Mosaiko inform 24

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INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA 24 VENCESLAU MUJINGA Figura em Destaque Pág. 07 JORGE PEDRO Entrevista Pág. 12 TODOS TEMOS UM CONTRIBUTO A DAR PARA A INCLUSÃO DAS PESSOAS COM DEFICIêNCIA Reflectindo Pág. 18 DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIêNCIA

description

Direitos das Pessoas com deficiência

Transcript of Mosaiko inform 24

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INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA

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VeNCeSlAU MUJINGAFigura em Destaque Pág. 07

JORGe PeDRO Entrevista Pág. 12

tODOS teMOS UM CONtRIBUtO A DAR PARA A INClUSÃO DAS PeSSOAS COM DeFICIêNCIA Reflectindo Pág. 18

DiREiToS DaS pESSoaS coM DEFiciência

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índice

a Família é a uniDaDE DE gRuPo natuRal E FunDamEntal Da soCiEDaDE E quE tEm DiREito à PRotECção PEla soCiEDaDE E PElo EstaDo E [...] as PEssoas Com DEFiCiênCia E os mEmbRos Da sua Família DEvEm RECEbER a PRotECção E assistênCia nECEssáRias PaRa PERmitiR às Famílias ContRibuíREm PaRa o PlEno E igual gozo Dos DiREitos Das PEssoas Com DEFiCiênCia.

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

Ficha Técnica

pRopRiEDaDEMOSAIKO | Instituto para a Cidadania

niF: 7405000860nº DE REgiSTo: MCS – 492/B/2008

DiREcçãoJúlio Candeeiro, opLuís de França, op

Mário Rui Marçal, op

REDacçãoMaria de Jesus Tavares

colaboRaDoRESBarros Manuel

Florência ChimuandoPaulo Máquina

Raquel Pereira da Camara

MonTagEM gRáFicaGabriel Kahenjengo

conTacToSBairro da Estalagem - Km 12 | Viana

TM: (00244) 912 508 604TM: (00244) 923 543 546

Caixa Postal 2304 - Luanda | AngolaE-mail: [email protected]

www.mosaiko.op.orgwww.facebook.com/Mosaikoangola

iMpRESSãoDamer Gráficas SA – Luanda

TiRagEM: 2500 exemplares

DiSTRibuição gRaTuiTa

Os artigos publicados expressam as opiniões dos seus autores, que não

são necessariamente as opiniões do Mosaiko | Instituto para a Cidadania.

coM o apoio

editorialJúlio Candeeiro, op

informandoInstrumentos de protecção dos direitos das pessoas com deficiência | Barros Manuel

estórias da históriaDia Internacional do Portador de deficiênciaMaria de Jesus Tavares

figura de destaqueVenceslau MuzingaFlorência Chimuando

construindoExperiências de vida de Pessoas com deficiênciaMaria de Jesus Tavares

entrevista Jorge Pedro - Director Geral do Instituto Nacional da Educação Especial | Maria de Jesus Tavares

reflectindo Factores que favorecem a inclusão ou exclusão das pessoas com deficiência Paulo Máquina

Todos temos um contributo a dar para a inclusão das pessoas com deficiência Raquel Pereira da Camara

breves

MoSaiko inFoRM nº 24 - SETEMBRO 2014 TEMa: DIREITOS DAS PESSOAS cOM DEFIcIêNcIA

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editorial

Estimado leitor/a

O processo de exclusão de pessoas com deficiência é tão antigo quanto o próprio processo de socialização, isto é, a inserção do ser humano na sociedade. O processo de in-serção de pessoas com deficiência foi, quase sempre e em todos os lugares, marcado por formas de exclusão. Apesar de uma atitude discriminatória que se poderia considerar universal, as sociedades divergiram na atribuição de cau-sas da deficiência e na forma de tratamento das pessoas com deficiência. Muitas das nossas “culturas tradicionais” não aceitam com naturalidade as deficiências e tendem a ver nelas obra de demónios e feitiços.

Com a evolução dos tempos e, sobretudo, da ciência médi-ca, as sociedades foram abandonando os seus pré-concei-tos neste campo e, por conseguinte, foram alterando a sua linguagem - deficientes, diminuídos físicos, limitados, para pessoas com necessidades especiais, pessoas portadoras de deficiência,… Hoje, adopta-se a expressão “pessoas com deficiência”, tendo em conta que, como diz a Con-venção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ”a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interacção entre pessoas com incapacidades e barreiras comportamentais e ambientais que impedem a sua participação plena e efectiva na sociedade em condi-ções de igualdade com as outras pessoas”. Para se chegar aqui, a humanidade levou tempo e para se adoptar esta Convenção foram necessários 5 anos de intensos traba-lhos. Angola ratificou a convenção em 2012, isto é 10 anos depois depois do fim do conflito armado que fez de Angola

A DIGNIDADe HUMANA NÃO teM NADA A VeR COM A SAúDe FíSICA e OU MeNtAl

Júlio Gonçalves Candeeiro, op

um dos países com maior número de pessoas com deficiên-cia em todo o mundo.

Todavia, a falta de políticas públicas adequadas - que se traduz em inúmeros prédios, escolas, postos de saúde sem rampas, ruas esburacadas sem qualquer protecção, ausên-cia de casas de banho públicas para pessoas com deficiên-cia, falta de escolas e professores de ensino especial…etc. - mostram bem o quanto somos ainda um pais insensível à situação pessoas com deficiência.

Os textos desta edição centram-se na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adoptada na As-sembleia Geral das Nações Unidas, a 13 de Dezembro de 2006. Barros Manuel fala-nos da Historia da protecção dos direitos das pessoas com deficiência, enquanto Florência Chimuando nos apresenta Venceslau Muginga Francisco, a figura que esta edição destaca pela sua capacidade de superação e pelo seu serviço pelo bem de outros. O Mosaiko Inform traz uma longa entrevista com Pedro Jorge, Director Nacional do Ensino Especial que partilha a sua experiência.

Os temas abordados nesta Edição são um convite a tomar-mos contacto com a Convenção sobre o Direito de Pessoas com Deficiência. E porque conhecimento impele a acção, esta edição é um convite a que cada um acredite com Thais Moraes que “A verdadeira deficiência é aquela que prende o ser humano por dentro e não por fora, pois até os que não podem andar são livres para voar”.

Boa leitura!

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A história da protecção dos direitos das pessoas com deficiência confunde-se com a longa caminhada histórica dos Direitos Humanos até a Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH.

O surgimento da DUDH, a 10 de Dezembro de 1948, representa o ponto de chegada e, ao mesmo tempo, o ponto de partida da longa caminhada histórica pelo reconhecimento e protecção dos Direitos Humanos. Um ponto de chegada porque pela primeira vez declarou-se, universalmente, num único documento todos os direitos referentes à pessoa humana. Um ponto de partida porque a DUDH obriga juridicamente os Estados e os cidadãos a respeitar e proteger os direitos de toda a pessoa humana. Aliás, no seu artigo 7º declara que «todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a igual protecção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação». Por isso, a discriminação contra qualquer pessoa, por

motivo de deficiência, configura violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano.

Mas, 66 anos volvidos desde a proclamação solene da DUDH, as pessoas que nascem com deficiência, ou as adquirem ao longo da vida, ainda são, em vários contextos, continuamente privadas de oportunidades de convivência com a família, seus vizinhos e amigos, privadas da vida escolar, do acesso ao trabalho, ao lazer e cultura, entre outros. Quer dizer que, não podemos dar-nos totalmente por satisfeitos enquanto a aplicação concreta e sempre coerente dos direitos das pessoas com deficiência não se transformar numa realidade em todo o tempo e lugar. Para tal, é necessário adoptar instrumentos efectivos de protecção desses mesmos direitos.

Um primeiro instrumento que pode ser adoptado na “era democrática” é a lei. Os Estados, através do poder legislativo, devem produzir leis referentes às pessoas com deficiência, mas isso, por si só, não basta. Montesquieu, filósofo francês, lembra que «uma coisa não é justa porque é lei, mas deve ser lei porque é justa». Quer dizer que uma lei só é lei se for justa. Logo, as leis criadas no âmbito deste tema em abordagem serão justas desde que promovam a igualdade de oportunidades e da não discriminação das pessoas com deficiência. Este é o fundamento que terá convencido o legislador angolano a aprovar a lei da Pessoa com Deficiência - Lei nº 21/12, de 30 de Julho. Por outro lado, é importante a ratificação de diplomas internacionais relativos aos direitos das pessoas com deficiência. Por exemplo, a adopção da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 1 (e do seu respectivo Protocolo) é crucial porque sugere alguns instrumentos que visam garantir às pessoas com deficiência, igual e efectiva protecção legal contra a discriminação, para além de ser o primeiro tratado internacional que contém requisitos específicos de

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informandoinSTRuMEnToS DE pRoTEcção DoS DiREiToS DaS pESSoaS coM DEFiciênciaBarros Manuel

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implementação e monitoria, a nível nacional, dos instrumentos de protecção dos direitos das pessoas com deficiência.

Um segundo instrumento a adoptar é a educação para a cidadania. As Organizações da Sociedade Civil, em parceria com as Instituições do Estado, podem liderar a educação para os direitos e deveres fundamentais das pessoas com deficiência. É preciso lembrar que, como bem assinala Nelson Mandela «a educação é a arma mais poderosa que pode ser usada para mudar o mundo». A formação e a divulgação, os dois mecanismos, juntos, devem, por sua vez, contribuir para a mudança de paradigma nas concepções, atitudes e abordagens em relação às pessoas com deficiência.

Um terceiro instrumento a ser adoptado é a política de protecção social. Os Estados, através do poder executivo, ao conceber e implementar as políticas públicas devem articular programas sociais concretos em prol da melhoria e qualidade de vida das pessoas com deficiência. Parafraseando Abraham Lincoln, estadista norte-americano, as políticas elaboradas devem ser necessariamente “das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas com

deficiência”. Significa que, as políticas concebidas devem responder as necessidades reais e sentidas pelas pessoas com deficiência. Os actores chave devem identificar-se e apropriar-se dessas políticas, o que só é possível quando participam, democraticamente, desde o início de todo o processo.

As instituições democráticas podem ser um quarto instrumento a adoptar. O Estado, através do poder judicial, deve garantir o cumprimento rigoroso de diplomas legais referentes as pessoas com deficiência bem como responsabilizar exemplarmente os violadores dos aludidos direitos. Mas, o Estado deve ser auxiliado nessa tarefa pelas Organizações da Sociedade Civil capazes de exercer a monitoria da implementação efectiva dos instrumentos de protecção dos direitos das pessoas com deficiência.

Oxalá estejamos todos engajados hic et nunc a contribuir para se encurtar, cada vez mais, a distância entre os direitos formalmente consagrados relativos às pessoas com deficiência e a sua aplicação concreta e coerente na sociedade.

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A tudo isso há que juntar, os históricos documen-tos proclamados pela ONU e subscritos por qua-se todos os países membros, são eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração dos Direitos da Pessoa com Deficiencia e a Declara-ção dos Direitos da Pessoa com Deficiência Mental.

A década de 1983-1992, foi declarada pela ONU como a “Década das Nações Unidas para as Pessoas com Deficiências”com um Programa Mundial de Acção re-lativo a elas, com o propósito de promover medidas eficazes para a prevenção da deficiência e para a re-abilitação e realização dos objectivos de igualdade e de participação plena das pessoas com deficiência na vida social e no desenvolvimento.

Em 1998, dia 3 de Dezembro foi adoptado como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Todos os anos o tema deste dia tem como base o exercício ple-no dos Direitos Humanos e provocar a reflexão sobre as questões relacionadas com a deficiência e buscar a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade.

Em Dezembro de 2006, a Convenção sobre os Direi-tos das Pessoas com Deficiência foi adoptada na As-sembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque, e aprovada por 127 países.

Trata-se de um marco histórico, representando um importante instrumento legal no reconhecimento e promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência e na proibição da discriminação contra as estas pessoas em todas as áreas da vida, incluindo ainda previsões específicas no que respeita à reabili-tação e habilitação, educação, saúde, acesso à infor-mação, serviços públicos, etc.

Ainda assim, as pessoas com deficiência estão repre-sentadas desproporcionalmente entre as mais pobres do mundo e carecem de acesso igual aos recursos bá-sicos tais como educação, emprego, cuidados de saú-de e sistemas de protecção social e legal, assim como apresentam o índice mais alto de mortalidade.

Ao longo da história da humanidade, foram diversas as atitudes assumidas pela sociedade ou certos gru-pos sociais para com as pessoas com deficiência, as quais se foram alterando por influência de diversos factores: económicos, políticos, culturais, filosóficos e científicos.

Foi na segunda metade do século XX, quando se co-meçou a falar de uma forma sistemática dos Direitos das Pessoas com Deficiência. O crescimento do movi-mento associativo para o apoio à cidadãos com defi-ciência ou para a defesa dos seus direitos foi um dos muitos factores que marcou essa evolução. Teve tam-bém uma importância significativa a actividade de prestigiados organismos internacionais como a ONU, UNEScO, OIT e a UNIcEF que coordenaram, apoiaram e produziram importantes instrumentos jurídicos de reconhecimento, consagração ou divulgação desses direitos e valores que ficam como marcos do avanço civilizacional da humanidade para os problemas es-pecíficos das pessoas com deficiência.

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estórias da históriaDia inTERnacional Da pESSoa coM DEFiciênciaMaria de Jesus Tavares

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Venceslau Muginga Francisco carinhosamente chamado de Djedoné (Deus me deu) nasceu em Luanda a 27 de Dezembro de 1982. Ainda em tenra idade, foi assolado por problemas graves de visão que o obrigaram a aban-donar os estudos. Ao lado da mãe e outros familiares, Venceslau Muginga buscou auxílio médico tanto em An-gola como no estrangeiro, mas na opinião dos médicos, as chances de recuperação da visão eram cada vez me-nores. Em 1999, conheceu a Escola do Ensino Especial Óscar Ribas, onde aos 17 anos de idade começou as au-las de iniciação ao Braïlle. Nesta altura conheceu igual-mente a Associação Nacional de Cegos e Ambliópes de Angola criada por um grupo de pessoas com problemas visuais que buscavam melhorar a sua situação através de apoios.

Aos 18 anos, Venceslau cegou na totalidade, mas deu continuidade aos estudos, tendo saído várias vezes no “Quadro de Honra”. Em 2004, ingressou no Instituto Mé-dio Normal de Educação Garcia Neto, no curso de Geo-grafia e História, tendo-o concluído em 2008. Ainda no ensino médio Venceslau disponibilizou-se para ensinar Braille aos alunos do primeiro ciclo do ensino especial e alguns ex-militares das Forças Armadas Angolanas que perderam a visão durante o conflito armado. No IMNE Garcia Neto criou a Associação dos Estudantes Cegos e Amblíopes de Angola (AECAA) que tinha como objectivo melhorar as condições de estudo das pessoas com de-ficiência visual e ajudar a inserir no sistema de ensino aqueles que ainda estavam de fora.

Em 2005, tornou-se membro activo da ANCAA - As-sociação Nacional de Cegos e Amblíopes de Angola. Com o presidente e mais outros colegas trabalhavam arduamente em busca de apoios para desenvolver os projectos da associação tendo conseguido apenas apoio da Associação Norueguesa de Cegos com a qual trabalha até hoje. Em 2013, foi eleito por unanimida-de presidente da ANCAA. Enquanto dirigente, o seu foco tem sido tornar realidade a missão da Associa-ção, que é “lutar por uma Angola mais inclusiva”, onde as pessoas com deficiência visual tenham mais oportunidades de formação e visibilidade no merca-do laboral. Para isso, tem levado a cabo projectos de alfabetização (que já beneficiaram cerca de 370 pes-soas), autonomia de renda para as mulheres com de-ficiência visual por serem duplamente discriminadas (são mulheres e deficientes) e o projecto ocular na província do Uíge, no município do Bungo, através do qual várias pessoas têm conseguido resolver de for-ma gratuita os seus problema de visão. Neste último caso, a Associação conta com a parceria da Associa-ção Norueguesa de Cegos e do Governo local.

Venceslau Muginga é licenciado em Relações Interna-cionais pela Universidade Lusíada de Angola, , tendo-se destacado como um excelente estudante. O sonho de se tornar mestre levou Venceslau a concorrer ao curso de História do Instituto Superior de Ciências de Educação tendo sido aprovado. Mas por falta de apoios, o sonho ficou, para já, adiado.

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figura em destaqueVEncESlau Muginga Florência Chimuando

Exemplo de persistência e superação na construção de uma Angola mais inclusiva onde as pessoas com deficiência visual tenham mais oportunidades...

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A Habitec é uma empresa social de produção de mobiliário escolar que se encontra na província do Huambo. Uma empresa social, além de procurar ser lucrativa, também visa alcançar objectivos sociais.

A Habitec faz parte do programa nacional de distri-buição de mobiliário escolar do Ministério da Indús-tria em parceria com o Ministério da Educação. Tem parceria com o Governo local e as Administrações para recrutamento de antigos combatentes com defi-ciências físicas para a sua reintegração na sociedade e para fornecimento de urnas, a um preço acessível, às pessoas mais carenciadas. A parceria com o Estado surgiu da necessidade de legalização da actividade.

Para além das pessoas com deficiências físicas e mentais, a Habitec também tem entre os seus funcio-nários pessoas doentes com tuberculose e sida, pro-venientes das associações Elavoco e Yove. Tem tam-bém a colaboração de outras instituições como a DW, ADRA, HABITERRA e irmãs da Igreja católica.

Em conversa com o director administrativo da em-presa, o Mosaiko Inform apurou que são poucas as instituições em Angola que assumem a sua respon-sabilidade social. Isto não se reflecte só em trabalhar com pessoas com deficiência, mas também na preo-cupação com o ambiente em si.

O processo de recrutamento das pessoas com defici-ência é especial porque começa com o conhecimento do historial da pessoa a recrutar, o que segundo o ad-ministrador da empresa “é essencial porque ajuda-nos a saber lidar com essa pessoa”. Muitas vezes são pessoas com necessidade de atenção especial espe-cífica, pessoas que se sentem excluídas, não se sen-tem capacitadas para realizar determinadas tarefas devido à deficiência que têm e a Habitec ao dar-lhes outra oportunidade consegue ajudá-las a rejuvenes-cer e dar outro ânimo as suas vidas.

Dentre as muitas histórias de pessoas com defici-ência escolhemos falar de um jovem que, apesar da deficiência mental, é um exemplo de superação. Tra-ta-se de um jovem de 25 anos que não fixa números, tem dificuldades de concentração e por causa disso não estudou. Foi inserido a título experimental no grupo de operários a realizar trabalhos de fácil exe-cução tendo em contas as dificuldades que tem. Dois anos depois, segundo o testemunho do administra-dor, este jovem é um dos mais destacados em termos de prestação de serviço, com uma produtividade alta e foi promovido em termos salariais, deixando para traz alguns dos seus colegas que não são portadores de deficiência. Desta forma, ele pode ajudar a sua fa-mília.

Este jovem nasceu no meio de uma família instável, com um pai militar que, quando bebia, fazia muita confusão. A mãe pensa que a criança nasceu com de-

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construindoExpERiênciaS DE ViDa DE pESSoaS coM DEFiciênciaMaria de Jesus Tavares

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ficiência, porque depois de nascer não chorou mais, era uma criança que só falava quando lhe solicitavam e, quando queria alguma coisa, em vez de pedir, cho-rava. Grávida de cinco meses do filho, desesperada, saltou do 1º andar do edifício onde vivia, para esca-par a uma situação de violência doméstica e, segundo ela, isto foi a causa da deficiência do filho.

A criança não teve acompanhamento, na época de guerra, a mãe não tinha como levar o filho a um es-pecialista na zona onde viviam. Todavia, reconhece que também não se motivou muito em procurar um e, à medida que o filho crescia, sentia que estava a melhorar, começou a trabalhar e a mãe não sentiu a necessidade de procurar ajuda médica.

Desde que começou a trabalhar na Habitec, o filho mudou apesar de não ter sido fácil o enquadramento. No início, alguns colegas, tendo conhecimento da sua deficiência mental, aproveitavam-se dele e apropria-vam-se do salário. Depois da intervenção da mãe, as coisas melhoraram e os colegas passaram a respei-tá-lo. É nervoso, é preciso aprender a lidar com ele, enerva-se com facilidade, principalmente, quando se apercebe que estão a gozar com ele. A mãe acredita

que depois dessa mudança se for p’ra escola o filho é capaz de assimilar.

“A relação com os colegas, não digo que é das me-lhores, mas também algumas pessoas eu digo que me dou bem com elas e outras que eu excluo mes-mo, tenho algumas pessoas mais próximas, poucas, mas que eu digo que são meus amigos e aquelas que digo que não são meus amigos, prefiro não dar con-fiança”. Começou assim o seu discurso, o jovem com deficiência mental, que ao fim de quatro anos a tra-balhar na Habitec já se sente mais valorizado, apesar de ainda se sentir rejeitado pela sociedade.

Começou a trabalhar nas máquinas, mas devido ao acidente de trabalho que lhe deixou com mais difi-culdades (a mão não fecha), o jovem foi transferido para a área de montagem de carteiras, onde segundo o próprio tem trabalhado muito bem, diz que não tem problemas. Por vezes falha, faz coisas erradas, o que é normal porque é humano. Sabe que deve trabalhar e reclama o reconhecimento de melhor trabalhador do ano. Este jovem que fala pouco mas tem certeza do que quer na vida, “aconselho os jovens que têm o mesmo problema que eu, que não fiquem parados. O mundo é rotativo, devemos entrar na sociedade e ela tem de nos aceitar como somos”. Sente-se triste porque como qualquer jovem da sua idade, sonha em ter a sua própria família, e encontrar alguém que o entenda e com quem possa construir uma vida fami-liar.

Uma outra pessoa com deficiência que partilhou a sua história com o Mosaiko

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construindoExpERiênciaS DE ViDa

DE pESSoaS coM DEFiciência

“aconselho os jovens que têm o mesmo problema que eu, que não fiquem parados. O mundo é rotativo, devemos entrar na sociedade e ela tem de nos aceitar como somos.”

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Inform é um membro de Direcção da LARDEF, ONG que tem como objectivo advogar a favor das pessoas com deficiência, trabalhando com todo o tipo de deficiência independentemente da raça, cor, sexo ou idade assim como também com pessoas sem deficiência. A LARDEF é uma associação de âmbito nacional, tem parceria com o Estado a quem, segundo este membro, a instituição, deve despertar constantemente para que perceba até aonde começam e terminam as liberdades das pessoas.

O Adérito diz que nasceu sem deficiência. Presume que tenha sido vítima de poliomielite, mas devido a falta de recursos, conhecimento da vacina e inexistência de campanhas de vacinação, os pais que naquela altura ti-nham os filhos nessa situação não tinham aonde recor-rer. As instituições de apoio a pessoas com deficiência não existiam, havia também o problema da mentalidade das pessoas, uma vez que segundo este senhor, às pes-soas com deficiência não lhes era permitido sequer fre-quentar a escola. No seu caso particular seria muito mais difícil, não andava sem o auxílio de canadianas e seria preciso alguém que o levasse e fosse buscar à escola. “A deficiência só deixa de ser um problema quando o meio

que nos envolve deixa de ser problema. Temos que compreender que o fenómeno da deficiência é novo, é um fenómeno novo em qualquer parte do mundo.”

É uma pessoa que viveu sempre na dificuldade, mas e graças aos pais que não desistiram, que o puseram a estudar e apostaram nele hoje conse-guiu chegar onde chegou. Cresceu na periferia da cidade de Luanda, os amigos e as brincadeiras fi-zeram parte da sua infância. Para o Adérito, a cons-ciência deve partir da comunidade, se as pessoas da e na comunidade perceberem que a pessoa com deficiência é um cidadão normal como outro qualquer, vai ser possível a interacção, vão achar

construindoExpERiênciaS DE ViDaDE pESSoaS coM DEFiciência

A deficiência só deixa de ser um problema quando o meio que nos envolve deixa de ser problema. Temos que compreender que o fenómeno da deficiência é novo.

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um membro da família com deficiência. Esta parte da história ficou para trás. As pessoas com deficiência foram-se mostrando em todo o mundo como pessoas capazes. Em Angola, há pessoas com deficiência for-madas e muito capazes para estar nos diversos sec-tores da vida nacional e para auxiliar o Executivo que tem responsabilidade acrescida neste campo, quan-do assina e ratifica a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Temos um país a crescer e onde está a pessoa com deficiência, a criança, a mulher rural? Em momento algum se pode falar da erradicação da pobreza sem incluir na agenda a te-mática da deficiência. O Estado deverá abrir-se mais e, principalmente, dar oportunidades aos projectos para pessoas com deficiência. É melhor que sejam as associações a colocar os projectos em prática, o Esta-do deve monitorar estes processos e procurar meca-nismos para o efeito junto das associações, fazer com que elas sejam instituições de utilidade pública com o fim de serem parceiras reais do Estado na resolução dos problemas ligados à deficiência.

As pessoas com deficiência devem acreditar em si mesmas, mudar as atitudes e conhecer quais são os seus direitos porque isso é muito importante para os poderem reclamar e exigir.

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construindoExpERiênciaS DE ViDa

DE pESSoaS coM DEFiciência

normal, que foi o que se passou com ele. Quando criança gostava de jogar à bola e os amigos permi-tiam que jogasse com eles, quando tivesse dificul-dades os amigos ajudavam-no. Depois de concluir o ensino pré universitário no PUNIV, começou a trabalhar na Rádio Nacional de Angola, o sonho de infância era ser locutor de rádio, conta o Adérito ao mesmo que explica como começou”quando os meus amigos jogavam, chegou uma altura que eu compreendi que não podia jogar com eles, então comecei a fazer os relatos do jogo.” Concorreu para um curso de operador de som com mais de 300 candidatos, ficou entre os 80 pré -selecciona-dos e por fim acabou entre os 20 jovens que foram escolhidos para integrar o curso na Rádio Escola e, posteriormente, fazer o estágio já na Rádio Nacio-nal. Como gostava e percebia de música, já tinha sido animador de festas, não foi difícil integrar-se no trabalho de animação, nas cabinas. Competen-te, empenhado e dinâmico no que fazia foi nome-ado 1º Chefe de Secção e depois Chefe de Sector, função que exerce actualmente. Em 2013, foi co-mentarista do campeonato de basquetebol em ca-deiras de rodas que se realizou no país. Já jogou basquetebol em cadeira de rodas e é membro do comité para-olímpico. “Estou na rádio há 30 anos. Muito do que sou hoje é graças ao meu empenho, não é fácil uma pessoa com deficiência chegar e se impor, foi muito difícil por causa dos tabus. As pessoas não compreendiam.”

No passado, as pessoas com deficiência tinham imensas dificuldades, não tinham acesso ao ensi-no, eram escondidas em casa porque as famílias tinham vergonha que se soubessem que tinham

As pessoas com deficiência devem acreditar em si mesmas, mudar as atitudes e conhecer quais são os seus direitos porque isso é muito importante para os poderem reclamar e exigir.

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Neste espaço, entrevistamos o professor Jorge Pedro, licenciado em ciências da Educação é, actualmente, Director Geral do Instituto Nacional da Educação Especial

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entrevistajoRgE pEDRo

Maria de Jesus TavaresDIREcTOR NAcIONAL DA EDUcAçãO ESPEcIAL

Enquanto Director geral da Educação Especial qual é a sua experiência de trabalho na área?

A minha experiencia como Director Geral do Instituto Nacional de Educação Especial é o processo de longos anos de trabalho (trinta e seis, para ser exacto) como docente e como quadro de direcção em várias insti-tuições de ensino.

Mas devo destacar aqui a minha passagem pelo Cen-tro de Diagnostico e Orientação Psicopedagógico como técnico, pela Direcção Provincial da Educação de Luanda, como responsável da área de Educação Especial e mais tarde como Director Geral Adjunto do Instituto do qual hoje sou Director Geral.

A experiência acumulada ao longo desse tempo me permite hoje conhecer a fundo a área que dirijo, os seus problemas, bem como desenhar e conceber ins-trumentos que contribuam para a solução dos mes-mos.

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Qual é o papel da instituição que dirige na inclusão das pessoas com deficiência?

O Instituto Nacional de Educação Especial tem como objectivo social atender, orientar, acompanhar, for-mar e apoiar a inclusão sócio-educativa e familiar das crianças, jovens e adultos, com necessidades educa-tivas especiais.

Quantas Escolas ou centros de formação existem no país e em que zonas?

O País conta com dezassete Escolas Especiais e seis-centas escolas regulares que incluem crianças com necessidades educativas especiais.

É importante aclarar aqui que, para além das escolas inclusivas, as províncias sem escolas especiais têm salas especiais, uma vez que o atendimento é feito

em três modalidades, a saber: escolas especiais, sa-las especiais em escolas regulares ou do ensino geral e alunos com necessidades educativas especiais em salas regulares.

Os números acima, embora ainda insuficientes, tra-duzem o esforço do Executivo em aumentar cada vez mais a rede de escolas que atende crianças com NEE - Necessidades Educativas Especiais.

Outro esforço gigantesco tem sido feito na aquisição de material e equipamento especial na formação de professores, sem os quais o atendimento especializa-do seria um fracasso. O Ministério da Educação tem investido somas avultadas nessas duas componentes pois que a educação especial e inclusiva não é barata.

a que tipos de deficiências respondem estas escolas de formação?

Em Luanda, existem escolas específicas para de-terminadas deficiências ou categorias diagnósticas como é o caso da Óscar Ribas, no distrito da Maian-ga, vocacionada para crianças cegas e amblíopes e o complexo do Ensino Especial, no distrito do Rangel, para surdos e hipoacústicos (baixa audição) e pesso-as com deficiência mental. Nas demais províncias, as escolas incluem todo tipo de deficiência.

entrevistajoRgE pEDRo

DIREcTOR GERAL DO INSTITUTO NAcIONAL DA EDUcAçãO ESPEcIAL

O Instituto Nacional de Educação Especial tem como objectivo social atender, orientar, acompanhar, formar e apoiar a inclusão sócio-educativa e familiar das crianças, jovens e adultos, com necessidades educativas especiais.

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Quantas pessoas com deficiência frequentam as es-colas e até que nível de ensino?

Até ao momento estão controlados vinte oito mil e quatrocentos e trinta e nove alunos com deficiência, distribuídos desde os níveis pré-escolares ao ensino superior. Por isso dizemos que a Educação Especial é uma modalidade transversal a todos os sub-sistemas de ensino.

Quantas escolas deveriam existir em angola para responder as necessidades das pessoas com defici-ências?

Quantas forem necessárias, porque o número de crianças com deficiência sempre aumenta todos os dias. Mas ao mesmo tempo devemos continuar a po-tenciar todas as escolas regulares para que pouco a pouco se vão transformando num ambiente escolar inclusivo; e quando falo de potenciar me refiro ao combate às barreiras atitudinais e arquitectónicas, à formação dos professores e outro pessoal e à atribui-ção de equipamento e material especifico.

Quais são os critérios de acesso às escolas do ensino especial?

As orientações no âmbito da inclusão escolar são de que todas as crianças sem excepção devem ser matri-culadas de forma normal em qualquer escola do seu nível de escolaridade.

Logo após a matrícula, deve começar então o proces-so de identificação ou diagnóstico e posterior acom-panhamento pelos professores e outros técnicos for-mados para o efeito.

Em relação ao número de pessoas com deficiência em angola que percentagem tem acesso ao ensino especial?

O MED - Ministério da Educação não controla as es-tatísticas da população angolana com deficiência, por existirem outras instituições vocacionadas para o efeito.

Qual é a relação do instituto nacional de Educação Especial com as associações de pessoas com defici-ência e outras organizações da sociedade civil?

As relações do Instituto Nacional de Educação Espe-cial com a associações de e para pessoas com defici-ência é boa. Nós atribuímos importância vital às as-sociações, federadas na FAPED ou não, pois que eles tem um lema: “Nada para nós sem nós”. Esse lema ex-pressa numa grande verdade já que a ferida dói mais a quem a tem. É por isso que procuramos e devemos todos andar de mãos dadas com as associações.

Qual é o nº de pessoas com deficiência que frequen-tam o ensino especial em angola e quais são as defi-ciências mais recorrentes?

O Instituto Nacional de Educação Especial tem con-trolado até 2014 um total de 28.438 alunos sendo a deficiência com maior número a auditiva, seguida da intelectual e visual, respectivamente.

angola ratificou a convenção sobre os Direitos das pessoas com Deficiência, assim como o protocolo fa-cultativo, em Dezembro de 2012, para além de apro-var legislação nacional específica sobre as pessoas com deficiência. Em que medida estes instrumentos se observam na vida dos angolanos com deficiência?

entrevistajoRgE pEDRoDIREcTOR GERAL DO INSTITUTO NAcIONAL DA EDUcAçãO ESPEcIAL

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Eu não sou a pessoa mais indicada para abordagem dessa temática na medida em que existem altas enti-dades do nosso país envolvidas nesse processo.

Tenho sim conhecimento da existência do Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência integrando vá-rios Departamentos Ministeriais e Associações de e para pessoas com deficiência. Esse Conselho traça políticas, planos e programas e, supervisiona o seu cumprimento.

Qual tem sido o envolvimento das famílias no acom-panhamento às pessoas com deficiência?

Já houve tempos em que de forma quase generalizada a discriminação começava mesmo no seio da família, passando para as escolas e a sociedade. Mas isso era, em parte, consequência da falta de informação.

Qual tem sido o envolvimento das famílias no acom-panhamento às pessoas com deficiência?

Hoje com as campanhas de informação com a ajuda da imprensa, esses tempos estão ficando cada vez mais atrás. As pessoas, hoje, mesmo aquelas que não

têm algum familiar com deficiência, estão ganhando um maior nível de consciencialização sobre a defici-ência.

como é que o Estado angolano apoia estas famílias?

Aqui me refiro apenas a população escolar com ne-cessidades educativas especiais porque os demais estão sob a tutela de outras instituições, como já re-feri anteriormente.

E com relação à população com necessidades edu-cativas especiais, o Executivo através do MED traçou uma série de políticas cuja execução tem reduzido o número de crianças com NEE fora do sistema de ensino, bem como o acompanhamento dos mesmos através da formação e capacitação de professores em matéria de Atendimento Educativo Especializado e nos métodos de elaboração de programas educativos individuais e adaptação curricular, tendo em conta a especificidade de cada deficiência.

Quais considera serem hoje os principais desafios para uma maior inclusão das pessoas com deficiência na sociedade angolana?

Os maiores desafios para uma inclusão efectiva é de facto a continuação das campanhas de informação e sensibilização para reduzir as barreiras atitudinais e arquitectónicas, continuar a preparar as escolas re-gulares para a expansão dos serviços de educação escolar; continuar com estudos de investigação para a adopção de métodos cada vez mais adequados e eficientes no tratamento diferenciado de cada defi-ciente a formação inicial e contínua dos professores e a aquisição de material e equipamento específico.

Que recomendações faz aos diferentes actores so-ciais para melhorar a situação das pessoas com de-ficiência?

Necessitamos todos de uma consciencialização e sensibilidade cada vez mais crescentes no tratamen-to dessa matéria. Devemos todos juntos de mãos dadas nos entregarmos a essa nobre causa certos de que qualquer um de nós é candidato potencial à deficiência. Juntos seremos vencedores.

entrevistajoRgE pEDRo

DIREcTOR GERAL DO INSTITUTO NAcIONAL DA EDUcAçãO ESPEcIAL

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Os maiores desafios para uma inclusão efectiva é, de facto, a continuação das campanhas de informação e sensibilização para reduzir as barreiras atitudinais e arquitectónicas, continuar a preparar as escolas regulares para a expansão dos serviços de educação escolar; continuar com estudos de investigação para a adopção de métodos cada vez mais adequados e eficientes no tratamento diferenciado de cada deficiente a formação inicial e contínua dos professores e a aquisição de material e equipamento específico.

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FacToRES QuE FaVoREcEM a incluSao ou ExcluSão DaS pESSoaS coM DEFiciência Paulo Máquina

Angola ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assim como o Protocolo Fa-cultativo, em Dezembro de 2012. A Constituição da República reflecte, no seu artigo 83º, a preocupação em relação às pessoas com deficiência, assumindo o apoio devido a elas e suas famílias. De modo espe-cífico, criou a lei da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 21/12, de 30 de Julho) e o Conselho Nacional da Pes-soa com Deficiência, um órgão de consulta e concer-tação para a execução das tarefas estabelecidas na Política Nacional das Pessoas com Deficiência.

A OMS define “deficiência” como sendo o substanti-vo atribuído a toda a perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anató-mica. Por seu turno, a lei supra citada define a Pessoa com deficiência como sendo aquela que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de fun-ções psicológicas, intelectuais, fisiológicas, anatómi-cas ou de estrutura de corpo, apresente dificuldades susceptíveis de, em conjugação com outros factores do meio, lhe limitar ou dificultar as actividades e a participação em condições de igualdade com as de-mais pessoas… causando dificuldades a nível da loco-moção, percepção, pensamento ou relação social.

A trajectória histórica revela que as pessoas com de-ficiência sempre foram marginalizadas, vivendo num verdadeiro “apartheid social”, sendo vítimas da pró-pria deficiência e da exclusão social. Infelizmente, a “evolução” das sociedades não foi suficiente para afastar a exclusão e as dificuldades por elas vividas. Em Angola estima-se que o número de pessoas com deficiência atinge cerca de 10% da população e que o MINARS “controla” cerca de 90 mil, maioritariamente pessoas com deficiência física. Cinquenta por cento destas estão em idade activa de trabalho.Apesar de alguns avanços verificados na sua inclusão, sobretudo, a nível da formação técnico-profissional, emprego e habitação, elas continuam a serem exclu-ídas em vários aspectos. Os princípios definidos pela Lei da Pessoa com Deficiência, sobretudo o da não discriminação é fortemente atropelado, pondo em causa os demais princípios. Entre os factores de ex-clusão mais comuns, identificamos os seguintes:

w A exclusão escolar, como um dos maiores, se-não o maior factor de exclusão das pessoas com deficiência no nosso país, pois, entenden-do a educação como direito que potencializa a realização dos demais direitos, ela é negada a milhares de cidadãos com deficiência.

w As atitudes de rejeição ou preconceituosas da sociedade, que criam barreiras sociais e físi-cas que dificultam o processo de integração. Provavelmente deve-se ao facto da sociedade possuir um modelo de sociedade dos iguais, dos “perfeitos”, dos fictícios onde as diferenças não têm lugar. Nela, as pessoas com deficiên-cia são vistas como diferentes.

w A inacessibilidade aos serviços básicos de qua-lidade, como a saúde, educação e formação técnico-profissional, protecção social e habita-

reflectindo

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reflectindoFacToRES QuE FaVoREcEM a

incluSao E ExcluSão DaS pESSoaS coM DEFiciência na SociEDaDE

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ção. A própria acessibilidade física é um dos factores de exclusão.

É importante haver políticas e estratégias que compensem, de certo modo, as limitações e/ou impossibilidade a que as pessoas com deficiência estão sujeitas. Neste sentido consideremos os se-guintes factores de inclusão social:

w educação inclusiva, através da construção de escolas para todos e para cada um. Neste sentido, dividir a escola em termos de alu-nos “normais” e alunos com “deficiência” não é certamente um princípio inclusivo. Penso ser este o espírito do conteúdo con-sagrado no artigo 14.º da lei supracitada (o direito de acesso a ajudas técnicas), onde o Estado é instado a adoptar políticas espe-cíficas para pessoas com deficiência. Estas não podem ser medidas segregacionistas. As chamadas salas de inclusão no sistema normal de ensino deve ser uma realidade.

w Acessibilidade física ou a remoção de obstácu-los e barreiras em equipamentos e serviços.

w A criação e disponibilização de dispositi-

vos que facilitam a mobilidade e orientação e a acessibilidade tecnológica na promoção do acesso à comunicação. Aqui, as Universidades jogam um papel fundamental através do seu papel de pesquisa e investigação.

w A garantia do trabalho às pessoas com defi-ciência com habilitação e reabilitação, como, por exemplo, acontece com a lei das cotas que reserva determinada percentagem de acesso a empregos ou ao sistema de ensino às pessoas com deficiência.

Portanto, numa sociedade de “perfeitos” ou de apa-rências, a pessoa com deficiência é ignorada e exclu-ída, estando confinada no seu próprio mundo. É ur-gente construir uma sociedade onde as pessoas com deficiência frequentem a escola, saiam à rua, brin-quem, vivam suas vidas de modo “normal”. Por isso, devemos preocupar-nos com a sua situação actual no sentido de não permitir que o desenvolvimento da sociedade continue a excluí-las da participação acti-va na vida familiar e social. E isso é garantidamente possível através do aprofundamento de uma educação inclusiva.

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ToDoS TEMoS uM conTRibuTo a DaR paRa a incluSão DaS pESSoaS coM DEFiciência Raquel Pereira da Camara

A maioria das pessoas e das sociedades têm dificul-dade em lidar com o que é “diferente”. Como a dife-rença incomoda, tende-se a não falar sobre ela e a fingir que ela não está lá. As pessoas com deficiência são uma realidade e o primeiro passo para sua inclu-são é aceitar que a deficiência existe.

Incluir as pessoas com deficiência é criar para elas as mesmas oportunidades que os outros cidadãos têm na sociedade, é conferir-lhes a mesma dignidade como pessoa. Para que isso possa acontecer é necessário uma atitude pró-activa, é necessário tomar decisões concretas pois caso nada se faça, as pessoas com de-ficiência são deixadas à margem da sociedade.

A inclusão social de pessoas com deficiência é tam-bém, por isso, uma questão de políticas públicas. É necessário que o Estado dê o exemplo através da cria-ção de leis e a tomada de medidas administrativas que modifiquem as estruturas e serviços oferecidos, conforme as necessidades de adaptação específicas

de cada pessoa com deficiência para que estas pos-sam interagir naturalmente na sociedade como as restantes pessoas.

A ação do Estado poderá assumir diferentes formas e abranger diferentes áreas. Designadamente, dar in-centivos ao emprego, quer através do estabelecimen-to de quotas para pessoas com deficiência no acesso à função pública, quer através da atribuição de be-nefícios fiscais a empresas que contratem pessoas com deficiência; atribuir subsídios às famílias que aceitem acolher pessoas com deficiência; promover e apoiar escolas que integrem pessoas com deficiên-cia; lançar programas de formação de técnicos para apoiarem pessoas com deficiência; criar regulamen-tos que permitam a circulação de pessoas nas ruas; criar regulamentos que obriguem os edifícios que estão a ser construídos a terem acessibilidades para pessoas com deficiência; subsidiar cadeiras de rodas, canadianas, camas articuladas, aparelhos auditivos, treino de cães-guia, etc.

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Incluir as pessoas com deficiência é criar para elas as mesmas oportunidades que os outros cidadãos têm na sociedade, é conferir-lhes a mesma dignidade como pessoa. Para que isso possa acontecer é necessário uma atitude pró-activa, é necessário tomar decisões concretas pois caso nada se faça, as pessoas com deficiência são deixadas à margem da sociedade.

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volvimento de todas estas entidades maior será a sua legitimidade para exigir a intervenção do Estado.

O reconhecimento da dignidade da pessoa com de-ficiência é feito ainda a nível internacional com a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiên-cias, que entrou em vigor em 2007, que foi ratifica-da por Angola em 2012, e com a instituição do Dia Mundial da Pessoa com deficiência, celebrado no dia 3 de Dezembro. Tanto a União Africana como a SADC têm manifestado preocupações com as pessoas com deficiências, promovendo reuniões e estabelecendo protocolos que levem os países envolvidos a adoptar medidas que conduzam à inclusão de pessoas com deficiência na sociedade.

A Convenção vem estabelecer a igualdade e a não dis-criminação das pessoas com deficiência, ou seja, elas têm direito ao mesmo respeito e dignidade do resto da humanidade e também têm direito a um ajusta-mento de sua diferença para permitir a sua inclusão e participação na sociedade. As pessoas com deficiên-cia devem, por isso, ser consideradas iguais perante a lei e assim podem e devem exercer os seus direitos como as outras pessoas. Reconhece-se a sua autono-mia mas com apoio, sempre que tal seja necessário. Mas essa necessidade de apoio mais direta deve ser vista como interdependência humana e não como ex-pressão da sua incapacidade.

O reconhecimento internacional e nacional que tem vindo a ser feito das pessoas com deficiência vem re-velar que a deficiência é um conceito que tem evo-luído ao longo dos tempos. No entanto, é necessário sublinhar que muito está por fazer e que depende de todos a conscientização sobre o valor, as capacidades e o contributo que as pessoas com deficiência podem dar à sociedade.

Cabe a cada um de nós promover o respeito pelos di-reitos e pela dignidade das pessoas com deficiência, assim como combater estereótipos e preconceitos em relação a pessoas com deficiência, em todas as áreas da vida. Só assim, as pessoas com deficiências podem sentir, tal como as outras pessoas, que têm verdadeiramente um lugar na sociedade.

Embora a ação do Estado seja determinante, a in-clusão de pessoas com deficiência, deverá ser pro-movida por toda a sociedade, por cada um de nós, pelas empresas, pelas organizações da sociedade civil, pelas igrejas. Quanto maior for empenho e en-

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reflectindoToDoS TEMoS uM conTRibuTo

a DaR paRa a incluSão DaS pESSoaS coM DEFiciência

Cabe a cada um de nós promover o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência, assim como combater estereótipos e preconceitos em relação a pessoas com deficiência, em todas as áreas da vida.

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Decorreu em Viana, entre os dias 25 e 29 de Agosto o II Módulo do ciclo de Formação Jurídica Básica para membros de Grupos Locais de Direitos Humanos (GLDH). Este módulo visa capacitar os participantes de conhecimentos básicos relacionado as questões de família que mais preocupam as comunidades, bem como partilhar as diversas experiências de mediação de conflitos de natureza familiar.

A actividade facilitada pelo Mosaiko | Instituto para a Cidadania, congregou líderes dos diversos Grupos Locais de Direitos Humanos (Núcleo Dinamizador dos Direitos Humanos do Cubal; Associação Y.O.V.E; Sub Núcleo da Ganda - Benguela; Associação Verdade, Justiça e Paz do Uíge, Comissão Mista dos Direitos Humanos, Ndalatando, Samba Cajú, Ambaca e Kikulungo - Kwanza Norte; Comissão de Justiça e Paz da Gabela - Kwanza Sul; Comissão de Justiça e Paz do Dundo - Lunda Norte; Núcleo dos Direitos Humanos da Matala, Jamba e Kapelongo – Huíla).

A equipa do Mosaiko esteve constituída pelos assessores em direitos humanos António Ebo, Francisca Maria Imaculada, Hermenegildo Teotónio e pelo Osvaldo Tomás no apoio logístico.

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brevesMOSAIKO ORGANIZA FORMAÇÃO JURIDICA BÁSICA SOBRe DIReItO De FAMílIA

ConstruindoCidadania

Rádio Ecclesia | 97.5 FMSábado às 08H30 e Domingos às 22H00

Agora também pode ouvir nos canais rádio da Zap e DSTV

O Mosaiko | Instituto para a Cidadania em colaboração com o ICRA - Instituto de Ciências Religiosas de Angola, da província do Namibe, facilitou entre os dias 28 de Julho a 1 de Agosto do corrente ano, uma formação sobre Direitos Humanos e Cidadania, na sala de conferências do referido instituto, em que participaram 78 estudantes finalistas.

A formação teve como objectivo capacitar os jovens finalistas com conhecimentos sobre a promoção e defesa dos Direitos Humanos. Na abordagem dos temas tiveram em atenção questões como a caminhada histórica dos Direitos Humanos, os Direitos Civis e Políticos, Direitos Económicos Sociais e Culturais, Garantia e Instituições Defensoras dos Direitos Humanos.

A equipa do Mosaiko que facilitou esta formação foi composta por Djamila Ferreira (Assessora de Direitos Humanos), Francisca Imaculada (Assessora de Direitos Humanos) e frei Mário Rui (Director Administrativo). O seminário foi encerrado com missa celebrada por D. Dionísio Hissilenapo, bispo da Diocese do Namibe, na sala de conferências onde decorreu a actividade.

MOSAIKO FACIlItA SeMINÁRIO De FORMAÇÃO SOBRe DIReItOS HUMANOS NO NAMIBe