse segmento, com escolaridade insuficiente e padrão de vida bem abaixo da média, precisa conhecer a história brasileira sob o ponto de vista não dos pseudovencedores, mas daqueles que realmente foram protagonistas dela.

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A Lei explicita que não há uma disciplina ou série específica para se trabalhar com a temática, ela deverá ser inserida no âmbito escolar nas diversas disciplinas e séries a fim de compreender, valorizar e integrar tal cultura à própria cultura brasileira.

Contudo Braga aponta que, embora decorridos quase dez anos da promulgação da Lei 10.639/04, “verifica-se que há muito para percorrer na trilha da educação igualitária. Houve muita polêmica, e o que se constata é que as escolas não desenvolvem atividades concentradas no ensino de ‘História da Cultura Afro-Brasileira’”. Continua justificando este fato “pela ausência de material didático-pedagógico apropriado e de formação docente necessária à compreensão da profundidade e importância desse tipo de aprendizagem ou mesmo pela resistência pura e simples de alguns setores” (BRAGA, 2009, p. 03).

Percebe-se então que é necessário incentivo à aplicação da Lei, e não somente sua fiscalização, mas ambas, aplicadas conjuntamente para resultados mais efetivos na Educação Básica. Isto porque somos herdeiros de um pensamento dominante que exclui a África, seus descendentes e os povos indígenas da própria história do Brasil que foi oficializada pela versão lusitana.

Mas Ki-Zerbo (1982, p. 28) entende que é preciso resgatar estas histórias e inseri-las no contexto escolar por meio de atividades pedagógicas reflexivas e comprometidas com fontes históricas ou documentos escritos, bem como pela tradição oral (tema tratado na unidade III do nosso material).

Porém, faz-se necessário compreender que existem problemas de acesso às fontes para os estudos históricos. Ocorre que a maioria delas foi apagada pela ação do tempo, pela ação humana e em decorrência do jogo de interesses em cada período da história. A dinâmica histórica e os interesses em disputa em cada momento permitem ou impedem a sobrevivência das fontes e sua organização e distribuição no tempo e no espaço. Além destes fatores, a história destes povos possui fontes históricas fragmentadas, que geralmente são encontradas muito dispersadas.

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O Centro de Referências Virtuais do Professor (2011, p. 01) explica que

A história da África não nos permite pensar numa homogeneidade de experiências históricas do continente, mas num complexo mosaico de experiências simultâneas em diferentes pontos do continente e não raro díspares. Outra questão importante para o estudo da história africana e para análise das fontes é a interdisciplinaridade.

Para se estudar a cultura afro-brasileira e indígena e inseri-la no ambiente escolar, é preciso unir diversas áreas de conhecimento, e é importante que seja realizado do ponto de vista africano e indígena, e não atrelado a padrões eurocêntricos.

Atualmente, o professor pode recorrer a vários contos africanos reunidos em obras paradidáticas ou de literatura. Uma das pessoas que contribuíram imensamente com o saber africano no Brasil foi o escritor e contador de histórias Rogério Andrade Barbosa que, ao morar no continente, teve conhecimento de diversos contos, mitos e lendas, por meio de grupos étnicos africanos, e pôde então escrever vários livros didáticos para crianças e jovens.

A oralidade constitui-se como um organismo que promove a compreensão e assimilação, neste caso específico, da identidade cultural africana. Assim, “o estudo das fontes linguísticas – em sua dispersão e compreendidas como fontes em constante mutação – muito contribui para compreensão das transformações culturais e sociais pelas quais passaram as sociedades africanas” (CENTRO DE REFERÊNCIA VIRTUAL DO PROFESSOR, 2011, p. 01).

O Centro de Referência Virtual do Professor (2011, p. 01) ainda exalta a arqueologia, especialmente enfatizando a cultura africana:

A arqueologia é uma ciência que estuda a história através da análise de objetos e vestígios considerados testemunhos da existência humana em algum ambiente. Esses objetos e vestígios podem ser variados, como ossos, peças feitas de osso, cerâmicas, artefatos em ferro, vidro, metal e pedraria, além de pegadas, rastros e outros. Na África, a arqueologia já ofereceu aos estudiosos muitos indícios acerca da existência de sociedades antigas, as mais antigas do planeta. Há também vestígios de sociedades organizadas, muitas delas com sofisticada capacidade artística e técnica, como é o caso de comunidades da região de Ifé, Oió e Benin, além do Egito Faraônico.

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Font

e: S

HUTT

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OCK.

COM

Quando se discute com estudantes a respeito das fontes mais utilizadas no processo de construção da história de um povo, no caso, o africano, é interessante introduzir os assuntos da espoliação e da dispersão destas fontes, que muitas vezes foram desviadas do continente.

Questões instigatórias que levem à reflexão destes processos são muito valiosas, pois forçam a memorizar fatos importantes como, por exemplo, no questionamento: “Por que será que o Museu do Louvre, em Paris, possui um dos mais ricos acervos de arte africana egípcia? Como estas peças passaram a integrar aquele acervo?”. Dessa forma, há uma multidisciplinariedade no processo educacional. Com esta única questão, retoma-se o contexto das “invasões napoleônicas, no início do século XIX, quando uma quantidade enorme de produções artístico-culturais egípcias foram levadas para a França, constituindo parte importante do acervo de arte egípcia do Louvre” (CENTRO DE REFERÊNCIA VIRTUAL DO PROFESSOR, 2011, p. 03).

No que diz respeito às fontes arqueológicas, embora possuam variedade e riqueza para compreensão da história, não há homogeneidade para seu estudo. Assim, faz-se necessário ter em mente a importância da produção artística e cultural em determinados contextos e, especialmente, das práticas e percepções de mundo conferidas a estes objetos em certas utilizações, ressaltando que “numa determinada sociedade uma estatueta tenha sido produzida para representar o poder de um grupo sobre outro, ou a capacidade de um elemento natural de modificar ou controlar a vida humana” (CENTRO DE REFERÊNCIA VIRTUAL DO PROFESSOR, 2011, p. 03).

As danças são riquezas culturais que merecem destaque. Isto porque há muita influência africana nas danças difundidas pelo Brasil. Até mesmo as criações nacionais possuem

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raízes africanas. Especialmente na região sudeste do país, há grande pluralidade cultural nas manifestações de dança. O Portal Brasil Escola lista alguns tipos de danças folclóricas de origem africana:

Batuque – dança de origem africana, do ritual da procissão. É uma festa muito popular nas cidades do interior de São Paulo, nas festas do Divino Espírito Santo, ou nas festas juninas. O batuque é dançado em terreiro ou praça pública. Uma fileira de homens fica a 15 metros de distância das mulheres, quando começa a dança, os homens se aproximam das mulheres e encostam suas barrigas por três vezes na companheira.

Samba de Lenço – é uma dança de origem africana, ele é sambado no meio urbano (samba de salão), e no meio rural há três modalidades: samba de roda, samba de campineiro e samba de lenço.

Festa de Iemanjá – Iemanjá é a mais prestigiada entidade feminina do Candomblé, Umbanda e Macumba. O culto à Iemanjá é realizado na noite de 31 de dezembro para 1° de janeiro. Nesse dia os devotos vão prestar sua homenagem. Quando a noite vem chegando, milhares de fiéis dirigem-se para a praia e todos festejam a Rainha do Mar, protetora das viagens marítimas e mãe de todos os orixás. As pessoas levam presentes, flores, comidas e bebidas e fazem danças temáticas de origem africana.

Capoeira – Moreira (2007, p. 01) define as raízes da capoeira:

A capoeira, essa arte de origem controversa e que ainda desperta muita polêmica, emergiu no bojo das camadas populares e adentra as instituições públicas e privadas de forma arrebatadora e efusiva, sendo capaz de um pouco mais de quatrocentos anos de trajetória estar presente na maior parte das escolas, clubes, universidades, academias, dentre outros, se firmando com força em vários países do mundo, força esta, que ora estamos precisando verificar os interesses ideológicos que estão sendo defendidos nas entrelinhas de sua expansão pelo mundo [...]. A partir da análise deste contexto acima, fica fácil compreender o tamanho do "desafio" e das transformações, que foram necessárias para enquadrar a capoeira na lógica escolar, pois a capoeira historicamente foi também símbolo de contestação da lógica vigente e sua fundamentação filosófica, centra-se em uma simbologia que extrapola o conceito de educação escolar, ratificando

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o verdadeiro conceito de educação, que não estabelecem fronteiras, nem limites para as relações de ensino-aprendizagem.

Ainda segundo Moreira (2007, p. 01),

As transformações sofridas no processo de ensino da capoeira iniciariam a aproximação da mesma no ambiente escolar, favorecendo seu reconhecimento e ampliando suas perspectivas com vista a se firmar como ferramenta pedagógica no processo educativo.

A expansão da capoeira nas instituições de ensino brasileiras deu-se por volta do final dos anos 1970 e início da década de 1980, acrescentando a estes ambientes de trato com o conhecimento um toque da cultura e inúmeras possibilidades de intervenção no que se refere à atividade física, que acabam sendo respaldadas por leis e sugerida por diversos instrumentos informativos que orientam a educação escolar como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Com a instituição da Lei 11.645 de 2008, que prevê o ensino de assuntos e história da África nos currículos escolares, a capoeira ganhou mais força para ser “reconhecida como conteúdo riquíssimo para o acervo cultural do aluno, desenvolvendo não somente os aspectos motor, mas também o cognitivo e afetivo-social” (SILVA, 2002, p. 01).

A capoeira é considerada uma manifestação genuinamente brasileira (SILVA, 2002, p. 2), mas que contém muitos traços da cultura africana, e por isso, deve ser considerada como manifestação afro brasileira.

Assim, esta análise de registros culturais necessita compreender as práticas culturais a eles relacionadas e também o momento social e histórico destes objetos, registros e práticas. Ocorre, metaforicamente à multidisciplinariedade, que todas as manifestações culturais tornam-se pertinentes para a assimilação deste mosaico cultural africano, em que as festas, ritos, saberes, modos de fazer, a música, os modos de vestir, a rica e diversa alimentação, as concepções políticas, as cosmogonias etc. todos fazem parte de um processo histórico e cultural fundamental para o ensino educacional.

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Já dissemos também que há variados recursos que os professores podem utilizar em sua prática pedagógica. Entre o professor tradicional e o professor atual e moderno existe uma diferença fundamental quanto ao foco. O que antes se centralizava no professor como principal agente do processo de ensino-aprendizagem agora se focaliza no aluno.

Então, não é apenas mostrar caminhos, mas também orientar o aluno para que desenvolva um olhar crítico que lhe permita desviar-se do desnecessário e reconhecer, em meio às informações, as trilhas que conduzem às verdadeiras fontes do conhecimento.

Assim, uma primeira medida que anuncia para melhorar em definitivo nossa prática em sala de aula é “reconhecer” que nosso aluno “é, na verdade, o sujeito de sua aprendizagem; é quem realiza a ação, e não alguém que sofre ou recebe uma ação”. (DELIZOICOV, 2002, p. 122). E ao professor cabe a tarefa de orientar este processo. Infelizmente temos, ainda, muitos professores despreparados para assumir essa tarefa.

Isto equivale a dizer que “não há como ensinar alguém que não quer aprender, uma vez que a aprendizagem é um processo interno que ocorre como resultado da ação de um sujeito” (DELIZOICOV, 2002, p. 122). O papel do professor como mediador ou facilitador do processo de aprendizagem aparece como condição óbvia neste enunciado.

Coerentemente ao que já afirmamos, a aprendizagem é o resultado das ações de um indivíduo, e não de qualquer ação, pois ela se constrói por meio de uma interação entre um sujeito e seu meio circundante, natural e social.

É o mesmo tema que Pedro Demo (2003) desenvolve quando propõe o educar pela pesquisa. Este modo de ver parte da definição da educação como processo de formação da competência humana dentro de um quadro renovador que permita ao aluno ser um pesquisador criterioso que enxergue o processo de aprendizagem como algo que dele depende fundamentalmente.

Temos como sujeito nosso aluno e, nesta perspectiva, o autor enfatiza que:

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A proposta de educar pela pesquisa tem pelo menos quatro pressupostos cruciais:

• aconvicçãodequeaeducaçãopelapesquisaéaespecificidademaisprópriadaeducação escolar e acadêmica;

• oreconhecimentodequeoquestionamentoreconstrutivocomqualidadeformalepolítica é o cerne do processo de pesquisa;

• anecessidadedefazerdapesquisaatitudecotidiananoprofessorenoaluno;

• eadefiniçãodaeducaçãocomoprocessodeformaçãodacompetênciahistóricahumana (DEMO, 2003, p. 5).

Na proposta de Demo (2003), ainda, a base teórica representa o cerne do trabalho. A ela cabe consolidar a capacidade explicativa do educando, buscando por causas, condições, argumentações e contra-argumentações, para desenvolver a familiaridade com a ciência, na capacidade de induzir e deduzir.

Pesquisa segundo Bagno (1999, p. 17),

é uma palavra que nos veio do espanhol. Este por sua vez herdou-se do latim. Havia em latim o verbo perquiro, que significava “procurar; buscar com cuidado; procurar por toda parte; informar-se; inquirir; perguntar; indagar bem, aprofundar na busca”. O particípio passado desse verbo latino era perquisitum. Por alguma lei da fonética histórica, o primeiro r se transformou em s na passagem do latim para o espanhol, dando o verbo pesquisar que conhecemos hoje. Perceba que os significados desse verbo em latim insistem na idéia de uma busca feita com cuidado e profundidade. Nada a ver, portanto, com trabalhos superficiais, feitos só para “dar nota”.

E se pensarmos bem a pesquisa faz parte do nosso dia a dia. Realizamos pesquisa quando vamos ao supermercado fazer compras, quando buscamos no classificado do jornal um anúncio de um produto que queremos etc.

Mas, não é necessariamente desta pesquisa que nos propomos a discutir. Sem a pesquisa não há ciência, muito menos tecnologia. Um exemplo disto é que todas as grandes empresas do mundo atual possuem um departamento denominado “Pesquisa e Desenvolvimento” (P&D), ou seja, a pesquisa possibilita o progresso intelectual de um indivíduo.

E na escola isto não poderia ser diferente. Quando lançamos mão de uma pesquisa precisamos,

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antes, ensinar nossos alunos a pesquisarem. O que queremos dizer é que antes de pedirmos a eles que façam por conta própria uma pesquisa, devemos mostrar a eles como se faz esse tipo de trabalho. Isto porque só podemos obter um produto depois que tivermos conhecimento do processo de produção (BAGNO, 1999).

Somente assim, eles terão a oportunidade de enriquecerem intelectualmente como já afirmamos e hoje não nos falta possibilidades com o acesso à internet. O tema cultura afro-brasileira e indígena pode muito bem ser trabalhado partindo da pesquisa em diversas fontes. Mas, aqui o professor exerce papel indispensável.

A tarefa de direcionar nossos alunos à pesquisa, não e tarefa das mais fáceis. Isto porque requer orientação e mediação pedagógica.

A utilização de filmes educacionais é outra possibilidade da ação docente. Esta, na concepção histórica, visa ao exercício da desconstrução dos conteúdos escolares estruturados numa matriz eurocêntrica, e é fundamental como material de apoio no processo ensino-aprendizagem.

O educador precisa ter em mente que não será sempre que o filme escolhido exprimirá a crítica que deseja incitar nos alunos, mas que a exibição do material pode servir como um canal que leve à reflexão da representação que se deseja debater (DINIZ, 2009, p. 12).

Neste processo a intervenção do professor se faz necessária na promoção do diálogo sobre o que está sendo abordado no filme. Não há que se ter, de certa forma, receios de direcionar o aluno à reflexão proposta, uma vez que este, sem nenhum preparo ou acompanhamento pedagógico é “bombardeado” diariamente com representações sociais e espaciais hegemônicas presentes nos veículos midiáticos (jornais, novelas, filmes etc.) (DINIZ, 2009, p. 12).

Em relação à utilização dos filmes na abordagem dos conteúdos educacionais, Souza (2006, p. 09) enfatiza:

Na sala de aula, como em qualquer espaço educativo, o cinema é um rico material didático. Agente socializante e socializador, ele desperta interesses teóricos, questionamentos sociopolíticos, enriquecimento cultural. E cada vez mais, tem-se intensificado o número de programas educativos e formativos em que o cinema é

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utilizado como um dos aparatos tecnológicos da educação.

A utilização de filmes caracteriza-se como uma forma de acentuar a curiosidade do aluno e tornar um pouco concreto aquilo que é extremamente subjetivo nos conteúdos presentes nos livros didáticos (DINIZ, 2009, p. 12). Quando utilizados corretamente, os filmes auxiliam no processo de desconstrução de visões de mundo tendenciosas que são naturalmente aceitas pelos alunos.

O Centro de Referência Virtual do Professor (2011, p. 01) lista alguns dos filmes que são considerados educativos e auxiliam no ensino da cultura afro-brasileira e indígena. São eles:

Kiriku e a feiticeira – Direção: Michel Ocelot, 1998 – desenho animado em que o protagonista é um menino africano às voltas com uma feiticeira má. Inspirado em conto africano, o filme é uma rara produção disponível em português para crianças.

Mestre Humberto – Direção: Rodrigo Savastano. Brasil, 2005, 20 minutos. Um passeio pela Lapa, Campo de Santana e pela África. Mestre Humberto, doutor em percussão e poesia, profeta poliglota da Lapa. Nesse curta falado em português, alemão e quimbundo, ele toca, canta e cita Sócrates.

MaréCapoeira – Direção: Paola Barreto – Maré é o apelido de João, um menino de dez anos que sonha ser mestre de capoeira como seu pai, dando continuidade a uma tradição familiar que atravessa várias gerações.

Instrumentos africanos – Bira Reis, um especialista. Documentário. Direção: Júlio Worcman, 1988. Na Feira do Interior 1988, que reuniu em Salvador atrações dos diversos municípios da Bahia, o mestre Bira Reis apresenta sua pesquisa sobre curiosos instrumentos africanos.

Som da Rua – Vodu – Direção: Roberto Berliner, 1997, 2 minutos. Miriam Laveau é uma sacerdotisa vodu de Nova Orleans, herdeira creole das mais antigas tradições africanas. Aqui ela apresenta os cânticos vodus que falam da liberdade, mas para Miriam a liberdade, como

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ela aconteceu, só tornou as pessoas escravizadas.

Amistad – Direção: Steven Spielberg – baseado em uma história real, o filme conta a viagem de africanos escravizados que se apoderam do navio onde estavam aprisionados e tentam retornar à sua terra natal. Quando o navio, La Amistad, é capturado, os africanos são levados aos Estados Unidos, acusados de assassinato e aguardam sua sentença na prisão. Inicia-se então uma contundente batalha, que chama a atenção de todo o país, questionando a própria finalidade do sistema judicial americano.

Hotel Ruanda – Direção: Terry George. Em meio a um conflito que matou quase um milhão de pessoas em menos de 4 meses, em Ruanda, a biografia de um gerente de um Hotel em meio à luta para salvação de pessoas. O filme possibilita refletir sobre a herança colonial belga em Ruanda, o papel da ONU e os desafios implicados para superação do trauma pós-colonial.

um Grito de Liberdade – nos anos 1970, na África do Sul do apartheid, Donald Woods (Kevin Kline) é um jornalista branco que conhece e se torna amigo de Stephen Biko (Denzel Washington), o importante militante pelos direitos dos negros. Quando Biko é morto na prisão, em 1977, Woods percebe a necessidade de divulgar a história do ativista, a perseguição que sofreu, a violência contra os negros, a crueldade do regime do Apartheid. Mas ele e sua família também se tornam alvos do racismo e precisam deixar o país às pressas.

Atlântico Negro: na Rota dos Orixás Direção – Renato Barbieri, 1988. O documentário aborda a importância da história e cultura africana para o Brasil. O documentário evidencia a semelhança existente entre estes povos, sobretudo, nos campos da religiosidade, da musicalidade, da língua, dos hábitos alimentares, da estrutura familiar e das manifestações culturais. Durante as cenas do filme são desconstruídas visões etnocêntricas e de censo comum sobre o continente Africano. A ideia de um território que vive em constante estado de guerras étnicas e civis, de fome e total miséria é desmistificada para mostrar a profunda experiência cultural da África e os intercâmbios ainda hoje em curso com o Brasil.

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NasmontanhasdaLua – Direção: Bob Rafelson. 1990. Baseado no livro de William Harrison. Em 1850, dois oficiais britânicos começam uma aventura para descobrir a fonte do Nilo. O filme aborda os diferentes interesses em jogo no longo processo de exploração científica levado a cabo por sociedades científicas europeias em direção ao continente africano, evidenciando as representações sobre o continente e a relação desigual entre as culturas europeia e africana no curso desta história.

O elo perdido – expedição científica europeia do século XIX captura dois pigmeus tidos por exploradores como o elo perdido. O casal capturado passa a ser estudado por cientistas que se utilizam do aparato científico do século XIX (craniometria, biometria e antropologia física) para comprovação de sua polêmica (posteriormente superada) hipótese a respeito do lugar dos pigmeus africanos na narrativa da evolução humana.

TVEscola–SérieespecialHistóriaeCulturaAfricanaeAfro-Brasileira. Vídeos de 1 a 20 minutos, produzidos no âmbito do Programa TV Escola, MEC, disponíveis para download em <www.dominiopublico.com.br>.

Índios no Brasil. SEF/SEED/MEC

UmaAulaGuaraniEté. Domingos Nobre. Disponível no Youtube

Cineastas Indígenas. Vídeo nas Aldeias

Série: DOC TV Cultura: “Mbya Guarani, Guerreiros da Liberdade” e “Contos da Terra Sagrada”

Xingu. Rede Manchete

Como é possível observar, há vários filmes que podem ser considerados didáticos, com a temática do ensino da cultura e história afro-brasileira e indígena. É um valioso auxílio para a educação.

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Há, ainda, a possibilidade de se trabalhar com projetos pedagógicos que englobem:

a) História: Memória e História; Mito e História.

b) Literatura e Língua portuguesa: Lendas e Mitos Indígenas, Etimologia de palavras indígenas; Literatura Indígena; Línguas Indígenas.

c) Artes: Arte e Cultura Material Indígena; Artesanato Indígena; Pintura Corporal.

d) Geografia: Território e territorialidades; Questão fundiária.

SUGESTÕESDESITESDEPESQUISA:CAIK – Centro de Assessoria Intercultural Kondo <www.aldeiaguaranisapukai.org.br>.GEPI – Núcleo de Estudos e Pesquisas Indigenistas <www.djweb.com.br/historia>. CIMI – Conselho Indigenista Missionário <www.cimi.org.br>. Museu do Índio – FUNAI <www.museudoindio.org.br>.Portal Kaingang <www.portalkaingang.org>. Editora Curt Nimuendajú <www.curtnimuendaju.com>. ISA – Instituto Socioambiental <www.isa.org.br>.Guarani Ñanduti Rogue <www.uni-mainz.de/~lustig/hisp/guarani.html>. Associação Guarani Nhe´ê Porá <www.culturaguarani.hpg.ig.com.br>. CPI-SP Comissão Pró-Índio de São Paulo <www.cpisp.org.br>. NEPPI – Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas – UCDB – MS <www.neppi.org>.CTI – Centro de Trabalho Indigenista <www.trabalhoindigenista.org.br>. CCPY – Comissão Pró-Yanomami <www.proyanomami.org.br>.COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira <www.coiab.com.br>. CIR – Conselho Indígena de Roraima <www.cir.org.br>.

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Como leitura complementar sugiro o artigo HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NAS ESCOLAS: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA disponível em:<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/38/art15_38.pdf>.

AVALIAçãO COMO PROCESSO DE MELHORIAS DA AçãO DOCENTE E DISCENTE

A ruptura com as visões simplistas sobre o ensino de História, o conhecimento extenso sobre a matéria a ser ensinada, a exata dimensão dos limites entre os conhecimentos prévios dos alunos e a busca pelo conhecimento formal, são fundamentais tanto quanto planejar, preparar atividades capazes de gerar uma aprendizagem efetiva, dirigindo os trabalhos dos alunos, mas permitindo aos mesmos os questionamentos.

Falta, agora, adicionar um fator que consideramos de extrema relevância, um verdadeiro teste para a aptidão educacional do professor de História: o saber avaliar.

Campos e Nigro (1999, p. 161) consideram a avaliação o “motor da aprendizagem”. Sua abor-dagem se inicia explicando como, ultimamente, tem-se imposto a aprendizagem significativa dos conteúdos. “Com isso, novas metodologias e paradigmas são impostos aos novos pro-fessores, muitos dos quais formados sob os moldes do ensino por transmissão-recepção” (CAMPOS; NIGRO, 1999, p. 162).

Os autores citados apresentam que em meio à busca de novos caminhos, a opção pelas provas escritas tem algumas vantagens. Entre elas: permite avaliar muitos alunos e conteúdos de uma só vez, é um documento que se pode rever e analisar, é relativamente fácil de aplicar

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e pode ser fácil de corrigir, sua execução exige um tempo relativamente curto. Tudo isto, portanto, pode explicar sua definitiva inserção no processo de ensino-aprendizagem.

Mas, Campos e Nigro (1999) lembram que a memória é apenas uma das capacidades relacionadas ao ensino-aprendizagem e fazem constar a necessidade de contemplar igualmente: a percepção quanto à clareza do conteúdo no plano consciente, a percepção acentuada do mesmo conteúdo, a consciência crítica ou posicionamento do sujeito em relação aos suportes do fenômeno. Por isso, sugerem algumas modificações que levem ao incentivo das diferentes capacidades relacionadas acima.

Uma obra que gosto muito quando mencionamos a avaliação escolar é “Prova: um momento privile-giado de estudo e não um acerto de contas” de Vasco Moretto. Faça você também a leitura dele, mas antes leia a sinopse.Vasco (2001), na obra Prova: um momento privilegiado de estudo e não um acerto de contas, faz um paralelo entre ensino por competências e ensino para competências, buscando esclarecer a neces-sidade de uma avaliação conjugada com as competências e planejamento. O autor deixa bem claro queoeixonorteadordesuasreflexõeséoensinoparacompetênciaeassimadaptaoconceitodePerrenoud sobre competência, dizendo que esta é “a capacidade de o sujeito mobilizar recursos (cog-nitivos) visando abordar uma situação complexa” (p.80).Além disso, preocupa-se em desdobrar o referido conceito em seus aspectos importantes, ou seja, o primeiro se refere aos recursos disponíveis para o professor mobilizar na abordagem de uma situação complexa, tais como conteúdos relevantes e contextualizados; desenvolvimento de habilidades espe-cíficaspelarepetiçãosistemática;conhecimentodalinguagemespecíficapararesolverumasituaçãocomplexa; consciência da diversidade de valores culturais na escolha de estratégias de ensino; admi-nistração da inteligência emocional da classe. Dessa forma, percebe-se que o objetivo do professor é ensinar para que o aluno aprenda e “a avaliação nada mais é do que um momento especial desse processo de aprendizagem” (MORETTO, 2001, p.85).Osegundoaspectoserefereàcompetênciapropriamenteditadoprofessor,queemsíntesesignificaque ele é capaz de planejar e exercer, com segurança e objetividade, todos os procedimentos já cita-

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dos no parágrafo anterior. Conseqüentemente, esse professor competente deve optar pela avaliação formativa, que, segundo Perrenoud (1999) apud Otsuka e Rocha (2007), “ajuda o aluno a aprender e a se desenvolver, que participa da regulação das aprendizagens e do desenvolvimento no sentido de um projeto educativo”. Vasco(2001)finalizasuareflexão,especificandoascaracterísticasdeumprofessorcompetentenaavaliação de seus alunos, o que nos leva a fazer um exame de consciência sobre o nosso proceder como avaliadores do aprendizado da classe aprendiz, chegando à suprema verdade de que quando avaliamos, estamos avaliando a nossa própria competência de ensinar para que o aluno aprenda. Postado por Marta Melo, disponível em: <http://www.educacaoadventista.org.br/blog/raquelf/index.php?op=post&inicio=1>. Acesso em: 01 jun. 2011.

A correção “transparente” que enuncia os valores das questões, por exemplo, é outro momento focalizado, com a sugestão de uma correção “coletiva” das provas aplicadas (CAMPOS; NIGRO, 1999, p. 172).

Enfatizam, ainda, que a avaliação deve cumprir diferentes finalidades, “ocorre em diversos momentos do ensino e não apenas ao final de uma unidade didática” (CAMPOS; NIGRO, 1999, p. 173).

Quanto ao importante momento de avaliar atitudes, sugerem critérios para avaliar trabalhos em grupo, antes de chegar à avaliação somativa.

Pessoa de Carvalho e Gil-Pérez escrevem que:

É provável que a avaliação seja um dos aspectos do processo de ensino-aprendizagem, em que mais se faça necessária uma mudança didática, isto é, um trabalho de formação dos professores que questione “o que sempre se fez” e favoreça uma reflexão crítica de idéias e comportamentos docentes de “senso comum” muito persistentes (2003, p. 55).

Apontando as “tentações” que levam a avaliar de forma insatisfatória a capacidade discente ou, ainda, pensando no fracasso de uma percentagem significativa dos alunos de História perante tais avaliações, esses autores nos apresentam sua visão de saber avaliar:

- Conceber e utilizar a avaliação como instrumento de aprendizagem que permita fornecer um feedback4 adequado para promover o avanço dos alunos,- Ampliar o conceito e a prática de avaliação ao conjunto de saberes, destrezas e atitudes que interesse contemplar na aprendizagem de História,- Introduzir formas de avaliação de sua própria tarefa docente como instrumento de melhoria de ensino (PESSOA DE CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2003, p. 59).

4 Expressão tirada da língua inglesa que significa o que está por detrás, a retaguarda.

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Ou seja, para tais autores, o importante é que a avaliação possa transformar-se em um instrumento efetivo de aprendizagem.

Boaventura de Oliveira e Barra da Universidade Federal do Paraná (EAD) lembram que, para o ensino de História, os Parâmetros Curriculares Nacionais instituíram a necessidade da avaliação como “um conjunto de atuações que têm a função de alimentar, sustentar e orientar a intervenção pedagógica e fornecem orientações didáticas que deverão subsidiar a reflexão do professor a respeito de como ensinar" (1997, p. 39).

Como podemos perceber, uma avaliação que finalize um processo didático que esteja em conformidade com o que relatamos estará apta a ser chamada de uma avaliação eficaz quanto aos resultados pretendidos.

A avaliação apresenta basicamente três funções: diagnosticar, controlar e classificar. Relacionadas a essas três funções, existem três modalidades de avaliação:

• Diagnóstica• Formativa• Somativa

Font

e: P

HOTO

S.CO

M

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Para Schmidt e Cainelli, “as várias atitudes de avaliação têm características que podem ser enumeradas com base em sua finalidade, sua utilização, seus objetivos e nos principais aspectos enfatizados por ela” (2004, p.148). Neste sentido, a primeira avaliação pode ser denominada inicial ou diagnóstica e tem por objetivo obter informações sobre os conhecimentos prévios dos alunos, seus gostos, interesses, atitudes. Geralmente, é usada no início de um conteúdo novo, de um período letivo ou de um projeto.

Em outras palavras, a avaliação diagnóstica é aquela realizada no início de um curso, para verificar os pré-requisitos necessários de cada aluno, se eles possuem ou não conhecimentos e habilidades imprescindíveis para as novas aprendizagens. Ela subsidia o planejamento e a organização de sequências de ações e permite estabelecer o nível de necessidades iniciais para a realização de um projeto adequado.

Luckesi define a avaliação diagnóstica:

Com isso, queremos dizer que a primeira coisa a ser feita, para que a avaliação sirva para a democratização de ensino, é modificar a sua utilização de classificatória para diagnóstica. Ou seja, avaliação deverá ser assumida como instrumento de compreensão do estágio de aprendizagem do aluno, tento em vista tomar decisões suficientes e satisfatórias para que ele possa avançar no seu processo de aprendizagem. Desse modo avaliação não seria somente um instrumento para a aprovação ou reprovação do aluno mais sim um instrumento de diagnóstico de sua situação, tendo em vista a definição de encaminhamentos adequados para sua aprendizagem (2005, p. 52).

A segunda forma de avaliar pode ser denominada formativa e tem como principal objetivo detectar problemas de ensino-aprendizagem. Por meio dela, o professor enfatiza os resultados da aprendizagem e estabelece um comparativo entre os diferentes resultados obtidos pelo mesmo aluno, o processo de aprendizagem que permitiu a obtenção dos resultados e as causas dos fracassos na aprendizagem.

A avaliação formativa é realizada no decorrer do ano letivo, com intuito de verificar se os alunos estão atingindo os objetivos de aprendizagem previstos. Esse tipo de avaliação é basicamente orientadora, pois encaminha tanto o estudo do aluno quanto os procedimentos do professor.

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Fornece dados para uma tomada de decisão que pode ser no sentido de criar condições de melhoria do ensino visando a uma aprendizagem, pois o processo não está acabado.

Esse tipo de avaliação desempenha um papel controlador, ou seja, localiza deficiências no ensino e informa - professor aluno - sobre o rendimento da aprendizagem, além de possibilitar ao educador formas para que possa corrigir as falhas e aperfeiçoar mais o processo.

A avaliação formativa é, então, uma importante fonte de informações para o atendimento às diferenças culturais, sociais, psicológicas dos educandos, o que se torna grande conquista na luta contra as desigualdades e o fracasso escolar (PERRENOUD, 1999, p. 28).

Quando age reflexiva e razoavelmente partindo de princípios morais, transformamos aquela atividade espontânea, natural, em atividade formativa. Pelo fato de que obtemos conhecimento a partir da avaliação, podemos intervir inteligentemente de um modo justo, equânime, eqüitativo para aumentar o conhecimento de quem aprende e de quem ensina. O que não é racional, e menos razoavelmente sustentável, é que sejam exames os que definam o conhecimento, isso é a própria perversão do conhecimento. Trivializam-no e empobrecem-no, reduzindo-o a um produto de consumo imediato para o êxito fugaz da prova, da qual se torna e é tratado como mercadoria. É a perversão também do que é aprender e do que é avaliar, considerando como evidente a pobreza intelectual de quem ensina com esse espírito (MENDEZ, 2002 p.85).

Os mecanismos de avaliação devem ser aliados ao processo ensino-aprendizagem de modo a auxiliar a ação do professor na adequação de conteúdos e na identificação de dificuldades.

A prática formativa na avaliação tem como objetivo fazer com que todos adquiram conhecimento e apropriem-se deste saber de maneira reflexiva e construtiva. No entanto, não significa que aqueles que não atinjam esse objetivo serão eliminados. A avaliação formativa acompanha o processo de ensino-aprendizagem, verificando se os objetivos iniciais de um trabalho estão sendo atingidos.

A avaliação formativa está muito ligada ao mecanismo de “Feedback”, à medida que também permite ao professor detectar e identificar deficiências na forma de ensinar, possibilitando reformulações no seu trabalho didático, visando aperfeiçoá-lo.

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Nesse sentido, Esteban (1997, p. 53) enfatiza que avaliar significa deixar de fazer julgamento sobre a aprendizagem do aluno, para constituir um momento capaz de expressar os conhecimentos que os alunos já têm estruturado, o processo cognitivo que realizou para alcançar tais conhecimentos, o que o aluno ainda não sabe, o que pode vir a saber, as suas possibilidade de aprendizagem e suas necessidades para que a superação, sempre transitória, do não saber possa ocorrer.

A avaliação formativa fornece informações que possibilita uma adaptação do ensino às diferenças individuais na aprendizagem. É importante ressaltar que essa adaptação dever ser feita “antes que seja tarde demais” (BLOOM, apud HAYDT, 2000, p.13). Após a avaliação formativa que possibilita um ensino eficaz e aprendizagens efetivas, a avaliação somativa que ocorre no final do bimestre escolar constitui uma melhor aproximação.

Por fim, a avaliação somativa objetiva realizar um diagnóstico do aluno no final de um período, seja no final de uma unidade, de um bimestre, de um ano letivo... o principal aspecto enfatizado nesse tipo de avaliação é o resultado da aprendizagem baseada nos objetivos. Consiste em classificar os alunos de acordo com o nível de aproveitamento previamente estabelecido, geralmente tendo em vista sua promoção de uma série para outra, ou de um grau para outro.

No saiba mais organizamos estas informações resumidamente para melhor compreensão.

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Fonte: Adaptado de Jussara Hoffmann. Avaliação Mediadora. 197 págs., Ed. Mediação.

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Vale lembrar que a prática avaliativa como acompanhamento cotidiano da aprendizagem possibilita ao professor emitir juízos de valor mais adequados sobre o aproveitamento escolar dos alunos.

Independentemente da forma pela qual a escola expressa esses juízos de valor – notas, conceitos e da frequência com o qual o emite – bimestral, trimestral, semestral – essa formalização tem um caráter de síntese. Nesses momentos, faz-se uma reflexão maior e mais cuidadosa sobre os resultados atingidos.

Nesse sentido, é importante definir com clareza e antecedência os pontos de chegada desejados pelos professores, bem como os critérios pelos quais o grupo vai julgar se os alunos estão ou não se aproximando dessas metas. Embora, tais critérios tenham uma dimensão subjetiva e dependam dos valores do professor, é importante fazer um esforço para defini-los. Isso torna as regras do jogo mais explícitas, esclarecendo o que é esperado tanto para o professor como para o aluno.

Tão importante quanto a avaliação é o ato de corrigir. A correção pode ser realizada a partir da problematização e discussão das respostas – as incompletas, as incompreensíveis, as que mostram que o aluno não entendeu o que foi solicitado, as que reproduzem fielmente os assuntos tratados, as que mostram que não havia uma resposta possível. As formas de correção, os critérios, a atribuição de valores também devem ser discutidos com os alunos, principalmente entre os dos 3°, 4° e 5° anos que já possuem uma compreensão do processo.

Não se pode esquecer que o retorno para os alunos sobre os resultados corretos ou esperados é parte inseparável da prova, pois cada aluno precisa saber em que e por que acertou ou errou. Isto oportunizará, num segundo momento, não mais errar.

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Revista Brasileira de HistóriaRev. bras. Hist. vol. 18 n. 36 São Paulo 1998RepresentaçõeseLinguagensnoEnsinodeHistóriaErnesta1 Zamboni2

Universidade Estadual de Campinas Resumo Oobjetivodestetextoérefletirsobreasrepresentaçõeselinguagensmaisusadasnaproduçãodoco-nhecimentohistórico,noensinofundamental.Enfocamosousodafotografia,dodesenho,danarrativados cronistas, dos conceitos e do livro didático como representações do real.Palavras-chave: Produção do Conhecimento; Representação; História. Opropósitodestetextoérefletirsobreasrepresentaçõesconstantesdediferenteslinguagenscomoafotografia,odesenhoeotextoescritousadosnaconstruçãodoconhecimentohistóricoemsaladeaula. O tema Representações no ensino de Histórianosreportaaumainfinidadedesituaçõespelamultiplicidade de sentidos que o termo evoca. Esta multiplicidade está associada às mudanças para-digmáticas,aumacrisedosvalorescontemporâneos,aofimdeumavisãohomogêneaeabsolutaemconsiderar e analisar os fenômenos sociais e históricos, à visão unitária do mundo, ao questionamento dosdiscursoscientíficos,àidéiadeprogresso,denaçãoeformaçãodenacionalidadequecaracteri-zaram, e às vezes ainda caracterizam, o ensino de história em determinada época. Vivemosemumaeraquesedefinepelaexpansãodasrelaçõesvirtuaiseminúmerasinstânciasso-ciais, redimensionando, conseqüentemente, as categorias espaço e tempo, relações sociais e cultura. Era na qual o espaço é cada vez menor, o tempo cada vez mais veloz, e as relações sociais mais voláteis. Assim, a consideração pelo imaginário deixa de ser uma visão deformadora do conhecimento para se tornar um objeto de estudo na vertente da história cultural e das mentalidades, desenvolven-do-se no momento em que as posturas interpretativas também não dão conta do real. Essas transformações ocorrem em diferentes momentos do social e o processo educativo não está excluído e nem independente de todas estas mudanças. Elas envolvem um conjunto de relações existentesentreossignificantes(imagensepalavras)eosseussignificados(asrepresentações).Nesta articulação a sociedade constrói a sua ordem simbólica, que, se por um lado não é o que se convenciona chamar de real (mas sim uma sua representação), por outro lado é também uma outra forma de existência da realidade histórica (...)3

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Tratando-se das análises das representações construídas para atender às exigências educacionais, o nosso olhar dirige-se a várias situações - uma delas ligada à apreensão e construção do conhecimen-to em sala de aula, isto é, a relação de aprendizagem existente entre os professores e os alunos -, e a outra,àsmúltiplasmercadoriasproduzidaspelaindústriacultural,comovídeos,livros,filmes,pinturas,gravuras,fotografias,enfim,todososmateriaisconsideradosdidáticos.No processo de produção de tais materiais as mudanças são mais evidentes na escolha das temáti-cas propostas pela História Nova, as quais foram incorporadas às propostas curriculares, do que no tratamento metodológico a elas atribuído. Nesses materiais, o conhecimento histórico é visto como uma verdade absoluta, homogeneizadora, sem problematização: por exemplo, o tema Trabalho nos livros paradidáticos é enfocado de forma compartimentada, sob a ótica de modelos pré-determinados, criados pela história tradicional - o trabalho compulsório sempre relacionado ao indígena, o escravo ao negro e o assalariado aos imigrantes. Não há texto que mostre as permanências, as simultaneidades, as semelhanças e os diferentes olhares sobre o tema Trabalho. Nos livros paradidáticos, aparentemente, os seus autores teriam a liberdade e a possibilidade de apro-ximar o conhecimento histórico da antropologia, da psicologia, da história da cultura, podendo atribuir àhistóriaumolharespecialepróximodocotidiano,semcertezasabsolutas,ecomumainfinidadedepossibilidades,apresentandoemsuasexplicaçõescausasnecessáriasenuncasuficientes.Naprática, entretanto, isto não acontece. As análises estão fundamentadas na sociologia e na economia como modelos explicativos absolutos. Consideramos que a essência do conhecimento histórico são as ações humanas repletas de emoção, desensibilidades,decontradiçõestraduzidasnofatohistórico.ConcordamoscomPesaventoaoafir-mar que:

Todo fato histórico - e, como tal, fato passado - tem uma existência lingüística, embora o seu referente (real) seja exterior ao discurso. Entretanto, o passado já nos chega enquanto discurso, uma vez que não é possível restaurar o real já vivido em sua integridade. Neste sentido, tentar reconstituir o real é reimaginar o imaginado, e caberia indagar se os historiadores, no seu resgate do passado, podem chegar a algo que não seja uma representação (...)4

Também é parte do conhecimento e do fato histórico o tratamento dado à cultura e ao documento. Como nos lembra Le Goff, o trabalho com o documento

(...) escrito, arqueológico, figurativo, oral, que é interrogar os silêncios da História (...) algo que nos foi dado intencionalmente, ele é o produto de uma certa orientação da História, de que devemos fazer crítica, não só segundo as regras do método positivista, que obviamente continuam necessárias a um certo nível, mas também de uma maneira que eu qualificaria de quase ideológica. É preciso para explicar e reconhecer o documento o seu caráter sempre mais ou menos fabricado5.

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Próximo ao documento trabalha-se o conceito de cultura, entendida como manifestação de todos os comportamentos humanos e diretamente ligada à ideologia, tomada como a sistematização de valores e crenças - nada inocentes - e que estão presentes na vida cotidiana, no processo de interação entre os sujeitos. Na ideologia há uma intenção explícita. Como este procedimento com documentos e suas representações são apresentados nos materiais didáticos? Sabemos que os materiais didáticos são expressões de representações e “em cada um deles deve-mosadotarumprocedimentoespecíficoparaanalisá-los”.Afotografiacomolinguagemdocumentalrepresenta uma dada realidade em um determinado momento. O fotógrafo é um sujeito que conhece otemaqueestásendoregistrado,umapessoaquetemumolhardirecionadoecheiodesignificadosesignificantes.Entreosdoismomentosfotográficos,acriaçãoeaprodução,ofotógrafoéenvolvidoemumconjuntodedecisõesquevãodesdeaescolhadofilme(marca,asa,cor)atéaqualidadedopapelnoqualofilmeserárevelado.Sãoosdetalhesreferentesàintensidadedeluz,cor,velocidade,aproximação,tipodelenteexistentesnomomentodafotografia,quedãoaofotógrafoaconcretudedesuasintenções.Nãoéindiferentefotografarumadadarealidadecomoumfilmebrancoepretooucomfilmecolorido:osresultadossãodistintos.Quandosequerdaràfotografiaumarmaisintimista,explora-seofilmeembrancoepreto,jogandocommomentosemclaroeescuro,semprenadimensãodos contrastes. Assim, também não é indiferente ao fotógrafo a utilização de um papel brilhante ou opaco,oumesmodaràfotografiaumtomamarelado,envelhecido.Afotografiaéumtipoderepresentaçãoqueexpressaarelaçãoexistenteentredoissujeitos:ofoto-grafado e o fotógrafo. Este último tem uma ideologia e uma intenção expressas na escolha do outro sujeito a ser retratado, atribuindo-lhe símbolos de vida. Para o fotógrafo é uma representação parti-cular, única. Como diz Benjamin “o espírito dominando a mecânica, reinterpreta seus resultados mais exatos como símbolos de vida”6.Nesse sentido, a representação do real é em si mesma uma transformação do próprio real. Ao pensar nestereal,ofotógrafopensouemtodososreferenciaisqueestãoaoseuredor.Portanto,afotografianãoéapenasumailustração,éumdocumentodirecionado.Cadafotografiatemumsignificadoegerasignificantes,cadapessoaqueolhaumafotografiaouumdesenho,passaalê-loscomumdetermina-do olhar e busca nestas representações uma mensagem. Borges7, ao trabalhar com a recuperação da memória e a construção da história dos índios guaranis, mescloudiferentes representações imagéticas:asplanchasdeDebret,a fotografiaeosdesenhosdos índios. Entre os vários procedimentos adotados com a intenção de reavivar a memória dos índios sobre os fatos vividos por seu povo, o pesquisador utilizou várias planchas de Debret, entre elas as xilogravuras criadas por Hans Staden localizadas no livro Duas viagens ao Brasil. O desenho de Debret a respeito do apresamento indígena nos campo de Curitiba não deixa de ser o

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olhareuropeusobreumpovoeumdadolocal.Senosdetivermosnarepresentaçãodasfigurasfemi-ninas e das crianças, nos traços das pernas, da forma do corpo e do cabelo, concluiremos que elas estãomaispróximasdasfiguraseuropéiasdoquedamulherindígena.(plancha nº 20)8

No processo de observação da plancha foi solicitado aos índios que escrevessem algo sobre a cena 9. A escrita produzida é também um tipo de representação. Depois disso, pediu-se aos mesmos índios que além da escrita, representassem-na por meio de desenho e que escrevessem, com base neste, um texto.

A partir da representação de Debret, os índios produziram uma segunda, diferente da anterior. No novodesenho,as índiasestãovestidas,operfildasmulheresestámaispróximodorealvivido.Otexto10, por sua vez, evoca a autoridade do cacique, a necessidade das relações de parentesco, bem como as conseqüências do não atendimento às suas decisões. Este é um dos exemplos que mostra como o trabalho do historiador é um trabalho sobre palavras, que por sua vez constituem representações construídas sobre outros referenciais carregados de valores, de traços culturais e ideologias. Nas representações citadas estão expressas as preocupações dos autores de manter valores e permanências existentes no seu grupo, como, por exemplo, a importância de se respeitar a autoridade do cacique. Este trabalho que envolveu a observação, a recuperação de

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uma memória, a análise de uma determinada representação e a produção de novas representações foi objeto de produção/transmissão e construção de representação, integrando um enfoque compre-ensivo de comunicação de massa. Todos os produtos culturais, ao serem apropriados, o são por grupos inseridos em contextos sócio--culturaisespecíficos,portanto,hámodosespecíficosdeapropriá-los.Qualéaconstruçãodarepre-sentação de um real expresso por meio das palavras? Com relação à produção do conhecimento em sala de aula, lidamos diretamente com a construção e elaboração de imagens e palavras. Nesse aspecto, a compreensão dos sentidos das palavras é de fundamental importância. Estudos de Vygotsky sobre a formação do pensamento e da linguagem da criançaafirmamque“osignificadodaspalavraséumfenômenodopensamentoverbal,oudafalasignificativa-umauniãodapalavraedopensamento”11. Quando uma palavra adquire determinado significado,podeseraplicadaaoutrassituações:éaaplicaçãodeumconceitoanovassituaçõesconcretas, é um tipo de transferência. Exemplodoquesetemafirmadoaquisãoasrepresentaçõescriadaspelosalunosdeconceitosesitu-ações que nos parecem unidimensionalmente compreensíveis. Silva, em sua investigação a respeito do processo de construção de conhecimento em uma 5ª série do ensino fundamental, com o objetivo de conhecer as idéias prévias dos alunos sobre os bandeirantes, propôs a seguinte pergunta: “O que vocês sabem sobre os bandeirantes?”12 e solicitou a representação de seus conhecimentos por intermédio de desenhos. Depois destes dois tipos de representação, constatou que a palavra “ban-deirante” estava associada ao mundo conhecido pelos alunos, como a Rodovia Bandeirantes, grupo dos escoteiros, a bandeira, os exploradores de terras e de ouro e a personagens históricos. Portanto, apalavra“bandeirante”tinhaparaosalunosdiferentessignificados.Paraoprofessortrabalharadimensãohistóricadosbandeirantes,dotandootemaderealsignificaçãohistóricaparaosalunos,foifundamentalaexposiçãoinicialdasdiversassignificaçõesqueapalavra“bandeirante” continha. O procedimento adotado pelo pesquisador está correto, pois durante o processo de aprendizagem é necessário que o professor trabalhe as representações dos conceitos espontâneos das crianças e asuacapacidadededefini-los.Oalunoaprendeumconceitonomomentoemquesabeusá-loemsituações concretas e, paulatinamente, vai interiorizando-o a ponto de aplicá-lo em outras situações; é a chamada fase da transição do conhecimento concreto para o abstrato ou vice-versa13. Outroexemplode“comosedáoprocessodeconhecimentoemHistóriaeGeografiaemclassesda2ªsérie” é a pesquisa desenvolvida por Camargo em uma escola pública de Campinas14. O trabalho tinha como objetivo estudar a exploração e o desenvolvimento da criatividade e do imaginário no interior da sala de aula, tendo como referências o livro didático e a relação entre a professora e os alunos. A hipótese da pesquisadora era a do furto do imaginário infantil no interior da sala de aula, provocado

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pela ação docente e pela estrutura e conteúdo do texto didático. Em uma das aulas o tema era o Folclore, e a professora perguntou aos alunos o que eles sabiam sobre os índios15. Uma criança disse que eram seres do outro mundo e outra, que eram duendes. Sem explorar o referencial que levou as criançasaessasafirmações,oumesmodespertarointeressedelasparanovosreferenciaisculturais,a professora perdeu a oportunidade de trabalhar com as semelhanças e diferenças, permanências e mudanças existentes entre os grupos culturais e sociais. Ela simplesmente respondeu: “os índios são os indígenas”, transmitindo assim uma falsa informação. Este é mais um dos inúmeros exemplos que focalizam o distanciamento existente entre a fala dos pro-fessores, o texto do livro didático e o universo cultural dos alunos. Se a professora tivesse pedido aos alunosqueexplicassemoporquêdesuasrespostas,teriapenetradonoseuuniversocultural,identifi-cado as razões que os levaram a responder daquele modo, explicado e/ou proposto uma pesquisa na qual as crianças encontrariam os fundamentos das suas representações, ampliando-as. Osdocumentoshistóricostambémcontêmumainfinidadedesituaçõesquenospermitemtrabalharcom diferentes representações sobre o mesmo objeto. Um deles é o da representação sobre o tatu feita por cronistas antigos. Pero Magalhães Gandavo assim o descreve em História da Província de Santa Cruz (1576):

(...) o mais fora do comum dos outros animais (...) chama-lhe tatus e são quase como leitões: tem um casco como de cágado, o qual é repartido em muitas juntas como lâminas e proporcionadas de maneira que parece totalmente um cavalo armado. Têm um rabo comprido todo coberto do mesmo casco. O focinho é como de leitão, ainda que mais delgado e só botam fora do casco a cabeça. Têm as pernas baixas e criam-se em covas como coelhos. A carne destes animais é a melhor e mais estimada que há nesta terra e tem o sabor quase como de galinha (...)16

E Gabriel Soares de Souza em 1587 no Tratado descritivo do Brasil assim o faz: (...) é um animal estranho, tem as pernas curtas, cheias de escamas, o focinho comprido cheio de conchas, as orelhas pequenas e a cabeça que é toda cheia de lâminas redondas (...) quando este animaltemoutro,mete-setododebaixodestasarmas,semlheficarnadadefora(...);temasunhasgrandes, com que fazem as covas debaixo do chão, onde criam. Mantêm-se de frutas silvestres e minhocas, andam devagar e, se caem de costas, têm trabalho para se virar, e têm barriga vermelha cheia de verrugas (...)17 Em ambas as representações, o tatu é descrito a partir de referências conhecidas, com o objetivo de dar concretude às suas falas: Gandavo compara-o com outros animais que fazem parte do seu univer-so conhecido “são quase como leitões”, “têm casco como de cágado”, “criam-se em covas como coe-lhos”, “o sabor quase como de galinha”. Enquanto isso, Gabriel Soares de Souza utiliza-se de outros referenciais: “a cabeça é toda cheia de lâminas redondas”, “quando este animal tem outro, mete-se todo debaixo destas armas”, “mantém-se de frutas silvestres e minhocas”, “tem barriga vermelha cheia

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de verrugas”. Nestas representações sobre o tatu, animal desconhecido pelos europeus, ambos criam umarepresentaçãobaseadanosignificante,istoé,numaimagemsobreotatu.Os contos camponeses medievais foram criados no fazer social, por sujeitos que viviam no acontecer cotidiano, subjugados pelo poder do senhorio, dos poderosos, sem nenhuma lei que os amparas-se e os protegesse. Criar, imaginar e narrar histórias baseadas no cotidiano, em uma sociedade fundamentada na oralidade, eram os meios encontrados pelo povo para manifestar sentimentos de alegria,tristeza,injustiça,revolta,dificuldadesecomportamentosimagináriosdequeoscamponeseslançavam mão ou não para sair do estado de miséria em que viviam. Estes contos camponeses trans-mitidosoralmentenofinaldoséculoXVII,foramregistradosporCharlesPerraultereconhecidosnossalões literários franceses, sendo fundamentalmente, os atuais contos infantis, tão bem estudados e explorados por Darnton. São as versões das histórias da Cinderela, Joãozinho e Maria, Chapeuzinho Vermelho, Mamãe Ganso, O Gato de Botas. A representação existente na História do Gato de Botas mostra que a única saída para o estado de pobreza e miséria em que viviam os pobres, era o uso da esperteza e da astúcia, bem como da igno-rânciaeingenuidadedosmaisfavorecidos.Éafiguradogatoquecolocaempráticatodasasartima-nhasnecessáriasparaqueoseuproprietáriopossacasar-secomafilhadoreiesairdasituaçãodepobreza em que vivia. Os pobres só conseguiam conquistar um status melhor na sociedade por meio do casamento e da esperteza. Outras histórias representam a pobreza, a fome, a doença e o alto índice de mortalidade de mulheres, são os contos de Joãozinho e Maria e a Cinderela e/ou Gata Borralheira. No primeiro conto, um lenha-doréinstigadopelamulher,pormotivosdeextremamiséria,aabandonarocasaldefilhos,doprimeirocasamento,nafloresta.Ascriançassesalvamporquesãoatraídaspelacasadabruxaqueeracobertade doces, e quando nela se encontravam, conseguem escapar de morrer na panela de água fervente, pela esperteza. No segundo conto, a Cinderela só consegue sua liberdade com a ajuda de uma fada epelofatodesecasarcomopríncipe.Nashistórias,amadrastageralmentepersonificaamaldade.O uso dos contos como linguagem e representação para se conhecer a história também é uma porta para adentrar o universo cultural e construir a história das camadas populares da sociedade que, analfabetas,acabaramdesaparecendo,quasesemdeixarvestígios.ComoafirmaDarnton,“rejeitaros contos populares porque não podem ser datados nem situados com precisão, como outros do-cumentos históricos, é virar as costas a um dos poucos pontos de entrada no universo mental dos camponeses, nos tempos do Antigo Regime”.18 Com relação aos livros paradidáticos e didáticos, eles entram na sala de aula como objetos, cuja inten-ção é apresentar um conhecimento já organizado, fechado. Têm um status especial, foram produzidos para a sala de aula. Portanto, cada um deles tem uma forma particular de organização. Os textos são curtos, bem divididos e com uma linguagem especial. São colocados na sala de aula como sujeitos

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que intermedeiam a relação de conhecimento entre o professor e o aluno. Muitos apresentam uma parte introdutória com orientações de como usá-los e explorá-los. As imagens são postas ao lado dos textos, muito mais como meras ilustrações do que como um outro texto a complementar o principal. Em inúmeros livros didáticos não há fontes que indiquem a origem das ilustrações. Quanto às palavras usadas nos textos, são destituídas de sentido para os alunos; eram válidas para uma determinada época, mas hoje não há uma atualização das palavras usadas, distanciando-se do universo lingüístico dos alunos. Como exemplo cito: “bandeirantes”, “o bloqueio continental”, “a tomada” de Constanti-nopla,o“esfacelamento”doImpérioromano,a“quedadoImpérioRomano”,“InconfidênciaMineira”“InconfidênciaBaiana”.Alémdestaspalavrasestaremdesatualizadas,hánoslivrosousodeoutrasqueexpressamclaramenteaideologiadoautor,comoporexemploapalavra“inconfidente”paraosgrupos de pessoas que participaram dos movimentos em Minas Gerais e Bahia e cujo objetivo era a separação do Brasil de Portugal, ou ainda a denominação de “rebeldes e arruaceiros” aos brasileiros que lutaram por seus direitos na “Noite das Garrafadas”, em 1824. SegundoVygotsky,osignificadodeumapalavrarepresentaumamálgamatãoestreitodopensamentoedalinguagem,queficadifícildizersesetratadeumfenômenodafalaoudeumfenômenodopensa-mento.Umapalavrasemsignificadoéumsomvazio;osignificado,portanto,éumcritériodapalavra,seu componente indispensável19. Seo textoé formadoporumconjuntode representações,comaausênciadesignificadosnãoháaprendizagem. Assim também a teoria da associação é igualmente inadequada para explicar o desen-volvimentodosignificadodaspalavras,comonocasodo“bloqueiocontinental”.Os paradidáticos são mais fáceis de serem produzidos por sua natureza temática. Os temas e os procedimentos geralmente são atuais, muitos deles síntese de trabalhos acadêmicos. Alguns autores, com a intenção de transmitir uma visão crítica da história, quando se referem a determinados sujeitos, criam representações que acabam adulterando o conhecimento e provocando o seqüestro dessa mesmahistória.Umadasfigurasquemaissofreesse tipode tratamentoéD.Pedro I.Emalgunslivros20,eleéapresentadocomopessoairresponsável,inconseqüente,mulherengo,semvontadefir-me. Representações desta natureza transmitem aos jovens a idéia de que a independência ocorreu por um ato voluntarioso, distanciando-o de um processo político, no qual diferentes sujeitos estavam envolvidos. Por outro lado, a representação de Tiradentes, um herói construído pelos republicanos, assemelha-seàfiguradeJesusCristo.Concluindo, quero enfatizar a existência de inúmeras outras linguagens que produzem também ou-tras representações utilizadas em sala de aula e que são diretamente voltadas para a produção e compreensão do conhecimento histórico, principalmente em uma sociedade imagética como a nossa, caracterizada pela comunicação de massa, pela força das imagens produzidas para e pela televisão. Todos esses processos representativos são mão única, isto é, temos diante da televisão uma atitude passiva, sem diálogo.

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A nossa escolha na análise de algumas representações foi determinada pela presença e mediação do professor em todo processo interativo, pois a produção da aprendizagem não é simples nem fácil, é eivada de representações e clarezas. Por não ser um processo unidimensional, exige uma série de elaborações intelectuais e é neste contexto que inserimos o presente estudo.

NOTAS1 Este texto foi apresentado no 3º Encontro de Professores de História em Curitiba, na UFPR no mês de julho de 1998. 2 As idéias contidas neste texto são resultantes de pesquisas desenvolvidas na pós-graduação e os exemplos usados foram autorizados pelos meus orientados: Cláudio Borges da Silva, Paulo Humberto Porto Borges e Simone Cristina Camargo. 3 PESAVENTO, Sandra Jatahy. “Em busca de uma outra história: Imaginando o Imaginário”. In Revista Brasileira de História. São Paulo, Contexto/ANPUH, vol. 15, nº 29, 1995, p.16. [ Links ] 4 Idem, p.17. 5 LE GOFF, Jacques e outros. A Nova História. Lisboa, Edições 70, s/d, p. 34. [ Links ] 6 BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. 3ª ed., São Paulo, Brasilien-se, 1987, p. 105. [ Links ] 7 BORGES, Paulo H. P. Ymã, Ano Mil e Quinhentos: Escolarização e Historicidade Guarani Mbya na aldeia de Sapukai. Dissertação de Mestrado, Campinas, UNICAMP, 1998 (mimeo). [ Links ] 8 DEBRET, Jean B. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/EDUSP, tomo I, 1989, p. 20. [ Links ] 9 BORGES, Paulo H. op. cit. O índio Adílio da Silva Benitez escreveu: “Antigamente o povo guarani vivia bem em suas aldeias. Mas os brancos chegaram com bastante gente para começar guerra com o guarani e muita gente acabou morrendo. Agora, já não tem tanta gente. O povo branco encontra-se em todo lugar e sobraram poucos guarani”, p. 88. 10 Idem. “São duas mulheres presas carregando cinco crianças que estão chorando de fome, e mais dois soldados que estão acompanhando. Elas estão presas. Elas conversam: Puxa, a gente devia ter ouvido o cacique. Agora, a gente está presa e nenhum parente nunca mais vai saber o que aconteceu com a gente. A gente está presa porque não ouviu o cacique”. Valdo da Silva Vera, p. 87. 11 VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo, Martins Fontes Editora, 1991, p. 69. [ Links ] 12 SILVA, Cláudio B. Labirintos da Construção do Conhecimento Histórico. Dissertação de Mestrado. Campinas, UNICAMP, 1966, (mimeo). [ Links ] 13 VYGOTSKY, L. S. op. cit., p. 69.

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14 CAMARGO, Simone C. O furto do imaginário em sala de aula.TrabalhodeIniciaçãoCientíficaeTCC. Campinas, UNICAMP, 1998, (mimeo). [ Links ] 15 É necessário chamar a atenção para o erro que comete a professora ao incluir a temática “indígena” no tema “folclore”. O referencial da professora é estereotipado, além de estudar de forma equivocada os povos indígenas. Este procedimento pode reforçar preconceitos e dicriminações. 16 AMADO, Janaína e GARCIA, Ledonias F. Navegar é Preciso. Grandes descobrimentos marítimos europeus. São Paulo, Atual, 1989, p. 43. [ Links ] 17 Idem, pp. 43-44. 18 DARNTON, Robert. O grande massacre dos gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro, Graal, 1986, p. 32. [ Links ] 19 Idem, p. 105. 20 Coleção Cotidiano da História. São Paulo, Ática, 1989.Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01881998000200005>. Acesso em: 01 jun. 2011.

CONSIDERAçÕES FINAIS

De tudo que até agora assinalamos sobre o ensino de História que vise à eficácia e à adequação aos nossos tempos, em resposta às novas exigências ora apresentadas avultam algumas considerações.

Uma das primeiras é que o conhecimento acontece como um todo e que se o fragmentamos é apenas para facilitar o entendimento. Para reagrupar a integralidade faz-se necessário, então, deixar de lado a posição característica de décadas atrás, em que cada ciência era vista em si mesma ou, mais, a especialidade se impunha sobre a visão geral.

Hoje não existem mais compartimentos estanques, isolados, quando se trata do saber, do ensinar para que haja mesmo o aprender. Pelo contrário, as disciplinas têm de se comunicar e depois se complementar, chegar a princípios de aproximação e esclarecimento do todo.

São as diversas graduações deste processo que enfatizamos em nossa quarta unidade e da qual consideramos a interdisciplinaridade como a mais recomendada e viável no estágio em que nos encontramos, visto que compreendemos o ser numa visão holística, e nunca de modo fragmentado.

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Outro setor que merece exame e carece de modificações é o que diz respeito à avaliação. Pedra de toque e ao mesmo tempo pedra no sapato de muitos educadores, avaliar é um processo difícil, doloroso, mesmo porque causa muitos problemas entre alunos e professores. Os primeiros querem ter a sua opinião aceita sempre e os professores têm renovadas dificuldades em estabelecer o que pretendem como disciplina escolar e busca pelo conhecimento por parte dos alunos.

Novos critérios, um número maior de “provas”, levam em conta os aspectos cognitivos sem desdenhar os que representam as mudanças de comportamento objetivadas, modificar e diversificar quanto a questões de provas são sempre aventados.

O ideal que representa a convergência entre questões contextuais que denotem a visão ampla e o específico que encaminhe à tônica da disciplina ainda está longe de ser atingido na nossa prática docente.

Portanto, fica evidente que quanto mais nos conscientizamos da realidade que ora vivemos, mais nos aproximamos da realização de nossos objetivos enquanto docentes e informamos de forma clara a nossa metodologia e epistemologia.

ATIVIDADE DE AuTOESTuDO

1. Refletindosobretudoquefoidiscutidonestaunidadeproduza um texto de no mínimo 10 linhasenomáximo20sobreanecessidadedoplanejamentoescolar.

2. Encontrando subsídios na leitura da unidade, explique no que consiste um trabalhointerdisciplinar. Dê exemplos.

3. Vimosqueaavaliaçãonãodevesersomenteencaradacomoformadeclassificarosalu-nos em aprovados ou reprovados por meio de uma nota. Deve sim, ser pensada como forma de dosar o processo ensino-aprendizagem. Neste sentido, classifiqueostiposdeavaliação e explique-os.

4. Faça uma pesquisa de campo no lugarondevocêmoraparaverificarseháconhecimen-to dos preceitos da Lei 11.645 de 2008, especialmente no que dizem respeito ao ensino da cultura e história afro-brasileira e indígena. Depois dos dados coletados, procure apre-sentar alternativas para a viabilidade da implantação desta Lei na prática pedagógica dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

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uNIDADE V

HISTÓRIA: A CIÊNCIA DO HOMEM NO TEMPOProfessora Me. Priscilla Campiolo Manesco Paixão

Objetivos de Aprendizagem

• Analisaromundoesua temporalidade,adquirindoacapacidadede transcenderos referenciais usados na divisão do tempo histórico que consideram somente os marcos do poder e da dominação.

• Identificareavaliarasetapasemqueseusalunosseencontramcomrelaçãoaodomínio das relações temporais para, a partir daí, trabalhá-las e desenvolvê-las da melhor maneira possível.

• Possibilitaraapreensãodoobjetodeestudopormeiodarelaçãoentrepresenteepassado, pois no presente “fazemos perguntas” ao passado, problematizamos o passado, querendo que ele nos responda a determinadas questões pelas quais nos interessamos, assim, o passado assume uma relação ativa com o mundo em que vivemos.

Plano de Estudo

A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:

• Otempo:categoriaessencialparapensaraHistória

• Otempocomoaprendizagemsocial

• Identificandoosdiferentestiposdetempo

• Acriançaeasprimeirasnoçõesdetempo

• Otrabalhocomlinhasdotempo

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INTRODuçãO

Nossa Unidade V será ao mesmo tempo o núcleo e a prática histórica no que ela tem de mais legítimo e característico.

O tempo é a categoria essencial para pensar a História. Ao mesmo tempo em que inclui um exame de todos os componentes de uma estrutura social humana, pode admitir diferentes interpretações que decorrem de uma determinada visão de mundo.

A identificação dos diferentes tipos de tempo nos remete a povos antigos, da época medieval, os modernos, nós, com todos outros contemporâneos.

Da clepsidra à ampulheta, do despertar ao canto do galo e do recolhimento para o sono com os mesmos sons da natureza, o aparecimento dos primeiros relógios coincidentemente ao descobrimento de nosso país, muito a humanidade teve de caminhar para chegar até hoje e, certamente, vai continuar caminhando.

Fonte: <pt.wikipedia.org/wiki/Clepsidra>

Filha do tempo e ao mesmo tempo dona dele, a História tem na categoria temporal a sua categoria marcante e definitiva, sua marca registrada.

Tudo isto é o que procuraremos refletir nesta última unidade. Intencionalmente escolhemos

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esta para finalizarmos nossas discussões para ficar aqui uma lição de vida. O homem ao longo de sua existência criou mecanismos para facilitar sua vida e uma delas, talvez a mais importante, seja o tempo. No entanto, esta mesma criação nos trouxe um grande problema, hoje somos “escravos” da nossa própria invenção.

O TEMPO: CATEGORIA ESSENCIAL PARA PENSAR A HISTÓRIA

Quando Marc Bloch apresentou a História como a ciência do homem no tempo ou quando Braudel com ele concordou, afirmando que o tempo “adere” ao pensamento de qualquer historiador, estavam estabelecendo categorias essenciais.

Os gregos pensavam em termos de uma roda dos tempos, os personagens indo e voltando de forma cíclica, de modo a afirmarem que sempre haveria um Sócrates, um Platão ou Aristóteles.

Nós pensamos no tempo como algo que teve um começo, um meio (nós) e um fim. Marizete Lucini (2007) é uma autora que em sua obra sobre o “Tempo, Narrativa e Ensino da História” nos propõe interessantes reflexões. Ela se socorre de autores conceituados como Paul Ricoeur no seu livro “Tempo e Narrativa” de 1994 onde ele afirma, na página 179 que:

A história revela uma primeira vez a sua capacidade criadora de refiguração do tempo pela invenção e pelo uso de certos instrumentos de pensamento, tais como, o calendário, a idéia de seqüência de gerações e a idéia, conexa, do triplo reino dos contemporâneos, dos predecessores e dos sucessores, enfim e, sobretudo, pelo recurso a arquivos, documentos e rastros (LUCINI, 2007, p. 71).

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Paul Ricoeur nasceu em 1913 e é considerado um dos principais pensadores da hermenêutica (ou seja, a filosofia da interpretação). Foi professor na Universidade de Estrasburgo, mas também na Sorbonne e em Chicago. Publicou numerosos livros fascinantes, que falam da literatura e da filosofia com palavras simples, sem o peso do saber arrogante. Entre eles destacamos “Tempo e Narrativa”.

Fonte: <http://www.voltairenet.org/article125537.html>. Acesso em: 01 jun. 2011.

Portanto, o pensar do calendário e o fenômeno das gerações pode incluir o pensar do tempo cósmico e do tempo vivido, pois “pensa o tempo de que faz uso a história”. Esclarece, ainda, que se trata de um tempo construído pelo historiador, do qual advém a narrativa histórica que comunica a correlação das ações humanas com o imperativo temporal. “Todo calendário possui um acontecimento fundador, o qual constitui o ponto zero do cômputo” e, mais que isso, esse ponto zero “pode ser pensado a partir da noção fenomenológica5 de presente, como ponto que determina o que veio antes e o que veio depois” (LUCINI, 2007, p. 71).

O factual da História positivista, expresso em sua curta duração conforme Braudel (1965), ou as novas categorias de agrupamento que ele propõe. Uma das mais importantes é a longa duração, mas todas são exemplos de como o núcleo da História é o tempo e em torno dele tudo gira e a ele se refere como condição primeira. Bloch fala no “ídolo” das origens e como um historiador caminha entre passado e presente, presente e passado, com possibilidade de vistas para o futuro quando se equaciona razoavelmente o nosso tempo.

O TEMPO COMO APRENDIZAGEM SOCIAL

Antes de ser dimensionado em forma de calendários e datas, que repercutem em uma compreensão dos acontecimentos como sendo pontuais, o tempo em si admite outras categorias.

Para ser dimensionado em partes apreciáveis de sua totalidade, o tempo pode ser apresentado para um aluno, por seu professor de História, com base nas suas vivências pessoais. Um

5 A fenomenologia é o estudo acerca dos fenômenos, uma ciência das ideias que nascem da percepção dos sentidos.

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bom ponto de referência para isso é o caso do tempo biológico, que envolve crescimento, maturidade, envelhecimento.

Existe ainda aquele tempo psicológico inerente à nossa ideia de sucessão e mudança, um tempo que para nós, ocidentais, se norteia sempre pela busca do progresso, a ideia de que podemos melhorar sempre, material e intelectualmente, por exemplo.

Temos, por isso mesmo, a dimensão de povos atrasados e adiantados, civilizados e selvagens. Todos estes conceitos postos entre nós há séculos, hoje, passam por um processo de revisão.

Em nossa visão atual de que o tempo é sempre um mestre para a nossa aprendizagem social, buscamos por uma maior simetria - entenda-se igualdade - entre os diferentes povos e culturas.

O respeito às diferentes sociedades incluída na comunidade humana como um todo leva a refutar conceitos já estabelecidos. Um ponto de partida significativo vem de Karl Marx quando redime os pré-letrados e afirma que civilização é apenas um estágio tecnológico mais avançado.

Para entendermos tal afirmação, passemos a ler trechos de uma obra que acabou se tornando uma lição de vida ao homem ocidental aqui chamado de “papalagui”.

O PAPALAGuI NãO TEM TEMPOO Papalagui gosta de metal redondo e do papel pesado; gosta de manter para dentro da barriga muitos líquidos que saem das frutas mortas, além da carne de porco e de vaca, e de outros animais horríveis; mas ele gosta principalmente, daquilo que não se pode pegar e que, no entanto, existe: o tempo. Fala muito no tempo, diz uma tolice a respeito do tempo. Nunca existe mais tempo do que aquelequevaidonasceraopôrdosole,noentanto,istonuncafoisuficienteparaoPapalagui.O Papalagui nunca está satisfeito com o tempo que tem; e acusa o Grande Espírito por não lhe ter

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dado mais. Chega até a blasfemar contra Deus, contra a sua grande sabedoria, dividindo e subdividin-do em pedaços cada dia que se levanta de acordo com um plano muito exato. Divide o dia tal qual o homem partiria um coco mole com uma faca em pedaços cada vez menores. Todos os pedaços têm nome: segundo, minuto, hora. O segundo é menor que o minuto, este é menor do que a hora; juntos, minutos e segundos formam a hora e são precisos sessenta minutos e uma quantidade maior de segundos para fazer o que se chama hora.É uma coisa complicada que nunca entendi porque me faz mal estar pensando mais do que é ne-cessário em coisas assim pueris. Mas o Papalagui faz disso uma ciência importante: os homens, as mulheres, até as crianças que mal se têm pernas usam na tanga, presa a correntes grossas de metal, ou pendurada no pescoço, ou atada com tiras de couro ao pulso, certa pequena máquina, redonda, na qual lê o tempo, leitura que não é fácil, que se ensina as crianças, aproximando-lhe do ouvido a máquina para diverti-las.Esta máquina fácil de carregar em dois dedos parece-se por dentro com as máquinas que existem dentro dos grandes navios, que todos vós conheceis. Mas também existem máquinas do tempo gran-des e pesadas, que se colocam dentro das cabanas, ou se suspendem bem auto para serem vistas de longe. Para indicar que passou uma parte do tempo, há do lado de fora da máquina uns pequenos dedos, ao mesmo tempo, a máquina grita e um espírito bate no ferro que está do lado de dentro. Sim, produz-se mesmo muito barulho, um grande estrondo nas cidades européias quando uma parte do tempo passa.Ao escutar este barulho, o Papalagui queixa-se: “Que tristeza que mais uma hora tenha se passado”. O Papalagui faz, então, uma cara feia, como um homem que sofre muito; e, no entanto logo depois vem outra hora novinha.Só consigo entender isso pensando que se trata de doença grave. “O tempo corre feito um corcel!”; “Dêem um pouco mais de tempo”: são as queixas do Branco.Digo que deve ser uma espécie de doença porque, supondo que o Branco queira fazer alguma coisa, que seu coração queima de desejo, por exemplo, de sair para o sol, ou passear de canoa no rio, ou namorar sua mulher, o que acontece? Ele quase sempre estraga boa parte do seu prazer pensando, obstinado: “não tenho tempo de me divertir”. [...]Ó amados irmãos! Nunca nos queixamos do tempo; amamo-lo conforme vem, nunca corremos atrás dele, nunca pensamos em ajuntá-lo ou parti-lo. Nunca o tempo nos falta, nunca nos enfastia. Adiante--se aquele entre nós que não tem tempo! Cada um de nós temos tempo a vontade e nos contentamos com ele. Não precisamos de mais tempo do que temos e, no entanto, temos tempo que chega. Sabe-mosquenodevidotempohavemosdechegaraonossofimeoGrandeEspíritonoschamaráquandofor sua vontade, mesmo que não saibamos quantas luas nossas passaram. Devemos livrar o pobre Papalagui, tão confuso, da sua loucura! Devemos devolver-lhe o verdadeiro sentido de tempo que

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perdeu. Vamos despedaçar a sua pequena máquina de contar o tempo e lhe ensinar que, do nascer ao por do sol, o homem tem muito mais tempo do que é capaz de usar.Fonte: SCHEURMANN, Erich. O papalagui. Rio de Janeiro: Marco Zero, s.d.

Para entender melhor. Na década de1920, Tuávii, chefe de uma aldeia localizada numa ilha no arquipélago de Samoa, na Polinésia, Tiavéa, decidiu conhecer a civilização europeia para verificar como era a vida deste dito homem branco, isto porque em sua cultura, havia uma grande integração do homem com a natureza. A vida nesta aldeia estava organizada conforme o clima, as mudanças de estação, a caça, o curso dos rios e outros elementos da natureza. Dessa forma, seu modo de vida desconhecia noções como propriedade privada, dinheiro, roubo, pobreza, falta de tempo e consumismo.

Pela leitura é contatado, a priori, que os níveis das durações estão relacionados às mudanças ou permanências nas vivências humanas. Estas podem ser identificadas a partir dos acontecimentos ou das estruturas (aqui pensamos com Braudel) que eles formam, quaisquer que sejam os fenômenos focalizados.

Existem comportamentos coletivos enraizados ou ideias que atravessam séculos. O preconceito contra o povo judeu, por exemplo, pode ter tido uma provável origem na ideia de que eles foram os assassinos de Jesus, se consideramos o imaginário medieval do Ocidente, entre os séculos V e XV. E em implicações mais profundas, de um antissemitismo como ódio racial motivado por várias razões (alguns apontam a econômica), Hitler os rotulou de “fermentos de decomposição” em sua obra “Minha Luta” e partiu para o Holocausto que tantas narrativas apresentam.

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Adolf HitlerFonte: <pt.wikipedia.org/wiki/Adolf_Hitler>.

A maior prova de que o tempo inclui uma aprendizagem social, não só pelo legado, mas pelo ambiente vivido, pode ser encontrado no exemplo da vida de personagens que aparentemente conduziram o processo histórico como o mencionado Hitler ou, antes dele, um Napoleão.

Há que se considerar, porém, que na discussão entre quem lidera o processo, o personagem ou a História, sabemos que sem condições específicas e próprias de um ambiente sociocultural ninguém lidera ou convence outras pessoas a se engajar em seu projeto político ou econômico.

Um provérbio árabe diz que os homens são mais filhos dos seus tempos do que dos seus pais. Em outras palavras, um Napoleão ou um Hitler, com todas as suas potencialidades, não teriam logrado êxito em suas pretensões, caso tivessem nascido em uma conjuntura histórica – um tempo – diferente. É necessário todo um arranjo de fatores que permitam que os novos valores substituam outros.

Georg Plekahnov escreveu que o grande homem é grande não porque suas particularidades individuais imprimiram uma fisionomia individual aos grandes acontecimentos históricos,

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mas porque é dotado de particularidades que o tornam mais capaz de servir às grandes necessidades sociais de sua época, sob a influência de causas gerais e particulares.

Tomando-se os calendários como formas socializadas de medida do tempo é possível imaginar que existem outras medidas da categoria que não a corrente em nossa cultura ocidental.

Outras sociedades se valem de outros calendários. Ou seja, nem todos os povos do mundo utilizam o calendário cristão (o gregoriano6 ) para contar o tempo.

O Calendário gregoriano é o calendário utilizado na maior parte do mundo e em todos os países ocidentais. Foi promulgado pelo Papa Gregório XIII a 24 de Fevereiro do ano 1582. Este papa reuniu um grupo de especialistas para reformar o calendário romano elaborado por Júlio César (45 a.C.) e, passados cinco anos de estudos, surgiu o novo documento que foi sendo implementado lentamente. Oficialmenteoprimeirodiadestecalendáriofoi15deOutubrode1582.O calendário gregoriano distingue-se do anterior em alguns aspectos:• Omitiram-sedezdias(5a14deOutubrode1582).

• Corrigiu-seamediçãodoanosolar,estimando-sequeestedurava365diassolares,5horas,49minutos e 12 segundos, o equivalente a 365,2424999 dias solares.

• Estabeleceu-seoiníciodonovocalendárioem1ºdejaneirodorespectivoano.

Dissemos que a mudança para o calendário gregoriano foi lenta porque aconteceu ao longo de mais de três séculos. Adotado primeiramente na Itália, Portugal, Espanha e, demais países católicos euro-peus. A Alemanha (luterana) ou a Inglaterra anglicana demorou a adotá-lo, o que aconteceu respec-tivamente em 1700 e 1750. A Bulgária aprovou tal mudança em 1917, a Rússia em 1918, a Romênia em 1919, a Grécia em 1923 e a Turquia, devido à forte presença islâmica, em 1927. Adaptado de CABRINI, Conceição; CATELLI, Roberto Júnior; MONTELLATO, Andréa. História temá-tica: tempos e culturas, 5ª série. São Paulo: Scipione, 2004, p. 52. (Coleção História temática).

6 O papa Gregório XIII adotou esse calendário a partir de 24 de fevereiro de 1582.

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Os muçulmanos, por exemplo, usam como marco inicial do islamismo e do seu calendário a Hégira, data da fuga de Maomé, seu maior profeta, da cidade de Meca para Medina, ambas na atual Arábia Saudita (a 16 de julho de 622 segundo nosso calendário).

Os judeus utilizam como marco inicial o que acreditam ser a data de criação do mundo. O nascimento de Cristo, por exemplo, ano 1 da era cristã, corresponde ao ano 3.761 do calendário judaico.

Os chineses que por milênios tiveram seu próprio calendário adotaram o calendário gregoriano em 1912.

A divisão da História que pretende corresponder às grandes eras da humanidade tem sido muito criticada, pois os termos Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea têm exigido uma revisão, principalmente quando se trata de considerar o homem pós-Revolução Francesa (1789) como nosso contemporâneo.

Essas críticas levantadas por historiadores como Geoffrey Barraclough no seu livro “Introdução à História contemporânea” se misturam a outras, daqueles que consideram nossa maneira de historiar eurocêntrica por ignorar grandes culturas como a dos incas ou maias americanos e ignorar a organização da produção nessas sociedades.

IDENTIFICANDO OS DIFERENTES TIPOS DE TEMPO

Considerando as dificuldades que nossos alunos têm em situar um fato no contexto temporal e, ao mesmo tempo, levá-los a refletir sobre o processo da utilização do tempo nas diferentes sociedades é que agora passemos a entender melhor a problemática.

A noção de tempo transcende a própria história humana, por isso mesmo se torna complexa para o entendimento de nossos alunos. É considerada uma questão puramente convencional e referencial. É uma regularidade convencionada socialmente, colocada sobre uma sucessão

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de acontecimentos com intuito de organizá-los e facilitar sua referência posterior.

A disciplina de História tem como eixo norteador o estudo do tempo, dentro de suas diversas perspectivas. Diferentemente da concepção dada pelos povos primitivos e da Antiguidade, na qual o tempo era visto como uma questão cíclica, modernamente o tempo é, na maioria das vezes, tomado dentro de uma perspectiva linear, como uma sucessão de fatos que não se repetem, isso porque é a maneira mais concreta de compreendê-lo. Este tempo passou, então, a ser conhecido como tempo cronológico.

Mas, busquemos compreender os diferentes tipos de tempo. O tempo denominado cíclico é o tempo da natureza. Esta noção diz respeito aos fenômenos que ocorrem na natureza e que independem da vontade humana para acontecerem. Como exemplo, teríamos as durações: da Rotação da Terra ocasionando o dia e a noite; das fases da Lua; do movimento de Translação da Terra em torno do Sol. Esses fenômenos naturais repetem-se continuamente e os chamamos de cíclicos (ELÍADE, s/d.).

O tempo histórico é o mesmo que tempo cultural, pois o homem, nas suas relações sociais e enfrentamentos cotidianos, constrói histórica e culturalmente sua forma de agir, de pensar e de viver. Ou seja, o tempo histórico é construído pela ação humana a fim de responder às necessidades concretas impostas pelo vivido, tendo como referência o tempo da natureza.

Há ainda o tempo subjetivo ou pessoal, pois o tempo em si é algo universal e absoluto, fora do nosso alcance e, por isso mesmo, uma sensação. Às vezes sentimos o tempo bom como curto, e o tempo ruim como longo, exaustivo. Sentimos, também, à medida que ficamos mais velhos, que o tempo do relógio parece passar cada vez mais depressa (WHITONW, 1993).

Esse tempo é interno de cada indivíduo, é o tempo das mudanças pessoais. Ele é particular, de acordo com nosso modo de vida. A sensação que temos da passagem do tempo ocorre de acordo com o prazer ou dor causados pelos acontecimentos. Assim, ao brincar durante uma hora, as crianças terão a sensação de que o tempo passou muito rápido, mas se passarem o

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mesmo intervalo de tempo sendo atendidos por um dentista, terão a sensação de que o tempo demorou a passar.

AS NOçÕES TEMPORAIS DA CRIANçA

É bastante difundida a ideia de que a escola deve atuar na produção das identidades socioculturais dos alunos na perspectiva da cidadania. “Mas para constituírem-se cidadãos é necessário o domínio de categorias e conceitos que permitam compreender e intervir no mundo” (BERGAMASCHI apud HICHMANN, 2002, p.21).

Quando o aluno inicia seu processo de escolarização, alguns referentes temporais, já são dominados por ela, como noções de duração. São visões ideologicamente construídas de temporalidade social. No entanto, o que se vê nas escolas é um ensino de História numa perspectiva que se resume em festejar datas num desfile linear, anacrônico e sem significado como afirma Karnal (2004). Agindo assim, a escola está contribuindo para canonizar uma verdade absoluta, em que não cabe a multiplicidade e tampouco a vida das crianças que as estudam.

Nesta perspectiva, cabe à escola levar a criança a compreender que, para o senso comum, tempo e medida são a mesma coisa. Isto implica pela necessidade de se normatizar de forma

Font

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“exata” algo que é apreendido sensorial e intuitivamente. Assim, não há sentido na observação empírica de se falar em dimensões temporais compreendidas fora do espaço do calendário. Esse tempo científico expresso no calendário e marcado nos relógios foi sendo moldado com essas características pela sociedade burguesa. Ela começou com o ritmo marcadamente agrícola, ditado pela temporalidade natural até chegar à jornada de trabalho, medida por horas. Os sinos das Igrejas, que chamavam os homens às orações, foram sendo substituídos, em determinado tempo, pelos relógios nas torres que chamavam os homens para o trabalho.

Segundo Norbert Elias (1998), atualmente os relógios exercem as mesmas funções que exerciam os fenômenos naturais em outras épocas, ou seja, orienta as pessoas que estão inseridas numa sucessão de processos, procurando harmonizar os diferentes comportamentos e situando-os na duração dos mesmos.

A investigação e a problematização que se propõe é de não somente trabalhar as divisões do calendário, assim como não fazer a pura e simples transmissão de conteúdos sem refletir sobre os processos históricos que originam esses conteúdos.

Mais importante que um conteúdo de história de caráter factual é necessário que, no Ensino Fundamental, os alunos construam noções temporais básicas para localizarem-se e organizarem-se no tempo histórico, diferenciarem e relacionarem temporalidades, identificarem referências e medições temporais, perceberem a existência de diferentes ritmos e épocas e compreenderem que tempo é uma convenção social (BERGAMASCHI apud HICHMANN, 2002, p.24).

A forma de contar o tempo é própria de cada cultura. Não basta destacar que existiram outros calendários em outras culturas; importa, sobretudo, localizar o aluno no seu tempo e espaço, oportunizando-lhe condições de reflexão sobre a criação histórica de seu tempo. Assim, na nossa cultura ocidental, o valor do tempo é medido pela produtividade e otimização do trabalho. “Tempo é dinheiro”, lembram Nadai e Bittencourt (1988).

Para a criança dominar os diferentes tipos de tempo, é preciso propiciar momentos de compreensão das noções de duração em suas diferentes nuances (curta, média e longa duração como queria Braudel), ou seja, quanto tempo durou a ação; devem ser abordadas,

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ainda, as permanências e mudanças, as continuidades e descontinuidades, “o que é mais antigo”, “o que é mais atual” e o que cada aluno entende por “antigo ou por passado”. Outra noção é a de sucessão, as coisas que acontecem uma depois da outra, “o muito antes”, “o muito depois”, os diferentes ritmos deste suceder, deste tempo sequencial. Mas também, compreender a simultaneidade temporal, que permite ao aluno perceber que existem coisas que acontecem ao mesmo tempo e que, enquanto se está na escola, a mãe, o pai, estão fazendo outras coisas. Portanto, “a noção de tempo é uma aprendizagem processual e muito complexa que exige a construção de conceitos” (ROCHA apud HICHMANN, 2002, p.36).

Embora ao logo de todas nossas discussões tenhamos feito referências à construção do conhecimento numa perspectiva dada por Vygotsky, agora passemos a mencionar Piaget, porque defendemos a ideia de que ele, melhor do que qualquer outro pesquisador, tenha feito estudos e chegado a constatações que comungamos concernentes ao domínio do tempo na criança.

Considerando a teoria de Piaget (s/d), a criança passa por períodos na construção das noções temporais: após uma primeira fase – “tempo sensório-motor” – a criança passa pelo estágio do “tempo intuitivo”, até chegar ao “tempo operatório”. Passemos a examinar cada uma destas etapas mais detalhadamente:

No primeiro estágio – denominado Estágio Sensório-motor – existe um tempo prático, ligado às ações e experiências imediatas da criança. O tempo só existe à medida que o bebê está ocupado numa atividade. Não há nenhuma possibilidade de raciocinar sobre um tempo futuro, ou sobre a noção do antes e depois, nem qualquer rudimento da causalidade. A noção temporal corresponde unicamente à experiência da duração de um reflexo: mamar, engatinhar etc., é uma espécie de egocentrismo prático, como se a criança vivesse suas próprias ações, imobilizadas num presente contínuo (ANTUNES, 1993).

Ou melhor, o período sensório-motor corresponde à passagem do exercício dos reflexos à inteligência sensório-motora e encontra-se dividido em seis subestágios.

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No primeiro estágio, que corresponde ao primeiro mês após o nascimento, algumas atividades específicas que a criança realiza têm por função formar os primeiros esquemas que são ainda muito autistas porque formam um todo fechado em si mesmo, rígido.

No segundo estágio, que corresponde ao segundo, terceiro e quarto meses aproximadamente, o bebê já é capaz de expandir seus esquemas, assimilando novos objetos por meio do tato muitas vezes sem intencionalidade, ou seja, sem ter consciência de seus objetivos, mas feitos repetidamente.

No terceiro estágio, aproximadamente do quarto ao oitavo mês, a conduta de repetição de ações ligadas ao próprio corpo estende-se gradativamente para o meio exterior; o bebê procura repetir um acontecimento novo que envolve sua ação sobre os objetos. Por exemplo, após realizar uma ação espontânea sobre os objetos, o bebê procura repeti-la várias vezes (ex.: chacoalhar o brinquedo).

No quarto estágio, aproximadamente do oitavo até o décimo segundo mês, a criança começa a coordenar os esquemas que ela já construiu como esquemas meio para alcançar intencionalmente um objetivo. Agora é capaz de buscar meios conhecidos para superar o obstáculo e alcançar seu objetivo.

No quinto estágio, do décimo segundo mês até o décimo oitavo mês aproximadamente, a criança começa a criar esquemas novos por meio da experimentação para alcançar seus objetivos. Diante de um novo obstáculo imposto pelo meio, primeiro a criança aplica os esquemas conhecidos para alcançar seu objetivo, se não tiver sucesso ela não desiste e passa a realizar tentativas que levam à acomodação. Aqui Piaget (s/d), considera que a inteligência sensório-motora encontra-se constituída, isto porque essa inteligência encontra-se presa à experiência prática, ou seja, ao contato direto com o mundo por intermédio de uma ação sensório-motora.

Finalmente, no sexto estágio, do décimo oitavo até o vigésimo quarto mês, a criança, ao se

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deparar com um obstáculo, não realiza mais tentativas por experimentação ativa que está presa à percepção e ação direta; ela agora realiza uma experimentação mental ou interiorizada, ou seja, ela executa essas tentativas mentalmente para depois aplicar os esquemas. Essa inteligência agora irá evoluir para outro plano onde o sujeito poderá continuar assimilando um universo cada vez mais longe considerando a temporalidade e a espacialidade por intermédio de um sistema de representação que ele virá a construir.

Para Antunes (1993), no estágio intuitivo ou pré-operatório, se englobarmos todo o período, as primeiras intuições temporais são centradas sobre alguma relação-privilegiada, ligada ao egocentrismo. Progressivamente, as centralizações primitivas se diluem por meio do processo de descentração.

Nesse estágio, cada movimento percebido caracteriza um tempo particular, e os momentos sucessivos do tempo não podem ainda se relacionar entre si por uma medida comum. A criança se apoia, por exemplo, na percepção espacial para calcular o tempo: é mais velho quem é mais alto; correu mais tempo quem foi mais longe. Ainda não consegue coordenar a duração e a ordem de sucessão e age por tentativas empíricas, ou seja, por meio do ensaio e erro.

Esse período compreende aproximadamente dos dois aos sete anos. É um período intermediário entre os esquemas sensório-motores e os esquemas conceituais, constituído de estruturas semiconceituais que são chamadas de pré-conceitos. O pré-conceito, no início do período representativo, ultrapassa os esquemas sensório-motores porque a criança coordena as experiências mentais e não simplesmente os esquemas práticos. Por outro lado, ela ainda não consegue objetivar a realidade, ou seja, não consegue reunir os objetos em classes, extrair relações ou coordenar relações em raciocínios; ela simplesmente deforma a realidade conforme seus desejos e interesses.

O desenvolvimento ocorrido nessa primeira etapa do período pré-operatório é denominado de período intuitivo.

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A propriedade de reversibilidade do pensamento é um dos principais pressupostos da teoria piagetiana em relação à inteligência mais elaborada que possibilita a objetivação do meio. A capacidade de reversibilidade do pensamento significa a tomada de consciência de que as ações interiorizadas, que correspondem às transformações de ações mentais, podem ser executadas simultaneamente nos seus dois sentidos, direto e inverso, e mantendo a identidade de cada ação por si mesma.

Tomamos como exemplo a atividade de conservação de objetos descontínuos: quando solicitada a comparar quantidades de objetos descontínuos contidos em recipientes de forma bem diferenciada (um fino e alto e outro grosso e baixo), a criança do período intuitivo afirma que não há a mesma quantidade, apoiando-se em um determinado aspecto figurativo dos dois copos que estão cheios (ou a largura como o comprimento no caso dessa prova). Se questionada quanto à certeza de sua resposta, por exemplo, dizendo que outra criança respondeu em relação a outro aspecto, a criança se desequilibra e alterna seu ponto de vista (ex.: deixa de se centrar na altura para se centrar na largura, por exemplo).

No Estágio Operatório, tais métodos de tentativas perduram aproximadamente dos sete aos doze anos, quando se observa uma organização caracterizada por uma compreensão de conjunto das relações de sucessão, simultaneidade e dos intervalos, isto é, das durações. Um tempo único é construído e abarca todos os momentos, graças a uma coordenação da duração e da ordem de sucessão. A gênese do tempo operatório revela claramente a ligação entre o egocentrismo e a reversibilidade, numa relação inversa, ou seja, quanto mais a criança vence o primeiro, mais adquire a segunda (ANTUNES, 1993).

O pensamento operatório é aquele em que as estruturas mentais encontram-se equilibradas, constituindo um sistema coerente e integrado de operações, onde cada operação está integrada ao sistema total e só tem significado se for entendida como parte desse todo, em oposição à ideia de um segmento de elementos justapostos. Assim, o conceito de operação é determinante para compreender o principal avanço dessa fase do desenvolvimento cognitivo.

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Consideramos o termo operação como uma ação interiorizada e reversível que deve compor um sistema em coordenação com outras operações. Sendo assim, não podemos considerar uma única operação, mas operações que se coordenam em estruturas.

Quando a criança é capaz de operar inicia-se o período operatório formal, que se inicia por volta dos doze anos e perdura por toda a vida. A maior complexidade que o pensamento equilibrado pode alcançar é no período das operações formais, a partir dos doze anos em média, quando o adolescente é capaz de operar sobre hipóteses. Ele é capaz de, frente a uma situação problema, operar sobre os dados empíricos (realizar operações concretas) e mais, é capaz de pensar todas as possibilidades que poderiam ocorrer além daquelas que ocorrem de fato e vice-versa (levantar todas as possibilidades para testar qual é verdadeira). Ele toma os resultados das operações concretas como proposições e depois opera sobre essas proposições, isolando todas as variáveis e relacionando todas as possíveis combinações entre elas (por análise combinatória). Seu pensamento diferencia o real do possível.

Analisando os períodos supracitados, podemos inferir, assim como fez Piaget em sua obra “Noção de tempo na criança”, que o tempo não pode se considerado um conceito porque não é possível defini-lo e está sempre em mutação, existindo muitas variáveis para entendê-lo em toda a sua dimensão: tempo físico, psicológico, vivido, histórico. Assim, a criança da faixa etária que aqui nos propomos a trabalhar, qualquer que seja, do zero aos dez anos em média, não é capaz de elaborar o conceito de tempo. Ela apenas adquire noções que posteriormente se transformarão em conceitos.

SINOPSE

Mestre de mestres, o suíço Jean Paiget é referência básica para pedagogos e educadores. Enquanto Freud explorou os 90% de processos primordiais que permanecem submersos na mente, Piaget es-colheu como tarefa o estudo dos 10% que emergem e correspondem aos processos da consciência e

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ao pensamento conceitual. Investigador fundamental da psicologia do desenvolvimento, Jean Piaget demonstra nesta obra que a noção do tempo não é inata no homem. Surge e se desenvolve na criança por inteorização gradativa de experiências vividas de causa e efeito. A noção de tempo na criança ocupa o centro da vasta pesquisa piagetiana em torno do desenvolvimento da inteligência humana.Fonte: <http://www.livrariasapiens.com.br/component/page,shop.product_details/flypage,shop.flypa-ge/product_id,4699/category_id,129/manufacturer_id,0/option,com_virtuemart/Itemid,2/vmcchk,1/>.Livro: A noção de tempo na criançaAutor: JeanPiagetEditora: RecordComo exercício de análise do que nos propomos a discutir leia os dois fragmentos abaixo:TEXTO 1Entrevistador (E) – Ivan, você pode contar pra mim a história do Descobrimento do Brasil, o que você sabe?R – Ah, é o Pedro Álvares Cabral, estava navegando no mar. Era barco à vela. Daí o vento, o vento estava para um lado... Depois o vento foi para o outro. Ele estava indo descobrir outro país não sei qual é. Aí o vento bateu para o outro lado e ele foi para o Brasil e quando ele chegou no Brasil só tinha índio, não tinha nenhuma pessoa assim, só índio.E – Quando isso aconteceu?R – Ah, eu não sei.E – Em 1500. Está bem?R – Quando aconteceu o descobrimento do Brasil? 1500.E - Seu pai era vivo quando isso aconteceu?R – Não.E – Por quê?R – Ah, porque isso era muito antigamente, nem acho que meu avô existia.E – O que é muito antigamente?R – Ah, faz muitos anos, faz muitos anos que isso aconteceu.E – Quando você acha muitos anos?R – Faz 400 e alguns anos.E – 400 é muito tempo?R – É.E – Seu avô era vivo na época do descobrimento do Brasil?

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R – Meu avô? Acho... Talvez sim?E – Por que você acha que sim?R – Porque meu avô faz muito tempo que ele nasceu e que ele viveu.E – E seu bisavô era vivo na época do descobrimento do Brasil?R – Meu bisavô era.E – Por quê?R – Porque faz muito tempo que ele nasceu e que ele viveu e também faz muito tempo que aconteceu isso, o descobrimento.Fonte: (OLIVEIRA, Sandra Regina de. Anoçãodetempohistóriconacriança: um estudo sobre a noção do passado, das idéias espontâneas relativas à história da civilização e da relatividade dos conhecimentos e julgamentos históricos em crianças de 7 a 10 anos. UNESP/MARILIA. Marília: 2000, dissertação de mestrado, p.121).TEXTO 2Todoserhumanotemconsciênciadopassado(definidocomooperíodoimediatamenteanterioraoseventos registrados na memória do indivíduo), em virtude de viver com pessoas mais velhas. Prova-velmente todas as sociedades que interessam ao historiador tenham um passado, pois mesmo as colônias mais inovadoras são povoadas por pessoas oriundas de alguma sociedade que já conta com uma longa história. Ser membro de uma comunidade humana é situar-se em relação ao seu passado (ou da comunidade), ainda que apenas para rejeitá-la. O passado é, portanto, uma dimensão perma-nente da consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana. O problema para o historiador é analisar a natureza desse “sentido do passado” na sociedade e localizar suas mudanças e permanências.Fonte: (HOBSBAWN, Eric. Sobre a História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p.22).

No primeiro texto – a entrevista - podemos verificar quais são os elementos da temporalidade histórica da criança e ainda como ela aborda o passado dando confiabilidade ao que discutimos.

E para o historiador Hobsbawn (1998), qual significado do passado? Quais as relações entre a perspectiva do passado da criança e as ideias do historiador? É possível estabelecer um paralelo? Tente você também realizar este exercício.

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O TRABALHO COM LINHAS DO TEMPO

Uma boa parte dos historiadores compreende que a História da humanidade está organizada em quatro grandes períodos, numa divisão chamada de quadripartismo: Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea.

O início e o fim de cada um destes períodos são marcados por um acontecimento considerado de relevância do ponto de vista eurocentrismo, ou seja, da História do Ocidente europeu.

Ao tratar do tempo histórico, os historiadores se deparam com um problema: a divisão entre a História e a Pré-história, isto porque a Pré-História é compreendida como um período em que os povos não deixaram registros escritos. Mas, defendemos a ideia de que todos fazem história e deixam seus registros das experiências cotidianas. Portanto, acreditamos que, embora haja aqueles que simplesmente não consideram a Pré-história um período digno de ser estudado, ele também é tão importante como qualquer outro.

Visto sob este ângulo, achamos pertinente definirmos alguns conceitos que permeiam os trabalhos com linhas do tempo. Um marco se refere ao fato que delimita um período e outro. Este período é compreendido como um intervalo de tempo que vai de um marco a outro.

Quando o professor trabalha com representações cronológicas pessoais, comparativamente ao exercício de cronologias de uma dada sociedade, poderá inferir, refletir sobre a continuidade ou ruptura dos movimentos sociais dessa sociedade. Por exemplo, o aluno vai perceber que sua história pessoal faz parte da história de outras pessoas – simultaneidade – e que nasceram antes ou depois dele – ordenação e sucessão.

Assim, é possível construir uma linha do tempo para cada sociedade, organizando sua história. Quando se vai estabelecer a linha do tempo de uma sociedade, ou mesmo do mundo, não há apenas uma possibilidade. Com base no estudo de momentos ou fatos amplamente aceitos, cada pesquisador julgará aquilo que considera mais importante e que deve fazer parte de uma

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linha do tempo.

O trabalho com linhas do tempo possibilita desenvolver diferentes habilidades cognitivas, cabe ao professor adequá-las a seus objetivos:

• Sãoorganizadasdentrodeumaordemcronológicadefatoseideiasquenãoserepetem.

• Sãotomadascomoperíodosfinitosouinfinitos:tempogeológico,tempodavidadeumapessoa, de uma cidade, tempo da história humana.

• Écontadaapartirdeumreferencial.Lembremo-nosdalinhadotempotradicionaldaHis-tória que tem como marco o nascimento de Cristo, esses referenciais assumem “valores” crescentes e decrescentes.

• Podeapresentardiferentesunidadesdemedidadetempo:dias,semanas,meses,anos,décadas, séculos, milênios, horas... adequando ao tamanho do período de tempo que se deseja representar.

• Eexistemdiferentesformasderepresentaçõesdelinhadotempo:comdesenhos,comvalores estatísticos, com fotos, com mais ou menos dados explicativos, na forma espiral.

Passemos a apresentar as diferentes formas de linhas do tempo, apenas como dado explicativo:

Fonte: <http://ogatoquecomeorato.blogspot.com/2011_04_04_archive.html>.

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Nesta linha do tempo são apresentados concomitantemente os períodos tradicionais da História e os modos de produções em cada uma destas épocas. Aqui o autor utilizou-se de ilustrações.

Fonte: <http://www.gforum.tv/board/1428/310800/evolucao-do-tempo-geologico.html>.

Para o historiador, em todo estudo há um elemento central: o ser humano. Mas para outros cientistas o elemento central é o planeta Terra, cuja história começou bem antes do aparecimento dos seres humanos. Esses pesquisadores criaram a linha do tempo geológico. Ela se inicia com a formação do planeta e é marcada por vários fatos considerados importantes, como as mudanças naturais pelas quais passou o planeta, o surgimento dos primeiros seres vivos, as mudanças na superfície e na atmosfera terrestre. A linha do tempo explicitada em espiral nos permite analisar o tempo geológico.

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Fonte:<http://historiapublica.blogspot.com/2009/05/brasil-colonia-imperio-republica.html>.

Esta linha construída na horizontal reta nos permite vislumbrar os períodos da História do Brasil.

Fonte: <http://formaeconversa.blogspot.com/>.

Linha do tempo produzida por uma criança sobre a aula de Artes. O aluno utilizou-se de régua para traçar a linha na horizontal e ilustrou cada momento da aula: seu começo, meio e fim.

As linhas do tempo, como vimos, podem ser traçadas na horizontal, também na vertical se

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forem retas, mas há ainda as elaboradas em linhas curvas considerando que a história é feita de oscilações, e há também as em espiral. O que vale é que as crianças tenham a oportunidade de construir linhas do tempo. Inicialmente coletivas e tendo a professora como escriba, depois individualmente sob a supervisão da professora e por fim sozinhas considerando o grau de complexidade que uma linha do tempo exige.

Vale frisar que aproveitar o tempo subjetivo ou vivido das crianças da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental é de extrema importância e por isso mesmo deve ser bem aproveitado em todas as atividades escolares, é a partir dele que melhor se estabelece relação com os tempos mais distantes e não vividos pelo indivíduo. Assim, se torna evidente valorizar os conhecimentos cotidianos de cada aluno para estruturar o planejamento, de forma que este se torne coerente e próximo da realidade da turma.

FIQUEPORDENTROPor Priscilla C. M. Paixão

CriaçãodeSantoAgostinhonopontodevistalinearocalendáriocristãoassinalaumadificuldadequecusta muito aos estudantes de História: compreender uma divisão do tempo que começa do meio, e admite dois sentidos: um negativo, outro positivo. < - + >

/2008/...................1.a.C. CRISTO.1 d.C ....................../2008/

Esta maneira de datar o tempo começou com o monge Dionísio, o Breve ou Pequeno em 525 (no séc.VI d.C.) durante a Idade Média. Dionysius Exiguus (em latim) alterou a forma de calcular as datas que utilizavam na altura e que era um método romano. O monge não agiu por conta própria, mas sim, a pedido das autoridades eclesi-ásticas.OPapaJoãoIpediuaummongequefizesseoscálculosdoanoemqueJesusterianascido.Parafazê-lo, Dionísio tomou como referência as descrições de Mateus e Lucas sobre o nascimento de Je-sus, chegando à conclusão que Cristo teria nascido 753 anos depois da fundação de Roma. A história

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ficouassimdivididaemantesdeCristo(a.C.)edepoisdeCristo(d.C.).Anteriormente, portanto, os romanos contavam o tempo a partir da data da fundação de Roma, (ab urbe condit - em latim) e foi por isso que a data provável do nascimento de Jesus Cristo foi tomada como tendo ocorrido no ano de 753 ab urbe condit (da fundação de Roma), contando, para trás no tempo, os reinados dos imperadores romanos.O fato se explica: observando o evoluir da História, constatamos uma progressiva eliminação dos cultosantigosromanosemfavordocristianismo.Em380,estesetornouareligiãooficialdoEstadoromano. No séc. IV, de religião perseguida, passou a ser a única religião permitida no Império Roma-no. Vai-se dando uma progressiva cristianização da sociedade.A contagem do tempo de Dionísio, depois de ampla aceitação popular, foi aceita pela Igreja Católica a partir do ano 1000 e progressivamente acatada pelos países católicos e, bem depois, pelos protes-tantes.

AmandaTalhari Franco

Pararefletirmossobrearelaçãodohomemcomotempoeoquantoissoafetanossavisãodemundoleia a literatura infantil “Lolo Barnabé” de Eva Furnari.Você também poderá utilizar desta literatura com seus alunos do Ensino Fundamental. Caso não te-nha acesso à obra, pesquise na internet e encontrará a mesma. Após a leitura registre sua impressão, istoéumbomexercícioparaaprofissãodocente.

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CONSIDERAçÕES FINAIS

Nesta última unidade do nosso material de Metodologia do Ensino de História, verificamos que o domínio do tempo é muito abstrato em virtude de não apresentar uma materialidade como o objeto ou o espaço, nem apresentar relações observáveis como a causalidade. É também, a categoria mais difícil de ser verificada no comportamento da criança, bem como é a mais significativa se a considerarmos do ponto de vista pedagógico, isto porque, uma vez dominadas, essas categorias permitem ao sujeito realizar a reversibilidade dos fatos e estabelecer relações entre os ocorridos no passado e no presente.

Todo o processo de aquisição de qualquer conhecimento é abstrato, no entanto, o tempo é o mais complexo e por isto exige do professor uma grande responsabilidade na formação de suas crianças, porque é necessário que esta criança consiga estabelecer relações específicas entre essas marcas temporais: relações de ordem dos acontecimentos e relações das durações, bem como da simultaneidade.

ATIVIDADE DE AuTOESTuDO

1. Pensando em tudo que discutimos nesta unidade, procure:

a) Discutir sobre a construção da noção de tempo na criança.

b) Caracterizar as noções de duração, sucessão e simultaneidade, dando exemplosconcretos.

2. Elenque e descreva 3 atividades que poderiam ser feitas por um professor que quisesse desenvolver com seus alunos da Educação Infantil e/ou anos iniciais do Ensino Fundamen-tal noções de temporalidade.

3. PesquisenaInternetabiografiadeumautor,escritor,músicoetc.desuapreferência. Apartirdesuabiografia,construaumalinhadotempoconsiderandoaordemcronoló-gica, a duração e a simultaneidade dos fatos. Para isso, leia as instruções abaixo:

• Pegueumpapelsulfitee,noalto,escrevaotítulo“Linhadotempode(fulanodetal)”.

• Nomeiodopapelsulfite,traceumalinhahorizontalocupandotodaasuaextensão.

• Dividaessalinhaempartesiguaisequivalentesaonúmerodeanosquevocêpossui.

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• Escrevanasdivisõesoanoemquenasceuosprincipais fatosquemarcaramavidadapessoa e assim, sucessivamente, até o ano atual ou até sua morte.

• Épossívelacrescentarfotografiasouilustraçõesdessesfatos.

• Lembre-sedosfatosqueaconteceramsimultaneamente,elesdevemvirnamesmadivisãoda linha do tempo.

SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...Quando se vê, já é 6ª feira...Quando se vê, passaram 60 anos...Agora, é tarde demais para ser reprovado...E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,eu nem olhava o relógio.seguia sempre, sempre em frente ...E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas. Mario Quintana (In: Esconderijo do tempo)Disponível em: <http://mais.uol.com.br/view/e8h4xmy8lnu8/seiscentos-e-sessenta-e-seis--mrio-quin-tana-0402356CE4B92326?types=A&>. Acesso em: 02 jun. 2011.

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FAZENDO E APRENDENDO:

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CONCLuSãO

Percorremos juntos neste universo da História e conforme aqui apresentado, envolve um preparo especial e cuidados revistos por parte do docente, visando no bom resultado da aprendizagem por parte dos alunos.

É oportuno, sobretudo, discutir a melhor forma de tratar e comunicar a disciplina num momento de crise de paradigmas como este que agora atravessamos.

Isto envolve, também, entender as questões de fundo, que dizem respeito ao próprio conteúdo da ciência – logo, epistemológicas – como ainda saber seguir com o método indutivo até as sínteses finais que se apresentam como possíveis na disciplina.

É evidente que a História tem “história” e se a sociedade mudou, o conhecimento se impõe como um valor de capital, o ensino da matéria tem de acompanhar tais mudanças.

Uma situação de mudança nunca envolve a mudança total e é sempre prudente lembrar: a conservação do que existe de bom no velho paradigma deve se conjugar àquelas novidades trazidas pelas necessidades dos novos tempos.

Uma decisão fundamental que o professor deve tomar é quanto à História que deve ser ensinada e desde já anotamos nossa opção pela Nova História, ainda que dos tempos “positivistas” não sejam descartadas todas as práticas.

É uma sugestão sempre retomada compreender que ensinar História é criar possibilidades de investigação, sem separar aprendizagem e pesquisa, antes mantendo a somatória das duas.

O professor que ministra aulas de História é um sujeito histórico inserido em seu grupo social e no seu tempo, portanto a imparcialidade absoluta não existe. O que é possível é se manter coerente quanto às concepções de conteúdos que serão empregados para a formação de conceitos e repasse de informações quanto à disciplina histórica.

É neste ponto que se faz importante a utilização dos documentos históricos de todo tipo em sala de aula para desenvolver nos discentes habilidades como a identificação, comparação, compreensão e, por fim, a própria apreensão do conteúdo histórico como ponto de partida que agrega novos valores a sua vida.

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As fontes históricas são como o próprio nome indica o primeiro manancial ao que se deve recorrer para atingir partes da verdade histórica que determinado personagem ou tempo visto do alto ou a partir do particular nos revelam.

Como ciência do homem no tempo, a História permitirá analisar o mundo com seus personagens agindo na temporalidade, e isto envolve não só os heróis e bandidos, mas também o contingente anônimo dos que nos antecederam e na via de duas mãos mencionada por Marc Bloch, entender o passado pelo presente e o presente pelo passado.

Em se tratando do momento atual, outra consideração não menos importante do que aquelas já apresentadas nesta conclusão se trata da inserção nos currículos e aulas, com destaque para as de História, da “cultura afro-brasileira e indígena” explicitada na Lei 10.639 elaborada em 2003, posteriormente transformada na Lei 11.645 de 2008, que trouxe para o âmbito escolar a obrigatoriedade do ensino desta temática, o que proporcionou a abertura de grandes possibilidades quanto à edificação da igualdade e da repreensão a atitudes e posturas de discriminação no ambiente escolar.

Contudo, é grande o desafio que se impõe, pelo desconhecimento de grande parte da população ao que diz respeito às sociedades africanas e indígenas. Diversos estudiosos da área entendem que esta Lei foi elaborada para contribuir com a efetivação de uma ação afirmativa e estabelecer diretrizes curriculares para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no país que se impõe há tanto tempo.

Existem autores que desconsideram, perante o tamanho da turbulência atual, a possibilidade da História fornecer exemplos para o futuro. Mas nós nos somamos a outros que pensam que a ciência histórica é inestimável para o homem e que da memória auferida dos tempos passados procede um manancial inesgotável de fontes que não devemos nunca deixar de procurar, estudar e retomar em termos de grande proveito para a humanidade.

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