MODALIDADES DE ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO FRAUDULENTA DE BENS 1

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MODALIDADES DE ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO FRAUDULENTA DE BENS FRAUDE DE EXECUÇÃO A segunda modalidade de alienação ou oneração fraudulenta de bens é fraude de execução que é um instituto especial do Direito brasileiro, pois não há outro que tenha a mesma função no Direito Comparado. Essa modalidade de alienação fraudulenta também tem relação com a responsabilidade patrimonial (art. 591 do CPC) uma vez que o devedor tem o dever de assegurar com o seu patrimônio (bens presentes e futuros), em valor que seja suficiente para satisfazer os direitos dos credores. Diferentemente da fraude contra credores, que prejudica apenas os interesses dos credores em particular, a fraude de execução é mais gravosa, pois prejudica não somente os credores, mas também, a própria atividade jurisdicional do Estado, uma vez que só ocorre quando já existe uma ação judicial em andamento, por isso, pode-se dizer que constitui ato atentatório à dignidade da justiça. Ressalte-se ainda que não existe fraude de execução na iminência do processo. Assim antes de estabelecida a relação processual, ou seja, antes da citação, é impossível configurar-se a fraude à execução, o que ocorrerá é apenas a fraude contra credores. A fraude de execução tem algumas características peculiares que a distinguem da fraude contra credores, contudo, mesmo assim, alguns doutrinadores a interpretam como uma espécie de fraude contra credores. Para o doutrinador CÂMARA (2010): Esta comparação, porém, que estabelece a ideia de que a fraude de execução é uma “fraude contra credores

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MODALIDADES DE ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO FRAUDULENTA DE BENS

FRAUDE DE EXECUÇÃO

A segunda modalidade de alienação ou oneração fraudulenta de bens é fraude de

execução que é um instituto especial do Direito brasileiro, pois não há outro que tenha a

mesma função no Direito Comparado.

Essa modalidade de alienação fraudulenta também tem relação com a

responsabilidade patrimonial (art. 591 do CPC) uma vez que o devedor tem o dever de

assegurar com o seu patrimônio (bens presentes e futuros), em valor que seja suficiente

para satisfazer os direitos dos credores.

Diferentemente da fraude contra credores, que prejudica apenas os interesses dos

credores em particular, a fraude de execução é mais gravosa, pois prejudica não somente

os credores, mas também, a própria atividade jurisdicional do Estado, uma vez que só

ocorre quando já existe uma ação judicial em andamento, por isso, pode-se dizer que

constitui ato atentatório à dignidade da justiça.

Ressalte-se ainda que não existe fraude de execução na iminência do processo.

Assim antes de estabelecida a relação processual, ou seja, antes da citação, é impossível

configurar-se a fraude à execução, o que ocorrerá é apenas a fraude contra credores.

A fraude de execução tem algumas características peculiares que a distinguem da

fraude contra credores, contudo, mesmo assim, alguns doutrinadores a interpretam como

uma espécie de fraude contra credores. Para o doutrinador CÂMARA (2010):

Esta comparação, porém, que estabelece a ideia de que a fraude de execução é uma “fraude contra credores qualificada”, à qual se comina, inclusive, uma sanção de maior gravidade, só é adequada quando se tem em mira a hipótese de fraude prevista no art. 593, II, do CPC. A situação referida no art. 593, I, nenhuma relação guarda com a fraude pauliana, uma vez que não se refere a uma execução por quantia, mas sim à execução para entrega de coisa. (CÂMARA, 2010, p. 214)

O artigo 593 do Código de Processo Civil, que trata da fraude de execução,

dispõe:

“Art. 593: Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;III - nos demais casos expressos em lei”.

Entre as situações elencadas nos incisos do artigo supracitado, existem elementos

comuns, sendo que para CÂMARA (2010), o mais relevante de todos é a dispensa do

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consilium fraudis, que é o requisito subjetivo, ou seja, o concerto entre os sujeitos que

praticam o ato, como elemento caracterizador da fraude.

Entretanto, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça se manifestou de

forma diversa a este entendimento, dando grande importância ao elemento subjetivo na

fraude de execução, inclusive, aprovou uma súmula de número 375, que tem a seguinte

redação: “O reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do

bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Sobre a aprovação da súmula

entende CÂMARA (2010):

Com todas as vênias ao STJ, este Tribunal confundiu as três modalidades de fraude. Se a penhora já foi averbada (e penhora é ato que se averba, e não que se registra), existe uma presunção absoluta de que a constrição é conhecida por terceiros, e se estará diante de alienação de bem penhorado (instituto que não se confunde com a fraude de execução). Caso não tenha havido averbação da penhora, poderá haver fraude de execução independentemente de prova de má-fé do adquirente do bem, sendo certo que o elemento subjetivo, como já examinado, só se exige para a configuração da fraude contra credores (e nem esta exige propriamente má-fé, mas tão somente o potencial conhecimento de que o ato reduziria o devedor-alienante à insolvabilidade). Com todo respeito merecido pelo STJ, a aplicação do entendimento consagrado nesse enunciado põe por terra todo o esforço da doutrina processual para proteger o credor contra as fraudes perpetradas pelo devedor, e torna quase impossível o reconhecimento da fraude de execução. (CÂMARA, 2010, p. 214).

No tocante aos seus efeitos, os atos que o devedor pratica em fraude de execução

são tidos como ineficazes em relação ao credor, assim, a execução terá seu curso

normalmente. Nesse caso não há que se falar em nulidade ou anulabilidade, e sim em

ineficácia, pois apesar de apto a produzir o efeito, é inoponível ao credor.

A primeira hipótese a ser abordada, prevista no inciso I do art. 593 do CPC, trata de

fraude de execução quando há alienação de bem sobre o qual pender ação fundada em

direito real. Ocorre quando há venda de bem que é objeto de litígio em ação que versa

sobre direito real, que é aquele direito que tem eficácia erga omnes, ou seja, contra todos,

sendo garantido o direito de sequela que é a possibilidade do titular do bem retirá-lo do

quem de quem quer que o detenha.

Para o doutrinador THEODORO JUNIOR (2008), o inciso I do art. 593 do CPC

refere-se a uma hipótese análoga à do art. 592, I, pois ambos tutelam o direito de sequela

que decorre de todos os direitos reais, ressaltando que:

A diferença é que o art. 592, nº I, cuida da ineficácia da alienação ocorrida durante a execução, seja ela apoiada em título judicial, ou extrajudicial, ao passo que o art. 593, nº I, antecipa a proteção à sequela, fazendo a ineficácia atingir mesmo as alienações verificas antes do julgamento definitivo da causa no processo de conhecimento. Convém recordar que, durante a execução, a fraude se configura não só em relação aos direitos reais, mas também perante a realização das obrigações de entrega de coisa de natureza reipersecutória (art. 592, I), como as derivadas de possessórias, embargos de terceiro fundados em direitos pessoais, recuperação de bens locados ou dados em comodato, etc. (THEODORO

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JUNIOR, 2008, p. 206).

Essa modalidade de fraude está normalmente ligada a uma execução para entrega

de coisa. Para CÂMARA (2010) não é propriamente uma modalidade de fraude de

execução, sendo que, na verdade, a lei pretendeu com isso evitar que aconteça uma

sucessão fraudulenta no processo, em que se retirasse o demandado originário para

figurar em seu lugar alguém em situação de insolvabilidade.

Nesse caso, a título exemplificativo, se houver uma ação reivindicatória, que tem

por fundamento direito real de propriedade, se o demandado alienar bem sobre o qual as

partes estão litigando, o adquirente não poderá substituir o alienante ou o cedente, a

menos que, haja o consentimento da parte contrária, conforme previsão do art. 42, §1º do

CPC. Assim, o demandado poderá intervir no processo, agindo como substituto

processual na defesa dos interesses do adquirente do bem, e a execução de sentença se

dará com a invasão do patrimônio do adquirente, e a constrição irá incidir sobre o bem

litigioso.

O inciso II do art. 593 trata da fraude de execução quando “ao tempo da alienação

ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência”. Neste

caso a aplicação deste inciso deve ser feita diferenciando a hipótese em que o bem

alienado esteja ou não vinculado a execução. Se não houver prévia sujeição do bem à

execução, o credor deverá demonstrar o eventus damni, ou seja, a insolvência do

devedor que se originou da alienação ou oneração.

Importante frisar que a insolvência de decorrer do ato de disposição praticado pelo

devedor e não obrigatoriamente do processo em andamento. Entretanto, se existir ligação

do bem alienado ao processo fraudado, a caracterização da fraude prescindirá de outra

prova.

Um dos requisitos para que o ato seja considerado praticado em fraude de

execução, é que existe um processo pendente que tenha capacidade de reduzir o

devedor ao estado de insolvência. Desse modo, podemos afirmar que a existência de

uma processo pendente induz a litispendência, contudo, para isso é imprescindível que

haja citação válida do demandado para que essa se constitua.

É muito discutida a questão da necessidade ou não de inscrição no Registro de

Imóveis da citação válida da ação para a configuração de fraude de execução. A esse

respeito entende o Professor THEODORO JUNIOR (2008) que:

(...) mesmo sem averbação, é possível pensar em fraude de execução quando o terceiro adquire bem imóvel sabendo, comprovadamente, que se acha penhorado. Nesse caso, o ônus da prova é daquele que alega a fraude, enquanto na situação da penhora averbada torna-se dispensável qualquer tipo de prova da ciência do

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gravame, por parte do adquirente, tendo em vista a eficácia natural da publicidade erga omnes que produz o registro público. (THEODORO JUNIOR, 2008, p. 208).

Diante disso, temos duas situações que poderão ocorrer:

1) Se houver citação inscrita no Registro de Imóveis, não há que se falar em

prova da fraude, vez que esta já está presumida em virtude do registro, vez que este é

público, ou seja, o conhecimento de todos, inclusive do próprio adquirente;

2) Se não houver inscrição da citação, é ônus probatório do credor demonstrar

que o adquirente tinha conhecimento da ação e curso. Assim, mesmo quando já existia o

gravame judicial, sem ter sido registrado, para que haja configuração da fraude, o credor

deve provar que o adquirente tinha ciência desse fato.

Por fim, o inciso III do art. 593, prevê ainda outros casos de fraude de execução,

que estão previstos no Código Civil e em outras leis. Como exemplo, temos a penhora de

crédito prevista no art. 615-A, §3º; averbação no registro público da execução distribuída,

prevista no art. 672, §3º do CPC; e alienação de bens do sujeito passivo de dívida ativa

regularmente inscrita, com previsão no art. 185 do CTN.

Por ser a fraude de execução considerada ato atentatório à dignidade da justiça

elencada no art. 600 do CPC, o devedor “incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante

não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem

prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá

em proveito do credor, exigível na própria execução”, conforme art. 601 do CPC.

FRAUDE A PENHORA OU ALIENAÇÃO DE BEM PENHORADO

Verifica-se que existe certo aumento quanto ao nível de gravidade entre as

modalidades de alienação fraudulenta de bens, passando da menos grave, fraude contra

credores, na qual se exige a redução do devedor ao estado de insolvência, depois a

fraude de execução, na qual é exigido apenas o elemento subjetivo da insolvência do

devedor, até chegar, finalmente, na fraude a penhora, que é considerada a mais gravosa

de todas.

A penhora, segundo os ensinamentos do doutrinador THEODORO JUNIOR (2008):

Antes de tudo, a penhora importa individualização, apreensão e depósito de bens do devedor que ficam a disposição judicial (CPC, arts. 664 e 665), tudo com o objetivo de subtraí-los à livre disponibilidade do executado e sujeitá-los à expropriação. Para esse mister, o agente do órgão judicial há, primeiramente que buscar ou procurar os bens do devedor, respeitando porém, a faculdade que a lei confere ao próprio credor de fazer a escolha, desde que obedecidas as preferências e demais requisitos legais de validade da nomeação de bens à

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penhora. (THEODORO JUNIOR, 2008, p. 296)

O bem penhorado, nesse caso, será empregado na satisfação do crédito

executado, o que será feito através da expropriação do mesmo. Ressalte-se, porém, que

a penhora não tem capacidade para retirar, por si só, o bem do patrimônio do devedor,

assim, este ainda terá a faculdade de dispor desse bem. Contudo, não poderá ser

excluído da sujeição às medidas executivas.

Diante disso, a alienação do bem penhorado, apesar de ser ato válido, portanto,

produzindo efeitos, é inoponível ao exequente, pois o bem alienado não poderá ser

excluído da responsabilidade patrimonial.

Nesse caso, não importa se o devedor se tornará insolvente ou não, o ato

continuará sendo fraudulento, ainda que ele disponha outros bens capazes de satisfazer

os direitos do credor.

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REFERÊNCIAS

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 18ª ed. 2ª tiragem. Vol.

II. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2010.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 42ª ed. Vol. II

Atualizado até a Lei 11.441, de 04 de janeiro de 2007. Editora Lumen Juris. Rio de

Janeiro, 2010.