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Aulas Prticas de Direitos Fundamentais: tpicos.ndice: I Conceitos essenciais do discurso dos direitos fundamentais. II O princpio da Dignidade da Pessoa Humana (PDPH) na jurisprudncia constitucional. III Acrdos do Tribunal Constitucional em tema de direitos fundamentais.

I Conceitos essenciais do discurso dos direitos fundamentais:Num primeiro momento do curso prtico de direitos fundamentais, foi apresentada a linguagem dos direitos fundamentais nos seus conceitos organizadores bsicos. [Veja-se Jos Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976, 4. ed., 2009, em especial captulos III, IV, V e VIII; cfr. tambm a seguinte recenso do livro do Professor Vieira de Andrade da autoria de Ravi Afonso Pereira que aqui se seguiu de perto: http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/241.pdf]

I.1. A emergncia histrica do discurso dos direitos fundamentais:A um mundo poltico centrado na Comunidade poltica e numa Lei (decorrente da natureza humana e da Revelao Crist) que transcende a comunidade e impe deveres aos seus membros foi sucedendo progressivamente um mundo poltico centrado no Indivduo, i.., no homem dotado de direitos pr-polticos e oponveis comunidade poltica pelo facto mesmo de ser homem (Da Cristandade Medieval Modernidade). A cristalizao iluminista (scs. XVII e XVIII) de um discurso dos direitos: Locke, Kant. Os grandes desenvolvimentos do discurso dos direitos (da tradio liberal):

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A emergncia de um discurso de direitos democrtico, de um discurso de direitos socialista, de um discurso de direitos social-democrata, do discurso de direitos do Estado Social. A transformao do primeiro liberalismo, um liberalismo jusnaturalista, no actual (neo)liberalismo, um liberalismo no jusnaturalista (a um liberalismo em que os direitos humanos decorrem de uma natureza criada por Deus sucede um liberalismo em que a liberdade e a autonomia se auto-fundam e se auto-explicam).

I.2. As vrias formas de abordar o tema dos direitos fundamentais:A matria dos direitos fundamentais pode ser estudada segundo vrias perspectivas: perspectiva filosfica; perspectiva internacionalista; perspectiva jurdico-constitucional (ou constitucional positiva). Neste curso a matria dos direitos fundamentais estudada de uma perspectiva constitucional positiva. As outras dimenses deste tema no podem, porm, ser esquecidas: No artigo 1. da Constituio da Repblica Portuguesa [de ora em diante os artigos citados so, salvo indicao em contrrio, artigos da Constituio portuguesa] diz-se que a Repblica se baseia na dignidade da pessoa humana, princpio que no pode deixar de exigir uma leitura filosfica. No artigo 16., alarga-se o catlogo de direitos fundamentais a outros direitos fundamentais constantes de regras aplicveis de direito internacional e manda-se interpretar os preceitos relativos aos direitos fundamentais de harmonia com a Declarao Universal dos Direitos do Homem (indispensabilidade da perspectiva internacionalista).

I.3. A dimenso subjectiva e a dimenso objectiva do sistema de direitos fundamentais:Dimenso subjectiva: A matria dos direitos fundamentais tem que ver primacialmente com a atribuio/reconhecimento de posies jurdicas individuais, de direitos, de direitos subjectivos. Dimenses objectivas:

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A matria dos direitos fundamentais no se circunscreve, porm, s posies jurdicas dos indivduos em face da Comunidade poltica, s relaes entre os indivduos e o Estado (embora as posies jurdicas individuais sejam sempre pressuposto e finalidade das normas que regem a matria de direitos fundamentais). Dimenses objectivas: As garantias institucionais na matria de direitos fundamentais, h normas que no reconhecem/atribuem direitos, mas regulam um certo sector da realidade econmica, social e administrativa em torno de um direito fundamental, em vista da sua realizao; exemplos: autonomia universitria (artigo 76., n. 2), instituto da contratao colectiva (artigo 56., n. 3). As dimenses de organizao e procedimento de certos direitos fundamentais (referimo-nos aos direitos fundamentais a um procedimento; aos direitos fundamentais dependentes de um procedimento direito de sufrgio, por exemplo; aos direitos fundamentais sujeitos a um procedimento direito greve, liberdade de manifestao; aos direitos fundamentais de cunho procedimental direitos sociais; aos direitos afectados por um procedimento direito de propriedade, por ex.). As normas que regem a matria de direitos fundamentais no definem apenas um catlogo de direitos: estabelecem tambm a carta dos valores fundamentais da comunidade poltica; como valores da comunidade, os direitos fundamentais aplicam-se em toda a vida do Estado-Aparelho e em toda a vida do EstadoComunidade (nas relaes entre indivduos com qualificaes , por exemplo).

I.4. A estrutura tpica de um direito subjectivo fundamental:Um direito fundamental uma posio jurdica individual (est em causa um bem jurdico pessoal fundamental; um bem especfico reflexo do Bem maior dignidade da pessoa humana). A estrutura de um direito fundamental normalmente complexa: feixe de faculdades ou poderes de tipo diferente e diverso alcance. Vide, por exemplo, a liberdade de imprensa (artigo 38.). Na estrutura de um direito subjectivo fundamental, h um ncleo essencial e h camadas envolventes; trata-se de zonas constitucionalmente protegidas com intensidade

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diversa; o ncleo essencial protegido num grau superlativo tal ncleo reflecte a dignidade da pessoa humana.

I. 5. Os tipos de direitos subjectivos fundamentais.A Constituio distingue entre: (i) Direitos, liberdades e garantias (ii) Direitos econmicos, sociais e culturais (tambm designados na doutrina por direitos sociais) [ndices histrico-filosficos que permitem entender a distino: Direitos, liberdades e garantias direitos de defesa; direitos de participao poltica; direitos que tem que ver com o momento liberal e com o momento democrtico da nossa tradio de organizao poltica. Direitos Sociais: direitos a prestaes; direitos que tem que ver com o momento social da nossa tradio de organizao poltica.] Critrio propriamente tcnico-jurdico de distino entre tais mundos de direitos: presena ou ausncia de definio do contedo dos direitos pela Constituio (ou ao nvel da Constituio). Direitos, liberdades e garantias contedo determinvel, concretizvel ao nvel da Constituio; vide o disposto no artigo 18. (aplicabilidade directa dos direitos, liberdades e garantias). Direitos sociais contedo no determinvel, no concretizvel ao nvel da Constituio (para alm de um mnimo contido nos preceitos constitucionais); quanto a estes direitos existe liberdade de conformao do seu contedo por parte do Legislador (dada a natureza das coisas; e como decorrncia do princpio democrtico). [Da que os Direitos sociais mais do que direitos subjectivos pblicos num sentido verdadeiro e prprio i.., poderes individuais delimitados/delimitveis em face do Estado constituam pretenses jurdicas].

I. 6. - Os direitos, liberdades e garantias; figuras caractersticas do seu regime jurdico.Limites internos, imanentes aos direitos: os prprios preceitos constitucionais que consagram direitos fundamentais podem prever existncia de excepes sua aplicao;

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certas formas pensveis (atpicas necessariamente) de exerccio de um direito no se encontram includas no seu mbito de proteco, dada a especificidade do bem protegido e dado o sentido dos direitos na Constituio-total. Leis que constatam limites imanentes leis interpretativas. Exemplos: invocao da liberdade religiosa para efectuar sacrifcios humanos. Restries legislativas de direitos: a CRP pode autorizar a diminuio legislativa do contedo protegido de um direito para salvaguarda de um outro direito ou valor comunitrio; as restries legislativas esto sujeitas aos requisitos estabelecidos no artigo 18., designadamente a existncia de previso constitucional expressa. Exemplos: do artigo 268., n. 2. Coliso de direitos/Harmonizao (legislativa) de direitos: situaes de sobreposio dos mbitos de aplicao de normas constitucionais, de coliso entre direitos ou entre um direito e um valor constitucionalmente protegido; as leis harmonizadoras estabelecem critrios de concordncia prtica que permitem harmonizar os direitos ou os direitos e os valores que colidem (no limitam a priori e em termos gerais e abstractos um direito em funo de outro direito ou valor). Exemplo: liberdade expresso versus outros direitos ou valores (intimidade da vida privada, segredo de justia, moral pblica). Auto-limitao de direitos: renncia a direitos por parte do seu titular.

I.7 Os direitos sociais; alguns traos do seu regime jurdico.Indeterminabilidade do seu contedo. Das normas sobre direitos sociais podem decorrer imposies constitucionais concretas: se o legislador as no cumprir h omisso legislativa (na medida em que o dever de legislar seja materialmente determinado ou determinvel). As normas sobre direitos sociais constituem padro de controlo judicial de normas infraconstitucionais e elemento de interpretao do seu sentido e alcance. Os direitos sociais podem ser fundamento constitucional de restrio ou de limitao de outros direitos fundamentais.

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As normas sobre direitos sociais no deixam de possuir fora irradiante: h uma certa garantia de estabilidade das situaes ou posies jurdicas criadas na efectivao do disposto constitucionalmente em tema de direitos sociais. A proibio de retrocesso social no constitui, porm, princpio geral.

II O princpio da Dignidade da Pessoa Humana (PDPH) na jurisprudncia constitucional.Num segundo momento das aulas prticas, detivemo-nos na fundao e na ideiadirectora do sistema de direitos fundamentais: o princpio da Dignidade da Pessoa humana; estudou-se a interpretao que um tal princpio tem recebido na jurisprudncia do Tribunal Constitucional (TC) portugus. [Sobre este tema vide o seguinte relatrio do TC da autoria da Professora Maria Lcia Amaral (O Princpio da Dignidade da Pessoa Humana na Jurisprudncia Constitucional ): http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/conteudo/files/textos/textos0202041.pdf. Cfr. tambm o seguinte escrito de Marcos Keel Pereira (O Lugar do princpio da dignidade da pessoa humana na jurisprudncia dos tribunais portugueses; Uma perspectiva metodolgica) http://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/233.pdf].

II. 1. Invocao do PDPH em alguns acrdos do TC:Acrdos sobre princpio da culpa em direito penal: Ac. TC 16/84 artigo 30., n. 4 (o disposto no artigo 30., n. 4 visto como decorrncia via artigo 25., n. 2 do PDPH). Ac. TC 426/91 princpio da culpa deriva da essencial dignidade da pessoa humana (a p. h. no pode ser tomada como simples meio para a prossecuo de fins preventivos); Ac. TC 527/95 necessidade confrontar a ordem legal dos bens jurdicos protegidos pelo direito penal com a ordem axiolgica constitucional. Acrdos sobre penses sociais:

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Ac. 232/91 Estado de direito (direito justo identificado com verdade e a justia; justia material como pedra de toque a salvao da dignidade do homem como pessoa, dominada por uma ideia de igualdade; bem comum respeito pela dignidade humana). Ac. 349/91 TC declarao da existncia de um direito fundamental a um mnimo de sobrevivncia (o TC faz decorrer um tal direito do PDPH, condensado no art. 1; PDPH valor supremo tambm em sede de coliso ou conflito de direitos; tal direito historicamente situado). Ac. TC 318/99 o PDPH aparece a como vector axiolgico estrutural da prpria CRP; PDPH como decorrente do Princpio do Estado de Direito; Ac. TC 509/2002 declarao da existncia de um direito fundamental positivo/de contedo prestacional a um mnimo de sobrevivncia decorrente do PDPH . Outros temas: Ac. 130/88 TC direito de cada homem dispor sobre o destino a dar aos seus rgos e tecidos aps a sua morte (liberdade tica do homem individual - Kant -; decorre para a conscincia colectiva a partir de razes ancestrais; fundamento ltimo na ideia de Estado de Direito, maxime no PDPH) Ac 6/84 TC o PDPH como fundamento da Repblica; dele decorre um princpio de mxima proteco jurdica dos direitos de personalidade. Ac. 144/2004 (problema do lenocnio) delimitao do alcance dos artigos 41. e 47. luz do PDPH (adopo da tese do objecto vide infra) Jurisprudncia do TC alemo em tema de PDPH: a adopo da tese do objecto, proposta doutrinria de Drig: proibio de fazer do homem mero objecto do Estado ou de o submeter a uma actuao que lhe negue a sua subjectividade. Delimitao do contedo do PDPH atravs da anlise de exemplos concretos, conjugada com a procura das concepes sociais dominantes.

II.2. Problemas suscitados pela jurisprudncia constitucional em tema de PDPH.(iii) Sentido ltimo do PDPH:

Expresso de uma ordem pressuposta meta-histrica e fixa?

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Expresso do mnimo denominador comum a todos os membros que integram a Comunidade poltica? Artifcio retrico?: os tribunais no avanam muito no sentido de efectivamente descrever o contedo material do princpio da DPH (Maria Lcia Amaral)

(ii) Alcance do PDPH: Detm o exclusivo da primacialidade no sistema de valores e princpios da comunidade poltica? Padro para a emisso de um juzo de constitucionalidade sobre as normas; critrio de interpretao dos diversos direitos fundamentais; critrio decisivo de balanceamento de direitos fundamentais conflituantes; tambm fonte directa e imediata de direitos fundamentais? (iii) PDPH e metodologia jurdica Os vrios tipos de raciocnio jurdico que parecem (Marcos Keel Pereira) estar subjacentes invocao do PDPH: Jusnaturalismo; conceitualismo positivista; positivismo lgico kelseniano; hermenutica jurdica; teoria da argumentao; tpica; general principles of law.

III ACRDOSEm continuidade com a anlise da jurisprudncia do TC sobre o fundamento do sistema de direitos fundamentais sobre o princpio da Dignidade da Pessoa humana , comeou a discutir-se jurisprudncia do TC sobre direitos fundamentais/bens jurdicos fundamentalssimos (direito vida; direito identidade pessoal; princpio da/direito de igualdade, designadamente).

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ACRDO N. 101/2009[vide: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090101.html.] i) rea temtica: Disciplina jurdica da procriao artificial Lei n. 32/2006, de 26 de Julho (Lei da procriao medicamente assistida) ii) Problemas de direitos fundamentais postos ao julgador: Inexistncia de limites (quantitativos) criao de embries Inexistncia de um limite etrio para os beneficirios Admissibilidade da procriao humana a partir dos gmetas (vulos; espermatozides) provenientes de ao menos um doador diverso dos esposos ou dos unidos de facto (procriao heterloga) Recurso procriao artificial para tratamento de doena de terceiro (embriesmedicamento) Diagnstico gentico (e seleco) dos embries formados in vitro, antes da sua transferncia para o seio materno (diagnstico gentico pr-implantao) Utilizao de embries em investigao cientfica Admissibilidade da clonagem no reprodutiva (clonagem teraputica e de investigao). Macro-problema jurdico-constitucional: estatuto do embrio luz do PDPH artigo 1. e tambm artigo 67., n.2, al. e) e da norma que consagra o direito vida/protege a vida humana artigo 24., n. 1. iii) Raciocnio jurdico vencedor: Deciso de fundo: compreenso diferenciadora do mbito de proteco do PDPH e do artigo 24., n. 1; a existncia embrionria no implantada e a existncia embrionria em geral so essencialmente menos protegidas do que os posteriores momentos do desenvolvimento biolgico humano. Desenvolvimento do raciocnio: acentuao na composio da deciso dos referidos problemas de bens, valores e direitos como o direito a ter filhos, liberdade de criao cientfica (artigo 42., n. 2) ou o direito sade (de terceiros) artigo 64., n. 1.

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iv) Raciocnio(s) jurdico(s) vencido(s): Uma compreenso mais unvoca da (dignidade da) vida humana, do mbito de proteco do PDPH e do artigo 24.; o embrio como sujeito de direitos subjectivos fundamentais direito integridade fsica (artigo 25.) ou o direito identidade pessoal e gentica (artigo 26.).

III. 2 Acrdo n. 247/05[vide: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050247.html.]

Problema jurdico-constitucional: Eventual desconformidade do artigo 175. do Cdigo Penal (CP) [redaco da lei n.65/98 de 2 de Setembro] com a CRP, com os artigos 13., n. 1 e 2 e 26., n. 1. [artigo 175 CP: Quem, sendo maior, praticar actos homossexuais de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que eles sejam por este praticados com outrem, punido com pena de priso at 2 anos ou com pena de multa at 240 dias. artigo 174 CP : Quem, sendo maior, tiver cpula, coito anal ou coito oral com menor entre 14 e 16 anos, abusando da sua inexperincia, punido com pena de priso at 2 anos ou com pena de multa at 240 dias.] Raciocnio jurdico vencedor: O artigo 175 do CP, no ponto em que, contrariamente ao que se dispe no artigo 174 do mesmo Cdigo, torna irrelevante o abuso da inexperincia da vtima, viola o disposto nos artigos 13, n 2, e 26, n 1, da Constituio: estabelece uma diferena de tratamento jurdico com base na orientao sexual (homossexual) e sem fundamento racional; violao do princpio-direito fundamental da igualdade/violao do direito livre expresso da sexualidade [tambm do artigo 18./2: desnecessidade da punio]. Raciocnio jurdico vencido: Mesmo em tema de direitos fundamentais, o TC apenas deve considerar incompatveis com a CRP intervenes legislativas que consubstanciem valoraes inequivocamente refutveis ou manifestamente errneas. A abordagem do problema sub judice no como 10

um problema de direitos mas como um problema de delimitao entre o poltico e o jurdico. Problemas postos pelo acrdo: Falta de justificao e fundamentao por parte do TC? Contradio por parte do Tribunal Constitucional? A questo da boa compreenso do Princpio da igualdade. A compreenso do artigo 13., n.2 lista de proibies absolutas? Imposio de um teste especialmente exigente no que diz respeito qualidade racional das razes das normas discriminatrias? O problema do (des)valor (relativo) da homossexualidade. Admissibilidade de argumentos eudemonsticos i.., argumentos fundados numa viso substantiva da Vida Boa para o Homem num Estado Neutral e Secular?

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