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Modelo de texto completo: 2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões XV Simpósio Nacional de História das Religiões ABHR 2016 Uma organização juvenil em rede para o século XXI: Os desafios e limites da Pastoral da Juventude frente à gratuidade, o institucional e a técnica na gestão de pessoas. Denny Junior Cabral Ferreira 1 Introdução: jovens, religião e gratuidade Não é nova a tese que como advento da modernidade o ser humano, em especial o ocidental, deixou de viver seguindo a orientação única ou exclusiva da religião, seja ela qual for. De alguma forma houve uma emancipação por parte da humanidade atual de viver sua imaginação, reflexão, liberdade e explicar sua existência para além da fé e da ciência. Surgiu uma nova cultura, uma nova ordem social baseada nas novas tecnologias (mesma para aqueles que ainda não a usufruem em sua totalidade), no novo mercado mundial e nas novas posições políticas mundiais. Os jovens são a ponta de lança de grande parte desse movimento, sejam como consumidores e disseminadores dessas novas práticas e tendências, numa atitude mais ativa ou passiva, conforme o grau de politização que possuem (SILVA, 2006). 1 Menstrando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará - UEPA e membro do Grupo de Pesquisa “Movimentos Sociais, Educação e Cidadania na Amazônia - GMSECA”. E-mail: [email protected]. O artigo tem como base o projeto de pesquisa de mestrado “Se a Juventude viesse a faltar, o rosto de Deus iria mudar: Um estudo da atualidade teológica da Pastoral da Juventude do Regional Norte II da CNBB frente a seus stakeholders” sob a orientação da Prof.ª Dr. ª Maria Marize Duarte.

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2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões

XV Simpósio Nacional de História das Religiões

ABHR 2016

Uma organização juvenil em rede para o século XXI:

Os desafios e limites da Pastoral da Juventude frente à gratuidade, o institucional e a

técnica na gestão de pessoas.

Denny Junior Cabral Ferreira1

Introdução: jovens, religião e gratuidade

Não é nova a tese que como advento da modernidade o ser humano, em especial o

ocidental, deixou de viver seguindo a orientação única ou exclusiva da religião, seja ela qual

for. De alguma forma houve uma emancipação por parte da humanidade atual de viver sua

imaginação, reflexão, liberdade e explicar sua existência para além da fé e da ciência. Surgiu

uma nova cultura, uma nova ordem social baseada nas novas tecnologias (mesma para

aqueles que ainda não a usufruem em sua totalidade), no novo mercado mundial e nas novas

posições políticas mundiais. Os jovens são a ponta de lança de grande parte desse movimento,

sejam como consumidores e disseminadores dessas novas práticas e tendências, numa atitude

mais ativa ou passiva, conforme o grau de politização que possuem (SILVA, 2006).

1 Menstrando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará - UEPA e membro do Grupo de Pesquisa “Movimentos Sociais, Educação e Cidadania na Amazônia - GMSECA”. E-mail: [email protected]. O artigo tem como base o projeto de pesquisa de mestrado “Se a Juventude viesse a faltar, o rosto de Deus iria mudar: Um estudo da atualidade teológica da Pastoral da Juventude do Regional Norte II da CNBB frente a seus stakeholders” sob a orientação da Prof.ª Dr. ª Maria Marize Duarte.

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A juventude que participa de uma forma institucionalmente religiosa

(aproximadamente 4% de uma fatia de 15% considerando todo o universo juvenil brasileiro)

critica a hipocrisia, as proibições dogmáticas e regras religiosas, do excesso de cobrança e do

autoritarismo adulto e mais além dos “des exemplos” entre o clero (facilmente noticiosos

entre a Mídia). Há aqueles que resistem à postura das igrejas frente ao aborto, a

homossexualidade (para a Igreja: homossexualismo), os métodos anticonceptivos, a castidade

e a própria noção de pecado. “O Cristianismo deve apresentar-se diante deles sem moralismo”

(LIBÂNIO, 2013, p. 92). Em contrapartida, há grupos de jovens que se familiarizam com uma

igreja conservadora, “marcado pelos costumes veiculados pelas gerações que lhe procederam

e ainda pouco afetado pelas ondas secularizantes da Modernidade” (LIBÂNIO, 2013, p. 38).

Em todos os casos, há o reflexo da nova subjetividade religiosa, seja como forma de relativizar

o tradicional, seja como forma de viver uma espiritualidade militante, mas de teor intimista e

protecionista frente à diversidade secular de nosso tempo. A Igreja já deu sinais de upgrade

com o crescimento dos evangélicos com a ascensão meteórica que teve a Renovação

Carismática Católica (RCC) e o movimento gospel no início dos anos 90 do século XX, expoente

de movimentos mais “adaptados” a essa nova cultura juvenil, que na avaliação de Libânio

“trata-se do perfil juvenil cristão predominante no atual contexto” (LIBÂNIO, 2013, p. 41).2

Nesse cenário, há três atitudes dos jovens em relação à religião: há aqueles que

acreditam em sua importância, mas de uma forma interior e ao seu modo; a segunda atitude

é daqueles que lhe dão crédito, mas não se envolvem ativamente e por fim há aqueles que

acreditam e vivenciam isso de uma forma ativa, o que não limita suas críticas (SILVA, 2006). É

neste último que podemos analisar o papel da gratuidade nesse processo. Como, numa

sociedade em que os indivíduos entendem a gestão da religião como algo de iniciativa privada,

sem preocupação com o outro, vive-la de forma engajada, militante? O que a torna voluntária,

gratuita e despojada? Em outras palavras, como viver uma espiritualidade engajada, em que

se traduzam os valores religiosos em uma prática que não se restrinja ao privado, mas tenha

cor e sabor coletivos e mais ainda, devotados de voluntarismo genuíno, práticas gratuitas, em

2 Para uma compreensão sistematizada das tendências atuais da juventude no campo religioso: Cf. LIBÂNIO, J.B. Para onde vai a juventude? Reflexões pastorais. São Paulo: Paulus, 2011, p. 183-208.

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que o ser se torna valoroso em relação ao ter, numa lógica que contraria a religiosidade

neoliberal, típicas de teologias capitalistas em voga?

Primeiro é compreender que tradicionalmente religião é algo coletivo, mas que só tem

sentido de existir se for para fomentar uma espiritualidade militante, privada ou não. Basta

ler o Sermão da Montanha para visualizar como Jesus tratou a questão em seu tempo. Para

Jesus foi mais fácil, todavia fazer a crítica, pois sua sociedade era toda baseada em ideais

religiosos, situação hoje por nós não mais partilhada, pelo menos objetivamente.

Segundo é recuperar o valor da gratuidade não como um dom ou bem privado em que

coloco a disposição de outrem. Em um país capitalista como o nosso em que gratuidade virou

sinônimo de ineficaz ou sujeito a administração pública ou ainda o que é público, mas sem

gerência e moroso. Falar de gratuidade gera um desconforto conceitual, pois pode implicar na

ideia de doação sem qualificação ou daquilo que (deveria) ser público e acessível a todos, mas

sem uma gestão eficaz (reservado aos mais pobres, àqueles que não podem pagar por uma

prestação de serviços e produtos melhores). Os bens públicos não saem de graça, pagasse

impostos para gerá-los ou administrá-los. Os bens da natureza podem ser gratuitos, mas

consumi-los exige custos operacionais.

A gratuidade verdadeira passa pela contraposição de levar vantagem de alguma forma

na troca efetuada, o que a meu ver hoje, não figura numa sociedade neoliberal em que jovens

universitários fazem trabalho voluntário porque necessitam creditar atividades

complementares em seu currículo escolar. Gratuidade hoje é uma prática até comum, mas

não um valor intrínseco a todos que o fazem, mesmo entre os mais jovens, geralmente mais

sensíveis e dispostos à mudança. Neste papel a religião é importante, pois o desafio que é a

tarefa teologal de transformar a gratuidade como prática (uma imanência, algo que percebo

e posso analisar objetivamente) em um valor (algo transcendente, que eleva ao desígnio da

fé, do subjetivo), pode-se recuperar a dinâmica do terceiro grupo de jovens em o cenário é

viver uma espiritualidade engajada (mas muitas vezes não processada, não sistematizada e

mal administrada) e migrar agentes do segundo cenário (que veem a instituição como algo

empalizante, sem cor, sem brilho, “amarrado”), pois são os ideais que podem ser concretizados

que cativam a juventude de hoje, num processo teologal inverso, ou seja, tornar o

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transcendente em algo transparente, em que continua com propriedades imanentes, mas

carregado de transcendência – ou seja, de valor, de significado.

Jovens em rede, a instituição e seus desafios

Os jovens, quando devotados, hiperbolizam sua prática religiosa mais que os adultos,

pois o sentido de pertença, o apelo emocional da experiência, o sentido missionário são

encarados como valores em seu universo nascente, pois são entendidos como portas para o

universo adulto. Feita essa experiência, há uma natural acomodação. Se desastrosa essa

experiência nesse interim da vida, um pessimismo enraizado geralmente prevalece por toda a

vida ou são substituídos por uma nova tradição ou prática, às vezes num círculo vicioso. O

papel das redes, sejam virtuais ou não, maximizam essas experiências. Notem que os jovens

só foram entendidos como classe social, na medida em que fizeram experiências em rede,

quando se mobilizaram em massa ou testemunham ações em conjunto3.

A esse respeito, a Pastoral da Juventude 4 (doravante PJ) é uma das organizações

juvenis católicas organizadas em rede, com inspiração no Cristianismo de Libertação,

notadamente omitida nos ensaios dos teóricos da Teologia da Libertação, mas

“provavelmente, mais sensível do que outras às tendências culturais individualistas presentes

na sociedade, a partir dos anos 1990” (SOFIATI, 2012, p.14) que Dick a destaca para temos

uma compreensão como um exemplo digno de organização juvenil e social de amplitude

nacional, afirmando-se em seu protagonismo: a juventude católica da PJ, “sejam eles (os

3 Cf. BRANDÂO, Antonio Carlos; DUARTE, Milton Fernandes. Movimentos culturais de juventude. São Paulo: Moderna, 1990.

4 A Pastoral da Juventude é consequência de uma construção nacional iniciada em 1970 congruente das várias

experiências com a juventude, espalhadas pelo Brasil, enquanto mecanismo privilegiado de evangelização juvenil no meio católico, identificadas com as opções defendidas pelo Cristianismo de Libertação, da pedagogia da autonomia (de Paulo Freire), da opção preferencial pelo pobres (Medellín, 1968) e posteriormente pelos jovens (Puebla, 1979 e Santo Domingo, 1992), perfomando-se gradativamente como a pastoral modelo de trabalho da Igreja Católica frente à juventude brasileira (com a criação em 1983 do Setor Juventude da CNBB) impulsionada em organizar em todos os níveis da instituição católica: comunidades, paroquias, dioceses e prelazias, regionais e nacionalmente, condizentes com um cenário progressista da prática católica, na redemocratização do país (década de 1980) e de uma fé intelectualizada (nos escritos da TdL, os temas das Campanhas da Fraternidade da CNBB a partir de 1970 e no crescimento das Ceb’s).

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grupos de jovens) paroquiais ou reunidos por meio de suas especificidades” concluindo que o

atual ambiente episcopal brasileiro tende à problematizar o tipo de evangelização que a PJ

defende, simpatizando mais com “movimentos” menos conscientizadores, “lights” e onde os

adultos exercem mais controle (DICK, 2003, p. 296).

Em nosso século, em que a experiência de estar conectado se massifica a cada dia e

que para a juventude sua perda representa um de seus maiores medos, a experiência de fazer

parte de um grupo, de pertencer a algo, tem um apelo singular, ainda mais se tal conjunto

tiver uma projeção nacional ou internacional. Para os jovens religiosos isso bastaria, pois, a

maioria das igrejas de hoje cumprem esse papel, especialmente a Igreja Católica, universal em

próprio nome, onde “a importância pastoral dos grupos cresce à medida que neles os jovens

criam parâmetros, referencias de valor e de conduta” (LIBÂNIO, 2004, p. 33). Contudo, estar

numa rede e sentisse como rede tem significados diferentes entre os jovens, pois a maioria

quer gestar o canal assumindo-a como sujeito e não apenas como ente social. Nessa visão,

surge inevitavelmente outro embate com o institucional e o tradicional, pois possuem regras

imutáveis aos olhos dos jovens e valores considerados caducos. Observasse essa antipatia

mesmo nas organizações juvenis em que os mesmos protagonizam. Os calouros tendem a

negar o feito pelos anfitriões numa atitude típica de construir sua própria imagem e de

reafirmação. Mas enfatizo que isso ocorre quando a iniciação não ocorre como deveria. É

difícil de admitir, pois no caso da Pastoral da Juventude, mesmo esse processo de cativar,

educar e iniciar os calouros passa, inevitavelmente, pela institucionalização do novo membro,

pois do contrário, não haveria consecução pastoral. A catequese da Crisma, a Catequese de

modo geral, os votos para os noviços/as a vida religiosa, a sacramentalização, a liturgia, as

vestes são símbolos que a Igreja usa para institucionalizar um novo membro. Negar a

instituição é negar um mal necessário do ponto de vista da liberdade humana, mimetizado

como “socialização” em muitos setores, mas sem isso, não há sociedade e com ela seus valores

e princípios. E aí cabe outra pergunta: Como garantir a humanização de nossas relações

religiosas sem desprezar o papel da instituição? É possível separar o ser humano do que é ser

sujeito e do que é ator social? Ser ator social não implica ser sujeito?

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Para Jung Mo Sung, a separação é verdadeira e necessária, pois para ele “não é possível

que as instituições funcionem sem nenhum processo de objetivação de seres humanos”

(SUNG, 2002, p. 55) e que possui eco na obra de Peter L. Berger quando este apresenta a

religião como mecanismo de “a socialização procura garantir um consenso perdurável no

tocante aos traços mais importantes do mundo social”, favorecendo assim sua manutenção

(BERGER, 1985, p. 42). O problema seria “a redução do ser humano em determinados papéis.

Redução que nega outras potencialidades do ser humano”. Tal afirmação do ser humano como

sujeito frente a sistemas sociais – que tendem a objetivá-lo, reduzindo-a a peças do sistema –

exige para sua efetivação uma ação social/política, isto é, na medida em que ele se transforma

em um ato social dentro de uma instituição e se torna eficiente em fazer isso. Contudo, diz o

autor “por mais que tentemos nos enganar... acreditando que a solução de problemas

religiosos e sociais estão somente no nível comunitário e microssocial, a realidade da

globalização econômica, a rede de comunicação global e outras relações globalizadas

continuam afetando nossas vidas” (SUNG, 2002, p. 65).

Limitando a questão à PJ, mesmo que seja um eufemismo, ela tem um papel

institucionalizante, à medida que tomou corpo, definiu marcos referenciais, gerou

documentos, criou estruturas de serviço e defende entre os jovens um papel, caso contrário,

não poderia ser uma pastoral, sequer existiria e seus valores ou teriam se perdido ou seriam

restrito a meia dúzia de grupos de jovens esparsos pelos Continente Latino-americano. Seus

líderes, caso não tenham percebido, fazem parte deste processo, cumprem papéis que às

vezes se não se articulam com sua subjetividade. O ponto positivo da instituição chamada “PJ”

é que ela tem como se posicionar frente a outras instituições, em especial a instituição maior

que faz parte, no caso a Igreja Católica Apostólica Romana. A esse respeito, cabe interligar o

conceito de estratégia com o de redes:

As decisões estratégicas das organizações não devem ser separadas do contexto das

relações existentes, sendo que as organizações influenciam e são influenciadas não só pelas

relações diretas que estabelecem com seus stakeholders, mas sim pela rede em que estão

inseridas (SIMAENS, 2012, p. 215).

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A experiência mais recente tem demonstrado que só sobrevive no campo católico

àquelas experiências que verdadeiramente são organizadas e bem administradas e que de

alguma forma dão dividendos ao conjunto. E neste cenário, não cabe mais uma simples

“concorrência”, pois o valor da diversidade está em apresentar variadas soluções para um

mesmo fim que o próprio processo de institucionalização tende a conformar, situação

tolerada pela própria Igreja, misto de movimentos, ordens e visões de pastoral. O Cristianismo

não nasceu hegemonizado e uniformizado, o fato de existirem diferentes evangelhos sobre

Jesus prova essa tese, para citar um exemplo próximo. Em suma, a instituição cabe um papel

conservador sim, mas regulador dos valores. O que não pode ocorrer é viver mais a instituição

do que os valores que a geraram. Esse é o conflito básico.

Para a PJ, esse conflito acontece quando:

Quem a guia não está comprometida com seu papel institucional, olhando do

ponto de vista da administração, que escreverei mais à frente como algo que não

pode ser mais negligenciado em nossa atual conjuntura. Combater

vanguardismos, quebra de processo e munir suas lideranças com práticas de

gestão baseada em projetos de vida guiados por acompanhantes eficazes são as

dicas que registro aqui para combater este primeiro sintoma.

Também é gerado desta crise a não conceituação da PJ como uma rede de grupos,

pois limita-la a um conceito vertical, quase piramidal, revoga sua nobre origem e

natureza, descolorindo-a como espaço privilegiado para exercício do

protagonismo do laicato juvenil, perdendo a força que o papel político,

democrático e horizontal das redes, tem no cenário moderno. Atualizar sua

imagem, utilizar com mais eficiência as mídias sociais, dar uma verdadeira atenção

ao lúdico, fomentar a musicalidade em seus grupos de base, são demandas

necessárias de formação com base nesta premissa.

Um terceiro gerador de crise é uma compreensão duvidosa, presente também em

grande número em outras congêneres, que por ser um espaço laico, gratuito e

religioso, tem que ser todo informal, voluntário e improvisado, fardado ao laissez-

faire contínuo. Se a Igreja sobreviveu como a uma das mais poderosas instituições

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nestes 2000 anos é porque ela teve uma organização e burocracias eficientes;

justamente por ser uma organização voluntária - a PJ - é que ela tem que ser eficaz

e eficiente para sobreviver, isto exige um uma evolução que Jung Mo Sung registra

como desdobramento do conceito de sujeito: a solidariedade. Seres humanos

conscientizados de sua subjetividade se reconhecem em sua humanidade e

gratuidade, provocando-se em posturas éticas, traduzindo sua utopia coletiva em

projetos históricos viáveis e possíveis. Os jovens são privilegiados com essa

dimensão por natureza.

A gestão de pessoas e o desafio da gratuidade

Mudando o foco da teologia para a Administração: todo administrador é educado para

gerir pessoas, fazendo valer a missão e os valores da organização que atua a fim de conseguir

que gerem resultados de preferência positivos, seja lucro, bens, serviços de qualidade,

produtos inovadores. A mãe que sustenta a casa geralmente a administra, o pároco sua

paróquia ou o bispo sua diocese. Não é um conceito restrito a grandes corporações ou às

empresas.

Em uma organização em que ficam claros os papéis e os ganhos de suas atividades, as

pessoas respondem com mais propriedade (pois do contrário são sancionadas), na

Administração de Recurso Humanos é chamado de gestão instrumental, conceito que, por

mais que o empreendimento possa desejar transparecer e ser humanizado nas relações entre

seus os colaboradores, o interesse último é o resultado esperado (lucro, ganhos, manutenção

de benefícios, cargos, etc.), de preferência satisfazendo empregador e empregados. Pode

parecer antiético, mas numa sociedade capitalista é o que pode se esperar.

Mas quando essa organização não visa propriamente o capital? Em que se estabelece

que as relações e os ganhos sejam os resultados a serem impressos na alma de cada membro,

de natureza altruísta e voluntária, é possível estabelecer parâmetros advindos da

administração científica, da técnica e da economia para gestar essas relações, essas pessoas?

Não se corre o risco de instrumentalizar? Ou fetichizar com os ídolos do mercado essa

organização sem fins lucrativos?

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Assim como não se pode conceber mais que um bom catequista dá uma boa instrução

até debaixo de uma mangueira, pois a realidade dos catequizandos exige do mesmo ser mais

criativo, motivado, aparelhado, pois facilmente os signos modernos absorvidos pelos

catequizandos interpelam continuamente uma catequese imediatista, sacramentalista, não-

renovada e pior, improvisada. Como já dito, gratuidade não dispensa qualidade e para se obter

qualidade em qualquer ação, há de se comportar de forma diferente, mudando cultura,

aparelhos, técnicas e oferecer soluções que não sejam mágicas, mas viáveis e que respondam

ao desejo, caso da PJ, dos jovens, de se tornarem sujeitos – de serem reconhecidos, de

estarem conectados, de afirmação – e que não se reduza na espiritualidade privada ou grupal,

mas que o leve a retribuir de forma gratuita e voluntária, o que de “graça” nele foi investido.

J. B. Libânio (2004, p. 41-54; 89-102), tratando em uma de suas obras sobre o jovem moderno

e pós-moderno e os desafios para a PJ, aponta alguns desafios nessa gestão:

Diminuir a defasagem entre o discurso e a prática;

Conforme a crise atinge seu público, a exigência de suas pedagogias diferentes –

uma para os de dentro cujas exigências pastorais devem ser sensíveis ao grau de

consciência de cada um e sua liberdade – e outra para os de fora – tratá-los

conforme a dimensão da crise – intelectual ou afetiva?

Oferecer uma enorme gama de possibilidades de se inventar o humano; abusar da

inventividade e da criatividade, mas de uma forma proposital;

Apontar nos jovens e seus grupos de base um sentido altruísta a sua ação

conjugado com a vida intelectual;

Evitar um pastoral de choque, especialmente para os jovens oriundos da tradição

religiosa familiar ou rural, mas preparar a todos para serem lúcidos pastoralmente,

especialmente frente à vida acadêmica e a razão moderna;

Fazer uma leitura crítica e um uso estratégico da tecnologia, da informática, das

Mídias Sociais e da Sociedade da Informação;

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Elaborar um projeto pastoral social que provoque a onda privatizante e intimista

dos grupos de base, aumentando vínculos com as juventudes de fora da Igreja e

suas iniciativas;

Estrategicamente, ampliar da retaguarda da pastoral (o que na Administração de

Serviços se chama back office);

Trabalhar a pedagogia do antes e do agora, muita utilizada pelos movimentos,

para combater a rotatividades dos iniciantes e as práticas de RdV – Revisão de Vida

e RdP – revisão de Prática para os que estão na militância;

Repensar sua estratégia junto aos seus stakeholders: outras pastorais de mesmo

público, movimentos e grupos que se identificam com seu ideário e pedagogia5,

não somente para exercício de uma Pastoral de Conjunto, mas potencializar suas

ações, reforçando-se estrategicamente e politicamente em rede, ampliando o

campo de retaguarda.

Marketing Interno e o desafio de profissionalizar nossa ação

Marketing interno nada é mais que tratar os colaboradores numa organização como se

fossem clientes internos. Usada estrategicamente para “oferecer um ambiente interno

motivador, atrair e reter talentos”, necessitando de todo um esforço de integração pela

organização para que seus serviços atinjam o grau almejado de satisfação do seu público. Para

superar expectativas é preciso que a organização viva uma cultura de excelência não só capaz

de transformar seu público interno em peritos em “vender ou apresentar seus serviços”, mas

também de apresentar para o público externo seus diferenciais, a personalidade daquela

organização. Para efetivar isso, a cultura da qualidade é a base da reputação da organização,

baseado em dicas que vão desde a busca da perfeição, torná-la uma crença internamente,

recompensar, aprimorar, dar autonomia e poder de decisão, estar em sintonia com o público

5 A Pastoral do Menor, a Catequese da Crisma, a Pastoral de Adolescentes são exemplos de organizações também pastorais reconhecidas pelo CNBB e que possuem público formado por jovens. PU, Jufra, Focolares, são organizações eclesiais que historicamente dialogam com a PJ, só para citar casos internos.

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externo e buscar conhecê-lo. E um ponto fundamental: para ser bem-sucedido, começa de

cima para baixo, do mais alto grau de responsabilidade e hierarquia até o menor.

Apesar de parecer reducionista, mas se entendemos a PJ como uma prestadora de

serviços, pelo menos em um nível paroquiano e diocesano de sua articulação, a motivação, ou

seja, um estado de entusiasmo e curiosidade permanentes que levem os seus jovens o desejo

de construir algo que julguem relevantes, buscando canalizar a subjetividade deste conceito

para algo mais coletivo, isso só se dá se for concebido de uma forma mais profissional por

aqueles que geririam a organização, apropriando algumas práticas já usadas pela PJ em sua

dimensão da Capacitação Técnica6, mas relendo-as sob a perspectiva da Administração de

Serviços, reinterpretando e atualizando a prática diária, transformando-a em técnicas de:

Empowerment (dar o poder, empoderamento): delegar de forma responsável e

madura, responsabilidades, dando-lhe autonomia de realizar tarefas,

recompensando-o conforme o grau exigido. O princípio do protagonismo juvenil,

tão evidente e delineado na PJ é uma manifestação histórica de empoderamento.

Endomarketing: Capacitar seu público interno a vestir a camisa e incorporar a

visão da organização como sua e de sua competência. Educar uma nova geração

de coordenadores e militantes, mais sensíveis às Mídias Sociais e eletrônicas,

reeducando com técnicas e utilizando a vasta criatividade e qualidade dos signos

da organização.

Endoacting (atuação para dentro, desempenho): Pensar planos de ação para

dentro, objetivando a solução de demandas específicas e a melhoria do

desempenho da organização. De certa forma presentes em seus planos de

formação e espiritualidade, mas a dimensão da ação (vista para o exterior da

instituição) sempre é apresentada em oposto à formação interna e à

espiritualidade, no tripé Ação-Formação-Espiritualidade, fórmula clássica no

planejamento da PJ. Inverter essa lógica, que Programas de Ação podem ser

6 Capacitação Técnica é uma das dimensões do programa de Formação Integral da PJ, juntamente com a personalização, integração comunitária, teológica-teologal e sócio-política e corresponde, justamente ao conjunto de técnicas necessários à condução eficiente da organização e à capacitação do seu pessoal.

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internalizados e que os Programas de Formação e Espiritualidade podem ser

externalizados, é o ponto que apresento como novidade.

Coaching (treinamento), Mentoring (tutoria) ou Counselling (aconselhamento): O

papel da assessoria na PJ possui como stakeholder, dependendo da situação, um

misto professor ou treinador, de mentor e de conselheiro, mas dificilmente um

assessor/a domina as três realidades, fora que o papel de coordenar também

possui essas dimensões em grau menor. Preparar quadros, aperfeiçoá-los e cativar

mais pessoas e grupos (congregações religiosas, por exemplo, são stakeholders

potenciais7) de uma forma estratégica é urgente e necessário. Equipes no Serviço

da Assessoria que consigam reunir e operacionalizar essas dimensões em todas as

instancias é o desejável.

Considerações finais

Para fechar, independente da abordagem de como se deva articular a Pastoral da

Juventude, há em relação ao trabalho com os jovens três exigências que, especialmente a

modernidade nos impõe:

Deve-se ficar em contínua abertura para a novidade. Uma continua desinstalação

que não deve ser confundida com vazio, mas como se fosse um interesse genuíno

de aprender, o que exige um discipulado. A vida não é um fim em si mesma, mas

um ser em si mesma. Essa atitude/exigência ajuda a não se fechar em modelos

dedutivos, mas a dialética entre fé-vida.

Deve-se cultivar a capacidade de contemplação. Descobrir os valores teologais

entre os jovens, mostra-lhes o que de divino possuem, numa atitude de realçar

seus valores e criticar os contra valores de sua época.

Não limitar nossa ação ao público interno: Apesar de nosso público ser o jovem

religioso e comprometido com a transformação social, nossa abordagem terá eco

7 A título de exemplo, a Conferencia dos Religiosos do Brasil, definiu como prioridade a juventude e possui em seu organograma um Grupo de Trabalho nacional e regionais, incumbidos de dinamizar a tarefa. Cf. CRB. Plano de Ação 2014-2016. Brasília: CRB, 2014.

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e continuará valida se não se restringir a essa juventude, mas potencializar sua

mensagem a toda a juventude, felizes com a ideia que nunca terão a totalidade da

mesma;

Por fim, a organização e todo o sentido de ser da Pastoral da Juventude devem evocar,

naqueles que a vivem como opção pedagógica, como caminho e caminhar no ser e fazer-se

jovem, a alegria de herdá-la e o desafio de dar-lhe continuidade, não porque

institucionalmente ela o exige, mas porque nela se encontram possibilidades e exigências de

ser feliz, porque na experiência de grupo de base, há conexão viva e dialética de fazer uma

experiência face a face que liga o sujeito a algo maior, transcendente; em que respeita-se

àqueles que optam por outras vias, mas cujos quadros militantes não abrem mão da mesma,

pois ela tem a singularidade de viver a laicidade como jovem na Igreja Católica de uma forma

pessoal, coletiva, mas sobretudo empoderada, protagônica. Toda exigência, todo o labor, toda

a cobrança, toda a manutenção dos processos, só terão validade e continuidade, se os atuais

líderes da PJ se conscientizarem da beleza que possam modelar para àqueles iniciantes em

seus quadros (e que que não tem o mesmo nível de compromisso militante) e reconhecer que

profissionalizar a cultura organizacional demanda mais investimento pessoal e coletivo, mas

em nada singular para aqueles que viveram o Processo de Educação na Fé da Pastoral da

Juventude.

Referências

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