MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO … · humilhações e profanações do ego. A...

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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL MATRIZ CURRICULAR NACIONAL PARA A EDUCAÇÃO EM SERVIÇOS PENITENCIÁRIOS CONSULTORES: OMAR ALEJANDRO BRAVO RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO OUTUBRO DE 2006

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MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL

MATRIZ CURRICULAR NACIONAL

PARA A EDUCAÇÃO EM SERVIÇOS PENITENCIÁRIOS

CONSULTORES:

OMAR ALEJANDRO BRAVO

RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO

OUTUBRO DE 2006

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SUMÁRIO

1. PRINCÍPIOS ORIENTADORES.................................................3

2. COMPETÊNCIAS, HABILIDADES, SABERES

E ATITUDES DO SERVIDOR PENITENCIÁRIO............................8

3. OBJETIVOS..............................................................................12

4. EIXOS ARTICULADORES........................................................14

4.1. Administração Penitenciária...............................................15

4.2. Saúde e Qualidade de Vida..............................................17

4.3. Segurança e Disciplina.....................................................19

4.4. Relações Humanas e Reinserção Social.........................21

5. ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS.......................................26

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................31

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1- PRINCÍPIOS ORIENTADORES

A Matriz Curricular Nacional pretende ser um documento

referencial, que descreve o elenco das principais competências, habilidades,

saberes e atitudes que devem ser desenvolvidos junto a todos os que

desempenham suas funções no sistema penitenciário.

A definição de matriz supõe um conceito mais amplo que o de currículo,

buscando oferecer diretrizes gerais para a elaboração dos cursos de formação dos

servidores penitenciários, que possibilitem uma base e filosofia de trabalho comum

para cada escola, e ao mesmo tempo ofereçam uma flexibilidade tal que permita a

adaptação dos conteúdos às realidades e demandas próprias de cada estado ou

região.

Esta é uma tarefa urgente e necessária, dada a complexidade e as

deficiências do sistema no qual os servidores exercem suas atividades, e a

carência de um modelo de formação atualizado, que permita dar conta das

exigências que o desempenho destas atividades impõem.

Dahmer (1992) destaca que a formação do servidor penitenciário é feita

com freqüência “ao nível do senso comum, de passar conhecimentos de uma

geração mais antiga de agentes para os novos que chegam”, dada a falta de uma

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orientação geral baseada num conhecimento sistematizado, sendo que a aparição

das primeiras escolas penitenciárias teve como propósito oferecer uma solução

para esse déficit institucional.

O servidor penitenciário que entra no sistema se depara com uma

realidade complexa, marcada por uma série de discursos e práticas não

articulados entre si e até contraditórios. Por questões relacionadas à sua falta de

formação e/ou à carência de estímulos materiais, sociais e intelectuais, o

imaginário de sua função acaba, com freqüência, limitando-se a um propósito

disciplinar ou corretivo.

Para Vidal (1997), esta situação aumenta a distância entre o trabalho

prescrito (aquilo que é esperado de uma função) e o trabalho real.A rotina do

sistema penitenciário contribui para agravar o problema. Goffman (1961)

caracterizou com precisão os efeitos que as denominadas instituições totais

produzem nas pessoas envolvidas nas suas rotinas. Segundo esse autor, nesse

tipo de instituições ocorre uma perda de privacidade e individualidade, sendo

todas as atividades realizadas em conjunto, em horários preestabelecidos e

impostas por uma autoridade superior. Essa situação afeta a um grande grupo de

pessoas que sofrem esse controle, mas também àqueles encarregados da sua

custódia.

Configura-se assim uma situação de vulnerabilidade dos atores

institucionais envolvidos, que se expressa de diversas formas, segundo o setor

institucional que integrem, sua origem social e características subjetivas. No

âmbito particular dos estabelecimentos penais, essa situação de vulnerabilidade

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compreende a presos, servidores penitenciários, autoridades e profissionais de

saúde, e se manifesta de forma particular em cada um desses grupos.

Nos presos, as condições de reclusão produzem conseqüências físicas

e psíquicas que contribuem também para o aumento da violência intra-muros. A

rotina carcerária favorece o consumo abusivo de drogas, como mitigador da

angústia produzida pelo ócio e as freqüentes situações de superlotação. O

sistema penal opera ainda como um grande “concentrador” de doenças, que

potencializa situações de vulnerabilidade anteriores, relacionadas à origem social

da maioria da população penitenciária, integrada pelos setores sociais mais

castigados e socialmente desfavorecidos.

Nas palavras de Bitencourt,

A instituição total produz no interno, desde que nela ingressa, uma série de depressões, degradações, humilhações e profanações do ego. A mortificação do ego é sistemática, embora nem sempre seja intencional. A barreira que as instituições totais levantam entre o interno e a sociedade exterior representa a primeira mutilação. Desde o momento que a pessoa é separada da sociedade, também é despojada da função que nela cumpria. Posteriormente, o interno é submetido aos procedimentos de admissão, onde é manuseado, classificado e moldado. Isso implica uma coisificação da pessoa, pois é classificado como um objeto para ser introduzido na burocracia administrativa do estabelecimento, onde deverá ser transformado paulatinamente através de operações de rotina. Esse procedimento leva a uma nova despersonalização e depreciação do ego. (BITENCOURT, 1993, 153/154)

Nos servidores penitenciários, o trabalho rotineiro, as situações de

violência que enfrenta no seu dia a dia e os baixos estímulos materiais e

intelectuais geram a falta de compromisso com a sua função social e a aparição

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de práticas violentas, favorecidas e auspiciadas pelos discursos que reclamam o

endurecimento das políticas penais e do tratamento às pessoas presas1.

Os profissionais da saúde enfrentam uma ampla e variada demanda,

para a qual muitas vezes não tem respostas. As particularidades da vida

carcerária levam à necessidade de atualizar e adequar práticas e saberes,

priorizando estratégias de prevenção que incluam a própria população carcerária e

os servidores penitenciários como possíveis parceiros na promoção da saúde. A

falta dessa adequação teórico-prática produz também o cansaço e o desinteresse

desses profissionais e a rotinização de suas práticas.

Essa situação geral de vulnerabilidade que atinge a todos os atores

institucionais envolvidos na rotina carcerária tem três dimensões fundamentais:

social, institucional e individual, que no caso particular das pessoas presas

possibilitam também uma maior vulnerabilidade penal, já que as condições

anteriores dificultam os processos de ressocialização e favorecem a reincidência

penal.

O trabalho do servidor penitenciário deve contribuir para diminuir os

efeitos dessa situação estrutural, favorecendo processos de inserção social da

população presa. Para esse fim, é preciso que o servidor assuma sua função

social com dedicação e comprometimento. Um processo de formação

permanente, através das escolas penitenciárias, como o que esta matriz sugere,

buscará a sua atualização teórica e prática, e servirá como estímulo para o

desenvolvimento de suas potencialidades e da sua realização social e pessoal.

1 Sobre o impacto da prisionização em servidores penitenciários, vide as importantes contribuições de CHIES et al. (2001) e MORAES (2005).

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Com base na proposta ora apresentada, o que se pretende é deflagar

um processo qualificação da atuação das Escolas Penitenciárias, que tenha como

ponto fundamental a elaboração de um Projeto Político Pedagógico como

documento preliminar e orientador da proposta pedagógicas das Escolas

Penitenciárias, dentro de uma perspectiva de execução penal que prime pelo

“tratamento penitenciário”. Trata-se, portanto, de um processo de construção

participativa, no qual a matriz curricular tem o papel de indutora da incorporação

de conteúdos básicos nos cursos de capacitação e formação continuada, tal como

indicado no Guia de Referência para a Educação em Serviços Penais.

Por fim, cumpre também ressaltar a importância de que neste

processo sejam incorporadas outras políticas públicas formuladas pelo DEPEN em

parceria com outros ministérios (além do Plano Nacional de Saúde no Sistema

Penitenciário – Ministério da Saúde), a exemplo da Política de Educação de

jovens e adultos no sistema penitenciário, que estabelece como um dos seus

pilares à formação de profissionais que atuam na execução penal.

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2. COMPETÊNCIAS, HABILIDADES, SABERES E ATITUDES DO SERVIDOR

PENITENCIÁRIO

A formação promovida pelas Escolas penitenciárias deve ser capaz de

fazer com que o potencial de competências e habilidades de cada servidor

penitenciário seja transferido para a sua prática profissional, através da articulação

entre os saberes promovidos nos cursos e os que o próprio servidor carrega como

parte da sua bagagem pessoal e experiência de vida. Essa articulação permitirá

que as atitudes do servidor penitenciário correspondam às expectativas

relacionadas com a sua função social, e contribuirá para a sua plena realização

pessoal e profissional, de acordo com os objetivos previstos pela Lei de Execução

Penal, que indicam que “a escolha do pessoal administrativo especializado, de

instrução técnica e de vigilância atenderá a vocação, preparação profissional e

antecedentes pessoais do candidato” (art. 77), sendo que a administração

penitenciária deverá zelar para que o ingresso do pessoal penitenciário, bem

como a progressão ou a ascensão funcional, ocorram mediante a realização de

cursos específicos de formação, procedendo-se à reciclagem periódica dos

servidores em exercício (art. 77, § 1º).

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A integração desses quatro vetores, os saberes, habilidades,

competências e atitudes, permitirá que o servidor penitenciário possa manter

uma conduta ética sólida e ampla, que sirva como barreira para possíveis abusos

de poder e força. Para esse fim, a comunicação, a tolerância e a capacidade de

liderança são competências e habilidades que devem ser destacadas e

promovidas. Assim, torna-se possível articular as funções de segurança com os

objetivos de ressocialização das pessoas presas, já que a segurança passa a ser

entendida de um modo integral, compreendendo também a segurança física e

emocional da população carcerária e dos próprios servidores.

Da mesma maneira, integram-se as funções do servidor penitenciário

com as ações dos profissionais de saúde e assistência social que atuam nos

estabelecimentos penitenciários, confluência de objetivos que já está prevista no

Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário.Os profissionais de saúde e os

assistentes sociais que atuam no sistema penitenciário devem passar por um

processo de formação específico, destinado a atender as particularidades e

exigências da sua atuação no contexto prisional. A minimização dos riscos e

danos surgidos da situação de confinamento, a definição de estratégias de

prevenção e a articulação com os serviços externos de saúde, e a elaboração e

implementação de projetos de reinserção social formam parte necessária das suas

funções, competências e atitudes.

Essas estratégias devem ser articuladas com as ações gerais de gestão

penitenciária implementadas em cada estabelecimento, já que as mesmas se

incluem nos princípios gerais de valorização do ser humano e de respeito aos

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direitos humanos e permitem diminuir a exposição de presos e servidores a

situações de violência.

A capacitação de servidores para a implementação e difusão de ações

de prevenção à violência integram-se também a esse propósito geral. Tanto a

formação inicial quanto a capacitação continuada devem buscar

instrumentalizar o pessoal penitenciário com novos conhecimentos, organizar

e sistematizar o conhecimento empírico adquirido na prática cotidiana e

desenvolver novas habilidades, tornando a participação dos servidores

prisionais mais produtiva, tanto no desempenho das atividades que lhes são

requeridas, quanto na construção de sua auto-estima pessoal e profissional.

Nesse sentido, as Escolas Penitenciárias devem se constituir em um espaço de

valorização da pessoa e de promoção da sua dignidade, uma vez que as

condições de vida dos presos estão diretamente relacionadas com as

condições de trabalho do pessoal penitenciário.

Pode-se então elencar, com base no acima exposto, o perfil e as

habilidades do profissional penitenciário que se pretende formar nas Escolas

Penitenciárias:

• Capacidade de exercer corretamente suas funções;

• Capacidade de situar a sua atividade no contexto mais amplo

da unidade em que trabalha e do sistema penitenciário como

um todo;

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• Compreensão da condição do indivíduo encarcerado e da

necessidade de redução dos danos produzidos pelo

encarceramento;

• Aptidão para buscar, incentivar, manter e preservar a

harmonia e o bom convívio social no ambiente prisional.

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3.–OBJETIVOS

3.1. OBJETIVO GERAL

• Fornecer elementos teóricos e práticos que permitam a formação integral, a

capacitação profissional e a construção de uma identidade específica do

servidor penitenciário, possibilitem a valorização e o pleno desenvolvimento

da sua função social e institucional e contribuam para a inserção social das

pessoas presas, de acordo com os objetivos dispostos pela Lei de

Execução Penal e com o pleno respeito aos Direitos Humanos.

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Oferecer uma sólida e atualizada formação profissional, que aproxime a

teoria e a prática e permita o pleno desenvolvimento das capacidades e

potencialidades do servidor penitenciário.

• Capacitar o servidor penitenciário no domínio das técnicas e procedimentos

necessários para seu trabalho, valorizando o diálogo, o respeito à pessoa e

a compreensão das diferenças.

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• Oferecer elementos teóricos e práticos que permitam contribuir para a

segurança e reinserção social das pessoas presas.

• Estimular a valorização profissional e pessoal do servidor penitenciário,

através de incentivos intelectuais, éticos e sociais, que incorporem a

percepção do servidor como agente transformador da realidade

• Estimular a reflexão dos servidores penitenciários sobre seu papel social e

profissional como cidadão e servidor público.

• Incentivar a articulação das Escolas Penitenciárias com Universidades,

organizações da sociedade civil, órgãos públicos nacionais e internacionais,

dentre outros, como forma de fortalecer o desenho da rede de educação

em serviços penais.

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4. EIXOS ARTICULADORES

Esta proposta de matriz curricular para formação e capacitação do servidor

penitenciário está estruturada em torno de quatro grandes eixos articuladores:

I. Administração penitenciária

II. Saúde e qualidade de vida

III. Segurança e disciplina

IV. Relações humanas e reinserção social

Estes eixos pretendem reunir e aproximar questões teóricas e práticas, a

partir da suposição de que a teoria deve manter uma relação estreita com a praxis.

Além de favorecer o aspecto pedagógico dos cursos, esta aproximação permite

que as suposições teóricas que fundamentam a prática possam ser discutidas e

modificadas em função da realidade complexa com a qual o servidor penitenciário

vai se deparar no seu dia a dia.

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I. Administração Penitenciária:

Este primeiro eixo tem como propósito oferecer ao servidor penitenciário

as ferramentas teóricas e práticas que lhe permitam desenvolver suas funções

administrativas e burocráticas, assim como os fundamentos e bases jurídicas da

sua função e os conhecimentos básicos dos seus direitos e deveres como

funcionário público.

Questões que envolvem a rotina do trabalho de administração de

uma instituição penitenciária, desde o controle orçamentário até a gestão de

pessoal, são necessárias para a capacitação do servidor para o exercício de suas

funções, e permitem a padronização de rotinas e procedimentos burocráticos que

facilitam a resolução de problemas de gestão das unidades prisionais.

Além disso, pelas características do seu trabalho, o servidor

penitenciário se confronta com freqüência com situações que demandam

conhecer os limites legais de sua ação e os direitos e deveres tanto da população

penitenciária como os seus próprios. Nesse sentido, incluir na formação conteúdos

relacionados com o Estatuto do Servidor Público permite não só essa formação

especifica, como também favorecer o processo de integração institucional dos

servidores.

O conhecimento da Lei de Execuções Penais, assim como de

noções básicas de Direito Penal e Processo Penal, permite ao servidor

penitenciário entender a importância do lugar que ocupa no contexto mais amplo

dos mecanismos institucionalizados de resposta ao delito e controle punitivo, as

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expectativas sociais e institucionais que deve atender e a sua relação com os

propósitos gerais da execução da pena. A dimensão normativa, no entanto,

precisa ser complementada pela compreensão do conjunto de atores e processos

envolvidos com o problema do controle do delito, permitindo ao servidor

penitenciário a compreensão da totalidade do sistema no qual está inserido, e de

sua dinâmica de funcionamento.

O oferecimento de cursos relacionados a questões tais como

gramática, português e informática contribuem, além do seu propósito específico,

para aumentar a auto-estima do servidor, dado que são conhecimentos

socialmente necessários e valorizados.

No eixo da Administração Penitenciária, deverão ser trabalhados os

seguintes conteúdos:

• Gestão de Pessoal

• Orçamento e Finanças

• Direito Administrativo

• Estatuto do Servidor Público

• Administração da Justiça Penal – Atores e Processos

• Lei de Execuções Penais

• Direito e Processo Penal

• Informática

• Gramática e Redação Oficial

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II. Saúde e Qualidade de Vida:

Como já foi dito, o sistema penitenciário é um grande concentrador

de doenças, sendo que as próprias condições de reclusão contribuem para

aumentar fragilidades estruturais dos indivíduos que o integram. O servidor

penitenciário deve ter acesso tanto a conhecimentos básicos sobre prevenção

como a noções de primeiros socorros e intervenção em crise.

Dessa forma, beneficiam-se não só os supostos destinatários dessas

ações, mas também os seus executores, dado que o servidor está exposto aos

mesmos riscos e danos que os presos. A apropriação desses conhecimentos se

inclui dentro de uma visão humanista da sua função e se relaciona com os

princípios de direitos humanos e respeito pelo próximo que devem guiar todo o

seu trabalho.

O Plano Nacional de Saúde para o Sistema Penitenciário, disposto

pela Portaria 1.777/02, indica os pressupostos básicos de uma política integral de

saúde nas prisões, sendo que o servidor penitenciário ocupa um lugar

fundamental na sua execução.

Para a construção dessa proposta tomaram-se como referência os

principais danos e ameaças a saúde da população carcerária, entre eles o uso

abusivo de drogas, a infecção pelo vírus do HIV/AIDS e outras DSTs e problemas

de saúde mental em geral. Esses conteúdos devem formar parte dos cursos de

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formação, incluindo também os profissionais da saúde, responsáveis diretos pelas

ações de prevenção e tratamento.

Algumas questões específicas a serem incluídas nos cursos de

formação, como a relação entre gênero e saúde ou a necessidade das políticas de

redução de danos como forma de diminuição dos riscos associados ao consumo

de drogas, permitirão que essas ações de prevenção tenham um caráter mais

amplo e abrangente.

No eixo da Saúde e Qualidade de Vida serão desenvolvidos os

seguintes tópicos:

• Promoção e Proteção à Saúde

• Saúde em uma perspectiva de Gênero

• Manipulação de Alimentos

• Drogadição e Dependência Química

• Primeiros Socorros

• Treinamento específico para prevenção e tratamento de

DST/HIV

• Atenção em Saúde Mental

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III. Segurança e Disciplina

O conhecimento dos aspectos básicos relacionados à segurança e

disciplina permitirá ao servidor penitenciário, sempre que possível, antecipar,

prevenir e/ou resolver situações de crise através da negociação e do diálogo, nos

marcos da lei e do respeito pelos direitos humanos.

A inteligência penitenciária deve possibilitar a prevenção de conflitos,

permitindo atuar antes que uma crise se manifeste. Caso esta aconteça, a

capacidade de gerenciá-la através do diálogo e da persuasão permitirá evitar o

recurso ao uso da força e aumentar a segurança tanto do preso como do servidor.

Num clima de diálogo e respeito mútuos, a disciplina opera através da

interiorização da necessidade do respeito à norma, e não através da coerção.

Para tanto, é necessário que o servidor esteja capacitado para atuar de acordo

com as previsões legais, seguindo rotinas e procedimentos operacionais que

reduzam o espaço para a discricionariedade e o improviso na gestão do cotidiano

nas prisões. O parâmetro norteador desses procedimentos deve ser o respeito

aos direitos fundamentais do preso e a preservação da dignidade e da segurança

de todos os envolvidos com o ambiente carcerário.

No eixo da Segurança e Disciplina deverão ser desenvolvidos os

seguintes tópicos:

• Rotinas e Procedimentos Operacionais

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• Procedimentos Disciplinares e Sindicância

• Direitos Fundamentais do Preso

• Gerenciamento de Crises

• Equipamentos de Proteção e Tiro Defensivo

• Defesa Pessoal e Técnicas de Imobilização

• Inteligência Penitenciária

• Papiloscopia

• Cinotecnia

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IV. Relações Humanas e Reinserção Social:

O respeito pelos direitos humanos deve ser a base fundamental da

política penitenciária. Para esse fim, é necessária uma formação especifica em

torno aos princípios vinculados ao respeito à dignidade humana, bases

fundamentais não só do trabalho específico do servidor penitenciário, como

também da sua formação integral como cidadão. Uma visão integral de direitos

humanos deve contemplar também questões relacionadas a gênero, raça e classe

social, categorias em torno das quais se constroem e manifestam os preconceitos

mais comuns.

De outro lado, os princípios norteadores do respeito aos direitos

humanos não podem ser vistos como algo abstrato, que paira sobre o cotidiano do

cárcere como um conjunto de regras nem sempre relacionadas com a prática. Ao

contrário, estes conteúdos devem ser desenvolvidos no sentido de uma

incorporação às atividades cotidianas, garantindo a qualificação das relações

humanas no espaço prisional.

Nesse sentido, o eixo pretende desenvolver habilidades de mediação

de conflitos, assim como a compreensão sobre o impacto carcerário no

comportamento humano, permitindo ao servidor lidar com os conflitos e situações

problemáticas de forma a minimizar as possibilidades de causação de dano físico

ou psíquico a todos os envolvidos.

O conhecimento de noções básicas de psicologia permite a

apropriação de ferramentas teóricas e práticas que contribuem para o diálogo e a

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compreensão, bases fundamentais do respeito pelo outro. A criminologia clinica

oferece também mecanismos de intervenção e análise da realidade prisional

através de conhecimentos multidisciplinares e não normativos da questão

carcerária.

Além disso, a compreensão de que os indivíduos encarcerados

devem retornar ao convívio social deve nortear as políticas de gestão

penitenciária, e para tanto os servidores, em suas mais diversas atividades,

devem estar capacitados para incorporar essa preocupação como uma

centralidade da atuação de todo o sistema. Para tanto, pretende-se que estejam

aptos a elaborar, implantar e avaliar projetos de reinserção social do preso, nas

suas mais variadas dimensões e atividades, desde aquelas que dizem respeito à

vida no cárcere até a necessária mobilização de atores sociais externos às prisões

para a viabilização dos mesmos.

Cabe ainda destacar que um dos objetivos da formação

penitenciária, deve ser o de romper com a idéia de que a administração carcerária

deve estar orientada quase que exclusivamente para questões de segurança,

ordem e disciplina (SÁ, 2004), buscando dar maior visibilidade aos programas de

reinserção social, tais como: educação, trabalho, qualificação profissional, etc., ou

seja, colocando como prioridade permanente da atuação dos servidores

penitenciários os processos de reintegração social dos indivíduos encarcerados.

O eixo de Relações Humanas e Reinserção Social deve portanto

contemplar os seguintes tópicos:

• Mediação de Conflitos

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• Comportamento Humano em Instituições Carcerárias

• Psicologia das Relações Interpessoais

• Criminologia Clínica

• Direitos Humanos, Ética e Cidadania

• Elaboração de Projetos de Reinserção Social

• Gênero, Etnia e Sistema Prisional

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EIXOS ARTICULADORES

CONTEúDOS

I. ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA

Gestão de Pessoal

Orçamento e Finanças

Direito Administrativo

Estatuto do Servidor Público

Administração da Justiça Penal – Atores e Processos

Lei de Execuções Penais

Direito e Processo Penal

Informática

Gramática e Redação Oficial

II. SAÚDE E QUALIDADE DE

VIDA

Promoção e Proteção à Saúde

Saúde em uma perspectiva de Gênero

Manipulação de Alimentos

Drogadição e Dependência Química

Primeiros Socorros

Treinamento específico para prevenção e tratamento

de DST/HIV

Atenção em Saúde Mental

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SEGURANÇA E DISCIPLINA

Rotinas e Procedimentos Operacionais

Procedimentos Disciplinares e Sindicância

Direitos Fundamentais do Preso

Gerenciamento de Crises

Equipamentos de Proteção e Tiro Defensivo

Defesa Pessoal e Técnicas de Imobilização

Inteligência Penitenciária

Papiloscopia

Cinotecnia

RELAÇÕES HUMANAS E REINSERÇÃO

SOCIAL

Mediação de Conflitos

Comportamento Humano em Instituições Carcerárias

Psicologia das Relações Interpessoais

Criminologia Clínica

Direitos Humanos, Ética e Cidadania

Elaboração de Projetos de Reinserção Social

Gênero, Etnia e Sistema Prisional

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5. ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS

A presente Matriz Curricular Nacional oferece um referencial

pedagógico que visa à promoção efetiva da qualificação dos servidores

penitenciários para o desempenho de suas atribuições e a construção de sua

identidade profissional. A formação dos servidores penitenciários é concebida

como um processo complexo e continuado, no qual os servidores são também co-

responsáveis por sua formação e desempenho profissional. A formação deverá

assim assegurar-lhes a autonomia e a capacidade crítica necessárias para adquirir

sempre novos conhecimentos e incorporar permanentemente estes

conhecimentos em suas práticas profissionais.

Parte-se do princípio de que a matriz curricular é a base para a

elaboração de cursos voltados tanto para o ingresso quanto para a formação

continuada dos servidores penitenciários, e por isso mesmo não se estabelece

uma carga horária mínima ou um conteúdo obrigatório para todos os cursos, que

devem também levar em conta as especificidades locais e regionais. Para tanto, é

fundamental que as instituições de ensino planejem suas ações educativas,

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rompendo, sempre que necessário, com hábitos arraigados, rotinas, culturas

profissionais, com base na análise crítica de suas próprias ações pedagógicas.

As práticas educativas que darão conteúdo ao que se propõe na

matriz curricular deverão permitir o desenvolvimento e a sistematização

permanentes de sua própria experiência, a compreensão da complexidade das

situações de trabalho prisional em suas várias dimensões, a ampliação do

repertório de competências profissionais e o desenvolvimento permanente do

interesse pela formação continuada e a co-responsabilidade pela aprendizagem.

As práticas educativas devem também assegurar a coerência com os

princípios do Sistema Único de Segurança Pública e do Plano Nacional de Direitos

Humanos, como diretrizes nacionais, e favorecer a criação de estratégias para um

ensino comprometido com a transformação pessoal, social e profissional.

Deve ainda garantir integração dos Eixos Articuladores e seus

conteúdos específicos por meio de recursos interdisciplinares, viabilizando

permanentemente a conexão entre teoria e prática. Como proposta metodológica

para o alcance das metas estabelecidas, sugere-se trabalhar com dinâmicas

pedagógicas voltadas para o estudo de casos, a utilização de recursos áudio-

visuais, o incentivo para o trabalho em grupos e a realização de pesquisas por

parte dos alunos/servidores.

A avaliação continuada das práticas de aprendizagem também deve

ser garantida, proporcionando a co-responsabilização de professores e alunos,

para que as correções de rota possam ser feitas em tempo adequado, incluindo a

realização de avaliação de desempenho do corpo docente.

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A avaliação deve incluir critérios gerais constituídos por indicadores de

diferentes naturezas, estratégias, procedimentos, técnicas e instrumentos, visando

a reorganização permanente dos processos de ensino e aprendizagem. Nesta

abordagem, a avaliação não se reduz a critérios de aprovação e reprovação, mas

se constitui na base para um acompanhamento e monitoramento permanentes da

qualidade e da eficácia das práticas pedagógicas, a partir de critérios definidos e

transparentes. Para isso são sugeridas técnicas que valorizem o desenvolvimento

de habilidades não apenas discursivas, mas também a efetiva incorporação do

conhecimento adquirido, o que demanda a associação de instrumentos e

procedimentos de natureza qualitativa.

A avaliação deve ser considerada como fenômeno complexo, cujos

resultados pertencem também ao aluno, para que ele possa ter o retorno sobre a

qualidade de sua produção e buscar novos conhecimentos que possibilitem uma

formação coerente com os objetivos institucionais e as demandas da realidade.

A avaliação de aprendizagem deve permitir verificar o aproveitamento

do ponto de vista teórico e prático. Do ponto de vista teórico, instrumentos como

avaliação escrita, oral e trabalhos em grupo devem ser utilizados. A avaliação

prática é um instrumento importante que pode ser aplicado nas disciplinas que

exijam uma maior compreensão da relação teoria/prática e pode ser planejada de

forma criativa com o objetivo de colocar o participante em situações onde se exija

a solução de problemas concretos a partir de conteúdos que lhe foram

apresentados durante o curso. Elas podem ser implementadas a partir de

dinâmicas, oficinas, dramatizações ou simulações que reproduzam situações

reais, visando a análise do conteúdo programático e sua aplicação no cotidiano

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dos servidores penitenciários. Nesse sentido, é importante levar em conta o

diagnóstico dos problemas mais freqüentes enfrentados no sistema prisional e

selecionar temas e conteúdos relacionados a essas situações previamente

identificadas.

A avaliação do curso deve ser realizada durante todo o seu

desenvolvimento, de forma que seja possível aprimorar o mais imediatamente

possível as atividades e processos realizados, beneficiando o curso em

andamento. Para isso é necessário o acompanhamento sistemático do curso, que

pode ser realizado através de instrumentos como a observação direta das aulas e

atividades por responsáveis pelo curso, reuniões formais ou informais, individuais

ou em grupo com os alunos, professores, palestrantes, e a aplicação de

questionários de avaliação a todos os participantes do curso.

Os instrumentos de avaliação geral do curso permitem, se aplicados

em diferentes momentos, identificar as expectativas dos participantes, seus

receios e ansiedades, suas sugestões e como consideram que os conhecimentos

que serão/foram obtidos podem ajudá-los em suas atividades profissionais.

Permitem também refletir e avaliar o curso de forma global, em aspectos como

conteúdo programático, aplicabilidade no cotidiano, compreensão dos objetivos de

cada disciplina, infra-estrutura, conhecimento e domínio do assunto desenvolvido

pelos professores e palestrantes, facilidade de comunicação e relacionamento

com o grupo, capacidade de incentivar a troca de experiências e do conhecimento,

compreensão dos conteúdos das disciplinas pelo próprio participante, integração

com os demais, e ainda os tipos de mudanças que ele identifica em si mesmo a

partir do curso.

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Também pode ser aplicado a cada professor, ao final de seu módulo

um questionário no qual ele avalie a participação da turma, sua integração, o

impacto daquele conteúdo, sua própria atuação com o grupo, carga horária,

metodologia, recursos disponíveis, sugestões, etc.

A implementação desta Matriz Curricular deve atender aos critérios já

mencionados, destacando que faz parte de uma proposta pedagógica ampla, que

entende a educação como um processo permanente de interação,

necessariamente continuo e regular. Desta maneira, incorpora a necessidade de

implementar propostas de atualização dos cursos já realizados, assim como a

realização de outros, cujos conteúdos devem atender a demanda dos alunos e as

necessidades da gestão penitenciária de cada Estado. Atendendo a esses

critérios, os cursos poderão ter um caráter verdadeiramente democrático e

participativo, que permitirá avaliar se esses conteúdos atendem a realidade de

cada estado e estabelecimento penitenciário.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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