modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

104
UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROPEPG CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR ANGELA ZAMONER MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR Chapecó (SC) 2012

Transcript of modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

Page 1: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

ANGELA ZAMONER

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Chapecó (SC)

2012

Page 2: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

ANGELA ZAMONER

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Monografia apresentada à Universidade Federal

da Fronteira Sul – UFFS, Campus Chapecó,

como requisito parcial para obtenção do título de

Especialista em Educação Integral, realizada sob

orientação da Professora Drª. Solange Maria

Alves.

Chapecó-SC, agosto de 2012

Page 3: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

3

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

DEDICATÓRIA

A Alexander Romanovich Luria pelo rigor científico nos estudos sobre o cérebro

humano e sua atividade cognitiva;

A Lev Seminovich Vygotsky pela clareza mental e habilidade na identificação da

estrutura essencial de problemas complexos e pela extensão de seu conhecimento acerca do

desenvolvimento de processos mentais elementares e formas complexas da atividade

mental;

Aos intelectuais e estudiosos da atividade cerebral, dos modos complexos de pensamento e

do papel da aprendizagem escolar nos processos de desenvolvimento humano.

Page 4: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

4

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

AGRADECIMENTOS

A Deus;

A Professora Drª. Solange Maria Alves pela densidade teórica de suas orientações e pela

mediação no processo de construção de conhecimentos acerca do processo de

desenvolvimento de modos complexos de pensamento do humano;

A minha mãe Clari Stocco Zamoner, com quem muito aprendo e dialogo, pelas

orientações, saberes escolares compartilhados, compreensão, incentivo e amparo

afetivo;

A direção da Escola Municipal Bairro Antena, professora Ivete Gottardi Pompeu da

Silva e crianças do quarto ano pela acolhida, participação e contribuição na efetivação

deste estudo;

Aos colegas de turma pelos profícuos debates e discussões teóricas acerca dos

fenômenos empíricos que circundam e estruturam a Educação enquanto ciência;

A Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, Coordenação do Curso de Pós-

Graduação em Educação Integral e Secretaria Geral de Pós-Graduação.

Page 5: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

5

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

RESUMO

O escopo precípuo do presente estudo perpassa pela compreensão das nuances biológicas e

sociais que circundam o desenvolvimento dos processos cognitivos humanos. Sob a égide

dos preceitos teóricos de Vigotski, que apregoa que o desenvolvimento da cognição deriva

da atividade mediada, investigamos sistematicamente a relação entre aprendizagem escolar

e o desenvolvimento de modos complexos de pensamento no processo de elaboração

conceitual em uma turma do quarto ano do Ensino Fundamental de uma escola pública

municipal. O funcionamento cerebral e sua relação com o desenvolvimento de estruturas

mentais superiores necessárias à aprendizagem e à formação de conceitos abstratos,

produzidos através da linguagem e do pensamento, configuram-se como elementos centrais

deste estudo, que tem como referência teórico-epistemológica a abordagem Histórico-

Cultural do desenvolvimento humano estruturada pelo aparato conceitual e metodológico

de um grupo de intelectuais marxistas, dentre os quais destacamos dois estudiosos das

funções mentais superiores: Alexander Romanovich Luria e Lev Seminovich Vygotsky,

que fundamentaram as inferências do estudo aqui empreendido acerca do desenvolvimento

de operações mentais e da atividade de elaboração conceitual em crianças em idade

escolar. Por derradeiro, demonstraremos o imbricamento existente entre o funcionamento

cerebral, ensino e aprendizagem escolar e o pensamento conceitual.

Palavras-chave: Desenvolvimento cognitivo, Ensino e aprendizagem escolar, Formação

conceitual.

Page 6: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

6

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

ABSTRACT

The primary purpose of this study is embraced by the understanding of biological and

social nuances that are surrounded by the development of human cognitive processes.

Under the aegis of the theoretical precepts of Vygotsky, who claims that the development

of cognition derives from mediated activity, we investigate systematically the relationship

between school learning and development of complex ways of thinking in developing a

conceptual class in the fourth year of an Elementary Public School. The brain function and

its relation to the development of higher mental structures necessary for learning and the

formation of abstract concepts, produced through language and thought, appear as central

elements of this study, which has as reference the theoretical-epistemological approach to

cultural human history development structured by conceptual and methodological

apparatus of a group of Marxist intellectuals, among which we highlight two students of

higher mental functions: Alexander Romanovich Luria and Lev Vygotsky Seminovich,

justifying the inferences of the study undertaken here on the development of operations

mental and conceptual development activity in school children. For the last, we will prove

the relation between brain function, teaching and school learning and the conceptual

thinking.

Keywords: Cognitive development, Teaching and school learning, Conceptual training.

Page 7: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

7

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Texto com definição conceitual do Gênero Textual Conto de Fadas entregue às

crianças.

Figura 2: História “Cinderela”.

Figura 3: Atividade de interpretação textual.

Figura 4: Exercício de interpretação textual acerca da história “Os Três Porquinhos”.

Figura 5: História “Chapeuzinho Vermelho”.

Figura 6: Exercício de interpretação de texto acerca da história “Chapeuzinho Vermelho”.

Figura 7: Atividade de análise conceitual e produção textual.

Figura 8: Problemas de matemática.

Figura 9: Problema matemático proposto pela docente a partir dos contos trabalhados.

Figura 10: Exercício envolvendo operações matemáticas.

Figura11: Problemas de matemática envolvendo conceitos de aritmética.

Figura12: Atividade matemática estruturada pelo conceito de sequência numérica.

Figura13: Problemas de matemática envolvendo raciocínio lógico, operações e sequência

numérica.

Figura 14: Exercício de matemática envolvendo o Sistema de Numeração Romano.

Figura 15: Conceito de Nutriente e atividade de pesquisa acerca dos tipos e função dos

nutrientes encontrados nos alimentos.

Page 8: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

8

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 9

1 MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM HUMANA ............... 12

1.1 Funcionamento Cerebral, Desenvolvimento Cognitivo e Aprendizagem ..................... 12

1.2 Primeira Unidade Funcional (Unidade de alerta e de atenção) ..................................... 17

1.3 Segunda Unidade Funcional (Unidade de recepção, integração, codificação e

processamento sensorial) ..................................................................................................... 18

1.4 Terceira Unidade Funcional (Unidade de execução motora, planificação e avaliação) 19

2 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E FORMAÇÃO CONCEITUAL NA

PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL DE

DESENVOLVIMENTO HUMANO ................................................................................ 30

2.1 Cognição, aprendizagem e desenvolvimento ................................................................ 36

2.2 Formação conceitual ...................................................................................................... 39

3 TRABALHO PEDAGÓGICO NA SALA DE AULA: PROCESSO DE

CONSTRUÇÃO CONCEITUAL ..................................................................................... 46

3.1 Papel da escola e da intervenção pedagógica no desenvolvimento de modos complexos

de pensamento ..................................................................................................................... 46

3.2 Delineamento das opções metodológicas ...................................................................... 50

3.3 Elaboração conceitual e trabalho pedagógico: análise do processo de ensino e

aprendizagem no contexto da sala de aula........................................................................... 53

APONTAMENTOS CONCLUSIVOS ............................................................................. 90

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 93

Page 9: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

9

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

INTRODUÇÃO

As nuances que circundam a capacidade racional do humano e a gênese das funções

e operações mentais complexas que possibilitam o desenvolvimento do pensamento

abstrato e conceitual que configura-se como um substrato inerente a condição humana,

estruturam o presente estudo, que assenta-se sob um processo de investigação científica

que teve como escopo compreender a relação entre aprendizagem escolar e o

desenvolvimento de modos complexos de pensamento no processo de elaboração

conceitual de crianças em fase de escolarização.

A compreensão dos aspetos que perpassam a constituição do humano, a partir da

sua condição biológica que transforma-se pelo viés da racionalidade e sociabilidade de

forma a produzir cultura (construção de representações simbólicas), apresenta-se como

condição sine qua non à identificação das funções mentais superiores que constituem as

características tipicamente humanas e que possibilitam o desenvolvimento do pensamento

conceitual.

O desenvolvimento cognitivo, na perspectiva luriana e vigotskiana deriva de

sucessivas funções e operações mentais que caracterizam o funcionamento neural do

humano, oriundo do aparato biológico transformado pelos processos de aprendizagem,

pelo contato do indivíduo com determinados ambientes culturais e por sucessivas formas

de interação social. Vigotski sinaliza que somos seres culturais e históricos, pois nascemos

num mundo humano e nos humanizamos na medida que vamos nos apropriando de

conhecimentos das gerações precedentes através do aprendizado decorrente de relações

mediadas pelo outro e pela linguagem.

Neste contexto, o papel da escola enquanto lócus de formação assentada no

conhecimento científico, conceitual e sistemático no processo de desenvolvimento humano

configura-se como fundamental, pois a intencionalidade da atividade pedagógica/mediada

fornece as condições para o desenvolvimento de modos complexos de pensamento.

Para Luria e Vygotsky o aprendizado escolar é elemento central no

desenvolvimento das crianças, aspecto que evidencia a emergente e urgente necessidade

dos profissionais que atuam na docência compreenderem teoricamente os mecanismos

cerebrais, as funções cognitivas e operações mentais envolvidas na aprendizagem humana.

Page 10: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

10

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Destarte, no primeiro capítulo “Modificabilidade Cognitiva e Aprendizagem

Humana” abordaremos o pensamento de Luria acerca da estrutura e funcionamento

cerebral do humano e a influência destes no desenvolvimento de formas complexas de

pensamento. Demonstraremos que Luria explorou o cérebro como um sistema biológico

aberto, em constante interação com o meio físico e social aspecto que fundamentou o seu

modo de definir o sistema neurológico. Entre os principais conceitos elaborados por Luria

para caracterizar a dinâmica evolutiva do cérebro humano, destacaremos o de plasticidade

cerebral, flexibilidade, modificabilidade cognitiva e a noção de sistema funcional,

composto por estágios evolutivos de desenvolvimento que estruturam as unidades

funcionais do cérebro e que fornecem as condições à existência dos modos complexos de

pensamento, caracterizados pela capacidade de representação e planificação mental,

existência de funções corticais complexas e pensamento conceitual.

No segundo capítulo “Desenvolvimento Cognitivo e Formação Conceitual na

perspectiva da Teoria Histórico-Cultural de Desenvolvimento Humano” destacaremos

a abordagem de Vigotski sobre o desenvolvimento de processos mentais superiores, que

para o autor derivam da evolução das estruturas cerebrais pelo substrato histórico-cultural.

Para isso, apresentaremos os pressupostos conceituais da teoria Histórico-Cultural acerca

do processo de desenvolvimento humano e das funções psicológicas superiores. Os

conceitos de Zonas de Desenvolvimento (Real, Proximal e Potencial), Funções

Psicológicas (Elementares e Superiores) e estágios de pensamento (Pensamento Sincrético,

Pensamento por Complexos, Pseudoconceitos, Pensamento Conceitual) serão explorados

com o intuito de demonstrar a dinâmica cognitiva que perpassa o processo de formação de

modos complexos de pensamento, dando ênfase ao pensamento conceitual (estruturas de

generalização) que consiste na operação mental mais sofisticada e complexa da cognição

humana.

Para finalizar, no terceiro capítulo “Trabalho Pedagógico na Sala de Aula:

Processo de Construção Conceitual” analisamos as funções cognitivas e operações

mentais envolvidas no processo de formação conceitual de um conjunto de crianças do

quarto ano do Ensino Fundamental de uma Escola Pública Municipal, tendo a teoria

Histórico-Cultural como aporte teórico para a elaboração das reflexões e análises. A

relação entre os aprendizagem e desenvolvimento será evidenciada, onde destacaremos o

papel do ensino escolar e da mediação pedagógica no amadurecimento das funções mentais

Page 11: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

11

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

complexas. Logo, a atividade cognitiva da criança, seus modos de pensamento e as

operações mentais envolvidas no desenvolvimento das atividades escolares configuram

como elementos centrais de análise.

A intencionalidade do ensino escolar associada à dinamicidade e flexibilidade do

sistema cerebral potencializa processos de reorganização neural, de conflitos e rearranjos

cognitivos que formam a base para a formação do pensamento conceitual. Tendo como

parâmetro este preceito, destacaremos os principais aspectos envolvidos no processo de

desenvolvimento conceitual das crianças, partindo do conjunto de interações mediadas pela

professora no estudo de conteúdos e conceitos científicos e da função do pensamento e da

linguagem na construção de estruturas de generalização (conceitos). Explicitaremos,

portanto, o papel do ensino e aprendizagem escolar no processo de desenvolvimento

mental da criança.

Em síntese, nos propomos neste estudo, destacar os principais fenômenos mentais

envolvidos no processo de construção conceitual no âmbito da aprendizagem escolar e o

papel da intervenção pedagógica na Zona de Desenvolvimento Proximal e no

desenvolvimento de funções psicológicas superiores nas crianças.

Page 12: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

12

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

1 MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM HUMANA

1.1 Funcionamento Cerebral, Desenvolvimento Cognitivo e Aprendizagem

As funções corticais constituem a base do processo de aprendizagem e

desenvolvimento humano, nesta direção, o estudo dos processos corticais traz informações

de valor inestimável e revela importantes caminhos para o conhecimento do sistema

funcional complexo que é o cérebro (GUARDIOLA; FERREIRA, ROTTA, 1998, p. 281).

Ao discorrer acerca do aparato neurológico humano, estas autoras salientam que

O sistema nervoso, concebido como um ordenador, assegura a

integração das informações que recebe do mundo exterior e do próprio

organismo, endereçando, finalmente, de forma coordenada, aos órgãos

efetores, as ordens necessárias à vida do indivíduo (motricidade

voluntária, funções psíquicas, respiração, digestão, circulação sanguínea

e sobrevivência da espécie). O cérebro, com seus dois hemisférios,

funciona como um todo, estruturando a conduta do indivíduo em seus

aspectos cognitivo e afetivo (GUARDIOLA; FERREIRA, ROTTA,

1998, p. 281-282).

As neurociências1 preocupam-se com recortes científicos específicos, todavia,

possuem um escopo comum, o estudo da organização cerebral de forma global, da

estrutura e funcionamento do sistema nervoso. A partir das constatações científicas acerca

do funcionamento do cérebro humano, podemos afirmar que a rede neuronal, ou seja, os

neurônios organizados em redes complexas formam sistemas funcionais integrados. Essa

afirmação com aporte teórico definido, circunscreve a reflexão aqui empreendida, cujo

objetivo central está em estudar os mecanismos dos sistemas neurais mais complexos

associados às funções cognitivas e operações mentais superiores que originam modos

complexos de pensamento, tais como linguagem, memória, atenção, percepção, abstração,

generalização, raciocínio e funções executivas/lógica, estratégia, planejamento, resolução

de problemas e raciocínio hipotético-dedutivo, aspectos intrínsecos à cognição humana.

1 Que ramificam-se em um conjunto de áreas como: Neurociência cognitiva, Neurociência

molecular, Neurociência celular, Neurociência comportamental, Neurobiologia, Neuropsicologia,

etc.

Page 13: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

13

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Sob o pressuposto de que a aprendizagem humana engloba processos de aquisição e

processamento de informações, onde ao inferir acerca destas informações ocorre a

produção de conhecimentos, Luria (1992), em seu estudo sobre a mente, discorreu acerca

dos processos psicológicos superiores e sobre as funções humanas complexas, como ação

voluntária/consciente, atenção voluntária, memorização ativa, percepção, pensamento e

raciocínio abstrato, mecanismos cognitivos que consistem em produtos do sistema nervoso

central e fundamentais ao processo de aprendizagem.

Alexander Romanovich Luria (1902-1977), nascido na segunda geração de

psicólogos científicos, acreditava que um entendimento completo da mente necessitaria da

consideração das visões do conhecimento das pessoas acerca do mundo e das motivações

condicionadores e incentivadores da aplicação destes conhecimentos. Para isso era

necessário conhecer os processos básicos de obtenção do conhecimento e as regras que

descreviam sua mudança. Luria referia-se aos processos, aos eventos e fenômenos mentais

possibilitando a construção do conhecimento, ou seja, dos mecanismos de aprendizagem

organizadores dos modos complexos de pensamento.

Luria, a partir de processos de investigação e experimentação científica sugeriu um

sistema organizado de forma dinâmica, composto por diversos subsistemas, cada um dos

quais contribuindo à organização do todo (LURIA, 1992, p. 16). Interessava-lhe

sobremaneira, o estudo das bases cerebrais do comportamento, porém, salientava que o

cérebro e as operações mentais envolvidas do processo de aprendizagem não poderiam ser

estudadas de forma isolada e apenas fisiológica, pois apregoava que o cérebro fazia parte

de um sistema biológico circunscrito no âmbito de um complexo emaranhado de relações e

modos de organização social. Logo, a investigação das formas de interações do humano

com o meio socialmente constituído, tornava-se condição sine qua non ao estudo dos

mecanismos cerebrais complexos estruturadores do comportamento humano,

transcendendo, portanto, investigações estritamente fisiológicas e/ou anatômicas.

O trabalho de Luria é conceituado como um monumento à tradição intelectual e

humanista, ápice da cultura humana, que este buscou entender e aperfeiçoar de forma

concisa, com propriedade sistemática e científica. No âmbito de seus estudos, Luria

pautou-se na filosofia marxista, um sistema de pensamento de estrema complexidade.

Logo, suas incursões intelectuais possuem as bases do Materialismo-Histórico-Dialético,

que tem Karl Marx e Friedrich Engels como seus precursores.

Page 14: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

14

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Luria conheceu Vygotsky em 1924, no segundo Congresso Psiconeurológico, em

Liningrado e passaram a trabalhar de forma conjunta no âmbito dos estudos oriundos da

psicologia soviética, pois Luria e Leontiev, que foi seu aluno, convidaram Vigotski para

participar de um grupo de estudo, chamado “Troika”. Esta parceria resultou em profícuas

pesquisas acerca dos processos psicológicos humanos (LURIA, 1992).

Influenciado por Marx, Vygotsky concluiu que as origens das formas superiores do

comportamento consciente estavam nas relações sociais do indivíduo com o meio externo.

Todavia, o homem, neste contexto, não era caracterizado apenas como um produto do seu

meio ambiente; posto que era um agente ativo na constituição deste. Nesta direção, havia

lacunas entre as explicações científicas naturais dos processos elementares e as descrições

mentalistas dos processos complexos de pensamento, pois os estudos existentes não

explicitavam como os processos naturais, como a maturação física e os mecanismos

sensoriais se interligavam com os processos culturalmente determinados para assim,

produzir as funções psicológicas superiores, caracterizadas pelos modos complexos de

pensamento (LURIA, 1992, p. 48).

O movimento intelectual deste conjunto de pensadores originou a chamada

Psicologia Histórico-Cultural, ou Sócio-Histórica cujo expoente principal é Lev Vygotsky.

Para esta escola de psicologia, a compreensão do desenvolvimento humano demanda que

os estudos acerca desse tema levem em consideração as bases sociais e históricas concretas

onde se forjam relações sociais e procurem ali, neste terreno, as razões do comportamento

e das formas de pensamento tipicamente humanos.

O aspecto “cultural" da teoria de Vygotsky tinha a ver com os modos

socialmente estruturados pelos quais a sociedade organiza as tarefas que

são propostas à criança, e com as ferramentas, físicas e mentais, que são

fornecidas à criança para que domine estas tarefas. Um dos instrumentos-

chave inventados pela humanidade é a linguagem, e Vygotsky conferia à

linguagem um lugar muito importante na organização e no

desenvolvimento dos processos do pensamento (LURIA, 1992, p. 49).

Subsidiado pelos preceitos teóricos da Psicologia Histórico-Cultural do

desenvolvimento humano, Luria discorre que o cérebro humano é o produto filogenético e

ontogenético de sistemas funcionais adquiridos em vários milhões de anos, ou seja, no

decorrer do processo sócio-histórico da espécie humana. Em outros termos, a prática social

Page 15: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

15

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

dos homens modifica suas bases neurais, seus processos mentais, as formas de organizar o

pensamento que orienta o comportamento (LURIA, 1992).

Este pensador conceitua sistemas funcionais como

[...] a coordenação de áreas em interação no cérebro, tendo em vista a

produção de um dado comportamento ou conduta, consubstanciando

qualquer processo de adaptação ou de aprendizagem, cujo produto final

subentende um processo cognitivo complexo. A aprendizagem, no

modelo luriano, resulta da criação de conexões entre muitos grupos de

células que frequentemente se encontram localizadas em áreas distantes

(unidades funcionais) do cérebro (FONSECA, 2009, p. 29).

O cérebro humano, de acordo com o pensamento luriano, possui uma estrutura

funcional e sistêmica que coordena a atividade cerebral, logo coordena os processos,

operações e fenômenos cognitivos que permeiam a aprendizagem humana. Cada área

cerebral pode operar unicamente em conjunção com outras áreas, a fim de produzir

comportamentos, com andar, falar, ler, escrever, executar tarefas, resolver problemas. Esta

organização funcional do cérebro constitui-se na referência à compreensão dos modos de

construção do conhecimento, bem como do papel da aprendizagem neste processo (LURIA

1992).

Ao inferir acerca dos sistemas funcionais do cérebro, Luria destaca que nenhuma

área do cérebro pode assumir funções particulares e individuais e originar novos

comportamentos voluntários, pois os processos mentais pautam-se numa interação

funcional dinâmica e sistêmica que envolve distintas regiões cerebrais responsáveis por

determinadas atividades. Logo, os comportamentos produzidos por processos mentais

derivam de uma função de sistemas oriundos da relação dinâmica entre as áreas do

cérebro. Isto evidencia a existência de uma totalidade funcional que não é estática, posto

que caracteriza-se por uma significativa plasticidade, modificabilidade funcional e

cognitiva. Este sistema funcional estruturado por um conjunto de unidades de

funcionamento cerebral torna-se cada vez mais complexo em decorrência dos processos de

mediatização cultural e social.

Em Vigotski, este processo de evolução dos comportamentos tipicamente humanos

se dá a partir do desenvolvimento de planos genéticos, ou seja, de quadro entradas de

desenvolvimento (filogênese, ontogênese, sociogênese e microgênese) que juntas

caracterizam o funcionamento psíquico e cognitivo dos sujeitos.

Page 16: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

16

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

“O cérebro, sob condições envolvimentais normais, é um órgão plástico, e é nessas

condições que o processo de aprendizagem decorre” (FONSECA, 2009, p. 33). Este

aspecto deriva da complexidade e intensidade das relações neurais, pois os neurônios

dotados de extensa plasticidade e adaptabilidade tornam as conexões neurais e os processos

sinápticos os grandes responsáveis pela capacidade de comunicação e aprendizagem

humana.

Explícito está que há um imbricamento entre o funcionamento cerebral e

aprendizagem, a organização funcional do cérebro proposta por Luria, nos permite

compreender como as unidades funcionais operam no âmbito dos processos cognitivo, pois

este, sinaliza que as operações mentais envolvidas na aprendizagem, de forma específica as

praxias e a linguagem, emergem da cooperação de várias áreas ou zonas corticais e

subcorticais. No âmbito da praxias, as seguintes áreas atuam de forma articulada e

funcional:

- Zona pós-central somático sensorial (retroação táctilo-quinestésica);

-Zona de parielo-occipital (interação intrasomática tônica, postural, intra

e interneurossensorial, somatognósica e espacial);

- Zona pré-(psico) motora frontal (programação e seriação dos

procedimentos motores) e finalmente;

- Zona frontal (planificação e regulação teleonômeca), abrangendo,

portanto, um conjunto de substratos neurológicos, como: da substância

reticulada, do cerebelo, dos núcleos vestibulares e cinzentos da base do

cérebro, dos lóbulos parietal, occipital e temporal (FONSECA, 2009, p.

35).

Do mesmo modo, a partir da multiplicidade dos sistemas funcionais a linguagem

emerge da operação das estruturas mentais demonstrando a melodia complexa de

componentes de processamento de informação que constituem o conjunto das funções

cognitivas que suportam a aprendizagem simbólica (FONSECA, 2009).

Sintetizando, a dinâmica sistêmica das funções cerebrais necessárias à

aprendizagem humana sustentam-se na modificabilidade neurofuncional que deriva da

plasticidade do cérebro.

Corroborando, de acordo com o pensamento de Luria,

[...] o cérebro opera como um organizador cognitivo complexo e

superarticulado em qualquer tipo de aprendizagem, tendo por fundamento

o papel multicomponencial do processamento de informação, consistindo

Page 17: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

17

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

o seu trabalho em múltiplas interações neurofuncionais e sistêmicas

abrangendo varias áreas do cérebro (FONSECA, 2009, pp.38- 39).

Para compreender o fenômeno da aprendizagem humana a partir das atividades

cerebrais reguladas por processos endógenos e exógenos, comportando, portanto,

substratos fisiológicos e sociais/culturais, Luria divide o cérebro humano em três unidades

funcionais básicas que fornecem as condições à construção do conhecimento através da

capacidade tipicamente humana de aprender na relação mediada com o mundo. Relação

esta que possibilita a construção de estruturas de representação mental, ou seja, do

pensamento simbólico e abstrato. São elas: Primeira Unidade de Alerta e de Atenção;

Segunda Unidade de Recepção, Integração, Codificação e Sensorial e Terceira Unidade de

Execução Motora, Planificação e Avaliação.

1.2 Primeira Unidade Funcional (Unidade de alerta e de atenção)

No âmbito das funções mentais complexas, a condição precípua para o

processamento adequado da informação no cérebro consiste na necessidade do sujeito estar

em estado de vigília. Esta é a primeira unidade funcional que encarrega-se de regular o

tono, a vigília, e os estados mentais do sujeito. Luria atribui a Pavlov o mérito da

inferência de que a atividade organizada no homem dirigida a metas, requer a existência de

um nível ótimo de tono cortical, como também da existência de três leis neurodinâmicas

que caracterizam esse tono: a intensidade da resposta a um estímulo, sendo esta

proporcional a este; a resposta a um estímulo que requer a existência da concentração dos

processos nervosos e equilíbrio entre excitação e inibição; e uma a terceira que refere-se a

mobilidade dos processos nervosos, aspecto que possibilita a transição de atividades com

facilidade. A partir dos estudos de Palov, descobriu-se no cérebro a existência de um

estrutura cerebral específica chamada de formação reticular, responsável pela manutenção

do estado ótimo do tono cortical. Esta estrutura constitui-se por uma rede nervosa de

neurônios interconectados que modulam o sistema nervoso (RODRIGUES & CIASCA,

2010, p. 123).

Segundo Fonseca (2009, p. 40), esta unidade funcional compreende a medula, o

tronco cerebral, o cerebelo, o sistema límbico e o tálamo. Sem esta unidade o cérebro seria

incapaz de responder aos estímulos do mundo envolvente. Corroborando, Rodrigues &

Page 18: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

18

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Ciasca (2010, p. 123), apregoam que a primeira unidade funcional não tem relação direta

com a recepção, com o processamento de informações externas, nem com a firmação de

intenções de comportamentos complexos (dirigidos a metas), pois sua atividade consiste

apenas em regular o estado da atividade cortical e o nível de vigilância, essencial para toda

e qualquer função cortical superior.

1.3 Segunda Unidade Funcional (Unidade de recepção, integração, codificação e

processamento sensorial)

Esta segunda unidade é responsável pela maioria das aprendizagens precoces, ou

seja, pela recepção, análise e armazenamento de informações. Envolvem aprendizagens

tônico-emocionais ou posturo-motoras (quando envolvem as áreas da primeira unidade), e

mais tarde pelas aprendizagens escolares (que estruturam-se a partir do funcionamento da

segunda e terceira unidades) (FONSECA, 2009, p. 41).

Esta unidade é formada nas

[...] regiões laterais do neocórtex, sobre a superfície convexa dos

hemisférios, ocupando as regiões occipital (visual), temporal (auditiva) e

parietal (sensorial geral). A característica principal desta unidade é que a

mesma possui grande especificidade modal, já que está adaptada para a

recepção de informações visuais, auditivas, vestibulares ou sensoriais

gerais. A organização da sua estrutura é hierárquica, formada pelas áreas

primárias (ou de projeção), que recebem e analisam as informações

vindas do exterior; pelas áreas secundárias (ou motoras de ordem

superior), que codificam e convertem as informações, e pelas áreas

terciárias (de associação), que coordenam o funcionamento dos vários

grupos analisadores (RODRIGUES & CIASCA, 2010, p. 124).

As áreas primárias caracterizam-se como áreas de recepção sensorial que estão

relacionadas com a periferia corporal e com os órgãos sensoriais, predeterminadas

geneticamente e sem diferenciação hemisférica, cuja anomalia ou disfunção podem

provocar a cegueira ou a surdez cortical, pois representam o início da integração cortical

(FONSECA, 2009, p. 41).

As áreas secundárias são de análise, de síntese, de retenção, integração e

armazenamento das informações que chegam do mundo externo (RODRIGUES &

CIASCA, 2010, p. 41- 43).

Page 19: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

19

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

As áreas terciárias essencialmente localizadas no lobo parietal de ambos os

hemisférios são responsáveis pela integração sensorial crosso-modal, ou seja, simultânea,

em oposição à integração sequencial da área secundária. Esta área envolve processos

cognitivos de descodificação-codificação, necessários à escrita, à leitura, à aritmética, à

gramática, à abstração, à análise lógica, à compreensão das preposições, à rotação espacial,

à determinação e a projeção angular (FONSECA, 2009, p.43 ).

Esta área contribui para a conversão da percepção concreta em pensamento

abstrato, à memorização da experiência e para o armazenamento da informação

(RODRIGUES & CIASCA, 2010, 124).

1.4 Terceira Unidade Funcional (Unidade de execução motora, planificação e

avaliação)

De acordo com Fonseca (2009, p. 45), esta área compreende a unidade output

motor do cérebro, consistindo no lobo frontal, que representa o nível mais elaborado de

desenvolvimento do cérebro humano, a central do comando de onde derivam as vias

motoras piramidais fugais descendentes que se direcionam aos grupos musculares

específicos, que materializam, concretizam, realizam e excutam diversos tipos de

comportamento, tais como as funções da praxia e da linguagem.

Esta área funcional é responsável pela programação, regulação e verificação da

atividade consciente do homem. Deste modo, é nos lobos frontais, que são executadas as

tarefas mais importantes desta unidade, uma vez que desempenha papel decisivo na

formação de intenções e de programas de regulação e verificação das formas mais

complexas do comportamento humano (RODRIGUES & CIASCA, 2010, pp. 124-125).

Complementam estas pesquisadoras, ressaltando que, a característica precípua da

região pré-frontal consiste nas conexões que esta faz com as demais áreas do córtex, assim

como os demais níveis do cérebro. Esta região, devido a natureza bidirecional de suas

conexões, é capaz não apenas de receber e sintetizar informações recebidas, como também,

organizar os impulsos eferentes, pois regula toda a estrutura cerebral. O córtex pré-frontal

exerce papel essencial na regulação do estado de atividade, o que possibilita sua

modificabilidade, segundo as intenções e os planos formulados mentalmente

(RODRIGUES & CIASCA, 2010, p. 125).

Page 20: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

20

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Destarte, esta unidade consiste no nível mais elaborado de desenvolvimento

cognitivo e decorre da evolução das áreas predecessoras, ou seja, das áreas da primeira e

segunda unidades funcionais, explicitando assim, a existência de uma organização neural

funcional interligada e conexa.

As áreas terciárias caracterizam-se, portanto, pela existência de centros de

antecipação, de regulação, de desprogramação-reprogramação, de reaferência e

retrocontrole emocional, de superfocagem da atenção, de flexibilidade e plasticidade neural

(FONSECA, 2009).

Por derradeiro, a teoria de Luria apregoa que

[...] a primeira unidade funcional regula o tono, a vigília e os estados

mentais, a segunda unidade obtém, processa e armazena as informações

que chegam do mundo exterior e a terceira unidade se encarrega de

programar, regular e verificar a atividade mental. Uma das características

comuns das unidades funcionais é que elas possuem uma estrutura

hierarquizada, contendo cada uma delas áreas primárias (motoras de

projeção), áreas secundárias (motoras superiores) e terciárias (áreas de

associação). Essas três unidades atuam em conjunto e possibilitam a

realização de funções corticais complexas (RODRIGUES & CIASCA,

2010, p. 125).

Para complementar a abordagem do desenvolvimento neuropsicológico, Luria

destaca cinco estágios evolutivos fundamentais organizados vertical e ascendentemente

para compor a ontogênese da aprendizagem humana:

1. Desenvolvimento da unidade de vigília;

2. Desenvolvimento das áreas motoras e sensoriais primárias;

3. Desenvolvimento das áreas motoras e sensoriais secundárias;

4. Desenvolvimento das áreas sensoriais terciárias de input (lóbulo

parietal);

5. Desenvolvimento das áreas de planificação e de output terciárias

(lóbulos pré-frontais) (FONSECA, 2009, p. 50).

Estes cinco estágios evolutivos de desenvolvimento estruturam as unidades

funcionais do cérebro humano e fornecem condições à existência dos modos

complexos de pensamento, caracterizados pela capacidade de planificação mental e

demais funções corticais complexas do sistema neurológico humano.

Page 21: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

21

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Luria organiza o desenvolvimento dos sistemas funcionais da seguinte forma:

DESENVOLVIMENTO DOS SISTEMAS FUNCIONAIS SEGUNDO LURIA

ESTÁGIOS SISTEMA FUNCIONAL ÁREA CEREBRAL IDADE

1 Unidade de vigilância (atenção) Substância reticulada e

tronco cerebral

0-12

meses

2 Áreas motoras e sensoriais

primárias (integração)

Áreas calcarina, superior

pré e pós-rolâncida

0-12

meses

3 Áreas motoras e sensoriais

secundárias (processamento)

Periestriada, parietal,

temporal e pré-motora

0-5 anos

4 Áreas sensoriais terciárias

(elaboração)

Lobos parietais 5-8 anos

5 Áreas motoras terciárias

(planificação)

Lobos pré-frontais 12-24

anos Fonte: FONSECA, 2009, p. 51.

Para Luria (1992), os processos naturais e culturais são oriundos de forças diversas

e também mudam de maneira diversa no curso do desenvolvimento. Com o decurso do

tempo, os processos naturais de uma criança modificam-se quantitativamente. Seus

músculos se tornam maiores, suas estruturas cerebrais se mielinizam, seus processos

mentais crescem em potência. Os processos culturais, por outro lado, mudam

qualitativamente, pois como resultado da influência crescente do meio social, ocorrem

mudanças nos princípios segundo os quais a informação é registrada, processada e

recuperada, onde ao invés da criança realizar uma lembrança natural, retendo impressões e

reproduzindo-as involuntariamente, esta aprende gradualmente a organizar sua memória e

a trazê-la para o controle voluntário, intencional e planificado, através do uso das

ferramentas mentais de sua cultura.

Logo, Luria concluiu que as contribuições genéticas acerca do comportamento

humano estavam relacionadas com as tarefas que demandavam processos cognitivos

naturais, ou seja, involuntários. Num contraponto, complementa apregoando que os

processos cognitivos culturais requerem da criança modos de ação mediados pela cultura e

que caracterizam-se por formas de processamento de informações e conexões mentais que

transcendem as operações naturais, pois decorrem de processos mediados de internalização

simbólica que reorganizam e modificam a relação entre estrutura cerebral e atividade

mental na criança, as tornando voluntárias, intencionais, planificadas e lógicas.

Page 22: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

22

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Vygotsky chegou à conclusão, a partir de seus sistemáticos estudos, de que as

funções cognitivas complexas (Funções Psicológicas Superiores), representam sistemas

funcionais complexos, mediados em sua estrutura, pois incorporam símbolos e

instrumentos historicamente acumulados, consequentemente, a organização mental destas

funções superiores difere-se substancialmente dos comportamentos observados nos demais

animais (LURIA, 1992, p. 131).

Reportando-se as incursões científicas de Vygotsky, o mesmo destaca que no

âmbito do desenvolvimento das características tipicamente humanas, onde a dimensão

racional destaca-se e distingue o homem de outros animais, que

[...] se estudássemos a maneira pela qual as diversas operações do

pensamento se estruturam em sociedades cuja história cultural não

tivesse produzido uma ferramenta como, por exemplo, a escrita,

encontraríamos uma organização diferente dos processos cognitivos

superiores, mas uma estruturação semelhante dos processos elementares

(LURIA, 1992, p. 49).

Podemos constatar que tanto para Luria, como para Vigotski, a gênese do

pensamento e aprendizagem, resultam de modificações no sistema neural em decorrência

da interação do indivíduo com o ambiente social. Em outros termos, da capacidade de

modificabilidade cognitiva do cérebro humano. Este segundo teórico constatou que

atividades intelectuais de diferentes culturas poderiam fornecer informações muito

importantes sobre o funcionamento do intelecto humano.

Verifica-se que a dimensão histórica do desenvolvimento humano, utilizada na

abordagem dos processos psicológicos superiores, como memória voluntária, o

pensamento abstrato, as ações voluntárias e a capacidade de planejamento, constituem um

corpo de princípios que fundamentam e explicam a organização destes mesmos processos a

nível de funcionamento cerebral, estudo realizado cientificamente por Luria.

Logo, o percurso do desenvolvimento do pensamento perpassa por mecanismos de

cognição que necessitam a priori de fatores externos/empíricos/concretos que serão

progressivamente substituídos por códigos simbólicos oriundos das operações mentais

abstratas decorrentes do processo de internalização simbólica, através da mediatização

cultural, deste modo, o sistema nervoso central não limita-se apenas a uma gigantesca

mesa de distribuição elétrica e química.

Page 23: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

23

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Sinteticamente, as funções cognitivas (processos psicológicos superiores)

organizam-se a partir da interação entre o cérebro e o ambiente social e cultural em que o

homem encontra-se imerso e através do qual interage ativamente.

O cérebro é conceituado por Vygotsky (1978), como órgão da civilização.

Corroborando, Luria (1980), apregoa que consiste no órgão da aprendizagem humana

(FONSECA, 2009, p. 48). É neste contexto que o estudo do cérebro e das atividades

cognitivas humanas circunscreve-se como mecanismo de investigação e análise dos

processos complexos de pensamento, caracterizados por Vigotski como Funções

Psicológicas Superiores que estruturam-se a partir de fenômenos mentais complexos que

diferem o desenvolvimento mental do homem dos demais animais.

A formação da mente humana perpassa por meandros complexos que envolvem a

organicidade neural, caracterizada, de acordo com Luria, por um conjunto de unidades

funcionais conexas e sistêmicas e pela dimensão sócio-histórica que, conforme sinalizou

Vigotski, podem modificar a estrutura de pensamento e dos processos cognitivos a partir

da prática social dos homens. A mente seria, na perspectiva de Luria e Vigotski, produto da

história social da humanidade.

Ao estudar as formas superiores e complexas do pensamento humano, objeto de

pesquisa da Psicologia Soviética, ciência oriunda de um movimento intelectual organizado

por um conjunto de pensadores marxistas, entre eles Vigotski e Luria, estes constataram

que o cérebro humano não é um órgão estático, imutável e pré-formado, explicitando

assim, a dinamicidade do desenvolvimento mental a partir da plasticidade, flexibilidade e

modificabilidade do cérebro humano que decorre da experiência e prática social dos

homens, concluindo, portanto, que as formas sociais da vida humana podem determinar o

desenvolvimento mental humano.

A capacidade evolutiva da espécie humana é oriunda do complexo e engenhoso

aparato neurológico do humano, que possibilitou o desenvolvimento do pensamento

simbólico nas suas esferas mais abstratas, da capacidade de planificação motora e da

capacidade de planejamento (ação e pensamento). Pois, “Imaginar o decurso das ações e os

seus efeitos consequentes e depois decidir da sua execução ou inibição, é próprio da

cognição humana” (FONSECA, 2009, p. 11).

Cabe salientar que, as formas complexas de comportamento e pensamento do

humano decorrem do triunfo do cérebro cultural sobre o cérebro biológico, pois segundo

Page 24: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

24

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Vigotski, as atividades cognitivas superiores possuem uma natureza sócio-histórica e a

estrutura da atividade mental – não apenas seu conteúdo específico, mas também as formas

gerais básicas de todos os processos cognitivos, mudam com o decurso do tempo, ou seja,

com o desenvolvimento histórico.

Este preceito decorre da ideia de que os processos mentais dependem das formas e

ações ativas de vida num determinado ambiente, onde as ações humanas modificam-se de

acordo com as configurações exógenas e também as alteram. Vygotsky discorre que a vida

mental humana é produto das atividades continuamente renovadas que se manifestam na

prática social (LURIA, 2010).

Verifica-se, portanto, que as formas sociais da vida humana podem influenciar e

determinar o desenvolvimento mental, posto que as formas da atividade mental humana

historicamente estabelecidas se correlacionam com a realidade, passando a depender, cada

vez mais, de práticas sociais complexas, sendo estas, condição sine qua non à evolução da

espécie humana. A partir da complexificação das práticas sociais, novos problemas

emergem, novos modos de comportamento são desenvolvidos, novos métodos de captar

informações surgem e novos sistemas de refletir a realidade são operados pelo humano

(LURIA, 2009).

Esta dinâmica evolutiva da espécie humana decorre da condição adaptativa do

cérebro e da função cognitiva de planificação de ações, que caracterizam-se como um dos

traços mentais complexos do comportamento ou da aprendizagem humana.

Corroborando, disserta Fonseca (2009, p. 17), que

Ao longo da evolução aprendemos a explicar eventos de modo a decidir e

a selecionar quais as ações a serem desenvolvidas e desencadeadas no

futuro. Com base em condições excepcionais de observação (percepção-

input) e de ação (output), a espécie humana foi progressivamente

adquirindo um poder extraordinário de conceitualização, ou seja, de

cognição, dando lugar a uma espécie de seleção darwiniana de processos

mentais, que sendo reproduzidos com sucesso estiveram e estarão

implicitamente integrados na gênese de novas sequências de ação.

O cérebro passa a ser concebido, no âmbito das neurociências, como a sede do

pensamento e, portanto, da cognição humana, sendo esta caracterizada por uma

Page 25: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

25

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

complexidade altamente organizada, ou seja, por uma imbricação de ações, interações e

retroações mentais.

A evolução da espécie humana decorre da capacidade de aprendizagem dos sujeitos

no âmbito do emaranhado de práticas e atividades sociais, que permitiram e permitem ao

ser humano constituir-se como um ser auto-organizado e autorregulado a partir da

dinâmica evolutiva do sistema cerebral em decorrência do movimento dialético que

permeia o cérebro enquanto órgão biológico rígido e o cérebro enquanto produto das

práticas humanas, ou seja, enquanto produto da evolução da condição humana pelo viés da

cultura.

De acordo com Fonseca (2009, pp. 22-23), o cérebro consiste em um sistema

representacional com capacidade de sentir, integrar, pensar, processar, assimilar,

comunicar e agir a partir de capacidades de processamento simbólico. Logo, a cognição

que forma-se e estrutura-se no âmbito deste órgão, é sinônimo de ato ou processo de

conhecimento. Destarte, cognição envolve de forma coesa um conjunto de funções e

operações mentais: atenção, percepção, emoção, memória, motivação, integração,

processamento sequencial e simultâneo, planificação, resolução de problemas e expressão

e comunicação de informação, sendo estas constantemente influenciadas pela prática social

dos homens e pela complexificação das atividades humanas, podendo serem dialeticamente

modificadas e adaptadas em decorrência da plasticidade cerebral do sistema neurológico.

Ao conceituar cognição Fonseca (2009, p. 23), destaca que esta

[...] compreende processos e produtos mentais superiores (conhecimento,

consciência, inteligência, pensamento, imaginação, criatividade,

produção de planos e estratégias, resolução de problemas, inferência,

conceituação e simbolização etc.), através dos quais percebemos,

concebemos e transformamos o envolvimento... Não é uma coleção, mas

um sistema complexo de componentes.

Estudos deste pensador, sinalizam que a mente é construída com base em módulos

que se articulam e se organizam dinamicamente, obedecendo a determinadas propriedades

funcionais e sistêmicas estruturalmente abertas à modificabilidade. Conclui-se, deste

modo, que a arquitetura da cognição, decorre de um conjunto complexo de processos

neurais que possuem potencial de plasticidade, ou seja, podem ser modificados estrutural e

funcionalmente a partir de estímulos externos que requerem do humano, novas formas de

Page 26: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

26

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

comportamento, representações e mediatizações coletivas em contextos sócio-históricos

(FONSECA, 2009, p. 24).

A evolução do pensamento humano perpassa pela interação entre as condições

sociais e os substratos biológicos do comportamento, que modificam-se a partir das

experiências humanas concretas. Portanto, a evolução das atividades humanas podem

alterar o sistema funcional do aprendizado, pois os sistemas funcionais estão enraizados

nas respostas adaptativas mais básicas do comportamento que no decorrer do

desenvolvimento vão complexificando-se, passando de um estágio de estruturas

elementares para estruturas de pensamento superiores através do substrato sociocultural

(VYGOTSKY , 2007).

Fortalecendo os preceitos conceituais de Vygotsky , Fonseca (2009) argumenta que

Cognição evoca sistemas cerebrais como produtos da evolução

filogenética (sistemas de sobrevivência, de prazer e de aprendizagem) e

de evolução ontogenética (linguagem corporal, falada, escrita),

consubstanciando diversos estilos de vida e processos de aprendizagem.

Tal evolução cognitiva, como resposta às exigências ecológicas que

surgiu primeiro de pressões evolutivas biológicas e envolvimentais e,

posteriormente, de pressões sociais e culturais, retrata a dialógica dos

sistemas inatos e adquiridos, dos sistemas que se atualizam à luz da

experiência e da mediatização e dos sistemas que se especializam para

vários fins. A ação faz a cognição e a cognição faz a ação, ao mesmo

tempo que o cérebro contém as memórias modularizadas que espelham

tais relações ocorridas num contexto sócio-histórico (pp. 25, 26).

A cognição emergida de processos rudimentares de manipulação, transformados

pelo desenvolvimento de sistemas simbólicos e representativos derivados da evolução da

linguagem, dotou o ser humano de capacidade racional necessária à resolução de

problemas. Destarte, a cognição que se constituiu a partir da transformação dos sistemas

não simbólicos para os simbólicos representativos foi estruturando-se a partir de

[...] estratégias de processamento de redes neurais pré-definidas:

recorrentes e antecipatórias; de processamento e de distribuição paralela;

modulares e de retropropagação do erro; de descodificação e codificação;

de combinação infinita de elementos finitos; semânticas e sintáxicas;

interativas, ativas e inibitórias; múltiplas e assíncronas; conceituais e de

mapeação; de modelação e de conexão etc. Em termos bioculturais é o

maior atributo adaptativo da espécie. Sem a sua plasticidade e

modificabilidade adaptativa a aprendizagem não seria alcançada e a

civilização inatingível (FONSECA, 2009, p. 26).

Page 27: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

27

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Nestes termos, o desenvolvimento da cognição humana deriva da capacidade de

aprendizagem humana, possível através da existência de sistemas pré-estruturados que se

auto-organizam e que formam estruturas mentais funcionais e de sistemas de mediatização

simbólica que se constroem no âmbito de contextos sócio-histórico-culturais, sendo o

conhecimento o principal produto da capacidade cognitiva e racional do humano.

Para Vygotsky, a dimensão cultural pode modificar o aparato neural dos sujeitos,

sendo assim, a educação escolar, que consiste em uma prática cultural e social, influencia

diretamente no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores da

criança, dos modos complexos de pensamento, necessários à formação de conceitos, a

partir da relação dialética entre ensino e aprendizagem identificada como atividade

pedagógica. Este autor preocupou-se com o estudo das relações teóricas sobre o sistema

funcional e a influência da atividade pedagógica no desenvolvimento das funções

psicológicas superiores, que são processos relacionados à apropriação de conceitos

teóricos, tais como: percepção, memória, pensamento, linguagem, generalização,

abstração, atenção e imaginação (VYGOTSKY , 2001).

Este atribuía à memorização o papel decisivo de todas as construções mentais,

posto que

O aspecto interfuncional presente na memória é mediado pelo papel da

linguagem (especialmente da fala) como instrumento semiótico entre a

realidade objetiva, captada pela percepção sensorial, e a apropriação dos

conceitos expressos pelos signos. A relação entre a linguagem e

pensamento é considerada reestruturadora da mente humana

(BERNARDES & ASBAHR 2007, p. 326).

Num contraponto, Piaget (1983) apontou ideias coerentes acerca do processo de

formação da inteligência infantil, sinalizando para a existência de um conjunto

extremamente complexo de fatores que intervêm nos conflitos que perpassam o processo

de aprendizagem, de aquisição e construção de conhecimentos, procurando desvendar os

meandros que circundam os processos fundamentais de formação do conhecimento.

A gênese do desenvolvimento da inteligência para Piaget, está estruturada por

processos contínuos de operações elementares que se encontram num plano concreto, que

darão origem, a partir dos estágios sucessivos, a operações complexas mais elaboradas, ou

seja, num nível de operações formais abstratas.

Page 28: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

28

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Para Piaget (1987, p. 336): “Pode-se conceber a inteligência como o

desenvolvimento de uma atividade assimiladora cujas leis funcionais são dadas a partir da

vida orgânica e cujas sucessivas estruturas que lhe servem de órgãos são elaboradas por

interação dela própria com o meio exterior”.

Diante destas propedêuticas incursões teóricas, destacamos, que a complexidade e

dinamicidade das atividades escolares, da prática pedagógica, que ocorrem de forma

gradativa e processual de acordo com a dimensão cronológica da vida humana e

sucessividade de situações, fenômenos e experiências vivenciadas pelas crianças no âmbito

escolar e em outros espaços sociais, bem como pela apropriação teórica e processos de

inferir, abstrair e conceituar fenômenos que circundam a vida humana, fornecem as

condições para o desenvolvimento das funções mentais superiores e da cognição na

criança.

A capacidade de reorganização metal da criança em tenra idade deve ser estimulada

de forma intencional pelo processo de instrução sistemática (ensino escolar), pois, para

Vygotsky (2001), quando a atividade de ensino está pautada em operações gráficas,

práticas, o pensamento é considerado situacional; quando a atividade se relaciona às

operações teóricas, abstratas e simbólicas, próprias dos instrumentos culturais, como a

linguagem, o pensamento assume dimensão conceitual, pois o sistema nervoso possui a

capacidade de se modificar estruturalmente e funcionalmente em decorrência de estímulos

que de algum modo incidem sobre ele. Uma vez que a escola organiza processos

sistemáticos e organizados de formação humana, possibilita às crianças um conjunto

complexo de vivências através de mecanismos estratégicos de aprendizagem,

potencializando o desenvolvimento das funções cognitivas superiores, caracterizadas pelos

modos complexos de pensamento.

A compreensão dos meandros e processos cognitivos que permeiam o

desenvolvimento de modos complexos de pensamento através do estudo dos sistemas

funcionais do cérebro, onde os comportamentos intencionais e planejados do humano

operam, almejando a solução de problemas que emergem das condições exógenas, consiste

em um movimento intelectual inerente a docência, caracterizada pelo exercício de ensinar.

O ensino é produto da atividade pedagógica organizada no âmbito do processo de

escolarização, logo, os mecanismos de instrução sistematicamente organizados e

planejados potencializam o desenvolvimento neurológico da criança e consequentemente

Page 29: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

29

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

de comportamentos superiores, ou seja, planificados, intencionais e cognitivamente

organizados (originados através da relação entre pensamento e ação).

Sinaliza Fonseca (2009, p. 55), que o aprender pressupõe a existência de processos

cognitivos que viabilizam a aprendizagem e envolve simultaneidade da integridade

neurobiológica, caracterizada pela sinergia sistêmica dos processos mentais e presença de

um contexto social facilitador, estruturado por práticas contínuas e mediatizadas, em

síntese de uma verdadeira síntese psicopedagógica, evidenciando assim, a relevância do

ensino escolar.

Infere o autor, que a dimensão psicológica do processo de aprendizagem

[...] envolve processos de atenção, de codificação, de planificação e de

expressão, subentendendo uma estrutura mental funcional e uma

organização neural plástica e pedagógica, porque envolve a aplicação de

estratégias de interação e mediatização sociocultural visando à promoção

de automatismos cognitivos precisos à sua habilidade e modificabilidade

prospectivas (FONSECA, 2002, p. 55).

Com base na leitura de Fonseca, podemos inferir que a aprendizagem caracteriza-se

pela extraordinária fusão de funções cerebrais múltiplas que condicionam, no âmbito do

processo de apreensão e construção do conhecimento, rupturas cognitivas que possibilitam

o desenvolvimento de modos complexos de pensamento.

Por derradeiro, explicita o autor, que a essência da cognição perpassa pela sua

propensibilidade à resolução de problemas e pela adaptabilidade criativa da espécie

humana, posto que encontrar a solução de um problema foi, em certo aspecto, o móbil

crucial do Homo Sapiens, o primata superior possuidor do binômio e do continuum

dialético corpo-cérebro mais complexo do reino animal (FONSECA, 2009, p. 9).

Os elementos abordados demonstram a complexidade que perpassa à aprendizagem

e a construção de conhecimentos, sendo a cognição entendida como fusão

multicomponencial e multicontextual de funções e operações cerebrais, caracterizada como

um imenso e complexo evento neurológico humano (FONSECA, 2009, p. 58).

Page 30: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

30

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

2 DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E FORMAÇÃO CONCEITUAL NA

PERSPECTIVA DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL DE

DESENVOLVIMENTO HUMANO

A compreensão do fenômeno humano complexo perpassa pelo estudo da dimensão

histórica do desenvolvimento dos processos mentais, ou seja, pela análise da evolução das

estruturas cerebrais pelo substrato histórico-cultural. Este foi o caminho investigativo de

Vygotsky, que apresentou uma teoria do homem, da sua origem e formação. Pautado no

pensamento marxista, distinguia dois períodos na filogenia humana. O primeiro consistia

na evolução biológica, explicada por Charles Darwin em sua teoria da evolução. O

segundo, definido como história humana, esboçada por Marx e, de forma mais completa,

por Engels (VEER & VALSINER, p. 1999, p. 211).

Vygotsky, procurou elaborar um abordagem que possibilitasse a descrição e

explicação das funções psicológicas superiores através da identificação dos mecanismos

cerebrais subjacentes a determinada função, explicando detalhadamente a sua história ao

longo do desenvolvimento, almejando a correlação entre formas simples e complexas do

comportamento humano e especificando o contexto social em que se deu o

desenvolvimento de determinado comportamento. Neste contexto, enfatizou as origens

sociais da linguagem e do pensamento como elementos estruturantes do desenvolvimento

das funções psicológicas superiores (VYGOTSKY, 2007, p. XXIII-XXV).

Por abordar que estas são produto da atividade cerebral, tornou-se um dos primeiros

defensores da associação da psicologia cognitiva experimental com a neurologia e a

fisiologia, propondo o entendimento do desenvolvimento dos modos complexos de

pensamento (Funções Psicológicas Superiores) à luz da teoria marxista da história da

sociedade humana. Vygotsky aplicou os preceitos do Materialismo-Histórico-Dialético

para explicar a transformação dos processos psicológicos elementares em processos

complexos, pautado na inferência de Marx, de que, “mudanças históricas na sociedade e na

vida material produzem mudanças na “natureza humana” (consciência e comportamento)”

(VYGOTSKY, 2007, p. XXV).

Page 31: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

31

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Tendo como parâmetro estes preceitos teóricos acerca do desenvolvimento humano,

afirmava que

[...] havia diferenças fundamentais entre animais e seres humanos,

diferenças que se originavam com o início da cultura humana. Enquanto

animais são quase totalmente dependentes da herança de traços de base

genética, seres humanos podem transmitir e dominar os produtos da

cultura. Dominando o conhecimento e a sabedoria incorporados na

cultura humana, eles podem dar um passo decisivo no sentido da

emancipação em relação à natureza. Os traços especificamente humanos,

portanto, são adquiridos no domínio da cultura por meio da interação

social com os outros. Argumentando desta maneira, Vygotsky impunha

um papel limitado à evolução biológica e à base genética do

comportamento humano. O comportamento, em sua opinião, de fato

possuía uma base genética, e essa base tinha sua origem na evolução

biológica, mas ela estava restrita aos processos inferiores. Os processos

superiores especificamente humanos desenvolviam-se na história humana

e tinham que ser dominados de novo por cada criança humana em um

processo de interação social (VEER & VALSINER, p. 1999, p. 211).

O interesse de Vigotski nas diferentes teorias evolutivas era oriundo da necessidade

de compreensão do seu objeto de estudo, que consistia, no surgimento das Funções

Psicológicas Superiores, dos modos complexos de pensamento do humano. Este interesse

forneceu a base epistemológica para seus estudos sobre o desenvolvimento humano, dando

origem à teoria Histórico-Cultural.

Os preceitos epistemológicos de um grupo de intelectuais, constituído por

Alexander Romanovich Luria (1902-1977), Lev Seminovich Vygotsky (1896-1934) e

Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979), dão sustentação à criação de uma “nova

psicologia”, de uma teoria do funcionamento intelectual humano fundamentada no

materialismo dialético, denominada de Psicologia Histórico-Cultural, que compreende a

constituição do ser humano, ou seja, seu desenvolvimento como um processo de

apropriação da cultura humana.

De acordo com esta perspectiva teórica, desenvolver implica apropriar-se do que é

humano, através da relação dialética no processo de interação entre homem e a natureza

por meio da mediação (OLIVIERA & REGO, 2010). Corroborando com esta inferência,

Pino (2000, p. 46), salienta que […] “Para nós - diz Vygotsky - o homem é uma pessoa

social. Um agregado de relações sociais encarnadas num indivíduo”.

O homem é produto e processo do desenvolvimento da matéria, este tem um

aparato biológico que permite seu funcionamento psicológico, todavia constitui-se e

Page 32: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

32

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

constrói-se como um ser social, modifica a natureza e a natureza modificada consiste na

base essencial do desenvolvimento das características tipicamente humanas, dos aspectos

inerentes ao gênero humano. Este processo de modificação da natureza se dá através do

trabalho, da elaboração de instrumentos (tecnologia) e da ação coletiva (coletividade), ou

seja, das relações sociais. Os indivíduos organizam-se em torno do trabalho estabelecendo

relações entre si e com a natureza, produzindo e internalizando cultura, em outros termos,

o modo humano de ser.

Nesta perspectiva, o ser humano é síntese das múltiplas relações sociais, que

resultam da experiência histórica e cultural da humanidade. É um ser em permanente

construção, que vai se constituindo no espaço social e no tempo histórico. É um sujeito

ativo e transformador, se constrói na interação com o meio social. Portanto, é na relação

dialética com o mundo que o sujeito desenvolve-se e produz cultura.

Vigotski percebeu a necessidade de estudar o comportamento humano enquanto

fenômeno histórico socialmente determinado, demonstrando como a epistemologia

Dialético-Materialista deveria orientar o estudo dos fenômenos psíquicos do humano.

Desenvolveu um método que possibilitou a compreensão do comportamento humano

enquanto parte do desenvolvimento histórico geral da espécie.

Sintetizando as ideias centrais da Teoria Histórico-Cultural, podemos elencar

algumas teses centrais e revestidas de complexidade, tais como: Tese de que os Processos

Psicológicos Superiores (PPS) têm uma origem histórica e social; Tese de que os

instrumentos de mediação (ferramentas e signos) cumprem um papel central na

constituição de tais PPS e a Tese de que a abordagem dos Processos Psicológicos

Superiores deve partir de uma perspectiva genética (BAQUERO, 1998, p. 25)

Baquero (1998, p. 25-26), apregoa ao discorrer sobre o pensamento Vygotskyano,

que a gênese dos Processos Psicológicos Superiores está na vida social, nos modos de

organização coletiva dos humanos. Logo, estes são oriundos da internalização de práticas

sociais, onde o desenvolvimento é concebido como um processo culturalmente organizado

e determinado. Porém, ressaltamos que o substrato neurológico é condição à evolução das

Funções Psicológicas Superiores, onde o desenvolvimento de novas estruturas cerebrais

está intimamente ligado ao desenvolvimento de novos processos mentais (VEER &

VALSINER, 1999, p. 222). Este aspecto evidencia que o substrato biológico da cognição

humana, que caracteriza-se pela existência de uma complexa estrutura neural funcional,

Page 33: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

33

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

possibilita a partir da capacidade de modificabilidade e plasticidade neural decorrente do

substrato social e cultural, o desenvolvimento de modos complexos de pensamento.

Dois estágios de desenvolvimento são destacados na perspectiva Histórico-Cultural:

o Desenvolvimento das Funções Psicológicas Elementares (Naturais/Biológicas) e o

Desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores (Culturais), como percepção,

memória, pensamento, linguagem, generalização, abstração, inferência, atenção,

imaginação, planejamento e solução de problemas, que têm o trabalho (tecnologia:

fabricação de instrumentos); a coletividade (atividade social) e a linguagem (comunicação

e generalização), como categorias fundantes.

Vygotsky destacou que o estudo das Funções Psicológicas Superiores, requer a

compreensão das raízes biológicas e das formas culturais básicas do comportamento

humano, onde a gênese destas perpassa pela apropriação de ferramentas culturais concretas

e simbólicas, fundamentalmente através da linguagem, defendendo a

[...] a ideia de que as funções mentais superiores são o produto da

história, socialmente construída e reflexo das relações interpessoais – a

mente, para este autor, é uma construção social e cultural. Desta forma, a

teoria histórico-cultural tenta explicar a aprendizagem e o

desenvolvimento como fenômenos humanos mediados através dos

signos, considerando a linguagem o instrumento mais importante para a

construção do conhecimento. A teoria histórico-cultural entende também,

que o sujeito, da mesma forma que sofre a ação dos fatores sociais,

culturais e históricos, também pode agir de forma consciente sobre estas

forças, isto sem o rompimento entre a dimensão biológica e simbólica

que o constitui (SARAVY & SCHROEDER, 2010, p. 102).

É neste sentido que o conceito de dimensão histórica do desenvolvimento humano

em Vygotsky, multiplica-se em vários planos genéticos que constituem o humano:

Filogênese (história da espécie humana), Ontogênese (história do indivíduo da

espécie/dimensões biológicas), Sociogênese (história do meio cultural em que o sujeito

está inserido) e Microgênese (aspecto microscópico do desenvolvimento do sujeito)2. Para

Oliveira (1992, p. 68),

2 Para aprofundar o conceito de planos genéticos sugerimos a obra de Luria, escrita com a

colaboração de Vygotsky, Estudos sobre a história do comportamento: símios, homem primitivo e

criança.

Page 34: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

34

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

[...] Esses planos se entrecruzam e interagem, gerando uma configuração

que é única para cada indivíduo e está em constante transformação. Em

cada situação de interação com o mundo social o indivíduo apresenta-se,

portanto, num momento de sua trajetória particular, trazendo consigo

determinadas possibilidades de interpretação e res-significação do

material que obtém dessa fonte externa. Essa ação individual é um

processo de constante recriação da cultura e é o fundamento da própria

dinâmica dos processos culturais.

Nas funções psicológicas superiores, encontramos os aspectos que não nascem com

o indivíduo, ou seja, os mecanismos mentais e cognitivos desenvolvidos a partir das

relações sociais internalizadas mentalmente e da reconstrução interna (intrapsicológica) de

uma operação externa (interpsicológica), em outros termos, da internalização da cultura

humana através da função mediadora dos signos (Significações simbólicas acerca do real)

e dos instrumentos (Ferramentas de relação e intervenção acerca do mundo). Segundo

Vygotsky (1998, p. 73), “[...] podemos usar o termo função psicológica superior, ou

comportamento superior com referência à combinação entre o instrumento e o signo na

atividade psicológica”.

As funções especificamente humanas são formadas no decurso da história do

gênero humano, onde

Todas as funções psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no

decurso do desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas atividades

coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como funções interpsíquicas: a

segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do

pensamento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas

(VYGOTSKY, LEONTIEV, LURIA, 2001, P. 114).

Com base nestes preceitos, as relações entre pensamento e linguagem ocupam lugar

central na obra de Vigotski3. Consiste a linguagem no sistema simbólico básico de todos os

grupos humanos, sendo este aparato simbólico o principal mediador entre o sujeito e objeto

do conhecimento. “A linguagem origina-se em primeiro lugar como meio de comunicação

entre a criança e as pessoas que a rodeiam. Só depois, convertida em linguagem interna,

transforma-se em função mental interna que fornece os meios fundamentais ao pensamento

da criança” (VYGOTSKY, LEONTIEV, LURIA, 2001, p. 114).

3 A grafia para o nome deste autor aparece de forma distinta nas traduções americanas, inglesas,

espanholas e brasileiras, predominando nas edições recentes no Brasil a grafia Vigotski. Deste

modo, esta também será adotada neste estudo, preservando-se as grafias adotadas pelo referencial

teórico consultado.

Page 35: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

35

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

O pensamento caracteriza-se por uma ação mental, psicológica tipicamente

humana que exerce papel fundamental no processo de desenvolvimento dos modos

complexos de interpretação e conceituação dos fenômenos humanos/sociais e naturais que

circundam e estruturam o mundo em que os sujeitos estão imersos (OLIVEIRA, 1992, pp.

68-69).

O processo de desenvolvimento de funções complexas de pensamento, que

possibilitam a formação conceitual, requerem a existência de mecanismos e processos

psicológicos/mentais que permitem o domínio progressivo dos instrumentos culturais

através da internalização simbólica. Este aparato simbólico interiorizado passa a ser

orientador e regulador do pensamento e dos comportamentos humanos.

Vygotsky conceitua internalização como reconstrução interna de uma operação

externa e sinaliza que este processo perpassa por uma série de transformações:

a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa

é reconstruída e começa a ocorrer internamente. É de particular

importância para o desenvolvimento dos processos mentais superiores a

transformação da atividade que utiliza os signos, cuja história e

características são ilustradas pelo desenvolvimento da inteligência

prática, da atenção voluntária e da memória.

b) Um processo interpessoal é transformado num processo

intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem

duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois no nível individual;

primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da

criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção

voluntária, para memória lógica e para formação de conceitos. Todas as

funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos

humanos.

c) A transformação de um processo interpessoal num processo

intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao

longo do desenvolvimento (VYGOTSKY, 2007, pp. 56-57 – Grifos do

autor).

De acordo com Vygotsky, “o momento de maior significado no curso do

desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas da inteligência

prática e abstrata, acontece quando a fala e a atividade prática, então duas linhas

completamente independentes de desenvolvimento, convergem” (2007, pp. 11-12). A

criança passa a operar com o significado simbólico das palavras para interagir socialmente,

superando o pensamento prático e desenvolvendo o pensamento conceitual/abstrato.

Page 36: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

36

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

O processo de internalização pode ser conceituado como aprendizagem simbólica,

logo envolve uma complexa arquitetura de processos e componentes cognitivos na medida

em que compõem uma organização e articulação integrada de mecanismos cerebrais de

atenção, integração, processamento, elaboração e planificação, que caracterizam o

desenvolvimento cognitivo, estruturado, de acordo com a perspectiva luriana, por sistemas

funcionais.

Deste modo, a preocupação com a compreensão dos mecanismos cerebrais

subjacentes ao funcionamento psicológico/mental consiste numa das principais vertentes

do trabalho de Vigotski, que posteriormente foi desenvolvida por Luria, seu colaborador,

sob a forma da teoria neuropsicológica. No âmbito dos estudos sobre o desenvolvimento

humano, Vygotsky apregoa que

[...] O pressuposto da postulação [...] de uma base material para o

funcionamento psicológico é o de que o cérebro humano é uma sistema

aberto, de grande plasticidade, moldado ao longo da história da espécie e

do desenvolvimento individual. Essa ideia de plasticidade não supõe um

caos inicial, mas sim uma estrutura básica estabelecida pela história da

espécie, que cada indivíduo traz consigo ao nascer. Sobre esta estrutura

básica é que serão organizados os chamados sistemas funcionais, que

mobilizam diferentes partes do cérebro para a realização das diversas

atividades psicológicas (OLIVEIRA, 1992, p.69).

O substrato biológico do funcionamento psicológico postulado por Vigotski,

explicita a consistente ligação entre os processos psicológicos humanos e a imersão do

indivíduo num contexto sócio-histórico específico, permeado por sistemas simbólicos

operados pelos grupos humanos e que fornecem as condições para o desenvolvimento das

funções mentais complexas através da apropriação do substrato cultural/simbólico, ou seja,

do modo humano de ser e produzir cultura.

2.1 Cognição, aprendizagem e desenvolvimento

A constituição dos processos psicológicos superiores é oriunda da relação entre

aprendizagem e desenvolvimento, que estrutura o aparato cognitivo do humano, ou seja,

sua capacidade de transformação de funções mentais elementares para funções complexas,

caracterizadas pelo pensamento abstrato/conceitual.

Page 37: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

37

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Podemos inferir que a constituição do pensamento elaborado para Vigotski, decorre

de complexas configurações mentais, que modificadas a partir da internalização da cultura

e atividades humanas dão origem a operações mentais sofisticadas, ou seja, funções

psicológicas superiores, que caracterizam-se como mecanismos mentais organizados e

complexos que fornecem as condições para o processo de aprendizagem e

desenvolvimento humano. Logo, aprender envolve simultaneidade da dimensão

neurobiológica e a existência de um contexto social facilitador.

Vygotsky destaca que a aprendizagem é fonte de desenvolvimento, posto que esta

[...] não é em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização

da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa

todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não

poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um

momento intrinsecamente necessário e universal para que se

desenvolvam na criança essas características humanas não-naturais, mas

formadas historicamente (VYGOTSKY; LEONTIEV; LURIA, 2001, p.

115).

Esta complexa dinâmica que caracteriza os processos de aprendizagem e

desenvolvimento está intimamente ligada a constituição do sistema nervoso central, onde a

aprendizagem, especialmente a escolar, orienta e estimula os processos internos de

desenvolvimento.

No que se refere ao processo de aprendizagem e desenvolvimento no âmbito das

funções psicológicas superiores (o que apreendemos nas relações sociais), Vygotsky

apresenta três planos mentais de desenvolvimento: Zona de Desenvolvimento Real (Nível

de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado

de certos ciclos de desenvolvimento já completados, ou seja, aquilo que elas conseguem

realizar sem auxílio/orientação de outras pessoas, o que caracteriza a solução independente

de problemas); Zona de Desenvolvimento Proximal (Consiste nas funções mentais que

estão em processo de maturação, em formação, portanto, caracterizam o desenvolvimento

mental de forma prospectiva); Zona de Desenvolvimento Potencial (Consiste no alcance de

níveis mentais mais complexos e elaborados) (VYGOTSKY , 1998).

Pensando nestas zonas de desenvolvimento no âmbito escolar, a tarefa do processo

educativo consiste em identificar o aparecimento e o desaparecimento dessas linhas

internas de desenvolvimento no momento em que verificam, durante a aprendizagem

Page 38: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

38

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

escolar, posto que esta hipótese explicita que o processo de desenvolvimento não coincide

com o da aprendizagem, o processo de desenvolvimento segue o da aprendizagem, que cria

a área de desenvolvimento potencial, devendo o docente sobre ela atuar e intervir

(VYGOTSKY, LEONTIEV, LURIA, 2001, p. 116).

Portanto, o estado do desenvolvimento mental da criança pode ser determinado

referindo-se pelo menos a dois níveis mentais: o nível de desenvolvimento real/efetivo,

entendido como o nível de desenvolvimento das funções psicointelectuais da criança que

se conseguiu como resultado de um específico processo de desenvolvimento já realizado,

em outros termos, da capacidade de realização de tarefas de forma independente; e a área

do desenvolvimento potencial, que é definida pela capacidade da criança de realizar

determinada tarefa com o auxílio dos adultos, logo, caracteriza-se pela dependência do

outro na execução de atividades, todavia, que poderão futuramente, a partir da evolução

cognitiva, fazê-las por si só.

A relação entre aprendizagem e desenvolvimento circunscrita no âmbito da teoria

Histórico-Cultural perpassa, de acordo com Vigotski, por dois tópicos separados: o

primeiro refere-se à relação geral entre aprendizagem e o desenvolvimento; e, o segundo,

pelos aspectos específicos desta relação quando a criança atinge a idade escolar.

Percebe-se deste modo, que é no âmbito da aprendizagem escolar, caracterizada

pela cientificidade e sistematicidade, que o processo de formação conceitual, caracterizado

pela transição do pensamento prático/concreto para o pensamento teórico/abstrato se

configura e concretiza-se. Destacamos que o aprendizado das crianças é anterior à imersão

desta no contexto escolar, no entanto, o aprendizado escolar voltado à apreensão de

fundamentos do conhecimento científico potencializam o desenvolvimento de sucessivos

processos mentais complexos.

Neste contexto, para elaborar as dimensões da aprendizagem escolar, Vygotsky,

descreveu um conceito novo e de extrema importância, sem o qual este assunto não pode

ser abordado: a zona de desenvolvimento proximal, conceituando-a como

[...] A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma

determinar através da solução independente de problemas, e o nível de

desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas

sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros

mais capazes (2007, p. 97).

Page 39: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

39

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

A zona de desenvolvimento proximal é caracterizada pelas funções que ainda não

amadureceram, todavia, que estão em processo de maturação e encontram-se num estado

embrionário. Deste modo, caracteriza o desenvolvimento mental de forma prospectiva.

Já a zona de desenvolvimento real, que configura-se como o nível de

desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultado de

certos ciclos de desenvolvimento já completados, o que revela a solução de problemas de

maneira independente, caracteriza o desenvolvimento mental de forma retrospectiva

(VYGOTSKY, 2007, pp. 97-98).

A atividade pedagógica deverá organizar momentos de aprendizado criando zona

de desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado escolar terá que potencializar vários

processos internos de desenvolvimento, capazes de operar em situações de interação e

cooperação com pessoas. A partir da internalização dos mecanismos concretos e abstratos,

no plano mental, necessários a resolução de atividades e tarefas complexas, estes passarão

a estruturar o desenvolvimento independente da criança, ou seja, consistirão em um nível

real de desenvolvimento, por configurar-se como elemento de seu domínio. “Assim, o

aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das

funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas”

(VYGOTSKY, 2007, p. 103).

Sinaliza o autor, que a zona de desenvolvimento proximal pode ser compreendida

como um conceito poderoso nas pesquisas acerca do desenvolvimento dos modos

complexos de pensamento, conceito este que pode aumentar de forma significativa a

eficiência e a utilidade da aplicação de métodos e diagnósticos de desenvolvimento mental

e definição de estratégicas pedagógicas de ensino e aprendizagem almejando a resolução

de problemas educacionais (VYGOTSKY, 2007, 99).

2.2 Formação conceitual

A capacidade de formar conceitos consiste na operação mental mais sofisticada e

complexa da cognição humana e materializa-se através do desenvolvimento do pensamento

conceitual, abstrato e generalizado. Esta forma complexa de pensamento tipicamente

humana deriva de um conjunto de operações mentais que estruturam os processos

psicológicos superiores.

Page 40: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

40

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Os conceitos são produto da relação entre pensamento e linguagem e resultam de

sucessivos e complexos processos de elaboração mental. Logo, o conceito não é uma

formação isolada e imutável, mas sim uma parte ativa e dinâmica do processo intelectual,

constantemente a serviço da comunicação, do entendimento e da solução de problemas

(VYGOTSKY, 1998, p. 67).

As palavras exercem a função de conceitos e servem como mecanismo de

comunicação entre a criança e o adulto, porém, este processo efetiva-se antes da criança

atingir o nível conceitual e simbólico característico do pensamento plenamente

desenvolvido.

Vygotsky, a partir de suas investigações acerca do processo de formação

conceitual, destacou que

[...] conceito é mais do que a soma de certas conexões associativas

formadas pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um

ato real e complexo do pensamento que não pode ser ensinado por meio

de treinamento, só podendo ser realizado quando o próprio

desenvolvimento mental da criança já tiver atingido o nível necessário.

Em qualquer idade, um conceito expresso por uma palavra representa um

ato de generalização. Mas os significados das palavras evoluem. Quando

uma palavra nova é apresentada pela criança, o seu desenvolvimento

mental mal começou: a palavra é primeiramente uma generalização do

tipo mais primitivo; à medida que o intelecto da criança se desenvolve, é

substituído por generalizações de um tipo cada vez mais elevado -

processo este que acaba por levar à formação dos verdadeiros conceitos,

ou dos significados das palavras, pressupõe o desenvolvimento de muitas

funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração,

capacidade para comparar e diferenciar. Esses processos psicológicos

complexos não podem ser dominados apenas através da aprendizagem

inicial (VYGOTSKY, 1998, p. 104).

Ressaltamos que todas as funções psicológicas superiores são processos mediados,

nos quais os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. O signo

mediador é incorporado à sua estrutura como parte indispensável, sendo a parte central do

processo como um todo. Na formação de conceitos, esse signo consiste na palavra, que tem

o papel de meio na formação de um conceito, tornando-se, posteriormente o seu símbolo.

A tese básica de Vygotsky aludia então ao fato de que o significado das palavras

evolui, constituindo autêntico processo de desenvolvimento, isto é, o desenvolvimento de

um conceito, de um significado ligado a uma palavra, não conclui-se com a aprendizagem

da palavra, na verdade, apenas inicia com ela. Este processo perpassa por formas

rudimentares de construção de significados ou de conceituação, como o pensamento

Page 41: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

41

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

sincrético, e no, outro extremo, formas de categorização e generalização avançadas. Neste

último extremo, o autor situava os conceitos científicos, caracterizados pelo nível elevado

de abstração e generalização (BAQUERO, 1998, p. 56).

O desenvolvimento dos processos que resultam na formação de conceitos inicia na

fase mais precoce da infância, mas as funções intelectuais que, numa combinação

específica, formam a base mental do processo de formação conceitual evolui, se configura

e se desenvolve plenamente no decorrer do processo de escolarização e das sucessivas

aprendizagens sistemáticas experienciadas pela criança (VYGOTSKY, 1998, p. 72).

A formação de conceitos é o resultado de uma atividade complexa, em

que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o

processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de

imagens, à inferência ou às tendências determinantes. Todas são

indispensáveis, porém, insuficientes sem o uso do signo, ou palavra,

como o meio pelo qual conduzimos as nossas operações mentais,

controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do

problema que enfrentamos (VYGOTSKY, 1998, pp. 72-73).

Deste modo, aprender a direcionar os próprios processos mentais com o auxílio das

palavras ou signos é uma parte estruturante do processo de formação conceitual.

Abordaremos a seguir, de acordo com os preceitos Vygotskyanos elaborados a

partir de suas pesquisas, as três fases básicas que estruturam o processo de formação

conceitual, ou seja, o desenvolvimento do significado das palavras, sendo que cada fase

divide-se em vários estágios.

A primeira modalidade é caracterizada pelo pensamento sincrético, a segunda pelo

pensamento por complexos e a terceira, pelo pensamento conceitual. O processo de

significação é composto por uma série de importantes matrizes e transições entre cada

nível de pensamento que resultam nas formas mais elevadas e sofisticadas do

comportamento humano (BAQUERO, 1998, p. 55).

Para Vygotsky, a criança em tenra idade dá seu primeiro passo à formação de

conceitos quando agrupa alguns objetos numa agregação desorganizada, ou “amontoado”,

para solucionar um problema que os adultos, normalmente resolveriam com a formação de

um novo conceito. Este amontoado é constituído por um conjunto de objetos desiguais,

agrupados sem qualquer fundamento e revela uma extensão difusa e não-direcionada do

Page 42: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

42

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

significado do signo (palavra artificial) a objetos naturalmente não relacionados entre si e

ocasionalmente relacionados na percepção da criança (VIGOTSKI, 1998, p. 74).

Este estágio consiste, portanto, no pensamento sincrético, onde o significado das

palavras denota, para a criança, um conglomerado vago e sincrético de objetos isolados

que, de uma forma ou outra, aglutinaram-se numa imagem em sua mente. Em decorrência

de sua gênese sincrética, essa imagem é extremamente instável. No âmbito da percepção,

do pensamento e da ação, a criança tende a misturar os mais distintos elementos em uma

imagem desarticulada, sob a força de uma impressão ocasional (VYGOTSKY, 1998, p.

74).

O segundo estágio é definido como pensamento por complexos que configura-se

pela combinação de objetos ou das impressões concretas que eles provocam na criança, em

grupos que em muito se assemelham a coleções. Deste modo, os objetos são agrupados

com base em determinadas características que os torna diferentes e, consequentemente,

complementares entre si (VYGOTSKY, 1998, p. 78).

O pensamento por complexo, subdivide-se em: complexo associativo, que apoia-se

em semelhanças ou em outras conexões necessárias entre as coisas, ao nível da percepção;

complexo de coleções, que baseia-se nas relações entre os objetos observados na

experiência prática, consistindo, portanto, em um agrupamento de objetos com base em sua

participação na mesma operação prática – em sua cooperação funcional; complexo em

cadeia, que consiste em uma junção dinâmica e consecutiva de elos isolados numa única

corrente, com a transmissão de significado de elo para o outro. Esta forma de complexo

não possui núcleo; há apenas relações entre elementos isolados e complexo difuso,

caracterizado pela fluidez do próprio atributo que une seus elementos. Os grupos de

objetos ou imagens perceptualmente concretos são formados por meio de conexões difusas

e indeterminadas (VYGOTSKY, 1998, pp. 78-82).

De acordo com Baquero (1998, p. 57), o complexo baseia-se em vínculos reais que

se manifestam através da experiência imediata, deste modo, o complexo é, sobretudo, o

agrupamento de um conjunto de objetos concretos sobre a base da vinculação real entre

eles. Os complexos não pertencem ao plano do pensamento lógico-abstrato, mas real-

concreto, ou seja, é um pensamento prático, voltado à ação e que pressupõe a presença da

propriedade que toma como referencial para operar a generalização.

Page 43: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

43

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

De acordo com Vigotski, o pensamento por complexos origina a formação de

pseudoconceitos, que desempenham um papel de “elo de ligação” entre o pensamento

concreto/por complexos e o pensamento abstrato/conceitual da criança.

Os pseudoconceitos são um equivalente funcional do pensamento conceitual dos

adultos interiorizados pela criança, pois os complexos que correspondem ao significado

das palavras não são espontaneamente desenvolvidos pela criança: as linhas ao longo das

quais um complexo se desenvolve são predeterminadas pelo significado que uma

determinada palavra já possui na linguagem do adulto (VYGOTSKY, 1998, p. 84). Deste

modo, a comunicação verbal com os adultos consiste em um poderoso fator no

desenvolvimento conceitual na criança.

Descrevemos dois estágios que perpassam o processo de formação conceitual na

criança, marcados predominantemente pelo sincretismo e por complexos, agora

abordaremos a terceira fase, também subdividida em vários estágios, que consiste no

pensamento conceitual propriamente dito.

Ressalta Vygotsky, que a principal função dos complexos é estabelecer elos e

relações, ou seja, unificações de impressões desordenadas, onde ao organizar elementos

discretos da experiência em grupos, cria a base para generalizações posteriores. Porém,

para a formação de conceitos também é necessário abstrair, isolar elementos, e examinar

os elementos abstratos separadamente da totalidade da experiência concreta de que fazem

parte. No desenvolvimento de conceitos é igualmente importante unir e separar, em outros

termos, a síntese deve combinar-se com a análise, resultando em uma abstração

generalizada (VYGOTSKY, 1998, p. 95).

Este estágio, caracterizado pelo pensamento conceitual é decorrente dos anteriores

e do desenvolvimento de formas de abstração, e num primeiro momento por formas de

agrupamento de objetos com base na semelhança de atributos que posteriormente é

substituída pelo agrupamento com base em uma única característica que originam

conceitos potenciais. Estes resultam de uma espécie de abstração isolante ainda primitiva,

portanto, podem ser formados tanto na esfera do pensamento perceptual como na esfera do

pensamento prático, voltado para a ação – com base em impressões semelhantes, no

segundo (VYGOTSKY, 1998, p. 97).

Page 44: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

44

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

[...] enquanto o pensamento por complexo predomina, o traço abstraído é

instável, não ocupa uma posição privilegiada e facilmente cede o seu

domínio temporário a outros traços. Nos conceitos potenciais

propriamente ditos, um traço abstraído não se perde facilmente entre

outros traços. A totalidade concreta dos traços foi destruída pela sua

abstração, criando-se possibilidade de unificar os traços em uma base

diferente. Somente o domínio da abstração, combinado com o

pensamento por complexo em sua fase mais avançada, permite à criança

progredir até a formação dos conceitos verdadeiros. Um conceito só

aparece quando os traços abstraídos são sintetizados novamente, e a

síntese abstrata daí resultante torna-se o principal instrumento do

pensamento [...] o papel decisivo neste processo é desempenhado pela

palavra, deliberadamente empregada para dirigir todos os processos

parciais da fase avançada da formação de conceitos (VYGOTSKY, 1998,

p. 98).

Corroborando, Vigotski sinaliza que as formas primitivas de pensamento

(sincréticas e por complexos) gradualmente desaparecem, assim como os conceitos

potenciais vão sendo cada vez menos utilizados, começando a formar os conceitos

abstratos. Portanto, estas formas de pensamento são transitórias, todavia, não são

totalmente abandonadas pela criança ao operar mentalmente na formação de conceitos em

nível abstrato.

“Quando se analisa o processo de formação de conceitos em toda sua

complexidade, este surge como um movimento do pensamento dentro da pirâmide de

conceitos, constantemente oscilando entre duas direções, do particular para o geral e do

geral para o particular” (VYGOTSKY, 1998, p. 101). Em outros termos, a aplicação de um

conceito, já apreendido e formulado em nível abstrato, a novas situações e contextos

concretos devem perpassar pelo exercício intelectual de transição do abstrato para o

concreto, bem como do concreto para o abstrato respectivamente, perpassando deste modo,

pelas formas de aplicação e ressignificação de conceitos.

Por derradeiro, concluiu Vygotsky que

[...] um conceito se forma não pela interação das associações, mas

mediante uma operação intelectual em que todas as funções mentais

elementares participam de uma combinação específica. Essa operação é

dirigida pelo uso das palavras como o meio para centrar ativamente a

atenção, abstrair determinados traços, sintetizá-los e simbolizá-los por

meio de um signo (1998, p. 101).

Page 45: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

45

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Verifica-se, de acordo com as inferências oriundas de seus experimentos que há

duas linhas principais de desenvolvimento que estruturam o processo de formação

conceitual: a primeira definida pela formação dos complexos e a segunda linha de

desenvolvimento denominada como formação de conceitos potenciais, sendo em ambos, a

utilização da palavra (signo), parte integrante e diretiva dos processos mentais que

conduzem a formação de conceitos abstratos/simbólicos.

Page 46: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

46

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

3 TRABALHO PEDAGÓGICO NA SALA DE AULA: PROCESSO DE

CONSTRUÇÃO CONCEITUAL

3.1 Papel da escola e da intervenção pedagógica no desenvolvimento de modos

complexos de pensamento

Tendo como parâmetro os postulados da perspectiva Histórico-Cultural do

desenvolvimento humano, que compreende o processo de conceituação como uma prática

social e pedagógica dialógica caracterizada pela atividade mediada, demonstraremos como

esta prática mediatiza intencional e sistematicamente o processo de elaboração conceitual

de crianças em idade escolar a partir do desenvolvimento de modos complexos de

pensamento.

A abordagem do desenvolvimento humano na perspectiva Histórico-Cultural revela

que o processo de formação conceitual de acordo com o pensamento Vygotskyano,

explicita de forma concisa a incidência da escolarização sobre o desenvolvimento

cognitivo. Neste limiar, o estudo do desenvolvimento dos conceitos científicos emerge

como condição à compreensão das formas complexas de pensamento do humano pelo viés

do aparato neurológico, que caracteriza-se pela capacidade humana de aprendizagem e

pelo substrato sócio-cultural, que consiste no resultado da capacidade racional do humano

de organizar-se, comunicar-se socialmente e produzir cultura.

Estudos e pesquisas oriundas da neurociência revelam a dinamicidade do

funcionamento neuronal no âmbito das operações cognitivas a partir da estimulação do

meio ambiente, comprovando assim, a plasticidade e modificabilidade do cérebro humano.

Nesta direção, a neuroplasticidade cerebral e modificabilidade cognitiva, constituem-se a

partir de sucessivos processos de aprendizagem, onde é através destes que as operações

mentais são desenvolvidas.

Estes aspectos evidenciam a relevância do processo de escolarização no

desenvolvimento da cognição humana e na sofisticação das operações mentais através da

atividade de ensino e aprendizagem, que pressupõe atividade mediada pelo outro, onde a

intervenção pedagógica, oriunda do trabalho docente passa a ter centralidade.

Page 47: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

47

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Luria verificou, ao estudar os mecanismos cerebrais específicos envolvidos na

aprendizagem, a existência de alterações no aparato cerebral durante o envolvimento em

atividades intelectuais que requeriam dos sujeitos atenção, memorização, concentração,

elaboração, raciocínio e demais funções executivas (estratégia, planejamento, lógica,

resolução de problemas, etc), que consistem em funções cognitivas permanentemente

potencializadas no âmbito do ensino e aprendizagem escolar.

Estes estudos sinalizam que a estrutura cerebral pode ser modificada pela prática

pedagógica, posto que a aprendizagem escolar potencializa o desenvolvimento de modos

complexos de pensamento a partir da construção e apreensão de conhecimentos de forma

intencional e sistemática.

A compreensão dos mecanismos cerebrais necessários à organização e

desenvolvimento dos processos de pensamento e racionalização da criança no âmbito da

aprendizagem escolar, apresenta-se como fundamental à prática pedagógica, uma vez que

o processo de ensino cria as condições para a evolução da inteligência, das formas

complexas de pensamento e da elaboração conceitual na criança. Elementos estes que

estruturam a cognição humana.

A concepção de Vigotski sobre as relações entre desenvolvimento e aprendizado e

particularmente acerca da Zona de Desenvolvimento Proximal, estabelece forte ligação

entre os processos de desenvolvimento e a relação do indivíduo com seu ambiente sócio-

cultural e com outros indivíduos da espécie. Deste modo, as implicações da concepção

vigotskiana para o ensino escolar são imediatas, pois se o aprendizado impulsiona o

desenvolvimento, então, a escola tem um papel essencial na construção de operações

mentais complexas, de funções psicológicas superiores necessárias à atividade cognitiva

(OLIVEIRA, 1997, p.61).

O papel da escola apenas se dará de forma adequada, quando o docente,

conhecendo o nível de desenvolvimento das crianças, dirigir o ensino não para processos e

etapas intelectuais já alcançadas, mas sim para estágios de desenvolvimento ainda não

incorporados/dominados pela criança. Nesta direção, a intervenção pedagógica funciona

como um mecanismo de estimulação do desenvolvimento do pensamento e de operações

mentais superiores (OLIVEIRA, 1997, p. 62).

Corroborando, destaca a autora que, a processo de ensino e aprendizagem escolar

deve ter como parâmetro e ponto de partida o nível de desenvolvimento real da criança –

Page 48: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

48

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

num dado momento e com relação a um determinado conteúdo a ser desenvolvido e

apreendido pela criança – e como ponto de chegada os objetivos definidos pela escola,

supostamente adequados à faixa etária e ao nível de conhecimento e habilidades de cada

grupo de crianças (OLIVEIRA, 1997, p. 62).

Por entender que o aprendizado consiste no resultado do processo escolar, a

intervenção pedagógica figura como ferramenta estratégica à prática docente. Logo, o

professor (a) tem o papel explícito de interferir na Zona de Desenvolvimento Proximal das

crianças, provocando avanços cognitivos que não ocorreriam de forma espontânea. Como a

criança não tem condições de percorrer sozinha o caminho do aprendizado, da construção

de conhecimentos complexos, cabe ao ensino escolar, através do trabalho docente e da

mediação pedagógica na sala de aula e fora dela, fornecer as condições para o

desenvolvimento de características mentais complexas e tipicamente humanas.

A capacidade de representação mental, de formação conceitual através do

pensamento simbólico/abstrato decorre do processo de apreensão e reconstrução dos

modos de produção cultural e das oportunidades da criança realizar ações que estão além

de suas próprias capacidades. Esta dinâmica perpassa o processo de tornar-se humano

através da de atividade mediada, pois o desenvolvimento do pensamento pressupõe

mediação simbólica e processos permanentes de interação social.

De acordo com a perspectiva Histórico-Cultural os processos educativos

potencializam o desenvolvimento de funções psicológicas superiores. Vigotski destaca que

a aquisição da língua escrita através da apreensão dos códigos simbólicos e o

desenvolvimento de conceitos científicos são elementos centrais e decorrentes da relação

entre ensino escolar e processos de desenvolvimento humano.

Tem-se, portanto, no plano ontogenético, a convergência entre duas linhas

evolutivas: a linha de desenvolvimento natural, que estrutura-se pelo sistema funcional e

sistêmico que coordena a atividade cerebral, as operações e fenômenos cognitivos que

permeiam a aprendizagem humana e a linha de desenvolvimento cultural, caracterizada

pelo processo de internalização simbólica (reconstrução interna de uma operação externa)

e pela prática social dos homens que modificam suas bases neurais, os processos mentais e

as formas de organização do pensamento que orientam e definem o comportamento

humano.

Page 49: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

49

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

A relação entre estas duas linhas evolutivas possibilita o desenvolvimento da

capacidade tipicamente humana de aprendizagem. A aprendizagem, no modelo luriano,

resulta da criação de conexões entre muitos grupos de células que frequentemente se

encontram localizadas em determinadas áreas cerebrais, conceituadas pelo autor como

unidades funcionais, que coordenam a atividade cognitiva necessária à construção do

conhecimento conceitual.

Este sistema funcional estruturado por um conjunto de unidades de funcionamento

cerebral, logo, oriundo do aparato biológico humano, torna-se cada vez mais complexo e

evoluído em decorrência dos processos de mediatização cultural e social.

Verifica-se, neste sentido, que o cérebro é um órgão plástico, aspecto que

possibilita a capacidade cerebral de modificabilidade cognitiva, que configura-se como

reestruturadora e condicionadora dos processos de aprendizagem e desenvolvimento dos

modos complexos de pensamento. Este aspecto deriva da complexidade e intensidade das

relações neurais estimuladas pelas práticas sociais e processos de internalização cultural,

pois os neurônios dotados de extensa plasticidade e adaptabilidade tornam as conexões

neurais e os processos sinápticos os grandes responsáveis pela aprendizagem humana.

Estes aspectos demonstram que há um imbricamento entre o funcionamento

cerebral e aprendizagem. A organização funcional do cérebro proposta por Luria, fornece

indícios de como as unidades funcionais operam no âmbito dos processos cognitivos, pois

este sinaliza que as operações mentais envolvidas na aprendizagem, fornecem as condições

à construção do conhecimento através da capacidade tipicamente humana de aprender na

relação mediada com o mundo. Relação esta que possibilita a construção de estruturas de

representação mental, ou seja, do pensamento simbólico e abstrato necessárias ao

desenvolvimento da conceitualização, pois consistem na base a partir da qual se opera o

desenvolvimento de todas as funções mentais superiores mediadas simbólica ou

semioticamente.

Corroborando, Baquero (1998, p. 72), infere que o terreno concreto onde se

desdobram as práticas escolares impulsiona o processo de desenvolvimento e

complexificação crescente das funções psicológicas superiores. Para que tais funções

mentais desenvolvam-se é necessário um longo e complexo processo de apropriação

cultural e de internalização simbólica que ocorre através de práticas mediadas no contexto

da vida social.

Page 50: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

50

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

O papel da escola, na perspectiva deste autor, consiste em possibilitar o acesso ao

domínio dos instrumentos de mediação que permitirão o acesso às formas de

conceitualização próprias da ciência. A apreensão dos modos de conceitualização científica

é reestruturadora das funções psicológicas da criança e permite seu desenvolvimento

segundo o vetor de um crescente controle sobre as próprias operações intelectuais

(BAQUERO, 1998).

Pode-se dizer, que os processos de desenvolvimento perpassam pela apropriação de

objetos, saberes, normas e instrumentos culturais em contextos de atividade conjunta

socialmente definidos (família, escola e seus distintos formatos de atividades e práticas de

instrução). A educação escolar, caracterizada pela aprendizagem em contextos de ensino

com graus de formalidades diversos, possui papel determinante nos processos de

desenvolvimento humano.

Na sequência, abordaremos elementos de um estudo dos processos de construção

conceitual no contexto da dinâmica pedagógica de instrução escolar e a análise comparada

do desenvolvimento das funções mentais superiores potencializadas pelo ensino

intencional e sistemático.

3.2 Delineamento das opções metodológicas

A análise microgenética, fundamentada pelo materialismo histórico dialético,

consiste na abordagem metodológica utilizada neste estudo, em decorrência de seus

pressupostos e por ser esta referenciada na perspectiva Histórico-Cultural e semiótica dos

processos humanos. Sua dimensão procedimental possibilitou a compreensão e verificação

dos aspectos essenciais da atividade mental e psicológica das crianças no âmbito do

processo de ensino e aprendizagem escolar.

O método microgenético contempla a perspectiva dialética no processo

investigativo, pois abrange um movimento dinâmico e semiótico no decorrer da coleta e

levantamento de dados, condicionando a apreensão e compreensão da realidade como

essencialmente contraditória e em permanente transformação (FAZENDA, 2004).

Pautados nesta abordagem, nossa atenção estava centrada nos modos de operar

mentalmente das crianças, nas funções cognitivas e operações mentais manifestadas no

Page 51: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

51

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

desenvolvimento das atividades escolares, percebendo as nuances que perpassam o

fenômeno mental da crianças a partir do ensino escolar e da mediação pedagógica.

A presente pesquisa, de abordagem qualitativa, foi desenvolvida em uma escola

pública municipal da cidade de Caxambu do Sul-SC, com uma turma do quarto ano do

ensino fundamental, onde acompanhamos durante duas semanas as atividades de ensino e

aprendizagem desenvolvidas pela docente, com o escopo de compreender o processo de

elaboração conceitual nas crianças e as funções cognitivas e operações mentais envolvidas

neste processo, que se deu através de uma dinâmica cognitiva estruturada pela construção,

apreensão e internalização do conhecimento escolar.

A definição dos sujeitos e escolha da turma perpassou pelos seguintes critérios:

disponibilidade e aceitação da docente que trabalha com o 4 (quarto) ano em participar da

pesquisa após apresentação da proposta, bem como pelas características cognitivas das

crianças na faixa etária entre 9 e 10 anos e de uma maior complexidade acerca do processo

de ensino e aprendizagem no quarto ano em relação aos anos precedentes (primeiro,

segundo e terceiro ano), posto que o ensino no quarto ano, que compõe uma das últimas

fases de escolarização das séries iniciais, requer dos estudantes, para que o processo de

produção do conhecimento ocorra, o desenvolvimento das Funções Psicológicas

Superiores, caracterizadas pelos processos de inferência, de uma forma mais acentuada.

Nosso cenário de investigação foi composto por um sala de aula com 18 crianças

com faixa etária média de 9 e 10 anos e sua professora. Os dados foram coletados através

de gravação em vídeo do processo de ensino e aprendizagem desenvolvido com as

crianças, a partir do tema definido no planejamento da professora. Outro instrumento

metodológico utilizado foi a observação e registro escrito das situações observadas.

As observações possibilitaram a apreensão dos mecanismos geradores das

mudanças na formação de conceitos e a verificação dos elementos (funções cognitivas e

operações mentais, estratégias de mediação, utilização de signos, da palavra e da

linguagem, na apropriação e construção de conhecimentos) que perpassaram o processo de

ensino e aprendizagem, contemplando a interação entre a atividade pedagógica da docente

e atividade mental da criança.

A estrutura delineada para este estudo empírico perpassou, portanto, pela

verificação e análise das principais diferenças e similitudes existentes nos modos de

pensamento das crianças estudadas, revelando os diferentes aspectos que permeiam o

Page 52: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

52

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

desenvolvimento cognitivo e a formação conceitual na criança em processo de

escolarização.

Através de um conjunto de instrumentos de investigação (Registro de situações

empíricas, observação e registro escrito), procuramos identificar as funções cognitivas

(entendidas como um conjunto de atividades mentais que constituem-se como condição ao

domínio e desenvolvimento de operações mentais) envolvidas nos processos de

aprendizagem e produção de conhecimentos, bem como, caracterizar as operações mentais

(definidas por um conjunto de ações interiorizadas, organizadas e coordenadas, por meio

das quais as informações são processadas, armazenadas e significadas, ou seja,

conceituadas) necessárias à formação conceitual.

Este movimento possibilitou a compreensão dos mecanismos mentais envolvidos

no processo de elaboração conceitual na criança, ou seja, dos modos complexos de

pensamento que condicionam o processo de significação simbólica.

Investigamos os modos de pensar das crianças durante o desenvolvimento de

atividades escolares procurando perceber a forma pela qual os processos de raciocínio

mental ocorriam e se estes faziam parte da experiência prática direta destas e que

alterações sofriam quando o raciocínio ultrapassava os limites da prática gráfico-funcional

(atividades oriundas das características físicas dos objetos onde o indivíduo trabalha em

circunstâncias práticas\tácitas) e penetrava no domínio do pensamento teórico ou

formalizado. A observação e análise desse tipo de processo mental revelaram algumas

características particulares da atividade cognitiva das crianças estudadas.

Outro aspecto investigado perpassou pela análise da mudança no nível de

percepção imediata da criança para a operação de em um nível puramente simbólico,

verbal e lógico, onde as principais funções mentais analisadas foram à percepção,

abstração e generalização.

Como estes processos foram analisados no âmbito de uma sala de aula, sinalizamos

que partimos da hipótese de que o ensino consiste num espaço de ação intencional focado

na mediação de processos de desenvolvimento de modos complexos de pensamento,

potencializados pela relação entre linguagem e pensamento, entendendo a linguagem

enquanto instrumento de mediação simbólica. A investigação desta relação possibilitou a

verificação das formas de elaboração de uma arquitetura conceitual e de relações

Page 53: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

53

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

elementares e complexas entre as crianças e os objetos de conhecimento e o papel destas

do desenvolvimento de funções mentais superiores.

Por fim, observamos e analisamos o conjunto de interações mediadas pela

professora no estudo dos conteúdos e conceitos trabalhados e a função reguladora da

linguagem no processo de apreensão de informações e construção conceitual. Também

verificamos a influência das estratégias pedagógicas e do conteúdo da fala da docente,

como mecanismo orientador da conduta e pensamento da criança, percebendo se a fala

modificava o pensamento da criança e quais os movimentos inferenciais destas neste

processo (conflitos cognitivos, rupturas conceituais, discussões, debates, contradição de

formas de pensar, fala organizada, recursos empíricos, analogias, generalizações...).

Sintetizando, a partir da dinâmica das interlocuções existentes no processo de

ensino, investigamos os modos de pensamento e a influencia destes no desenvolvimento

conceitual das crianças em processo de escolarização, identificando qual o papel da prática

e da mediação pedagógica.

Destarte, destacamos que a observação dos acontecimentos reais do processo de

ensino e aprendizagem teve como elementos fundamentais de investigação:

- o processo de mediação e regulação interativa entre crianças e a professora;

- a identificação das funções cognitivas e operações mentais envolvidas na realização de

atividades e solução de problemas escolares, procurando compreender o processo de

internalização simbólica e construção conceitual nas crianças.

Através deste conjunto de investigações e análises sinalizaremos na sequência, a

dinâmica que perpassou o fenômeno do pensamento complexo, da aquisição e do

desenvolvimento dos conceitos entre crianças escolarizadas a partir do processo de ensino

formal vivenciado no cotidiano da sala de aula de uma turma do quarto ano do Ensino

Fundamental de uma Escola Pública Municipal.

3.3 Elaboração conceitual e trabalho pedagógico: análise do processo de ensino e

aprendizagem no contexto da sala de aula

Os processos interativos mediadores da aprendizagem de conhecimentos científicos

no contexto da sala de aula do quarto ano serão abordados sistematicamente com o escopo

de sinalizar a dinâmica que perpassa o processo de formação conceitual a partir do ensino

Page 54: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

54

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

escolar, destacando o papel da mediação e trabalho pedagógico no desenvolvimento da

cognição e de funções mentais superiores em crianças em idade escolar.

Vigotski destacou que entre as formas superiores de pensamento, encontra-se a

elaboração conceitual, que configura-se como um modo culturalmente desenvolvido dos

indivíduos refletirem e compreenderem cognitivamente as práticas sociais, ou seja, o

conjunto de experiências humanas. Deste modo, tal elaboração resulta de operações

cognitivas e representações mentais que perpassam por processos de abstração e

generalização acerca dos objetos de conhecimento através da mediação simbólica, da

interação social e do processo histórico-cultural.

Fontana (2005, p. 13), apregoa que os conceitos não devem ser analisados como

categorias intrínsecas da mente, nem como reflexo da experiência individual, mas sim,

como produtos históricos e significantes da atividade mental mobilizada em decorrência do

processo de comunicação, de construção de conhecimento e da resolução de problemas. Os

conceitos, portanto, carregam consigo as marcas e contradições do movimento histórico e

das forças sociais que fundamentam a construção simbólica dos fenômenos socioculturais.

Vigotski destaca que a estrutura mental humana é produto das atividades

continuamente renovadas que se manifestam na prática social. Nesta direção, o processo de

ensino escolar entendido aqui como uma prática social inerente ao processo de

escolarização e sua contribuição no desenvolvimento de modos complexos de pensamento,

que originam a capacidade cognitiva da criança formar conceitos através do pensamento

abstrato, será analisado e problematizado na sequência.

Para isso, utilizamos um conjunto de situações empíricas registradas no cotidiano

da sala de aula e que fornecem indícios acerca das operações e funções mentais necessárias

ao desenvolvimento cognitivo da criança e o papel do docente como mediador, intencional

e explícito, do processo de elaboração de conceitos sistematizados na relação de ensino e

aprendizagem escolar.

Partimos do pressuposto de que, a maturação orgânica, os princípios biológicos

gerais e a estrutura neurológica do cérebro humano, determinaram o desenvolvimento de

processos mentais elementares, sendo fundamentais ao processo de formação conceitual,

por fornecerem a base para o desenvolvimento de todas as funções mentais superiores e de

que da dimensão sócio-histórica do processo de formação conceitual emerge o papel da

linguagem, do outro e do aprendizado na sua gênese e desenvolvimento. Vygotsky, destaca

Page 55: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

55

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

que o desenvolvimento da conceitualização na criança perpassa pelo processo de

incorporação da experiência geral da humanidade, mediada pela prática social, pela

palavra, na interação com o (s) outro (s) (FONTANA, 2005, p. 14).

A criança está inserida num contexto cultural historicamente constituído, desde

seus primeiros anos de vida, logo, está imersa em um sistema de significações sociais. Na

relação com o outro, a criança é incorporada no contexto de significações e ações

elaboradas e acumuladas pela humanidade. Deste modo,

[...] Na mediação do/pelo outro revestida de gestos, atos e palavras

(signos) a criança vai integrando-se, ativamente, às formas de atividades

consolidadas (e emergentes) de sua cultura, num processo em que

pensamento e linguagem articulam-se dinamicamente. A palavra, com

suas funções designativa, analítica e generalizadora (Luria, 1897) é

mediadora de todo o processo de elaboração da criança, objetivando-o,

integrando e direcionando as operações mentais envolvidas

(FONTANA, 2005, 15).

Esta foi a dinâmica pedagógica observada na relação entre o ensino intencional e

sistemático da docente e a construção de conceitos pelas crianças no âmbito da sala de

aula. Primeiramente a docente inseriu a temática a partir de um diálogo problematizador,

na sequência apresentou oralmente, a partir de uma leitura, a definição da temática a ser

trabalhada: Gêneros Textuais: Contos de Fadas.

A inserção deste conteúdo às crianças estava vinculada a um projeto

interdisciplinar4 com uma temática geral: IDENTIDADE PESSOAL E SOCIAL

composto por um conjunto de conteúdos e atividades, com os seguintes objetivos:

- Construir o conceito de identidade pessoal e social;

- Oportunizar ao aluno situações de reflexões sobre as relações com seu corpo, as

relações afetivas e as dos elementos culturais presentes no cotidiano;

- Identificação de gostos e preferências, conhecendo e descobrindo seu corpo, suas

possibilidades, habilidades, limites, para que possa reconhecer-se como um indivíduo

único e perceber-se como membro da família, da escola, da sociedade e do mundo,

desenvolvendo uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais independente;

4 O Projeto Interdisciplinar orientador da proposta formativa e do trabalho docente consta no

Anexo I.

Page 56: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

56

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

- Trabalhar a autoestima da criança – aluno (a), ajudando-a a ter orgulho de

pertencer a sua etnia e acima de tudo a ter orgulho de ser brasileiro (o);

- Perceber e compreender o lugar onde mora como um espaço de cultura, valores e

história, de convivência social e de exercício da cidadania;

- Interpretar e construir mapas;

- Conceituar: espaço, lugar, território e paisagens;

- Localizar-se a partir dos pontos cardeais;

- Relacionar a linguagem diária com a linguagem dos símbolos matemáticos;

- Compreender a ideia de número;

- Compreender que no Sistema de Numeração Decimal as quantidades são

agrupadas de 10 em 10;

- Identificar e nomear as ordens e as classes de um número;

- Ler e escrever números Romanos/Decimais;

- Reconhecer a adição como uma operação de juntar quantidades;

- Reconhecer a subtração como uma operação de retirar uma quantidade de outra ou

“quantos a mais” ou “quantos faltam”;

- Associar a multiplicação à adição de parcelas iguais;

- Reconhecer a divisão como uma operação de repartir em quantidades iguais, bem

como aquela em que se determina “quantos cabem”, ou seja, a ideia de cotas, de medidas;

- Interagir com diferentes gêneros, tipos e suportes textuais do cotidiano, dando

maior ênfase nos Contos de Fadas e canções;

- Ler, interpretar e produzir textos dentro da norma culta da Língua Portuguesa;

- Valorizar a necessidade de fazer, do lugar onde se vive, um espaço agradável;

- Interagir com diferentes gêneros, tipos e suportes textuais do cotidiano;

- Sensibilizar-se com o problema de conservação dos recursos naturais e do meio

ambiente (PROJETO INTERDISCIPLINAR, 2012).

A amplitude dos objetivos demonstra que a proposta formativa subjacente ao

projeto interdisciplinar abrange um conjunto extenso de conteúdos e atividades que foram

pensadas e planejadas para serem trabalhadas/estudadas no decorrer de um semestre letivo.

Deste modo, nossa análise perpassou apenas uma das etapas do projeto proposto, no qual a

temática central consistia no estudo do Gênero Textual: Conto de Fadas.

Page 57: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

57

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Sinalizamos, a partir do planejamento e trabalho pedagógico da docente que o

gênero textual conto de fadas, é entendido no contexto deste estudo, como um instrumento

de ensino e aprendizagem, como uma ferramenta de mediação no ensino e aprendizagem

de conceitos científicos e também como subsistema semiótico (linguagem verbal e não-

verbal), sendo, portanto, instrumento sócio-histórico que permite a mediação e a

materialização de atividades que fazem uso da linguagem, comunicação e representação

simbólica. Neste sentido, constitui-se como ferramenta para trabalhar conteúdos e

conceitos.

Ao introduzir o tema a ser estudado a docente perguntou às crianças quais histórias

lidas por elas que poderiam ser classificadas como gênero textual conto de fadas. Estas

citaram: “A Bela e a Fera, Peter Pan, Aladim, Carrossel e o Mickey”. Na sequência,

perguntou “O que precisa ter para ser um conto de fadas?”. As crianças responderam:

“Princesa, cinderela, personagens”. Complementa o questionamento, “O que diferencia o

Conto de Fadas? O que tem neles que os diferencia das demais histórias?” As crianças

ficam em silêncio, uma delas responde “Personagens infantis”. As demais não

manifestaram seu pensamento.

Para concluir esta etapa introdutória a professora explicitou que nos próximos dias

iriam descobrir quais as características dos contos de fadas e verificar se as histórias que

elas (crianças) mencionaram enquadravam-se neste gênero literário.

Na sequência, a docente entregou um texto com a definição do gênero textual a ser

estudado. As crianças realizaram, num primeiro momento, leitura silenciosa

individualmente e após a docente efetuou a leitura oralmente.

Figura 1: Texto com definição do Gênero Textual Conto de Fadas entregue às crianças.

Diante do exposto, verificamos no decorrer da interação entre docente e crianças no

contexto da sala de aula, os seguintes momentos pedagógicos: problematização inicial, a

Page 58: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

58

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

partir de um conjunto de questionamentos feitos pela docente às crianças com o intuito de

verificar os elementos da Zona de Desenvolvimento Real destas, ou seja, dos aspectos já

dominados pelas crianças acerca do conteúdo abordado e num segundo momento, a

organização do conhecimento a partir da linguagem, das palavras organizadoras do

pensamento da criança. Em outros termos, do direcionamento do pensamento a partir de

um instrumento simbólico, ou seja, da palavra revestida de significados generalizados.

Vygotsky sinaliza que um conceito expresso por uma palavra representa um ato de

generalização, onde o sentido e o conjunto de operações intelectuais possíveis com a

palavra (estrutura de generalização) modificam-se no processo de desenvolvimento

conceitual da criança (FONTANA, 2005, p. 15).

Após a introdução da temática norteadora do estudo dos dias subsequentes, a

docente trabalhou no decorrer de duas semanas com um conjunto de atividades

pedagógicas, com as quais estabeleceu, em vários momentos conexões simbólicas com

textos lidos, com conteúdos já estudados, com atributos do gênero textual conto de fadas,

com elementos oriundos da composição e cenários de determinados contos de forma

articulada com demais áreas do conhecimento, como a matemática, geografia, ciências,

língua portuguesa, sempre através da proposição de problemas a serem resolvidos pelas

crianças.

Abordaremos uma sequência de atividades propostas às crianças, sendo estas

compostas por um conjunto de conteúdos oriundos de áreas do conhecimento distintas,

demonstrando os processos mentais envolvidos no ato de aprender. Desde modo, o objeto

de análise consiste nas formas de pensamento da criança, nas funções cognitivas e

operações mentais manifestadas e desenvolvidas para a resolução das atividades escolares.

Analisaremos a relação entre atividade pedagógica e movimento cognitivo da

criança e não o planejamento e metodologia de ensino, a forma e recursos didáticos

utilizados pela docente para abordar o conteúdo, nem tampouco seus limites. Logo, não

faremos uma análise pedagógica das atividades escolares organizadas pela docente, e sim,

da atividade cognitiva, das formas de raciocínio, dos modos de operar mentalmente da

criança à resolução destas, onde o procedimento pedagógico foi compreendido como

potencializador do desenvolvimento de processos psicológicos superiores que possibilitam

a construção conceitual.

Page 59: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

59

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Para a apresentação e análise das atividades, fizemos agrupamentos por áreas do

conhecimento, todavia, a docente não trabalhou com estas de forma fragmentada, pois

propôs as atividades de forma intercalada. A categorização proposta foi definida apenas

como mecanismo de análise.

No contexto da língua portuguesa as atividades propostas perpassaram por leitura

de textos e histórias, exercícios de interpretação de textos e produção textual. Vejamos a

seguir, as principais histórias (Conto de Fadas) trabalhadas e as atividades desenvolvidas:

Figura 2: História “Cinderela”.

A proposta docente com a leitura do conto acima consistia na identificação das

principais características do modo de estruturação da história (Situação Inicial,

Complicação e Desfecho) e que definem o gênero textual conto de fadas. O parâmetro para

a análise foi os atributos descritos do texto com a definição do gênero literário trabalhado.

A história da Cinderela foi lida individualmente pelas crianças (leitura silenciosa) e

pela docente na sequência, após, cada criança leu oralmente um fragmento do conto. Ao

finalizar este momento de leitura a docente efetuou momentos de diálogos questionando

Page 60: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

60

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

aspectos sobre o autor e data de publicação da obra e de outros aspectos da história,

verificando a compreensão das crianças acerca dos elementos e situações que estruturavam

o conto de forma correlata com a definição do gênero textual conto de fadas estudado.

Após, propôs um conjunto de questões de interpretação textual.

As funções cognitivas e operações mentais identificadas para o desenvolvimento

das atividades propostas perpassaram pela: percepção, atenção, memória, concentração,

interpretação, análise, codificação, decodificação, seleção de dados/informações e

elaboração.

Figura 3: Atividade de interpretação textual.

Através da observação das formas de pensar e responder os problemas propostos

acerca do conto trabalhado, verificamos que a maioria das crianças manifestou as funções e

modos de operar mentalmente descritas acima, resolvendo os problemas com concisão.

Este momento explicitou o papel do aprendizado escolar no processo de desenvolvimento

Page 61: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

61

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

das funções psicológicas superiores, através da intervenção pedagógica na Zona de

Desenvolvimento Proximal das crianças.

Na sequência, mais dois contos foram estudados, a história “Os três porquinhos”,

contada oralmente pela docente e a história “Chapeuzinho Vermelho” lida oralmente

através da narração do conto pelas crianças. A docente dividiu estas em grupos definindo

as personagens que elas representariam. Na sequência, a mesma dinâmica de interpretação,

análise e produção foi proposta.

Figura 4: Exercício de interpretação textual acerca da história “Os Três Porquinhos”.

Na atividade acima, a docente explorou o conceito de espaço urbano e de espaço

rural identificando juntamente com as crianças as principais características e distinções

entre ambos. As crianças identificaram os principais atributos de cada espaço

demonstrando uma habilidade importante de operar categorialmente, processo

característico do pensamento conceitual. Estes aspectos foram constatados a partir da

análise da produção textual e da exploração dos atributos do conceito efetuada pela

docente que fez emergir as seguintes falas:

A docente pergunta “O que seria o espaço urbano?”. Algumas crianças

respondem:

Criança H: “Cidade”;

Complementa a pergunta: “Quais as características do espaço urbano?”

Criança J: “Tem carro”;

Page 62: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

62

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Criança K: “Moto”;

Criança H: “Prédio”, mercado, loja, hospital”

Criança C: “Escola”;

A docente questiona quais as distinções entre espaço urbano e espaço rural e obtém

as seguintes respostas:

Criança H: “Tem mais terra, roça, não é tudo cheio de casa, pode ter galinha”;

Após este momento, a docente propôs os exercícios dispostos acima, através dos

quais a criança deveria elaborar um conceito de espaço rural e urbano, destacando suas

principais características e distinções.

Como salientado, a dinâmica cognitiva envolvida na atividade proposta apresentou

indícios oriundos do pensamento conceitual, abstrato e generalizado e também do

pensamento por complexos em que o desenvolvimento do significado simbólico das

palavras configura-se pela combinação de objetos ou das impressões concretas que eles

provocam na criança. O complexo baseia-se em vínculos reais que se manifestam através

da experiência imediata, caracterizada pelo agrupamento de um conjunto de objetos

concretos sobre a base da vinculação real entre eles.

O pensamento das crianças demonstrou modos de operar por complexos e também

categorialmente, pois estas identificaram e isolaram elementos para diferenciar espaço

urbano de espaço rural, porém com um nível de abstração elementar, pois ainda

vinculavam-se a aspectos empíricos/concretos. Logo, constatamos um processo de

transição do pensamento real-concreto para o lógico-abstrato. Destacamos que os

fenômenos mentais potencializados no decorrer da resolução da atividade possibilitaram

formas de reorganização dos conceitos cotidianos já construídos, estruturando a base para

o desenvolvimento da capacidade de transformação de funções mentais elementares para

funções complexas, que futuramente irão resultar em pensamento abstrato/conceitual

sofisticado.

Passando para a próxima atividade, sinalizamos que o modo de organização e

exploração do conto abaixo e as questões propostas na sequência, potencializaram nas

crianças a manifestação de funções cognitivas como percepção, atenção, concentração,

memorização, comunicação, conduta controlada, interpretação e operações mentais como

decodificação, codificação, análise e elaboração.

Page 63: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

63

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Figura 5: História “Chapeuzinho Vermelho”.

Page 64: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

64

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Figura 6: Exercício de interpretação de texto acerca da história “Chapeuzinho Vermelho”.

Podemos perceber que as crianças buscaram elementos e fragmentos dispostos na

história estabelecendo conexões com situações concretas na tentativa de responder as

questões. As crianças estavam presas às situações do conto, mas nas últimas questões

demonstraram um pensamento com certo grau de generalização, mas este deu-se com o

auxílio da docente, com as palavras por ela proferidas para orientar o pensamento das

crianças, pois a elaboração das respostas de todas as crianças foi pautada nestes elementos

e não numa forma cognitiva individual de analisar, interpretar e sistematizar formas de

compreensão num plano lógico-abstrato.

Page 65: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

65

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Para finalizar a análise das atividades de exploração e produção textual,

apresentamos uma última atividade. Seguindo a mesma proposta de estudo a docente

propôs exercício de interpretação e análise conceitual e posteriormente, com o escopo de

verificar a zona de desenvolvimento das crianças, uma atividade de produção textual, onde

estas deveriam elaborar uma definição de conto de fadas.

Figura 7: Atividade de análise conceitual e produção textual.

Na questão de análise das afirmativas e verificação da coerência ou incoerência do

conteúdo, as crianças fizeram uso da memória decorrente do processo de internalização

dos conteúdos trabalhados, bem dos atributos que caracterizam o conto de fadas e a forma

de estruturação destas histórias. Vários conflitos cognitivos foram manifestados na

resolução da atividade proposta, pois as crianças tiveram dificuldades de estabelecer

Page 66: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

66

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

conexões com informações já assimiladas e de fazer associações com o conteúdo da fala da

docente, bem como de elaborar sínteses e identificar os principais atributos do gênero

textual conto de fadas. Operações mentais como análise e diferenciação de atributos de

forma articulada com a memória, função mental que possibilita o resgate de informações

internalizadas eram condição à resolução da atividade proposta. Muitas crianças não

manifestaram esta dinâmica intelectual, dependendo do auxílio da docente que mediando a

atividade intelectual das crianças trabalhava a zona de desenvolvimento proximal,

compartilhando com elas aquilo que ainda não eram capazes de realizar sozinhas.

Nas atividades de elaboração textual, podemos verificar a existência de funções

cognitivas e operações mentais, pois com a escrita, as crianças são obrigadas a criar

situações ou representá-las mentalmente para elas mesmas. Isso exige um distanciamento

da situação real, concreta, onde a criança passa a operar em um plano mental e não

empírico. O registro escrito, exigia um processo de elaboração, uma atividade distinta

daquela propiciada pela interação oral. Exige, portanto, ação analítica deliberada e lógica

estrutural e conceitual.

Esta construção (Definição de Conto de Fadas) requeria da criança processos de

pensamento, exposição e sistematização de ideias num plano mental e formas de síntese e

reelaboração a partir de um conjunto de informações internalizadas, bem como de

construção simbólica acerca do conjunto de palavras abordadas pela docente. Percebemos

que o parâmetro à elaboração foi o material entregue (textos) e o conteúdo da fala da

docente e que o pensamento da criança não era conceitual e sim, por complexos, pois

vinculava-se a situações práticas/concretas vivenciadas no contexto da sala de aula e não

em um plano de abstração e generalizações que caracteriza o modo de pensar

conceitualmente.

Os textos produzidos explicitam uma resposta dirigida à professora e não um

processo oriundo de conexões entre funções mentais que resultaram em operações

complexas de síntese e elaboração a partir de atributos abstraídos e internalizados

simbolicamente. Inserimos no anexo II, demais textos para explicitar os elementos da

análise.

Alterando a análise para o âmbito da área de Matemática, destacamos que os

problemas e atividades, foram estruturadas a partir dos conceitos da aritmética,

contemplando, portanto, as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, de

Page 67: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

67

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

sequência e sistema de numeração decimal, que requeriam das crianças a capacidade de

compreensão da lógica do sistema de numeração, das operações matemáticas, de

representação mental, de raciocínio lógico, de definição clara e precisa do problema, de

comparação, análise, classificação, codificação, decodificação, diferenciação, síntese,

elaboração, além é claro, da percepção, atenção, memorização e generalização.

Na sequência, apresentamos o conjunto de atividades matemáticas desenvolvidas

pelas crianças. Ressaltamos que estas, com exceção de problemas que envolviam o Sistema

de Numeração Romano e sequências, foram elaboradas com os elementos, dados,

personagens e demais aspectos dos contos de fadas trabalhados, aspecto que evidencia que

estes configuraram-se como ferramenta pedagógica à inserção de conteúdos e conceitos

oriundos de distintas áreas do conhecimento.

Os problemas matemáticos expostos abaixo, foram elaborados a partir da data de

nascimento do autor do conto de fadas Cinderela, Charles Perrault e requeriam para sua

resolução as noções de orientação temporal que possibilitam o desenvolvimento da

capacidade das crianças construírem os conceitos de passado, presente e futuro,

localizando-se no espaço temporal e a compreensão do conceito de aritmética, pois

deveriam dominar a distinção e os modos de aplicação das quatro operações matemáticas,

definindo qual seria necessária à resolução dos problemas.

Figura 8: Problemas de matemática.

A professora orientou as crianças acerca do modo de resolução dos problemas

propostos ao dar ênfase a três dados fundamentais, o ano vigente, o de nascimento e de

falecimento do autor. A partir da análise destes três dados as crianças teriam que perceber

Page 68: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

68

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

qual a operação matemática deveria ser aplicada à solução do problema. Para isso, as

funções cognitivas como percepção, atenção, raciocínio lógico e operações de

representação mental, decodificação, codificação, elaboração e cálculo mental e escrito

foram explícitas, porém, de forma elementar. Ao serem questionadas acerca dos dados e

operações necessárias para a resolução do exercício, algumas crianças manifestaram

dificuldades e outras facilidade, como podemos verificar nas falas a seguir:

Criança E: “Não sei como fazer”;

Criança B: “Conta de menos”;

Criança C: “Pega 2012 menos o ano que ele faleceu”

Sinalizamos que nas operações matemáticas os cálculos eram feitos com recurso do

concreto, ou seja, as crianças não faziam contas mentalmente e sim, com o auxílio dos

dedos e de codificação de riscos para somar e diminuir.

A maioria das crianças dominava o conceito de Sistema de Numeração Decimal e

de operações matemáticas, todavia, não com raciocínio inferencial que permitisse

generalizações a partir de casos particulares.

No exercício a seguir, a atividade cognitiva das crianças foi similar aos fenômenos

mentais e conceitos acima discorridos. Verificamos que a dinâmica de interação entre as

crianças e destas com a docente condicionava rupturas cognitivas nos modos de operar

mentalmente das crianças, pois estas assimilavam as formas de pensar do outro através das

trocas de informação e do caminho percorrido à resolução do problema. Estes novos

estímulos eram reorganizados mentalmente pela criança e implicavam na construção de

novas conexões cognitivas e formas de pensar. A interação entre os pares apresentou-se

como fundamental para a organização e reorganização do pensamento.

Ao serem questionados sobre as operações necessárias à resolução do problema

proposto, as crianças sinalizaram hipoteticamente, sem analisar criteriosamente as dados

dispostos na questão, demonstrando num primeiro momento, falta de atenção e

concentração. Outras tinham clareza das operações necessárias para a resolução, um

pequeno grupo, selecionava os dados de forma incorreta, demonstrando dificuldade na

estruturação das contas e elaboração dos cálculos.

Criança J: “De mais... de menos...de vezes”;

Page 69: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

69

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Criança K: “Eu acho que é menos”;

Criança J: “Tem que diminui... Ah não, tem que soma pra vê quanto dá pra depois

diminui”

Criança K: “É de menos ou de mais”;

Criança J: É de mais, tem que soma tudo aquela quantia que tá ali para vê quanto que vai

fica”

Criança N: “Primeiro eu vo faze de mais e depois vo faze de menos”.

Figura 9: Problema matemático proposto pela docente a partir dos contos trabalhados.

Analisando a próxima atividade desenvolvida, salientamos que os conceitos

matemáticos subjacentes aos problemas dispostos abaixo, perpassam pelos conteúdos da

aritmética, área da matemática que trabalha com números e com as operações possíveis

entre eles e consequentemente Sistema de Numeração Decimal.

Em relação ao primeiro exercício algumas crianças demonstraram facilidade na

definição da operação, estruturação da conta e resolução dos cálculos e explicitaram que

havia duas soluções possíveis para o problema, uma com operação de adição e outra de

multiplicação, explicitando um raciocínio mental lógico e inferencial.

Quando questionada, uma das crianças respondeu que fez uma operação de

multiplicação

Criança F: “Porque ela foi e volto, aí tem que fazer duas vezes o 1600 para dar o

resultado”.

Page 70: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

70

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Percebemos na maioria das crianças a capacidade de raciocínio lógico, de definição

clara do problema, de percepção, atenção, concentração no momento de resolução dos

cálculos, de consideração de duas ou mais fontes de informação ao mesmo tempo, de

amplitude do campo mental e respostas certas sem tentativa e erro. Algumas, no primeiro

momento manifestaram dificuldades na interpretação dos dados e definição do problema e

da operação matemática a ser realizada, mas, a partir de trocas com outras crianças e

auxílio da docente, conseguiram solucionar o problema.

Figura 10: Exercício envolvendo operações matemáticas.

Nos exercícios dispostos a seguir, fenômenos mentais similares aos acima

abordados foram verificados. Destacamos que uma das características do modo de calcular

das crianças consistiu na soma com elementos concretos, ou seja, utilizavam as mãos para

realizar cálculos, não representavam as quantias mentalmente. Logo, o pensamento

operava com o concreto e não com o abstrato.

No primeiro contato com os problemas, as crianças formulavam hipóteses para

solucionar o problema, mas não de forma lógica, pois não tinham identificado qual era o

problema a ser resolvido. Quando questionadas sobre o primeiro problema, que deveria ser

resolvido com uma operação de multiplicação, respondiam:

Criança K: “É de menos”;

É orientada a fazer a leitura do problema, na sequência modifica o modo de pensar

e infere que:

Criança K: “É vezes”.

A criança conseguiu identificar a operação, o próximo passo pressupõe a definição

e organização dos dados para resolver a operação. Surge um novo obstáculo, algumas

Page 71: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

71

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

crianças tinham dificuldades de estruturar a conta, mas a partir de orientações e com a

utilização da tabuada, conseguiram solucionar. A mesma dinâmica foi identificada na

resolução da alternativa B.

No segundo problema, o grau de complexidade era maior, pois a criança deveria

compreender o conceito de dezena e de dúzia. Destacamos a fala da Criança C, para

explicitar seu modo de pensar para solucionar o problema: Em relação à operação a ser

desenvolvida“ É mais”, ao conceito de meia dúzia, “É seis, porque é a metade de doze, que

é uma dúzia” explicitando a compreensão do problema. Porém, outras apresentaram

dificuldades de estruturar a conta e solicitaram auxílio da docente.

Figura?

Page 72: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

72

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Figura11: Problemas de matemática envolvendo conceitos de aritmética.

É pertinente destacar, que a docente sempre solicitava que uma criança, após as

demais terem finalizado a atividade, fosse até o quadro para resolver os problemas,

direcionando e auxiliando seu modo de pensar, selecionar e organizar os dados no sentido

de solucionar o problema proposto.

Atividades com sequências numéricas como as que seguem também foram objeto

de estudo das crianças. Percebemos que a resolução destas, requeria da criança raciocínio

lógico, atenção, memorização, representação mental e

cálculo.

Figura12: Atividade matemática estruturada pelo conceito de sequência numérica.

Page 73: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

73

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Figura13: Problemas de matemática envolvendo raciocínio lógico, operações e sequência

numérica.

Concluindo, as atividades propostas contemplam, como podemos visualizar

conceitos de sequência numérica, que se subdivide em sequência de números naturais, de

números pares e de números ímpares, bem como de aritmética. Estes conceitos são

oriundos do Sistema de Numeração Decimal que utiliza a base dez, estruturada por classes

(Classe das Unidades, Classe dos Milhares e Classe dos Milhões) e suas respectivas

ordens. As crianças compreendiam estes aspectos de forma prática, ao operar com

números, todavia, a compreensão abstrata e genérica dos conceitos subjacentes aos

problemas estas ainda não tinham desenvolvido, pois não faziam o uso dos conceitos de

forma consciente, processo que caracteriza-se pela percepção da atividade da mente ao

abstrair conceitualmente.

Finalizando, o exercício a seguir contempla um sistema de signos (Sistema de

Numeração Romano).

Page 74: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

74

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Figura 14: Exercício de matemática envolvendo o Sistema de Numeração Romano.

Este exercício matemático contempla, como acima sinalizado elementos do Sistema

de Numeração Romano, que requer das crianças o domínio dos algarismos romanos.

Pressupõe, deste modo, a compreensão de um sistema de signos, de um modo de

representação simbólica produzido culturalmente pela civilização romana e que se difere

do Sistema de Numeração utilizado no Brasil. Todavia, percebemos apenas, funções

cognitivas como memória, percepção, atenção, formas de raciocínio lógico e domínio

simbólico, uma vez que grande parte das crianças dominava os signos que representavam

determinada quantia. Entretanto, a compreensão da lógica de estruturação deste sistema de

numeração não foi explorada, apenas a forma de identificar e codificar o signo que

representava a quantia disposta no problema. Como as crianças já haviam estudado este

sistema, a principal função cognitiva manifestada foi à memória, pois tinham que recuperar

informações por elas já internalizadas. Muitos consultaram o conteúdo sistematizado no

caderno e as orientações da docente para resolver o exercício, outros aguardaram a

correção coletiva feita pela docente, pois não conseguiram representar os símbolos de

acordo com a sequência de números disposta no exercício.

Page 75: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

75

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

No contexto das atividades de matemática, o domínio do sistema decimal em

relação ao desenvolvimento do conceito de número é fundamental. Em relação a resolução

dos exercícios de matemática propostos, sinalizamos que as crianças conseguiam realizar

operações com os números, porém, a partir de situações práticas, uma vez que a percepção

conceitual dos conteúdos envolvidos das atividades escolares propostas não estava

totalmente formada no plano mental das crianças, pois os modos de operar cognitivamente

destas não manifestavam modos complexos e sofisticados de pensamento, estavam apenas

vinculados a situações particulares. Esta constatação explicita novamente o estágio de

pensamento por complexos, sendo este fundamental para o desenvolvimento e

consolidação do pensamento conceitual.

Analisaremos na sequência, uma última atividade vinculada à área de ciências e que

contempla o conceito de Nutriente.

Page 76: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

76

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Figura 15: Conceito de Nutriente e atividade de pesquisa acerca dos tipos e função dos nutrientes

encontrados nos alimentos.

A docente a partir do conto João e o Pé de Feijão, trabalhou com o conceito de

nutriente ao estabelecer uma correlação com o alimento que fazia parte da história: o

feijão. Antes do início do desenvolvimento da atividade a docente expôs que o “feijão é

um alimento muito importante à alimentação humana, por ter nutrientes fundamentais

para o crescimento e bom funcionamento do corpo humano” enfatizando também que “os

alimentos são compostos por um conjunto de nutrientes como: Vitaminas, proteínas...,

sendo eles que fazem o corpo humano funcionar de maneira saudável”. Através destas

instruções, ela foi destacando, orientando a atenção das crianças para determinadas

dimensões do conceito de nutriente necessárias às elaborações a serem propostas. As

crianças contribuíram destacando que é preciso ter uma “alimentação colorida”.

Page 77: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

77

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Após este momento de introdução do conteúdo a ser estudado, a docente propôs às

crianças, tendo como recurso o livro didático, uma pesquisa acerca dos principais

nutrientes encontrados nos alimentos e qual a função de cada um no funcionamento do

corpo humano. A atividade foi desenvolvida em duplas.

Antes das crianças iniciarem a atividade, escreveu no quadro um conceito de

nutriente. Após as crianças copiarem o conceito iniciaram a coleta de informações e

registro no caderno dos nutrientes encontrados nos alimentos e da função destes, citando

exemplos. As crianças tiveram dificuldades para compreender o proposto na atividade,

aspecto que condicionou um processo permanente de mediação pedagógica, onde a

docente, a partir do uso da linguagem orientava e organizava o pensamento das crianças,

direcionando o processo de construção conceitual.

Ela foi organizando, pela linguagem, as operações mentais das crianças,

conduzindo e direcionando o pensamento destas para confrontarem os elementos que

estavam dispostos no livro destacando os atributos abordados na definição do conceito de

nutriente. Ensinou às crianças, nesta dinâmica, um procedimento de análise, um modo de

utilização do critério classificatório necessário à resolução da atividade proposta.

Ao desenvolver a atividade proposta, percebemos a manifestação das seguintes

funções cognitivas: Comportamento exploratório, precisão e imprecisão na coleta de

dados, percepção, atenção, concentração e operações mentais como: Identificação,

comparação, classificação, codificação e decodificação, diferenciação e raciocínio mental.

Porém, em algumas crianças estas foram manifestadas de forma mais sofisticada e com

certa intensidade, em outras de forma elementar, pois o pensamento era confuso, a

percepção imprecisa, com falta de compreensão na coleta de dados e de identificação

concisa dos atributos e características do conceito estudado.

Operações como análise, síntese, elaboração mental e classificação foram

manifestadas apenas por algumas crianças, mas de forma elementar, pois a maioria copiou

mecanicamente as informações dispostas na tabela com os tipos e função dos nutrientes,

bem como de exemplo de alimentos do livro didático utilizado, sem primeiro analisar,

interpretar e internalizá-los.

Constatamos que não houve formação conceitual, pois as crianças não

compreenderam a palavra nutriente enquanto categoria genérica composta por um conjunto

Page 78: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

78

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

de substâncias (vitaminas, carboidratos, proteínas, sais minerais, gorduras ou lipídios). A

palavra nutriente não era utilizada com referência a categoria abstrata.

Todavia, assimilaram novas informações e iniciaram a compreensão do significado

da palavra nutriente, mas não realizavam operações mentais complexas necessárias à

internalização simbólica do conceito, o pensamento era por complexos.

Sinaliza Vigotski que o pensamento por complexos cria as bases para

generalizações posteriores, tornando possível o desenvolvimento de operações mentais.

Estas caracterizam-se pela capacidade de abstrair, isolar elementos e examiná-los

separadamente da totalidade da experiência concreta. Nesta direção, constatamos que o

processo de ensino e aprendizagem organizado e planejado pela docente forneceu bases

fundamentais para a transição do pensamento por complexos para o pensamento conceitual

e da Zona de Desenvolvimento Proximal para a Zona de Desenvolvimento Potencial.

As formas de pensamento das crianças ao realizarem as atividades escolares

demonstram um momento de desenvolvimento, pois não é qualquer indivíduo que pode, a

partir da ajuda de outros, realizar qualquer tarefa. Esta é uma capacidade cognitiva

tipicamente humana que decorre da interferência da cultura nos processos de constituição

do humano (OLIVEIRA, 1997, p. 59).

Tendo como parâmetro os níveis de desenvolvimento de Vigotski, podemos inferir

a partir dos modos de pensar das crianças que estas encontravam-se na zona de

desenvolvimento proximal, que caracteriza-se pela distancia entre a zona de

desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de

problemas, e a zona de desenvolvimento potencial determinada através da solução de

problemas sob orientação de um adulto ou em colaboração com outros companheiros

capazes (OLIVEIRA, 1997, p. 60).

Verificamos a partir do fenômeno do pensamento das crianças no contexto do

conjunto de atividades escolares apresentadas, que estas manifestaram a existência de

funções psicológicas superiores que constituem a base para a elaboração conceitual,

todavia, o pensamento das crianças oscilava entre o lógico-concreto e o teórico-abstrato.

Deste modo, constatamos que a aprendizagem escolar potencializa processos de

desenvolvimento de funções mentais superiores, contribuindo na formação do pensamento

e domínio da linguagem enquanto instrumento simbólico.

Para Vygotsky (2007, p.103), um dos

Page 79: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

79

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

[...] aspectos essenciais do aprendizado é o fato de ele criar a zona de

desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários

processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar

somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e

quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados,

esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento

independente da criança.

Portanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento

mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento, que de outra forma,

seriam impossíveis de acontecer. O aprendizado é entendido como fundamental ao

processo de desenvolvimento de funções mentais superiores e modos complexos de

pensamento que são características tipicamente humanas e formadas historicamente

(VIGOTSKY, 2001, p. 115).

Na sequência apresentamos um quadro com a síntese das atividades escolares

desenvolvidas pelas crianças de forma correlata às funções cognitivas e operações mentais

manifestadas por estas. Sinalizamos que a atividade cognitiva das crianças oscilou entre

níveis elementares vinculados a situações gráfico-funcionais caracterizadas pelo

pensamento por complexos e níveis complexos vinculados aos processos de abstração e

generalização, todavia estes ainda de forma rudimentar. Entretanto, o fato de que estas

puderam fazer a transição de um modo de pensamento gráfico, situacional, para os estágios

elementares do pensamento conceitual, é de extrema importância para o desenvolvimento

cognitivo.

O quadro abaixo foi estruturado de acordo com a sequência de desenvolvimento das

atividades propostas pela docente, abrangendo as atividades acima analisadas e as demais

que não foram objeto de análise, mas que foram registradas no decorrer do período de

observação e que condicionaram processo de aprendizagem e desenvolvimento de formas

de pensamento nas crianças.

ATIVIDADES ESCOLARES

DESENVOLVIDAS

FUNÇÕES

COGNITIVAS

OPERAÇÕES

MENTAIS

Leitura de texto – Gênero textual:

Conto de Fadas (Conceito);

Leitura da História: Cinderela;

(Leituras realizadas pelas crianças e

pela docente de forma coletiva e

Percepção;

Atenção;

Memória;

Concentração;

Fala como organizadora

Raciocínio;

Codificação/Decodific

ação;

Formas elementares

de abstração, análise,

Page 80: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

80

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

individual).

Exercícios de interpretação do

texto;

Pesquisa sobre a biografia de

Charles Perrault (Autor do Conto

de Fadas estudado);

Exercícios de matemática (Pense e

Resolva – Envolvendo a data de

nascimento e falecimento de

Charles Perraut);

Tarefa de Casa – Pesquisa com os

familiares acerca das histórias por

eles conhecidas;

Contação da história: Os três

porquinhos;

Exercícios de interpretação da

história;

Exercício de matemática (Pense e

resolva – Envolvendo operações

matemáticas com dados da

história);

Elaboração de texto – Produção de

um diálogo;

Leitura da história: Chapeuzinho

Vermelho;

Exercícios de interpretação do

texto;

Exercícios de matemática (Pense e

resolva – Envolvendo dados da

história);

Exercícios de matemática –

do pensamento;

Conflitos cognitivos;

Produção lógica –

Sequência;

Criatividade;

Imaginação;

Vínculo com o

concreto/real;

Comportamento

exploratório sistemático;

Conduta controlada;

Facilidade para

estabelecer relações;

Internalização da

Informação;

Uso de raciocínio lógico

para buscar

evidências, chegar a

conclusões e defendê-las;

Orientação temporal

eficiente e deficiente;

Orientação espacial

eficiente e deficiente;

Respostas variadas por

tentativa e erro;

Conduta impulsiva;

Dificuldade para

distinguir dados

relevantes e irrelevantes;

Dificuldade para definir

clara e precisamente o

síntese e elaboração;

Representação

mental/simbólica;

Identificação;

Comparação;

Classificação.

Page 81: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

81

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Sequências Numéricas;

Tarefa de casa – Exercícios de

matemática;

Atividade de pesquisa e estudo

conceitual sobre Nutrientes –

Proteínas, carboidratos, gorduras ou

lipídios, vitaminas e sais minerais

(Recurso – Texto de um livro

didático);

Atividade de interpretação de textos

e análise conceitual – (Questões

com assertivas verdadeiras e

falsas);

Exercício de elaboração conceitual

– Explique com suas palavras o que

é um Conto de Fadas.

Atividade de elaboração/produção

textual (Reelaboração de um Conto

de Fadas)

Exercícios de matemática (com

operações de subtração, adição e

multiplicação a partir de situações

problemas);

Organização de um livro com o

Conto de Fadas reelaborado;

Atividade matemática com

algarismos romanos (Vamos

retomar);

Atividade de interpretação de

mapas.

Problema;

Dificuldade para

estabelecer relações;

Dificuldade para

internalizar a

informação;

Falta de raciocínio lógico

para buscar

evidências, chegar a

conclusões e defendê-las.

Fonte: Quadro sintético elaborado a partir da análise dos modos de pensamento das crianças do

quarto ano durante a realização das atividades escolares.

Page 82: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

82

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Inferindo sobre o processo de apreensão pelas crianças dos conteúdos e atividades

desenvolvidas, observamos que funções mentais como percepção, atenção e memorização

foram determinantes, pois a percepção baseada a priori em determinações fisiológicas dos

órgãos sensoriais e que ao longo do desenvolvimento torna-se um processo complexo e

orientado pela mediação simbólica, possibilitou que as crianças percebessem através da

internalização da linguagem, das palavras da professora, os atributos do conteúdo; a

atenção, que também é baseada em mecanismos neurológicos inatos e gradualmente

submetida a processos de controle voluntário, neste caso, fundamentados na mediação

simbólica, possibilitou a seleção dos estímulos do ambiente e a apreensão das informações

dispostas nos textos, histórias, exercícios e proferidas pela docente e por fim, a memória

manifestada em momentos posteriores à apresentação dos conteúdos, permitiu às crianças

o controle de seus comportamentos, por meio da utilização de instrumentos e signos que

provocaram a lembrança do conteúdo a ser recuperado em decorrência da resolução dos

exercícios e demais atividades, bem como dos questionamentos da docente sobre o

entendimento inicial do conteúdo abordado (OLIVEIRA, 1997).

Podemos identificar a relação entre desenvolvimento e aprendizagem no

funcionamento e estrutura dos processos psicológicos superiores, pois a partir do ensino,

determinadas funções mentais estruturadoras do processo de formação conceitual,

manifestaram-se. Verificamos que a percepção não foi apenas sensorial, pois foi a

mediação simbólica que possibilitou o funcionamento desta, que a atenção não foi

involuntária e sim, voluntária e que a memória foi mediada por signos.

Todavia, estas funções cognitivas apresentaram-se ainda de forma elementar, com

poucas combinações, logo, no primeiro momento operações mentais complexas e

conscientes não foram manifestadas.

Podemos verificar que as crianças conseguiam lidar com situações simbólicas, que

envolviam a utilização da linguagem, de sistemas de signos e seus significados, de

raciocínio matemático e representação mental, mas, de forma elementar. As crianças

resolveram suas atividades práticas com ajuda da fala, assim como dos olhos e das mãos

explicitando uma dinâmica de percepção, fala e ação que provocam processos de

internalização simbólica, uma forma caracteristicamente humana de comportamento

cognitivo. Mas algumas funções e operações mentais no desenvolvimento de determinadas

Page 83: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

83

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

atividades não formam manifestadas de forma consciente, a partir de conduta planejada e

controle voluntário, pois o pensamento das crianças não operava na direção de organizar

conscientemente a estrutura cognitiva para originar uma operação mental complexa.

Logo, operações como análise, síntese, representação e raciocínio mental, bem

como de classificação e diferenciação, foram manifestadas de forma rudimentar, pois não

derivavam de atos mentais volitivos e intencionais. Estavam associadas a situações práticas

específicas e não teórico-abstratas. Porém, com o decurso do processo de desenvolvimento

mental e da intervenção pedagógica intencional e direcionada passarão para o nível de

operação mental complexa.

De acordo com Luria (2010, p. 135),

O aparecimento dos códigos verbal e lógico, permitindo a abstração dos

aspectos essenciais dos objetos e assim a atribuição desses objetos a

categorias genéricas leva à formação de um aparato lógico mais

complexo. Esse aparato permite que conclusões sejam tiradas a partir de

premissas dadas sem ter de recorrer à experiência gráfico-funcional

imediata, tornando possível a aquisição de novos conhecimentos de um

modo discursivo e lógico-verbal. Esse fato é o que torna possível a

transição da consciência sensorial para a racional.

Como abordado no segundo capítulo, Vigotski para explicar as transformações na

forma de raciocinar que resultam na formação de conceitos, elencou três fases de básicas:

Sincretismo, Complexos/Conceitos Potenciais e Conceitos, sendo estas, compostas por

vários estágios.

Ao analisar as formas de pensamento das crianças, manifestadas a partir do

conjunto de falas e demais ações observadas no cotidiano da sala de aula, podemos

concluir que estas encontravam-se no segundo estágio, definido como pensamento por

complexos que configura-se pela combinação de objetos ou das impressões concretas que

eles provocam na criança. Deste modo, os objetos são agrupados com base em

determinadas características que os torna diferentes e, consequentemente, complementares

entre si (VYGOTSKY, 1998, p. 78).

O complexo baseia-se em vínculos reais que se manifestam através da experiência

imediata, deste modo, o complexo é, sobretudo, o agrupamento de um conjunto de objetos

concretos sobre a base da vinculação real entre eles (BAQUERO, 1998, p. 57).

Para Vygotsky a principal função dos complexos é estabelecer elos e relações, ou

seja, unificações de impressões desordenadas, onde ao organizar elementos discretos da

Page 84: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

84

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

experiência em grupos, cria a base para generalizações posteriores. Corroborando, destaca

que a principal distinção entre um complexo e o conceito consiste no tipo de articulação

que une os elementos ao todo, para sim, operar de forma generalizada. No conceito os

objetos de conhecimento são agrupados de acordo com um atributo. Já no pensamento por

complexos, os elementos de ligação podem ser tão diversos quanto os contatos e as

relações que de fato existem entre os elementos. Os objetos são incorporados a uma

situação geral, da qual operam em base individual e não de generalização (FONTANA,

2005, p. 17).

Complementa a autora ressaltando que,

Também no pensamento por complexos, a criança dá os primeiros passos

na análise, operação intelectual que supõe abstrair, isolar elementos e

examiná-los separadamente da totalidade da experiência concreta de que

fazem parte. Ela inicia a análise ao elaborar complexos associativos tendo

como base um grau máximo de semelhança entre seus elementos. Mas,

enquanto o pensamento por complexos predomina, o traço abstraído é

instável, uma vez que o estabelecimento de elos de ligação é sua principal

função, criando as bases para generalizações posteriores.

O pensamento das crianças pautava-se em elementos abstraídos de forma factual,

vinculados a situações concretas individuais, onde o atributo principal consistia na citação

de elementos vinculados à percepção imediata, visual/empírica e a fenômenos particulares.

Não analisavam de forma abstrata os atributos genéricos das categorias estudadas.

Concluímos que o pensamento das crianças ainda não era conceitual e sim com

características que aproximam-se mais ao pensamento por complexos, pois o modo de

pensamento chamado conceitual, refere-se ao pensamento baseado em categorias abstratas,

à capacidade de lidar com atributos genéricos dos objetos, sem referência aos contextos

práticos em que as crianças se relacionam concretamente com os objetos. A criança que

pensa mentalmente de forma conceitual é capaz de desvincular-se das situações concretas e

trabalhar com objetos de forma descontextualizada, ou seja, a partir da abstração e

generalização (OLIVEIRA, 1997, p. 93).

Para Vygotsky, a formação conceitual envolve pensamento verbal e lógico

complexo que explora o potencial da linguagem de formular abstrações e generalizações

para selecionar atributos a uma categoria geral. A criança que pensa por complexos não

compreende os objetos por categorias lógicas, pois os incorporam a situações gráfico-

Page 85: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

85

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

funcionais extraídas da vida e reproduzidas de memória. Claramente, a operação verbal e

lógica requerida para a abstração de certos aspectos do objeto, para subordiná-los a

categorias distintas de pensamento, não constitui a base psicológica desse tipo de

pensamento

Para Vygotsky,

[...] a linguagem é o elemento mais decisivo na sistematização da

percepção; na medida em que as palavras são, elas próprias, produto do

desenvolvimento sócio-histórico, tornam-se instrumentos para a

formulação de abstrações e generalizações e facilitam a transição da

reflexão sensorial não-mediada para o pensamento mediado, racional. Ele

afirmava, portanto, que o “pensamento categorial” e a “orientação

abstrata” são consequência de uma reorganização fundamental da

atividade cognitiva que ocorre sob o impacto de um fator novo, social –

uma reestruturação do papel que a linguagem desempenha na

determinação da atividade psicológica (LURIA, 2010, p. 67).

No pensamento conceitual a criança não generaliza com base nas suas impressões

imediatas, pois isola certos atributos distintos dos objetos como base de categorização;

deste modo, já faz inferências sobre os fenômenos, destinando cada objeto a uma categoria

específica (relacionando-o a um conceito abstrato). Utiliza esquemas conceituais

hierárquicos, como por exemplo: rosa – flor – plantas – mundo orgânico. Atingindo este

nível de pensamento a criança passa a concentrar-se e pautar-se nas relações

categoriais/conceituais entre os objetos e não em seu modo concreto de interação (LURIA,

2010, p. 69).

Vigotski infere que o centro do pensamento conceitual ou categorial está na

experiência compartilhada da sociedade, transmitida através de seu sistema linguístico.

Essa vinculação a critérios sociais abrangentes transforma os processos de pensamento

gráfico, concreto e funcional num esquema de operações semânticas e lógicas em que as

palavras constituem-se como o principal instrumento de abstração e generalização

(LURIA, 2010).

Este modo de operar mentalmente não foi verificado nas crianças, entretanto, a

aprendizagem mediata, os processos de interação, a intervenção pedagógica e o contato das

crianças com a ciência, caracterizada por modos de organizar o real de forma conceitual

propiciaram novas formas de pensamento e funcionamento intelectual nas crianças, que

formam a base para a formação conceitual. Este fenômeno cognitivo, na perspectiva

Page 86: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

86

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

luriana é oriundo da plasticidade cerebral e capacidade de modificabilidade cognitiva do

sistema neurológico humano, estimuladas pelo substrato sociocultural.

A escola enquanto instituição social onde o conhecimento é objeto privilegiado da

atenção dos indivíduos, sem conexão imediata com situações concretas, configura-se como

determinante na promoção de processos de desenvolvimento de funções mentais que

derivam de sistemas cerebrais funcionais complexos. O ensino e aprendizagem escolar

interferem nos modos de funcionamento e organização cerebral originando novas formas

de operar mentalmente na construção e apropriação de conhecimentos. O pensamento

conceitual será resultado da interferência da aprendizagem na atividade cerebral da criança.

Deste modo, a intervenção deliberada do docente no aprendizado das crianças é

essencial ao seu processo de desenvolvimento. A intervenção pedagógica tem papel central

na evolução cognitiva e na atividade cerebral das crianças em idade escolar.

Ao analisar a dinâmica de ensino da docente, destacamos que esta não abordou os

conteúdos de forma linear, posto que no contexto do planejamento das atividades

pedagógicas, o parâmetro norteador consistiu no projeto interdisciplinar estruturado por

distintas áreas do conhecimento e conteúdos científicos.

Os momentos de instrução, perpassaram por um conjunto de atividades que

envolviam distintos conteúdos que requeriam das crianças o desenvolvimento de um de

funções cognitivas e operações mentais, como: Percepção, atenção, memorização,

comunicação, utilização de ferramentas verbais, abstração, comportamento exploratório,

internalização da informação, pensamento hipotético inferencial e direcionado, raciocínio

lógico, orientação espacial, elaboração, definição clara e precisa do problema, resolução de

problemas, capacidade de planejamento, de conduta direcionada, de identificação,

comparação, análise, síntese, classificação, codificação, decodificação, projeções,

diferenciação, representação mental e demais formas de raciocínio e generalizações.

Algumas destas funções cognitivas e operações mentais manifestaram-se em

momentos decorrentes da aprendizagem mediada, da interferência da docente no âmbito da

Zona de Desenvolvimento Proximal das crianças. A comunicação entre a docente e as

crianças configurou-se através do processo de exposição de conteúdos e atividades

direcionadas e orientadas por esta. Suas palavras tinham função reguladora, pois

direcionavam as ações e formas de pensamento das crianças, mas operava mais no plano

Page 87: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

87

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

concreto do que abstrato, pois a execução de tarefas se sobrepunha ao pensamento

inferencial/abstrato.

A dinâmica de interlocução entre linguagem e pensamento pode ser observada a

partir de momentos de interação entre as crianças e os objetos de conhecimento por elas

estudados. A palavra neste contexto, era usada, como ferramenta de comunicação e

manifestação dos modos de pensar e também como referência a categorias abstratas, uma

vez que eram revestidas de significados simbólicos. Orientava, deste modo, o processo de

formação conceitual.

Em relação a determinados problemas e exercícios, constatamos que as crianças, a

partir do seu nível de desenvolvimento real conseguiam solucionar de forma independente,

sem auxílio da docente, amparados em funções cognitivas como a memória e percepção de

elementos por elas já internalizados, compreendidos, onde ao fazer conexões mentais

recuperavam determinados conteúdos apreendidos e conceitos formados para reorganizar o

modo pensar e operar com as informações assimiladas.

Vigotsky sinaliza que o desenvolvimento de conceitos científicos na infância

perpassa pela assimilação da informação e o desenvolvimento de processos mentais

internos, que potencializam a construção do conhecimento.

As atividades propostas pela docente e desenvolvidas pelas crianças, a partir de um

processo de interação mediada, apresentaram-se como fundamentais para o ato de pensar

abstratamente, pois a proposição de tarefas coloca a criança em movimento, onde o

pensamento desta deve ser direcionado à apreensão de conceitos científicos, logo, a fala da

docente possui função de orientação deliberada e explícita no sentido da aquisição de

conhecimentos de forma sistemática e fundamentada, pois a criança é colocada diante da

tarefa particular de “entender” as bases dos sistemas de concepções científicas, que se

diferem das elaborações conceituais espontâneas (FONTANA, 2005).

Deste modo, no contexto escolar, as atividades que envolvem a apreensão dos

conceitos sistematizados devem ser organizadas de maneira discursiva e lógico-verbal,

pois a relação da criança com os conceitos deve ser sempre mediada por algum outro

conceito. Este processo requer, portanto, que a criança utilize operações lógicas complexas

como, comparação, classificação, interpretação, dedução, generalização, etc, uma vez que

os conceitos sistematizados são parte de sistemas explicativos globais, organizados dentro

de uma lógica socialmente construída e cientificamente reconhecida.

Page 88: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

88

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Como o conceito deriva de atos complexos de pensamento desenvolvidos a partir

de funções cognitivas entendidas como processos mentais estruturais que, quando

combinados, fazem operar e organizar a estrutura cognitiva, verificamos ao observar o

modo de pensar e compreender os problemas a elas apresentados, que as crianças não

demonstravam formas complexas de pensamento, sendo este ainda vinculado a formas

espontâneas e factuais, com conexões associativas elementares.

Todavia, percebemos que o aprendizado sistematizado e mediado pela docente

reorganizava os modos de pensamento das crianças, interferindo no desenvolvimento

intelectual destas, pois os questionamentos, explicações, problematizações e exposição de

conceitos efetuadas pela docente provocavam conflitos e rupturas cognitivas, que

reorganizavam mentalmente o modo de operar com as informações por elas apreendidas.

Neste contexto, a atuação da professora no âmbito da dinâmica do ensino e

aprendizagem, requer desta a percepção da discrepância entre a idade mental real das

crianças e o nível que elas atingem ao resolver problemas com o auxílio de outras pessoas,

pois esta disparidade indica a zona de desenvolvimento proximal destas. Logo, o

aprendizado mediado deverá possibilitar a transição da zona de desenvolvimento proximal

para a potencial, ou seja, de processos de desenvolvimento de funções e operações mentais

necessárias para a superação das limitações cognitivas que impossibilitam à resolução de

problemas sem auxílio de outras pessoa.

Esta necessidade do outro nos processos de aprendizagem, comprova a natureza

social e cultural do desenvolvimento das funções mentais superiores em decorrência da

dependência da cooperação com os adultos, da mediação simbólica e utilização de

instrumentos na construção do pensamento mental e domínio da linguagem, enquanto

sistema simbólico formado por estruturas de generalização.

Verificamos que a professora ao trabalhar com as crianças, explicou, deu

informações, questionou, corrigiu as crianças, estimulou o pensamento e raciocínio delas e

as fez explicarem processos, fenômenos e determinados conteúdos estudados. Esta

dinâmica cognitiva potencializa a formação de conceitos a partir do processo de

aprendizado. A intencionalidade das orientações e demais ações da docente permitiram às

criança resolver operações, exercícios e demais problemas de forma racional e sistemática,

ao contrário das formas espontâneas de aprendizagem e desenvolvimento, pois a formação

Page 89: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

89

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

de um conceito científico envolve, desde o início, uma atitude mediada em relação ao

objeto de conhecimento, processo que não ocorre na aprendizagem espontânea.

A mediação pedagógica emergiu neste contexto como forma estratégica de

direcionamento do pensamento da criança para a apreensão e compreensão do objeto de

conhecimento, pois a intervenção da professora auxiliava as crianças a lidarem com a

recepção de informações e estímulos, com a seleção de dados, com o processo de

assimilação e processamento de informações contribuindo para a resolução de problemas.

Estes aspectos evidenciam a relevância da aprendizagem escolar e da mediação

pedagógica nos processos de desenvolvimento das funções mentais superiores e formação

conceitual.

Page 90: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

90

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

APONTAMENTOS CONCLUSIVOS

Com o movimento cognitivo empreendido neste estudo podemos constatar que o

cérebro é compreendido como um órgão plástico, sendo este o atributo que fornece as

condições para que o processo de aprendizagem ocorra e que esta deriva da complexidade

e intensidade das relações neurais, pois os neurônios dotados de extensa plasticidade e

adaptabilidade tornam as conexões neurais e os processos sinápticos os grandes

responsáveis pela atividade cognitiva humana.

Verificamos também, a existência de um imbricamento entre o funcionamento

cerebral e aprendizagem escolar, pois de acordo com a organização funcional do cérebro

proposta por Luria, as operações mentais envolvidas na aprendizagem, de forma específica

as praxias e a linguagem, emergem da cooperação de várias áreas ou zonas corticais e

subcorticais potencializadas pela realização de atividades escolares pedagogicamente

mediadas.

Outro fator que contatamos perpassa pelo papel determinante da linguagem no

desenvolvimento de modos complexos de pensamento nas crianças. A partir da

multiplicidade dos sistemas funcionais a linguagem e o conjunto de códigos simbólicos

que emergem da operação das estruturas mentais demonstraram uma a melodia complexa

de componentes de processamento de informação que constituem o conjunto das funções e

operações cognitivas que suportam a aprendizagem simbólica e a formação conceitual.

De forma sintética, podemos verificar que a dinâmica sistêmica das funções

cerebrais necessárias à aprendizagem humana sustentam-se na modificabilidade

neurofuncional que deriva da plasticidade do cérebro que opera como um organizador

cognitivo complexo e superarticulado na aprendizagem escolar.

De acordo com os preceitos de Luria, constatamos que os processos cognitivos

culturais requerem da criança modos de ação mediados pela cultura e que caracterizam-se

por formas de processamento de informações e conexões mentais que transcendem as

operações naturais, pois decorrem de processos mediados de internalização simbólica que

reorganizam e modificam a relação entre atividade cerebral e formas de pensamento na

criança, as tornando voluntárias, intencionais, planificadas e lógicas.

Page 91: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

91

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Logo, a gênese do pensamento e aprendizagem, resultam de modificações no

sistema neural em decorrência da interação do indivíduo com o ambiente social e da

capacidade de modificabilidade cognitiva do cérebro humano.

Observamos que a dimensão cultural pode modificar o aparato neural dos sujeitos,

onde a educação escolar, que consiste em uma prática cultural e social, influencia

diretamente no processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores da

criança, dos modos complexos de pensamento necessários à formação de conceitos, a partir

da relação dialética entre ensino e aprendizagem identificada como atividade pedagógica.

O ensino que é produto da atividade pedagógica organizada no âmbito do processo

de escolarização, caracterizado por mecanismos de instrução intencional e

sistematicamente elaborados e planejados potencializa o desenvolvimento cognitivo da

criança e o surgimento de comportamentos superiores, ou seja, planificados, intencionais e

cognitivamente organizados (originados através da relação entre pensamento e ação).

Podemos afirmar, a partir deste estudo que o aprender pressupõe a existência de

processos cognitivos que viabilizam a aprendizagem e envolve simultaneidade da

integridade neurobiológica, caracterizada pela sinergia sistêmica dos processos mentais e a

presença de um contexto social facilitador, estruturado por práticas contínuas e

mediatizadas, evidenciando assim, a relevância do ensino escolar e da mediação

pedagógica.

Especificamente nossa pesquisa explicitou os seguintes fatos inter-relacionados no

âmbito da relação entre ensino e aprendizagem escolar e o desenvolvimento de modos

complexos de pensamento: os pré-requisitos mentais para o aprendizado de conhecimentos

científicos, caracterizados por conceitos abstratos, ou seja, formas sofisticadas de

generalização e o aprendizado como processo que influencia no desenvolvimento de

funções cognitivas e operações mentais que as crianças ainda não dominavam

conscientemente.

O desenvolvimento neste contexto, baseia-se em dois processos distintos, embora,

relacionados, em que cada um influencia o outro. De um lado, a maturação, que depende

diretamente do desenvolvimento do sistema nervoso; de outro o aprendizado mediado

como potencializador do processo de desenvolvimento.

Concluímos que o aprendizado configura-se como uma das principais fontes da

formação de conceitos pela criança em idade escolar, sendo também um significativo

Page 92: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

92

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

mecanismo de direcionamento do desenvolvimento mental, pois a capacidade de formular

conceitos é desenvolvida principalmente através do ensino escolar que possibilita o

domínio de certos princípios do pensamento (funções e operações mentais) conceitual. Este

envolve uma enorme expansão das formas resultantes da atividade cognitiva potencializada

pelos processos de ensino e aprendizagem mediada.

Por derradeiro, destacamos que a instrução formal, que altera radicalmente a

natureza da atividade cognitiva, facilita enormemente a transição das operações práticas

para as operações teóricas. Assim que as crianças adquirem a instrução formal, fazem uso

cada vez maior da categorização para exprimir e elaborar ideias que refletem

objetivamente a realidade (LURIA, 2010, p. 132). Este fator explicita que os processos

cognitivos podem ser modificados pela prática pedagógica e que o ensino escolar interfere

diretamente no desenvolvimento de funções e operações mentais superiores e de modos

complexos de pensamento através da transição do pensamento prático/concreto para o

conceitual/abstrato.

Page 93: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

93

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Solange. Maria.; VIEIRA, Marilandi Maria Mascarello; FAITAO, Letícia. M.;

SIGNOR, T.; ZAMONER, Angela. Linguagem, desenvolvimento humano e educação:

foco na educação da infância. In: Travessias, v. 4, p. 454-468, 2010.

BAQUERO, Ricardo. Vygotsky e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas,

1998.

BERNARDES, Maria Eliza M; ASBAHR, Flávia Ferreira da Silva. A atividade

pedagógica e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. In: Perspectiva,

Florianópolis, v. 25, n. 2, 315-342, jul/dez, 2007.

FAZENDA, Ivani (Org). Metodologia da pesquisa educacional. 9. Ed. São Paulo:

Cortez, 2004.

FIORI, Nicole. As Neurociências Cognitivas. Petrópolis – RJ: Vozes, 2008.

FONSECA, Vitor da. Modificabilidade Cognitiva: abordagem neuropsicológica da

aprendizagem humana. 2ª edição – São Paulo: Editora Salesiana, 2009.

FONTANA, Roseli Ap. Cação. Mediação pedagógica na sala de aula. 2. ed. Campinas:

Autores Associados, 2005. ( Coleção Educação contemporânea).

GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. 5. Ed. São

Paulo: Autores Associados, 2009.

GUARDIOLA, Ana; FERREIRA, Lucia Teresinha Cunha & ROTTA, Newra Tellechea.

Associação entre desempenho das funções corticais e alfabetização em uma amostra de

escolares de primeira série de Porto Alegre. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 1998,

vol.56, n.2, pp. 281-288.

Page 94: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

94

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

LURIA, A. R. A construção da mente. São Paulo: Ícone, 1992. 234 p.

LURIA, A. R. Desenvolvimento cognitivo: seus fundamentos culturais e sociais. 4. ed.

São Paulo: Ícone, 2010.

OLIVEIRA, Marta Kohl de e REGO, Teresa Cristina. Contribuições da perspectiva

histórico-cultural de Luria para a pesquisa contemporânea. In: Educação e Pesquisa.

2010, vol.36, 107-121.

OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-

histórico. São Paulo: Scipione, 1997.

OLIVEIRA, M. K. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São

Paulo: Summus, 1992.

PALANGANA, Isilda Campaner. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e

Vygotsky: a relevância do social. São Paulo: Plexus, 1994.

PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC,

1987.

PINO, Angel. As marcas do humano: às origens da constituição cultural da criança na

perspectiva de LEV S. Vygotsky. São Paulo: Cortez, 2005.

REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 9ª ed.

Petrópolis: Vozes, 2000.

RODRIGUES, Sônia das Dores & CIASCA, Sylvia Maria. Aspectos da relação cérebro-

comportamento: histórico e considerações neuropsicológicas. In: Revista Psicopedagogia,

2010, vol.27, n.82, pp. 117-126.

Page 95: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

95

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

SARAVY, Carla Regina Maschio; SCHROEDER, Edson. A dinâmica das interlocuções e

a emergência dos significados segundo Vygotsky: análise de um processo de ensino na

educação infantil. In: Com ciência, abril de 2010; vol.15 (1), pg: 100-123.

TEIXEIRA, Edival. Vygotsky e o materialismo dialético: uma introdução aos

fundamentos filosóficos da Psicologia Histórico-Cultural. Pato Branco: FADEP, 2005.

VALSINER, Jaan & VEER, René Van Der. Vygotsky: uma síntese. São Paulo: Loyola,

1996. 479 p.

VYGOTSKY, Lev Semionovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos

processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 182 p.

___________________________. A construção do pensamento e da linguagem. São

Paulo: Martins Fontes, 2001.

____________________________. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 1998.

VYGOTSKY, Lev Semenovich; LURIA, Alexandr Romanovich; LEONTIEV, Alexis.

Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 8. ed. São Paulo: Ícone, 2001. 228 p.

Page 96: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

96

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

ANEXO I

Projeto Interdisciplinar

Page 97: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

97

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Page 98: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

98

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Page 99: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

99

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Page 100: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

100

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Page 101: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

101

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Page 102: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

102

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

ANEXO II

Produção textual com a definição do Gênero Textual: Conto de fadas

Page 103: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

103

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Definição da criança D.

Definição da criança I.

Definição da criança A.

Page 104: modificabilidade cognitiva e aprendizagem escolar

104

UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL-UFFS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEPG

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO INTEGRAL

MODIFICABILIDADE COGNITIVA E APRENDIZAGEM ESCOLAR

Definição da criança E.

Definição da criança L.