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MUSEUS DE COMUNIDADE

Manual de apoio à gestão

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Título Museus de Comunidade: Manual de Apoio à Gestão

Autores Luís Mota Figueira, Dina Ramos

Prefácio Carlos Costa Design Diogo Ramos

Paginação António Deus, Dina Ramos

Capa Detalhe da pintura de acrílico sobre tela de Luís Mota “Olhares cruzados” 2016 Editora UA Editora Universidade de Aveiro Serviços de Biblioteca, Informação Documental e Museologia

1ª edição – março 2019

ISBN 978-972-789-598-4

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Prefácio

A valorização da experiência, dos lugares, dos recursos locais e das comunidades enquanto promotores de destinos turísticos é uma das tendências atuais do setor turístico. O Novo Mundo que tem emergido, ao longo das últimas décadas, tem ainda a caraterística da descoberta de um novo paradigma civilizacional, onde se valorizam os valores relacionais, as produções artesanais e a Cultura Local. É neste contexto que as preservações da cultura, das tradições e dos saberes endógenos assumem um papel relevante como atrativo turístico. Quem procura conhecer os lugares, procura vivenciá-los e deixar-se seduzir de forma genuína nos seus territórios e no conhecimento da cultura local. Neste contexto os museus de comunidade assumem um lugar de relevo na preservação da identidade das pessoas, da etnografia e dos seus próprios territórios.

O manual aqui apresentado oferece um contributo valioso no apoio à gestão deste tipo de museus e visa responder a questões práticas dos seus promotores, nomeadamente as associações ou as entidades privadas que os promovem.

O livro “Museus de Comunidade – Manual de apoio à gestão” oferece um contributo de apoio à gestão dos museus de comunidade. O manual encontra-se organizado em 18 capítulos, e foi redigido por dois autores. A sua estrutura vai ao encontro das necessidades concretas dos não-museólogos e promove a relação entre o conhecimento popular ou tácito e o conhecimento académico baseado numa bibliografia base de orientação sobre o tema e experiência sobre este domínio.

Por todas estas razões consideramos relevante e recomendamos a sua leitura, bem como a sua utilização como manual de referência para os Museus de Comunidade e para todos os Técnicos, Académicos, Estudantes e Investigadores que trabalham nesta área.

Carlos Costa

Professor Catedrático da Universidade de Aveiro

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Notas Biográficas

Luís Mota Figueira

Professor Coordenador, Instituto Politécnico de Tomar, Unidade Departamental de Ciências Sociais. Membro integrado do GOVCOPP- Universidade de Aveiro- Grupo de Turismo e Desenvolvimento. Diretor do Cespoga – Centro de Estudos Politécnicos da Golegã (desde2007) e do L-Tour.ipt Laboratório de Turismo, do Instituto Politécnico de Tomar (desde 2015). Diretor Técnico do Museu Agrícola de Riachos (desde 1994) e Casa Memorial Humberto Delgado de Brogueira (desde 2010). Colaborador dos Jornais “Novo Almourol” (coluna “Roteiro do Tejo”, desde 12- 2010) e “O Riachense”, (coluna “Museu e Comunidade”, desde 03- 2016). Docente: Mestrado em Técnicas de Arqueologia - Master Erasmus Mundus of Cultural Landscape; da Licenciatura Gestão Turística e Cultural; do Mestrado em Desenvolvimento de Produtos de Turismo Cultural e do

Mestrado Europeu em Arqueologia Pré-Histórica e Arte Rupestre.

Dina Ramos

Professora Auxiliar convidada da Universidade de Aveiro. Investigadora de pós-doutoramento da Universidade de Aveiro - projeto CeNTER. Doutora em Turismo e Suficiência. Investigadora em “Novos recursos e Sustentabilidade em Turismo” pela Universidade de Salamanca (Espanha). Licenciada em Gestão. Coordenadora do projeto Gândara TourSensations, um modelo integrado de desenvolvimento local de Turismo Costeiro em Zonas Rurais na Região Centro de Portugal – projeto financiado pelo Turismo de Portugal. Investigadora do grupo de investigação em zonas costeiras da Universidade de Aveiro e membro Integrado da unidade de investigação em governança, competitividade e políticas públicas (GOVCOPP) na Universidade de Aveiro.

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Nota dos autores

O livro que agora é editado resulta de um trabalho que se pretende orientado para apoio à gestão de museus de comunidade. Por isso, o título “MUSEUS DE COMUNIDADE: MANUAL DE APOIO À GESTÃO” faz jus a este objetivo principal. O livro organiza-se em 18 capítulos que tentam responder a questões práticas que todos os promotores não-museólogos ou pouco familiarizados com este meio específico do domínio da Cultura procuram quando inseridos, por exemplo, em grupos associativos ou que por iniciativa própria tentam criar um museu. A lógica de estruturação das matérias inseridas obedece a enquadramentos bibliográficos que fizeram parte da revisão de literatura conjugada com a experiência dos autores tanto em domínio museológico como turístico. Estes são outros objetivos alcançados neste exercício. Acreditam os autores que a ligação virtuosa que acontece, desde sempre, entre viagens e fruições naturais e culturais, aproximou, histórica e incontornavelmente, a Cultura e o Património, da Viagem e do Turismo, nomeadamente cultural. O conjunto escrito pretende também cumprir o objetivo de revelar essas dimensões. Assim, a distribuição dos capítulos é a seguinte: Capítulo 1. Museus de iniciativa local e museologia popular; Capítulo 2. As práticas dos museus de iniciativa comunitária; Capítulo 3. A gestão do património cultural no museu de comunidade; Capítulo 4. A criação do museu pela comunidade; Capítulo 5. A recolha de peças e a constituição do acervo; Capítulo 6. Operacionalização nos museus de comunidade; Capítulo 7. A localização e sua influência na função social do museu; Capítulo 8. A adaptação ou criação do espaço arquitetónico para o museu; Capítulo 9. Das instalações como espaço de trabalho museal; Capítulo 10. A ordenação das peças: importância da constituição de coleções; Capítulo 11. As coleções e sua exploração turístico-cultural; Capítulo 12. A distribuição das coleções e o plano museográfico possível; Capítulo 13. Envolvimento da comunidade; Capítulo 14. A investigação e desenvolvimento do projeto museológico; Capítulo 15. O museu e a comunidade envolvente: alinhamentos e desvios; Capítulo 16. A conservação e restauro numa perspetiva museológica; Capítulo 17. O museu e o turismo cultural; Capítulo 18. Esboço preliminar sobre o futuro do museu de comunidade: reflexões. Cada capítulo é composto por uma introdução, uma síntese para melhor memorização da matéria tratada, e sugestões de leitura, que consistem em sinopses sobre cada obra integrada como leitura recomendada. Por razões de natureza didática, as notas de rodapé são enriquecidas com informações mais detalhadas que enriquecem o texto geral, contribuindo para que o(a) Leitor(a) possa alargar a sua pesquisa com benefícios para si e para a gestão dos seus problemas museológicos mais básicos. Compreender os contornos de criação e de gestão básica dos museus de comunidade é outro objetivo pretendido. A experiência profissional dos autores e a visão conjunta que esta obra acabou por proporcionar a ambos estão vertidas, pois, num texto que, como se refere na introdução geral, coloca mais questões do que respostas, e que se pretende que seja lido como apoio para a museologia de proximidade promovida e desenvolvida nos museus de comunidade.

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Índice de Conteúdos & Ilustrações

= i =

Índice de Conteúdos

Introdução .............................................................................................................................. 1

Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular .......................................................... 3

1.1 Introdução................................................................................................................. 5

1.2 A história do museu e os museus de iniciativa popular .................................................... 6

1.2.1 A proposta de apoio à gestão de museus locais ..........................................................15

1.3 Síntese ....................................................................................................................20

1.4 Sugestões de leitura ..................................................................................................20

Capítulo 2 - As práticas dos museus de iniciativa comunitária .......................................................23

2.1 Introdução................................................................................................................25

2.2 O trabalho de voluntariado no museu local ...................................................................28

2.3 Síntese ....................................................................................................................30

2.4 Sugestões de leitura ..................................................................................................30

Capítulo 3 - A gestão do património cultural no museu de comunidade ..........................................35

3.1 Introdução................................................................................................................37

3.2 A gestão do acervo em função da sua dimensão e caraterística geral ...............................38

3.3 Síntese ....................................................................................................................41

3.4 Sugestões de leitura ..................................................................................................41

Capítulo 4 - A criação do museu pela comunidade .......................................................................47

4.1 Introdução................................................................................................................49

4.2 Problemática museológica e museográfica ....................................................................50

4.3 Esquema explicativo ..................................................................................................59

4.4 Síntese ....................................................................................................................60

4.5 Sugestões de leitura ..................................................................................................61

Capítulo 5 - A recolha de peças e a constituição do acervo ...........................................................65

5.1 Introdução................................................................................................................67

5.2 Enquadramento técnico dos procedimentos ..................................................................67

5.3 Síntese ....................................................................................................................71

5.4 Sugestões de leitura ..................................................................................................72

Capítulo 6 - Operacionalização nos museus de comunidade ..........................................................77

6.1 Introdução................................................................................................................79

6.2 Da recolha à fruição dos objetos expostos: estruturação ................................................81

6.2.1 A Confiança ...........................................................................................................82

6.2.2 Cumplicidade cultural .............................................................................................83

6.2.3 A Relação Museu-Doadores .....................................................................................84

6.2.4 A Relação Museu-Investigadores ..............................................................................84

6.2.5 A Técnica de Registo ..............................................................................................85

6.2.6 A Relação Museu-Público Visitante ...........................................................................87

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Índice de Conteúdos & Ilustrações

= ii =

6.2.7 A Capacidade de Inovação ......................................................................................87

6.3 Síntese ....................................................................................................................88

6.4 Sugestões de leitura ..................................................................................................89

Capítulo 7 - A localização e sua influência na função social do museu ............................................91

7.1 Introdução................................................................................................................93

7.2 A relevância dos acessos ............................................................................................93

7.3 Síntese ....................................................................................................................94

7.4 Sugestões de leitura ..................................................................................................95

Capítulo 8 - A adaptação ou criação do espaço arquitetónico para o museu ....................................97

8.1 Introdução................................................................................................................99

8.2 Sobre a expansão dos espaços expositivos ...................................................................99

8.3 Síntese .................................................................................................................. 101

8.4 Sugestões de leitura ................................................................................................ 101

Capítulo 9 - Das instalações como espaço de trabalho museal .................................................... 103

9.1 Introdução.............................................................................................................. 105

9.2 A espacialidade como possibilidade e limite ................................................................ 105

9.3 Síntese .................................................................................................................. 108

9.4 Sugestões de leitura ................................................................................................ 108

Capítulo 10 - A ordenação das peças: importância da constituição de coleções ............................. 111

10.1 Introdução.............................................................................................................. 113

10.2 O sentido de cada coleção e sua integração no conjunto ............................................... 113

10.3 Síntese .................................................................................................................. 115

10.4 Sugestões de leitura ................................................................................................ 115

Capítulo 11 - As coleções e sua exploração turístico-cultural ....................................................... 123

11.1 Introdução.............................................................................................................. 125

11.2 Museologia e Turismo .............................................................................................. 125

11.2.1 Visitação e notoriedade do museu ....................................................................... 128

11.2.2 Interação e construção museográfica de base comunitária ..................................... 129

11.3 Síntese .................................................................................................................. 134

11.4 Sugestões de leitura ................................................................................................ 134

Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano museográfico possível .................................... 137

12.1 Introdução.............................................................................................................. 139

12.2 Arquitetura e condicionantes ..................................................................................... 139

12.3 A exposição permanente .......................................................................................... 141

12.4 As exposições temporárias ....................................................................................... 142

12.5 A interpretação no museu......................................................................................... 148

12.6 As visitas guiadas .................................................................................................... 151

12.7 As visitas correntes ................................................................................................. 152

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Índice de Conteúdos & Ilustrações

= iii =

12.8 A organização e funcionamento do museu .................................................................. 153

12.9 Síntese .................................................................................................................. 155

12.10 Sugestões de leitura ............................................................................................. 155

Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade .............................................................................. 157

13.1 Introdução.............................................................................................................. 159

13.2 Programação sob a visão de desenvolvimento territorial de base comunitária ................. 159

13.3 Os eventos e o seu planeamento ............................................................................... 161

13.4 Os aspetos administrativos ....................................................................................... 162

13.5 A função social do museu na comunidade ................................................................... 163

13.6 Síntese .................................................................................................................. 166

13.7 Sugestões de leitura ................................................................................................ 167

Capítulo 14 - A investigação e desenvolvimento do projeto museológico ...................................... 171

14.1 Introdução.............................................................................................................. 173

14.2 O problema da investigação ...................................................................................... 174

14.3 A divulgação e a comunicação ................................................................................... 175

14.4 As parcerias externas ............................................................................................... 177

14.5 O papel do museu no desenvolvimento local ............................................................... 178

14.6 Síntese .................................................................................................................. 180

14.7 Sugestões de leitura ................................................................................................ 180

Capítulo 15 - O museu e a comunidade envolvente: alinhamentos e desvios ................................ 185

15.1 Introdução.............................................................................................................. 187

15.2 O desenho do projeto museológico ............................................................................ 188

15.3 Atores sociais no museu ........................................................................................... 190

15.4 A pedagogia do património cultural ............................................................................ 191

15.5 O papel do museu na educação cívica ........................................................................ 192

15.6 Síntese .................................................................................................................. 193

15.7 Sugestões de leitura ................................................................................................ 194

Capítulo 16 - A conservação e restauro numa perspetiva museológica ......................................... 199

16.1 Introdução.............................................................................................................. 201

16.2 A gestão material das coleções ................................................................................. 202

16.3 Conservação preventiva no museu: metodologias de trabalho ....................................... 203

16.4 Concretizações e técnicas aplicadas num campo material concreto ................................ 205

16.5 O trabalho interdisciplinar: recolher, estudar, expor, divulgar, cuidar ............................. 205

16.6 Síntese .................................................................................................................. 206

16.7 Sugestões de leitura ................................................................................................ 206

Capítulo 17 - O museu e o turismo cultural .............................................................................. 215

17.1 Introdução.............................................................................................................. 217

17.2 Recursos patrimoniais e turismo ................................................................................ 218

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Índice de Conteúdos & Ilustrações

= iv =

17.3 Comunicar os museus de comunidade ........................................................................ 219

17.4 Síntese .................................................................................................................. 222

17.5 Sugestões de leitura ................................................................................................ 222

Capítulo 18 - Esboço preliminar sobre o futuro do museu de comunidade: reflexões ...................... 229

18.1 Introdução.............................................................................................................. 231

18.2 A visão preditiva sobre as novas tendências museológicas ............................................ 231

18.3 Os museus locais e as identidades do futuro: que relação? ........................................... 235

18.4 Síntese .................................................................................................................. 239

18.5 Sugestões de leitura ................................................................................................ 240

Conclusão ............................................................................................................................ 247

Bibliografia & Referências eletrónicas ...................................................................................... 251

Índice de Ilustrações

Figura 1 - Dinâmicas a observar em sede de Projeto Museológico. (Elaboração própria) .. 133

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Índice de acrónimos

Índice de acrónimos

ANAFRE- Associação Nacional de Freguesias

ANMP- Associação Nacional de Municípios Portugueses

APAI - Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial

APOM - Associação Portuguesa de Museologia

ARP - Associação Profissional de Conservadores-Restauradores de Portugal

CEARTE - Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património

CESE - Comité Económico e Social Europeu

DGPC – Direção-Geral do Património Cultural

ICOM - Conselho Internacional de Museus

ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e Sítios

INE – Instituto Nacional de Estatística

IPCR - Instituto Português de Conservação e Restauro

IPM - Instituto Português de Museus

IPPC - Instituto Português do Património Cultural

MAR – Museu Agrícola de Riachos

MINOM - Movimento Internacional para a Nova Museologia

NUTS – Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos

OMT- Organização Mundial do Turismo

ONU – Organização das Nações Unidas

PENT – Plano Estratégico Nacional de Turismo

RPM - Rede Portuguesa de Museus

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

WEB – World Wide Web (rede mundial de computadores)

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Introdução

= 1 =

Introdução Este trabalho parte da realidade prática de museus de comunidade para uma divulgação sustentada também nos enquadramentos resultantes da revisão de literatura. Utiliza a metodologia da investigação-ação e, por isso, resulta da intenção de carrear experiências e orientá-las aos leitores através de uma abordagem pontuada com exemplos de práticas museológicas.

No contexto museológico nacional existem museus agregados à Rede Portuguesa de Museus – RPM, e existem outros museus que ainda não estão integrados nessa rede. Nas comunidades locais têm surgido mais museus desde que o Poder Local ganhou expressão a seguir ao 25 de Abril de 1974.

O objetivo da sua qualificação é, a nosso ver, uma prioridade. O crescimento das atividades culturais e turísticas e as necessidades que a economia revela na qualificação da oferta da marca “Portugal” também são desafios a que os museus deverão atender.

Os museus de comunidade, muitas vezes, identificam-se com a etnografia local reunindo objetos em coleções que tentam expor aos visitantes a tradição e os usos e costumes. Os apoios para a criação e desenvolvimento destes museus são normalmente escassos e conseguidos pelas comunidades que os desenvolvem. Este Manual pretende tornar-se um objeto de consulta e questionamento.

Assim, este texto, reunindo referências teóricas e reflexões sobre práticas museológicas relacionadas com museus de comunidade, tem o objetivo de se constituir como apoio para iniciados que, de forma muitas vezes voluntariosa, pretendem constituir um museu local. A nossa experiência museológica de investigação e de ensino integra-se nesta proposta e está associada aos dezoito capítulos: cada um deles poderá ser explorado de acordo com as necessidades de consulta.

Pretende-se criar uma fonte de informação útil disponibilizando ao público leitor experiências e anseios, as poucas certezas e as muitas interrogações. Não utilizaremos linguagem académica e exaustiva, nem teorizaremos profundamente sobre museologia, porque pretendemos comunicar, em primeiro plano, com iniciados neste domínio do património cultural.

As referências e as notas que acompanham o texto fundamentam as afirmações e informam, com maior especificidade, sobre as matérias expostas. Nas bibliografias comentadas e inseridas em cada capítulo encontrar-se-á indicação de leitura complementar e adequada a todos quantos queiram aprofundar cada um dos capítulos apresentados.

A componente de educação patrimonial é necessária aos intervenientes nos museus de comunidade, quase sempre anónimos defensores das culturas locais. O trabalho de salvaguarda que eles vão tecendo deverá ser apoiado em prol do património cultural comunitário, local e regional.

Conhecemos casos de museus de tutela privada com intervenções realizadas por este tipo de pessoas produzindo trabalho consistente e de qualidade. À luz do exercício de competências em trabalho museológico, nomeadamente na designada área da museologia popular, muito se fez e se faz. Mas muito mais há a fazer.

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= 2 =

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= 3 =

Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular

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= 4 =

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Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular

= 5 =

1.1 Introdução Muitos dos equipamentos culturais disseminados por uma geografia continental e arquipelágica de grande riqueza e diversidade são de iniciativa pública do Estado e, também, cada vez mais, de iniciativa privada. Numa triangulação entre Pessoas-Território-Organizações acontecem ações e surgem dinâmicas impulsionadas, ambas, pela vontade de se viver melhor. As organizações públicas e as organizações privadas convivem e prestam ações concretas e úteis à Sociedade: as primeiras, na regulação e regulamentação dentro das atribuições constitucionais reservadas à administração pública; as segundas, criando riqueza através do tecido produtivo de bens e serviços.

As pessoas das comunidades locais nos diversos lugares, desde pequenos povoados e aldeias, a vilas e cidades, criam e disseminam produtos, desenham e consomem cultura, apresentam identidades específicas e distintivas. Nesta lógica de cultura nacional temos esta unidade cultural através do contributo das diversidades culturais dos territórios. 308 municípios e 3092 freguesias e associações de freguesias são, num sentido cultural específico e no “mundo dos museus”, uma realidade que, por sua vez, se apresenta sob diversos modelos de gestão museológica.

Os museus de iniciativa local são parte decisiva do que possamos entender como museologia popular. Sem dúvida que muitos destes pretensos museus (assim entendidos pelos seus promotores) fogem das caraterísticas e dos padrões profissionais (formatados e, por isso, integrados numa estratégia política nacional e internacional de ordem corporativa pela sua natureza institucional e funcional).

Todavia, numa perspetiva de dinâmica popular, e porque a cultura popular se manifesta através da sua espontaneidade e constante dinâmica disruptiva, porque não é normalizável nem corporativa quando se manifesta, nomeadamente em ambiente político democrático, é uma realidade a que não poderemos fugir nem ignorar. Existem museus locais e gentes dedicadas à museologia popular contribuindo, como os restantes museus, para a unidade da cultura portuguesa na sua diversidade territorial.

Do ponto de vista do Conhecimento explícito e académico, muitos destes espaços nem sequer teriam a capacidade para se poderem designar de museus; do ponto de vista do Conhecimento tácito e popular, muitos destes espaços são considerados, pelos seus empreendedores e pela inserção, concreta, nos seus contextos populacionais locais e de visitação pelos seus públicos visitantes, como museus.

Nesta dupla, mas consciente realidade museológica nacional, e face a uma política medíocre no que respeita aos gastos com a Cultura em Portugal, a médio e longo-prazo continuaremos a assistir a este cenário concreto. Por isso, iniciativas como esta proposta de Manual seguindo práticas de alguns destes museus de comunidade ganham sentido porque preenchem vazios.

Muitos cidadãos, durante a sua vida, visitaram e participaram nos Serviços Educativos de museus de comunidade, tal como nos museus abrangidos pela classificação oficial e sob tutela, agora, da DGPC – Direção-Geral do Património Cultural. Porém, o tecido museológico nacional não pode ignorar o contributo dos designados «pequenos museus» ou «museus de comunidade», designações de gíria oral que representam, de facto, uma realidade bem mais rica e profunda se for mais conhecida de todos nós.

O País museológico é muito mais do que o que a Rede Portuguesa de Museus apresenta, porque a Certificação, e o seu processo, requerendo certos requisitos impossíveis de satisfazer

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Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular

= 6 =

pelos museus comunitários, origina, em muitos casos, esta realidade museológica dúplice, como se demonstra neste nosso trabalho. Os museus não integrados na rede são museus em fase de transição de estatuto.

Numa abordagem recente1, e tendo em consideração a realidade museológica nacional, era referido que: “Em 2004, com a entrada em vigor da Lei Quadro, estabelece-se a credenciação como condição necessária para a integração dos museus na Rede. Segundo este documento legislativo, a credenciação consiste na avaliação e no reconhecimento oficial da qualidade técnica do museu e tem como objetivos promover o acesso à cultura e o enriquecimento do património cultural através da introdução de padrões de rigor e de qualidade no exercício das funções museológicas dos museus portugueses (artº 110º e 111º da Lei Quadro dos Museus). Implica o cumprimento de todas as funções museológicas enumeradas na Lei Quadro; a existência de recursos humanos, financeiros e instalações; a aprovação do regulamento do museu; e a garantia do acesso público às coleções (artº 113º). Por vicissitudes várias (ver adiante ponto 5.3.1), apenas em 2010 se concretiza a entrada de 10 museus por candidatura de credenciação e a suspensão da credenciação de 4 museus.”

Neste texto fica claro que alguns «museus», devidamente orientados, puderam passar dessa condição de museus ainda imperfeitos à “(…) credenciação como condição necessária para a integração dos museus na Rede”, tornando-se museus perfeitos.

1.2 A história do museu e os museus de iniciativa popular A origem do museu está intrinsecamente ligada à capacidade do homem para criar objetos e apreciá-los para além do papel meramente prático dessas peças. Alguns autores opinam que o museu tem a sua génese no colecionismo, recorrente em todas as culturas do mundo. Esse “olhar” interessado sobre os primeiros objetos produzidos pelo engenho e arte do homem artesão e artista revela na ação a herança que, aberta à fruição pública, alia a funcionalidade prática e objetiva do objeto à sua vertente estética e simbólica.

O museu surge também como uma espécie de espaço de legitimação ao deleite de objetos e do seu significado. O museu de hoje responde, tal como o de ontem, aos anseios de salvaguarda do significado da comunidade que o gera, cuida e lança para o futuro. Num breve esboço poderemos relembrar como o domínio da museologia se tornou relevante enquanto elemento memorial de cada sociedade.

Observando a tradição museológica do Ocidente veremos que, no contexto cultural grego, o museu significou o templo das musas2. Na evolução deste conceito ainda hoje se tem presente esta componente inspiradora. O museu tem sido, ao longo da evolução civilizacional, o lugar, o edifício, o espaço dedicado ao estudo das humanidades, à especulação sobre o passado, e ao devir, espaço para fluir a tecnologia e as humanidades, lugar de compreensível exaltação das artes, de todas as artes.

1 Na obra editada pela DGPC em 2013, p.107, op. cit. 2 A palavra MUSEU provém do grego, designando os santuários dos templos dedicados às musas – filhas de Zeus (o poder) e Mnemósine (a memória): são significados do PODER da MEMÓRIA. O museu também servia com espaço criativo onde os cidadãos se dedicavam às artes e aos estudos nomeadamente da Poesia e da Música. Como se poderá ler em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/Museu etimologicamente provém “Do grego mouseĩon, «museu», pelo latim museu-, «museu; biblioteca»”.

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Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular

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Na Antiguidade3 era exemplo deste espaço humanizado e de saber a Biblioteca de Alexandria. No século III a.C. reunia-se num mesmo espaço uma formidável biblioteca, oficinas de estudo da fauna e da flora, salas de trabalho para professores, salas de aulas e espaço comum de anfiteatro, componentes que faziam parte de um misto de escola-museu-biblioteca, que havia de perdurar como lição.

Na Idade Média4 os tesouros das catedrais expostos apenas em situações de peregrinação ou de festividades religiosas eram expoentes da capacidade e do saber de artesãos e artistas, mas também de encomendantes e mecenas, agremiações profissionais e expressão de poder de casas senhoriais. Nestes grandes empreendimentos museológicos as coleções privadas ou de agremiações tornar-se-iam, devidamente conservadas, como espaços de futuro, porque os primeiros museus foram aí buscar inspiração, modelos e objetos.

No Renascimento5, e um pouco por toda a Europa, assistiu-se a um deslumbramento súbito por tudo o que fosse joia local ou, em situação de grande novidade, objetos exóticos. A Expansão Europeia e o pioneirismo das Descobertas Portuguesas6, desde que em 1415 se deu a tomada de Ceuta, colocaram a cultura ocidental em contacto com outras culturas e o panorama patrimonial de que dispomos acusa essa cultura colecionista. As exposições de belos tapetes e de peças de variada categoria material e artística competiam com os objetos artísticos de arte sacra e de arte renascentista com expressão arquitetónica, escultórica, pictórica, etc.

A divulgação da gravura como meio de acesso a certas imagens retratando ambientes, pessoas e ideias contribuiu grandemente para o gosto colecionista e museal e foi, sem dúvida, uma base fundamental para o crescimento das artes através de encomendas e compras por parte das elites nacionais.

Os senhores poderosos e os mecenas, quer nobres, quer religiosos, para além dos burgueses em crescente ascensão social enquanto novos-ricos que pretendiam assegurar a sua imagem de mercadores e banqueiros, industriais e políticos, tudo “homens notáveis”, deram um empurrão decisivo para a evolução do museu.

Nesta época, o colecionismo crescente de diversos objetos, dá significado aos chamados “gabinetes de curiosidades”7. Estes espaços, galerias dos tesouros régios e clericais, foram

3 Para aprofundar este tema veja-se o título “Espaços e Paisagens. Antiguidade Clássica e Heranças Contemporâneas”, Vol. 3. História, Arqueologia e Arte, Editor: Associação Portuguesa de Estudos Clássicos - APEC Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, em https://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/4122/1/espacos_e_paisagens_vol_3.pdf 4 A título de exemplo, veja-se o título “Sociabilidades e Espiritualidades na Idade Média: a Historiografia Portuguesa sobre os comportamentos religiosos dos leigos medievais”, de Maria de Lurdes Rosa, em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/4567/1/LS_S2_21_MariaLRosa.pdf 5 Poder-se-á aceder a uma imagem cultural da época na obra de PALLA, Maria José, (2018), Em torno do Renascimento Português - Estudos iconográficos, Lisboa: Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 6 A obra “Os Roteiros e a Expansão marítima Portuguesa e Europeia” de José Malhão Pereira, editada pela Academia das Ciências de Lisboa e disponível em http://www.acad-ciencias.pt/document-uploads/5532183_j.-malhao-pereira---roteiros_final.pdf é um bom guia para a introdução deste tema. 7 Moana Campos Soto, com o título “Dos gabinetes de curiosidade aos museus comunitários: a construção de uma concepção museal a serviço da transformação social”, publicado em 2014 nos Cadernos de Sociomuseologia - 4-2014 (vol 48), pp. 57-84, apresenta este tema de modo interessante e na ótica dos museus de comunidade. Refere na p. 79: “Os museus não serão mais definidos por suas funções e sim por seus propósitos. Enquanto as funções vinculam-se mais as atividades operacionais,

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Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular

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sendo organizados como “montras de poder” exercido por nobres, clérigos, aristocratas, financeiros, mercadores e industriais.

Cada personalidade que criava o seu gabinete também contribuía para o prestígio da sua cidade, da sua nação. Na Europa, a cultura das então Cidades-Estado italianas revela essa época histórica. Em Portugal podemos ver, por exemplo, nos testamentos e ações de tabeliões e atos notariais este especial universo na profusão de objetos exóticos referenciados.

O exemplo do Portugal quinhentista, imperial e poderoso tem no espetáculo da exposição sobre a chegada das relíquias de Santa Auta ao Convento de Madre de Deus8 (para além das considerações de outra natureza estética e social) um dos principais momentos da arte sacra, já que esse painel era organizado com a intenção expressa de comemorar e legitimar a cultura dominante é indissociável da ideia de museu. A sua colocação no Museu Nacional de Arte Antiga comprova esta evolução de painel votivo e utilitário, liturgicamente, para tesouro da cultura nacional e da sua história da arte.

Outro exemplo interessante poderá ser colhido no mobiliário de exposição tipo escaparates e tremós que, para além de permitirem a colocação de objetos e espelhos para o arranjo visual do seu proprietário, eram móveis de aparato e, nesse sentido, expositores de uma cultura específica (a da casa que ajudavam a mostrar).

Neste contexto de transição cultural, motivada pelo corte da base dominante teocrática e pela implantação da visão antropocêntrica, a própria ideia de “mostranças e folguedos” associava-se à componente comemorativa que preservava a tradição e promovia a intervenção museológica.

No período Maneirista9 a exposição dos artistas e a sua competição pelos favores régios e de mecenas dispostos a financiarem uma carreira artística tem uma implicação direta sobre a necessidade de espaços expositivos. A grande profusão de obras de arte, que para além de serem aplicadas à arquitetura (escultura, talha, pintura, cerâmica, etc.) entravam cada vez mais no quotidiano da habitação, renovada em termos de compartimentação e comunicação interior, marcou também a libertação estética dos artistas desta época.

Esta urbanística da cidade pós-medieval, com crescente relevância na paisagem urbana e rural, determinava novas formas de arruamento forçadas pelo desenvolvimento dos transportes (coches, carruagens) e da prestação de serviços (comércio urbano e montras de novidades), e acabou por suscitar novas necessidades de espaço urbano e, também, de espaços expositivos para o comércio artístico.

os propósitos são calcados em valores e revelam a política cultural da instituição.” Disponível em https://core.ac.uk/download/pdf/48582237.pdf 8 Em http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=248631 encontramos nesta página do projeto MatrizNet, da DGPC o tema “Descrição do Retábulo de Santa Auta seguindo uma lógica narrativa”, constante da Ficha de Inventário. 9 A obra de Filipe Rocha da Silva, “Variações sobre o Maneirismo – Estudo comparativo entre o Século XVI e o Presente. I”, de 2008, disponível em http://www.chaia.uevora.pt/pdf/maneirismo.pdf reúne uma série de observações decorrentes da sua tese de doutoramento em pintura, e prefigura a rutura contemporânea no «modo de ver» a arte, nomeadamente pictórica.

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Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular

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O Barroco10, desenvolvendo-se a partir do Concílio de Trento (1545-1563), intensamente encorpado de dogmas no seu programa estético, carente de amplos espaços de afirmação pública, contribuiu, decisivamente, para o crescimento do mercado da arte de culto com efetivo desenvolvimento da arte sacra e das academias de divulgação da ideologia da Roma católica apostólica, objeto de intensa propaganda.

A Contra-Reforma, triunfante, manifestou-se com grande energia nas igrejas tornadas espaços de “museologia da fé” porque, quase em simultâneo, o gosto catequizado na liturgia e o designado horror ao vazio, bem visível nas aplicações de artes decorativas de natureza bidimensional e tridimensional, originou novas noções de espaço e do designado “horror ao vazio”.

As artes e “a Obra de Arte Total”11, designação em voga para descrever as artes plásticas, musicais, cénicas, teatrais, etc., foram praticadas de forma massiva, e foram vistas por públicos entregues ao deleite da fé e do objeto artístico, com especial enfoque na escultura e na pintura mural e de cavalete, que alcançaram os céus pintados, cujas cenografias eram de um encantamento pictórico e decorativo, simbólico e prazeroso.

As galerias dos palácios foram sendo abertas ao público ainda constituído por clérigos, nobres, burgueses e seus pares. Estes espaços expositivos de iniciativa elitista foram, contudo, os embriões de espaços públicos que a semente da Revolução Francesa (1789-1799)12 haveria de fazer germinar e fixar como marco revolucionário, de facto, da cultura europeia no mundo.

O período do Classicismo13 e o rebuscar da lição clássica (com constantes citações da Grécia das musas…) engendrou condições propícias ao crescimento dos sentimentos românticos, terreno fértil para a afirmação de sentimentos de respeito pelo passado e fé, praticados em forma de culto nacionalista e de exaltação dos valores mais perenes da pátria.

Neste contexto assiste-se, na cultura ocidental, ao emergir de situações de revivência dos estilos góticos e renascentistas que propiciaram campo para uma afirmação ainda maior da museologia, enquanto disciplina que disponibilizava, através de exposições temáticas, as tão almejadas lições do passado. O Revivalismo14 foi uma corrente fundamental para a

10 Em http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=10259 curiosamente temos acesso ao “Museu do Barroco” localizado em Setúbal, União das freguesias de Setúbal (São Julião, Nossa Senhora da Anunciada e Santa Maria da Graça), antiga Casa do Corpo Santo edificado da Irmandade de fundação seiscentista, com talha dourada de estilo nacional, pintura dos tetos do séc. 17 e azulejos do séc. 18. Outro exemplo muito interessante é o da Igreja de S. Francisco, no Porto. O “país barroco” é, aliás, um dos atrativos mais fortes do turismo cultural. 11 Luís U. Afonso, num artigo que apresenta sobre esta temática escreve na p. 72 desse texto, titulado de “A Charola de Tomar como uma Obra de Arte Total”, disponível em https://luisurbanoafonso.weebly.com/uploads/2/6/8/6/26862325/a_charola_de_tomar_como_uma_obra_de_arte_total.pdf, o seguinte:” Em suma, uma obra de arte total é um processo criativo que envolve aquilo que designamos hoje em dia como arquitetura, belas artes, artes decorativas e, até certo ponto, as artes performativas (como a música, a coreografia dos movimentos e percursos ou mesmo o traje usado pelos agentes da performance).” 12 O livro de MENDES, José Maria Amado, (2009), Museus e Educação. Estudos, Humanidades. Colecção Estudos do Património. Coimbra: Imprensa da Universidade, é uma referência nesta matéria. 13 O texto de Mário Canova Moutinho de 1994 “A construção do objecto museológico” tem muito interesse para a compreensão desta temática, e utilidade para os iniciados em museologia. Disponível em http://www.mariomoutinho.pt/images/PDFs/LIVROSdigitalizados/ObjectoMuseologico.pdf 14 Na obra de TOSTÕES, Ana Cristina, (1977), “Arquitectura portuguesa do Século XX: Ecletismo, Revivalismo e a «Casa Portuguesa»”, in AA. VV (Coord. PEREIRA, Paulo), Do Barroco à contemporaneidade, História da Arte Portuguesa, volume III, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 507-591

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Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular

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redescoberta de valores estéticos nostálgicos? Sem dúvida, se olharmos a paisagem que originou. As “ruínas fingidas” são, entre outras iniciativas, materializações dessa estética.

Desde os finais do século XVIII até ao século XX a evolução das artes e das indústrias também presenciou o aparecimento das Arts and Crafts15 que, em Inglaterra, tiveram impacto também de natureza museológica integradora no urbanismo. O pavilhão desenhado pelo jardineiro Joseph Patxon para a Exposição Mundial de 185116 realizada em Londres, o “Palácio de Cristal”, marca a combinação do vidro e do aço.

Naquele contexto, Isabel Maria de Moura Anjinho Marques dos Carvalhos, com o tema “Arte e celebração: o efémero e o durável”, referia com a acuidade da comparação entre as origens nos centros citadinos mais evoluídos e as periferias que acabam sempre por absorver e mimetizar os grandes eventos, o seguinte: “Após uma primeira fase de realização de certames a nível nacional, liderada pela França, entra-se no ciclo das exposições internacionais, com a exposição universal de Londres de 1851, cujo sucesso desencadeou uma verdadeira “expomania”. A realização de exposições internacionais foi favorecida pelo progresso, boas conjunturas de desenvolvimento industrial e pela revitalização dos nacionalismos a partir do início do século XX. O aparecimento das exposições universais foi uma consequência directa da primeira revolução industrial, e de uma concepção liberal da economia. Coube à Inglaterra vitoriana tomar a iniciativa de organizar o primeiro certame industrial, demonstrando ao mundo a sua superioridade nesse campo, e abrindo caminho para a exploração de uma dimensão nacionalista que presidiria sempre a todas as exposições universais.

A “expomania” é, nesta lógica, resultante de uma replicação de formas e de métodos de aperfeiçoamento das cidades industriais e, consequentemente, a museologia acabou por extravasar muros clássicos e espraiar-se. Há exemplos muito interessantes que mostram este efeito “expomaníaco” nas comunidades citadinas da época.

A construção da Torre Eiffel, em homenagem ao engenheiro Gustave Eiffel, marcada no espaço como arco de entrada da Exposição Universal de 1889 é expressão das consequências da Revolução Industrial. A transição das artes e ofícios manuais para processos

esta temática é exaustivamente tratada. Outro exemplo interessante é o do “Sanatório de Sant'Ana / Hospital de Sant'Ana”, localizado em Cascais, União das freguesias de Carcavelos e Parede. Em http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=6058 acedemos a informação muito relevante que Teresa Vale e Maria Ferreira (1998), Helena Matos e João Simões (2006), António Cota (2011) e Maria João Martins (2014) compilaram numa descrição que nos permite compreender este universo do revivalismo desde a arquitetura e seu programa até às artes decorativas e outros detalhes. 15 Daniela Spinelli, da Universidade Federal de São Paulo, investigando temas como “A História do Trabalho”, em http://www.revistamorus.com.br/index.php/morus/article/viewFile/326/300, trata do tema “William Morris e sua crítica moral do sistema produtivo capitalista” e afirma na p. 209: “(…) Morris dedicou-se intensamente ao estudo das tradições, dos padrões das estampas das artes têxteis e seus materiais. Realizou uma série de experimentos com madeira, cerâmica, tecidos, vidro e metal para a produção de uma vasta variedade de artigos mobiliários, tapetes, papéis de parede, entre outros objetos. A ideia era a de recuperar o espírito de um tempo onde os artistas eram “homens comuns”, que desenhavam, construíam com as próprias mãos e decoravam todo tipo de mobiliário e objetos ordinários de uso cotidiano, dotando-os de beleza”. 16 Texto de 2006, com origem num estudo em Seminário “Arte e celebração: o efémero e o durável”, lecionado pela Professora Regina Anacleto no Mestrado em História da Arte disponível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/31086/1/Os%20pavilh%C3%B5es%20de%20Portugal%20e%20as%20exposi%C3%A7%C3%B5es%20universais.pdf

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Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular

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industrializados por ação da “era do vapor” com desenvolvimento acelerado entre 1760 e 1840 revolucionou o mundo.17

A metodologia da produção, o uso da máquina a vapor e a invenção e uso de máquinas-ferramentas para além do uso intensivo do carvão modificou pessoas e paisagens. O aparecimento dos museus de comunidade relacionados com a agricultura e as artes e ofícios artesanais, bem como os museus que exaltavam a tecnologia e a indústria, tiveram um novo impulso que as escolas de natureza profissional haveriam de consagrar.

Em Portugal, as coleções provindas da época pombalina foram sendo ampliadas com os recursos de ensino que os museus de ciências também iniciaram com peças didáticas, e com especial enfoque no estudo das ciências naturais.

A crescente procura de identidade e identificação nacional caraterística dos finais do século XIX e princípios do novo século levou a que muitos países, encetando uma nova forma de colonialismo (ideológico e cultural), se organizassem, recolhendo e mostrando as suas peças mais emblemáticas ao mundo. O período do neocolonialismo foi relevante neste domínio de afirmação nacionalista, mas também da capacidade colonial como sinal da competitividade política das nações europeias.

Assistiu-se nessa época a um surto vertiginoso das humanidades e das ciências numa crescente e cada vez mais complexa conjugação do estudo do homem físico com o homem espiritual. Através da medida social de divulgação da cultura, provinda das intenções e práticas antropológicas e das ações paleontológicas com origem nas propostas de Darwin reclamando mais conhecimento histórico para perceber a evolução do homem como um todo, foi notória a revolução de mentalidades então operada.

Os museus de história natural são prova material dessa revolução. Depois, e noutro contexto, Freud, e os seus sonhos interpretados, é uma outra via deste surto da ciência e de recomposição social. O objeto da museologia ilustra a sede de naturalismo na pintura e na vida quotidiana, na confusão e genialidade geradas na Revolução Industrial, nos grandes eventos que eram as feiras internacionais e do que significavam como lugares para o progresso e para o plano de imortalização da capacidade e engenho de um novo tempo.

Neste contexto de mudança, se consideramos que a maior modernidade é a que saberá projetar sobre o seu passado, podemos admitir que o museu, ao largar a instituição família, onde estivera desde a sua origem (materializado nos gabinetes de curiosidades e nas coleções familiares dos grandes grupos sociais), se encaminhou para a única saída possível que o haveria de projetar até à atualidade: a instituição pública e a sua abertura a toda a sociedade.

No princípio do século passado, as novas e velhas nações da Europa precisavam afirmar a sua modernidade, montadas no garboso cavalo da história. Nesse sentido, a função do objeto museu percebe-se na sua tripla dimensão (prática, estética, simbólica). O nacionalismo e os museus nacionais tiveram neste domínio de afirmação terreno propício para se expandirem: eram instrumentalizados pela estratégia dos governos e serviam o reconhecimento daqueles.

17 Um excelente artigo do Professor Vítor Martinho, da Universidade de Coimbra, “Eiffel e a torre dos mil pés”, de 2017, profusamente ilustrado, é de grande interesse para os iniciados em museologia, porque trata de museologia urbana, sem dúvida, e aprecia não apenas a obra, mas contextualiza-a estética e tecnicamente. Está acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/43646/1/Eiffel%20e%20a%20torre%20dos%20mil%20p%C3%A9s.pdf

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Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular

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A afirmação cultural fazia-se, tal como sempre se fez, e hoje também não deixa de se fazer, através da museologia de Estado, isto é, da museologia pretensamente nacionalista ou de natureza abrangente e nacional (representando a cultura nacional).

Sendo o Estado a concentração de poder e violência, o próprio conceito de Nação continha essa ideia de poder e força aglutinadora da sociedade. Assim, os primeiros museus são naturalmente os “Museus nacionais” integrados nesta corrente de pensamento e ação ainda devedora dos princípios libertários, igualitários e fraternos da revolução francesa e da sua influência ideológica, mas ao serviço das ideologias dominantes.

O Direito à Memória, nomeadamente no domínio da memória e sentido identitário das culturas europeias, caldeada pela noção cultural de Nação e respetiva reprodução museológica deste modelo mental, fez com que o museu passasse a carrear o conceito de património cultural e nacional. De um modo mais ou menos alinhado a estes princípios houve naturalmente museus com orientações ideológicas democráticas e ditatoriais: cada contexto museológico também revela o programa ideológico que os sustenta.

O entendimento de que as heranças físicas consubstanciadas em edifícios, manuscritos, objetos esculpidos e pintados, utensílios domésticos e apeiros agrícolas, máquinas industriais, etc., se tornavam testemunhos também no contexto da diplomacia e das relações internacionais era francamente exibido.

O museu era, assim, o lugar dos estímulos nacionalistas e a raiz alimentadora do prestígio nacional. Contudo, e há que o referir, a abertura à participação do povo, do público, no acesso ao património da nação criou os museus nacionais, mas, igualmente, uma nomenclatura de especialistas que trataram de materializar essa intenção proposta pelos políticos.

Os finais do século XIX e todo o século XX iriam tornar-se nos tempos de sustentada evolução do museu e daquilo que ele ainda hoje representa para as comunidades. O museu iniciava a sua tarefa de “montra de objetos” mostrando as obras anteriormente escondidas em galerias de palácios e em casas senhoriais, conventuais, burguesas e militares.

As galerias compostas de obras diáfanas e de horrores coexistiam numa Europa deleitada com o progresso industrial e com as políticas belicosas que a haveriam de precipitar no desastre da guerra.

De um ponto de vista meramente civilizacional, o museu tem origem no deslumbramento do homem pelos objetos que sabe, quer e consegue criar, e na ideia de que esses objetos são documentos sobre a sua vida e a forma como ela tem sido vivida nas suas várias circunstâncias: sendo uma construção social (desde o tempo das Musas gregas… sempre presentes), é, indubitavelmente, uma construção representativa.

Neste sentido, o conceito de pertença a uma comunidade cultural, seguindo a natureza gregária do homem, é o cimento que tem unido o rumo das coleções mais antigas que, passando por catástrofes naturais e humanas sobreviveram e que ainda hoje podemos apreciar e interrogar.

A partir do momento em que os museus foram criados enquanto tal, ou seja, como instituições públicas de salvaguarda de objetos comunitários, erigidos por vontade política deliberada dos

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Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular

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líderes dessa comunidade, iniciou-se a educação museológica e museográfica de modo sistemático, até aí praticamente inexistente18.

O que poderemos considerar como processo de patrimonialização começou em Portugal com a questão da expulsão das ordens religiosas e a gestão dos seus bens pela então Fazenda Pública.

O contributo de Alexandre Herculano19 entre outros vultos da cultura nacional tem que ser visto no quadro da tomada de consciência pelos valores da pátria e, nesse sentido, pelo que significava a cultura do povo contra a cultura até aí dominante e subjugada ao Estado e à Igreja.

No mesmo contexto do desenvolvimento das artes, a partir da imposição da Academia20, assistiu-se a uma dinâmica importante motivada por esta iniciativa. No tempo de D. Maria II, e utilizando um estudo de Margarida Elías, com o título “O Trono Régio de D. Maria II”21, compreendemos a relação da personalidade histórica com o objeto que utilizou. Assim, refere-se na p. 70: “Após a Guerra Civil, que opôs o seu tio D. Miguel, à frente dos absolutistas, ao seu pai D. Pedro, líder das tropas liberais, a vitória coube à facção liberal. Em 1834, D. Maria II tornou-se rainha de Portugal e o seu reinado foi marcado por diversos acontecimentos políticos que acompanharam a implantação da Monarquia Constitucional; conta-se a Revolução de Setembro (1836), a Revolta dos Marechais (1837), a Maria da Fonte e a Patuleia (1846). Na p. 75, concluindo a sua análise sobre esta relação, refere: “Independentemente da sua originalidade, ou não, da tradição que a associa à obesidade de D. Maria II, do seu valor estético do ponto de vista da história do mobiliário português, este trono é, segundo cremos, uma peça única e de inestimável valor, que testemunha como um móvel de assento pode ser um importante atributo de poder. O simbolismo nele inscrito traduz-se na projecção de ideais de poder, dignidade, ordem e equilíbrio; mas também sabedoria e maturidade, renascimento e eternidade; ou ainda de perfeição e protecção divina. Estes valores certamente que se projectavam para a Monarquia Constitucional e para D. Maria II, que foi a primeira rainha que ocupou o trono português após a implantação deste regime político, em 1834. De facto, no tempo de D. Maria II22 e do surto de inovação trazido pelo caminho de

18 Queremos dizer que a preocupação de fornecer experiência patrimonial ao público foi a base dessa dedicação sistemática (início da profissionalização nos museus). 19 Joana Damasceno afirma que “Na senda do nacionalismo romântico, foram aparecendo ao longo do século XIX movimentos de construção de identidade em todos os países da Europa. Em Portugal, Alexandre Herculano foi um dos responsáveis pela construção simbólica da Nação.”, p. 2018, no artigo “Museus para o Povo Português O Museu de Arte Popular e o discurso etnográfico do Estado Novo”, pp.218-237, de 2007 e disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/8941.pdf 20 Na Hemeroteca Digital de Lisboa, em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/RevistadeHistoria/1915/N16/N16_master/RevistaHistoria1915N16.PDF encontramos a notícia da sua fundação em 1779, por D.ª Maria I, com o artigo “O que é a Academia (Real) das Sciencias de Lisboa (1779-1915)” . 1915 é o ano de publicação da notícia. 21 Disponível na “Res Mobilis Revista internacional de investigación en mobiliario y objetos decorativos Vol. 6, nº. 7, 2017” disponível em https://aps.pt/wp-content/uploads/2017/08/ensaio_ENS46444d112989c.pdf 22 Em 19 de Abril de 1845 era criado por Carta de Lei o “Caminho de Ferro” por iniciativa do Ministro Costa Cabral (viria a ser inaugurado por D. Pedro V em 28 de Outubro de 1856 entre Lisboa e Carregado) conforme fonte em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/GazetaCF/1957/N1669/N1669_master/GazetaCFN1669.pdf de Espregueira Mendes “A Evolução Histórica dos Caminhos de ferro Portugueses”. Como complemento de leitura, Maria Antónia Lopes, no artigo “Sociabilidades dinásticas oitocentistas: o rei D. Fernando II (1816-1885) e a sua rede familiar europeia”, capítulo publicado em ARAÚJO, Maria Marta Lobo de et al. (coord.), (2014),

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ferro, entre outros aspetos de modernização do país, assistiu-se à integração do museu como espaço de estudo e lazer.

Podemos referir que o posicionamento do museu mudou no século XX. Foi o modo de expor que articulou esta mudança. Terminou a época do “objeto - mono-informação” e entrou-se noutra época, a do “objeto - pluri-informação”. O objeto que anteriormente era explorado para testemunhar o passado adquiria agora a função de testemunhar, ilustrar, contextualizar, estabelecer um diálogo mais alargado sustentado em técnicas comunicativas diversas. Também passou a sustentar a ciência.

Do mesmo modo que a exploração do objeto de museu (testemunho ou artefacto) foi mudando ao longo dos tempos, também o conceito de museu se foi transformando. Assim, os museus iniciaram um processo de especialização.

Apareceram os museus de arte, históricos, científicos, técnicos, etc., e espaços abertos ou mistos com a introdução dos jardins botânicos e parques, os zoológicos e os aquários, os conjuntos de bibliotecas e de salas de exposições, que a partir de 1961, por iniciativa do ICOM – International Council of Museums23, continuaram a estar ao serviço do público e passaram a servir, simultaneamente, também os programas dos museus e sua cada vez maior inserção nas comunidades.

A museologia passa a ser entendida como disciplina e área do saber que estuda a génese e desenvolvimento do museu e, naturalmente, estabelece os princípios ordenadores deste tipo de instituição cultural na sua relação com a sociedade, e no que diz respeito à sua organização, orientada à sua função social.

Se a museografia trata dos aspetos técnicos da materialização museológica, conjunto de técnicas e práticas necessárias em cada tipo de projeto expositivo, a qualidade de qualquer museu resulta não só da sua escala edificada, da quantidade e qualidade do acervo, dos recursos humanos e financeiros, mas também, inevitavelmente, da sua capacidade para atrair visitantes.

Em termos da cultura popular, esta ideia está presente nos anseios das populações e seus líderes porque a procura de identidade e sentido de pertença como tidas como questões básicas. Os projetos surgem, assim, por vontade e consciência da necessidade de preservação de testemunhos e também por razões de consolidação do poder de grupo e da sua permanência no espaço e no tempo. Não podemos ignorar o enquadramento concreto que está na origem da maior parte desses “museus”.

Como detetamos amiúde, o conceito de museu devidamente harmonizado e ratificado internacional e nacionalmente não faz parte das preocupações das pessoas que chamam de

Sociabilidades na vida e na morte (séculos XVI-XX), Braga, CITCEM, 2014, pp. 259-280, disponível em https://www.researchgate.net/publication/305905083_Araujo_Maria_Marta_Lobo_de_Esteves_Alexandra_Coelho_Jose_Abilio_Franco_Renato_Coords_Os_Brasileiros_enquanto_agentes_de_mudanca_poder_e_assistencia_Braga_CITCEM_Fundacao_Getulio_Vargas_2013 refere aspetos interessantes nomeadamente na p. 20 “A 15 de novembro de 1853, a rainha de Portugal, com 34 anos, faleceu de parto (o 11º). Os costumes da época impunham que os familiares diretos dos defuntos, incluindo as crianças, se encerrassem oito dias nos seus quartos, donde não podiam sair. D. Fernando, e os infantes, cumpriram o preceito”. 23 Em https://icom.museum/en/, e com sítio em Portugal em http://icom-portugal.org/

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“museu” um espaço onde há coisas antigas e muita vontade (legítima, aliás) de auto - proclamarem esse seu espaço simbólico e físico como museu.

A espontaneidade, que marca a cultura popular está implícita neste conceito comunitário de museu. A falta de conhecimento dos seus promotores sobre o setor da museologia é, em muitos casos, a origem desse cenário. Esses espaços marcados pela autoestima das populações locais, que assim se expressam numa ideia de ancestralidade orgulhosa, também poderão ser transformados, com vantagem para essas populações.

São necessárias ações de intervenção qualificante. Nesta lógica, o papel do Estado e dos seus órgãos relacionados com a Cultura e com a Museologia24 tem, necessariamente, que se alterar e atualizar. Gizar medidas de política e consequências (ao nível do financiamento público, tipo «rendimento mínimo museológico garantido», por exemplo). Algumas ações deste tipo poderão qualificar os Voluntários dos museus de comunidade e, assim, os museus que ainda não tiveram condições para aderirem à RPM, contribuindo para a sua credenciação museológica? Acreditamos em boas soluções caso a DGPC seja sensível a esta realidade.

O problema da qualificação destes museus é uma questão central a que deverá ser dada resposta adequada. É possível contribuirmos, todos, para uma verdadeira alteração do cenário atual, pelo menos, no domínio dos designados museus etnográficos de pequena escala? Temos que acreditar que sim. Contributos que enriqueçam a museologia local portuguesa naquilo que ela é e representa, num País com uma riquíssima diversidade cultural e um empreendedorismo que, de facto, existe, são deveras necessários.

1.2.1 A proposta de apoio à gestão de museus locais Pensamos poder estabelecer, com rigor e com linguagem dirigida aos amadores da museologia, um plano de ajuda para facilitar-lhes a entrada nesta área fascinante do património cultural local. A gestão e animação destes espaços de memória coletiva, criada e gerida através da museologia e da sua ligação à cultura e ao turismo cultural pode significar alento para se prosseguirem projetos de base comunitária de grande impacto? Desde que se integrem os princípios museológicos mais adequados, esse objetivo poderá ser alcançado.

Por isso, na proposta que apresentamos, insere-se, com clareza, a orientação que propomos para que cada uma destas instituições possa nascer, evoluir e atingir o patamar da credenciação em sede institucional da DGPC. Esta é certamente a via que assegura a melhoria da museologia praticada em Portugal.

Nesta área de intervenção cultural ao nível das comunidades fora das grandes cidades e vilas, há valores e há muitas vezes participação voluntária: advogados, professores, médicos, engenheiros, empresários, domésticas, padeiros, escriturários, mecânicos, jovens licenciados em variadas áreas do conhecimento, aposentados, estudantes, etc. Todos eles, em sentido

24 Como refere Marcio Ferreira Rangel, no texto “A museologia no mundo contemporâneo” de 2013 e disponível em http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/1371, pp. 408-418, p.416: ”Ao nos reaproximarmos do museu e passarmos a compreendê-lo como matéria-prima, buscamos restabelecer uma base comum mínima para todos que trabalham com a museologia. Torna-se necessário, contudo, aprofundar a discussão das ferramentas metodológicas que podemos aplicar em um objeto de pesquisa determinado e, quem sabe, em futuro próximo, alcançarmos a elaboração de um modelo conceitual que possa atender ao campo.”

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geral, estão imbuídos da vontade de colaborar com o seu museu, de viver o seu projeto cultural, de cimentar a sua identidade e de reforçar o seu sentido de pertença.

Neste sentido de procura de diálogo, este manual cumpre um compromisso: contribuir na sua escala de intervenção para que a qualificação deste tipo de museus seja uma realidade. Todavia, a referência é, como se entenderá, a estratégia de enquadramento da DGPC que seguimos e também publicitamos.

Criada em 2011, esta estrutura resulta da fusão do Instituto Português dos Museus (de 2007), e do Instituto Português da Conservação e Restauro, bem como da Estrutura de Missão – Rede Portuguesa de Museus e o Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, I.P., e é a entidade estatal institucionalmente incumbida pelo Estado de promover e organizar a gestão do património nacional.

A Rede Portuguesa de Museus trata da museologia nacional e reporta, portanto, à DGPC. É possível e desejável compatibilizar os princípios contidos na legislação de enquadramento de museus e de património com o trabalho e respetivo conhecimento adquirido no terreno pelos museus de comunidade.

Estes museus deverão atingir o objetivo de integrarem uma componente científica do «saber-saber» que, agregada ao «saber-fazer» da museologia realizada por amadores, sirva de incentivo bastante para a caminhada da credenciação em sede da RPM. A documentação técnica requer palavras-chave bem compreendidas pelos especialistas e estudantes desta matéria, mas dificilmente percetíveis para a generalidade das pessoas.

Muitas pessoas trabalham em cultura e em museologia de forma voluntária, nomeadamente nos museus locais de pequena dimensão (em acervo e em espaço de exposição e produção cultural) e precisam de respostas. Feito este diagnóstico, e com conhecimento de terreno desde 1994, esta reflexão contribuiu para escrevermos este pequeno manual precisamente como uma possível forma de resposta, embora parcial e complementar, a esta necessidade socialmente sentida no domínio da comunicação patrimonial e da sua componente museológica.

Este manual não se destina a ensinar. É, antes, uma forma de partilha de ideias e experiências já sedimentadas na nossa prática museológica e disponibilizadas para a sua divulgação. Acresce que os conteúdos vertidos neste texto se alinham à estratégia museológica nacional e internacional e podem contribuir, na perspetiva da sua ação pedagógica junto dos interessados, como mais um contributo para a divulgação da cultura museológica tão necessária, quanto oportuna, para que a qualificação e certificação dos espaços museológicos ainda não beneficiados pela inclusão na RPM possa ser ainda mais potenciada. Este manual pretende tornar-se, na lógica de serviço público, um desses apoios e parceria25.

O aumento de qualidade de intervenção dos museólogos amadores é vital para o futuro deste setor da museologia portuguesa nomeadamente no país desertificado e pouco atrativo para os profissionais que têm dificuldade em construir uma carreira em museus comunitários que, regra geral, não possuem nem Quadro de Pessoal nem Orçamento anual e, portanto, com dificuldades na geração de emprego museológico. O desenvolvimento do turismo cultural, fator de dinamização importante, é também matéria dependente da qualidade que os museus

25 A bibliografia comentada é outra fonte de informação, e possível reflexão dos interessados, que se preparou tendo em conta esta realidade. Para além disso as fontes web distribuídas ao longo de cada capítulo oferecem mais informações.

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locais saibam acrescentar aos seus produtos culturais para gerarem economia? Muito provavelmente esse é um foco relevante para o futuro.

Neste universo de questões, assumimos, todavia, que este manual não é uma lição de museologia. Ele é, com toda a certeza, um exemplo de como sem orçamento regular nem quadro de pessoal técnico é possível iniciarem-se percursos museológicos que, posteriormente, podem e devem, sempre que possível, integrar a RPM.

Pretendemos que o nosso texto seja um estímulo à iniciação de pessoas numa área de saber que, esperamos nós, as motive a adquirir mais competências pessoais e, quem sabe, as ajude a trilhar outros caminhos no domínio da museologia aplicada às suas necessidades concretas. Neste setor cultural a inovação é também uma expetativa legítima na prática cultural. O cidadão que colabora com o museu é, nesta perspetiva, um empreendedor.

Se atingirmos o objetivo de sensibilizar os agentes locais de desenvolvimento cultural para a necessidade de se auto-formarem, olhando o museu de uma forma mais rigorosa e trabalhando em compromisso com os princípios museológicos da tutela e da autoridade museológica nacional, tanto melhor.

Criar, fazer desenvolver e dirigir pequenos museus considerando-os peças, importantíssimas, do desenvolvimento sócio - cultural e económico local e regional, implica a existência da museologia de iniciativa popular? Acreditamos que sim. Em muitas localidades do país ela pode contribuir para o crescimento económico, por exemplo, através da criação de atrações turísticas, geradas a partir dos recursos locais e fortalecimento da oferta turístico-cultural.

Por isso, o papel da museologia profissional e as medidas de política dos ministérios, nomeadamente do Ministério da Cultura26 e do Ministério da Economia27, são decisivas. Muitos dos designados museus28 vão vivendo a sua vida segundo critérios que, por vezes, nada têm que ver com o saber e rigor que o conceito académico e as práticas institucionais e normalizadas da museologia indicam. A responsabilidade de todos os atores da museologia portuguesa é a de perceber e tentar, na medida do possível, contribuir para corrigir esta situação.

Essa correção faz-se com produção teórica, com investigação aplicada, com estudo de casos concretos, com produção bibliográfica acessível a todos os intervenientes no processo museológico, faz-se com discursos teóricos e necessários à discussão da problemática implícita neste domínio. Faz-se, também, com bom-senso.

A melhoria contínua da rede museológica nacional faz-se, essencialmente, com esforços concentrados na promoção da cultura portuguesa e, nomeadamente, no reforço de visibilidade de que carecem as culturas locais e do que elas representam para um País que queremos mais desenvolvido e moderno.

Compreender o papel do museu de comunidade, geralmente etnográfico, numa época em que há a tendência generalizada para a harmonização de padrões de comportamento, num tempo em que tudo nos parece igual, é fundamental para se perceber a dimensão das afirmações identitárias locais? Sem dúvida que sim.

26 https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21/area-de-governo/cultura/acerca 27 https://www.portugal.gov.pt/pt/gc21/area-de-governo/ministro-adjunto-e-da-economia 28 E aqui coloca-se a questão da legitimidade de proclamação da designação “museu”, que trataremos em capítulo próprio.

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A proliferação de museus locais criados desde a década de oitenta do passado século é uma evidência histórica que a afirmação identitária explica e é independente da tecnologia: nesse sentido de preservação das raízes locais muito há a fazer e a partilhar, todavia, sem necessidade de ignorar o contributo tecnológico, nomeadamente, da digitalização. Antes pelo contrário. Mas contra o «museu de chave na mão», pronto a estrear, existe o «museu de comunidade», construído pela comunidade mais próxima e sempre inacabado.

A ligação tradição - modernidade é, nos nossos dias, uma das questões mais importantes para o nosso desenvolvimento sócio - cultural e económico. Trabalhar em museologia é encontrar e descobrir, é tatear soluções, assegurar intervenções cujo trabalho estruturante define cada museu e seu referencial teórico.

Numa época em que o abandono da terra é sinal de que há uma forte contradição social no tocante à defesa das culturas locais, nomeadamente aquelas que são oriundas da relação do homem com o seu património natural e cultural, há responsabilidades de todos nós em tentarmos salvar, com sentido estratégico de futuro, os patrimónios que nos foram legados.

O património da ruralidade e das artes e ofícios tradicionais merece atenção urgente e particular, dada a vertiginosa mutação que o atravessa desde a década de sessenta, ou seja, desde a pré-história da mecanização sistemática em Portugal.

Temos a responsabilidade ética de preservarmos esses patrimónios para as gerações vindouras e essa preocupação cívica solicita técnicas de intervenção. É bom frisar-se que a defesa do património cultural não é um problema técnico. Pelo contrário, é um problema cultural que, uma vez identificado com um diagnóstico adequado, nos permite estabelecer um quadro técnico de intervenção coerente e responsável, com vista à realização de intervenções qualificadas nesta matéria da salvaguarda do que fomos e somos.

Os museus são apenas uma pequena parte desse processo cultural. As comunidades locais deverão poder aproveitar os centros de conhecimento instalados na sociedade, ligando os projetos culturais às escolas e às restantes instituições que operam no seu território. A museologia deverá ser vista como mais uma ferramenta a favor da valorização dos recursos humanos e materiais.

O museu deverá ser capaz de se posicionar na comunidade dando contribuições para o que hoje se designa por gestão económica da cultura. O museu e as práticas culturais são elementos de produção de “mercadorias” de valor intangível e, por isso, com uma verdadeira correspondência económica. Porque havemos de pagar, sem pestanejar, um bilhete de oito euros na entrada de uma feira de diversões e somos tão relutantes a pagar o mesmo preço na entrada de um museu?

A mentalidade da sociedade é algo que leva tempo a transformar, mas hoje é compreensível, para todos, que o serviço prestado pelo museu ou por outro centro de produção cultural tem custos, gera satisfação no consumidor e é produto que tem que ser pago, numa sociedade em que, de resto, nada é grátis.

A cultura popular teve sempre mais dificuldade em ser entendida e aceite como área geradora de receita. Os orçamentos da cultura oficial privilegiam as rubricas das denominadas artes eruditas sendo muito escassos no domínio das artes populares. O atavismo administrativo, as clientelas, os grupos de pressão e a evolução histórica da vida cultural portuguesa explicam esta dificuldade que os nossos governantes apresentam, pela forma como encararam a arte popular.

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Por outro lado, atendendo à vertente académica tradicional e ao estado das coisas no domínio da museologia em Portugal, apenas se podem visualizar exemplos raros de interesse académico e consequente pedagogia do património pelo que designamos de atenção devida à Museologia Popular29.

Como bem expressa FILHO30, a questão das elites e das classes populares explica o entendimento geral que se tem sobre a realidade produtiva do Povo. Como refere: ”Quanto ao conceito de popular, apesar de, também, poder ser controverso por designar o que é próprio do povo, quer enquanto classe social, quer no seu sentido mais amplo, pode também indicar-nos algo que pertence ao senso comum, ou seja, que é partilhado no tempo e no espaço por um número considerável de indivíduos. A expressão popular remete, portanto, para a memória colectiva e para a tradição.”

Nesta ideia de designar o que é do povo cabe não apenas o Folclore e as Artes e Ofícios, mas, acima de tudo, a Cultura tácita, empírica, de experiência vivida, em oposição à Cultura explícita, formal, académica. Com esta reflexão também pretendemos ligar estas duas realidades. O passado recente indica-nos que esse é um caminho viável para o ressurgimento dos museus de comunidade como entidades criativas, modernizadas, com futuro.

As culturas locais são, na era da globalização económica e cultural, um esteio das identidades nacionais, mesmo considerando-se a cultura global e as mudanças de paradigmas que as afetam? Acreditamos que sim. Como afirma Medeiros31 há aspetos particulares, por exemplo, na cultura rural: “…o povoamento rural está associado às características das actividades agro-pecuárias, incluindo as das propriedades e explorações em que se desenrolam. Através daquelas características transparecem também no povoamento rural influências naturais que as condicionam, a princípio consideradas determinantes.”

Esta é uma realidade dominante nos museus de iniciativa local, quer eles se situem em zonas rurais (predominantes), em zonas urbanas e em zonas periurbanas. Todavia, o lado da procura de lógicas museológicas para reforçar as identidades locais num contexto de globalização e digitalização dos nossos quotidianos tem continuado e parece acentuar-se nas culturas urbanas. Deste modo, os museus de comunidade não são apenas os da ruralidade e a sua presença é útil para a atração de viajantes um pouco por todo o país.

O Turismo, nomeadamente o Turismo Cultural tem contribuído para que muitos dos museus dispersos pelo país integrem uma rede nacional que as sucessivas estratégias do Turismo de Portugal, I.P. têm sustentado. Mas é necessário fazer-se mais pelos museus de comunidade. E nesta matéria como refere o documento institucional “Cooperação Territorial Europeia e Cultura”32 na p. 6: “A transversalidade que tem caraterizado a cultura nos últimos anos faz

29 O museólogo Mário Moutinho e alguns dos seus discípulos têm realizado um trabalho muito meritório nesta matéria, tal como outros investigadores como Henrique Coutinho Gouveia, Joaquim Pais de Brito ou Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, só para citar algumas das personalidades que têm sabido olhar a etnografia e a museologia correspondente, com preocupações de estudo, divulgação e dignificação desta área museológica e cultural, tornando esta prática museológica mais consistente e mais próxima dos consumidores culturais que todos somos. 30 FILHO, op. cit., p.20 31 MEDEIROS, Carlos Alberto, (1976), Portugal- Esboço Breve de Geografia Humana, Lisboa, Edições Terra Livre, p.68. 32 Da responsabilidade da Universidade do Minho, com a Equipa técnica de Francisco José Veiga (Coordenador), Francisco Carballo-Cruz e Linda Gonçalves Veiga, do Núcleo de Investigação em Políticas Económicas – NIPE, a pedido do Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais Secretaria

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dela um elemento a não descurar nas políticas de inovação e de coesão de modo a que estas possam atingir os objetivos a que se propõem. As políticas de inovação propõem um conceito abrangente de inovação baseado nos recursos culturais e criativos. Por sua vez, as políticas regionais salientam o papel da cultura na promoção da atratividade das regiões e a posição estratégica das Indústrias Culturais e Criativas (ICC) para estabelecerem a ligação entre a criatividade e a inovação aos níveis local e regional.” A leitura deste texto pode constituir uma abertura de horizontes para os promotores de museus locais e, nessa abertura, este documento técnico aponta casos e exemplos de aplicação com muito interesse.

1.3 Síntese • Como se tentou demonstrar neste passo do nosso trabalho, a génese do «museu»

está intimamente relacionada com o facto de o colecionismo ser uma das constâncias do comportamento humano. Procurar, descobrir, acumular, classificar, expor e dar a ver aos outros é, nesta lógica, uma forma de intermediação entre os objetos que, segundo critérios específicos, são preservados e os outros objetos que são descartados nessa conjuntura temporal de utilização de critério de salvaguarda versus descarte.

• A longa história do museu é, nesse sentido, uma forma de percebermos como a cultura material e imaterial foi sendo criada e fruída pelos que a protagonizaram, mas, em termos gerais, como os ciclos temporais, políticos, artísticos e produtivos geraram os valores que a museologia considera salvaguardar.

• Nesta linha de pensamento, o estudo das épocas histórias e das suas consequências na marcha da Humanidade também deverá fazer parte da preocupação de todas e de todos quantos laboram nos museus de comunidade, porque ter referência significa conhecer caminhos.

• O caminho destes museus é, sem dúvida, apontado cada vez mais à sua indispensabilidade como equipamentos culturais e de experiências culturais que tornam cada lugar num lugar especial: esse é o grande desafio para a capacidade atrativa destes museus que deve ser lida como ferramenta para a sua sobrevivência como instituições úteis à sociedade.

• Nesta premissa, todas as propostas de melhoria contínua do seu funcionamento e da intermediação e apoio destes, para o nascimento de outros museus de comunidade, são legitimáveis através do trabalho em rede.

1.4 Sugestões de leitura DESVALLÉES. Anfré; MAIRESSE, François, (Edit.), (2013), Conceitos-chave de Museologia, Paris: Armand Colin

(É uma obra que traduzida do original francês de 2010 se apresenta sob a forma de Glossário com entradas sobre as terminologias explicadas em termos etimológicos e integrados na epistemologia museológica. Na p.11 refere-se que: “O papel, o desenvolvimento e a gestão dos museus modificaram-se enormemente nas últimas décadas. As instituições museais centraram-se cada vez mais nos visitantes, e alguns dos grandes museus estão-se voltando,

de Estado da Cultura, de 2014 e disponível em http://www.gepac.gov.pt/gepac-seminarios/cultura2020/estudo-4-sexce-pt-pdf.aspx

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com mais frequência, para os modelos de gestão empresarial em suas operações cotidianas. A profissão museal e seu meio transformaram-se inevitavelmente.” Depois desta constatação de Alissandra Cummins, Presidente do Conselho Internacional de Museus (ICOM), acentua-se a problemática da gestão dos museus que são incentivados a seguir os modelos de gestão empresarial, o que não deixa de ser interessante. E completa o seu raciocínio quando na p. 13 escreve que: “De acordo com o espírito do ICOM, visando a promover a diversidade e a ampla inclusão, antecipa-se que, assim como ocorreu com o seu Código de Ética para Museus, esta publicação irá estimular um extenso debate e a colaboração para sua continuada revisão e atualização, ao invés de ser deixada nas estantes.” Esta ampla inclusão é também uma forma de alento para todos os museus que, ainda não fazendo parte das redes institucionalizadas pelos Estados, tal como no caso da nossa RPM, se esforçam por alcançar esse desiderato. Na Introdução, p. 17 fica expresso que: “O que é um museu? Como definir uma coleção? O que é uma instituição? O que abarca o termo “patrimônio”? Os profissionais de museus desenvolveram inevitavelmente, em função de seus conhecimentos e de sua experiência, respostas a estas questões centrais à sua atividade. É necessário retomá-las? Nós acreditamos que sim. O trabalho museal consiste em uma via de mão dupla entre a prática e a teoria, esta última sendo constantemente sacrificada às mil e uma solicitações do trabalho diário. Todavia, não se pode ignorar o fato de que a reflexão constitui um exercício estimulante, mas também fundamental para o desenvolvimento tanto pessoal quanto do mundo dos museus.” A estas interrogações esta obra vai respondendo com critério, porque reúne o contributo de muitos especialistas que asseguram a redação das entradas. François Mairesse e André Desvallées, historiando a evolução da museologia desde a década de oitenta do passado século, terminam esta introdução nas pp.22-23 referindo que apesar de mudanças territoriais e culturais a nível global: “A popularidade do museu não foi negada, seu número pelo menos dobrou no espaço de pouco mais de uma geração, e os novos projetos de construção – de Xangai a Abu Dhabi, no limiar das mudanças geopolíticas que o futuro pronuncia – vêm se mostrando ainda mais impressionantes. Com efeito, uma geração depois, o campo museal ainda está em vias de se transformar: se o homo turisticus parece ter substituído o visitante como alvo principal do marketing dos museus, não podemos deixar de nos interrogar, todavia, sobre as perspectivas deste último. O mundo dos museus, como o conhecemos, ainda terá um futuro? A civilização material, cristalizada pelo museu, não está em vias de conhecer, ela mesma, mudanças radicais? Nós não pretendemos responder aqui a questões deste tipo, mas esperamos que aqueles que se interessam pelo futuro dos museus, ou, de maneira mais prática, pelo futuro de seu próprio estabelecimento, encontrem nestas páginas alguns elementos capazes de enriquecer a sua reflexão. Por exemplo, na p. 32 aparece a entrada dedicada aos objetos agrupados com critério, que tem esta descrição: “COLEÇÃO s. f. – Equivalente em francês: collection; inglês: collection; espanhol: colección; alemão: Sammlung, Kollektion; italiano: collezione, raccolta. De modo geral, uma coleção pode ser definida como um conjunto de objetos materiais ou imateriais (obras, artefatos, mentefatos, espécimes, documentos arquivísticos, testemunhos, etc.) que um indivíduo, ou um estabelecimento, se responsabilizou por reunir, classificar, selecionar e conservar em um contexto seguro e que, com frequência, é comunicada a um público mais ou menos vasto, seja esta uma coleção pública ou privada. Para se constituir uma verdadeira coleção, é necessário que esses agrupamentos de objetos formem um conjunto (relativamente) coerente e significativo.” Esta é uma obra imprescindível para consulta permanente e de grande utilidade didática para os promotores de museus de comunidade.)

LINARES, José, (1994), Museo, Arquitectura y Museografia, Fondo de Desarrollo de la Cultura – Direccion de Patrimonio Cultural-Ministerio de Cultura, La Habana.

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Capítulo 1 - Museus de iniciativa local e museologia popular

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(Organizada em 7 capítulos com o 1º dedicado aos conceitos de museu, de museologia e de museografia, o 2º tratando do museu como tema arquitectónico e o 3º abarcando a relevância sob o título “El proyecto del museo”, onde entre as páginas 59 e 109 se desenvolve o principal conteúdo deste excelente texto. A título de exemplo, na p. 64 afirma Linares que: “Hoy, cuando el museo se proyecta como institución sociocultural de primer orden, la selección de su emplazamiento y particularmente del sitio, debe ser resultado de un processo de investigación y selección entre posibles alternativas.” O 4º capítulo trata do problema do museu como um imóvel e problemáticas da dependência que tal situação coloca a todos os museus e seus espaços fechados entre paredes, pese embora os museus de sítio também serem abordados na sua especificidade. O capítulo 5º é dedicado à exposição e aos seus aspectos teóricos e técnicos para a montagem museográfica, e no capítulo 6º, dedicado ao futuro do museu, o autor elabora uma visão preditiva que, publicada ainda no final do século passado não deixava de apresentar uma visão muito intuitiva sobre tendências e perspetivas. Por isso, e na p. 151, adverte para um facto que ainda hoje e certamente no futuro se manterá como uma âncora de qualquer projeto museológico porque refere o seguinte: “No olvidar que el objecto patrimonial no es un elemento aislado – independentemente de sus valores transcendentes per se – sino parte inalienable de un contexto.” Encerra os capítulos com o que no nº 7 explicita sobre o museu e o seu contexto museológico recordando que, numa linha de gestão de museus, nomeadamente de comunidade, todos os objectos que entram num museu sofrem no processo de musealização um “…doble conflicto: de descontextualización y de matamorfosis”, conforme expressa na p. 157. Sem dúvida que o processo de descontextualização e a metamorfose podem ser atenuados através das museografias escolhidas para a exposição dos objectos em colecções em que as narrativas visuais e textos que as complementam, bem como as soluções multimédia, criam uma atmosfera explicativa a completar pelo visitante. Os 4 Anexos que completam esta bibliografia são relevantes como exemplos práticos de trabalho com o património, da formação museológica, da iluminação de museus e, finalmente, dos sistemas de segurança em museu. Recomendado.)

FILHO, João Lopes, (2004), Agrupamentos de Folclore – Ontem e Hoje, Lisboa, INATEL

(Este livro está organizado em 9 partes, a saber: introdução; evolução do conceito de folclore; génese dos agrupamentos; congressos de 1938 e sua revisão histórica; análise de grupos de folclore que participaram no congresso de 1938; outros participantes; mudanças nos ranchos folclóricos/grupos etnográficos; associativismo no âmbito do folclore; o papel atual dos agrupamentos de folclore. Desta forma, temos acesso a uma sucessão de informação que nos apraz registar como de grande utilidade pela visão global decorrente desta opção de arrumação das matérias, mas, igualmente, pelos detalhes e profusa bibliografia de apoio. Nas Considerações Finais, p.451, este Antropólogo apresenta uma imagem bem concreta do que pensa como síntese deste trabalho, quando refere o seguinte: “…o estímulo à criação dos referidos agrupamentos com o objectivo de valorização e selecção da «cultura popular», facilitaria a preservação da «pureza e raízes da nação portuguesa» na óptica do Estado Novo. A utilização destes elementos tornar-se-ia indispensável à reconstrução da imagem nacional debilitada na sequência do Ultimatum Inglês (1890) e da instabilidade que marcou o percurso da 1ª República (1910-1926). Assim, o regime procurou aproveitar alguns aspectos da cultura tradicional para reforçar a identidade nacional com vista a uma melhor implementação de uma ideologia política diferente.” Como exercício sobre um tema tão interessante como é o Folclore e a sua contextualização na Cultura Popular é de consulta aconselhada para os museus de comunidade cujo eixo mais estruturante se situe nesta problemática.)

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Capítulo 2 - As práticas dos museus de iniciativa comunitária

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2.1 Introdução Os museus de iniciativa comunitária, com exceção dos que desde a sua fundação ficaram integrados em autarquias, têm tido dificuldades em se imporem, dada a sua fragilidade institucional, técnica e científica. Porém, as suas práticas de décadas demonstram que alguns deles seguiram caminhos de qualificação. Nestes caminhos a orientação à integração na RPM deverá ser, quanto a nós, uma opção devidamente preparada.

A aquisição de mais e melhor conhecimento museológico faz parte da estruturação dessa opção? Não há outra alternativa, e o crescimento da designada Economia da Cultura33 aponta para essa via. A credenciação do trabalho museológico é uma necessidade que as tutelas da Cultura e da Economia deverão considerar cada vez mais como prioridade estratégica.

O Despacho Normativo nº. 3/2006 em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/museus_e_monumentos/credenciacao_de_museus/despacho_norm_3_2006_formularios_de_acreditacao_o_museus.pdf determinava no seu preâmbulo que: “A credenciação de museus é um instrumento fulcral da política museológica nacional, cujos princípios orientadores foram instituídos pela Lei Quadro dos Museus Portugueses, aprovada pela Lei n.º 47/2004, de 19 de Agosto. Com a credenciação dá-se um significativo passo no sentido da qualificação das entidades museológicas do País. Aprofunda-se e desenvolve-se a experiência piloto de adesão à Rede Portuguesa de Museus, estabelecendo regras claras no relacionamento com a Administração Pública e inscritas num ordenamento legislativo global e coerente.”

Nessa lógica as práticas museológicas deveriam ser desenvolvidas cumprindo o que a Lei-Quadro dos Museus34 de 2004 determinava. Em 2006 a tutela era ainda mais precisa com este despacho: “Importa sublinhar que a credenciação de museus não visa a uniformização e a normalização destas instituições. Tem, antes, por objectivo reforçar a qualidade da salvaguarda e da fruição do património cultural na sua diversidade e riqueza. A Rede Portuguesa de Museus representa um sistema organizado, baseado na adesão voluntária, configurado de forma progressiva e que visa a descentralização, a mediação, a qualificação e a cooperação entre museus. A Rede Portuguesa de Museus tem por objectivos a valorização e a qualificação da realidade museológica nacional, a descentralização de recursos, o planeamento e a racionalização dos investimentos públicos em museus, a cooperação institucional, o fomento da articulação e a difusão da informação relativa aos museus, a promoção do rigor e do profissionalismo das práticas museológicas e das técnicas museográficas. A credenciação exige o cumprimento de todas as funções museológicas enunciadas na Lei Quadro, bem como a existência de instalações adequadas, de recursos humanos e financeiros.”

Se olharmos ao que decorreu nestes últimos 12 anos teremos que considerar que muitos museus, não conseguindo cumprir com todas as funções museológicas, não deixaram, porém, de continuar de portas abertas e trabalhando em prol do serviço público nos seus territórios de influência. Hoje, alguns deles tentam acertar as suas formas de gestão para irem ao

33 O Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliações Culturais, do Ministério da Cultura, produziu em 2016 uma obra dedicada à “Dimensão do setor cultural-Conta Satélite da Cultura” com referências a práticas em Portugal, Espanha, Finlândia, Polónia e República Checa. Obra de muito interesse em https://www.igac.gov.pt/documents/20178/557437/A+dimens%C3%A3o+do+setor+cultural+segundo+as+Contas+Sat%C3%A9lite+da+Cultura+europeias.pdf/55a86760-f16c-4c57-a01c-0de22e9e01fa 34 Disponível para consulta em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/museus-e-monumentos/rede-portuguesa/lei-quadro-dos-museus-portugueses/

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encontro desta realidade de credenciação que representa um passo fundamental na sua credenciação.

Por isso, a ideia que lançamos de «rendimento mínimo museológico garantido» faz sentido numa perspetiva de financiamento para que muitos desses museus possam atingir esse desiderato? Quanto a nós, poderá significar um dos caminhos possíveis, exigindo-se resultados concretos de forma a avaliar-se o desempenho com júris independentes (monitorizando-se e fiscalizando-se a forma como esse rendimento mínimo foi utilizado) em prol do objetivo “credenciação”. 35

Neste considerando, a evolução museológica também se regista em termos internacionais: atualmente debate-se o conceito de museu de forma global. Se acedermos ao sítio https://icom.museum/es/actividades/normas-y-directrices/definicion-del-museo/, e observarmos esta problemática mundial, lemos num texto muito interessante proposto pelo ICOM: “Participa en la creación de una nueva definición de museo – la columna vertebral del ICOM - LA NECESIDAD DE UNA NUEVA DEFINICIÓN DEL MUSEO”. Este apelo serve de título para uma ação justificada. Tal como se refere no mesmo documento: “En las últimas décadas, los museos han transformado, ajustado y reinventado radicalmente sus principios, políticas y prácticas, hasta el punto de que la definición del Museo ICOM ya no parece reflejar múltiples desafíos, visiones y responsabilidades. Invitamos a los miembros y otras partes interesadas a participar en la creación de una definición nueva y más actualizada. Puede enviar una propuesta en el siguiente formulario hasta el 20 de mayo de 2019. Las nuevas propuestas se publicarán aquí de forma continua. La decisión sobre una nueva definición tendrá lugar en Kyoto en septiembre de 2019.”

Esta é uma forma muito democrática para que os cidadãos possam especificar a sua ideia sobre o que deverá ser um museu. Como veremos, assim parece ser. No título e texto seguintes surge o seguinte como justificação: “EL FORMATO DE UNA NUEVA DEFINICIÓN DE MUSEO - Una nueva definición puede ser concisa como ley o concisa como poema. O ambos. Puede ser largo o corto, un todo coherente o dividido en secciones o jerarquías. Sin embargo, nos gustaría que una nueva definición contenga o refleje una lista de parâmetros”.

Para consubstanciar esta auscultação, o leitor deste sítio ainda poderá refletir sobre as fundamentações que o ICOM adianta consultando o documento em https://icom.museum/wp-content/uploads/2019/01/MDPP-report-and-recommendations-adopted-by-the-ICOM-EB-December-2018_ES.pdf, com o título “COMITÉ PERMANENTE SOBRE LA DIFINICIÓN DE MUSEO, PERSPECTIVAS Y POSIBILIDADES (MDPP)”.

Apresenta-se a contextualização no prólogo: “Este documento contiene las recomendaciones y el informe presentado por el Comité Permanente sobre la Definición de Museo, Perspectivas y Posibilidades (MDPP) al Consejo Ejecutivo del ICOM, de conformidad con su mandato, con relación a la necesidad de una posible revisión de la definición de museo. El Consejo Ejecutivo del ICOM aceptó el informe y aprobó las recomendaciones por unanimidad. La última sección del documento incluye el marco temporal en el que se desarrollará el proceso hasta la celebración de la XXV Conferencia General del ICOM en Kioto en septiembre de 2019. La presente versión contiene correcciones gramaticales menores para poner de manifiesto la aprobación del informe original por el Consejo Ejecutivo. Jette Sandahl, Presidenta, MDPP, diciembre 2018”. Tal como tratamos na bibliografia sugerida para este capítulo, o alcance

35 Esta ideia que fomos alimentando desde 1994 na Direção Técnica do MAR faz sentido para todos os museus que, independentemente da sua classificação em sede da RPM, desenvolvem Serviço Público.

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desta intervenção e sua fundamentação documental é de grande interesse para os promotores de museus de comunidade. A gestão dos museus comunitários também beneficia de aprendizagem sobre mudanças doutrinárias, como a que anteriormente se referiu sobre o conceito de «museu»? A informação atualizada responde afirmativamente.

Os museus de iniciativa local, devido à sua fragilidade institucional, e porque, por isso, não se integram em estruturas de apoio estatal, precisam de inventar formas de gestão que ultrapassem as dificuldades. Pela nossa experiência pessoal, sabemos que, mesmo numa relação amistosa entre estes museus e, por exemplo, as autarquias, as dificuldades de ambas as organizações no que respeita a financiamentos para investimento cultural são notórias desde há décadas.

De um ponto de vista de funcionamento, há prática e existem experiências espalhadas um pouco por todo o país e à medida das realidades de cada museu. Todavia, há um lugar-comum que todos estes museus também partilham: a solidariedade dos residentes locais enquanto comunidade de proximidade e o voluntariado, tanto espontâneo, quanto sistemático. A ideia de «rendimento mínimo museológico garantido” vai ao encontro do suporte financeiro regular e necessário a esta estrutura informal, mas que gera valor cultural para os territórios.

É dessa condição dupla de “serviço público cívico” de todas, e de todos quantos acreditam nos seus museus de comunidade e os apoiam, que de facto vivem os museus de comunidade. Por isso, a participação é fundamental. No caso, e retomando ao ICOM, vemos que em https://icom.museum/en/activities/standards-guidelines/museum-definition/ poderemos interagir na definição de museu.

Na ocasião em que respondemos ao apelo, decidimos enviar o nosso contributo na seguinte forma: “Nota preliminar: O museu, para além das suas funções de natureza social, científica e técnica deverá ser considerado como uma extensão da comunidade que o suporta financeiramente numa perspetiva de serviço público que presta”. Assim propomos:

"Um museu é uma instituição sem fins lucrativos, permanente e ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento sustentável, aberta ao público, e que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e seu meio ambiente com a finalidade educativa, de investigação, de fruição do seu acervo e das trocas com outras instituições, tendo a possibilidade de criar e desenvolver atividades complementares com vista a garantir uma parte financeira, fundamental à sua missão institucional e podendo receber um "rendimento mínimo museológico" e sistemático do Estado com vista a assegurar, anualmente, a prestação de serviço público no seu domínio de intervenção patrimonial e criativa.”36

O aviso que acompanha este pedido colaborativo é explícito, porque apela à participação pública para que o novo conceito seja tido em consideração pelos especialistas que até 2019 tratarão desta problemática conceitual. Esperamos que sim. Aliás o histórico do ICOM é assinalado por causas públicas. Por isso se refere que: “Establecido en 1946, el ICOM es una organización sin fines de lucro y una organización no gubernamental comprometida con la investigación, la conservación, la continuación y la comunicación del patrimonio natural y cultural del mundo, presente y futuro, tangible e intangible (Estatutos del ICOM). Este proceso de audiencia a través de contribuciones anónimas (y su forma asociada) está diseñado por ICOM para el beneficio público. No recopila ningún dato personal u otra información de 36 Enviado em 10.3.2019 para o sítio https://icom.museum/en/activities/standards-guidelines/museum-definition/

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identificación. Por lo tanto, al publicar las contribuciones enviadas, no se asociarán datos personales con las propuestas.ICOM posee los privilegios de derechos de autor sobre todas las respuestas y se reserva todos los derechos para introducir cambios en las definiciones propuestas sin pedir permiso a sus colaboradores.La presentación pública de las contribuciones recopiladas es un derecho exclusivo de ICOM como titular de los derechos de autor. Al completar este formulario, los contribuyentes entienden que no pueden reclamar derechos sobre cualquier posible definición futura que pueda resultar de este proceso colectivo. Para cualquier pregunta, puede ponerse en contacto con Afsin Altayli, coordinador de Museos y Sociedad [email protected].”

Ao respondermos a este convite estamos, convictamente, a participar da problemática em curso e, ao mesmo tempo, assumindo a responsabilidade na forma de um contributo colaborativo efetivo. Esta forma de interação institucional e social inaugura, em termos internacionais, um espaço de diálogo que, no que concerne aos museus de comunidade lhes comunica esperanças. Será que a nossa participação será tida em conta? Não sabemos, mas temos consciência de que deveríamos responder ao apelo.

Desta forma, os museus perfeitos e os museus que, em Portugal, ainda não estão credenciados pela DGPC são vozes da museologia e, como entidades com voz no circuito museológico global, devem pronunciar-se. O efeito do atual ambiente comunicativo “glocal”, simultaneamente global e local, é benéfico para este tipo de ações. Assim, de forma voluntária, quem queira colaborar poderá fazê-lo a partir do preenchimento da proposta e, ainda, se for caso disso, entrar em contacto com o Coordenador, Afsin Altavli.

2.2 O trabalho de voluntariado no museu local Em Portugal, o voluntariado foi, desde a fundação das Misericórdias no final da Idade Média uma realidade social que criou uma rede nacional até aos nossos dias, e em plena função social. A Misericórdia de Lisboa37, fundada em 1498 pela Rainha D.ª Leonor38, com o nome de Irmandade de Invocação a Nossa Senhora da Misericórdia, foi a pioneira. A ideia de prestação de serviço público para o bem da sociedade é o motivo principal do voluntariado.

A prática diária da maior parte dos pequenos museus etnográficos mostra insuficiências próprias que só serão ultrapassadas com trabalho a desenvolver-se na forma de gestão integrada em redes profissionais. Por isso, a Rede Portuguesa de Museus – RPM tem um papel determinante na museologia nacional. Este é um assunto crítico que deverá merecer a atenção devida pelos museus de comunidade: o voluntariado é um domínio fundamental.

A DGPC tem em permanência uma iniciativa dedicada ao voluntariado: a “Ficha de Inscrição para Voluntariado nos Monumentos, Museus e Palácios da DGPC” abre a possibilidade de muitos atores territoriais poderem experimentar o ambiente museológico na forma de participação em ambiente profissional. Esta é uma oportunidade para os que colaborando com

37 Veja-se em http://www.scml.pt/ 38 Isabel dos Guimarães Sá, de 2009, trata o tema “A Fundação das Misericórdias e a Rainha D. Leonor (1458-1525): uma reavaliação”, desenvolvido com uma visão muito oportuna e disponível em http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/10545/1/A%20Funda%C3%A7%C3%A3o%20das%20Miseric%C3%B3rdias.pdf, constitui uma excelente fonte de informação.

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museus de iniciativa local conhecerem esses ambientes da RPM e colherem ensinamentos teóricos e procedimentos práticos, que se recomendam.39

Há uma história que define parte dos resultados museológicos dos museus deste tipo. A forma de operar destes museus locais não está sintonizada, nem com carreiras académicas, nem com os problemas corporativos da classe de museólogos, antropólogos, conservadores ou historiadores e, por isso, padece, em contraponto, do amadorismo voluntarioso. A DGPC, caso incentivasse ainda mais esta linha nos museus de comunidade, contribuiria decisivamente para melhorar a rede museológica nacional.

Na lógica da valorização do trabalho museológico comunitário, um dos domínios urgentes é o de encontrar modos de funcionamento rigorosos e traduzir o esforço amador e voluntário em realizações melhor enquadradas com o que tanto a doutrina internacional da UNESCO40, quanto as diretivas e estratégias europeias e nacionais consagram. Dos cerca de quatrocentos museus existentes em Portugal, só cerca de um terço desses museus pertence à RPM.

Grande parte da fragilidade destes museus de comunidade advém da realidade de não contemplarem na sua gestão quotidiana quadros de pessoal em número e especialidades suficientes, nem financiamentos regulares.

Quando esses perfis profissionais se manifestam, estamos em presença de trabalho cívico voluntário ou enquadrado por instituições do Poder Local41, Municípios e Freguesias, e Uniões de Freguesias42, entidades que suportam muitos destes museus de comunidade, como poderemos constatar.

Na grande maioria destes museus há tão só trabalho voluntário e, quando muito, orientação de alguém dentro da área da museologia, história, antropologia, etc. Por essas e outras razões, os museólogos populares voluntários não costumam entrar nos fóruns especializados, por falta de informação, por falta de habilitações académicas de base ou, ainda, por falta de condições para participarem nas estruturas museológicas institucionalmente ligadas ao aparelho da administração do Estado.

Muitos museus de comunidade estão ligados a municípios e, tratando-se de ligações protocoladas, há condicionantes a considerar. Em muitos casos, quando o museu de comunidade não reúne condições suficientes para mudar para um paradigma museológico como o da RPM, fica dependente do único incentivo à continuidade destas estruturas culturais: o Poder Local.43 Este é um aspeto que urge modificar e requer maior apoio institucional a esta museologia local voluntariosa? Cremos que sim.

39 O(a) cidadão(ã) candidata-se e, sendo aprovado, será integrado na equipa do museu onde prestará voluntariado. Em http://w3.patrimoniocultural.pt/voluntariado/ 40 Veja-se o portal da Comissão Nacional da UNESCO em https://www.unescoportugal.mne.pt/pt/ 41 O sítio da ANMP- Associação Nacional de Municípios Portugueses em https://www.anmp.pt/ 42 Em http://anafre.pt/home temos acesso a informação institucional da ANAFRE- Associação Nacional de Freguesias 43 E há que destacar aqui, e com justiça, o esforço da Câmara Municipal de Torres Novas no incentivo e apoio concreto do MAR. De um ponto de vista de estratégia cultural autárquica o MAR tem sido um agente cultural digno de atenção, tanto mais que a entrega da Medalha de Mérito Cultural instituída pela autarquia no seu programa Memórias da História reconhece o trabalho produzido e serve de estímulo a uma cada vez maior representatividade regional (no âmbito da sua função museológica corrente e no domínio de parcerias). Os sedimentos desta ação estão disseminados numa população que desde muito jovem passou a ter razão de ser neste espaço museológico e é estímulo para a continuidade deste

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2.3 Síntese • Como se poderá concluir nesta componente da complexa vida dos museus de

comunidade, há um distanciamento enorme entre estes lugares patrimoniais e os museus que contam com Quadro de Pessoal e com Orçamento Anual, por magros que sejam. Esta é uma realidade que marca a vida quotidiana dos museus locais de iniciativa associativa de direito privado.

• O conhecimento tácito que promovem e produzem (conhecimento popular muitas vezes produzido anonimamente…) tem correspondência a um outro tipo de conhecimento, explícito, académico, formal e pouco preocupado com as verdadeiras razões que alimentam os museus de comunidade.

• As raras exceções não são suficientes para que se possa pintar um cenário mais brando e feliz como, certamente, todos gostaríamos de esboçar. Há uma dificuldade de diálogo entre estes dois campos do conhecimento (não académico e académico).

• Em 2012 escrevemos na obra de João de Matos Filipe, na Nota de Apresentação44, o seguinte: “Nesta dimensão exemplar, falar de património natural e de património cultural é focar as pessoas como protagonistas e, por isso, nas descrições e interpretações documentais, o Autor destaca a paisagem e dá voz aos homens e mulheres que a foram recebendo, alterando, salvaguardando, destruindo, reconstruindo, em suma…, a foram vivendo.”

• O trabalho deste Historiador, tornado labor de voluntariado e de serviço público, lida, com rigor e com sentido de futuro, o conhecimento tácito do povo de Ortiga com o seu conhecimento académico e de investigador que, todavia, sabe dosear a sua capacidade académica e formal com a descrição informal dos seus informantes, que liga, enfim, com a análise e crítica de fontes bem patente no seu livro.

• Em muitos outros locais do território nacional acontecem intermediações desta natureza que, na sua dinâmica e no que ela significa ao envolver e motivar outras pessoas desses lugares a realizarem trabalhos desta índole, acrescenta valor museológico e cultural ao país.

2.4 Sugestões de leitura FERREIRA, José Maria Cabral, (1983), Artesanato, Cultura e Desenvolvimento Regional – Um Estudo de Campo e Três Ensaios Breves, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda

(Esta obra é uma referência clássica no que respeita ao estudo antropológico sobre realidades culturais locais com consequências interessantes no domínio museológico local, porque como o autor considera, na p. 13, “Indiscutível é o facto de que a cultura da Região é matriz condicionante de toda a política de desenvolvimento local; que por uma vez ele venha reconhecido, mesmo que o seja em sede limitada, eis o que se sublinha com alguma esperança e muita atenção.” Esta reflexão inicia um trabalho dividido em 4 partes a saber; I- A Olaria de Vilar de Nantes; II – Do Artesanato na Região Norte de Portugal; III – Cultura e Defesa do Património Cultural (que se recomenda pelo que de metodologia de análise e de perspetiva de ação encerra); IV – Política Cultural e Estratégia de Desenvolvimento Regional. Profusamente ilustrado e documentado, bem como portador de transcrições de conversas obtidas no trabalho de campo, todo o conteúdo se canaliza para um modelo explicativo cuja

percurso, nomeadamente através do excelente trabalho desenvolvido no âmbito dos Serviços Educativos. 44 Obra citada e editada pelo Jornal Regional “O Mirante-Editora”

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pedagogia intrínseca e didática a ela associável (através, por exemplo, de desenhos bem detalhados, e trabalha no «caderno de campo») aposta numa escrita simples para que todos os tipos de públicos leitores acedam a esta reflexão que, todavia, pelo seu rigor e qualidade ainda hoje se recomenda. Termina o seu texto com uma reflexão que é um misto de afirmação convicta e uma espécie de estratégia de sedução para os futuros profissionais do património. Por isso escreve na p. 174 que: “O papel de uma política cultural, em sentido restrito, é precisamente o de preservar do passado aquilo que é semente de vida, de trabalho, de contemplação, de gozo; e de impulsionar no presente o aparecimento de novas vozes, novas actividades, novas obras e mensagens que, recolhendo a mensagem do tempo que foi, anunciem o futuro e sua esperança.” O nosso trabalho de gestão em museus de comunidade tem muito a ganhar com o estudo proposto por este autor.)

FILIPE, João de Matos, (2012), Cultura e Artes da Pesca Tradicional no Rio Tejo em Ortiga-Mação, Santarém, Edição O Mirante-Editora

(Esta obra repartida em 5 pontos capitais e desdobrados em tópicos de grande interesse, acompanhados de ilustrações que os sustentam, representa um excelente exemplo de produção de Conhecimento útil aos museus de comunidade. De facto as Artes da Pesca praticada ainda hoje em Ortiga, município de Mação, são detalhadas através de tópicos que tratam de: pesca tradicional; equipamentos e aparelhos de pesca; pesqueiras existentes nas margens do rio Tejo; barcos Picaretos, específicos desta aldeia; varelas; tarrafas; tresmalhos; redes e cordame; nassas e côvãos; cestulhos; camaroeiros; cestas de verga; poutas; artes de pesca tais como com a varela e a tarrafa, tresmalho e redão, bem como pesca com cana. Depois a Culinária e as Oralidades, bem como a Poesia e o Armorial da freguesia de Ortiga merecem, todos eles, uma atenção detalhada e integradora dos mesmos no complexo pesqueiro local. Entretanto, esta obra deu oportunidade para a criação de um Núcleo Museológico de Artes da Pesca e da Ruralidade que, em fase de lançamento e desenvolvimento, certamente acrescentará valor a estas práticas de museus de comunidade. Como conclui o Autor, p.133: “Alguns dos detentores do “saber-fazer” – barcos picaretos, pesqueiras, artefactos em verga, redes, etc. – ainda estão, felizmente, entre nós. Há que aproveitar a sua enorme disponibilidade para colaborarem num processo com cujo objectivo final se identificam plenamente ou não fossem eles próprios parte dessa singular cultura que procuramos preservar.” Bibliografia recomendada não apenas pelo tema, mas, igualmente, pela metodologia descritiva das artes da pesca fluvial.)

CAMACHO, Clara Frayão, (2009), A rede portuguesa de museus e os museus com colecções de arqueologia – parâmetros de sustentabilidade, Porto; Revista da Faculdade de Letras -Ciências e Técnicas do Património, I série, Vol. VII-VIII, pp. 107-114.

(Trata-se de um texto de 2009 com grande atualidade. Entendido pela Autora como um “registo para memória futura”, assim é. Escrito em 2002, na fase inicial da RPM, pela então “Coordenadora da Estrutura de Projecto da Rede Portuguesa de Museus de 2000 a 2005” tem matéria muito interessante que importa destacar. Desde logo, e como se refere na p. 107 no referente à adesão voluntária dos museus ainda não credenciados: “Estas candidaturas são objecto de uma apreciação técnica, incluindo visita, por parte da equipa da Estrutura de Projecto e de alguns directores de museus do IPM. (…) na nossa avaliação, após dois anos de trabalho, os processos de candidatura à adesão significam muitas vezes um compromisso dos profissionais dos museus e das respectivas tutelas para promover acções de qualificação, bem como exprimem a vontade e o esforço de adoptar medidas concretas, seja na conservação preventiva, na acção educativa, na reprogramação museológica, seja na formação técnica do pessoal.” Nesta lógica, os museus que quisessem aderir deveriam possuir condições que, na

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Capítulo 2 - As práticas dos museus de iniciativa comunitária

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grande maioria das situações, e nos museus de comunidade, exigiria um enorme esforço só possível com investimento público. Os parâmetros de adesão à RPM eram os seguintes: “1. Cumprimento da função social; 2. Observância dos cuidados de preservação e de valorização das colecções e dos acervos; 3. Condições de sustentabilidade.”, p.108. Seguidamente eram apresentados os quesitos de “pessoal necessário para que as funções do museu sejam devidamente desempenhadas” e esses recursos “inscritos na orgânica do próprio museu ou da entidade de tutela.”; uma tutela onde a inserção orgânica fosse sustentada em “documento juridicamente apropriado”; a existência de um orçamento correspondente a “uma dotação suficiente às exigências do funcionamento e proporcionada ao cumprimento das actividades que os museus deverão desejavelmente desenvolver, consoante a sua escala e de acordo com a sua missão e objectivos.” De um ponto de vista de orientação para iniciados, estas premissas estão válidas e deverão constar das novas iniciativas, ainda que muitas delas voluntariosas, mas legítimas por parte dos promotores de museus de comunidade. A Autora destaca 5 aspetos que estão igualmente atualizados e estruturam a missão de qualquer museu. Por isso há uma sequência lógica: a Investigação, a Documentação, a Conservação, a Comunicação, e, por fim, a Educação. É um texto que, sendo pioneiro e acompanhando a evolução da RPM desde 2000, merece atenção pelos conteúdos e pela clareza estratégica que caracteriza a rede desde a sua origem.)

ICOMOS, (2018), COMITÉ PERMANENTE SOBRE LA DIFINICIÓN DE MUSEO, PERSPECTIVAS Y POSIBILIDADES (MDPP), Recomendaciones presentadas por el comité MDPP al Consejo Ejecutivo del ICOM sobre la posible revisión de la actual definición de museo y aprobadas el 9 de diciembre de 2018, https://icom.museum/wp-content/uploads/2019/01/MDPP-report-and-recommendations-adopted-by-the-ICOM-EB-December-2018_ES.pdf

(Este é um documento muito atual e importante no âmbito do trabalho dos museus em todo o mundo e, naturalmente, para todas as escalas e tipologias de entidades museológicas. Os museus de comunidade têm todo o interesse em alinharem-se com estes princípios no sentido de se qualificarem nas redes de interesses que, independentemente das tutelas, promovem um amplo debate sobre o papel dos museus no mundo global em que vivemos. O documento refere, quanto a recomendações: “1. El ICOM debe iniciar un proceso de reinterpretación, revisión, reescritura y reformulación de la definición actual de museo y proponer un debate y la toma de una decisión al respecto durante la XXV Conferencia General del ICOM, la cual se celebrará en Kioto en septiembre de 2019. 2. Este proceso debe comenzar ya a principios de 2019, de modo que los miembros del ICOM de todo el mundo que deseen participar tengan tiempo suficiente para familiarizarse con el mismo. 3. Se pide al MDPP que lo inicie y lo organice a principios de 2019 como un proceso participativo, utilizando métodos dialógicos estructurados. 4. Del proceso podrían surgir várias propuestas diferentes, que se presentarán al Consejo Ejecutivo en junio de 2019, y una o más propuestas, que se presentarán durante la Conferencia General en septiembre de 2019.” Observa-se uma vontade de atualizar a noção de museu e, nesta perspetiva, é provável que os museus de comunidade possam tirar partido desta abertura doutrinária e pressionar as entidades estatais para estabelecimento do tal «rendimento mínimo museológico garantido» que defendemos neste trabalho, como participação financeira do Orçamento de Estado? Esta é uma questão que nos parece justa. O documento avança igualmente com um ponto ainda mais detalhado conforme segue: “5. Se establecen los siguientes parámetros para presentar las propuestas de una nueva definición: • la definición de museo debe ser clara respecto a los objetivos de los museos y a la escala de valores que utilizan como referencia a la hora hacer frente a retos y responsabilidades relacionados con la sostenibilidad, la ética, la política, la sociedad y la cultura del siglo XXI, • la definición de museo debe incluir, incluso si la terminología actual

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Capítulo 2 - As práticas dos museus de iniciativa comunitária

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varía, la unidad exclusiva, definitoria y esencial de los museos respecto a las funciones de acopio, conservación, documentación, investigación, exposición y otras formas de transmitir las colecciones o cualquier otra prueba del patrimonio cultural, • la definición de museo debe reconocer la urgencia de las crisis de la naturaleza y la obligación de desarrollar y aplicar soluciones sostenibles, • la definición de museo debe reconocer y admitir, con respeto y consideración, las muy diferentes visiones del mundo, así como las condiciones y tradiciones relacionadas con el trabajo de los museos de cualquier país, • la definición de museo debe admitir y reconocer con preocupación los legados y la constante presencia de la profundas desigualdades sociales y asimetrías en la distribución del poder y de la riqueza a nivel mundial, nacional, regional y local, • la definición de museo debe expresar la unidad de la función de los museos como expertos en la colaboración y el compromiso, la responsabilidad y la autoridad compartidos con sus comunidades, • la definición de museo debe expresar el compromiso de los museos a ser valiosos lugares de reunión y plataformas abiertas y diversas de aprendizaje e intercambio, • la definición de museo debe expresar la responsabilidad y la transparencia con la que se espera que los museos obtengan y utilicen sus recursos materiales, económicos, sociales e intelectuales.” Como se depreende desta arrumação de parâmetros, a clareza do museu no século XXI, a inclusão de terminologia e seus procedimentos práticos, a sustentabilidade ambiental, social, económica e cultural, influenciando as soluções museológicas e museográficas, bem como admitir diferenciadas visões do mundo e as desigualdades sociais e assimetrias no desenvolvimento de base comunitária, pesam nesta reformulação que é proposta desta forma aberta e chamativa à participação cidadãos. A questão da ligação das autoridades museológicas nacionais que, em Portugal, estão representadas na DGPC e na RPM, às comunidades territoriais é também enfatizada, e bem. A definição de museu também deverá expressar o compromisso dos museus como lugares valiosos de reunião e como plataformas abertas para aprendizagem e para intercâmbio das suas experiências e, nesta dimensão de compromisso, a grande maioria dos museus de comunidade estará muito bem posicionada para esta alteração conceitual. Ademais, e quanto ao sentido de responsabilidade para com a sociedade envolvente, de onde emerge e que tenta expressar, o museu de comunidade só tem a ganhar com esta reorientação da definição de museu num contexto tão relevante quanto o do ICOMOS45. Recomenda-se pela sua atualidade e como esteio para os compromissos de quem gere museus de comunidade.)

45 https://www.icomos.org/fr/ (Conseil International des Monuments et Sites) e a delegação portuguesa em http://www.icomos.pt/

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Capítulo 3 - A gestão do património cultural no museu de

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Capítulo 3 - A gestão do património cultural no museu de comunidade

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3.1 Introdução Qualquer tipo de gestão se confronta com duas realidades: gestão própria da organização; gestão integrada e partilhada com outras organizações. No domínio da gestão de natureza museológica, o panorama que se vive fora da RPM é praticamente desconhecido. O foco da museologia nacional está aí representado, mas, a realidade de outras experiências museológicas não convergentes com a tutela do Estado e, igualmente do Poder Local46, é praticamente desconhecida. Mas existe.

Em recente trabalho de mestrado desenvolvido por XAVIER47 em museologia, orientado por Mário Moutinho, sobejamente conhecido como Museólogo, Professor e Investigador, há um aspeto que interessa destacar neste contexto quando se afirma: “O Laboratório Itinerante de Museologia Popular seria uma ferramenta para ajudar na construção e percepção identitária de pessoas e grupos que nunca tiveram voz percebam que podem, sim, construir algo, contribuindo, também, para a construção de uma memória não-oficial e, portanto, mais arejada, da cidade.” Este modelo de gestão museológica, no caso em itinerância, significa, entre outros, uma resposta ao «modelo não-oficial» que muitos museus de comunidade seguem.

Embora muitos destes museus não satisfaçam os requisitos de «credenciação como museus», sentem-se “museus” e pretendem dar voz aos grupos que como promotores raramente puderam ter representatividade institucional dadas as dificuldades que se lhes deparam. Esta é uma realidade constante, que carateriza muitos dos museus de comunidade que não são tutelados nem pelo Estado central, nem pelo Poder Local.

É aqui que reside a fundamentação principal para que na RPM a perceção sobre as ações destes museus, orientadas por fundadores e promotores não-museólogos e, na maior parte dos casos, vivendo no anonimato, mas criadores de uma cultura museológica popular, possam aceder aos processos de credenciação mais de acordo com as suas possibilidades e limites. Como se depreende de algumas correntes da Nova Museologia, e segundo trabalhos e testemunhos de alguns protagonistas, a museologia dos pobres existe. Como será posicionado este tipo de museu de surgimento espontâneo, popular? Esta é uma questão relevante no século XXI. Claramente.

46 A obra “Qualidade da governação local em Portugal” editada em 2018, sob coordenação de António Tavares e Luís de Sousa, pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, disponível em https://www.ffms.pt/FileDownload/f450fd04-7a03-437a-9c60-85dec5ac8e9e/resumo-qualidade-da-governacao-local , na p. 35 expressa o seguinte: ”Os serviços de interesse geral de natureza não económica – sociais, culturais, educacionais, e recreativos – contribuem, também, para o bem-estar dos munícipes, promovendo o desenvolvimento e a coesão social a nível local. Em média, os municípios portugueses gastam cerca de 15€ por habitante por ano em serviços não-económicos. A média esconde, contudo, realidades bastante distintas. Por um lado, 25 municípios (8% das 308 autarquias) afetaram valores iguais ou superiores a 50€ por habitante a este tipo de despesa, sendo que em três destes municípios o peso destes serviços na execução orçamental é superior a 13%. Por outro lado, 41 municípios não registaram qualquer gasto nesta rubrica orçamental no ano analisado.” Pela metodologia de mensuração da qualidade da governação local e pelo rigor da exposição merece uma leitura. 47 XAVIER, op. cit., p. 128

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Capítulo 3 - A gestão do património cultural no museu de comunidade

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3.2 A gestão do acervo em função da sua dimensão e caraterística geral

Quando qualquer grupo de cidadãos toma a decisão de criar um museu, nomeadamente relacionado com a identidade do seu lugar, da sua aldeia, da sua vila, há formas de encaminhar essa vontade. O ideal é dar-lhes conhecimento de que há uma autoridade museológica nacional representada na DGPC. Esta orientação é fundamental.

A criação de uma associação que assegure as finalidades dos promotores é o primeiro passo. A ligação institucional e a aprendizagem institucional, são o segundo ponto: por isso, procurar referências museológicas através da tutela governativa e estudar este domínio, bem como visitar outros museus faz parte do processo. Em terceiro lugar e como um dos aspetos mais importantes do trabalho realizado num museu é importante pensar na sua gestão e, nessa lógica, organizar os seus fundamentos.

De um ponto de vista organizacional, o sucesso do museu como organização depende da sua gestão interna e da relação externa com os seus públicos, clientes e consumidores de produtos culturais. Planear, Organizar, Dirigir, e Controlar, são fundamentos da gestão.

Sendo o património cultural um misto de cultura material e de cultura imaterial há que adotar medidas de controlo e sustentação física (o acervo reunido com vista ao museu) e metafísica (que ideia e que teoria fundamentará o museu) desse património48 numa perspetiva de rentabilizá-lo da melhor maneira possível e a favor da sua apresentação e utilização concreta pelos visitantes e utilizadores locais do museu.

Por isso, há que assumir uma espécie de plano de gestão onde se perceba bem como é que esse património vai ser utilizado na função social do museu. Podemos designar este plano por Projeto Museológico.

Neste particular é necessário perceber a escala do museu em questão e evitar a tentação de entrar em expetativas muito altas ou em projetos megalómanos, que acabam por criar mais frustrações do que dividendos úteis.

A consciência da realidade económico-financeira, a humildade e a racionalidade são fatores importantes nesta matéria. Nos pequenos museus esta perceção da realidade é vital para o seu sucesso e a constituição de uma Equipa, obrigatória.

1) Assim, há que construir um programa adequado à realidade.

2) Outro aspeto relevante é o que se relaciona com a comunicação a estabelecer entre os promotores do museu e a comunidade envolvente, quer se trate da população local, quer diga respeito aos relacionamentos institucionais que se materializarão no futuro arranque do Projeto Museológico.

3) Há condições básicas a satisfazer, nesta matéria: saber ouvir os outros e ser capaz de decidir - a Equipa ajustará um comportamento adequado face às possibilidades contrabalançadas com os limites impostos interna e externamente. Há que estar ciente das grandes dificuldades que se irão sentir quando, por exemplo, se sabe não poder existir um

48 No que diz respeito ao património imaterial, com a devida fixação em registos escritos e audiovisuais como se tem processado no projeto “Memória Oral de Riachos” que os Serviços Educativos têm desenvolvido. Neste, como noutros casos, a existência de um «rendimento mínimo museológico garantido» seria oportuna, para sustentação deste tipo de trabalho integrado na função social do museu.

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Capítulo 3 - A gestão do património cultural no museu de comunidade

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orçamento estruturado, nem se poderá contar com um quadro de pessoal técnico, preparado para pôr de pé o projeto mais ambiciosamente pensado.

A clarificação da situação de partida para o projeto museal revelar-se-á importantíssima ao longo de todo o processo de trabalho.

4) É preferível fazer pouco e bem, do que tentar fazer muito e acabar por não se fazer nada com real valor para a dignificação do espaço museal. Gerir implica racionalizar e utilizar meios adequados para atingir determinados fins. No caso do museu, gerir é utilizar todos os recursos disponíveis com o máximo proveito possível (todo o seu financiamento, pessoal voluntário ou profissional, espólio e espaços físicos, etc.), tendo em conta a notoriedade científica e cultural que se procura encontrar para o caraterizar. 49

5) É na base dessa preocupação de natureza científica e cultural que se deverá fixar, também, a questão da exploração económica, sendo que esta não deverá inviabilizar as primeiras preocupações já referidas.50 Não esqueçamos que dentro da função social de qualquer museu, os aspetos relacionados com a divulgação do espólio de forma a enriquecer culturalmente os públicos que o visitam e utilizam, deverá ser uma preocupação constante.51

Por isso dever-se-á estudar o projeto de gestão tendo sempre em conta que se pretende ter um museu “para as pessoas e com as pessoas”.

Um museu não visitado é como se fosse apenas um depósito de peças. Daí a necessidade de se desenvolverem esforços com o sentido de seduzir os vários públicos para visitarem, conhecerem, participarem e retornarem. A localização do museu no tecido urbano ou em zona rural, numa pequena aldeia, vila ou cidade é aspeto importante a considerar. O esforço de atração que se instala no “recrutamento” de visitantes é maior em locais de difícil acesso. Se o espaço destinado a instalar o museu puder ser escolhido e reservado em zona facilmente referenciável no mapa geral do país, tanto melhor.

6) É também necessário encontrar formas de se poder contar sempre, com algo de novo, pelo menos de três em três meses. Este aspeto de renovação ajuda a captar novos visitantes e faz voltar ao museu aqueles que já o conhecem.52

A elaboração de uma base firme de apoio à criação, desenvolvimento e exploração do museu é essencial. Esta deverá contemplar todos os aspetos inseridos na designação oficial de

49 Gerir implica conhecer bem todo o espaço e acervo do museu, delinear estratégias adequadas e suportadas em planos de atividades, por setor, calendarizados, suportados numa ideia pró-ativa de desenvolvimento do projeto museológico. A criação de condições para a crescente influência do museu na região é determinante para a sua notoriedade. 50 O museu tem que utilizar esta dimensão económica nas Lojas de Museu. No M.A.R., a viabilidade das Oficinas Pedagógicas resulta da venda de reproduções de peças do acervo: isso permite reinvestir em máquinas e materiais, mantendo-se uma equipa regular de artesãos num “museu vivo” envolvendo as escolas, os indivíduos da comunidade e os visitantes. 51 Os trabalhos produzidos em estágios escolares de alunos de vários graus de ensino com destaque para o Ensino Profissional e o Ensino Superior, gerados nesta forma de trabalho museológico enriquecem o museu e os seus parceiros. 52 É importante esboçar-se o Plano de Atividades para cada ano, com contributo dos componentes do grupo obtido em Reuniões da Equipa. Se, por exemplo, uma exposição é sugerida por alguém e logo se pensa, coletivamente, se é pertinente, se se poderá realizar, se há experiência anterior nessa matéria, quem é preciso contactar para ajudar, que fundo financeiro é necessário mobilizar, etc., etc. As propostas também são de grande interesse para o espírito de coesão de grupo.

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Capítulo 3 - A gestão do património cultural no museu de comunidade

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museu.53 Depois, é necessário juntar pessoas e pensar-se como se irá manter o museu e que atividades nucleares e atividades secundárias se deverão planificar lideradas pela Equipa.

7) Por último há que criar condições para a existência de um Plano de Atividades, anual ou bienal, com vista a poder-se prever todas as atividades consideradas como importantes para o projeto museológico concreto.

A constituição de um organigrama54 é fundamental para uma boa gestão do museu. Saber quem é quem numa determinada estrutura e poder-se desenhar perfis funcionais, de acordo com os serviços previstos, é outro passo fulcral nesta matéria organizativa.

Há ainda a questão determinante da afetação de recursos financeiros e o controlo de receitas e despesas, porque sem orçamento é difícil trabalhar-se em qualquer organização. Os subsídios ocasionais ou a comparticipação regular de entidades autárquicas ou mecenáticas suportando os mínimos custos do museu deverão ser entendidos como recursos financeiros escassos e, nessa perspetiva, a escala de funcionamento do museu deverá adequar-se a essa realidade.

8) O contacto com um economista, um gestor ou um contabilista é desejável, se se puder contar com fundos para uma avença mensal, por exemplo, trabalhando-se de modo profissional.

Depende desta organização e da capacidade representativa e institucional do museu, a possibilidade de candidatura a programas específicos financiados e com interesse estratégico. Por outro lado, e em termos de gestão corrente, a existência destes instrumentos ajuda à coordenação de esforços integrados, evitando desperdícios de energias e meios. Esta organização também estimula o trabalho setorial da Equipa.

9) De um ponto de vista da gestão, é também importante tratar de suportes que dão, ao visitante, uma ideia muito concreta do objeto “visita” e da qualidade de serviços prestados em termos museográficos. Deverá ser pensado um Guião de Visita ao museu.55

Este poderá ser elaborado tendo em conta a perspetiva de visita e exploração das coleções podendo existir um Guião Geral e um outro Guião de Estudo, este com o objetivo de servir Escolas, Investigadores e outras pessoas que pretendem estudar com maior profundidade as coleções do museu. Muita da capacidade em produzir retorno de visitantes ao museu depende da imagem de organização e credibilidade dada por vários instrumentos que concorrem para credibilizar o produto “visita ao museu”. Os Operadores turísticos estão sintonizados com esta necessidade de rigor da oferta e olharão com interesse aqueles casos que lhes interessam utilizar na composição dos seus pacotes regionais. A animação cultural oferecida no espaço museal é, nesta circunstância, um fator de diferenciação de destino

53 Anote-se, neste pormenor as considerações normativas propostas por organismos nacionais como a DGPC e organismos internacionais como a UNESCO. 54 Um Organigrama Funcional é importante: define a organização interna do museu, o modo de participação dos colaboradores e suas missões. Além disso permite realizar uma gestão integrada. 55 A ideia deste Guião, face às tecnologias da informação e comunicação implica uma visita presencial (“in situ") e uma visita virtual (em plataforma web). O promitente turista, ao visualizar através da internet uma realidade que quer experienciar «in situ» colabora com o destino turístico: as aplicações informáticas, sustentadas por municípios, por exemplo, estão integradas neste binómio da oferta/procura. A museologia também tira vantagem, porque aumenta o relacionamento do museu com os promotores culturais e turísticos.

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turístico muito importante para a estratégia de crescimento e desenvolvimento do Projeto Museológico de qualquer museu.

Esta envolvente faz parte da estratégia de criação de atrativos e está também na origem de criação de novos públicos.

10) Se for possível assegurar a imagem do museu através da criação de uma pequena Agenda Cultural56 disseminada em vários lugares, com destaque para bibliotecas de Escolas e citação na Imprensa local, gerando marketing museológico benéfico para o museu.

A organização de uma página do museu no universo web é outra das questões que deverá ser bem ponderada. É preferível não ter página do que um sítio que não é atualizado e, por esse desleixo, dá uma péssima imagem do museu. A modernidade não deverá ser confundida com meras modernices! As Redes Sociais são, neste caso particular, de grande utilidade e o museu de comunidade, visto à escala global, pode ter um efeito de “arrastamento cultural” eficaz mobilizando as pessoas locais para a defesa do património e suas conexões pessoais nessas redes.

3.3 Síntese • A gestão do museu é uma tarefa nuclear e deverá ser exercida de forma

democrática e participada. • Rentabilizar as coleções deverá ser uma preocupação concreta em todas as

atividades programadas. • Ouvir todos os interessados no processo museológico é crucial para o êxito

pretendido. • Deverá procurar-se encontrar a especificidade própria do museu e evitar imitar

modelos externos. • A divulgação das atividades é fundamental e os órgãos regionais de comunicação

social estão recetivos a essa divulgação. • A criação de uma pequena Agenda Cultural do Museu poderá ser uma boa ajuda à

gestão museológica. • A avaliação das ações é um imperativo de gestão, porque aprendemos a melhorar

e a corrigir o plano de atividades, se sobre ele tivermos oportunidade de refletir sobre o que se fez, como se fez e como se poderá melhorar no futuro.

3.4 Sugestões de leitura GOUVEIA, Henrique Coutinho, (1985), Encontros de formação para responsáveis por colecções públicas e pequenos museus locais, Lisboa, Departamento de Etnologia do Instituto Português do Património Cultural –I.P.P.C., (policopiado, 6pp.)

(Este é o texto fundador de uma iniciativa do então IPPC que, através do seu Departamento de Etnologia, tomou a iniciativa de responder a uma solicitação imposta pela “autêntica explosão museográfica”, forma como o autor designa o movimento associativo em torno da defesa do património cultural constituído, pela força das circunstâncias, num traço indelével da museologia popular da década de oitenta do passado século. Este texto explica a metodologia das “(…) acções de formação visando os responsáveis e colaboradores das iniciativas locais (…)”, apresentando os aspetos teóricos e as consequentes operacionalizações

56 Esta Agenda Cultural digital poderá ser materializada dando conta das iniciativas e eventos programados para o espaço mensal ou trimestral e é veículo informativo destinado essencialmente ao exterior.

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Capítulo 3 - A gestão do património cultural no museu de comunidade

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com a colaboração de museus de todo o País, de Delegações Regionais do Ministério da Cultura e de Câmaras Municipais, instituições que suportaram esta iniciativa do IPPC. Como documento histórico desta etapa cultural do País merece uma consulta.)

GOUVEIA, Henrique Coutinho, (1985), A área de intervenção dos pequenos museus locais e o problema da constituição das suas colecções, Lisboa, Departamento de Etnologia do Instituto Português do Património Cultural –I.P.P.C., (policopiado, 5pp.)

(Nesta pequena apresentação escrita o autor reflete sobre o modo de colecionar objetos em contexto comunitário com o intuito de se proceder procurando “(…) documentar os vários aspectos da vida tradicional da região, que, na maioria dos casos, se encontram em vias de desaparecimento ou mesmo já extintos.” Dando exemplos da fiação e tecelagem, o autor convida-nos a perceber os meandros da melhor orientação da constituição das coleções face aos objetivos que presidem à criação do museu. É referido, neste contexto, que “(…) para que o pequeno museu local possa ser o intérprete adequado da sua região importará sobretudo, procurar conhecê-la, estudando-a nos seus aspectos mais significativos.” Por fim, é alertado o aspeto relacionado com as ofertas de objetos alertando-se para a situação de que “Certas exigências que por vezes acompanham as ofertas de objectos, condicionando as possibilidades da sua utilização futura no “trabalho de museu”, podem também impedir a sua aceitação, devendo-se, no entanto, convencer esses proprietários de que o fim a que esses materiais se destinam implica que venham a utilizar-se sem entraves pelos responsáveis pela colecção ou pelo museu local.” Esta é uma questão sempre atual e a merecer a melhor atenção. De leitura recomendada.)

GOUVEIA, Henrique Coutinho, (1985), A organização de colecções públicas e de pequenos museus locais – Em que consiste o trabalho de museu e quais os seus objectivos, Lisboa, Departamento de Etnologia do Instituto Português do Património Cultural –I.P.P.C., (policopiado, 5pp.)

(Neste texto o autor trata de transmitir “(…) algumas noções básicas relativas à organização de colecções ou de pequenos museus locais (…)” e dentro destes objetivos traça os aspetos mais importantes de tal tarefa. O conceito de “(…) trabalho de museu” é enunciado e explicitado de modo muito didático com ênfase no que diz respeito a “(…) diversas modalidades de colaboração que exercem todos aqueles que, a nível local, se dedicam à organização de colecções de objectos através das quais pretendem preservar e documentar alguns aspectos da vida das comunidades a que pertencem.” É um texto muito importante porque sistematizando o trabalho de museu o apresenta desde a fase de constituição das coleções, o conhecimento sobre esses objetos, as formas de documentar os objetos, a conservação desse património assim reunido e, finalmente, a utilização dos objetos patentes no acervo do museu como transmissores de conhecimento sobre a comunidade que pretendem representar. De leitura obrigatória como documento orientador básico.)

HERNÁNDEZ, Josep Ballart e JUAN ITRESSERRAS, Jordi, (2001), Gestión del patrimonio cultural, Barcelona, Editorial Ariel, S.A.

(Trata-se de uma obra útil, na medida em que aborda uma série de questões com muito interesse para os museus locais. Dividida em três partes, a saber: Nuestro Objecto de Estudo, pp.11-65, onde é definido o conceito de património, é relacionado património com museu, e é apresentada uma reflexão sobre o património e os museus do presente. Vale pela clareza da exposição e pelos conteúdos que cada capítulo e subcapítulo ostentam numa leitura focada nesta problemática com forte pendor explicativo. A segunda parte intitulada de El marco de

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Capítulo 3 - A gestão do património cultural no museu de comunidade

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la Gestión: políticas, recursos y funciones, pp.83-166, trata dos aspetos legais, foca as organizações e a gestão do património e apresenta ideias muito interessantes sobre as políticas culturais e o uso social dos testemunhos patrimoniais. A terceira parte, com o título Patrimonio y Sociedade, pp.171-221, aborda questões relacionadas com os modos de difusão e promoção do património e a relação património-turismo. Respiguemos algumas afirmações dos autores para verificarmos a importância deste trabalho. A propósito da formação de uma consciência patrimonial nas pessoas é dito que “No cabe duda de que muchas comunidades locales y a veces países enteros han estado batallando durante años para reapropriarse de su patrimonio histórico y salvar parte de su patrimonio natural. No obstante, habrá que ver si es posible hacer casar identidad cultural y promoción económica.”, p.65. No que diz respeito às organizações sobre defesa do património é referido que “Los museos saben que lo más importante es procurar la formación de colecciones sistemáticas, aunque sea sobre la base de ámbitos reducidos.”, p.134. No tocante ao momento atual e na relação do património local com a globalização refere-se que “La globalización ha traído consigo una internacionalización en órdenes como las modas, la cultura de masas y el consumo en algunos de sus patrones. Al mismo tiempo, ha estimulado la revalorización, afirmación y, en ocasiones, recuperación por parte de los pueblos de los elementos culturales que los caracterizan e identifican ante el mundo.”, p.167. No que diz respeito à ligação do património ao turismo também é esboçada pelos autores uma ideia central sobre este aspeto. Assim, é introduzida a ideia de que “La conservación de los recursos patrimoniales y su proceso de transformación en productos turísticos pueden ser un incentivo para la revitalización de la identidad cultural a nivel regional, nacional e internacional. El mercado turístico necesita los recursos patrimoniales para el desarrollo de nuevos productos.”, p.218)

MOORE, Kevin, (coord.),(1998), La Gestión del Museo, Gijón, Ediciones Trea, S.L.

(Obra coletiva tratando de assuntos deveras importantes para os museus de grande escala, mas, também, para os museus locais. As matérias tratadas são, de facto, muito enriquecedoras para a aquisição de conhecimento museológico e cultural numa dimensão de gestão. Kevin Moore trata do título “Introducción a la gestión del museo” onde refere que “Los museos siempre han tenido que luchar por atraer al público compitiendo entre sí, con otros lugares de visita y con otras vías de entretenimiento, aunque no hubiera que abonar entrada. Actualmente se ha endurecido esta competencia, por lo que muchas de estas instituciones se encuentran con dificuldades para salir adelante.”, p.9. Na conclusão da sua intervenção refere também a necessidade de “... diseñar actividades de formación, así como difundir textos y manuales específicos para los museos.”, p.29. Peter J. Ames no título “Conjugar la missión con el mercado: un problema para la gestión moderna de los museos” adverte que o papel do marketing e publicidade na missão do museu poderá atrair a ele investimentos e receitas que possam ajudar à sua missão institucional que, dever-se-á alertar, não é a de obtenção de lucro mas a de gerar receita para a sua manutenção e crescimento. O mesmo autor apresenta outro estudo intitulado de “La evaluación de los méritos de los museus” onde destaca os aspetos administrativos e os principais indicadores sobre as receitas, bem como o papel dos conservadores de museu, dos patrocinadores e dos públicos no domínio do desenvolvimento dos projetos museológicos. Valorie Beer foca a sua atenção nos “Problemas y utopías sobre los objetivos de los museus” detalhando os aspetos inerentes às quatro funções principais; aquisição, conservação, investigação e educação. Debate a questão da fixação de objetivos para o museu propondo uma metodologia base que expõe. Assim, “El método consta de cinco fases: (1) seleccionar los grupos que van a participar en la fixación de los objetivos; (2) realizar sesiones de intercambio de ideas; (3) asignar prioridades a cada objetivo; (4) clasificarlos según su tipologia; y (5) transformarlos en planes de acción.”

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Capítulo 3 - A gestão do património cultural no museu de comunidade

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Apresenta fundamentos sobre esta proposta metodológica (muito interessantes pela descrição detalhada que deles faz) e termina o seu texto fazendo recomendações que também poderão interessar à gestão dos museus locais. Hugh Bradford apresenta a problemática de “Un nuevo marco para el marketing en el museo” apontando o caso de estudo desenvolvido na Escócia. É interessante seguir o seu raciocínio, a metodologia que propõe e o destaque que dá à peculiaridade do museu face à organização empresarial, apontando a diferença do marketing museístico face ao marketing do mercado empresarial. Artigo recomendado. Stuart Davies a propósito da “La planificación estratégica en los museos pertenecientes a corporaciones locales” centra a sua atenção na realidade dos museus locais. Fruto de um trabalho de investigação realizado com base em estudos estatísticos e nos seus resultados extraídos dos inquéritos utilizados apresenta uma tese interessante sobre este tema da planificação estratégica nos museus locais. Roger Davis e Christopher H. Loveloock descrevem o caso particular “Dos museos de Boston” e Suzanne De Borhegui no título “«Brainstorming» en los museos:un método creativo para la planificación de exposiciones” trata este assunto de modo muito didático incluindo nele o método de organização de guiões de trabalho, com base numa experiência concreta que detalha. Útil como exemplo de procedimento nesta matéria da planificação de exposições. Victoria Dickenson trata da “Investigación sobre la relación entre los consejos rectores y la dirección de los museos”, apresentando em seguida um outro estudo intitulado “Economía de las tarifas de entrada en los museos” onde refere que “Los museos son pues muy ricos en bienes pero, en muchas ocasiones, también muy pobres en ingresos; además, la obtención de fondos no suele ser tarea fácil.”, p163, situação bem conhecida dos museus locais portugueses. Peter Drucker aborda “El museo universitario de arte: definición de su propósito y misión” e Renée Friedman apresenta o estudo “Los problemas de la gestión de personal em museos y organismos históricos”. No texto “Unos más iguales que otros” a escrita de Rosalinda M.C. Hardiman destaca o problema das pessoas deficientes dentro da problemática de funcionamento dos museus, retratando realidades e abordando a necessidade de respeito pela igualdade de oportunidades (acessibilidades), neste setor cultural Andy Leon Harney foca no texto “Cambistas en el templo? Museo y missión financiera” o problema da atração turística, da cultura e dos ingressos nos museus como fontes de rendimento/financiamento dos mesmos. No domínio da relação económica refere o problema da independência do museu se, porventura, adotar os mecanismos de uma empresa agindo em mercado livre, o que não deixa de ser uma reflexão interessante no debate sobre o financiamento e gestão económica do espaço museal. Alf Hatton com “Planificación y planes de los museos” dá uma boa achega ao estudo desta realidade e continua no artigo seguinte, intitulado “Problemas actuales de la formación museística en el Reino Unido”, a utilizar o modelo britânico para demonstração das suas teorias. Peter M. Jackson em “Indicadores de comportamiento: promesas y escollos” estuda o problema da gestão do museu, numa perspetiva em que “La medición del comportamiento mejora la práctica de la gestión, facilitando información fundamental para el equipo gestor pueda controlar de manera regular las actividades en los distintos niveles de la organización.”, p.239. Peter Johnson e Barry Thomas tratam em “La evolución del Beamoish:estudio y evaluación” do caso deste museu ao ar livre localizado no norte de Inglaterra. Este museu é hoje “...considerado como un museo importante y una de las principales atracciones turísticas de la zona del nordeste. De acuerdo con los datos disponibles, el crecimiento del número de visitantes en los últimos años es mayor que el de otras muchas atracciones de la región.”, p.283, o que torna este estudo de caso muito interessante. Howard Kahn e Sally Garden apresentam o caso “Actitudes ante el trabajo y estrés laboral en el sector de museos en el Reino Unido: un estudio piloto”, focado no estudo de postos de trabalho em museus. Marista Leishman no título “La imagen y la imagen de uno mismo” elabora um estudo sobre os museus ingleses. Peter Lewis, com o

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Capítulo 3 - A gestão do património cultural no museu de comunidade

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artigo “Museos y Marketing”, recomenda-se pela excelente apresentação da matéria, apontando as razões por que os museus precisam de planos de marketing. Destaca, aliás, que “Una razón muy común para aliarse con el marketing es que los museos están en crisis y necesitan hacer algo para sobrevivir.”, p.325. Fiona Combe McLean continua esta temática no artigo “El marketing en el museo:análisis contextual” onde aponta a discussão e viabilidade na aplicação de técnicas de marketing comercial nos museus. Numa perspetiva de orientação comercial dos museus, o texto de Victor Middleton “La irresistible atracción de la demanda”, trata da ligação entre a oferta cultural do museu e o turismo. Roger Miles apresenta “La nueva gestión de las exposiciones”, onde descreve o seu pensamento teórico sobre esta questão, tratando de apresentar o modelo tradicional numa nova perspetiva posicionada sobre a necessidade atual de inovação. “Los museos como organizaciones” de William M. Sukel foca um estudo sobre os museus como organizações comparando caraterísticas empresariais e abordando a natureza específica do museu e suas formas de gestão. Termina referindo que, “El estudio de los museos como organizaciones es una tarea importante y que merece la pena.”, p.394. Recomendado. Um artigo específico sobre a condição feminina e a cultura museológica subscrito por Kendall Taylor e Tracey Linton Craig leva o título “La mujer al frente del museo”. Stephen E. Weil no artigo “El director más eficaz: especialista o generalista?” elabora uma reflexão sobre a direção de museu lembrando que “Para que el director sea eficaz no es suficiente que los puntos de vista que aporte al museo sean uniformes; tambièn tienen que ser convincentes.”, p.415. O mesmo autor também apresenta o estudo “Mor: resumen de la gestión del museo” apresentando as tarefas do diretor do museu nas premissas de brevidade, variedade e intermitência, situações correntes, segundo o autor, no desempenho do cargo. A sigla MOR em gestão quer-se traduzida por M, de métodos, O, de objetivos, e R, de recursos. Com interesse. Ainda o mesmo autor, desta vez associado a Earl F. Cheit, apresenta o tema “El museo bien gestionado” descrevendo uma série de passos e uma lista de atribuições funcionais concorrentes a uma gestão eficaz do museu. Por fim é apresentada uma lista bibliográfica comentada. Obra recomendada pela diversidade e qualidade das matérias tratadas.)

MAÇÃES, Manuel Alberto Ramos, (2017), Da Gestão Tradicional à Gestão Contemporânea, Lisboa: Conjuntura Actual Editora

(Tratando-se de uma obra mais posicionada numa visão de divulgação da Gestão como “(…) uma área do conhecimento das ciências sociais muito recente, na medida em que só a partir dos anos 80 ganhou a maioridade e o estatuto de autonomia relativamente à economia. (…) Nos finais do século XX e início do século XXI assistiu-se a um crescimento exponencial da gestão, seja pelo aumento das necessidades das empresas, motivado pela complexidade (…) em virtude designadamente do fenómeno da globalização (…) pela forte atração dos candidatos pelos inúmeros programas de licenciatura e pós-graduação em gestão (…)., p.9. Organizada em 2 capítulos, respetivamente, “Fundamentos da Gestão Moderna” e “Desenvolvimentos da Teoria da Gestão”, apresenta uma série de pontos que, passo a passo, introduzem o leitor numa compreensão sob linhas de explicação, tais como “O Processo de Gestão” ou “Gerir a diversidade cultural” e “Utilizar novos sistemas e tecnologias de informação”, entre as pp. 20 e 48, entre outras linhas específicas que integram o 1º capítulo. O 2º capítulo conta entre as pp. 49 e 76 com linhas tais como “Teorias Clássicas da Gestão” e “Novas Abordagens à Teoria da Gestão” ou “A Organização como uma Cadeia de Valor”, contributos muito acessíveis para quem necessite deste tipo de apoio bibliográfico. Esta obra integrada no prestigiado “Grupo Almedina” e disponível também em e-book é uma obra de divulgação cuja estrutura didática se recomenda.)

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XAVIER, Denise Walter, (2012), Museus em Movimento - Uma reflexão acerca de experiências museológicas itinerantes no marco da Nova Museologia, Lisboa, Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre em Museologia do Curso de Mestrado em Museologia conferido pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Orientador: Prof. Doutor Mário Caneva de Magalhães Moutinho, disponível em http://www.museologia-portugal.net/files/upload/mestrados/denise_walter_xavier.pdf (12.12.2018) (A dissertação é estruturada de forma a demonstrar a importância da itinerância no contexto de uma gestão museológica comprometida com a envolvente social. Esta itinerância museológica, vista como recurso educativo, cruza-se com diversas áreas culturais e pode decorrer em diversos espaços, tais como cinemas, bibliotecas, escolas, etc. Também se pretende tornar evidentes as transformações decorrentes do referencial teórico seguido e, naturalmente, refletir sobre a aplicação metodológica e prática, inerentes àquele referencial. Os paradigmas museológicos são abordados, e com foco no papel social do Museu, também se demonstram os efeitos da metodologia itinerante face às interações do museu com as populações locais. Elaborando-se o conceito de «museus itinerantes» tenta-se também investigar e apresentar propostas de dar maior consequência aos problemas colocados entre o Museu e a Comunidade. São abordados os exemplos do grupo francês M.N.E.S, na França, e do grupo sueco Riksutställningar, e também do Museu Educativo Itinerante de Querétaro, sedeado no México. Comparativamente ao processo das “Maletas Pedagógicas”, que em Portugal foram experimentadas pelo Museu do Trabalho Michele Giacometti, de Setúbal, é um contributo deveras importante para os museus de comunidade que também podem realizar itinerância museológica? Acreditamos que sim.)

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4.1 Introdução As comunidades locais e a suas dinâmicas culturais são realidades ancestrais que desde o aparecimento dos museus têm merecido a atenção da restante sociedade. Desde que em Portugal se foram instituindo os estudos etnográficos com a intervenção de pessoas como Leite de Vasconcellos57 e muitos outros seguidores, os lugares mais recônditos também foram alvo de estudo mais sistemático.

A mudança de atitudes sobre a cultura foi muito impulsionada pelo papel da Academia e, nessa conjuntura, escritores como Eça de Queiroz58 ou Alexandre Herculano, Almeida Garrett e muitos outros vultos da cultura nacional também contribuíram para essa mudança de atitude que consistiu em olhar-se o passado com uma visão romântica, sem deixar de ser descrito de forma contemporânea.

Foi, de certo modo, a nostalgia pelo passado que fixou uma espécie de «novo olhar coletivo» que mais tarde com a implantação da República tomou um outro sentido, democrático e aberto à então modernidade futurista que se espraiava pela Europa e pelo Mundo.59 As mudanças devidas ao progresso tecnológico de então foram muitas e rápidas e tiveram eco em Portugal.

O Congresso Internacional de Turismo que decorreu em Maio de 1911 em Lisboa60 também teve importância decisiva, na medida em que o Portugal pitoresco, dado a ver aos

57 Carlos Fabião no texto de 2008, “José Leite de Vasconcelos (1858 – 1941): um archeólogo português” apresentado numa palestra comemorativa dos 150 anos de nascimento deste ilustre investigador, referia o seguinte na p. 118: “Foi um viajante incansável em constantes deambulações por todo o país, procurando observar, registar e descrever, nunca abdicando da análise directa das realidades que estudava. O seu método de trabalho era extremamente abrangente, aproveitando cada viagem para colher os mais variados elementos para os seus estudos, desde manuscritos, a tradições, notícias, objectos etnográficos, artefactos arqueológicos. O mais notável é que aliava esta predisposição de “homem de campo” a uma não menos constante actividade de leitura e a uma vastíssima erudição. Dificilmente se encontrará alguém que, de um modo tão completo, aliou o saber erudito ao conhecimento das paisagens, das gentes e dos seus “falares” e das tradições populares, directamente colhidos na fonte”. Publicado no “O Arqueólogo Português”, Série IV, 26, 2008, p. 97-126, está igualmente acessível em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/publicacoes/o_arqueologo_portugues/serie_4/volume_26/archeologo_carlos_fabiao.pdf 58 Em programa turístico é possível ler-se: “Sinta-se um verdadeiro Jacinto, a personagem de Eça de Queiroz na obra A Cidade e as Serras, que iniciou o caminho até ao velho solar de Tormes a partir desta estação de Aregos…” alusão dos promotores “ROTA DO ROMÂNICO” em https://www.rotadoromanico.pt/SiteCollectionDocuments/Oferta%20Turistica/Programas%20Turisticos/DouroRomanico.pdf utilizando o recurso “A Cidade e as Serras” como local autêntico presente na ficção queiroziana. Esta é uma estratégia de mobilização de ícones culturais que a espessura histórica da literatura portuguesa permite e inspira. Os museus de comunidade têm nesta metodologia uma oportunidade para criarem mais valor. Este é um excelente exemplo. 59Em https://www.instituto-camoes.pt/activity/o-que-fazemos/cultura-portuguesa encontramos uma instituição muito relevante para a cultura nacional no mundo porque se refere: “O Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. prossegue as atribuições do Ministério dos Negócios Estrangeiros na área da cultura, assegura a difusão e promoção da cultura portuguesa no estrangeiro concebendo, produzindo, propondo e promovendo a execução de obras e projetos que favoreçam a divulgação internacional de diferentes formas de expressão artística.” 60 Em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/IlustracaoPort/1911/N274/N274_item1/index.html poder-se-á tomar conhecimento sobre a fonte documental “Illustração Portugueza” que expende matéria jornalística muito interessante sobre este evento revolucionário para o turismo nacional e para a promoção museológica no contexto da 1ª República.

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Capítulo 4 - A criação do museu pela comunidade

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congressistas através de excursões ao longo do nosso território significou um alavancamento às iniciativas locais. Depois, com o Estado Novo61 a política museológica definida e praticada entre 1926 e 1974 serviu-se da cultura popular e do Folclore para a criação de um Portugal rural e «autêntico» que a criação do Museu de Arte Popular pretendia apresentar aos excursionistas internos e aos turistas que iam constituindo o público desse e de outros museus de iniciativa corporativa.

Ideologicamente alinhados com a designada “Política de Espírito”, visível em figuras como eram António Ferro62 e um grupo de intelectuais e artistas que assegurava as iniciativas culturais, salvo raras exceções, alinhadas àquela política e estética. Com a Revolução do 25 de Abril de 1974 o panorama de abertura democrática e, essencialmente, a força do Poder Local fundada nos princípios constitucionais abriu as possibilidades de iniciativas cidadãs e não apenas autárquicas. Na criação de novos equipamentos culturais marcou campo o associativismo em defesa do património que teve, tem e continuará a ter, acredita-se, um papel fundamental na imagem museológica de Portugal.

4.2 Problemática museológica e museográfica Os problemas da museologia nacional são os problemas que o setor da Cultura também

sente. Contrapondo a dificuldade que o Estado central e seus órgãos desconcentrados acusam desde os últimos anos, a maioria dos museus de comunidade tem sido criada por razões de ordem sócio - política local.

61 Num trabalho de Fernando Rosas de 2001, intitulado de “O salazarismo e o homem novo: ensaio sobre o Estado Novo e a questão do totalitarismo” editado na revista Análise Social, vol. XXXV (157), 1031-1054 e disponível igualmente em http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218725377D6jFO4wy1Oi67NG6.pdf , afirma-se que: “O povo, o «verdadeiro povo», como lhe chamava António Ferro, era o que participava nesta recriação mítica de uma ruralidade essencial como quadro de vida, desse nacional-ruralismo corporativo que reinventava músicas, danças, «folclore», hábitos, costumes, comportamentos, de acordo com o espírito de uma etnografia elaborada à sua medida. O «homem-trabalhador» que disto avultava era um chefe de família esforçado, respeitador, obediente, simples, ancorado no pequeno mundo da sua família e da vizinhança, fiel às tradições de sempre e à «ordem natural das coisas», mesmo quando o destino o arrancava à aldeia para o lançar nesse meio hostil e perigoso da fábrica e da cidade. Recriar esse ambiente ruralizante, essa aldeia mítica, nos bairros populares e nas empresas era o objectivo da FNAT e da sua rede de centros de alegria no trabalho (CATs) nas fábricas, nas repartições públicas, nos sindicatos nacionais e demais organismos corporativos, nos bairros sociais, onde lhes será atribuído legalmente o monopólio da organização dos tempos livres, desde o torneio de ténis de mesa à excursão de fim de semana.” Alguns museus de comunidade foram, de facto, forjados neste ambiente. Essa é uma herança museológica que importa ter sempre presente na museologia do Estado Novo, salvo honrosas exceções. 62 A comunicação de Carla Ribeiro, da Escola Superior de Educação/IPP; CEPESE – Centro de Estudos da população, Economia e Sociedade, “Cultura Popular em Portugal: de Almeida Garrett a António Ferro” disponível em http://recipp.ipp.pt/bitstream/10400.22/1551/1/Cultura%20Popular%20em%20Portugal%2C%20%20de%20Almeida%20Garrett%20a%20Ant%C3%B3nio%20Ferro.pdf , constata que: “É a história da relação entre cultura popular e identidade nacional aquilo que esta comunicação procurará esclarecer, mapeando-se três períodos no panorama nacional: o movimento romântico do século XIX, a 1ª República e a experiência autoritária do Estado Novo.” Apresentada no I Congresso Anual de História Contemporânea, realizado na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa 18 e 19 de Maio de 2012, pela sua natureza didática, aconselha-se a sua consulta.

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Neste impulso tem predominância a espontaneidade das populações locais ou dos seus representantes, nomeadamente os autarcas ou grupos intelectuais e de cultura associativa, tal como os grupos folclóricos, comissões de melhoramentos, etc.

Esta mobilização ao objetivo “museu” origina a recolha de objetos e um processo de acumulação a que há que dar ordenamento e utilidade. Na gíria museológica diz-se que o processo resulta da modalidade de intervenção “do objeto ao museu”. Assim, o museu é resultado de um caminho histórico já muito longo, da procura de arrumação, o mais lógica possível, a uma infindável coleção de objetos recolhidos e que acabam por impor esta decisão colecionista.63

As exposições comemorativas de comunidade são o motivo para a criação de alguns museus. Nesses casos, não sendo desejável, ou possível, devolver os objetos às suas origens ou aos seus antigos donos, o processo de musealização acaba por acontecer. Os promotores daqueles eventos consolidam a ideia de voltarem a reunir esses acervos já não numa mera exposição criada por altura das festas da localidade, mas no «museu» com que vão sonhando.

Para muitos esta é a forma considerada mais adequada para salvaguardar aqueles objetos que expressam a história do território e são, assim, lugar das memórias. A evocação dos tempos antigos é o mote principal dos promotores dessas recolhas etnográficas.

Portugal, tal como outros países, especialmente no domínio da cultura ocidental, tem assistido nas últimas décadas à criação de inúmeros museus, sendo de destacar a problemática dos museus de iniciativa privada64 e, portanto, ligados a iniciativas de vontade popular, de 63 Interessará neste ponto referir o trabalho de investigação de João Brigola, da Universidade de Évora, Professor na Escola de Ciências Sociais e Investigador do Centro de Estudos de História e Filosofia da Ciência que, no título “Frei Manuel do Cenáculo (1724-1814) – o coleccionador compósito”, nos introduz na problemática da passagem dos «gabinetes» para os «museus». Este texto baseado na publicação “Colecções, gabinetes e museus em Portugal no séc. XVIII, Lisboa: FCG/FCT, 2003”, é um excelente ponto de análise. Na p.1 de 13pp. Escreveu: “Há na vida deste colecionador setecentista uma singular experiência que lhe moldou a personalidade e influenciou o ideário: a viagem que empreendeu a Roma com apenas vinte e seis anos. O grand tour de vários meses por cidades espanholas, francesas e italianas, visitando bibliotecas, museus e universidades, viria a representar uma autêntica revelação intelectual e espiritual. A pulsão cosmopolita é um dos aspectos mais originais da sua forma mentis: correspondência copiosa com intelectuais europeus, informação actualizada e aquisição de novidades bibliográficas e de objectos da Arte e da Natureza, visita constante de estrangeiros à sua residência episcopal e aos seus locais de entesouramento, em Beja e em Évora. Dele se tem dito que foi um ‘semeador de bibliotecas e de museus’, um ‘acumulador’ de livros e de objectos, um organizador incansável de colecções ecléticas, mas igualmente um ‘doador mecenático’ de acervos fundadores de várias instituições culturais ainda hoje ao serviço público.” Disponível em https://core.ac.uk/download/pdf/62468036.pdf . A ligação do Turismo com o Museu em Portugal data do século XVIII, como este estudo sobre Frei Manuel do Cenáculo nos autoriza a considerar? Sem dúvida. 64 Jorge Custódio, numa publicação recente (2017), “Políticas públicas para a salvaguarda e conservação do Património Industrial - Omissão ou desconsideração?”, disponível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/39944/1/Pol_ticas_p_blicas_para_a.pdf colocava uma questão sobre o património industrial muito concreta quando afirmava na p. 28: “Os movimentos de cidadãos organizados em associações têm de estar representados – mas bem representados, com idoneidade, ética e autonomia política – nos órgãos da cultura e do património em Portugal. De outro modo a Sociedade Civil não perdoará! Requer-se a organização de um Plano de Salvaguarda e Valorização do Património Industrial Português. Impõe-se mesmo! Que órgão do poder político se mobiliza para esta batalha? Quem o fizer fará História, no tão abalado conceito público do Património Cultural português.” O Fundador da APAI – Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial e Investigador integrado no IHC, elaborava uma reflexão interessante pela oportunidade e profundidade da questão evocando que “O Fórum do Património 2017, na sua génese, na sua concretização e na sua Declaração Final, enfatizou o Património Industrial e o Património Rural, prescrevendo que a sua salvaguarda possa ter “cada vez

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vontade empresarial, de vontade religiosa, de vontade profissional, etc., etc. Todavia, há casos de alguma confusão que importará também focar.

Como afirma Ana Duarte65 em 2006: “Ainda no ano passado, os viajantes que percorriam de automóvel ou autocarro, a estrada que, partindo da ponta da península de Tróia atravessa a Herdade da Comporta, viam, a partir de certa altura, diversos sinais anunciando um Museu do Arroz. Quem lá se dirigisse (e terão sido muitos, ao longo dos últimos anos) encontrava, não uma instituição museológica mas um afamado e caro restaurante especializado em pratos de arroz, peixe e marisco. Não se trata do único caso em que a palavra Museu aparece ligada a uma unidade de restauração ou similar. Veja-se, só em Portugal, como caso positivo, o exemplo de Silves, em que, na chamada Fábrica do Inglês, existe, no quadro de um gigantesco espaço de restaurante, cervejaria e auditório para espectáculos, absolutamente dominante, um sector efectivamente musealizado com rigor, tanto que até recebeu um Prêmio Europeu (Micheletti) para Museus de Arqueologia Industrial, embora no conceito do museu e, em particular, no seu espaço expositivo, se privilegie a evolução tecnológica do fabrico da cortiça e não tanto as memórias dos protagonistas. Em contraste, o abusivamente chamado Museu do Pão, em Seia, não passa de uma avantajada padaria/mercearia de qualidade, complementada com um igualmente enorme restaurante, conjunto que ocupa mais de dois terços de todo o complexo, em detrimento do que deveria ser a espacialização de funções verdadeiramente museológicas.”

Legítimas como são, e como se poderá observar, estas criações sociais proliferaram no espaço nacional sem que exista uma espécie de ordenamento museológico regional ou conhecimento aprofundado sobre o seu modo de funcionamento.66 Mas, na atual situação há que refletir sobre esta situação para compreendê-la e poder contribuir para o aumento da qualidade de intervenção museológica, a partir dessa compreensão.

A lição dos últimos 40 anos deverá ser evocada. Por isso, há que evitar a dispersão de esforços e rentabilizar os recursos financeiros disponíveis. A ponderação sobre a criação de um museu ou a criação de um núcleo que se possa inserir numa rede museológica é inevitável. A RPM67 deverá ser, sempre que possível, a opção a seguir.

Por vezes a melhor solução é a de se poder instituir um pequeno núcleo museológico, naturalmente associado a uma rede local ou regional, evitando-se, por exemplo, a proliferação num determinado território de museus contíguos onde a história que contam é muito

mais expressão nas políticas nacionais definidas tanto a nível central, como local, dado que grande parte dos conjuntos, edifícios e objectos da sua cultura material não são devidamente estudados, protegidos ou valorizados, encontrando-se assim em grave risco” . Leitura recomendada. 65 Op. cit., p. 319, sob o sub-título “Da pseudo-existência à pertinência de um Museu do Arroz na Comporta”. 66 Ter, por exemplo, dois museus muito parecidos tematicamente no mesmo concelho é um erro estratégico para a promoção museológica, cultural e turística dessa região. Independentemente da legitimidade das propostas, há que ser realista e perceber que é a diversidade regional das propostas museológicas que enriquece, também, o fomento turístico à escala regional. 67 Por exemplo, e no domínio dos museus em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/museus-e-monumentos/rede-portuguesa/formacao-rpm/, e em relação ao mês de julho de 2018, era referida uma ação de formação: “Com o intuito de dar continuidade à linha de ação estratégica da Rede Portuguesa de Museus que tem por objetivo contribuir para a qualificação do tecido museológico nacional, a Direção-Geral do Património Cultural organiza, em 2018, mais um programa de formação dirigido a profissionais de museus, dando prioridade a técnicos de museus que integrem a RPM.” A prioridade é clara, mas a dotação de uns tantos lugares (suportados pela DGPC) seria um estímulo para muitos promotores de museus de comunidade? Eventualmente.

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Capítulo 4 - A criação do museu pela comunidade

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semelhante, concorrendo, e mal, para a explicação cultural da vida desse espaço de paisagem construída e das pessoas que lhe dão sentido.

Temos todos conhecimento da existência de museus ligados a associações culturais de defesa do património local, bem como a associações recreativas, ranchos folclóricos, bandas filarmónicas, etc., além de museus de iniciativa pessoal e particular. Em todos estes casos parece figurar a vontade consciente e legítima de não deixar perder as tradições locais.

Esta consciência e desejo de reconhecimento do património local não deverá, contudo, esconder a necessidade de regras nesta matéria. E a melhor regra é aquela que é ditada pelo bom senso. Se a opção é a de se constituir um museu ou Pólo de museu, impõe-se o cuidado de saber como agir e como saber cativar para o projeto quem está na área temática do património museológico ajudando ao empreendimento. Por isso:

A) Independentemente das circunstâncias que se apresentem, o contacto com entidades nacionais relacionadas com a problemática da museologia é sempre um primeiro passo que deverá ser tentado.68

Sabemos dos constrangimentos e crises que afetam a cultura oficial sob tutela estatal, incapaz, como tantas vezes se observa, de solucionar os seus próprios problemas69. O apoio aos museus locais de tutela privada, nomeadamente associativa, é quase inexistente.

A museologia nacional, pese embora os últimos anos em que se tem assistido a uma vontade genuína de trabalhar também em prol deste tipo de museus, tem tido enormes dificuldades face a carências concretas existentes.70

Cada um destes museus, daqueles que não conseguem, numa primeira fase da sua existência institucional, cumprir os requisitos mínimos de acreditação museal segundo os critérios da RPM da DGPC é, pois, na prática, um candidato à integração. Esse museu (esse espaço que se quer, sinceramente, tornar museu a sério) é obrigado a trilhar um caminho feito de ambiguidades e de resultados por vezes contraproducentes e provenientes, na maioria dos casos, das dificuldades em obter meios humanos e materiais e de fazer investimento financeiro.71

68 E este contacto tanto poderá ser feito junto da RPM, como de Associações relacionadas com a museologia, Departamentos de Universidades e Institutos Politécnicos e até de algumas autarquias que têm demonstrado capacidade com Quadros superiores operando nesta área. 69 A falta crónica de financiamento é patente nesta dificuldade do Estado em cumprir com os seus compromissos constitucionais. 70 A crise iniciada em 2008 veio agravar esta situação como se poderá observar no estudo de 2013 da autoria da DGPC. 71 Aconselha-se a leitura da Tese apresentada à Universidade de Évora para obtenção do Grau de Doutor em História, de Maria Clara de Frayão Camacho, “Credenciação, Sistemas e Redes Nacionais de Museus – Uma Panorâmica Europeia” de 2014, com Orientação do Professor Doutor João Carlos Pires Brigola e da Professora Doutora Raquel Henriques da Silva de 2014 e disponível para consulta em https://dspace.uevora.pt/rdpc/bitstream/10174/11718/1/C.%20Camacho%20Tese%20Vol.%201.pdf . Sobre a Credenciação revela o seguinte na p.14 ”Transpondo a reflexão para o campo museológico e tendo em consideração os enunciados precedentes, a certificação é praticamente sinónimo de credenciação, no sentido conferido ao longo do presente estudo: o da verificação da conformidade das entidades museológicas relativamente a padrões e a normas referenciais. Já o termo acreditação, abundantemente utilizado para designar os sistemas de museus em análise, tem um sentido mais estrito no mundo dos museus do que no dos sistemas de qualidade. De facto, a acreditação de museus não visa a sua validação com a finalidade de estes ficarem aptos a validar outras entidades, mas somente a avaliação e o reconhecimento dos próprios museus.” Leitura recomendada.

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Somado a este problema surge a impreparação das pessoas gerindo acervos feridos naquelas condições de insustentabilidade e abandono estatal anteriormente referidas72 que importa serem consideradas como potenciais recursos humanos orientáveis a uma função museológica adequada.

Se, porventura, há capacidade financeira para contratar técnicos o rumo é bem mais interessante, havendo casos notáveis de rutura positiva com a letargia museológica oficial nesta área da etnografia, como podemos ver nalguns escassos exemplos.73 Todavia, o reconhecimento e a notoriedade na sua classe implicará, para cada uma destas organizações, um esforçado caminho na procura de notoriedade e da qualificação dos seus projetos museológicos vistos num sentido amplo.

Desta forma, e genericamente, a imposição de Serviços tais como: Serviços de Museologia e Museografia; Serviços de Conservação e Restauro; Serviços de Investigação e Documentação; Serviços de Animação Turística e Cultural, por sua vez detalhados em Grupos funcionais de cada Serviço é, a título de exemplo, uma tarefa conducente a tão almejada qualificação? Esta é, sem dúvida, uma via de trabalho a considerar.

Sabendo-se das dificuldades burocráticas e administrativas existentes, o Grupo de Trabalho que se propõe a criar um museu local terá que encontrar uma boa dose de paciência, não descendo o patamar das expetativas do grupo que decidiu representar uma determinada comunidade e quer levar a cabo a criação museológica que a expressa com singularidade.74

Sabemos que, por vezes, e numa circunstância de grande voluntarismo coletivo, o desejo das pessoas é não deixar perder aquilo que constitui o seu património de memória e permite acionar a evocação dos tempos antigos. Mas isso não poderá ser apenas o mote de trabalho a realizar.

72 Os pequenos museus não têm capacidade de organizar dossiês, por vezes muito complexos, e adequar-se aos requisitos exigíveis pela política museológica nacional. A introdução de Técnicos de Museografia nesses pequenos museus na figura de Estagiários, por exemplo, associados a uma iniciativa tipo «rendimento mínimo museológico garantido» como defendemos significaria, certamente, uma medida incentivadora para a melhoria da qualidade museológica naqueles espaços e sua evolução até à credenciação na RPM. 73 O caso do Museu do Pão, com mais evidência no panorama museológico recente é elucidativo embora a sua componente comercial seja preponderante: é um caso específico que merecerá um estudo mais aturado, inclusivamente na ótica da «mercantilização da cultura»? Cremos que sim. 74 Em texto produzido a partir de comunicação apresentada na conferência “O Património como Oportunidade e Desígnio: Ciência, Sociedade e Cultura”, integrada no Dia Internacional dos Monumentos e Sítios: O Património e a Ciência!, 18 de Abril de 2009, Auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, com o título “Património e Sociedade”, Paulo Peixoto, Investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra refere na p. 5: “Estamos hoje muito longe daquele museu do século XVIII em que era preciso solicitar uma autorização por escrito para o visitar, em que as visitas guiadas demoravam meia hora e os visitantes não podiam parar diante das obras para as admirar. A ambição actual do património tem de apontar para a inclusão. É esse, inequivocamente, o seu desígnio. A lógica da “protecção do património” está a sucumbir à necessidade em fazer passar os cidadãos de simples espectadores a autores de uma experiência cultural. A economia dos serviços patrimoniais está a dar lugar a uma economia das experiências patrimoniais e culturais. E a educação para o património, baseada na sensibilização, está a ser substituída pela educação através do património, baseada na utilização do património como recurso. Isso tem feito o património expandir‐se para fora dos seus espaços e domínios mais consagrados, forçando a sua democratização, no sentido em que procura englobar tudo aquilo que tem sentido para a sociedade e para comunidades particulares.” Subscrevemos e partilhamos esta lição.

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É necessário encontrar formas de diálogo com museólogos e outros técnicos habilitados académica e profissionalmente nesta área, com o objetivo de encaminhar da melhor maneira possível os anseios do grupo proponente do museu. A obrigação constitucional da DGPC pode e deve ser invocada pelos promotores destes museus? Sim, e é o melhor princípio que se aconselha a seguir. Todavia, isso não implica diminuir o trabalho local autónomo e, se possível, museologicamente esclarecido.

As comunidades locais, através dos seus líderes promovem a construção do “seu museu”75, com a ideia de que estão salvaguardando a sua própria identidade individual e gregária.

B) Quando se diz que o aparecimento de um museu é também o surgimento de um elemento de desenvolvimento local é porque se acredita que o museu poderá desenvolver competências e exercitar valências adequadas, não apenas à evocação da tradição mas, também, em relação àquilo que é a vida atual, reforçada por valores modernos de identidade local. Os líderes precisam de estabelecer este compromisso até por razões de discurso político objetivando eixos de consolidação socioeconómica desse discurso. O museu é elemento natural do eixo cultural e é criado nessa perspetiva política muito concreta.

C) O trabalho técnico é o que se segue à decisão política. Para atingir esses objetivos, ou seja, para se poder falar da criação de um verdadeiro museu, há que adotar uma posição aberta, com o sentido de contribuir a nível local e regional para a capacitação das pessoas envolvidas. Um museu é também uma outra forma de se poder educar para a cidadania, num mundo cada vez mais ameaçado por situações de exclusão social.

O museu pode ser um elemento inclusivo, ou seja, um espaço de encontro e solidariedade local e comunitária. Uma simples exposição poderá ter um impacto bastante importante na construção ou manutenção da autoestima das populações. Este é um vetor que estará sempre ligado a qualquer processo cultural e, particularmente, ao museu.

A própria recolha de peças é já um passo nesse diálogo que os responsáveis do museu deverão tentar estabelecer com os seus concidadãos. Há vários métodos técnicos de recolha, mas há uma única forma de preparar essa recolha. Esta consiste em explicar a todos quantos contactamos no trabalho de bater porta a porta a vantagem de determinada comunidade possuir o seu museu.

O método mais usual para a criação de um museu comunitário é aquele em que as pessoas vão reunindo peças antigas e, de repente, sentem vontade de avançar para o tal museu, sonho esse que se vai instalando até poder extravasar nessa realização. Uma exposição por altura de uma festa marcante da localidade aparece como o embrião para os voos mais altos. Um desses voos é dedicado a edificar-se um museu.76

D) Nestas condições é usual criar-se uma associação, com estatutos e sua publicação no Diário da República, forma de legitimar essa realização cultural perante o País. É sempre

75 Verifique as bibliografias de cada capítulo e sua utilidade terminológica. 76 Foi isto que aconteceu no caso do Museu Agrícola de Riachos: criado a partir de uma grande exposição pública sobre Alfaias Agrícolas em uso nos campos até cerca da década de sessenta do passado século na Festa da Bênção do Gado, que se realiza de 4 em 4 anos.

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útil candidatar a instituição ao estatuto de “instituição de utilidade pública”77, porque se podem retirar vantagens dessa posição institucional.

Há que pensar-se qual a caraterização a dar ao futuro museu (o seu título, como por exemplo, Museu Etnográfico; Museu do Pão; Museu Agrícola; Museu das Artes e Ofícios dos Metais; Museu da Fundição; Museu dos Fósforos, etc.) será proveniente deste pensamento atrás sugerido. Entre as possibilidades de criação museológica há que ser prudente e utilizar a escala mais adequada aos meios disponíveis.

Por vezes, é preferível designar-se esse conjunto (esse hipotético museu) por Núcleo Museológico de..., inserindo-o numa lógica regional, em vez de se designar por museu uma coleção que, à partida, se torna insuficiente para poder ser tratada nas suas diversas frentes como dando forma a um museu. Este é um aspeto que deverá merecer uma reflexão profunda antes de se tomar uma iniciativa definitiva.

Um primeiro contacto com a DGPC e a RPM é sempre desejável, quanto mais não seja a fim de se perceber qual o posicionamento estatal nesta matéria sensível de criação de novos museus.78

Hoje em dia há Associações Profissionais e Técnicos79 trabalhando em vários museus que, a serem consultados, poderão dar uma ajuda informativa e científica muito interessante, evitando-se, por esta via, a tomada de decisões pouco conformes à realidade museológica em presença.80 Existem instituições de ensino onde são ministrados cursos ligados ao património cultural, à conservação e restauro e à museologia, entre outros, o que contribui para cada vez mais podermos contar com instituições parceiras, muitas delas disponíveis para trabalharem em rede.

O Estágio Profissional de jovens estudantes oriundos destes cursos é muito proveitoso para o museu local proporcionando novo conhecimento sobre o acervo reunido ou outras temáticas como, por exemplo, constituir um museu a partir da reunião de um dado espólio.

E) Em muitos casos, há falta de contacto entre os promotores desses pequenos museus e algumas instituições desta área porque, algumas delas, continuam a cultivar uma espécie de elitismo privilegiando quase em exclusividade a grande “obra de arte”. Ignorar a arte

77 O estatuto de instituição de utilidade pública permite, por exemplo, aceder a apoios mais estruturantes. 78 Por exemplo, num estudo sobre a atualidade museológica portuguesa é referido que “... é indispensável promover, junto das diversas tutelas, a imperiosidade de definir critérios que evitem a proliferação de situações supostamente museológicas de “colecções”, de “tradições” ou de “heranças” que na realidade não o são, podendo embora possuírem importância patrimonial. (...) Neste sentido, o IPM considera conveniente que, no conjunto do tecido museológico nacional, sejam destacados o que designaremos por “museus difusores”, na figura dos que, independentemente da tutela, tenham condições e se proponham apoiar, nas respectivas regiões, a qualificação de outros museus, núcleos museológicos ou colecções relevantes, nomeadamente nas áreas do inventário e sua informatização, da conservação, da formação de recursos humanos e da elaboração de instrumentos de divulgação.”, conforme se poderá constatar em SILVA, Raquel Henriques da , Apresentação, in ,AA.VV. (2000), Inquérito aos Museus em Portugal, Lisboa, Ministério da Cultura – Instituto Português de Museus, pp.11-17, p.15. 79 A Associação Portuguesa de Museologia em https://apmuseologia.org/; A ARP - Associação Profissional de Conservadores-Restauradores de Portugal em http://www.arp.org.pt/; A APAI - APAI, Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial em https://apaiassociacao.wixsite.com/apai; e outras que fazem parte da envolvente museológica. 80 Neste Manual, veja-se a lista de Referências eletrónicas indicando organizações deste setor.

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do povo, o tal artesanato que, muitas vezes, tem por detrás da sua realização não um mecenas régio ou religioso (que explica a ideologia nacional e arte nacional), mas um pobre artesão que, analfabeto e parco de representatividade social, pouco acrescenta a essa ideologia (a não ser como elemento antropológico e demográfico que também a ajuda a explicar) é, de resto, uma atitude medíocre.

A Arte Popular não tem tido grande aceitação por parte de muitos eruditos, excetuando-se honrosas situações que todos conhecemos. É visível no ambiente da museologia nacional que grande parte dos museus etnográficos ou de arte popular são de propriedade associativa local ou de autarquias.81

Depois, trabalhar com os museus locais em circunstâncias concretas e quotidianas82 é estar constantemente confrontado com limitações de toda a ordem.

F) A disponibilidade de um(a) Diretor(a) de Museu Local para ouvir e aprender com os habitantes ou simplesmente dar-lhes a atenção que eles requerem, e a que têm direito, é tarefa necessária à sobrevivência desse museu. Essa disponibilidade implica simplicidade, humildade, disponibilidade pessoal e, acima de tudo, muita paciência e saber ouvir. O que torna o trabalho aliciante é constatar-se que se está construindo elos de ligação que o museu estimula e potencia. No panorama da museologia nacional de raiz estatal falta, por vezes, a disponibilidade requerida para estas questões da convivência com as populações locais. São poucos os(as) diretores(as) que conseguem estabelecer essa ponte.

Trabalhar em museologia popular, ou trabalhar em museologia de proximidade às populações locais, é calcar lama e enfrentar condições de higiene e salubridade de natureza precária, é também ter que dialogar com pessoas que, por vezes, são difíceis de compreender, satisfazer, contentar? Sim, essa realidade existe e necessita de respostas. Muitas das Pessoas das comunidades locais, agindo com boas intenções, mas sem enquadramento adequado, devido a vários fatores de ordem social, económica e instrução individual, criam por vezes conflitos de relacionamento que exigem muita proximidade e diálogo da parte dos técnicos, resolvendo questões que nem sempre suscitam plataformas consensuais.

Ultrapassar este impasse exige, por sua vez, humildade por parte dos técnicos e capacidade de aprender novas coisas. Há que perceber que há coisas que têm que mudar, por parte dos promotores de um museu popular, especialmente quando o técnico chega ao museu numa fase em que já estão colocadas peças em exposição. Esta capacidade de entendimento sobre o que se pretende para o museu é fundamental.

Acontece que, quando se pensa em criar um museu83 se deverão verificar todo o tipo de condições de que podemos dispor para a sua manutenção e desenvolvimento. A visita

81 O Museu Nacional de Etnologia merece uma visita. É, no panorama museológico internacional, um excelente exemplo de que mesmo sem meios financeiros adequados se pode elaborar uma programação com atividades diversificadas em torno do acervo excecional que se possui. 82 Por experiência própria que nos enriquece todos os dias sabemos bem a dificuldade que existe numa abordagem específica: uma coisa são os modelos teóricos e outra, por vezes bem diferente, é a realidade concreta do dia a dia, porque é necessário perceber-se a diferença de «linguagem» que existe entre o técnico de museologia e o anónimo cidadão ou o indivíduo que, vindo do seio da população, quer colaborar no desenvolvimento do «seu museu». 83 Em trabalho recente, Dina Ramos e Eunice Lopes, com o título “A Museologia e o Turismo…como fatores dinamizadores das comunidades locais e da preservação da identidade cultural dos territórios.”, elaboram no diapositivo 22 de 29 o que pretende ser a: “Criação do modelo teórico para implementação

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a outros museus é, por vezes, bastante elucidativa de muitas questões. A relação com a DGPC e com outros órgãos governamentais e do Poder Local é, nesta lógica de integração, outro ponto crítico a considerar.

G) É muito fácil criar e inaugurar um museu. É muito difícil dar alma a esse museu e apresentá-lo com critério, tornando-o num aliado natural do processo de desenvolvimento local. O compromisso entre o que o(a) Diretor(a) pensa e o que quer colocar em prática debate-se, constantemente, com a necessidade objetiva de ele ser um bom pedagogo e saber organizar as coisas em sentido de diálogo construtivo, criado e mantido a partir das opiniões dos restantes elementos da associação.

As unanimidades são difíceis nesta circunstância. Não basta ter planos de desenvolvimento museológico. É importante que esses planos sejam aceites depois de bem explicados porque o convencimento do grupo é fulcral e necessário ao andamento das coisas.84

Muitos técnicos, habituados a outros espaços de trabalho, esquecem esta realidade e debatem-se com problemas de relacionamento com o seu grupo de trabalho porque não entendem, por vezes, a atmosfera presente e o realismo circunstancial com que se tem de atuar. A nossa experiência de duas décadas de trabalho mostra essa problemática.

Esse é o desafio que importa identificar com cuidado e tempo, porque, por vezes, melhor que ter um museu como mero depósito de peças é não ter museu. Essa decisão poderá ser a melhor solução se não forem encontradas formas de se poder dispor de um equipamento cultural e pedagógico que, pela sua função, deverá ser um catalisador da vontade comunitária e, nunca, um ponto de conflito.

Por vezes, é preferível poder-se contar com pequenos núcleos de peças, ou seja, com Coleções Visitáveis que, em articulação com um determinado território, melhor respondem às aspirações dos residentes locais de terem um «museu». Todavia, estas opções devem ser sempre feitas sob a estratégia museológica nacional.

H) Outra particularidade da maior parte deste tipo de museus assenta no facto de se partir dos objetos, reunidos aleatoriamente, para a construção do museu e não de um projeto museológico adequado. Por vezes, com critérios onde pontifica a atitude de guardar tudo e em quantidade, estes “montes de peças” acabam por suscitar problemas de grande

na criação do Museu de Covão do Lobo.” , argumentação apresentada nos Encontros Documentais promovidos pelo município de Vila de Rei em 22 de fevereiro de 2017. Disponível em https://c026204.cdn.sapo.io/1/c026204/cld-file/1426522730/6d77c9965e17b15/f7bb6adab6bfd103c020897b2b294b9f/encontrosdocumentais/2017/7%20A%20museologia%20e%20o%20turismo%20como%20fatores%20dinamizadores%20das%20comunidades%20locais%20e%20de%20preserva%C3%A7%C3%A3o%20da%20identidade%20cultural%20-%20Dina%20Ramos.pdf. Vale a leitura pela realidade de Covão do Lobo anotada naquela proposta. 84 Num museu local só se poderão fazer essas coisas (exposições temáticas, exibições pontuais de matérias estranhas ao acervo principal do museu, concertos de música ou outros eventos) se se conseguir conquistar as pessoas para essas ideias: é preciso trabalhar bem o conceito de sedução atraindo as pessoas para o novo e original, porque é preciso impregnar primeiro a motivação nas pessoas para que, depois, elas próprias ajudem e protagonizem a ação. Este é um quesito da programação cultural dos pequenos museus. A tendência genérica, por exemplo, num museu etnográfico, é apresentar folclore e não música clássica. Contudo, como experimentámos no MAR, um e outro podem ser realidades interessantes numa mesma programação.

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monta, porque geram confusão e acesas disparidades de opinião no grupo responsável pela sua recolha, pelo tratamento museográfico e pela exposição.

Por exemplo, no domínio dos utensílios agrícolas bastará o museu possuir exposto um utensílio de cada atividade para que possa assegurar a sua missão museal. Este é de todos os aspetos expositivos o mais sensível e mais difícil de gerir, porque gera situações contraditórias. Por exemplo, se se encontram oito enxadas nesse “monte de peças” (e por aí adiante entre outras tipologias de alfaia agrícola), torna-se um problema acrescido regular-se a melhor forma de distribuição e hierarquia sobre a peça que é escolhida para ser colocada na exposição permanente.

É que a peça escolhida pertenceu a um dos oito ou nove doadores do mesmo tipo de peça, e é necessário estabelecer-se um processo de convencimento para elucidar os restantes doadores de que a peça exposta é apenas uma, segundo critérios museográficos que devem, por sua vez, ser bem explicitados!

4.3 Esquema explicativo Pretende-se nesta circunstância descritiva apresentar uma sequência decorrente de uma lógica de trabalho prático num museu de comunidade. O primado da preocupação com as Pessoas que estão na base de apoio aos promotores deste tipo de museu e a função social, nomeadamente inclusiva e local, orientada aos residentes e, naturalmente, aos visitantes, conduz esta arrumação de A) a F).

A) O Inventário do museu é o elemento fulcral onde giram todas as ações museológicas futuras: o software MATRIZNET da DGPC é um bom exemplo didático, e caso seja possível a sua aquisição isso significará um sucesso em toda a estruturação consequente ao processo de inventariação.

B) A Classificação é o passo inicial: cada Objeto detém um estatuto preciso e entra num determinado Grupo Classificativo.

C) Cada museu deverá ter o seu próprio sistema de classificação das coleções, ou seja, arrumar os objetos nos grupos entendidos pertinentes sob critérios bem fundamentados e coerentemente ajustados ao tipo de acervo em presença.

D) O sistema de classificação de objetos deverá obedecer, no caso de objetos que tiveram utilização como “utensílios”, às funcionalidades requeridas e para que foram criados/inventados. Por exemplo, o objeto do acervo agrícola do MAR está relacionado com o ciclo agrário onde esse objeto se impunha na sua funcionalidade primitiva. Não esqueçamos que os objetos detêm, pelos menos, três funções: prática/estética/simbólica.

O arado que ontem lavrando os campos detinha, nesse contexto produtivo, uma função predominantemente prática, hoje, no museu, ostenta uma função simbólica proeminente (do trabalho rural) e é exposto também tirando vantagem da sua evidência estética. A revitalização das artes e ofícios faz-se, em certas circunstâncias, com o contributo do marketing e do design, e as coleções são-lhes muito úteis pelas

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informações que proporcionam conceitual e materialmente. Esta questão prende-se com este ou qualquer outro objeto.

E) O modelo de classificação deverá ter em consideração as expetativas futuras sobre a utilização do objeto e deverá ser articulado de modo a não se perder qualquer tipo de informação inerente ao objeto, mas, principalmente, ao seu contexto de utilização. A ligação de um objeto a um grupo que por sua vez se liga a uma temática (atividade humana, neste caso) é deveras importante e regula-se na base das informações retiradas nas fases de classificação e de inventariação.

F) Tudo o que for possível recolher como exemplo de trabalho já realizado na área é importante para este processo: visita a museus congéneres; acesso a bibliografias técnicas editadas por outros museus; leitura e discussão de normativos técnicos e normas de inventário tendo em vista a utilização acertada de conceitos, tais como denominação/autoria/conjunto/contexto/técnica/estado de conservação/etc., etc.

Nota adicional: a constituição de uma boa Biblioteca (em suporte papel e digital) dedicada ao tema do acervo principal do museu é, ou deverá ser sempre, uma preocupação básica e fomentadora de todo o processo de classificação e inventariação; ela será muito útil e mostrar-se-á imprescindível para sustentar o Projeto Museológico que se irá construir.

4.4 Síntese • A espontaneidade que leva à criação de um museu deverá ser trabalhada em termos

realistas aquando da decisão de se materializar essa ideia e deverá, se possível, ser orientada aos princípios museológicos da doutrina internacional e da gestão museológica nacional suportada por convenções internacionais e redes de investigação científica. A aceitação dos princípios definidos pela tutela, Ministério da Cultura e pela DGPC, deverá integrar-se na estratégia a associar a esta espontaneidade, típica da cultura popular.

• Como refere a sabedoria popular “o que nasce torto tarde ou nunca se endireita”, alusão clara a situações que poderão ocorrer se não se pensa para além do imediato.

• A ligação do museu a uma associação de defesa do património oriunda da vontade de um grupo de pessoas interessadas na promoção dos valores culturais locais é sempre desejável, a ter-se uma estrutura informal e dependente da vontade de uns poucos.

• O museu não deve constituir-se apenas por uma coleção de objetos expostos. A melhor forma de dar alma a um museu é organizá-lo tendo em vista poder partilhá-lo com a população local, fixando regras claras e democráticas de participação e de compromisso com a educação patrimonial como parte da educação cívica, componentes da função social de qualquer museu.

• A singularidade de um museu é a sua marca. Por isso, há que pensar-se bem sobre que tipologia de museu se trabalhará, sempre em acordo com o tipo de peças escolhidas para núcleo central do museu.

• O contacto com instituições museais já existentes e a leitura de bibliografia adequada não dispensa o contacto com profissionais e associações científicas da área museológica, que poderão ter grande importância no apoio ao projeto.

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Capítulo 4 - A criação do museu pela comunidade

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• A ligação à população local deverá ser um aspeto a ter sempre presente, em qualquer circunstância, porque o êxito do museu local depende, em grande parte, da qualidade dessa relação.

• A política de museu poli - nucleado é, por vezes, uma boa solução para a instalação de um museu local. Os núcleos temáticos poderão articular-se num todo coerente e ser mais rentável do que ter todo o espólio reunido num único espaço. No entanto, cada caso é um caso.

• A profusão de objetos da mesma categoria deverá ser evitada com recurso a uma gestão coerente. Assim, é preferível expor apenas um exemplo de cada tipo de peça e guardar as outras num espaço de reserva.

4.5 Sugestões de leitura ROCHA – TRINDADE, Maria Beatriz, (coordenadora), (1993), Iniciação à Museologia, Lisboa, Universidade Aberta

(Trata-se de uma obra que podemos considerar fundamental para qualquer pessoa que trabalhe na área dos museus. Logo no início é referido que “Os objectos não são apenas mostrados, mas também explicados e interpretados; não vivem só por si, mas também pelo contexto de onde provêm, pela função que possam ter desempenhado. Evocam situações, temas, problemas, relacionando passado com presente, locais com outros locais, diferentes modos de pensar, de sentir e de viver.”, p.17. A seguir a esta introdução da coordenadora deste livro são apresentados 12 capítulos, a saber: I –Breve História do Museu em Portugal, de Paulo Oliveira Ramos; II – Museus na Actualidade, de António José C. Maia Nabais; III – O Objecto como gerador de Informação, de Fernando Bragança Gil; IV – Tratamento Museográfico, de Maria Beatriz Rocha-Trindade; V – O Discurso Expositivo da autoria de António José C. Maia Nabais e José Maria Cruz de Carvalho; VI – Arquitectura do Museu, de José A. F. Sommer Ribeiro; VII –Conservação e Condições Ambiente – Segurança, de Luís Efrem Elias Casanova; VIII – Museus de Arte, por Fernando A. Baptista Pereira; IX –Museus de Arqueologia, de Luís Raposo; X – Museus de História Natural, de António Galopim de Carvalho; XI – Museus de Ciência e Técnica, por Fernando Bragança Gil; XII – Museus de Região, por António José C. Maia Nabais. Neste último artigo poderá observar-se que “Pode-se afirmar que ainda hoje não possuímos um verdadeiro museu de região, mas existem vários museus que reúnem características próprias deste tipo de museu.”, p. 262, ou seja, na impossibilidade de se criarem os museus de região que foram teorizados mas nunca postos em função, é possível aliar museus de região que, em rede, possam colmatar esta falha regional. Acresce que, na atual conjuntura de desenvolvimento das atividades turísticas com especial enfoque no designado turismo cultural, o papel dos pequenos museus poderá ser mais importante porque a tendência para o trabalho em rede regional é, do nosso ponto de vista, o futuro. Aconselhamos vivamente este livro, na medida em que, através de uma linguagem simples, mas rigorosa, e apresentando muitos casos ilustrativos, é um ótimo apoio que também nós seguimos com interesse.)

GOUVEIA, Henrique Coutinho, (1984), Para a História dos Museus Locais em Portugal – A propósito da criação do Museu de Lorvão, Lisboa, Instituto Português do Património Cultural

(Trata-se de uma obra que logo na sua Introdução refere: “(...) o interesse da análise da história inicial do Museu de Lorvão provém do facto de nele se poderem detectar algumas questões cujo aprofundamento será, porventura, susceptível de contribuir para um melhor esclarecimento do panorama museológico português em períodos relevantes, nomeadamente no que se refere à organização de museus locais e à óptica excessivamente centralista que

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Capítulo 4 - A criação do museu pela comunidade

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sempre enformou a política patrimonial do País.”, p.6. O historial do museu tendo em conta o anúncio público de Maio de 1921 é exaustivamente estudado tanto na sua dimensão local, quanto nos estrangulamentos que advinham do tal centralismo denunciado pelo autor. A abertura do Museu de Lorvão em 10 de Junho de 1921 e o papel que teria no desenvolvimento local é também alvo da atenção desta reflexão museológica. Os conteúdos expostos e comentários sobre o processo deste museu são matéria muito interessante para qualquer investigador ou diretor de museu, na medida em que apresenta um estudo de caso que é, certamente, um manancial de pistas para uma melhor compreensão sobre este tipo de museu local. O autor conclui o seu trabalho afirmando que o caso deste museu teve destino “... paralelo ao da grande maioria dos museus locais do País que, desprovidos de meios técnico-científicos e não tendo podido beneficiar do apoio de uma rede de estruturas adequadas, também se limitaram a sobreviver, seguindo trajectórias medíocres, eventualmente animadas por períodos mais florescentes, quase sempre produto de dedicações a que depois falta continuidade.”, p41. Estas palavras de 1981, data do texto original, estão bem vivas, infelizmente, no quadro museológico local do nosso País e são um aviso prudente que é endereçado a todos quantos entendem o museu como um mero repositório de peças em exposição. Recomenda-se como leitura importante para esta matéria relacionada com a criação de um museu.)

DUARTE, Ana, (2006), Memórias do Arroz – Contributos para a programação de um Museu na Comporta, Lisboa: Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, n.º 18, Lisboa, Edições Colibri, 2006, pp. 319-342.

(É um texto de referência pela visão crítica que nos oferece e pelas pistas que abre para os museus de iniciativa local. Como se refere na p. 321, a Autora esclarece sobre este caso concreto: “Não pode deixar de nos surpreender que se confundam o espaço claramente comercial do restaurante, em que a «decoração» presente jamais poderia ser considerada em termos de comunicação museológica, com o restante espaço da fábrica, então e hoje sem qualquer tratamento museal e até subvalorizado pelo próprio restaurante. Portanto, a noção de «reabilitação museológica do restaurante» parece-nos não só teoricamente frágil e insustentável como impeditiva, na prática, da realização de um verdadeiro Museu do Arroz na Comporta. Só um trabalho profundo de Programação Museológica, desde a inventariação e documentação, passando pela conservação, até à espacialização do discurso expositivo é que irá permitir um saudável e profícuo relacionamento entre o restaurante e o Museu que terá de ser constituído.” Deste modo crítico, o posicionamento que importa relevar é o que se vai apontando ao longo do texto, porquanto os entusiasmos empresariais (no caso, de um restaurante) e outros entusiasmos (voluntarismo pouco esclarecido) são atentados à própria criação de museu. Aliás, na p. 323 também reforça a sua argumentação que, neste contexto, também significa “serviço público em museologia” referindo: “Não se pode programar o museu sem ter em atenção a situação geográfica que rodeia o edifício e a sua influência na economia local, assim como as transformações socioeconômicas globais e os seus efeitos sobre a agricultura, neste caso concreto o cultivo do arroz na Comporta, que sofreu uma reestruturação no processo de produção e descasque, com a aplicação de tecnologias de ponta, originando novos processos de organização produtiva fora da aldeia, a diminuição drástica da mão-de-obra e consequente impacto nas relações de trabalho.” Como se depreende desta teorização enquadrando na p. 327 os sedimentos do seu trabalho de campos, explicitando aos leitores o seguinte: “Realizámos, na aldeia da Comporta, quinze entrevistas, num total de trinta horas, que nos remeteram para memórias da actividade profissional e dos modos e condições de vida do informante.” Consequentemente, esta Mestre em Museologia apresenta uma proposta resolvente quando especifica na p. 335: “Proposta de Espacialização

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Capítulo 4 - A criação do museu pela comunidade

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das Funções Museológicas e do Discurso Expositivo. Os quadros que se seguem, em Anexo, apresentam as nossas propostas de espacialização das funções museológicas na Fábrica de Descasque e no edifício contíguo, bem como a definição e caracterização do Discurso Expositivo. Trata-se de um Guião destinado à elaboração do Estudo Prévio, que, uma vez aprovado, passará à fase de Ante Projecto, para o qual o Guião será desenvolvido em Programa Museológico, documento que acompanhará igualmente a elaboração do Projecto de Execução e servirá de norma durante a fase de obra e montagem do museu.” Leitura recomendada.)

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Capítulo 5 - A recolha de peças e a constituição do acervo

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Capítulo 5 - A recolha de peças e a constituição do acervo

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Capítulo 5 - A recolha de peças e a constituição do acervo

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5.1 Introdução Os acervos dos museus são a sua mais rica identidade: cada museu tem uma espécie de matriz fundadora e, nessa lógica, a sua especificidade no contexto museológico mais geral. Assim, a identidade cultural de um museu é dependente das suas Coleções, e estas dos Objetos que lhes dão sentido e coerência.

Os momentos de recolha de peças de vária ordem, quer de natureza material, quer de natureza imaterial (tal como recolhas orais e multimédia…), devem ser organizados em função do grande objetivo de cada museu. Se o museu tem uma especialização, por exemplo, em Traje, não fará sentido recolher peças que não se inscrevam nesta tipologia e no seu contexto temático de proximidade.

Nesta lógica, ao expor Vestuário de Trabalho Rural, por exemplo, poder-se-á amplificar o efeito expográfico mediante a integração num expositor de utensílios de trabalho relacionados com esse vestuário? Expor a Arte de Gadanheiro implica escolher-se um manequim vestido com o fato de trabalho adequado à função e, se possível, a organização de uma contextualização visual.

No caso, esta composição visual, dedicada e provida com uma Gadanha e, eventualmente, com o Cântaro da Água e com o pequeno Pipo de Vinho, mais um ou dois Molhos de Trigo atado tal qual como era o cenário real de trabalho? Certamente que sim.

A expressividade e identidade de cada Coleção vivem, não apenas das peças, mas, essencialmente, da contextualização das mesmas e da narrativa concreta que, socorrendo-se de imagens e de processos multimédia, constroem uma mensagem facilmente descodificável pelos públicos e apelativa aos seus olhares.

5.2 Enquadramento técnico dos procedimentos Em termos museológicos existem várias vias alternativas para constituição de acervos museológicos. Até há muito poucos anos elaboravam-se listagens provisórias de receção de peças que, posteriormente, eram inseridas no inventário geral do museu sendo este repartido em inventários de coleção.

Como já se referiu anteriormente há bibliografia bastante e normativos que a DGPC divulga contribuindo para uma função tão relevante quanto esta. Porém, a adaptação desses procedimentos científicos e técnicos, devidamente orientada ao trabalho voluntário que marca o quotidiano de muitos museus comunitários, deverá ser trabalhada nessa dimensão de prestação museológica.

O voluntariado de pessoas sem preparação nesta matéria, contudo, exige uma dimensão de administração que, delineada e ajustada dentro das práticas recomendadas pela DGPC e pela RPM, pode qualificar estas tarefas em cada museu que conscientemente segue, também, metodologias básicas, porque:

1) A criação de um Livro de Registos de entrada de peças continua a ser um procedimento aconselhado e obrigatório para o controlo efetivo dos objetos. Ele é, sem dúvida, o elemento inicial de um processo de organização que o não poderá esquecer.

Hoje, é possível através do computador criar uma base de dados capaz de funcionar como registo informático mais fácil de gerir e com maiores potencialidades para o

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Capítulo 5 - A recolha de peças e a constituição do acervo

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trabalho futuro do museu. Esta nova realidade não deverá ser ignorada dentro do modelo de gestão que vier a ser adotado.85

2) O modelo de inventário MATRIZ86 está reservado, até por razões de disponibilidade financeira para aquisição, aos museus da RPM. Um museu que não pertença a esta rede terá que saber encontrar a sua melhor base de dados. Mas poderá e deverá, a nosso ver, ser seguida a metodologia daquele modelo. O surgimento do software MATRIZ foi muito importante para a museologia nacional, e a integração, por exemplo, de um museu de comunidade no universo daquela tutela significa acesso a muita informação e a formação úteis para cada projeto museológico local. Como se refere na página do MatrizNet na janela Bem-Vindo: “Bem-vindo ao MatrizNet, o catálogo coletivo on-line dos Museus portugueses, sob tutela da Direção-Geral do Património Cultural, das Direções Regionais de Cultura do Norte, Centro e Alentejo e da Parques de Sintra – Monte da Lua. Conheça as coleções nacionais de referência nas áreas da Arte, Arqueologia e Etnologia, através de pesquisas cruzadas sobre 34 bases de dados. Efetue a sua pesquisa de modo orientado (por museu, por tema, por autor, por exposição e por data), ou utilize a opção de Pesquisa Avançada para refinamento do retorno de dados.)

Esta iniciativa da DGPC aproveitou as oportunidades de desenvolvimento da museografia clássica através de novos meios informáticos colocados à disposição de todos quantos trabalhavam no sector do património cultural, em geral, e nos museus, em particular. A relação com a conservação e restauro está igualmente assegurada bem como outros procedimentos na gestão das coleções.

A evolução qualitativa das bases de dados informáticos é uma realidade incontornável em qualquer processo de inventariação e consulta sobre os bens culturais. A utilização da informação disponibilizada por essas bases é um bem precioso do ponto de vista técnico, mas, sobretudo, para o reforço da pedagogia do património e, nela, do desenvolvimento de valores cívicos necessários ao progresso da sociedade em que nos inserimos.

Nesta lógica, e pensando nos públicos de museus, a exploração de um inventário digital por “nativos digitais”87 obriga a pensar-se em estratégias adequadas de divulgação

85 Se se puder utilizar uma fichagem em concordância com a ficha normalizada do Programa MatrizNet é de todo aconselhável (até pelas razões futuras de hipotética inserção na rede museológica nacional). Por outro lado, as Normas de Inventário, disponíveis enquanto bibliografia especializada produzida pelo IPM, através da sua Direção de Serviços de Inventário e atualmente na égide da DGPC são, nesta circunstância, de leitura, consulta e aplicação normativa obrigatórias. 86 No sítio http://www.matriznet.dgpc.pt/matriznet/BemVindo.aspx há informação e conteúdos específicos que se podem explorar para melhor preparação dos voluntários que operam em muitos museus de comunidade. 87 Como referencia Quele Pinheiro Valença Marçal, no seu trabalho “A leitura no mundo digital: reflexões acerca do livro eletrônico”, Dissertação de Mestrado em Ciência da Informação, orientada pela Doutora Maria Manuel Borges, apresentada ao Departamento de Filosofia, Comunicação e Informação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, de 2018, na p.81: “Com a cibercultura, a sociedade torna-se cada vez mais visual, e nisso, ampliam-se as mídias e as formas de comunicação. A linguagem humana corresponde principalmente à linguagem verbal, seja ela oral ou escrita, porém, hoje se lê também imagens, a linguagem dos textos não verbais. A junção desses dois tipos de linguagem conduz a uma ou várias interpretações por parte do leitor, cabe a este, usar de diversos sentidos como, olhar, ouvir, tocar, etc., a fim de atribuir sentido ao texto.”

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Capítulo 5 - A recolha de peças e a constituição do acervo

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museológica em moldes completamente novos num contexto de cibercultura? Sem dúvida.

Este assunto terá no futuro um desenvolvimento bastante promissor democratizando o acesso à informação e à animação cultural que, neste caso particular de utilização informática, tem muito espaço crescente de evolução. Esta questão poderá colocar em causa, e em termos museológicos, no limite, a operacionalização do conceito de museu. É provável que a reordenação do conceito de museu, de um ponto de vista da sua materialidade/imaterialidade, acabe por criar “novos modos de ser museu” e “novos modos de consumir o museu”? Tudo parece indicar para essa deriva.

Com o avanço da comunicação por via informática já hoje se assiste a um fenómeno ainda pouco conhecido, mas evidente no meio museológico: a continuidade do museu clássico com a componente de edificado bem presente no espaço físico e o museu imaginário suportado em estrutura imagética. Ambas contribuem para tornar ainda mais substantivo o acervo tradicional: o duplo acervo exposto em conceções expográficas e de acessibilidade material/física e o acervo guardado em pastas e em documentos gráficos de computador permitindo ligações de acesso, ligando materialidade com imaterialidade é totalizante.

A experiência museológica liga os conteúdos expostos em painéis tridimensionais com os seus contextos de explicação recorrendo-se a outras técnicas de natureza multimédia. Este novo modo de conceber, utilizar e estudar os bens culturais vai-se impondo até por razões de consumo de produtos culturais que as indústrias criativas e as indústrias culturais promovem.

O crescimento do turismo cultural88 compagina-se com esta evolução e reclama, até, o lugar “onde” deverá sinalizar todos esses conteúdos. Este é um aspeto fascinante da cultura e consumo cultural que está em pleno desenvolvimento e tem muito espaço de crescimento futuro dado o incremento do turismo cultural.

3) Na lógica evolutiva da museologia e da museografia num mundo altamente influenciado pela digitalização, podemos considerar hoje dois tipos básicos de museu: o museu com peças físicas, com o seu espaço arquitetónico de peças concretas, palpáveis, e o museu sem peças físicas, organizado por representações bidimensionais e tridimensionais dos objetos que, digitalmente, são o seu acervo. Numa notícia do Jornal “Público”89 era afirmado o seguinte: “Em poucas palavras: a principal característica deste novo museu de Tóquio é ser 100% digital; e por isso mesmo está para o circuito dos museus como as plataformas online de alojamentos estão para a

88 Carlos Costa produziu uma reflexão publicada em Análise Social, vol. XL (175), 2005, 279-295 e em http://www.scielo.mec.pt/pdf/aso/n175/n175a02.pdf cujo título “Turismo e cultura: avaliação das teorias e práticas culturais do sector do turismo (1990-2000)” significou um desafio também para a museologia. Como refere na p.294: “A evidência apresentada em relação ao caso português demonstra, igualmente, que tem existido um esforço para que as questões da cultura e do património sejam consideradas devidamente a nível das políticas que são preparadas para a área. Contudo, fica igualmente demonstrado que existe um sério hiato entre as intenções expressas nesta área e a realidade. De facto, continua a observar-se que, na prática, as organizações da área da cultura e património estão longe de possuírem o grau de penetração e de expressão nos processos de tomada de decisão e no acesso aos financiamentos disponibilizados na área do turismo.” 89 Na separata “FUGAS” do Público nº10.381, Sábado, 22 de setembro 2018, pp.22 e assinada pelo Jornalista Victor Ferreira, com o título “Tecnologia – Tóquio abriu um museu 100% digital”.

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Capítulo 5 - A recolha de peças e a constituição do acervo

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indústria hoteleira. O museu não representa nenhum grau de ameaça, mas vira do avesso a experiência que temos num museu.”

Na evolução recente da tecnologia estamos, portanto, caminhando, também, para o museu sem peças, ou seja, para o museu que se mostra através de imagens virtuais como resultado das possibilidades propostas pelos meios informáticos e ferramentas daí decorrentes e passíveis de serem cada vez mais utilizadas no conceito “museu”.90

Uma terceira tipologia, que poderemos considerar como fusão, liga num mesmo espaço (físico e na web) a notória presença dos artefactos no espaço museal91 com referência em tempo real aos mesmos, vistos tridimensionalmente e em contextualização 3D e de Realidade Aumentada.92

Acreditamos também que no domínio dos museus de comunidade e de inspiração etnográfica se continuará, por muito tempo, a utilizar a museografia com peças concretas (as peças oferecidas pelas pessoas que constituem essa comunidade), até pela evocação de uso dessas peças e pelos sinais que elas fisicamente apresentam suscitando leituras e associações de ideias em espaço físico percorrido pelo visitante quando confrontado com o objeto físico real. Todavia, a complementaridade digital também deverá ser equacionada e acionada, se possível.

A título de exemplo, poderá ser pertinente criar-se um museu digital ou virtual a partir de documentação dispersa por várias fontes aí reunida e tratada, que, por sua vez,

90 Em estudo sobre esta problemática, Alexandra Gonçalves refere em “Museus e Turismo; que Experiências? – Breve Reflexão” no Informação ICOM.PT Série II, nº4 (Mar-Maio 2009): “De uma forma geral, verificou-se que a interpretação e a comunicação com o visitante do museu encontram-se muito centradas nas folhas de sala, na legendagem e nos painéis interpretativos. Em muitos casos assiste-se à necessidade na renovação de brochuras e a uma fraca edição de catálogos sobre as exposições. Reconhece-se a necessidade de introdução de melhorias contínuas nos aspectos materiais do museu e da sua exposição. Apesar de se afirmar que se verificou uma diversificação das audiências dos museus, parece continuar a assistir-se a um crescente número de pessoas que não vão a museus. Os museus competem hoje com outras ofertas de lazer para manter os seus visitantes e devem desenvolver esforços junto da comunidade sem hábitos de visita ao museu. Por exemplo, os programas para a comunidade são sobretudo programas inclusivos, dirigidos a grupos com problemas de exclusão social ou minoritários. Outros incluem uma preocupação com os jovens e os idosos. No oposto aparecem os eventos de carácter mais mediático e com um posicionamento generalista.” Disponível em http://icom-portugal.org/multimedia/info%20II-4_mar-maio09.pdf 91 A evolução do conceito de museografia virtual poderá, por exemplo, estender-se ao desenvolvimento dos atuais conceitos de guardaria nos museus formais. Hoje é possível monitorizar salas de exposição onde as condições de segurança e a interação proposta ao visitante utilizam ferramentas informáticas de acesso a conteúdos que libertam a guardaria do museu para outras tarefas. A utilização de monitores explicativos com informação recolhida e de acordo com o perfil individual de cada visitante é um nicho de desenvolvimento museológico em rápida mudança: os sistemas multimodais de informação museológica, focados em públicos-alvo, enriquecem o diálogo museu-público. 92 Como refere Ana Maria B. O. Caneva Moutinho na sua tese de doutoramento, de 2015, “Realidade Aumentada Aplicada à Museologia”, p. 14: ”Atuar no campo da RA significa que o visitante/participante deixa de ser um mero espetador, mas passa a ser um elemento essencial para a existência da própria instalação museológica, no seu ambiente envolvente, sendo que a separação entre si e a instalação são as suas capacidades de percepção, de cognição e de memória. O participante ao interagir com as instalações acaba por completar a função das instalações e justificar a sua existência. A instalação museológica encontra-se incompleta até que o visitante/participante a complete; esta ideia remete-nos para a Obra Aberta de Umberto Eco (1962/2005), segundo a qual, a cada fruição, o intérprete produz “uma interpretação e uma execução, pois em cada fruição a obra revive dentro de uma perspetiva original” (Eco, 1962/2005, p. 40).” Disponível em http://www.museologia-portugal.net/files/upload/doutoramentos/anamoutinhoraaplicadamuseologia.pdf

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organizada numa plataforma informativa desta natureza é passível de ser partilhada pelo universo mais abrangente possível de cidadãos, nomeadamente aqueles que se encontram emigrados pelo mundo.

4) No entanto, considerando-se esta metodologia de trabalho com peças virtuais muito específica da linguagem informática seria interessante pensar-se neste domínio o conceito de museografia informática e museu virtual. Neste estudo, porém, ocupamo-nos apenas do tratamento corrente praticado no domínio da recolha de peças para a constituição de um museu local onde os objetos físicos se entendem como testemunhos recolhidos, tratados, estudados e expostos numa estratégia de salvaguarda do património cultural, onde se tornam intermediários e insubstituíveis, pela sua materialidade e imaterialidade, no discurso museal93 criado nessa circunstância.

5.3 Síntese • Como se pretendeu demonstrar, a criação de processos de recolha de peças tem

relevância na lógica de testemunhos que vão ser utilizados tanto na exposição permanente, quanto nas exposições temporárias e, inclusivamente, na partilha com outras organizações museais, com escolas, com empresas, etc.

• Neste sentido, a criação e adoção de critérios científicos é a base de suporte a todos os procedimentos que desde o contacto com possíveis fornecedores, até à criação de uma lógica de acervo, deverão ser organizados com base nas diretivas internacionais e nacionais nesta matéria.

• Para enfrentar o problema crónico da falta de técnicos especializados ao serviço dos promotores de museus de comunidade, terá que ser encontrada uma via alternativa para ultrapassar esse problema estrutural. Se, por um lado, as leituras sobre as matérias museológicas são sugeridas no nosso trabalho, com a verificação do modo como outros museus similares estão funcionando (e de preferência, museus já integrados na RPM) essa tarefa fica mais facilitada.

• Porém, as dificuldades, também elas crónicas, como sabemos, e que afetam, também, o funcionamento da RPM sempre condicionada pelo escasso investimento público, aconselham a encontrar alternativas. Por exemplo, a participação de

93 Luís Raposo, em texto de 4.3.2015, apresenta no Magazine de Arte ARTECAPITAL um panorama em que destaca a necessidade de urgente recuperação museológica nacional. Na circunstância das experiências colhidas em encontro internacional em S. Petersburgo, em representação do ICOM Europa, a palestra inaugural da Conferência Internacional “Museus e Política”, organizada conjuntamente pelas comissões nacionais do ICOM da Rússia, da Alemanha e dos EUA, no âmbito das comemorações do 250º aniversário do Museu do Hermitage, assinala que: “(…) não chegam os esforços dos museus, como não chega o espírito escutista dos seus profissionais, por mais afincado que seja. É forçoso o desenvolvimento de políticas favoráveis ao relançamento da Cultura e dos museus. Neste sentido, as políticas públicas têm de ser ainda consideradas como cruciais. Seria um erro acreditar que o papel dos normativos e das entidades de direito internacional, assim como das políticas e das administrações públicas nacionais, foi superado por uma tendência para o liberalismo sentido num número crescente de países e de regiões. Se há uma esfera em que o interesse público deve ser enfatizado, ela é a de memória e de património. Isto sem negar que novas estratégias são necessárias para o financiamento dos serviços públicos em geral e dos museus em particular, sendo alguns exemplos já em prática: os impostos sobre alguns produtos relacionados à cópia privada, as percentagens em lotarias, as relações directas com as receitas do turismo.” Disponível em https://www.artecapital.net/estado-da-arte-51-luis-raposo-os-museus-a-crise-e-como-sair-dela.

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Capítulo 5 - A recolha de peças e a constituição do acervo

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elementos da direção ou dos promotores destes museus em reuniões técnicas e científicas nas organizações da tutela, universidades, institutos politécnicos, escolas profissionais, empresas da especialidade, sítios da web (como o sítio http://www.pportodosmuseus.pt/, ou o sítio http://www.mapadasideias.pt/, entre outros, como https://apmuseologia.org/ e https://nomundodosmuseus.hypotheses.org/, etc.)

• Estes sítios, respetivamente, Porto dos Museus (blogue), Mapa das Ideias (empresa), Associação Portuguesa de Museologia (associação de museólogos), No Mundo dos Museus (página pessoal de Ana Carvalho - Investigadora de pós-doutoramento na Universidade de Évora. Mestrado e Doutoramento em Museologia) são atualizados diariamente.

• Na dimensão requerida pelos parâmetros que qualquer processo de recolha requer, a bibliografia comentada que se associa neste texto é esclarecedora sobre este e outros pontos críticos da gestão dos museus de comunidade.

5.4 Sugestões de leitura PINHO, Elsa; FREITAS, Inês de, (2000), Normas de Inventário – Artes Plásticas e Artes Decorativas, Lisboa: Instituto Português de Museus, http://www.matriznet.dgpc.pt/matriznet/Download/Normas/AP_AD_NormasGerais.pdf

(Nesta obra pioneira das Autoras, explicava na sua introdução Raquel Henriques da Silva, então Diretora do Instituto Português de Museus, que: “A publicação dos cadernos Normas de inventário que agora se inicia, com um primeiro dedicado a Normas gerais. Artes plásticas e artes decorativas, tem um duplo objectivo: em primeiro lugar, o de servir de instrumento de uso corrente aos museus tutelados pelo IPM, todo eles dotados com o programa de inventário informatizado Matriz; em segundo lugar, o de poder orientar outros museus portugueses que, dispondo ou não de programas de inventário informatizado, pretendam utilizar ou confrontar a experiência que acumulámos e desejamos partilhar.” De um ponto de vista de trabalho na recolha de peças para os acervos, a metodologia proposta é a mais indicada, e independentemente das peças e suas tipologias, as categorias sequenciais que, por exemplo, ligam campos como: I- Propriedade; II – Classificação; III-Identificação; IV -Representação; etc. que tem apoio explicativo nos detalhes fornecidos ao longo das ilustrações de casos concretos, de grande valia didática. Como se refere na p. 15: ”Por inventário museológico entende-se a relação mais ou menos exaustiva de todos os objectos que constituem o acervo próprio da instituição, independentemente do seu modo de incorporação, e que são passíveis de registo no Livro de Inventário Geral do museu.” Esta ideia de um LIVRO para assento de todos os objetos é fundamental, tanto mais que “Considerando que o Inventário tem por objectivo primeiro a identificação individualizada de cada uma das peças dentro das colecções que constituem o acervo museológico, a sua realização deverá ter em conta princípios básicos de normalização internacionalmente adoptados no âmbito da Museologia, salvaguardando, no entanto, as particularidades dos acervos e a vocação específica das diferentes instituições que os albergam.” Para todos quantos laboram em situação profissional ou voluntária em museus de comunidade esta metodologia e formalismo da agora RPM apresenta vantagens decorrentes do tal processo de credenciação que num futuro próximo poderá ser por eles alcançado. Fechando, as Autoras referem o seguinte na p.16: “Assim, o presente trabalho acompanha de perto a estrutura da ficha de inventário Matriz, admitindo, em relação a esta, acertos pontuais na estruturação dos capítulos e na ordenação dos campos de informação, de modo a ser mais perceptível e

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Capítulo 5 - A recolha de peças e a constituição do acervo

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poder servir os mais diversificados museus. Inaugurando uma série de cadernos de normas de inventário, que incluirá a publicação de alguns números temáticos, não pretende este trabalho ser vinculativo para todo o universo museológico nacional no âmbito das artes plásticas e artes decorativas, pois as especificidades dos museus impõem, por vezes, critérios de classificação alternativos ou adaptações.” Em 2000, como em 2019, isto significa que a normalização também deverá tender a especificidades? Sem dúvida que cada tipologia de objetos, podendo ser tratada em sede de inventário com a subdivisão aqui proposta, requer, todavia, a sua própria atenção. Por isso, e a fechar esta obra, antes de apresentarem a esquemática inerente a estas normas de artes plásticas, avançam na p. 17 que: “Assim, e por tudo o que ficou dito, espera-se que este caderno de normas possa constituir um contributo de referência e um guia orientador para os museus portugueses, na certeza porém de que o inventário é, por definição, um processo em aberto, para o qual contribuirão, a investigação científica, o avanço tecnológico e a prática museológica.” Como obra de normalização que abriu uma série de normas úteis à museologia nacional e que estão sob tutela da DGPC recomenda-se com as adaptações que nos museus de comunidade terão que ser consideradas.)

PÉREZ, Xerardo Pereiro, (2009), TURISMO CULTURAL - Uma visão antropológica, Asociación Canaria de Antropología. Colección PASOS edita, número 2, www.pasosonline.org

(Esta é uma obra altamente recomendada, não apenas pelos seus conteúdos exaustivamente trabalhados numa estrutura que se desenha conforme segue: “1. ANTROPOLOGIA E TURISMO; 2. O TURISMO COMO INTERCÂMBIO SOCIOCULTURAL; 3. O TURISMO COMO SISTEMA DE PRODUÇÃO DE IMAGENS E DE EXPERIÊNCIAS RITUAIS; 4. OS IMPACTOS DO TURISMO; 5. TURISMO CULTURAL; 6. TURISMO, CULTURA E PATRIMÓNIO CULTURAL; 7. MUSEUS E TURISMO CULTURAL; 8. A INTERPRETAÇÃO DO PATRIMÓNIO CULTURAL; 9. TURISMO EM ESPAÇO RURAL; 10. TURISMO CULTURAL EM ESPAÇO URBANO”; mas igualmente pela abordagem que estabelece no universo da antropologia e, nele, da relação dos objetos com quem os criou na sua relação gregária e das comunidades para com os seus ambientes naturais onde se inserem. Em termos de recolha de peças o ambiente em que o suposto património comunitário é recolhido necessita de uma abordagem compreensiva primária. Como esclarece o Autor, pp. 153-154: “Desde o ponto de vista do direito privado, o património é o conjunto de recursos que se herdam numa família ou grupo de parentesco, tanto bens móveis e imóveis, capital económico, social (exemplo: um título nobiliário). Mas desde o ponto de vista do direito público, o conceito de património define todos os recursos públicos e sociais que são herdados pelas comunidades e pelos grupos humanos. Nas diferentes legislações o património cultural é classificado tipologicamente em várias categorias: histórico, artístico, documental e bibliográfico, arqueológico, paleontológico, científico e técnico, e etnográfico (melhor denominado etnológico e antropológico). Contudo, hoje em dia, estas categorias alargam-se cada vez mais, incorporando novos conteúdos como, por exemplo, o património gastronómico.” Nesta conceituação patrimonial, é gerado e mantido o acervo de muitos museus de comunidade e a defesa do património, na gíria popular «das coisas do antigamente», das «coisas dos nossos antepassados e das suas tradições» agora das «nossas raízes», etc., é o cerne da sua existência nem sempre museologicamente bem vivida. Mas, como também se compreende numa linha dos Valores de cada comunidade, no ponto 6.4. PATRIMÓNIO CULTURAL, DESENVOLVIMENTO E TURISMO deste livro digital em boa hora divulgado na web, na p. 159 refere-se o seguinte: “Anteriormente falámos sobre o património cultural como sobre um debate entre valores, no entanto é possível considerá-lo como um debate sobre o futuro da sociedade e dos grupos humanos. Desta forma, o património cultural ocupa um papel de primeira ordem nos planos e programas de

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Capítulo 5 - A recolha de peças e a constituição do acervo

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desenvolvimento de comarcas rurais deprimidas e nos planos e programas de recuperação de espaços urbanos. Uma das primeiras vezes em que se falou desta questão foi na Mesa Redonda sobre Museologia, celebrada no Chile no ano de 1972. Nela reconhece-se a inter relação entre património cultural e desenvolvimento económico e social, mas também entre património cultural, educação e democratização. A definição do papel que o património cultural tem no desenvolvimento depende da ideia que tenhamos de desenvolvimento. A visão antropológica sobre as produções das comunidades, tanto em domínio do património natural, como do património imaterial, suscita um olhar do Autor sobre a evolução da museologia internacional. Por isso, nas pp. 180-181 apresenta-nos um cenário que teve, e tem, impacto na nossa forma de entender patrimónios e museus: “Em 1985 nasce oficialmente o MINOM (Movimento Internacional para a Nova Museologia), em Lisboa. Ao contrário da velha museologia, mais preocupada com as questões administrativas e a preservação do objecto, a nova museologia vai estar mais voltada para as necessidades sociais e para as comunidades. O museu passará a ser criado com a comunidade, respondendo assim às suas necessidades e realizando um exercício de cidadania. Ao seu lado estará a museologia social, que valorizará os seres humanos como sujeitos participativos, críticos e conscientes da sua realidade, transcendendo assim a valorização da cultura material desvinculada da realidade social. A museologia social procurará visualizar mais conceitos do que objectos. Ela pode testemunhar o passado, mas interessa-se vivamente pelo presente, realizando uma aproximação informal e comunicativa.” De facto, a museologia social é tipicamente praticada, experimentada, sedimentada, trocada entre museus de comunidade, mas acreditamos que uma das vias para um melhor aprofundamento da função social do museu, atualizada e consequente, será a de criação de projetos desenvolvidos em rede não desconsiderando a RPM, mas, criando, aliás, sinergias que alimentem e reforcem a museologia de matriz portuguesa no Mundo. Muitas das comunidades portuguesas da Diáspora reúnem objetos e criam os seus «museus» e essa é uma vertente que deveria ser mais considerada: a museologia nacional realizada além-fronteira pelos seus museus de comunidade. A questão museológica é tratada, p.183: “O estudo do museu corresponde à “museologia” (Riviére, 1989; Alonso Fernández, 1993: 18 e 37; Nabais, 1984: 44), que é a ciência do museu. Ela encarrega-se de pensar os princípios filosóficos que orientam a prática museística, mas também o seu papel na sociedade, as suas funções sociais (conservação, educação, investigação e outras). A museologia interliga o continente com o conteúdo, o edifício com o projecto museológico, é mais teórica, normativa e planificadora. Portanto, não devemos confundir a museologia com a “museografia”, que é o conjunto de técnicas e práticas de aplicação da museologia. A museografia trata do planeamento arquitectónico, dos aspectos administrativos e da gestão dos espaços museísticos (ex.: temperatura a 18º C e 60% de humidade relativa); trabalhando com o continente do museu e com as técnicas a aplicar nele (ex.: instalações eléctricas, iluminação). De uma forma retrospetiva e indiciando a necessidade de referir o posicionamento de rutura que também tem interesse para o avanço das propostas museológicas, o Autor explicita nas pp.200-201 que: ”Um momento capital deste processo de mudança nas formas e princípios de representação da cultura é a Declaração de Santiago de Chile no ano de 1972, na qual se define o museu como uma instituição ao serviço da sociedade. Nessa declaração propõe-se (Moutinho, 1993): A) Uma mudança de mentalidade dos responsáveis dos museus, através da formação nos novos discursos museológicos. B) Uma mudança nas estruturas museológicas. C) A abertura do museu ao meio social envolvente. D) A participação da comunidade na definição e gestão das práticas museológicas. E) Alargar o conceito de património cultural e de objecto museológico através da adopção de uma visão interdisciplinar. Nesta linha de pensamento da nova museologia, o museólogo português Mário Moutinho (1996) chega a falar em museologia informal, isto é, aquela museologia

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Capítulo 5 - A recolha de peças e a constituição do acervo

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pobre, realizada com poucos recursos financeiros mas fruto de uma sociedade democrática e da participação, alarga-se assim o conceito de museologia social e destaca-se a função social de museu nas formas de representação da cultura.” Nesta lógica, a recolha de objetos deverá, a nosso ver, ser envolvida no trabalho que a montante prepara os promotores encarregues da recolha e do processo de entrada no museu, e a jusante desse processo de inventariação, as questões da relação ser humano-produção humana de objetos seja motivo para uma indagação não meramente técnica mas, acima de tudo, com suporte de uma visão antropológica consequente. Recomenda-se pelo exercício pedagógico, pela riqueza de conteúdos e pela qualidade expositiva que leva o leitor a compreender que património, cultura, turismo e outros conceitos devem ser questionados, continuamente. Os gestores de museus de comunidade encontram aqui muito material útil para as suas tarefas.)

FERREIRA, Victor, (2018), Tecnologia – Tóquio abriu um museu 100% digital, Fugas – separata do Jornal “Público”, nº.10381, sábado, 22 setembro, p.22.

(Trata-se de um artigo jornalístico que, todavia, tem interesse neste texto dada a circunstância de ser uma via de leitura eventualmente útil para muitos voluntários e promotores amadores de assuntos museológicos. A constante marcha da tecnologia digital apresenta-se nos nossos dias como uma via de surpreendentes realizações. No caso dos museus, e considerando o texto aqui comentado, ficamos sabendo de uma parceria de interesses que criou este facto museológico. Assim: “Fruto da colaboração entre uma imobiliária (Mori Building) e um colectivo de artistas (teamLab), o museu nasceu na baía de Tóquio, a 15 minutos de carro da principal porta de entrada para estrangeiros, o aeroporto internacional de Haneda.” Como se verá, a questão dos promotores imobiliários e artistas, bem como a localização de excelência, pesaram na decisão de “criar museu”. Relacionar uma empresa imobiliária e um grupo de artistas para a criação de um museu é uma expressão dos tempos que vivemos. A tecnologia traduz-se por empoderamento para as pessoas e para as organizações que decidem criar, bem como para os territórios que as conseguirem atrair e fixar. O texto prossegue informando que: “São 10 mil metros quadrados (um pouco mais de metade da área expositiva do Museu d’Orsay ou dois terços do Museu do Prado), divididos em cinco áreas com 50 obras digitais e, portanto, libertas dos constrangimentos da materialidade. “Os sentimentos e pensamentos incorporados na arte que se expressa num suporte físico são directamente transferidos para os visitantes”, salienta Akane Okada, membro do colectivo teamLab.” É um texto de divulgação que reflete, muito bem, as tendências museológicas contemporâneas que devem ser observadas na sua capacidade de inovação num mundo mais dinâmico que a globalização económica proporcionou e influencia.)

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Capítulo 6 - Operacionalização nos museus de comunidade

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Capítulo 6 - Operacionalização nos museus de comunidade

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6.1 Introdução Numa visão aberta sobre as questões que se relacionam com o trabalho que une teoria e prática em termos museológicos há uma série de variáveis a que se terá que atender. Porém, a que mais impacto tem em qualquer organização é a operacionalização institucional e sua dependência da legislação de enquadramento e seus instrumentos regulamentadores.

Como sabemos, com a Lei nº 47/2004 de 19 de Agosto que aprova a Lei Quadro dos Museus Portugueses94 a Assembleia da República decretava, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte: “CAPÍTULO I - Disposições gerais - Artigo 1.O Objecto - A presente lei tem como objecto: a) Definir princípios da política museológica nacional; b) Estabelecer o regime jurídico comum aos museus portugueses; c) Promover o rigor técnico e profissional das práticas museológicas; d) Instituir mecanismos de regulação e supervisão da programação, criação e transformação de museus; e) Estabelecer os direitos e deveres das pessoas colectivas públicas e privadas de que dependam museus; f) Promover a institucionalização de formas de colaboração inovadoras entre instituições públicas e privadas tendo em vista a cooperação científica e técnica e o melhor aproveitamento possível de recursos dos museus; g) Definir o direito de propriedade de bens culturais incorporados em museus, o direito de preferência e o regime de expropriação; h) Estabelecer as regras de credenciação de museus; i) Institucionalizar e desenvolver a Rede Portuguesa de Museus.”

Nesta arrumação de natureza constitucional era colocado como Artigo 2º o tópico “Princípios da política museológica” obedecendo aos seguintes princípios: a) Princípio do primado da pessoa, através da afirmação dos museus como instituições indispensáveis para o seu desenvolvimento integral e a concretização dos seus direitos fundamentais; b) Princípio da promoção da cidadania responsável, através da valorização da pessoa, para a qual os museus constituem instrumentos indispensáveis no domínio da fruição e criação cultural, estimulando o empenhamento de todos os cidadãos na sua salvaguarda, enriquecimento e divulgação; c) Princípio de serviço público, através da afirmação dos museus como instituições abertas à sociedade; d) Princípio da coordenação, através de medidas concertadas no âmbito da criação e qualificação de museus, de forma articulada com outras políticas culturais e com as políticas da educação, da ciência, do ordenamento do território, do ambiente e do turismo; e) Princípio da transversalidade, através da utilização integrada de recursos nacionais, regionais e locais, de forma a corresponder e abranger a diversidade administrativa, geográfica e temática da realidade museológica portuguesa; f) Princípio da informação, através da recolha e divulgação sistemática de dados sobre os museus e o património cultural, com o fim de permitir em tempo útil a difusão o mais alargada possível e o intercâmbio de conhecimentos, a nível nacional e internacional; g) Princípio da supervisão, através da identificação e estímulo de processos que configurem boas práticas museológicas, de acções promotoras da qualificação e bom funcionamento dos museus e de medidas impeditivas da destruição, perda ou deterioração dos bens culturais neles incorporados; h) Princípio de descentralização, através da valorização dos museus municipais e do respectivo papel no acesso à cultura, aumentando e diversificando a frequência e a participação dos públicos e promovendo a correcção de assimetrias neste domínio; i) Princípio da cooperação internacional, através do reconhecimento do dever de colaboração, especialmente com museus de países de língua oficial portuguesa, e do incentivo à cooperação com organismos internacionais com intervenção na área da museologia.

94 Disponível em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/conservacao_e_restauro_ljf/lei_47-2004.pdf

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Capítulo 6 - Operacionalização nos museus de comunidade

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Como se compreenderá, este articulado é fundamentalmente estabelecido de forma a regular e a regulamentar as práticas museológicas nacionais. Os objetivos colocados, tais como o exercício da cidadania, o acesso aos museus e a colaboração entre os atores, são compagináveis com o princípio da alínea g) que trata da supervisão sobre as boas práticas museológicas e, atento aos 308 municípios existentes no tecido territorial, o legislador apela à descentralização e valorização dos «museus municipais».

Nestes, porventura, será onde muitos museus de comunidade poderão apoiar-se para o seu trabalho concreto no território onde se localizam. As recolhas são, nesta perspetiva municipal, de grande valia também, como estipula a alínea d) para o exercício do Princípio da coordenação. Este, ao transformar-se em ações e, portanto, ao desencadear dinâmicas possíveis, através de medidas concertadas no âmbito da criação e qualificação de museus, suscita trabalho colaborativo.95

Se se agir de forma articulada com outras políticas culturais e com as políticas da educação, da ciência, do ordenamento do território, do ambiente e do turismo, como está escrito, maior dimensão qualificadora se sentirá, também, na operacionalização das recolhas. A organização de eventos turístico-culturais coincidentes com momentos de recolha de objetos junto das comunidades locais pode significar muito na ação do museu.

Em função das preocupações da tutela, em sítio específico da DGPC, em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/museus-e-monumentos/rede-portuguesa/lei-quadro-dos-museus-portugueses/, poderemos ler que: “Das grandes linhas orientadoras da nova Lei-quadro salientamos a introdução de conceitos que ajudarão a clarificar o panorama museológico, designadamente a definição do conceito de museu e a introdução do conceito de coleção visitável. Para a RPM este novo quadro legislativo constitui uma possibilidade de capitalizar a experiência adquirida com o projeto iniciado em 2000, através da institucionalização de uma rede de museus com regras mais claras, visando o estabelecimento de responsabilidades por parte dos museus e por parte do Estado.”

Do ponto de vista dos museus de comunidade, este é um indicador de novas realidades de enquadramento institucional por via constitucional que importa considerar. O conceito de Coleção Visitável foi introduzido de forma a poder-se gerar uma nova categoria museológica e, portanto, servir de designação para todas as organizações que, embora conhecidas e reconhecidas, especialmente pelos seus promotores, como «museus» perante esta Lei-Quadro, ficariam classificadas como «coleções visitáveis».

A ausência de credenciação cria esta situação, de facto. Todavia, desde 2004 até hoje poucos são os tais «museus» que optaram pela classificação proposta em articulado legal.

Por isso, também se referia que: “A sensibilização das entidades de quem dependem os museus para os requisitos exigíveis para a criação deste tipo de instituições, o impulso de qualificação, de boas práticas e de modelos a seguir, e, em última instância, a melhoria para o público serão outras consequências da Lei-quadro dos Museus Portugueses. A credenciação de museus, de acordo com o artigo 110º da Lei-quadro dos Museus Portugueses, consiste na avaliação e no reconhecimento oficial da qualidade técnica dos museus, tendo em vista a

95 O Antropólogo Carlos Simões Nuno, através do seu trabalho científico e pedagógico como Professor no Instituto Politécnico de Lisboa e na APA – Associação Portuguesa de Antropologia, é também investigador do NESTMAR – Núcleo de Estudos do Museu Agrícola de Riachos, desempenhando um papel fundamental na articulação Património-Antropologia-Museologia-Turismo, precisamente no domínio do trabalho colaborativo.

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Capítulo 6 - Operacionalização nos museus de comunidade

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promoção do acesso à cultura e o enriquecimento do património cultural. Importa conhecer e avaliar a realidade museológica portuguesa no respeito pelas diferenças dos museus existentes, com objetivos de reforço da qualidade e da fruição do património cultural português, em toda a sua diversidade e riqueza.”

Esta constatação que o legislador marcou em forma de lei constitucional obrigaria, em termos de regulamentação deste articulado, a ações que pudessem contribuir para que estes objetivos de qualificação fossem cumpridos. Parte desse trabalho foi realizado pela RPM. Mas para muitos acervos espalhados pelo país a tal esforço teria que corresponder uma capacitação financeira impossível de praticar num país que pouco orçamento tem para a Cultura, como é sabido.

As operacionalizações nas atividades de recolha ao não serem suportadas por financiamento são difíceis de organizar face aos requisitos da RPM, que fica bem explicado no texto que vimos, citando: “A credenciação e a consequente integração na Rede Portuguesa de Museus é um processo voluntário que decorre da verificação do cumprimento de todas as funções museológicas enunciadas naquela Lei-quadro e refletidas no formulário de candidatura publicado com o Despacho Normativo n.º 3/ 2006, de 25 de Janeiro. A estrutura nuclear dos serviços centrais da Direção-Geral do Património Cultural foi definida pela Portaria n.º 223/2012, de 24 de julho, dispondo este diploma que constituem competências do Departamento de Museus, Conservação e Credenciação no âmbito da Credenciação e Qualificação de Museus, nomeadamente, o seguinte: coordenar e executar os procedimentos necessários à credenciação de museus e à sua integração na Rede Portuguesa de Museus (RPM), nos termos da lei”, com a informação adicional neste dia 9 de março de 2019, na confirmação que fizemos no sítio, de que: “O Formulário de Candidatura à credenciação de museus atualmente não está disponível em formato eletrónico pelo que deverá ser solicitado mediante ofício à Direção Geral do Património Cultural (DGPC).”

Como se depreende do articulado no seu artigo 13º e no ponto 2 que a Compra, o Legado, a Herança, a Recolha, o Achado, a Transferência, a Permuta, a Afetação Permanente, a Preferência, a Dação em pagamento e, por fim, a Expropriação são figuras que, na Lei, estão relacionadas com a incorporação de objetos nos museus.

Ora, nos museus de comunidade, não se ignorando outras formas de criação de acervos, o instituto “Recolha” abrange as formas mais recorrentes de que se reveste o conjunto de objetos que os determinam temática e especificamente. Para os gestores destes museus e seguindo-se as indicações da DGPC e da RPM há, todavia, uma série de observações que a experiência nos dita e que queremos partilhar seguidamente.

6.2 Da recolha à fruição dos objetos expostos: estruturação Para além dos aspetos mais científicos desta tarefa (que estão tratados na bibliografia que recomendamos), há recomendações que podemos fazer, com base na nossa experiência: criar confiança, estabelecer a cumplicidade cultural com residentes e com visitantes, manter boas relações entre os promotores dos museus, os doadores de peças e os investigadores.

Do mesmo modo, o trabalho com os públicos e o exercício das técnicas de registo mais adequadas em função das possibilidades, sem esquecer a inovação.

Todos estes pontos fazem parte de um conjunto de fatores intimamente relacionados com o futuro das peças e, portanto, a equacionar nos processos de recolha.

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Capítulo 6 - Operacionalização nos museus de comunidade

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Um dos problemas que mais surgem no domínio da recolha de peças para os museus locais tem que ver com o facto de os doadores quererem ver expostas as “suas peças”. É justo que assim o desejem. Porém, uma exposição dedicada a uma coleção que dispõe de, por exemplo, 28 objetos com a mesma designação e uso (variando apenas no seu estado de conservação ou numa tolerância de medida no tamanho) terá que ser desenhada com economia de peças. Um desses 28 utensílios será suficiente para se expor e documentar parte da narrativa museográfica em que se insere a coleção.

Imaginemos um martelo de carpinteiro (que a terminologia popular refere como “martelo de orelhas”) e imaginemos igualmente que recebemos no museu 3 espólios de famílias de Carpinteiros, e que, na organização da coleção “Artes e Ofícios das Madeiras”, no painel “Carpintaria”, se exporá um Martelo de Carpinteiro como o objeto que ilustra parte daquela atividade profissional.

Continuando com este cenário hipotético, que faremos aos restantes 10 ou 12 martelos de marceneiro que restaram depois de construída a coleção? O mais razoável é tratá-los para que conservem bem a madeira e o metal (aço ou carbono) de que são feitos e armazená-los na Reserva para que se constituam como ativos do museu prontos a serem colocados, por exemplo, em exposições temporárias ou em Maletas Pedagógicas encaminhadas às redes escolares e em atividades dos Serviços Educativos do museu.

A exposição dedicada a cada coleção deverá ser desenhada, experimentada e definida segundo critérios museográficos, onde esta e outras questões sejam pensadas como problemas e resolvidas com soluções adequadas, caso a caso.

6.2.1 A Confiança A relação estabelecida entre as pessoas do museu e as pessoas da localidade e da região é um primeiro passo, muito importante, para se poder criar uma relação de confiança.

Desta confiança nasce, com naturalidade, um sentido de pertença ao memorial da terra (o museu), e consequentemente um apoio efetivo da população a favor desse memorial.

Um dos aspetos que está ligado a esta questão da confiança é a abertura dada pelo museu para que no seu espaço decorram outras atividades que não apenas as que se relacionam diretamente com a museologia. E, fruto desta atitude de abertura ao meio social envolvente, poder-se-á observar comportamentos e aderências ao museu que de outra forma não seriam conseguidas.96

96 Como referem Isabel Victor e Margarida Melo, no texto “A Qualidade em Museus – Atibuto ou imperativo?” Actas do I Seminário de Investigação em Museologia dos Países de Língua Portuguesa e Espanhola, Volume 2, pp. 156-167, disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/8193.pdf , na p.166, e sobre a qualidade nos museus: ”IDEIAS-CHAVE Missão - o compromisso com os cidadãos-clientes e a razão de existência do museu Visão - o que define projectivamente o rumo do museu Valores - o que distingue e confere sentido ao fazer museológico O primado da pessoa - princípio e fim de toda a acção museológica Avaliação e auto-avaliação - um olhar sobre si próprio, uma oportunidade para melhorar O Aprendizado do erro - exercício descomplexado, livre e inclusivo de auto-reflexão A sustentabilidade - caminho e imperativo A Gestão da Qualidade - sistema, estratégia, linguagem instrumental (metalinguagem), ferramenta de categorização/nomeação (reconceptualização) Medir e comparar - operações fundamentais de auto-conhecimento; plataforma comum de diálogo inter-organizacional Impacto na sociedade - input e output do sistema museal (construção de indicadores) Abordagem por processos - agilizar, monitorizar, meio de explicitar e compreender o carácter processual da organização (‘a caixa negra’ da Museologia Social) Monitorizar - garante das rotinas museais, normalização de funções, qualidade dos serviços (a maior eficácia ao menor custo, com o

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Capítulo 6 - Operacionalização nos museus de comunidade

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A equipa de futebol da Comunidade pode, por exemplo, realizar a apresentação pública do seu plantel no auditório do museu. Do mesmo modo outras coletividades e associações aproveitam este espaço para várias atividades como reuniões de trabalho, colóquios e outro tipo de encontros.

Por outro lado, sempre que alguém manifeste o desejo de efetuar uma visita com a família num determinado dia, o museu atende a essa solicitação e recebe as pessoas, desta forma mais íntima e comunitária. Por exemplo, uma família que se reúne em confraternização alargada e pretende visitar o museu de uma forma mais detalhada tem essa possibilidade.

Outros exemplos existem e praticam-se nesta atmosfera de devolver este espaço às gentes que nele encontram as suas memórias (ou os seus objetos que gostam de mostrar às visitas da sua casa), criando-se, deste modo, uma confiança necessária como lastro para outras iniciativas, onde este fator emocional também tem importância fundamental.

6.2.2 Cumplicidade cultural Muitas peças oferecidas aos museus locais partem desta pequena, mas significativa cumplicidade entre os promotores do museu e as gentes que irão confiar as suas peças para a “sala de visitas da terra”.97 Nesta circunstância há uma lista de constatações que partilhamos:

menor esforço) Identidade socio-profissional e cultura organizacional - uma forma específica de agir e pensar na óptica museal Cadeia operatória - a especificidade de operações, procedimentos e actos técnicos que comporta o fazer museológico A participação - o processo-chave da Qualidade em museus (o que diferencia e qualifica a acção museológica) Desempenho ambiental - processo-chave da organização museu e garante de sua sustentabilidade Selecção das evidências - sistematização/ordenação/categorização dos factos que testemunham o caminho feito (lastro e a memória da organização museu) A Gestão do conhecimento e da informação - o poder (empowerment) que advém do saber, amplificação da capacidade de decisão cívica e política. Inovação - o que flui e inspira a acção museológica Satisfação - o limite para que tende o sistema museal orientado para o cidadão-cliente Novo paradigma museal - do museu/ produtos do museu/resultados.” 97 Miguel Rego, do Museu da Ruralidade, de Entradas, Alentejo, no texto “Novos Paradigmas para a Museologia” em Outubro de 2012, que publicou no âmbito de um encontro em Setúbal, afirmou: “No âmbito das Jornadas de reflexão interna do MINOM, realizadas este ano em Monte Redondo, saiu a feliz ideia de desenvolver um conjunto de grupos de trabalho que dinamizasse a reflexão e a discussão dos caminhos da museologia nas suas mais latas abordagens. Num tempo de encruzilhadas, de horizontes escusos e de miragens feitas ou desfeitas nas realidades com que cada um se debate, nasceu a necessidade ou a vontade de colocar as pessoas a discutir muito objetivamente e sem qualquer tipo de preconceitos, estrados ou púlpitos, problemáticas que lhe digam diretamente respeito ou que lhe digam particular respeito. Pelas mãos do companheiro Emanuel Sancho, da direção do MINOM, responsável pelo projeto do Museu do Trajo, em S. Brás de Alportel, do Pedro Leite e da Lorena Querol, chegámos poucos meses depois, a 19 de Junho, ao encontro “Oralidade, Memória e Esquecimento”, realizado no Museu da Ruralidade, em Entradas-Castro Verde. Aí, nasce o primeiro Núcleo do Minom criado à luz da descentralização provocada em Monte Redondo. Este Núcleo, entretanto batizado como NUOME – Núcleo da Oralidade, Memória e Esquecimento, que pelo facto do seu primeiro encontro ter tido lugar em Entradas, tem aí de forma informal, a sua sede, integra a estrutura polinucleada do MINOM, e procura aprofundar o potencial de inovação museológica oferecido pela Museologia Social, nas mais diversas áreas de intervenção e ação.” O Autor lança um desafio sobre os “Tempos” de ação/reflexão/avaliação e apresenta-os em número de 6; O Tempo Social; Público; Científico; de Intervenção; de Parcerias; de Memória. Interessante pela visão apresentada e pela reflexão muito relevante para museus de comunidade. Disponível em https://minomemoriaeoralidade.files.wordpress.com/2012/11/121027-novos-paradigmas-museologia-miguel-rego.pdf

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Capítulo 6 - Operacionalização nos museus de comunidade

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1ª- é importante identificar-se sempre o doador ou o vendedor, no caso de a peça com destino ao museu ter sido comprada.

2ª- deverá ser feita uma receção de peças em que se perceba o seu interesse para uma possível coleção.

3ª - a manutenção de uma lista atualizada é deveras importante. Nos meios mais pequenos as pessoas que oferecem peças ao museu gostam depois de algum tempo de verificar se as peças oferecidas estão expostas.

Para evitar mal-entendidos e conflitos há que explicar sempre aos doadores que as peças doadas, se não ficarem imediatamente expostas, serão devidamente controladas em Reserva Técnica, e dever-se-á explicar que isso é tão válido quanto o poderem estar na exposição permanente. Encaminhar essas peças para exposições temporárias e outras atividades em que se possam mostrar implica conhecimento sobre todo o acervo reunido e, portanto, dedicação.

6.2.3 A Relação Museu-Doadores Outro espeto muito importante é agradecer-se via e-mail ou por carta pessoal endereçada ao doador a oferta da peça e descansá-lo quanto ao destino a ser dado a esse bem que, por vezes, retrata muito do que é ou foi a vida desse mesmo doador.

É importante serem adotadas certas cautelas quando se reúne material que há-de ser colocado em exposição no museu.

Anote-se aqui que quem faz doação de peças para um museu quer vê-las expostas. Há que saber conciliar este desejo das pessoas que oferecem peças ao museu com as disponibilidades para as mostrar. Imaginemos que, por exemplo, seis pessoas ofereceram enxadas ao museu.

Não será correto, de um ponto de visita museológico expô-las todas, até porque isso não fará grande sentido. Então há que organizar as coisas de modo a não melindrar as pessoas que não verão as suas peças sempre expostas. Há casos em que as peças a doar não fazem sentido num museu e são utilíssimas noutro onde a temática geral se adequa melhor a uma receção e fruição mais promissoras. Neste caso, a existência de uma rede de museus de comunidade faz todo o sentido.

Por isso, é importante colocar as restantes peças numa Reserva, ou seja, num espaço de arrumação, ostentando a peça uma identificação devidamente etiquetada, para se saber quem ofereceu, em que circunstâncias e em que data. O contacto continuado com os doadores e suas famílias é, de certo modo, obrigatório, ao longo da vida do museu.

6.2.4 A Relação Museu-Investigadores Este é um aspeto decisivo para o trabalho coerente e produtivo. Sempre que há necessidade de esclarecimento de questões é importante lembramo-nos de que existem investigadores nesta área, com trabalho teórico produzido e publicado e, também, com projetos práticos consolidados. Por outro lado, é importante acompanhar-se a evolução do que vai acontecendo no domínio do património, da museologia, da história da arte, da conservação e restauro, da gestão cultural, da legislação, etc., etc., porque é desse critério de atualização de

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Capítulo 6 - Operacionalização nos museus de comunidade

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conhecimentos que depende, em grande parte, a natureza singular de cada projeto museológico.

A organização de pequenos seminários, encontros ou colóquios é sempre útil porque obriga a diálogos, confrontos de ideias, avaliações. Recomendamos vivamente que os pequenos museus se relacionem com outros museus de escala mais representativa e com maior influência regional/nacional, porque essa relação é benéfica para ambos.

A ideia de rede de partilha proposta pela RPM, da atual responsabilidade da DGPC, bem como os encontros científicos e técnicos que promove, é uma área de afirmação técnica utilíssima para qualquer museu incluído nesses processos, nomeadamente os de tutela privada. Partilhar redes de interesses museológicos aproveitando o potencial das redes sociais é outro domínio a explorar, intervir e consolidar.

Participar das iniciativas dos organismos estatais relacionados com o património no seu sentido mais lato e interagir também com outros de natureza privada em diversos eventos é uma estratégia a ser seguida? Sem dúvida que sim: os contactos e as redes pessoais e profissionais estabelecidas nesses eventos são de extrema importância para a qualificação dos museus, nomeadamente, dos museus de comunidade e de direito associativo cívico.

6.2.5 A Técnica de Registo Participar em redes também implica preparação interna. Por isso, esta é uma questão de grande importância porque objeto não registado é como se fosse um objeto perdido. Assim, é de grande necessidade, logo no início dos trabalhos da equipa encarregada de criar o museu, tratar de sistematizar uma forma de registo capaz de servir todo o processo museológico.

Depende deste rigor e persistência técnica toda a posterior qualidade de intervenção de todos quantos integram a equipa de trabalho. Essa imagem de arrumação é de extrema utilidade para a autoestima dos que apoiam o museu e se sentem identificados com ele.

Este domínio abarca sensibilidade e organização que não podem ser descurados, sob pena de se poderem originar conflitos indesejáveis ao normal funcionamento do museu. A gestão consensual e bem informada é desejável. Deste modo, temos que saber sempre em qualquer momento:

1. quem ofereceu determinada peça? 2. quando foi feita essa oferta? 3. quando se comprou determinada peça? 4. quem a comprou? 5. quando foi que isso aconteceu? 6. em que estado de conservação chegou essa peça ao museu? 7. onde foi arrumada a peça? 8. foi escrito ou registado em algum livro essa?

A resposta a estas questões tem uma forma geral que estará sempre presente e abre perspetivas de futuro: devemos registar todas as peças que entram no museu, sejam elas oferecidas, compradas, trocadas ou obtidas por outras vias.

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Assim, se tivermos sempre um Livro de Registo de Entrada de Objetos98 temos sempre a informação bem arrumada. Há várias formas possíveis de o fazer.

O mais simples e eficaz é comprar-se um livro, por exemplo daqueles que se utilizam para atas de associações e sociedades, e organizá-lo de modo a poder fazer-se um registo continuado sobre a entrada de peças no museu. 99 O registo posterior realizado numa Base de Dados onde se possam agrupar estas informações é desejável.

Dever-se-á dar um número de entrada, um número específico à peça, colocar o nome da peça e suas principais caraterísticas, o nome do doador ou vendedor, a data em que se realizou essa oferta ou compra, a data de entrada no museu, e o indivíduo encarregado desta tarefa deverá assinar indicando qual a coleção em que irá ficar exposta a respetiva peça.

Depois desta tarefa estar concluída dever-se-á tratar de aplicar a Ficha de Registo100 conforme os normativos já especificados.

É diferente fazer-se o registo de entrada de uma peça ou de um conjunto de objetos que são entregues para o acervo museológico. Este último aspeto que ocorre, quando, por exemplo, é desfeita uma determinada Casa Agrícola, deverá ser visto numa perspetiva de classificação dos objetos por famílias e, nesse sentido, expressando a coerência do Projeto Museológico concreto.

No caso de um museu rural, se receber vários objetos provindos de uma Casa Agrícola, desmembrada por falecimento do seu advogado e empresário agrícola, e se se utilizar o processo de criação de grupos mais ou menos homogéneos passíveis de serem organizados a partir do conjunto aleatório e circunstancial, esse é um passo inicial relevante. Carrada após carrada de objetos, foi dando entrada nas instalações do museu um conjunto que necessita de ser criteriosamente escolhido, e a triagem inicial de objetos é muito útil.

Esta prevenção é útil para a criação de coleções que façam sentido, dentro do objetivo deste museu dedicado à antropologia cultural onde a etnografia e a agricultura se apresentam como focos principais de ação museológica que se quer integrada.

Nesta integração desejada existem formas de fruição do acervo assim reunido, tanto no domínio dos serviços educativos e visitas guiadas, quanto na área dedicada à investigação aplicada e às designadas oficinas pedagógicas que detalharemos mais adiante.

Na prática, é possível reunir todos os objetos recolhidos tendo-se-lhe dado um destino de grupo. Por exemplo, os utensílios utilizados na lavoura das terras, onde estão presentes arados, charruecos, grades de bicos, carros de lavoura, cangas e arreios, etc., ficam ligados à coleção da LAVOURA; as gadanhas e pedras de afiar, bem como o traje do gadanheiro e utensílios associados ao seu modo de vida ficam fazendo parte do grupo GADANHEIROS; os objetos relacionados com o trabalho de construção civil em taipa e adobe, bem como algumas peças de ferramenta e indumentárias de trabalho dos canteiros e pedreiros constituem parte da coleção TÉCNICAS TRADICIONAIS DE CONSTRUÇÃO.

98 Há exemplos interessantes a descobrir. 99 É a espinha dorsal do sistema museológico. 100 Escolher sempre a mais adequada a cada museu e tentar usar a ficha universal, sempre que possível.

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As restantes coleções devem ser tratadas de forma semelhante. Um dos grupos criados pode relacionar-se com o tema da ÁGUA. Nessa coleção poderão expor-se mostras de torneiras, tubos, contadores, calibradores, etc.

Esta é uma metodologia de trabalho que seguimos e que requer uma reflexão de grupo onde se possa contar com experiências de variadas áreas do saber e a experiência de vida de cada um dos componentes.

Essa experiência pessoal sobre a “funcionalidade” dos objetos é, por vezes, decisiva sobre a sua classificação. A história da experiência profissional de algumas pessoas que trabalharam com os objetos recolhidos hoje no museu, acionada pela memória dos usos e costumes associados a estes elementos é fator-chave a resolver com tempo, dedicação e rigor. É importante trabalhar-se muito bem este passo, porque dele dependerá muito do sucesso ou insucesso do trabalho museológico.

6.2.6 A Relação Museu-Público Visitante Não podemos esquecer que estamos preparando algo para ser visto e apreciado por quem visita o museu, seja essa visita de caráter de lazer, de estudo, de educação e formação ou por razões de ordem profissional. A relação do museu com o seu público é uma espécie de namoro permanente. O museu haverá de ser capaz de seduzir o seu potencial visitante de modo a que este sinta que tem vantagem em usufruir daquele espaço.

No caso do museu que crie, por exemplo, Oficinas Pedagógicas em que qualquer pessoa pode participar livremente sem pagar nada (a não ser o material que utilize se este não existir neste espaço), cria e desenvolve uma estratégia de relacionamento que aumenta a sua capacidade museológica.

Por isso, as sessões de trabalho conjunto na produção de miniaturas de peças do acervo do museu ou a simples produção de uma peça que é necessária por qualquer razão a um dos participantes deste espaço está consagrada na prática diária deste museu.

Entendemos ser uma forma de socialização e encontro de saberes tecnológicos e de vida que, partilhados desta forma, muito enriquecem o projeto museológico em curso.

6.2.7 A Capacidade de Inovação Neste domínio há que refrear as vontades de apenas se tratar de assuntos ligados à tradição e ao antigo, porque é necessário estabelecer uma ponte que ligue o espólio à vida criativa atual da comunidade.

O discurso expositivo deverá ser capaz de tornar atraente a visita ao museu e o estudo, mais parcial ou mais profundo das coleções ou dos objetos, deverá estar devidamente possibilitado pelo “trabalho de museu”101.

Organizar as coisas com um sentido de modernidade com o intuito de atrair os jovens ao espaço do museu, por exemplo, requer a utilização das linguagens e métodos de comunicação adequados a vários públicos-alvo que são potenciais visitantes do museu.

101 Utilizamos aqui a designação proposta pelo Prof. Henrique Coutinho Gouveia porque achamos que ela sintetiza muito bem este aspeto da ligação do acervo à função social do museu.

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Insistir num modelo museológico tradicional é, por vezes, uma forma redutora de encarar as peças do museu. A disponibilização, por exemplo, do Laboratório de Fotografia, de preto e branco, se for o caso, à comunidade de fotógrafos amadores é um desses sinais e práticas de encontro da tradição com a modernidade e inovação.

Aceitando-se não ser fácil conciliar o nível de relações humanas entre os mais velhos e os mais novos, porque há linguagens e entendimentos diferenciados do significado da missão museal, insistimos nesta simbiose que se poderá estruturar através, por exemplo, dos Serviços Educativos de cada museu de comunidade.

A relação com as Escolas dos vários níveis de ensino é, no domínio dos Serviços Educativos, de importância estratégica, que se torna um eixo de afirmação do museu. Da nossa experiência podemos registar algumas ações que só a presença da Escola no museu permitiu divulgar e valorizar as peças expostas de uma forma muito própria e com investimento educativo que, a médio e longo prazo, acabam por se vir a manifestar.

A afluência de jovens ao museu resulta, na grande maioria dos casos, porque eles fizeram várias visitas ao museu integrados nos vários ciclos de ensino por que passaram durante a sua formação académica. Hoje, os museus recebem jovens que ontem eram crianças do pré-escolar e hoje são estudantes do ensino secundário e superior. Retornam ao museu para a elaboração de estudos específicos no âmbito de algumas disciplinas onde têm que produzir trabalhos relacionados com a cultura local ou com outros aspetos representados no acervo do museu.

É gratificante perceber-se que esse retorno é voluntário mesmo quando alguns aparecem só para revisitar aqueles espaços. Mas, neste sentido de continuidade do trabalho museológico a fazer em cada dia temos que encarar estas questões como formas de investimento para o futuro. A cristalização de fórmulas ou o desenvolvimento de modelos de gestão não partilhados por todos quantos têm interesse na causa da museologia local são erros que acabam por prejudicar a prática de uma boa ideia, ou seja, comprometem o museu e a comunidade local. E este problema é, de facto, uma ameaça para qualquer museu de comunidade.

6.3 Síntese • A recolha de peças deverá realizar-se com a preocupação de elaborar registos que

hão-de ser muito importantes para o trabalho de instalação do museu. • A documentação reunida e as imagens que são possíveis de realizar (fotografias de

peças e fotografias ilustrando contextos de utilização dessas peças) poderá dar possibilidade à criação de um museu virtual, mercê das novas tecnologias disponíveis. A colaboração de um informático é, neste sentido, de grande utilidade.

• A confiança, a cumplicidade cultural, a relação museu/doador, a técnica de registo de peças, a relação museu/público visitante e a capacidade de inovação são valores de intervenção da equipa constituinte do museu que deverão ser bem pensados, à luz da realidade sociocultural e económica da comunidade local.

• Cada realidade implica adotar um modelo de gestão que, porém, não pode ignorar as Pessoas concretas (nomeadamente os Residentes e os Visitantes, para além dos Investigadores e restantes Atores territoriais), as Organizações que se relacionam com o museu de comunidade e, por fim, o que significa o Território no desenho e

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desempenho do museu de comunidade que o expressa e apresenta (nomeadamente aos Viajantes e Turistas).

6.4 Sugestões de leitura AA.VV., (2000), Normas de Inventário – Alfaia Agrícola – Etnologia, Lisboa, Instituto Português de Museus

(Com textos de Joaquim Pais de Brito, Ana Margarida Campos e Paulo Ferreira da Costa e a colaboração de Benjamim Pereira e José Pessoa, para além dos desenhos de Fernando Galhano, é a produção que se aconselha, tanto mais que se trata de um trabalho de uma equipa de grande qualidade. Na apresentação da obra, Raquel Henriques da Silva, ao tempo Diretora do IPM, referia que “... este Caderno de normas será um instrumento precioso de trabalho para muitos museus, independentemente de utilizarem ou não o programa Matriz ou outro instrumento de inventário informatizado.”, p.7. De facto, esta obra é um precioso auxiliar para um iniciado na área da museologia e pode constituir-se como fonte informativa relacionada com o problema da inventariação de grande alcance. Organiza-se por vários itens e é de grande qualidade didática. Por isso, por exemplo, é explicado que “A alfaia agrícola é entendida como o conjunto dos instrumentos de trabalho directamente manuseados pelo homem, na sequência das operações que visam a produção de bens e que têm a terra como objecto e meio desse mesmo trabalho”, p.17, definição dada aqui e que noutros capítulos do livro é retomada sempre que é julgado conveniente. O autor destas palavras, Joaquim Pais de Brito, também autor de algumas fotografias aqui publicadas, remata este texto de apresentação referindo que, “As normas de inventário podem também ser formas de inventar a acção dos museus”, p.33, sugerindo que conhecendo bem o acervo do museu se poderá inovar de modo diferente do habitual e com mais qualidade. Depois é apresentada uma Nota Introdutória, p.35, onde se faz notar que os interlocutores privilegiados deste livro deverão ser “(…) os museus locais ou regionais com colecções etnográficas”, sugerindo a sua utilização para a identificação e caraterização dos objetos ligados às atividades etnográficas locais com base na agricultura. Do ponto de vista da inventariação, o importante situa-se entre as pp. 37-79. Por ordem de assuntos são apresentados e explicados os conceitos de Classificação, de onde decorrem os restantes conceitos de Categoria, Subcategoria e explicação detalhada para se poder proceder à classificação de qualquer alfaia agrícola. Depois surge o conceito de Identificação e, ligado a este, a Denominação, Outras denominações, Número de Inventário, Elemento de um conjunto, Função inicial/Alterações, Descrição, tudo isto muito bem explicado com recurso a elucidações baseadas na fichagem do Museu Nacional de Etnologia através do programa informático Matriz. Seguidamente, vem explicado o conceito de Proveniência e consequentemente os conceitos de Achado/Recolha, Circunstâncias do Achado/Recolha, Historial, ou seja, anotação dos elementos biográficos de cada peça. Também esta secção é muito acessível e bem argumentada com exemplos didáticos muito percetíveis e fáceis de aplicar na prática. Depois aparece o campo da Informação Técnica associando-se-lhe os conceitos de Matéria/Técnica, Dimensões, Outras Dimensões, Estado de Conservação, onde se anotarão as condições de Muito Bom, até Mau, informação indispensável à boa gestão das peças existentes e a serem incorporadas no espólio do museu. O tema Imagem/Som refere-se a todos os registos de imagens antigas e atuais onde figure uma peça do acervo, (por exemplo, fotos antigas, gravuras, etc.), e o Registo de Som, onde poderão ser inventariados registos magnéticos em vídeo, áudio e mistos que enriquecem a designada cultura imaterial do museu. Por último, é apresentado o capítulo Observações onde serão colocadas todas as questões julgadas convenientes para o estudo o mais exaustivo possível quer das peças quer

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Capítulo 6 - Operacionalização nos museus de comunidade

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do contexto ambiental e humano que assegura a sua melhor exploração em termos museológicos. O livro termina com uma série de Anexos, onde se exemplifica a aplicação concreta dos conceitos apresentados. Esta é, de facto, uma obra indispensável aos museus de natureza etnográfica e é um precioso auxiliar para aqueles museus que, não possuindo Quadro de Pessoal Técnico, encontram aqui orientações de grande qualidade e com impacto positivo assegurado pela qualidade das explicações e a simplicidade e rigor das apresentações de exemplos mostradas ao longo de todo este excelente texto. Esta obra tem outra qualidade que se não poderá deixar de evocar: a sua qualidade didática. É, portanto, recomendada como matéria de estudo e aplicação que poderá, e muito, fazer evoluir o trabalho já hoje realizado em muitos pequenos museus locais tornando-se um aliado dos museólogos autodidatas, porque é também um livro que se poderá entender como de lições de museologia no domínio etnográfico).

AA.VV. Real Associação Central da Agricultura Portugueza, (1988) segundo original publicado em 1898, Alfaias Agricolas-Exposição de Alfaia Agricola na Real Tapada da Ajuda em 1898, Lisboa, Ulmeiro

(É uma publicação editada por José A. Ribeiro, aquando do centenário desta exposição do século XIX. Afirmava-se nessa época que “ A Real Associação Central da Agricultura Portugueza tem seguido com a maior attenção o trabalho perseverante da agricultura e com especial interesse tudo o que diz respeito a generalisação do emprego dos adubos e á divulgação da melhor alfaia; seguramente os dois mais efficazes dactores do barateamento e do augmento da producção que a economia da industria exige e de que o paiz precisa.” A obra é ilustrada com muitas gravuras representando as alfaias mais modernas da época e são apresentados textos e a opinião da imprensa, que concorre, também, para que esta coletânea se torne um documento sobre a história da agricultura portuguesa. Recomendado como consulta, especialmente no domínio dos museus etnográficos.)

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Capítulo 7 - A localização e sua influência na função social

do museu

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Capítulo 7 - A localização e sua influência na função social do museu

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7.1 Introdução Como sabemos, muitos dos museus de comunidade nasceram de circunstâncias diversas e cada um tem uma história muito específica. Nessa história museal, integra-se no processo de criação a escolha do local: em muitos casos nem há uma escolha propriamente dita.

Há espaço pré-existente disponível que é obtido por doação de alguém, por compra de uma associação, por disponibilização protocolada com uma autarquia, etc. Muito do que poderá significar a notoriedade de um museu comunitário advém por um lado da riqueza do seu acervo e do seu projeto museológico, mas, igualmente, da sua localização.

Antigas instalações agrícolas, industriais e comerciais são, regra geral, refuncionalizadas, passando a ser afetas a funções culturais e algumas delas a museus ou coleções visitáveis, núcleos museológicos, centros interpretativos, etc. No caso, a localização é, muitas vezes, o que mais condiciona o crescimento do serviço museológico prestado aos públicos que visitam estes museus.

Mas, paradoxalmente, noutros casos e olhando-se a proximidade desses museus com os núcleos populacionais onde são fixados, a localização é uma vantagem para a comunidade residente.102

O funcionamento quotidiano tirando partido dos residentes que, por exemplo, numa Oficina possam exercitar as artes e as artes e ofícios resulta num processo de inclusão social e no melhor aproveitamento da experiência e do capital social das pessoas que frequentam aquele espaço. Por outro lado, essas pessoas dão a ver aos visitantes uma complexidade criativa e de inovação permanente, através das suas realizações técnicas e estéticas. Raramente há uma localização definida num projeto arquitetónico específico para um museu de comunidade, porque fazer obra nova é mais difícil que refuncionalizar edificados onde existem, e segundo a sua viabilidade para fins museológicos.

7.2 A relevância dos acessos A acessibilidade aos equipamentos culturais é uma das preocupações que os programadores culturais mais tentam adequar aos seus projetos. Quando se quer montar um museu é importante perceber-se que a sua localização tem uma importância decisiva no seu futuro. Se pudermos interferir para que o museu possa ficar com bons acessos rodoviários ou pedonais, sem se criar dificuldades aos futuros visitantes e frequentadores mais assíduos, é o ideal. Mas, regra geral, isso é quase sempre uma impossibilidade prática e as adaptações são necessárias.

102 Como elucida João Ferrão, muitos museus de comunidade inserem-se num contexto em que: “Localidades e mesmo cidades com uma geografia até há pouco relativamente contida no que se refere à sua influência directa e diária em relação às populações de áreas vizinhas vão dando lugar a espaços funcionais que correspondem a lugares alargados ou a constelações de lugares onde se desenvolvem e consolidam as vivências e sociabilidades de proximidade que dão sentido ao quotidiano dos indivíduos e dos grupos em que se integram. Mas, ao mesmo tempo, outras aglomerações, com populações envelhecidas, actividades não concorrenciais e empresas frágeis, ficam mais marginais, num processo de desintegração espacial que contraria a geografia física que os mantém teimosamente no mesmo local. Os lugares do quotidiano continuam a basear-se em lógicas de proximidade. Mas essa proximidade pressupõe cada vez mais a intensificação e diversificação das formas de mobilidade, numa dinâmica que reconstrói centralidades e marginalidades, assim produzindo uma geografia mutável de lugares ganhadores e perdedores ”, p.103. Texto publicado em JANUS.NET, e-journal of International Relations,Vol. 1, n.º 1 (Outono 2010), pp. 98-107, com o título ”Pôr Portugal no Mapa” e acessível em http://observare.ual.pt/janus.net/images/stories/PDF/vol1/portuguese/pt_vol1_n1_art8.pdf

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Capítulo 7 - A localização e sua influência na função social do museu

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Se pudermos influenciar a localização do museu, mais tarde poderemos assinalar num mapa a nossa acessibilidade bem escolhida fazendo com que muito mais gente possa vir visitar o museu. Se não temos possibilidades de escolher o local para a instalação do museu temos que tentar assegurar que as placas indicadoras que se hão-de colocar nas estradas e ruas de acesso ao museu possam ser bem visíveis para quem passa pela povoação.

Numa perspetiva de relembrar parte das experiências porque os Autores já passaram, e tendo em consideração que as mesmas são indicadoras para caminhos futuros, poderemos agrupar dois pontos mais detalhados nesta problemática:

1º - Se se trata de instalações pré-existentes há que tentar sensibilizar os patrocinadores (oficiais e privados) para que a localização permita um rápido acesso a quem visite o espaço.

Quando se tratar da instalação de um novo museu é preferível aguardar por uma boa localização do que receber um qualquer edifício num qualquer lugar só porque há urgência na criação do museu.

Nem sempre a primeira escolha será a mais acertada e é preferível esperar por outra oportunidade do que nos precipitarmos, por exemplo, instalando um museu longe de vias rodoviárias e com exposição a vandalismo facilitado se estiver localizado em lugar isolado da zona urbana.

Um museu precisa também de uma envolvente urbana, salvo as exceções de museus, por exemplo, onde o espaço externo é rural, e para ser eficaz na sua mensagem e programação necessita de dispor de uma área de terreno considerável.

2º) A localização interfere na publicitação do acesso por diversas modalidades de transporte orientadas ao museu. Acessos fáceis e estacionamento adequado são preocupações básicas a considerar. A sinalética, nomeadamente rodoviária, também. Na divulgação de cada museu é importante que o desdobrável que se utiliza para publicidade tenha impresso em lugar de destaque a sua localização geográfica (sendo em papel de qualidade e produzido numa gráfica ou sendo uma simples folha de papel comum em formato A4 e reproduzida por fotocópia, deverá trazer sempre um pequeno mapa, com referência às estradas mais importantes e ao caminho de ferro se houver perto da localidade). Indicar as coordenadas geodésicas e criar a possibilidade de se poder dispor de uma aplicação informática associada são detalhes muito significativos para criar e difundir a imagem museológica que se deseja transmitir para a captação de visitantes. O uso da tecnologia digital e da georreferenciação também são aconselhados, por razões óbvias.

7.3 Síntese • A localização do museu é um dado fundamental para o seu futuro desenvolvimento. • A qualidade dos acessos ao espaço deverá ser questionada. • A colocação de placas indicadoras sobre o museu obedecendo à sinalização prevista

na lei é de capital importância. • Se for possível escolher de entre várias alternativas um espaço com melhores

acessibilidades rodoviárias e hipótese de parqueamento de automóveis é preferível esperar por essa solução do que ocupar o primeiro espaço que apareça.

• A envolvente urbana a um museu é também um fator importante no seu sucesso. • A proximidade a grandes vias rodoviárias poderá ser fator competitivo importante

na região.

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Capítulo 7 - A localização e sua influência na função social do museu

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7.4 Sugestões de leitura GOUVEIA, Henrique Coutinho, (2008), Museu Etnográfico da Madeira - Estudo de um modelo de avaliação, Tomar, Instituto Politécnico de Tomar-Universidade de Cabo Verde

(Esta obra, tratando de um caso específico de um modelo de avaliação, aborda aspetos muito relevantes para os museus de comunidade. Dividida em 6 partes: Justificação; Historial do Museu; Programação; Organização funcional; Propostas de reorganização; Comentário final. O texto é interessante pela visão crítica do seu Autor, figura conhecida e reconhecida no meio museológico nacional e internacional, mas, igualmente, pelas pistas que vai deixando em cada uma das partes. Do ponto de vista da localização do museu aqui tratado refere-se na p.39, o seguinte: “Erguer uma instituição como o Museu Etnográfico pressupõe naturalmente decisões de base como as relativas à sua localização e ao modo de obtenção de instalações adequadas, sendo esses os aspectos a focar seguidamente.” Ao longo das pp.39-57 são expostos motivos e avançadas críticas e reflexões detalhadas que numa perspetiva didática se constituem como conteúdos muito estruturantes para os museus etnográficos, nomeadamente de tutela associativa privada. Recomendado para a questão da refuncionalização de espaços em confronto com os acervos e os programas museológicos possíveis, naquelas situações.)

IPM - Instituto Português de Museus, (2004). (Coord. Clara Mineiro), TEMAS DE MUSEOLOGIA - Museus e Acessibilidade, Lisboa: Instituto Português de Museus, http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/publicacoes/acessibilidades/ipm_2004_museus_e_acessibilidade.pdf

(Considera-se uma obra pioneira que em boa hora editada e difundida eletronicamente tem tido uma utilidade de grande nível, não apenas para Estudantes e Académicos, mas igualmente para muitos leigos em museologia, que aqui colhem ensinamentos e exemplos do que se fez até 2004. No contexto do Ano Europeu das Pessoas com Deficiência (2003) diversos projetos desenvolvidos em parceria entre diversos museus e organizações daquele domínio, foi criado valor de intervenção museológica que esta publicação bem ilustra. Este livro está organizado em 8 partes que são completadas com referências à legislação até então publicada segundo a seguinte estrutura: I. Atitudes perante as necessidades especiais; II. Diagnóstico das necessidades especiais III; Acessibilidade do espaço IV; Acessibilidade da informação; V. Acessibilidade do acervo; VI. Programação de atividades integradas; VII. Financiamento; VIII. Níveis de aplicação; IX. Ficha diagnóstico para avaliação da acessibilidade nos museus; X. Legislação. Do ponto de vista da acessibilidade por públicos com necessidades especiais é referido na p.5 que: “Melhorar o acesso à Cultura, aos Museus e suas colecções, por parte dos visitantes com necessidades especiais, constitui objectivo essencial por todos partilhado. No entanto, é sabido que numerosos obstáculos impedem a plena fruição do nosso património cultural móvel, seja através de inúmeras barreiras arquitectónicas que surgem ao longo de um percurso expositivo, seja através de deficiências de comunicação diversas que se revelam na documentação de apoio e contextualização de exposições e acontecimentos, na sinalética, na identificação dos objectos. A presente edição constitui um primeiro passo no sentido de apontar o caminho para a ultrapassagem desses obstáculos, na medida em que traça um diagnóstico inicial das situações mais graves e aponta recomendações e boas práticas com os objectivos de melhorar as condições de acolhimento dos museus e de propor novas e mais participadas leituras e contactos com as suas colecções. Na consideração metodológica de base este tipo de abordagem é extremamente útil para todos os iniciados no domínio da museologia e, mormente, para os amadores de museus de comunidade. A questão das

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Capítulo 7 - A localização e sua influência na função social do museu

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barreiras físicas e o problema de como comunicar com este tipo de público é tema profusamente tratado e demonstrado com exemplos de aplicação. Estes, pela qualidade descritiva e ilustrações que a acompanham, tornam a sua leitura obrigatória. Acresce que o enquadramento legislativo (que é necessário atualizar para 2019 e acrescentar a esta leitura) é também prolixamente detalhado ao longo do texto de que se dá exemplo na p.15: “Também a legislação nacional, designadamente a Lei nº 9/89, de 2 de Maio, o D. L. nº 123/97, de 22 de Maio e as Resoluções do Conselho de Ministros nº 96 e 97/99 de 26 de Agosto e nº 110/03 de 12 de Agosto, estabelecem orientações precisas relativamente à plena integração e participação dos cidadãos com necessidades especiais em todos os campos da vida económica, social e cultural. Por outro lado, o objectivo de melhorar a acessibilidade aos museus tem sido considerado fundamental para o seu próprio crescimento e desenvolvimento. Neste âmbito inclui-se não apenas a acessibilidade do espaço, de circulação e de exposição, mas também das colecções, dos programas e das actividades promovidas pelos museus. O grau de sucesso do museu e de significado de uma visita para o público depende, em grande medida, da forma como o museu perspectiva e actualiza o acesso físico e intelectual dos seus públicos. No espaço geográfico correspondente à Europa, onde se estima que vivam 800 milhões de pessoas, há cerca de 100 milhões de pessoas idosas e 50 milhões de pessoas com alguma deficiência (incluem-se neste número as pessoas idosas com deficiência). Segundo o EUROSTAT, só na União Europeia existem 77 milhões de pessoas idosas e 43 milhões de pessoas com deficiência. Com o envelhecimento da população, estima- -se que em 2003, na Europa, o número de pessoas com deficiência seja de 136 milhões.” A acrescentar a estes e outros dados de diversa natureza e com especial foco na estatística, o texto encerra com a seguinte expressão na p. 62: “Reconhecemos que é dispendioso fornecer toda a informação e publicações existentes num museu em formatos alternativos para os visitantes com necessidades especiais e que, em geral, as verbas disponíveis são limitadas. Daí a necessidade de estabelecer uma ordem de prioridades: 1º- roteiro do museu ou da exposição (ou material para visita ao museu ou à exposição); 2º- material para divulgação do museu ou de uma exposição (folhetos, desdobráveis); 3º- publicações generalistas sobre o museu; 4º- publicações generalistas sobre uma exposição; 5º- publicações de especialidade (por exemplo, monografias ou revistas). É de salientar que a maior dificuldade consiste na adaptação da informação já existente. São os novos projectos que devem contemplar obrigatoriamente a produção de formatos alternativos.” A indicação das parcerias museológicas e das entidades que como associações se preocupam e agem com vista à resolução dos problemas das pessoas com necessidades especiais, tanto nas suas diversas atividades enquanto cidadãos, que do ponto de vista estrito da acessibilidade a museus tornam esta bibliografia e seus anexos gráficos e fichas técnicas como uma referência obrigatória.)

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Capítulo 8 - A adaptação ou criação do espaço arquitetónico

para o museu

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Capítulo 8 - A adaptação ou criação do espaço arquitetónico para o museu

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8.1 Introdução Os espaços museológicos criados com esse objetivo denotam que no programa arquitetónico é, sempre, interpretado o conceito de museu. Assim, cada «museu» edificado significa que, nessa referência, o que lhe dá sentido é, de facto, o «olhar» de cada Arquiteto. Os espaços museológicos que resultam da refuncionalização de outros espaços que, por sua vez, haviam sido criados para outras funções, denotam essas velhas estruturas e, por vezes, potenciam a arquitetura do «museu» que lhes sucede no tempo e no espaço.

Considerando estes dois tipos de edificados museológicos há uma tradição de adaptação de espaços com a reorientação a outras funcionalidades. A espessura histórica do país é, eventualmente, uma parte da explicação para este fenómeno. Como esclarece Pires de Sousa103 na p. 46: “O primeiro museu português criado com função de instituição moderna com esse nome e de carácter público abre as portas em 1840, na cidade do Porto, desejo de D. Pedro IV que ali decidiu instalar um museu de pintura e outros objectos de arte. O museu Portuense como foi chamado foi fundado no Convento de Santo António da Cidade, actualmente é conhecido pelo Museu Nacional Soares dos Reis.” A museologia nacional tem este marco na sua história.

A criação de novos museus em todo o mundo segue, a par e passo, com a evolução dos territórios, nomeadamente metropolitanos. Do ponto de vista da procura de modernidade museológica há, portanto, duas vias que vão sendo seguidas: refuncionalização dos antigos edificados e criação de museus como «Obras de Arte-de Arquitetura-de Design» onde Tecnologia e Cultura se fundem sob os princípios básicos de “templos das Musas”.

Como também acentua este Autor na p. 49: “O cenário museológico do novo século reflecte o debate e reflexão em torno da re/definição do papel de museu na contemporaneidade. São desenvolvidos novos museus locais, cuja função é de preservação e divulgação da cultura local, e subsistem os existentes, nomeadamente os de dimensão nacional. Muitos destes foram alvos de projectos de renovação ou ampliação de forma a adaptá-los aos programas que o paradigma de museu contemporâneo comtempla, e às exigências de um público que procura ser activo na vida do museu.”

Como referimos, a refuncionalização aplicada para criação do Museu de Serralves104 e a criação de grande poética para albergar as obras de uma pintora, a Casa das Histórias Paula Rego105, são referenciais de grande interesse nacional nesta área. O caso do Museu Guggenheim de Bilbau106 é outro caso paradigmático, no caso da museologia como recuperadora e impulsionadora de uma cidade e seu urbanismo com aumento da qualidade de visitados e visitantes.

8.2 Sobre a expansão dos espaços expositivos Como muitas vezes acontece com os museus de comunidade, as instalações são conseguidas por adaptação de espaços que se encontram disponíveis e serviram para outras coisas que não um museu. Por isso, a adaptação desses espaços deverá ser feita tendo em conta a

103 Op. cit., com muito interesse pela problemática que nos apresenta na sua obra relativa ao novo Museu de Arqueologia de Viana do Castelo, datada de 2017. 104 http://www.serralves.pt/pt/ 105 http://www.casadashistoriaspaularego.com/ 106 https://www.guggenheim-bilbao.eus/

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Capítulo 8 - A adaptação ou criação do espaço arquitetónico para o museu

= 100 =

natureza das coleções que se pretendam mostrar, mas condicionada pela arquitetura pré-existente.

De outro modo, há que ter em consideração a área disponível, ou seja, o problema do espaço existente para ser ocupado pelas várias atividades que configuram na atualidade a função social do museu. O ideal é termos um espaço em que se possa pensar na expansão futura do museu.

Acontece muitas vezes que, se por exemplo só há uma pequena casa sem mais terreno à volta, é complicado pensar-se um museu com mais possibilidades do que as meras funções de uma exposição permanente. Este aspeto, no caso das casas-museu é, por vezes, incontornável.

Mas, para outros casos há que ponderar se valerá a pena ocupar esse espaço de imediato ou esperar por outro espaço mais adequado aos serviços do museu para que se não esgotem esforços apenas numa exposição permanente. Importa, por isso, tentar encontrar um determinado espaço, sem precipitações na escolha (quando for possível escolher).

A consulta e colaboração de um Arquiteto, bem como a leitura interessada sobre casos similares que, por exemplo, as Faculdades de Arquitetura um pouco por todo o mundo tratam academicamente, e ainda fontes de Organizações profissionais da museologia, arquitetura, conservação e restauro, história da arte, gestão cultural e turística, sociologia, urbanismo, economia, geografia, etc., são condições básicas de rigor e sucesso nesta matéria.

Havendo espaço disponibilizado, por exemplo, por um doador local, a mesma preocupação de procurar informação profissionalmente creditada é aconselhável. Esta via pode significar muito em matéria de credenciação pela DGPC e pela RPM caso esse objetivo seja alcançável num espaço de tempo razoável. Assim, e como alicerces nesta matéria:

1)

O ideal é podermos dispor de um espaço para instalar o museu e de um espaço livre que possamos utilizar mais tarde.

Por exemplo, um antigo lagar de azeite é uma boa opção se porventura podermos dispor do espaço externo (quintal ou logradouro), para mais tarde podermos construir mais anexos ao museu. A expansão do espaço está relacionada com o crescimento e desenvolvimento em várias frentes do projeto museológico.

Conhecemos casos em que o museu é comprometido na sua afirmação só porque não dispõe de espaços novos e está confinado, por exemplo, a uma casa de habitação tradicional sem logradouro.

2)

A organização de um dossiê completo com todos os desenhos técnicos de arquitetura com os detalhes das redes de águas, energia, comunicações, etc., etc., é de extrema importância porque é útil sempre que seja necessário, mesmo em exposições temporárias, organizar percursos de visita dentro do espaço do museu, aceder a concursos de financiamento onde estes elementos são de descrição obrigatória em formulários de candidatura e noutras situações suscetíveis de requisitarem estes elementos técnicos. O trabalho profissional neste domínio é crítico para o bom andamento do processo.

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Capítulo 8 - A adaptação ou criação do espaço arquitetónico para o museu

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8.3 Síntese • A adaptação de um espaço para refuncionalização como museu deverá ter a base

um projeto museológico e museográfico que determinará o projeto arquitetónico consequente.

• Há que tentar salvaguardar espaço livre que permita a expansão futura das instalações do museu.

• As dimensões de áreas a considerar deverão ter em conta o designado espaço de circulação de visitantes, seja no interior, seja no exterior do edifício ou edifícios.

• O dossiê técnico com desenhos de arquitetura, de redes de saneamento e abastecimento de energia e telecomunicações é um documento obrigatório para assegurar uma boa gestão de todo o complexo museal.

8.4 Sugestões de leitura RIBEIRO, José A. F. Sommer, (1993), VI. Arquitectura do Museu, in ROCHA – TRINDADE, Maria Beatriz, (coordenadora), (1993), Iniciação à Museologia, Lisboa, Universidade Aberta, pp.147 – 159

(Embora se trate de um artigo essencialmente destinado a museus de maior dimensão e organização (pressupondo a existência de condições efetivas difíceis de serem conseguidas para os pequenos museus locais), é um trabalho que se aconselha, porque tem matéria muito interessante. Desde logo, porque o autor refere que qualquer museu deverá tentar assegurar “... a chamada regra dos três terços, distribuídos do seguinte modo: Galerias de Exposições permanentes; Recepção, Conservação, incluindo Reservas, e Serviços Administrativos; Animação, Exposições e Restaurante ou Self – Service. Tal regra é demasiado simplista uma vez que as áreas dos diversos sectores são susceptíveis de variar consoante as finalidades do Museu”, p.154, que o mesmo é dizer que, a estas normas generalistas há que aplicar o caso concreto inerente às possibilidades de qualquer museu. O autor discorre sobre vários assuntos implicados no espaço arquitetónico do museu como, por exemplo, a receção do público visitante, os serviços disponibilizados de restauração, lojas, etc., o problema da iluminação, a biblioteca, o sector de animação, espaços públicos e espaços privados, oficinas de restauro, reservas, armazéns, etc. É um artigo que vale pela indicação das condições arquitetónicas e de utilização museal traduzindo-se numa lição muito útil a quem está relacionado com a direção de um museu e, muito mais importante, pelas pistas que abre à consolidação de práticas museológicas nos museus locais de pequena dimensão que, em grande parte dos casos, não pode contratar um arquiteto com experiência nesta área da arquitetura de museu.)

MONTANER, Josep Maria, (2003) Museus para o século XXI, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, SA.

(Sendo esta obra dedicada ao panorama e à condição contemporânea da arquitetura de museus é um aporte muito interessante ao problema da arquitetura de natureza museológica e, por conseguinte, à compreensão das principais linhas de pensamento do autor sobre esta realidade. Aliás, como refere o autor “A idéia de museu foi chave na definição dos conceitos de cultura e arte na sociedade ocidental”, p.9. A obra organiza-se por matérias tão interessantes quanto à caracterização do museu enquanto organismo complexo e como algo que se poderá revelar na sua “caixa”, tratando-se de um museu em edificação. Embora foque apenas museus de arte e aqueles mais emblemáticos da cultura ocidental não deixa de ser uma obra que nos ajuda a entender melhor a evolução arquitetónica sentida nos últimos anos

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Capítulo 8 - A adaptação ou criação do espaço arquitetónico para o museu

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e as expectativas que, no pensamento do autor, se poderão colocar na evolução deste fenómeno. Por último, registe-se uma afirmação que confirma o museu deste novo milénio, independentemente da sua vocação temática e da sua escala de grandeza e aceitação social, diz o autor que “Os museus tentam se aproximar dos lugares de consumo e as lojas, para agregar valor a seus produtos, imitam as lógicas das museografias”, p.148, afirmação que nos remete ao relacionamento estreito entre consumo geral e consumo cultural visível, quer em museus, quer, por exemplo, em grandes centros comerciais. Recomendada pelas problemáticas que suscita e pelas reflexões apresentadas.)

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Capítulo 9 - Das instalações como espaço de trabalho

museal

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Capítulo 9 - Das instalações como espaço de trabalho museal

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9.1 Introdução As instalações tanto de natureza afeta diretamente à exposição permanente como às exposições temporárias, bem como outros espaços laboratoriais, de reservas, para eventos e conferências, para circulação e entrada e saída de visitantes, espaços de loja e de outros serviços, dever-se-ão articular segundo as necessidades da programação museológica.

Para a receção e para a visitação, bem como para atividades de integração dos visitantes, a gestão de espaços e de tempos adequados para multiuso (dadas as diferentes segmentações de visitantes, tanto por idades e por situação de ocupação, como pelos seus interesses específicos que os levam ao museu) é de primeira necessidade quando se abre o museu ao público.

Por isso, e por razões de segurança dos utilizadores e dos seus promotores, voluntários e profissionais, a adoção de planos de segurança, bem como de acionamento de seguros, é vital. Esse cuidado significa prevenção de uso dos diversos espaços internos e externos onde a ação do museu poderá ser responsabilizada pelas autoridades em caso de riscos e prejuízos daí decorrentes. Este domínio da segurança é um aspeto que merecerá muita atenção na adequação das instalações aos diversos usos a que são sujeitas.

9.2 A espacialidade como possibilidade e limite Decorre da capacidade e qualidade das instalações muito do que se poderá fazer no museu. Os aspetos relacionados com o espaço dedicado às coleções e o “espaço livre” sobrante depois da instalação destas é de suprema importância. Como se referiu acima, a questão do Plano de Segurança para o museu também interfere neste domínio. Os avanços das tecnologias e, igualmente, os parâmetros de exigência que são colocados aos Donos de Obra na reabilitação de edificados devem ser equacionados.

As exigências não apenas de conforto físico e psicológico dos visitantes mas também os tipos de prevenções, monitorizações e demais controlos no que diz respeito a acessibilidades físicas e eventuais barreiras, os controlos de segurança de pessoas e de bens (nomeadamente das peças expostas) e as condições ambientais de climatização dos espaços devem ser anotadas numa lista o mais exaustiva que se possa redigir.

Por outro lado, a qualidade dos serviços prestados por cada museu não pode ignorar a manutenção interior e exterior dos edificados em pormenores, tais como as redes de abastecimento de água, eletricidade, luz zenital, etc., bem como as redes de saneamento e outros fatores que pesam na gestão das instalações de cada museu. Nos museus de comunidade este é um problema que origina várias soluções, mas que raramente se reflete na qualidade, por exemplo, das exposições de objetos e cuidados de exposição e contra-ataques antrópicos ou dos fatores naturais de humidade e luminosidade, por exemplo.

Um museu sem espaço físico para futuro desenvolvimento é um museu fragilizado. Mesmo em situações de espaço edificado finito a percentagem de utilização expositiva deverá ser muito bem ponderada face às necessidades dos vários serviços de museu. Por outro lado, a evolução da sua função social também deverá estar prevista na gestão museológica.

Podemos até considerar o museu como a nossa casa que vai sendo adaptada conforme vão crescendo as nossas necessidades de mais espaço para tudo o que vamos reunindo e construindo ao longo da vida. E, neste sentido, é fulcral podermos contar com áreas

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Capítulo 9 - Das instalações como espaço de trabalho museal

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suficientes (internas ou externas ao edificado) para a evolução futura e natural do projeto museológico para suscitar trabalho sistemático:

1) Por isso há que instalar as coleções de modo a deixá-las “respirar”, ou seja, criando espaços sem peças, tanto para a circulação de pessoas, como para se poderem exercitar atividades nesses espaços (pátios, corredores largos, salas que se possam ocupar, por exemplo, com serviços educativos, oficinas e outras atividades que complementam a programação regular do museu).

Se, por exemplo, apenas dispomos de uma casa antiga temos que ter a coragem de não a encher com demasiadas peças. A hipótese de se complementar a visita com o contributo do «museu virtual» pode ser interessante nestes casos.

É preferível encontrar-se um espaço mesmo que deslocado das instalações principais onde possamos criar uma espécie de armazém de peças, aquilo que damos o nome de Reservas Técnicas do Museu.

Logo desde o início é importante, como se referiu, procurar ter a colaboração, por exemplo, de um Arquiteto ou de um Engenheiro Civil que possa ajudar a definir o espaço, em função do projeto museológico que está na mente dos proponentes do museu.

O contacto com um museólogo, se for compatível suportar os seus serviços técnicos em termos financeiros, é uma das prioridades que deverá ser também ajuizada.

A definição do programa museológico por este tipo de profissional poderá ajudar a queimar muitas etapas. O contacto com a DGPC e a entrada no mundo dos concursos para financiamento, caso seja possível, é uma via a explorar.

A não existirem verbas para pagamento a estes profissionais ou não existindo cooperação técnica destes sem remuneração, o que é muito corrente, devemos encontrar outras soluções.

Uma delas passa por conseguir apoio das autarquias locais ou de associações de desenvolvimento local. Esses apoios, devidamente protocolados, podem significar um futuro museológico promissor para a região onde se situa o museu de comunidade que tenha acesso a essa ligação.

Neste domínio, as autarquias colaboram com as instituições locais tal como uma associação de defesa de património e poder-se-á estabelecer um Protocolo de Colaboração107 que ajude a resolver estas dificuldades.

Depois, é natural que os proponentes também encontrem soluções para este problema das instalações e da organização técnica necessária ao processo de instalação do museu.

A adaptação do edifício poderá ser feita pelos proponentes do museu desde que não haja necessidade de se alterarem estruturas arquitetónicas.

A obtenção da planta e alçados do edifício para além de desenhos em corte é condição de base porque para se poder planear a distribuição das coleções é necessário saber-se

107 A questão protocolar sustenta a definição de redes de cooperação e de colaboração científica e técnica.

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Capítulo 9 - Das instalações como espaço de trabalho museal

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qual a quantidade de metros quadrados disponíveis e a qualidade desses mesmos espaços em função do seu potencial expositivo.

A equipa poderá apresentar várias alternativas de ocupação interna do museu procedendo-se também a uma avaliação sobre a dimensão dos expositores, os melhores pontos de vista para as pessoas poderem visualizar bem todos os objetos expostos e como se traçará o percurso de visita, a fim de não se criarem obstáculos que comprometam uma visita interessante para o público e em condições de segurança108.

Estas preocupações deverão estar sempre presentes, até porque os públicos escolares e sua irrequietude natural aconselham a escolher soluções que possam contribuir para uma segurança adequada a esse tipo de público e às peças expostas.

2) Na lógica do trabalho sistemático e organizado, mesmo por não-museólogos, recomenda-se que as instalações sejam bem sinalizadas para se poder saber quais as salas dedicadas ao museu propriamente dito e aos serviços necessários. Esta questão deverá estar bem arrumada com o Organigrama Funcional109.

Há uma outra área muito importante a reter: a capacidade de expansão futura do espaço do museu. É relevante colocar-se esta questão porque em muitas situações será necessário no futuro proceder a adaptações, reorganização de espaços, abertura de novos espaços e melhoria das condições do espaço expositivo, das circulações internas, etc.

Por isso, é importante adotar-se uma visão prospetiva, ou seja, imaginando uma espécie de futuro para o museu, podendo-se, desta forma, prever situações que podem, desde o início do processo museológico, ser acauteladas nesta perspetiva de crescimento sustentado do museu.

Daqui decorre a sua capacidade de desenvolvimento perante os desafios que todos os dias, como na vida corrente, se colocam a uma casa de cultura com esta importância sobre a memória coletiva e o registo do que é passado.

Aproveitamos para realçar que quando o museu atinge uma determinada idade passa ele também a ser “peça de património” que necessita de ser olhado nessa perspetiva, independentemente do seu trabalho em continuidade. Também uma exposição que em determinado ano teve um grande impacto é um marco de memória da comunidade atual que, tal como a comunidade mais antiga, merece ser evocado no trabalho corrente do museu, exigindo espaço para essa evocação.

Esta é uma visão muito sensível sobre o crescimento e maturidade do museu. Porque se assim não acontecer, estamos desperdiçando alguns valores que são importantes para ampararem esse processo de crescimento, porque são testemunhos importantes da vida de qualquer museu.

108 Na história de construção do MAR foi de excecional auxílio o voluntarismo e competência profissional de carpinteiros locais que ajudaram à elaboração dos expositores, por exemplo. 109 O Organigrama Funcional é determinante.

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Capítulo 9 - Das instalações como espaço de trabalho museal

= 108 =

E, nesta preocupação centra-se o serviço do Centro de Documentação110, organizado para também registar eventos, conter catálogos de exposições realizadas, estar dotado de uma pequena biblioteca sobre várias temáticas.

9.3 Síntese • A colocação das coleções no espaço do museu deverá ser feita com critérios bem

relacionados com o projeto museológico. • As reservas são um espaço fundamental. • O projeto museológico deverá ser constantemente observado e, se for caso disso,

revisto e alterado, sempre por razões que fundamentem com lógica esse processo de correção.

• A ligação a parceiros externos tal como escolas e instituições de investigação e autarquias é desejável nesta e em todas as fases do processo de criação do museu.

• A adaptação do edifício não deverá esquecer o problema de assegurar a acessibilidade e conforto aos cidadãos e, com funções acrescidas e orientadas, aos cidadãos portadores de deficiência.

• A sinalética deverá ser objetiva e pertinente, quer seja fixa, quer tome a forma de afixações temporárias e amovíveis.

• O registo das modificações operadas no espaço deverá ser feito tendo em conta a história do próprio museu.

9.4 Sugestões de leitura LINARES, José, (1994), Museo, Arquitectura y Museografía, La Habana – Cuba, Fondo de Desarrollo de la Cultura – Direccion de Património Cultural – Ministério de Cultura

(Nesta obra da autoria de um dos maiores autores cubanos em matéria de museologia e arquitetura associada, encontramos doutrina e aplicações práticas muito interessantes e fruto de experiências concretas no desempenho profissional deste especialista. Organizada em sete capítulos e profusamente ilustrada, dá-nos a possibilidade de estudar vários aspetos que interessam também ao nosso caso particular dos pequenos museus. Assim, são apresentados por ordem: I –“Museo, Museologia, Museografia”, II – “El museo como tema arquitectónico”, III – “El proyecto del museo”, IV – “Museo e inmueble”, V – “La presentación: teoria y técnica del montage museográfico”, VI – “El futuro del museo; tendencias y perspectivas”, VII – “Museo y contexto museal”. São apresentados 4 anexos dedicados, respetivamente, a “1 – Cultura, identidad y patrimonio cultural”, “2 – Fomación de personal en el área de Museografía”, “3 – Iluminación de museos”, “4 – Sistemas de protección y seguridad en los museos”. Todas estas matérias são de grande interesse e apresentam-se na obra de modo pedagógico e imbuído de muitos exemplos didáticos e ilustrações, enriquecendo as substâncias tratadas pelo autor. Como sintetiza o autor e a dado passo da sua explicação ”Es necesario, como lo he hecho al tratar los problemas del proyecto del museo, concluir afirmando que en el caso de la presentación tampoco es posible ofrecer «recetas» o «fórmulas» aplicables a cada caso; cada problema requiere de un análisis particular y por tanto, de una solución particular”, p. 141, determinando, desta forma, a importância de se estudar cada espaço museal como um elemento singular ao qual se aplicarão as medidas de

110 Indispensável para a investigação que há a fazer dentro do museu.

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Capítulo 9 - Das instalações como espaço de trabalho museal

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organização consideradas justas a cada escala considerada, ou seja, os mesmos princípios aplicados tanto a um museu de grandes dimensões, como a um museu de pequena dimensão, mas em ordem a poder resultar na melhor gestão para cada um deles.)

PIRES DE SOUSA, Filipe de Jesus, (2017), Novos Espaços Museológicos como base de uma Reabilitação Sustentada - Ressignificação da Ruína do Convento de S. Francisco do Monte como lugar do novo Museu de Arqueologia de Viana do Castelo, Projecto Final para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura, Orientadores Científicos: Professor Doutor, António Miguel Neves da Silva Santos Leite; Professora Doutora, Ana Marta das Neves Santos Feliciano, Lisboa: Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa,

https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/14430/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o_FilipeSousa.pdf

(Este trabalho de Projeto originado por um percurso académico tem uma importância fundamental pela sua atualidade e pelos aspetos que avança na leitura da museologia feita a partir do «lugar» da arquitetura. Este Arquiteto estrutura o seu texto em dois blocos, a saber: PARTE I - Do património edificado à nova museologia: relação de conceitos e princípios para uma intervenção no património construído, onde cria os seguintes capítulos e subcapítulos; 1_PATRIMÓNIO HISTÓRICO EDIFICADO - 1.1_Breve Noção de Património 1.1.1_Enquadramento Legal e Nacional 1.2_Identidade Presente na Memória Construída 1.3_Entendimento da Evolução do Valor Patrimonial 1.4_Importância do Valor Patrimonial no Presente na Construção da Memória Colectiva 1.5_Prática Actual de Intervenção no Património 1.5.1_Intervenção no Património em Termos Tecnológicos 2_”NOVOS” ESPAÇOS MUSEOLÓGICOS 2.1_Desígnio de Museu 2.2_Enquadramento da Evolução Histórica do Museu 2.3_Museologia em Portugal 2.4_Musealização do Património Arquitectónico 2.5_A Recente Transformação na Museologia 2.5.1_Conceitos e Princípios em Desenvolvimento 2.5.2_O que é Actualmente Expectável de um Novo Museu? 2.5.3_Museus, Espaços Culturais Polivalentes 3_CASOS DE ESTUDO 3.1_Centro Galego de Arte Contemporânea 3.2_Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa 4_REFLEXÃO DE SÍNTESE e, depois desta estruturação que nos incita à leitura de alguns destes pontos confrontando-a com as nossa experiências pessoais, tal como nos aconteceu na revisão de literatura em que tivemos acesso a esta obra, entramos na PARTE II _ Do lugar à proposta: da análise do local à proposta de intervenção que sendo trabalho criativo e de arquitetura no seu mais profundo diálogo com o “velho” na tentativa de criar o “novo” abre com o capítulo 5_O CONVENTO | Evolução e História do Convento de S. Francisco de Monte de Viana 5.2_A Origem 5.3_Perfil Geológico e o Clima 5.4_Cronologia 6_A PROPOSTA 6.1_Enquadramento no lugar 6.2_Apropriação da pré-existência 6.3_Adição do novo programa 7_INDICE DE IMAGENS 8_REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 9_PEÇAS DESENHADAS 10_ANEXOS. De leitura recomendada, retiramos da p. 58 a visão que na atualidade enforma este trabalho, quando o Autor refere que: “O museu actual é na sua maioria aquele que tenta através da combinação de várias formas de divulgação por meios tecnológicos e (inter)actividades chegar ao maior número de pessoas e atrair o maior número de audiência possível. Continua a ser fundado em paradigmas históricos e organizado por regras já testadas, por sistemas hierárquicos e perceptíveis de organização, contudo independentemente do modelo do museu usado, os departamentos individuais comuns (marketing, serviço às visitas, departamento educacional, a presença online) foram forçados a uma modernização, não por escolha própria mas por obrigação. Se no passado a percepção inicial de um museu derivava da visita ao mesmo, hoje a visita ao museu pode começar com o visitante ainda em sua casa através do seu dispositivo electrónico com ligação à Internet. A divulgação e difusão através dos

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Capítulo 9 - Das instalações como espaço de trabalho museal

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diferentes suportes digitais multiplica-se, mas apesar deste esforço para uma adaptação da actividade e presença on-line, de um serviço ao público mais alargado e da procura de novas audiências através de diferentes iniciativas e actividades sociais e culturais, os museus eles próprios, na sua essência e na sua maioria não se alteraram.” Subscrevemos integralmente e consideramos esta abordagem como de grande utilidade para decisões de adaptação de espaços com o objetivo de serem musealizados.)

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Capítulo 10 - A ordenação das peças: importância da

constituição de coleções

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Capítulo 10 - A ordenação das peças: importância da constituição de coleções

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10.1 Introdução A riqueza das coleções é, e será sempre, o eixo principal sob o qual repousa e se anima a imagem de marca de qualquer entidade museológica. Em 2006, Judite Primo referia num artigo111 ainda hoje muito atual o seguinte: “Deste modo podemos identificar os museus locais como os museus que consideram a sua intervenção patrimonial como o meio indicado para atingir os objectivos que levam ao desenvolvimento dos contextos territoriais em que estão inseridos. Assumem formas e meios bastante diversos, representando assim vários graus de conceitualização. A sua intervenção não se resume ao trabalho com as colecções, assumindo, na sua generalidade, uma interferência, entre outros aspectos, na área da valorização dos recursos locais, valorização patrimonial, valorização de aspectos culturais, apoio ao ensino, fomento do emprego e formação profissional.”

Esta visão que na realidade representava e representa ainda diferenciados “graus de conceitualização”, percebida e praticada em muitos museus locais, é a que vai sendo seguida na maioria dos museus de comunidade que, por exemplo, são de direito privado associativo.

Isso ficará a dever-se a fragilidades ao nível dos profissionais e do escasso investimento financeiro, mas porque a componente simbólica do museu para os seus promotores, como tivemos oportunidade de perceber ao longo das últimas três décadas de trabalho, é muito mais relevante que, por exemplo, o estado de conservação do acervo geral e das coleções do museu.

Nesta lógica interessa-nos que, do ponto de vista da gestão, o próprio Estado encontre alternativas para que os museus ainda não integrados na RPM a ela tenham acesso em condições realistas para com o seu papel como parceiros e dinamizadores do desenvolvimento local de tutela institucional. As coleções são, por isso mesmo, a mais crua e sincera faceta cultural de muitas associações que, ao criarem o seu «museu» (mesmo que imperfeito), querem guardar memórias e os objetos que as suportem. Para evoluírem precisam, portanto, de recursos.

10.2 O sentido de cada coleção e sua integração no conjunto Em termos de “trabalho de museu”, a ordenação de peças é a forma como nós conseguimos reunir objetos em conjuntos homogéneos, ou seja, aquilo que nós designamos por tipologias com utilidade museológica.

Destas tipologias criadas é possível organizar coleções. Estas deverão ser fundamentadas em critérios que sejam claramente apresentados e que tenham lógica interna bem percetível, face ao espólio reunido num conjunto que se pretende coerente.

Por isso, os critérios utilizados para um museu que trata da temática “Agricultura” serão diferentes daqueles que estão, por exemplo, na base da ordenação de peças de um “Museu Escolar”112. Assim:

111 Op. cit., p.44. 112 Devem ser respeitados os princípios que emanam de instituições nacionais e internacionais, tratam do problema da museologia e da conservação do património cultural. Os normativos da DGPC e da RPM devem ser adaptados a cada caso concreto, segundo critérios sedimentados por muita experiência, investigação e partilha de saber científico nesta área do conhecimento. A não utilização destes princípios

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Capítulo 10 - A ordenação das peças: importância da constituição de coleções

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1) Podemos usar vários critérios para ordenarmos esses conjuntos de peças. Assim, na tipologia “enxadas” reunimos todos os utensílios com esta designação podendo ter várias formas (enxada rasa; enxada de bicos), vários tamanhos e serem de várias épocas. Na tipologia “Cerâmica utilitária” reuniremos todos os objetos produzidos em barro com uma função declaradamente utilitária para vários usos domésticos.

A partir daqui podemos organizar, por exemplo, coleções várias como sejam “Coleção de pratos cerâmicos”, “Coleção de alguidares”, “Coleção de cântaros”, “Coleção de funis”, etc. Como cada caso é um caso, é a diversidade e a qualidade, além da quantidade de objetos reunidos para serem apresentados no museu, que ditam a ordenação de peças.

Se só podermos dispor de uma peça de uma determinada tipologia talvez seja de pensar a melhor forma de a apresentar, mesmo não estando inserida numa coleção, impossível de organizar, por escassez de peças representativas. Mas é sempre importante reunir o máximo de peças possíveis antes de decidir quais as coleções a serem mostradas ao público113.

Por exemplo, se estamos a trabalhar num museu etnográfico parece lógico criarmos coleções por cada uma das profissões tradicionais.

Assim, a coleção “Ofício de Pastor” poderá ter todos os objetos que se relacionam com a sua atividade, desde o seu vestuário, os utensílios, os modos de vida no campo e na casa agrícola, etc.

Esta forma de ordenar a coleção vai ser muito útil no futuro, porque ao agirmos desta forma todas as peças que chegarem ao museu, depois de constituídas as exposições permanentes são logo catalogadas nessa coleção, mesmo que seja para estarem guardadas numa reserva.

Ao serem catalogadas fazem parte do inventário e, assim, é possível estudá-las e divulgá-las convenientemente.

Por outro lado, a utilização dos objetos e coleções pelas escolas que estão na área de influência do museu é um fator que não deverá ser esquecido nesta fase.114

2) As coleções deverão ser ordenadas de modo a poderem ser bem exploradas por todos os públicos que vão ao museu tendo sempre presente que se pretende explorar o valor educativo de cada objeto e contexto sociocultural e económico respetivo.

Se for possível estabelecer contacto com as Escolas locais poderemos amplificar a nossa capacidade de trabalho e organização. Já existem muitos Professores com sensibilidade e preparação técnica para, por exemplo, no domínio dos Serviços Educativos, poderem dar um contributo interessante no domínio geral da função social do museu.

coloca o museu fora da rota de evolução internacional e nacional, condenando-o, inevitavelmente, ao ostracismo. 113 Atenção ao facto de não termos necessidade, nem possibilidade, de apresentar no expositor todas as peças. Por razões de eficiência museográfica, devemos usar apenas um dos que são da mesma espécie da totalidade dos objetos recolhidos e remeter os sobrantes para as Reservas e Depósitos. 114 Destaque-se aqui a importância decisiva da orgânica do museu fazendo com que os Serviços Educativos tenham o papel relevante. Dentro da tal ideia de Gestão que já falávamos anteriormente é fundamental estabelecer-se um Organograma que contemple todos estes aspetos.

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Capítulo 10 - A ordenação das peças: importância da constituição de coleções

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10.3 Síntese • A estruturação dos serviços de apoio ao museu é um ponto crítico de instalação e

desenvolvimento da Organização. • De modo geral, o Organigrama Funcional que já foi referido, bem como as práticas

mais atualizadas e apreendidas em sessões técnicas e seminários temáticos que se possam frequentar em iniciativas da DGPC e RPM ou de outras instituições tais como Universidades, Institutos Politécnicos, Centros de Investigação, Empresas especializadas, etc., constituem-se como ferramentas de apoio à gestão integrada do museu.

10.4 Sugestões de leitura BRITO, Joaquim Pais de (coord.), (1996), O voo do arado, Lisboa, Museu Nacional de Etnologia - Instituto Português de Museus – Ministério da Cultura

(Trata-se da primeira grande obra portuguesa que, com a coordenação de Joaquim Pais de Brito, Fernando Oliveira Baptista e Benjamim Pereira, apresenta uma série de contributos de muita importância no panorama do conhecimento da alfaia agrícola portuguesa e sua envolvente antropológica. Produto de uma exposição marcante nesta questão, este livro é o resultado do empenhamento de muitas pessoas e instituições com o objetivo de perceber que, como se referencia na apresentação da obra por Maria Antónia Pinto de Matos, então Diretora do IPM, “Das transformações que ocorreram em Portugal nas últimas décadas, terão sido as operadas na agricultura aquelas que mais significativamente alteraram a nossa sociedade. Mutações tecnológicas, económicas, sociais e políticas conduziram-na a uma situação complexa. Reflectindo sobre esta realidade, a presente exposição procura articular a importante colecção de alfaia agrícola do Museu Nacional de Etnologia com os equipamentos que documentam o processo de mecanização.” A riqueza de intervenções dos vários especialistas torna esta obra de leitura obrigatória, na medida em que os seus conteúdos são de grande relevância não apenas numa dimensão antropológica e, naturalmente, etnográfica, mas porque comporta informações e reflexões de cada articulista que importa conhecer com profundidade. Assim, e logo na Apresentação, Joaquim Pais de Brito refere quanto às alfaias agrícolas que “Mostrá-las é também dar conta dessa diversidade, nas formas materiais que a revelam e que permitem insistir na dimensão mais profunda da sua inserção em modelos culturais, também eles, local ou regionalmente, contextualizados. Neles se reproduzem registos de saber técnico e tecnológico e singularidades que vêm a definir a rede de identidades e contrastes que uma actividade comum e universal como a agricultura pode conter”, p.20. Fernando Oliveira Baptista na temática designada por “1- Identificação e Contornos”, e segundo o seu texto intitulado “Declínio de um tempo longo”, refere-se ao problema das tecnologias agrícolas e às modificações do mundo do trabalho, para além de focar especificamente o trabalho agrícola observando, por exemplo, que “ Os homens e as mulheres que sofreram a penosidade da ceifa, do trabalho junto da enfardadeira e debulhadora fixas, da violência da vindima e da monda dos arrozais ou do esforço desmesurado da cava da vinha não lamentam a transformação do trabalho agrícola”, p. 44, o que nos remete para a problemática da exposição e exploração museológica dos utensílios utilizados nessas tarefas agrícolas, reclamando também a apreciação deste contexto doloroso da vida agrícola mais antiga. O autor observa outros fenómenos como o de entre-ajuda entre as gentes dos campos ou o movimento migratório dos ranchos, ou ainda o problema do peso

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Capítulo 10 - A ordenação das peças: importância da constituição de coleções

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da agricultura na economia nacional. O autor remata o seu texto expressando que, na relação atual da sociedade com o seu território rural, cada vez mais urbanizado, se deverá trabalhar “Com memórias e heranças do tempo longo, mas também com a certeza de que o futuro não é apenas uma continuação do passado, tem agora de se moldar o território, procurando equilíbrios entre os seus diferentes usos e tornando-o um espaço onde os que venham da cidade e os que já os povoam possam, sempre, começar de novo.”, p.74, afirmação de esperança na capacidade mobilizadora dessas memórias e heranças. Joaquim Cabral Rolo no mesmo painel apresenta um texto denominado de “Imagens de meio século da agricultura portuguesa” onde tece considerações de grande interesse no domínio da evolução económica do setor agrícola nas últimas quatro décadas, da diversidade agrária a nível regional, aspetos da dinâmica nos usos do território e nas condições de produção agrícola. Entre outras afirmações refere, por exemplo, que “O domínio da(s) agricultura(s) familiares(s) veio, pois, a consolidar-se no meio agrícola português.”, p.78. Seguidamente, e no painel “Práticas e Tecnologias Tradicionais”, Benjamim Pereira apresenta o seu texto “Alfaias Agrícolas” onde são apresentadas as três áreas geográficas determinantes, o designado Portugal Transmontano, o Portugal Atlântico e o Portugal Mediterrâneo, seguindo a terminologia do geógrafo Orlando Ribeiro. Estuda as enxadas, os arados, as grades, tipos de debulhas, jugos e cangas, o carro de bois e detalhando técnicas de construção dos utensílios e achegas para a compreensão das suas formas e modos de funcionamento. É um excelente texto para iniciados ou investigadores que necessitem de tomar conhecimento sobre este mundo fascinante da alfaia agrícola. O autor refere que as alfaias agrícolas tradicionais atingiram o seu ocaso e, por isso, “Hoje, perante uma técnica que transformou todos os ritmos naturais, chegou para elas a hora do acaso e dos museus. Mas a hora também de dizermos a nossa gratidão e o nosso amor: só aqueles que não tenham o sentido da vida nos seus valores eternos essenciais é que ficarão insensíveis à sua beleza e à sua nobreza”, p.196. O mesmo Benjamim Pereira apresenta um outro texto, neste mesmo painel, sobre “ Fertilizantes naturais” onde se refere aos estrumes, ao sargaço, ao pilado (pesca do caranguejo para adubação das terras) e ao moliço. Joaquim Pais de Brito elabora um texto sobre “Coerência, incerteza e ritual no calendário agrícola” onde explica que o calendário agrícola era entrosado com o calendário religioso, ritual e festivo onde os ciclos solar e lunar se tornavam eixos principais nesta organização e repartição do tempo. A talhe de explicações refere-se também à tecnologia dos espantalhos, matéria entrosada com as previsões e premonições populares apresentadas de modo simples e muito interessantes para o conhecimento desta faceta das populações campesinas. No painel seguinte “Inovações, Rupturas Tecnológicas”, Maria Carlos Radich em parceria com Fernando Oliveira Baptista apresentam o artigo “Percursos da tecnologia agrária”. Nele expressam contextos e utensílios numa visão cronológica onde a mecanização dos campos encontra o seu foco. A agricultura praticada com maquinaria a vapor e a combustíveis derivados do petróleo é abordada num contexto de referência económica e social, tal como as experiências de várias espécies de plantas trabalhadas pelos novos processos de arroteamento dos campos. Afirmam no final do texto que “Com melhor ou pior fortuna, a tecnologia tinha já um longo percurso através dos campos portugueses quando se atinge a crise dos anos sessenta. O que estes anos tiveram, pois, de próprio não foi a descoberta da tecnologia, mas antes o facto de terem ampliado a escala em que ela se apresentava como um imperativo. Existiu também vontade estatal de difundir o saber e o saber fazer indispensáveis, capacidade económica de uma boa dose de explorações agrícolas para acolhê-los e condições de mercado capazes de sustentarem as inovações. Forjou-se assim um contexto. Que, ao enovelar simultaneamente factores de diferente natureza, impulsionou o processo de transformação na agricultura.” Joaquim Quelhas dos Santos apresenta de seguida o texto “Sobre a influência dos fertilizantes” dando-nos um panorama

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explicativo sobre a agricultura de subsistência e a agricultura como atividade económica e, por extensão, como atividade ecológica. Nesta questão, o autor regista que “A propósito do uso dos adubos e dos pesticidas, assiste-se a uma tendência crescente para se falar na chamada agricultura «biológica», na qual se recomenda que aqueles produtos não sejam utilizados”, p.259, advertindo o autor para a dificuldade atual de implementação de práticas agrícolas que ignorem, por completo, o uso de adubos e pesticidas, incorporando a modernidade nesta problemática de estudo sobre as práticas agrícolas tradicionais, que se regista. Pedro Amaro apresenta em seguida o artigo “A protecção das plantas” onde esboça uma introdução histórica e estuda o fenómeno até ao século XX. Termina o seu artigo fazendo referência à designada proteção integrada de homens, animais e terrenos utilizados nas práticas agrícolas. No tópico “2- Retratos localizados de mudança”, o artigo “Alto Minho: dos caseiros sem terra à terra sem caseiros” de João Castro Caldas, é traçado um fresco sobre as relações humanas no suporte da terra agrícola tratado numa visão antropológica muito interessante. A vida do caseiro é explicada em acordo com a evolução do trabalho agrícola e principais sementeiras e colheitas. O autor termina o seu texto afirmando que “Do lado das relações sociais em que assentava o sistema, a diminuição da pressão sobre a terra e o começo da entrada de dinheiro da emigração vieram juntar-se à tendência para o abandono das casas dos senhores dos grandes patrimónios como residência permanente”, p.285, fenómeno que se iniciou nos anos sessenta e perdurou por muito tempo e ainda hoje enforma a realidade de muitas zonas do País. O artigo de Fabienne Wateau, “D’une production d’autoconsommation à une production rentable: le cas de la vigne dans l’Alto Minho”, apresentado no original em francês apresenta um estudo de caso. Sobre a ligação entre a tradição e a modernidade é expresso que “ La production viticole portugaise s’inscrira désormais dans un cadre européen et se conformera aux règles de la politique agricole commune. Il s’agit donc de grands changemements pour l’economie locale qui passe d’une production ancestrale d’autoconsommation à une production moderne à fins rentables.”, p.298, referindo ao longo do texto sobre a importância do processo histórico adstrito à notoriedade dos vinhos que apresenta, como exemplos desta inversão de modos de produção. Colette Callier-Boisvert apresenta um estudo de caso sobre o título, “Soajo dans le haut – Minho – L’entraid en milieu agro-pastoril hier et aujourd’hui”, aplicando a mesma visão sobre a tradição e modernidade desta aldeia onde a pastorícia e as artes e ofícios tradicionais são marca territorial singular. É um estudo antropológico de grande interesse porque refere a importância do trabalho grupal e da solidariedade entre vizinhos numa economia de fundo rural. Ana Novais dá título ao artigo “Famílias agrícolas de operários dos estaleiros navais de Viana”, sendo um estudo de caso sobre a integração das famílias agrícolas em zonas de industrialização realizado pela autora nos anos de 1989 –1990. De seguida Isabel Rodrigo trata do tema “Lavradores, agricultores e jovens profissionais” onde esboça uma explicação sobre este aspeto referido a Barcelos. Como sintetiza, “A auto-suficiência económica, o vínculo à terra e a sacralização da propriedade são marcos de referência de uma ética e cultura que dominavam, num passado ainda recente, o funcionamento social do espaço agrícola de Barcelos. Porém, eles são incompatíveis com o processo de profissionalização da agricultura já iniciado por muitos produtores familiares do concelho”, p.332. Karin Walt no tema “Famílias camponesas e mudança social no Baixo Minho” apresenta outro estudo onde apresenta a transformação familiar, de acordo com a modernização dos usos e costumes em paralelo com as alterações tecnológicas ocorridas nos campos. Manuela Ribeiro ocupa-se do estudo temático “A terra e os camponeses no Barroso”, outra incursão interessante sobre uma cultura específica onde faz ressaltar a importância da terra como recurso e mobilizador da organização económico-social dos camponeses. Refere-se, no contexto de balanço sobre os resultados da sua investigação que “... regista-se uma evolução em sentidos algo

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contraditórios dos valores tradicionalmente associados à propriedade da terra”, demonstrativos da falência de organização familiar assente na propriedade rural. José Manuel Lima e Santos, no texto “ Expansão e declínio dos bovinos barrosões”, analisa este aspeto da pecuária regional e sua singularidade demarcando este importante recurso genético como um dos produtos capazes de ajudar ao desenvolvimento local. José Portela, num estudo intitulado “Regadios tradicionais em Trás – os – Montes”, foca os recursos hídricos e as diversas estruturas físicas de irrigação. Termina o seu artigo referindo que “... das dinâmicas passadas e presentes observadas nos regadios tradicionais se pode concluir que, do ponto de vista do desenvolvimento local, há ali um vasto campo de acção”, p.380, incluindo neste a questão da sua valorização patrimonial e cultural. Um outro estudo singular é o de Orlando Rodrigues que trata o tema “A mudança do espaço rural em zonas marginais: o caso da Terra Fria Transmontana” onde esboça uma análise a estas zonas desfavorecidas. São focados os lameiros e as hortas e as várias culturas que poderão ter uma função mais rentável, de acordo com a teoria das famílias pluriactivas, ou seja, aquelas que conseguirão, num novo quadro social extrair rendimentos da agricultura... complementada com outras actividades não agrícolas”, p.394. É um artigo muito interessante quanto ao potencial de reconversão da terra nestas zonas. Vasco Rebelo traça um quadro muito interessante no âmbito de uma produção específica no título “A revolução pós-filoxérica e os anos oitenta: dois períodos de grandes transformações na viticultura duriense. Sendo esta uma das mais antigas actividades agrárias portuguesas o autor estuda o contexto histórico especificado no título do seu trabalho e anota os aspectos sócio-económicos deste tipo de exploração. Refere as possibilidades de motorização dos trabalhos agrícolas nas vinhas tradicionais, ligando tradição e modernidade. Por fim aponta a... grande riqueza paisagística... tipicidade e beleza cénica...”, p. 410, invocando a importância estratégica da paisagem agrícola e os efeitos multiplicadores que ele poderá proporcionar no futuro. De seguida, Fernando Lourenço, no tema “Os pomares da emigração”, estuda este aspeto no tocante à história das saídas das gentes dos campos para o rumo da emigração e os efeitos da carência de braços no quadro da agricultura entre os anos sessenta até à atualidade. Depois, estuda este caso relacionando-o com os designados pomares industriais onde a mecanização intensiva colmatava a falta de mão-de-obra campesina. Por isso, remata o seu estudo afirmando a debilidade das comunidades locais e seu emprego na agricultura referindo que “(...) processa-se, assim, num contexto de grande independência face às comunidades locais em que se encontram espacialmente inseridas, contribuindo para a sua desarticulação e perda de vitalidade”, p.420. No artigo “O século que passou: continuidade e mudança numa freguesia da Beira Baixa”, José Manuel Sobral estuda o caso da freguesia da Vila, “nome fictício da freguesia a que nos referimos...”, p.424, desenvolvendo um estudo teórico com componentes históricas e explicações sobre as relações sociais estabelecidas na Beira Baixa, tendo a terra como foco de atenção. Conclui referindo que “Desde a instauração do regime democrático, a crítica aos mais poderosos fez-se sentir. A velha elite proprietária, ainda importante, já não constitui o grupo de que dependeu, ao longo de séculos e em múltiplos aspectos, a vida da maioria esmagadora dos habitantes de Vila.”, p.435, criando um documento muito interessante de reflexão antropológica sobre o problema da propriedade da terra e das formas de sua exploração numa territorialidade específica. Manuel Belo Moreira aborda o tema “A revolução do leite no minifúndio de Entre-Douro-e-Mondego” onde refere a problemática produtiva e os principais momentos deste tipo de exploração pecuária naquele espaço. Pedro Hespanha estuda no tema “Uma revolução do arroz nos campos do Mondego?” e através desta interrogação o perfil produtivo específico desta planta comparando o seu tipo de implantação e exploração com a do milho. Constitui, até pelas informações dadas ao longo do texto, um documento interessante para o estudo destas culturas. Maria Adosinda Henriques com o texto “Mútuas de seguro de gado: a

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solidariedade em meio rural” estuda estas formas tradicionais de cooperação em meio rural. Conclui o seu texto referindo o desfasamento entretanto criado pela mecanização agrícola explicando o facto de que “É raro haver gente nova na direcção destas associações”, p.469, apresentando o panorama atual deste tipo de instituições cooperativas. Maria João Canadas trata de “O trabalho agrícola na vitivinicultura do «Oeste»”. Nele afirma que as quebras nas migrações sazonais e a saída de assalariados locais rumo a outros destinos foram fatores de pressão a favor da mecanização da produção. É trabalho interessante neste ramo das práticas agrícolas até pelo conteúdo que compara o saber tradicional com o saber contemporâneo nesta área. Carlos Cabral apresenta o tema “Lourinhã: do cereal à hortícola”, que, como estudo de caso, é de facto muito interessante, até pela sua metodologia expositiva. Paulo Ferreira da Costa em “Pomares na várzea, vinhas na encosta” trata do Cadaval e das transformações ocorridas nas últimas três décadas. A paisagem do Cadaval também é focada no sentido de se entender a passagem da paisagem essencialmente rural para vetores de urbanidade que o autor anota e explica. Miguel Vale de Almeida mostra o processo de transformação social ocorrida pala transição de modos de vida no seu texto, a que dá o título de “Do rural ao rural virtual: o café da aldeia como ilustração”, excelente reflexão sobre mudanças que todos nós vimos sentindo na paisagem rural. Desde logo alerta para o facto de que “Para a maioria da população, porém, a agricultura é uma coisa do passado...”, p.504, depois de explicar que “... é na geração dos mais velhos que se encontram pessoas com memória da sociedade agrária, memória essa que inclui juízos morais sobre as relações sociais próprias daquele regime”, p.504. Conclui o seu texto dando-nos um sinal sobre as novas relações estabelecida à volta do café da aldeia afirmando que “Numa comunidade que, no decorrer de uma geração, passou «da terra à pedra», passa-se agora «da pedra à terra». Só que o primeiro processo foi de transformação sócio-económica. O segundo está a ser um processo de recriação simbólica que, ao mesmo tempo, quer ancorar no «passado» novas relações sociais cujos contornos não são ainda totalmente inteligíveis pelos agentes, e abolir o peso desse passado transformando-o em imagem. Do rural «real» passou-se para o rural «virtual».” p.507. Michel Drain e Bernard Domenech, no título “L’evolution du travail dans une grand propriété di district de Beja de 1940 à 1974”, apresentam o caso da Boa Vista, propriedade situada na Freguesia de Santa Clara do Louredo. Este estudo é um retrato sobre as dificuldades dos camponeses no tempo do Estado Novo e aborda a transição da vida campesina após o 25 de Abril. Texto organizado a modo de comentário, é muito rico de informações e de uma reflexão da dupla de autores sobre o problema da terra e das relações de dominação sobre a mesma. Inocêncio Seita Coelho escolheu o tema “Transferência de propriedade no concelho de Cuba”, demonstrando a importância ancestral da agricultura naquele concelho identificando as tipologias sociais de proprietários da terra como, por exemplo, as famílias de terratenentes tradicionais, proprietários agrícolas tradicionais, agricultores, comerciantes e industriais ligados à pecuária, industriais de construção civil e comércio, etc. De grande impacto por ter utilizado fontes informativas originais, o texto remata a dado passo que “A reforma agrária ocorrida em 1975 representou um mecanismo particular de transferências de terra”, p.527, alterando-se, por isso, o quadro tradicional, com tudo o que isso implicou de profundas mudanças. É um estudo de caso muito interessante e recomendado como focagem particular. Luís Martins, no trabalho “Porco alentejano: uma indústria em Barrancos”, estuda a particularidade desta criação pecuária referindo que existe, neste caso, uma “(...) readaptação gradual das tecnologias, tendo em conta uma ponderação dos resultados a atingir”, p.534, depois de ter trabalhado “in situ”, na procura a dois produtores sobre os seus modos de trabalhar a carne de porco de Barrancos. É um contributo interessante como ponto de partida para estudos homólogos deste, para outras regiões do País. Virginie Laffon apresenta outro estudo de caso no título “Amareleja: uma aldeia

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Capítulo 10 - A ordenação das peças: importância da constituição de coleções

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alentejana entre o ontem e o amanhã”, onde disserta sobre a capacidade dos habitantes da aldeia que, por via da propriedade e gestão da terra praticada localmente, “(...) se traduz por um espírito aberto à inovação e à competição”, p.540. É um retrato muito particular e exaustivo sobre uma realidade aldeã que nos motiva a perceber melhor a diversidade cultural e social do Alentejo e lhe dá uma unidade sustentada por essa diversidade patente neste trabalho de investigação. Sob o tema “A lavoura na linguagem simbólica dos cemitérios”, Clara Saraiva traça uma estrutura de entendimento do fenómeno religioso na sua ligação à terra e aos rituais funerários daí advindos. A cenografia da morte e o estudo de alguns jazigos permitem à autora estabelecer uma proposta de leitura sobre o simbolismo do cemitério enquanto elemento pertencente à comunidade agrícola, e dela expressão, por exemplo, nos símbolos de lavoura que aparecem nessa iconografia funerária. Entre campas e jazigos, entre imagens e encenações, a autora conclui o seu trabalho explicitando que “A iconografia dos cemitérios meridionais deixou de traduzir a especificidade fulcral do latifúndio e das famílias que o geriram”, p.555. Cristiana Bastos no tema “A escala da mudança: o tempo da Serra Algarvia” induz-nos a entrar num espaço onde a serra significa para os algarvios “... um cenário montanhoso de atraso, que se deixa e esquece na procura de maiores amenidades ou de, simplesmente, um modo de vida viável no litoral, senão mais longe”, p.561. Refere depois de caraterizar o espaço de estudo que “ Mudaram as opções, mas não numa direcção irremediável em que o mundo do trabalho artesanal e manual cede passo à massificação industrializada”, p.564, abrindo expectativas de esperança na atualização desses saberes revitalizados e rumando a outros contextos de superação como, por exemplo, as decisões da comunidade nacional transpostas em verdadeiras opções para esses saberes se poderem manter como símbolos e como recursos valorizadores da região. Pedro Prista no trabalho “No Barrocal” ensaia um estudo de caso e de contacto pessoal onde descreve vivências e aspetos etnográficos interessantes. Descreve os modos de habitar, os tipos de consumos etc. Carminda Cavaco apresenta no seu estudo “Da Quinta da Quarteira à Vila Moura” o quadro geográfico e histórico que, ao longo dos tempos, foi transformando aquela parte do Algarve e centrada nos concelhos de Loulé e Albufeira. Em tom crítico exclama a concluir que “Uma vez mais, a integração do desenvolvimento turístico com o agrícola foi mera utopia, à complementaridade tende a suceder o antagonismo e incompatibilidade.”, p.581, depois de ter estudado o problema da urbanização urbanística e consequente pressão sobre os terrenos de aptidão agrícola. O tema “Festa e emigração numa freguesia açoriana” da autoria de João Leal faz-nos entrar num mundo caraterizado pela promoção de rituais ligados à fecundidade e simbologia da terra. A freguesia de Santa Bárbara, de Santa Maria e as Festas do Espírito Santo são parte do retrato esboçado pelo autor. Adelino Gouveia traça outro desenho sobre o tema “A agricultura madeirense: dos poios às levadas” com contornos muito nítidos sobre os campos da Madeira e a originalidade da sua agricultura. Diz a dado passo que “Na Madeira de hoje, a agricultura é, na maioria dos casos, uma actividade complementar” havendo, por isso, um novo espaço rural que há que saber aproveitar para reconversões bem ajuizadas onde, por exemplo, as modalidades de turismo de natureza poderão ter um posicionamento interessante. Por último surge-nos na página 598 o Catálogo da exposição onde são apresentados e comentados muitos utensílios agrícolas, constituindo-se, por esta via, num instrumento de consulta indispensável em qualquer museu etnográfico. Por tudo isto e pelo valor didático desta obra, recomenda-se a sua consulta e utilização corrente porque o nível das exposições em texto e as descrições técnicas aí inseridas são, de facto, de grande valia.)

PRIMO, Judite, (2006), A importância dos Museus Locais em Portugal, Lisboa: CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA Nº 25, pp. 41-62 (Texto Extraído da Dissertação de Mestrado: “Museus Locais e Ecomuseologia: Estudo do Proj. Para o Ecomuseu da Murtosa,2000.),

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Capítulo 10 - A ordenação das peças: importância da constituição de coleções

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http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/3978/A%20IMPORT%C3%82NCIA%20DOS%20MUSEUS%20LOCAIS.pdf?sequence=1

(Este texto, apesar dos quase 13 anos que leva de publicação e dos quase 19 de origem na dissertação referida, continua atual. Assim, a Autora refere, por exemplo, que: “As mudanças no panorama museológico português após o 25 de Abril podem ser, segundo Mário Moutinho, divididas em quatro fases, que são: Primeiro Fase: A afirmação das possibilidades de outras práticas museológicas: (…) Segunda Etapa: Ausência de uma oposição consistente por parte dos museus do Estado: (…)Terceira Fase: Solidificação da Segunda fase e a Museologia reconhecida como disciplina pela Universidade: (…) Quarta Fase: Museologia entendida enquanto recurso: (…)”; e, numa dimensão mais detalhada, leva o leitor a compreender a complexidade decorrente da prática museológica. Como refere, nesta última fase existem linhas de fixação das práticas museológicas dos museus locais, dos museus de comunidade como Mário Moutinho apresentava: “• entendimento do património enquanto noção abrangente dos aspectos culturais, naturais, paisagístico, geológicos, etc.; • museologia entendida como meio de comunicação e possui função educativa; • museus enquanto objecto de planeamento, integrando vectores variados; • museologia enquanto meio e não mais como um fim em si mesma.” Somos também convidados a uma participação mais forte e orientados para uma nova dimensão do «fazer-museu». Como expressa a Autora mais adiante nas pp. 44-45 sob o papel territorial dos museus de comunidade: “A sua intervenção não se resume ao trabalho com as colecções, assumindo, na sua generalidade, uma interferência, entre outros aspectos, na área da valorização dos recursos locais, valorização patrimonial, valorização de aspectos culturais, apoio ao ensino, fomento do emprego e formação profissional. Assim sendo, é importante entendermos que gerir um museu local pressupõe equipa-lo de forma a poder lidar com um acervo de difícil e em constante mudança. A riqueza desses museus assenta, exactamente, nos processos de transformação e mudança que englobam a vida de uma localidade.” Subscrevemos, integralmente.)

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Capítulo 11 - As coleções e sua exploração turístico-cultural

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11.1 Introdução São as coleções que definem a temática de cada museu. Por isso, a metodologia a utilizar, os recursos necessários para o trabalho de organização das coleções e, por último as terminologias adequadas, devem estar sincronizadas através de um plano de trabalho orientado a essa tarefa. O turismo é uma atividade que também contribui para a valorização dos museus. A integração dos turistas nos processos comunitários é outra linha atual em crescimento.

Como expressa Alexandra Gonçalves115 na dimensão turística: “As funções tradicionais do património cultural estão a ser reinventadas e hoje os visitantes esperam experimentar o património. Por sua vez, os museus não raramente promovem actividades turísticas que estão na base de economias locais e regionais. Na actualidade, os turistas representam uma parte importante das visitas aos museus, assumindo nalguns casos uma percentagem expressiva do seu público. No entanto, a relação entre os museus e o turismo possui pontos de conflito.”

Esta constatação, advinda de um estudo sistemático da Autora, que entre Turismo e Cultura se tem debruçado sobre a problemática museológica nos últimos anos, tem sido motivadora para a mudança de mentalidades por parte de museólogos que, tradicionalmente, viam o turismo mais pelo seu lado negativo. De facto, na p. 83 é referido que:” O turismo com base no património cultural é mais do que a observação da arquitectura, da história ou da natureza. É verdade que é relativamente fácil promover o património cultural através de apresentações descontextualizadas e sem significado (ou com adulteração desse significado) (Phelps, 1994) e caberá sobretudo a cada local a responsabilidade de apresentar e interpretar o seu património, para o seu público, através dos seus artefactos.”

Atualmente, esta questão da autenticidade e da respetiva responsabilidade de apresentar e interpretar o património, nomeadamente confiando à gestão dos museus de comunidade, requer para se qualificar o alinhamento com preceitos internacionais e nacionais em matéria de museologia e de planeamento turístico e cultural.

11.2 Museologia e Turismo Numa perspetiva de orientação dos museus à fruição dos seus públicos habituais, tal como nos processos de criação de novos públicos, a estruturação comunicativa exige a aplicação de certos procedimentos. Estes, integrados no Plano de Comunicação, deverão ser estrategicamente desenhados com o sentido duplo de prestação museológica: 1º o serviço público; 2º o serviço de natureza comercial.

Na primeira situação estão consideradas as questões de natureza didática e pedagógica, cívica e cultural. Na segunda situação considera-se a vertente de autofinanciamento de cada estrutura museológica que, amparada numa boa Comunicação e num bom Marketing, pode significar a permanência e crescimento da instituição museal.

Em ambas as situações, a produção de Conhecimento é fundamental. A ligação entre Conhecimento tácito e Conhecimento explícito é, nos museus locais e de pequenas comunidades (bem como em todos os restantes, entenda-se), um aspeto caraterizador do seu projeto museológico. Para que um projeto museológico tenha sucesso e crie notoriedade,

115 Op. cit., p. 77.

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Capítulo 11 - As coleções e sua exploração turístico-cultural

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nomeadamente geográfica, temática, cultural, turística, etc., precisa gerar conhecimento a partir do seu acervo e contexto em que se movimenta.

A questão da estruturação das «narrativas museológicas» ganha um impulso diferenciador quando elas são autênticas, e nessa singularidade capazes de atrair curiosidades e fluxos de pessoas, excursionistas e turistas e, muito relevante para esta dinâmica, os residentes. Nesta circunstância de operacionalização, aos Operadores turísticos importa-lhes muito o Território e suas Paisagens Naturais e Culturais, tal como a Hospitalidade das Pessoas, residentes e profissionais do setor, bem como a possibilidade de serem adicionadas Experiências.

Estas experiências ocorrem de acordo com os seis elementos que organizam cada produto e/ou pacote turístico: experiências de Viagem, de Alojamento, de Restauração e Gastronomia, de entretenimento e Lazer, de Segurança de bens e pessoas, de Acesso a bens e serviços complementares, numa estrutura compósita presente em qualquer produto ou pacote turísticos, nomeadamente de turismo cultural.

O Museu como espaço de experiência turística poder-se-á considerar como integrador de todos estes elementos componentes do produto turístico? Se a temática e a autenticidade de cada museu são capazes de atrair a atenção dos Operadores e dos Fornecedores do mercado turístico, os restantes componentes acabam por aparecer porque havendo oportunidades de negócio, logo aparecem na cadeia de valor de uma determinada região onde o museu é um ícone e um atrator turístico.

O caso do Museu Nacional de Arte Antiga116, em Lisboa, do Museu do Pão117, de Seia, ou do conjunto museológico de Belmonte118, apenas para citar exemplos de tutela pública, de tutela empresarial e de tutela municipal, respetivamente, reúnem narrativas específicas que cada Exposição Permanente e a programação de Exposições temporárias e outros Eventos culturais amplificam e credibilizam.

Como já se disse, as coleções são grupos de peças que fazem sentido reunidas numa mesma temática. Nesta dimensão das narrativas museológicas, a exploração direta e indireta das peças e das coleções adquire uma importância decisiva se atendermos à linguagem que se deverá adequar aos visitantes, segundo critérios culturais, etários, sociais, científicos, etc.

A coleção deverá ser sempre criada com um critério lógico. Nesta premissa está implícita a necessidade de estruturar cada narrativa a partir de uma base de complexidade geral e percetível para todos e, de acordo com a segmentação de cada grupo de visitantes, dedicar

116 http://www.museudearteantiga.pt/ 117 http://www.museudopao.pt/ 118 https://cm-belmonte.pt/visitar/museus/ (Igreja de Santiago e Panteão dos Cabrais; Museu do Azeite; Ecomuseu do Zêzere; Museu Judaico; Museu dos Descobrimentos; Casa da Roda-Caria; Museu do Território-Caria; Casa Etnográfica de Caria). Na Apresentação da última referência informa-se em https://cm-belmonte.pt/diretorio/casa-etnografica-de-caria/ o seguinte: “A Casa Etnográfica de Caria tem como principal objectivo difundir e preservar memórias, com a exposição de vários objectos do passado (como era a cozinha, a sala, os quartos do antigamente?(sic), que de alguma forma marcaram a vida de todos nós. Pretende-se também conhecer a história de algumas antigas profissões, a riqueza da sua existência e produção, os seus afazeres e o seu valor social e antropológico. Nesta exposição permanente mostram-se ao pormenor as peças e utensílios utilizados pelos carpinteiros, barbeiros e sapateiros nos primórdios do século XX.”

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Capítulo 11 - As coleções e sua exploração turístico-cultural

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a criação de narrativas adequadas. Os Serviços Educativos de cada museu têm particular responsabilidade e sensibilidade para elaborarem os produtos necessários à Visitação.

Por exemplo, as “coleção de arados”, “coleção do azeite”, “coleção da olaria”, etc., podem associar-se tanto ao estudo escolar da gastronomia tradicional, desde a sementeira à confeção de comida, quanto contribuir para o acervo documental e para as práticas consequentes sobre alimentação tradicional ou sobre a Dieta Mediterrânica, por exemplo.

Isto é importante para que o visitante do museu, ao olhar determinada coleção, possa entender como eram utilizadas aquelas peças num tempo mais antigo, mas como o resgate dessa informação pode originar inovação na gastronomia local e regional. E, nessa visão dever-se-á dar ao visitante a oportunidade de ele poder entender a lógica de utilização dessas peças para além do contexto em que elas se integraram na sua vida útil, antes de serem musealizadas.

Cada coleção tenta contar uma história, apresentar uma faceta de um modo de vida já inexistente, e usa as técnicas de disposição e organização dos objetos para potenciar e ampliar as mensagens que propõe aos seus diferentes públicos? Poderemos utilizar esta imagem, de facto. Cada objeto deverá ser entendido numa cadeia cultural onde se integra e, igualmente, numa contextualização territorial específica.

Como explica Alexandre Matos119, numa dimensão operacional a componente documental é crucial para o bom êxito do trabalho geral. Assim, e como enfatiza depois de comentar métodos expeditos de registos apoiados em papel ou em software de pouca qualidade “(…) num museu a documentação das colecções deve ter em conta alguns aspectos essenciais como o método, os meios e a linguagem utilizados que têm por base um conceito comum: a normalização. Posto isto importa perceber em que consiste a normalização na documentação de museus. São três as áreas em que se definem normas para os museus. A saber: Estrutura de dados (data structure): definição dos campos necessários para todo o tipo de informação que o sistema irá comportar e das relações entre os diferentes campos e tabelas de informação numa base de dados relacional (as mais comuns e mais capazes hoje em dia); Procedimentos (data contents): definição da forma como os conteúdos devem ser inseridos nos distintos campos. Serão aqui descritas todas as convenções utilizadas e todas as regras a seguir pelo utilizador na edição dos registos (ex. definição de formato de datas, dos campos de preenchimento obrigatório ou do formato de imagens e documentos que são associados ao sistema); Terminologia (data value): definição do tipo de vocabulário, thesauri ou listas de terminologia que podem ser associadas a determinados campos e especificação de 10 regras para campos com características particulares, como os campos utilizados para registar transcrições em alfabetos distintos do utilizado pelo sistema.” De facto, só a normalização poderá assegurar, por exemplo, a preparação dos museus que apresentam mais dificuldades de financiamento e de recursos humanos para o caminho da credenciação tutelada pela RPM da DGPC. Acompanhando-se o trabalho deste especialista também observamos que, por exemplo, o Sistema de Gestão de Coleções online “in arte collections” em certas situações poderá ser utilizado. Em http://sistemasfuturo.pt/pdf/inartecollections2017BR.pdf encontramos uma referência que, menos completa que o sistema MatrizNet, já referido, nos mostra que: “O in arte collections é a resposta adequada para as necessidades de colecionadores privados, artistas e galerias que pretendem gerir eficientemente o seu acervo. É o resultado de cerca de 20 anos de experiência de uma equipe qualificada e foi construído sobre a plataforma in arte, em uso por centenas de instituições culturais em diversos países. 119 Op. cit., pp. 9-10.

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Criado com as mais recentes tecnologias, o in arte collections obedece aos padrões internacionais de documentação e gestão de coleções definidos por instituições como o CIDOC (Comitê Internacional para a Documentação do ICOM), a Collections Trust, o Getty Research Institute ou a Canadian Heritage Information Network.” Independentemente das capacidades de aquisição deste tipo de ferramentas, o que se deverá considerar nos museus de comunidade é, sem dúvida, o trabalho criterioso de utilização de fichas técnicas baseadas nas orientações ICOMOS e DGPC que asseguram a possibilidade de, mesmo com coleções organizadas expeditamente, o rumo da credenciação não ser desviado. A colaboração de técnicos especializados é, porém, uma via aconselhada que, exigindo esforço financeiro, difícil para muitos museus locais, se apresenta como incontornável, caso se tenha por objetivo manter a ambição de credenciação.

11.2.1 Visitação e notoriedade do museu Na museografia designamos por expografia o modo como cenografamos e encenamos um determinado momento passado com recurso a meios expressivos orientados a essa intenção. Pretende-se que o visitante seja convidado a desvendar o que lhe é proposto e preparado de modo mais ou menos subtil apelando também à sua emotividade. A sedução tem nesta matéria um papel relevante? Sem dúvida que sim, porque captar a atenção do visitante é assunto de grande importância pelos laços que cria.

A mensagem do museu ao seu visitante vive da credibilidade do conteúdo geral do museu que passa, inevitavelmente, pela criação de cenários capazes de ajudar o visitante à reconstituição da sua memória sobre os objetos. É importante para a faixa etária que ainda os presenciou no seu quotidiano de vida. Para a faixa etária dos mais novos as explicações multimédia incentivando-os a que, através de um processo de raciocínio e descoberta, possam encontrar valores tradicionais que dão sentido à sua identidade pessoal em processo de construção, é outra estratégia que complementa a apreciação dos objetos expostos.

Neste sentido, o trabalho museográfico dever-se-á orientar a procedimentos que, sempre que possível, possam despertar curiosidade no visitante e: estabeleçam uma dinâmica de apresentação (por parte da exposição das coleções); uma consequente dinâmica de exploração (por parte das perguntas e questões levantadas pelos espetadores); promovam a satisfação de cada visitante face à relação custo-benefício (ou seja, da compensação que o visitante recebe por se ter empenhado no processo de exploração que lhe foi apresentado, consumiu e co-construiu), enfim, constituam uma experiência gratificante para todos os envolvidos.

Atingir este patamar de diálogo é o esforço que todos os museus tentam fazer quando esboçam processos de “sedução” ao olhar do visitante. Não há fórmulas mágicas, neste assunto, mas poderá estabelecer-se no grupo de trabalho uma discussão prévia sobre este assunto. Quem organiza exposições nos museus deverá atender às sensibilidades em presença e obviar a confusões que por vezes se instalam quando não é devidamente testado este processo de reunião e de exploração lógica das coleções. O rigor é, neste caso, também decorrente da experiência, quer positiva, quer negativa.

Tendo em conta o acervo global do museu e as formas de comunicação física e de leitura propostas aos visitantes, um bom método de trabalho é aquele que se baseia numa prévia distribuição entre os colaboradores do museu sobre o que se vai acertando com a experiência

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Capítulo 11 - As coleções e sua exploração turístico-cultural

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e com as anotações recolhidas por forma verbal ou de modo escrito. O diálogo pretendido acontecerá certamente a contento de todos.

Muitas correções têm sido introduzidas na planificação de trabalho de museus (temos essa experiência no MAR) considerando-se duas vias de receção de opiniões: o Livro de Visita, onde os visitantes são convidados a colocar por escrito as suas opiniões sobre a sua experiência, registando as críticas positivas e negativas que se vão desenrolando ao longo do tempo em que esteve no espaço; a organização periódica de Inquéritos com tratamento dessa informação.

Ambas, neste contexto de qualificação contínua do trabalho museológico, materializam uma boa estratégia para a correção de alguns pontos menos trabalhados e até para incentivo à tomada de novas iniciativas museológicas. As tomadas de decisão assim sustentadas são muito mais orientadas ao «cliente» e, portanto, têm em consideração a Procura.

Por exemplo, na Oferta museológica, reunir pratos, alguidares, talheres, mesas, bancos, etc., numa coleção intitulada “A Cozinha Rural”120, num museu etnográfico, decorre da lógica de representação de como era uma cozinha numa aldeia portuguesa. Ligar em discurso museológico, por exemplo, uma carroça, arreios de mulateiro, chicote, fueiros de carroça, lanterna, etc., faz sentido na coleção “O Mulateiro” porque cada objeto tem um papel na narrativa dessa coleção e na conexão com outras coleções do museu.

Doutro modo, reunir bonecas de trapos e de outros materiais pode fazer sentido numa coleção geral de “Brinquedos”, ou então as bonecas de trapo serem apenas elas agrupadas numa coleção precisamente com o título “Bonecas de Trapos”. Há muitos modos possíveis de organizar, mas, cada peça, dita, de certo modo, as possibilidades e os limites do seu uso museológico.

É necessário que os critérios de reunião de peças numa dada coleção tenham uma coerência proveniente da forma como, de resto, se organizam todas as coleções possíveis de apresentar na exposição permanente e nas futuras exposições temporárias. Todavia, as opiniões dos frequentadores de museus e dos residentes são também relevantes para as mais adequadas tomadas de decisão museográfica. Há que as considerar no modelo de gestão das coleções.

A opinião das novas gerações nascidas e criadas em contacto permanente com as tecnologias digitais é tema de acrescida preocupação quanto à capacidade dos museus para atraírem a sua atenção. Este é um assunto que importará discutir até aos elementos estruturais de qualquer “edifício museológico” e este, em Portugal, deveria ser revestido de uma estratégia que a “agenda digital”121 deveria concitar em termos de problemas e eventuais soluções.

11.2.2 Interação e construção museográfica de base comunitária Tal como qualquer veículo é pensado, desenhado e construído segundo variáveis fixas e variáveis móveis (destina-se a transportar), também os suportes que podemos criar para expor as peças têm que ser bem pensados, de acordo com o espírito de cada coleção

120 Coleção exposta no M.A.R. aproveitando-se a arquitetura rural, porque esta cozinha fazia parte do complexo de lagaragem de azeite cujo edificado foi refuncionalizado para museu. 121 Veja-se esta matéria na página web da Fundação para a Ciência e Tecnologia, em https://www.fct.pt/dsi/mercadounicodigital/index.phtml.pt

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Capítulo 11 - As coleções e sua exploração turístico-cultural

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(destinam-se a expor objetos e outros conteúdos). O problema expográfico situa-se nesta ideia de transmissão e de “transporte” cognitivo e emocional.

Por isso para criar um veículo adequado é indicado fazerem-se alguns desenhos para podermos relacionar o espaço disponível com o que queremos e podemos lá colocar. 122 Assim, é lógico criar-se uma pequena equipa em que cada um apresente sugestões que, uma vez bem estudadas, possam contribuir para que o museu seja um espaço criativo e não apenas uma mera montra de peças.

Se a liderança puder ser dada ao Museólogo e ao Arquiteto ou Designer, com experiência e conhecimento específico neste domínio, tanto melhor. Se não houver profissionais destas áreas a colaborar há que encontrar formas mais expeditas, mas igualmente comprometidas com o projeto museológico e com uma ideia de intervenção qualificada.123

Entra nesta questão o problema das possibilidades em se poder contar com pessoal técnico que o museu de comunidade não tem habitualmente, mas, igualmente, com os limites que tal situação despoleta. O ideal seria poder-se contar com a colaboração da DGPC e de técnicos de museografia e museólogos a custo zero para as direções dos museus locais, mas esse é um panorama inatingível dadas as dificuldades por que também passam os museus tutelados pelo Estado e pelo Poder Local. Este é um problema da museologia nacional que permanece, pese embora o discurso político de todos os governos.

Como se poderá ler no sítio da DGPC124, na estruturação atual é referido: “Enquanto estrutura de articulação e plataforma de comunicação e de apoio aos museus da RPM, a Direção-Geral do Património Cultural - através do Departamento de Museus, Conservação e Credenciação (DMCC) e da Divisão de Museus e Credenciação (DMC) - procura incentivar o reforço da transversalidade de iniciativas e da comunicação entre os próprios museus da Rede e apoiar a formação, a informação / divulgação e a qualificação dos museus da RPM e, como legalmente lhe compete, assegura os procedimentos conducentes à credenciação de museus que pretendam vir a integrar a Rede Portuguesa de Museus.”

Porém, os museus de comunidade não podem deixar de considerar que em muitos pontos do país são, efetivamente, os instrumentos de salvaguarda que asseguram muitos pequenos, mas significativos, acervos que perfazem a identidade nacional sob o lema da diversidade na unidade? Independentemente dos meios de que dispõem, a prática demonstra essa realidade. Todavia, o acesso à credenciação contém requisitos difíceis de cumprir pela maioria dos museus de comunidade. Esta é uma constatação que as dificuldades dos museus tutelados pela DGPC mais aprofunda, como se verifica amiúde na Comunicação Social.

Todavia, com ou sem apoio direto da DGPC e da RPM, os acervos merecem cuidados. Há muitos métodos possíveis de organizar as coleções (a partir da componente documental prévia que as define no conjunto do acervo do museu) e, em consequência, proceder-se ao desenho e produção dos expositores. Convirá neste caso ouvir-se um carpinteiro e um

122 Entra nesta problemática a questão do design de móveis de museu. É da conceção geral do museu que deverá partir a decisão sobre que tipologia de expositores e vitrinas interessa aplicar. Um projeto detalhado sobre esta realidade é um bom começo de trabalho nesta difícil, mas decisiva intervenção. 123 No segundo caso poder-se-á solicitar uma consultoria especializada na matéria ou outra forma de análise das propostas da equipa. 124 Direção Geral do Património Cultural, em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/museus-e-monumentos/rede-portuguesa/

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Capítulo 11 - As coleções e sua exploração turístico-cultural

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serralheiro experientes porque das muitas ideias que vão surgindo há algumas que impõem limites pelo custo da conceção dos expositores ou por dificuldades técnicas de fabrico.

O ideal será, nesta fase, serem visitados uns quantos museus e, a partir daí, perceber-se como se organizam museograficamente e, se possível, com mais orientações de especialistas, adaptar esses conhecimentos à realidade que se está trabalhando. Neste caso, a integração em Rede de Museus de Comunidade, como propomos, poderá obviar a muitos contratempos e, assim mesmo, contribuir para reforçar o tecido museológico nacional.

O problema da grande maioria dos museus de iniciativa local, comunitários, decorre da falta de estruturas próprias para se candidatarem à rede, RPM. O processo exige um Procedimento de Candidatura125 em que há uma série de requisitos a satisfazer com documentação de prova, na forma de cópia, conforme segue: documento fundador; três fichas de inventário, incluindo registo fotográfico; normas e procedimentos de conservação preventiva adotadas pelo museu; registo atualizado dos níveis de humidade relativa efetuado por termohigrógrafo ou datalogger; duas fotos da última exposição realizada e respetivo catálogo (quando existente); relação do pessoal afeto ao museu no ano civil da apresentação da candidatura; orçamento anual do museu ou extrato do orçamento da entidade de que este depende referente ao seu funcionamento e atividades, em vigor no ano civil da apresentação da candidatura; plantas do museu.

Devem ser enviadas apenas e especificamente as plantas dos edifícios do museu, com discriminação e afetação dos espaços (à escala 1:100 ou 1:200); plano de atividades em vigor no ano civil da apresentação da candidatura; relatório anual de atividades referentes ao ano anterior ao da apresentação da candidatura; documento de enquadramento orgânico do museu; regulamento do museu.

Conseguir encontrar soluções para corresponderem a estes 11 requisitos, por parte de museus de comunidade, cujas estruturas são frágeis e não profissionalizadas, pese embora, realizem muito do serviço público em termos de culturas locais, é tarefa árdua e votada muitas vezes ao insucesso: a falta de meios financeiros e de recursos humanos qualificados inviabiliza, por vezes, soluções deste tipo.

Nesta linha de trabalho em que a ideia central será a de orientar o trabalho para o objetivo “credenciação” será relevante proceder-se à construção de uma espécie de anteprojeto onde se possam perceber as grandes linhas de pensamento sobre o futuro espaço a ser musealizado e a localização do mobiliário e demais apetrechos expositivos.

Como exercício simples e segundo o objetivo de credenciação, propomos o seguinte esquema de trabalho sequencial que poderá ser considerado como um Guião preliminar:

1. Esboço, ainda que simplificado, do Organigrama Funcional, tendo em conta o espólio reunido e o objetivo do futuro museu;

2. Observação e anotação do espaço destinado ao museu (anotar as medidas e as condições previstas de resposta desse espaço a uma proposta de musealização; ter em conta a utilização dos vários espaços, a sua subdivisão ou ampliação, etc.); ver espaços para peças e para circulação, para reservas, serviços técnicos, centro de documentação, serviços administrativos, sala de reuniões, oficinas, etc.

125 Disponível em http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/museus_e_monumentos/credenciacao_de_museus/credencia_rpm_museus.pdf

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3. Registo da ideia estruturante e das principais coleções do museu, de acordo com a sua especialidade e, bem assim, com anotação da exposição permanente e articulação com as capacidades de reunir e instalar os objetos num circuito racional e harmonioso. O conceito de cada museu deverá ser encontrado após um trabalho aturado sobre o «referencial teórico» que o sustenta. Um museu de comunidade costeira haverá de ter como seu referencial teórico a componente das artes da pesca e sua envolvente social, cultural, ambiental, tecnológica, religiosa, etc. Do mesmo modo, um museu de uma comunidade rural terá a ruralidade e as suas formas de expressão como referencial teórico que sustenta o seu programa. Todavia, em ambos os casos a questão da ligação tradição-contemporaneidade deverá estar, obrigatoriamente presente nessa visão teórica e sua consequência material.

4. Relacionamento do espaço disponível para exposição permanente e para os vários serviços de apoio.

5. Experimentação, em forma de maqueta ou através de um esboço de distribuição executado sobre a planta do espaço geral, de modo a tentar encontrar uma lógica de distribuição de peças e de circulação de pessoas e equipamentos móveis.

6. Decisão sobre o tipo de expositores a criar, forma de arrumação no espaço, forma de mobilidade das estruturas móveis (painéis, estantes, vitrinas, etc.,) e, muito importante, da forma de manutenção e limpeza das instalações. Distinguir os expositores de peças dos equipamentos multimédia e sistemas digitalizados que contribuem para enriquecer a experiência dos visitantes (financiamentos-protocolos-outras formas de aquisição destes equipamentos-ponderação sobre viabilidade de utilização das componentes digitais no museu…).

7. Para além disto há que pensar como se articulará a segurança no museu, equipamentos especiais como passagens para visitantes com incapacidade, organização de espaços para atividades com públicos variados, etc. Verificação com base nos normativos constantes das publicações da DGPC como apoios documentais a estas tarefas. Definição de métodos expeditos de conservação preventiva do espólio. Estudo sobre como integrar o sistema de monitorização mais adequado, caso a caso.

8. Organização espacial e da estrutura de funcionamento e da hierarquia/relação, entre espaços para alojamento de serviços complementares (para o melhor funcionamento com os meios disponíveis). Seguir, nas tomadas de decisão, a metodologia que propomos na figura seguinte:

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Figura 1 - Dinâmicas a observar em sede de Projeto Museológico. (Elaboração própria)

9. Como corolário desta temática, se for possível estabelecer dois níveis gerais de leitura às coleções esta será a condição ideal para a progressão em função dos segmentos eventuais de visitantes, nomeadamente relacionados com a visitação turística. Deste modo, uma leitura num nível de Divulgação e outra num nível de Aprofundamento poderão constituir uma boa estratégia. No primeiro nível estará a exposição corrente onde as peças são apresentadas de modo genérico e para um público o mais alargado possível; num segundo nível é importante remeter a leitura dessas peças para complementos informativos, pensando-se naqueles que demandam o museu tendo em conta aspetos relacionados com a investigação. Em condições específicas poder-se-ão explorar pelo menos 4 níveis de exploração dos acervos, usando o critério habilitação académica e caso existam recursos humanos que possam sustentar os mesmos: iniciação (até ao 4º ano); divulgação (até ao 9ºano); aprofundamento (até ao 12º); investigação (os 3 ciclos do ensino superior). Neste caso, a etiquetagem da peça exposta genericamente poderá remeter a uma consulta no Centro de Documentação, a partir da ficha que singulariza cada peça no contexto expositivo geral. Por exemplo, se se tratar de uma Pá de Valar, que tem um nº de ordem na coleção seguido de um nº atribuído a uma ficha técnica específica, poderemos consultar com maior detalhe este objeto e em qualquer um

ESTRUTURA DE VISITAÇÃO

&

OCUPAÇÃO GERAL DO ESPAÇO EXPOSITIVO

MAQUETA&

EXPOSITORES

-----

SEGURANÇA

&

SERVIÇOS COMPLEMENTARES

ORGANIGRAMA FUNCIONAL

&

ESPAÇO MUSEOGRÁFICO

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dos níveis de exploração. Cremos que esta solução é adequada num museu de pequena escala, na medida em que é possível identificar bem a peça e depois estudá-la de acordo com as bibliografias em que é apresentada e que estão depositadas e à consulta do visitante ou estudioso no espaço do Centro de Documentação.

Como pretendemos apresentar, esta metodologia de trabalho parece-nos fundamental para a criação de novo conhecimento no museu: a partir do estudo de peças em exposição ou em reserva poder-se-á criar um ciclo de produções bibliográficas regulares onde o material estudado possa ver a luz da publicação. A relevância dos museus de comunidade resultará da sua capacidade para criarem valor, porque essa produção sob Projeto Museológico de cada caso específico significa a sua capacidade concreta na defesa e valorização do património cultural local e regional.

11.3 Síntese • A pesquisa sobre os principais sistemas de arrumação das coleções deverá ser

realizada e com especial atenção à atualização bibliográfica e de casos práticos. • A revisão de literatura sobre as “boas práticas” é de especial recomendação. • Cada caso é um caso e nos museus de comunidade existe toda uma série de

variáveis em que, por exemplo, a “cultura museológica local” tem impacto tanto na programação de iniciativas, quanto nos resultados materiais e imateriais.

• Todavia, a integração técnica e científica são fatores de credenciação que devem estar sempre presentes nos trabalhos levados a cabo pelos museus de comunidade: esta é uma espécie de propedêutica para o caminho da integração institucional na RPM.

11.4 Sugestões de leitura BELCHER, Michael, (1997), Organización y diseño de exposiciones – Su relación con el museo, Gijón, Ediciones Trea, S.L.

(Trata-se de uma obra que consideramos indispensável nesta matéria. Constituída em cinco partes, a saber: “El encuentro entre el museo y el público; Las exposiciones en el museo: su función comunicativa, sus formas y sus classes; Plan de exposiciones, programa y proyecto; El ámbito de la exposición; El visitante del museo y la efectividad de la exposición”, organiza uma série de reflexões e apresenta experiências interessantes. Como informa a introdução “Lo que este libro pretende es ser una introducción a los distintos factores presentes en la exposición y, así mismo, em él se quieren reunir aquellos aspectos que podrían considerarse como conocimientos básicos para quienes presentan y organizan las exposiciones.”, p.11. Como explica o autor há uma série de questões que se interligam na questão expositiva do museu. Estas poder-se-ão elencar em: natureza da relação do museu com os meios de comunicação; classes e modelos de materiais que se pretendem difundir; a identificação do público com o que o museu pretende comunicar; os níveis em que se deverá estabelecer a comunicação do museu com os seus públicos vários; as formas de comunicação escolhidas e as suas linguagens específicas; a imagem de marca que o museu quer transmitir e a importância do desenho associado a essa marca e mensagem; os recursos existentes e as prioridades que se têm que definir. Esta como outras matérias são detalhadas ao longo do

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trabalho permitindo ao estudioso aproveitar algumas das indicações contidas neste texto para aplicação no museu de que é responsável. Nas conclusões é referido que “Las soluciones al proyeto de insertarse necesariamente en una o más de las tres principales clases de exposición: emotiva (incluyendo la estética y la evocadora), didáctica y de entretenimiento.”, p.256. Obra recomendada pelos seus conteúdos e pala forma simples e objetiva como trata os assuntos que se relacionam com a organização expositiva do museu.)

MATOS, Alexandre, (2011), A importância da documentação e gestão das colecções na qualidade e certificação dos Museus, in Ensaios e Práticas em Museologia, Alice Semedo; Patrícia Costa (Org.), Porto: Universidade do Porto / Faculdade de Letras / Departamento de Ciências e Técnicas do Património, pp. 6-22, http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/8932.pdf

(Este texto, fazendo parte de uma obra dedicada à Museologia, é de grande importância para a documentação necessária à criação de coleções. Para os museus de comunidade pode significar um apoio oportuno na esteira do trabalho que se segue à recolha de objetos que vão constituir o acervo de cada museu. Como o Autor refere, na p. 7: “Os museus, que precisam de tornar mais eficaz e simples o trabalho de registo e inventário das suas colecções, pelo menos numa fase inicial, tendem a procurar soluções ao menor custo possível.” Este aviso serve de motivação para que a normalização passe a ser um valor e uma prática nos museus de comunidade que, seguindo as indicações deste e de outros textos inseridos no nosso trabalho, ganharão maior notoriedade e cumprirão melhor os objetivos museológicos que perseguem. Como também é comentado face a dificuldades de trabalho em muitos dos museus nacionais, afirma-se na p. 14 que: “De qualquer modo, sublinhamos, a base do sucesso e sustentabilidade prática de um processo de informatização das colecções depende quase exclusivamente da utilização de normas na construção de um sistema, seja ele um produto comercial ou desenvolvido por técnicos do museu. Para tal é essencial que os museus disponham de um conjunto de critérios nos quais possam confiar e sustentar a opção que tomarem na aquisição ou construção do sistema que irão utilizar.” Ora, são os critérios que importa relevar e, estes, deverão fazer parte do referencial teórico do museu como também propomos na nossa abordagem. Para finalizar este texto, na p. 21 lemos: “Em Portugal, continuam a não existir documentos normativos na área da gestão do património cultural, o que, na nossa opinião, justifica a reduzida percentagem de museus com a documentação de colecções concluída. Mantendo-se o problema, é nossa obrigação manter também o espírito crítico e os alertas que temos vindo constantemente a fazer sobre este assunto nos diversos fóruns em que participamos. Na nossa opinião importa que se siga o exemplo de outros países, constituindo-se centros de debate e produção normativa.” Subscrevemos e recomendamos.)

GONÇALVES, Alexandra Rodrigues, (2009), O museu como pólo de atracção turística, revista exedra, nº temático, Turismo, p. 77-118, http://www.exedrajournal.com/docs/S-tur/05-alexandra++118.pdf

(Trata-se de um trabalho académico que, originado do lado do Turismo, confronta o lado da Cultura e dos Museus no que importa como criação de novo conhecimento útil ao crescimento sustentado do turismo cultural. Como refere a Autora, na p. 84: “É expectável que a integração com sucesso do desenvolvimento turístico numa comunidade dê melhores resultados do que a imposição do turismo como modelo de desenvolvimento de forma não relacionada. Os residentes são parte do produto turístico e o facto de se apelar à participação da comunidade local no projecto de desenvolvimento turístico contribui para uma redução dos impactes negativos (Timothy e Boyd, 2003). O envolvimento dos residentes no planeamento

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dá às comunidades a oportunidade de participar na forma como o seu património cultural é protegido e mostrado aos turistas. O que por sua vez, pode contribuir para o aumento do orgulho e sentimento de pertença (McArthur e Hall, 1993).” A sensibilidade que sustenta esta afirmação e o conhecimento do terreno (comum aos promotores dos museus de comunidade) animam esta ideia de integração do Turismo com o Museu. Por outro lado, o foco no potencial dos residentes e a participação dos mesmos é francamente positiva para minimizar os impactos negativos, bem como para criar melhores ambientes de relação Visitados-Visitantes. Este é um eixo que na perspetiva da Autora se expressa na p. 86 do seguinte modo: “As comunidades desejam desenvolver o turismo, mas também proteger a sua privacidade, e preocupam-se com os efeitos que o turismo pode trazer, pelo que apontam como fundamental que se: estabeleçam as necessidades, os interesses e aspirações da comunidade local na fase de pré-planeamento; tenham em consideração as sensibilidades culturais ou religiosas associadas ao uso e apresentação do local patrimonial; identifiquem e consultem os líderes da comunidade local; apresente a perspectiva da comunidade local; analisem formas da população local ter um papel activo na gestão e operação da atracção turística (“os amigos do património”; acções de voluntariado; “story telling”; visitas guiadas; entre outros); procurem maximizar os benefícios para a comunidade local e reduzir ou evitar os impactes negativos (AHC, 2004).” O envolvimento das Pessoas nas Organizações e uma visão partilhada para o desenvolvimento sustentável dos Territórios é, no fim de contas, a proposta que nos é dada a compreender, e por isso também fica dito na p. 90 que: ”Admite-se que não é fácil introduzir e aplicar os conceitos e os modelos dos negócios lucrativos, no sector dos museus, e que poderão resultar daqui alguns pontos de conflito com o turismo. Contudo, o museu que no futuro deseje desenvolver uma programação que obedeça a padrões de qualidade e ombrear com outras ofertas de lazer terá que promover uma análise: do mercado; da concorrência; do consumidor; e dos canais de distribuição (Weil, 2002).” Entre a proposta que fazemos do tal “rendimento mínimo museológico garantido” e esta visão realista sobre a captação de receita, manifesta-se, a nosso ver, um realismo que deverá ser considerado na discussão sobre o papel do museu na sua envolvente global. A fechar queremos citar uma observação muito relevante que na p.112 nos centra na questão museológica e sua envolvente, quer global, quer local: “Os museus enfrentam assim vários desafios, centrando-se esta análise na capacidade de atrair mais visitantes, que passará pela adopção de uma gestão estratégica mais orientada para o mercado e para as suas necessidades, para manter a sua viabilidade financeira, e em simultâneo cumprir com a sua função social, de instituições públicas. Porém, verifica-se que existe um conhecimento muito incipiente do uso potencial dos museus pelo turismo, e vice-versa, mas já se identificam benefícios claros que podem resultar do desenvolvimento do turismo cultural associado aos museus. O museu do futuro deve ser um espaço de reflexão, que se auto questiona permanentemente e que por isso acompanha as dinâmicas do seu território e da sua comunidade, tendo noção das suas limitações. Utilizando as palavras de um dos entrevistados acrescenta-se, que o museu ideal se apresenta como aquele que “se abre a 360º graus sobre o seu território”. Como se demonstrou nesta breve recensão este é um texto incontornável para os museus de comunidade que, observando o caso dos museus do Algarve, significa um grande apoio para o referencial teórico de cada museu local que queira estabelecer o seu conhecimento museológico a partir deste estudo de caso com matéria qualitativa e quantitativa de grande qualidade. Recomendado.)

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Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano

museográfico possível

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Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano museográfico possível

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12.1 Introdução O cuidado colocado na distribuição das coleções tem que ser compaginado com o referencial teórico (que trata do conceito de museu que os seus promotores entendem defender e estruturar sob efeitos práticos, construídos). A lógica de trabalho tem que ser realisticamente desenvolvida. As instalações a adaptar devem sê-lo segundo um referencial de refuncionalização para uma museologia de compromisso com a função social do museu, num sentido lato, e não apenas para uma exposição permanente.

Narrativas coerentes com mobiliário adequado a cada coleção implicam o estudo da arquitetura e, nela, dos percursos de visitação possíveis dentro do plano físico de cada edificado. Assim, há que perceber que condicionantes e que elementos propiciadores se ajustam para que o plano de visitas seja rico de conteúdos e capacitado para proporcionar experiências aos visitantes, mantendo os níveis de segurança e conforto que também tornam um museu atrativo.

O facto de haver muita informação sobre os museus mais paradigmáticos de uma museologia de Estado, de uma museologia de Empresas e de uma museologia Associativa (onde cabem muitos dos museus de comunidade) e até de uma museologia de Personalidades (museus de um único promotor criando o seu «museu», realidade que no interior do país tem alguma expressão material), permite perceber esse amplo universo e acautelar erros.

Nesta lógica, a elaboração do plano museográfico deverá refletir a museologia que é específica a cada museu? Sem dúvida, porque materializa essa conceção museológica e, ao mesmo tempo, ilustra e compõe a imagem de marca de cada entidade museológica. Verificar casos nacionais e internacionais é um bom exercício.126 Há uma série de iniciativas que sendo conhecidas poderão contribuir para uma maior cultura museológica desejável para o país e particularmente útil para os promotores de museus locais.

12.2 Arquitetura e condicionantes Um museu é sempre preparado para servir uma função social que se reparte entre o seu papel de representante cultural de uma comunidade, ao mesmo tempo que desempenha um papel determinante na educação e formação de cidadãos. Esta é uma lógica de base. Também a distribuição das coleções pelo espaço que está definido para exposição deverá obedecer a critérios lógicos.

O referencial teórico de cada museu é crítico pelo que simboliza de conceito e sua concretização museográfica. Nesta distribuição devemos estar atentos à arquitetura do museu e às condições que se deverão observar no tocante ao desenho dos expositores, tudo isto devidamente ponderado em equipa para podermos realizar uma museografia atraente. O papel do Museólogo é, nesta matéria, muito relevante.

126 Existem sítios interessantes, tais como: https://www.comunidadeculturaearte.com/estes-sao-os-museus-mais-visitados-do-mundo/, que se explica como segue: “Sobre a Comunidade Cultura e Arte-A Comunidade Cultura e Arte tem como principal missão popularizar e homenagear a Cultura e a Arte em todas as suas vertentes. A Comunidade Cultura e Arte procura informação actual, rigorosa, isenta, independente de poderes políticos ou particulares, e com orientação criativa para os leitores.”; https://nomundodosmuseus.hypotheses.org/ de Ana Carvalho, citado neste trabalho; O sítio “Museus Portugal” que se apresenta: “Museus Portugal é uma iniciativa aberta a organizações com actividades no domínio da museologia e seus profissionais, que tem por principal objectivo contribuir para uma plena e eficaz integração dos museus portugueses na Sociedade da Informação”, em http://museusportugal.org/, é outra fonte de informação e interação a considerar.

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Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano museográfico possível

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A preocupação de natureza informativa sobre cada peça para ser devidamente contemplada exige um planeamento adequado, caso a caso: ao elaborar-se um Guião de Visita concreto, que propõe uma determinada forma de explorar o museu e indica ao visitante as informações mais relevantes sobre a coleção e cada uma das peças expostas, realiza-se serviço público.

Assim consideremos que temos o Guião de Visita em dois patamares paralelos: a visita física e a visita descritiva em suporte de papel ou multimédia.127 A capacidade de um museu para proporcionar serviços adequados a esta dupla necessidade distingue-o de entre os demais na sua categoria? Quem visita museus com alguma assiduidade, sabe que sim.

Porém esta questão implica pensar sempre que cada caso é um caso, ou seja, não bastará copiar o que se viu noutro museu congénere para termos a garantia de que no museu que se está criando tudo funcionará como naquele que nos possa inspirar como modelo.

Dessa inspiração não virá mal ao mundo se ela servir como meio e não como fim do nosso trabalho. Por isso é importante relembrar que:

I) É geralmente o tema geral do museu que dá o mote à forma como nós podemos desenvolver o percurso de exposição das várias coleções, podendo criar-se um percurso expositivo, onde cada coleção tem um papel de detalhe para a compreensão do assunto geral tratado pelo museu. 128

Poderá, por exemplo, e num museu etnográfico relacionado com a cestaria, apresentarem-se coleções tais como:

1. “A matéria – prima” onde se apresentam os vimes, sua forma de crescimento na natureza, forma de apanha do material, etc.

2. “A preparação do material” com exposição onde se percebam as ferramentas utilizadas e os modos como se prepara esse material para a produção de cestaria.

3. “A cestaria – técnicas de construção” com exposição dos principais aspetos de trabalho.

4. “Cestos e outros recipientes” com alusão aos produtos fabricados, com explicação das técnicas de trabalho do cesteiro em sentido genérico.

5. “Segredos de ofício- produção de um cesto” aqui poderá ser explicado com maior detalhe todo o processo de fabrico deste objeto desde a armação inicial dos vimes até aos acabamentos que são dados a cada peça produzida.

6. “Cestaria utilitária” onde são expostos os objetos mais marcantes deste tipo utilitário da cestaria (trabalhos do campo/de mercearias/ de fábricas/ de lagares/ etc.).

127 O Guião de Visita permite a exploração que investe tempo e dinheiro. O museu, se cobrar entrada deverá criar condições de efetiva qualidade profissional, desde a prestação do pessoal ao serviço, até à qualidade dos produtos vendidos na Loja do Museu, porque isso tem muita importância para a imagem do museu no exterior. 128 Neste detalhe, há três valores presentes na “arrumação” do museu: o valor da cenografia na organização da cena museológica; o valor da museografia mais acertada aos objetos; o valor da expografia, como técnica de apresentação e de comunicação com o espetador. O visitante quer compreender a peça não apenas do seu ponto de vista estético e artístico, mas também de outros detalhes.

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Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano museográfico possível

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7. “Cestaria decorativa” com indicação da cestaria dedicada a objetos de adorno e ornamentações onde a cestaria está presente.

8. “História local da cestaria” com recurso à utilização de peças produzidas localmente e a referências documentais onde se perceba a importância sócio - cultural e económica desta arte local.

9. “História universal da cestaria” com referência aos grandes momentos desta arte de cesteiro vista numa panorâmica mundial.

10. “Cesteiros- Vidas das Artes e Ofícios” com referência aos principais artesãos locais contendo um pouco da sua história de vida e objetos produzidos, além das suas técnicas de trabalho mais pessoais.

11. “Cestaria e design contemporâneo” onde se possa apreender a lição milenar de entrelaçar vimes e, no mesmo registo, as inovações formais e tecnológicas que na atualidade podem ser aplicadas sobre este material tão antigo do ponto de vista de utilização humana.

II) Como decorre do exemplo anterior, nesta organização podem ser criadas outras coleções que, a partir do tema cestaria, podem ter uma vocação pedagógica, por exemplo no domínio da biologia (caraterização das plantas que produzem os vimes); no domínio da matemática (volumes e medidas de capacidade dos cestos e outros artefactos em cestaria); no domínio da geografia (mapas detalhados das zonas de produção regional ou nacional); e muitas outras possibilidades de organizar um percurso expositivo de onde se possam extrair vários conhecimentos locais e gerais.

No que diz respeito aos públicos escolares, a opção por criar coleções desta natureza reforça o impacto do museu numa dimensão educativa. É também possível criar-se uma ou mais exposições temporárias sobre o tema da cestaria, tendo em conta que estas exposições permitem reunir objetos, elaborar estudos pontuais sobre esta realidade patrimonial e, assim, cumprir os objetivos de estudo e divulgação que, entre outros, fazem parte das atribuições funcionais de qualquer museu.

O conhecimento adquirido com estas exposições é também algo de inovador que se poderá reunir a partir deste processo de encarar as coleções como elementos multiplicadores de ações tornando o museu mais interessante e útil à comunidade envolvente. A ligação destes estudos e, por exemplo, a elaboração de um Catálogo alusivo a cada exposição contribuem para reforçar o papel do Centro de Documentação.

12.3 A exposição permanente A exposição permanente deverá ser organizada de acordo com o tema geral do museu. É o «coração» de cada Projeto Museológico e suscita um Projeto Museográfico que expõe cada museu à exploração dos seus públicos. Se se trata de um museu dedicado à olaria é evidente que esta arte deverá poder estar representada desde a matéria-prima, passando pelos modos de produção e terminando nos objetos produzidos. A noção de Design em olaria dará uma nota de contemporaneidade que poderá suscitar maior atratividade.

Esta exposição central é a mostra principal do museu. Por isso, deverá obedecer aos tais critérios de que já falámos antes. Para se poder criar um ambiente agradável dever-se-á

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Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano museográfico possível

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evitar criar espaços muito apertados entre painéis e vitrinas ou estrados e outros suportes, onde expomos as coleções constituídas por um determinado número de peças.

1) A distribuição equilibrada das coleções no espaço disponível para a exposição permanente é caso muito sensível na gestão do museu. Este aspeto é muito importante porque não é expondo muitas peças que se consegue atingir o objetivo de construir uma exposição permanente com significado: esta deverá dar-nos uma imagem de conjunto de todo o acervo que o museu pode apresentar e uma ideia homogénea da sua comunicação para os visitantes. Também as preocupações de higiene e segurança condicionam o desenho da exposição permanente e deverão constituir uma preocupação constante.129

Se, por exemplo, temos duas peças muito semelhantes e, por vezes, com a mesma utilidade prática, poderemos deixar apenas uma delas na exposição permanente. As restantes peças vão para as Reservas para utilização posterior.

As coleções deverão ser devidamente identificadas. Cada painel poderá ostentar um título caracterizando a coleção no seu todo. Depois será de todo o interesse identificar cada uma das peças expostas. Será o bom senso a determinar qual o melhor método para se resolver este problema.

A abordagem física aos expositores, tenham eles a forma que tiverem, deverá ser tida em conta não apenas para todos os cidadãos, tendo em conta que os deficientes motores, auditivos e com outras patologias de foro físico ou psicológico têm direito ao acesso em melhores condições possíveis.

2) A elaboração de um Catálogo do Museu, tendo em conta o acervo e a Exposição Permanente é de grande utilidade científica e, também, orientada à comunicação com os públicos. Desde logo, significa um aproveitamento didático e pedagógico do acervo. Depois, porque ao realizar-se o catálogo se dinamiza e potencia o valor intrínseco do inventário com tudo o que isso significa de ampliação de conhecimento geral e específico sobre os objetos que constituem esse acervo. Por último e não menos importante, porque podemos disponibilizar o espaço do museu para trabalhos de investigação, nomeadamente no domínio da antropologia cultural, etnologia, salvaguarda do património cultural, conservação e restauro do património etnográfico, etc., etc., numa envolvente credibilizada pelo trabalho técnico e científico.

Anexa a esta questão poderá estar uma iniciativa altamente positiva que poderá dar pelo nome de Peça do Mês, que consiste em eleger-se uma peça do acervo com destaque mensal dentro deste contexto da Exposição Permanente. Esta iniciativa, praticada por muitos museus, consistirá em apresentar-se uma determinada peça, em cada mês, a ser explorada pelo visitante de modo mais detalhado. Por detrás desta iniciativa estará um estudo mais detalhado sobre essa peça, constituindo-se um dossiê que será muito útil no futuro, por exemplo, para o trabalho de investigadores, estudantes em estágio, etc.

12.4 As exposições temporárias As exposições temporárias são de extrema importância num museu. São elas que, muitas vezes, fazem com que muitos visitantes voltem ao museu. São organizadas tendo em vista

129 Inserido no capítulo próprio.

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Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano museográfico possível

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utilizarem-se as peças e as coleções existentes no museu para a sua divulgação tentando com isso atrair mais público e, com esse pretexto (muito útil), poder-se estudar essas peças e organizar um pequeno catálogo.

A ligação da imagem fixa, do objeto, do som e da explicação guiada são componentes que para grupos visitantes poderão constituir-se como elementos de diferenciação da oferta museal, com óbvias vantagens pedagógicas e até económicas. Um visitante satisfeito numa visita “sensitiva” a um museu dá por bem empregue o preço do seu ingresso.

1) Se, por exemplo, se organizarem duas exposições temporárias por cada ano são dois temas, são duas coleções ou são uma série de peças que ficam devidamente estudadas e arrumadas com maior precisão. Isso acontece porque a organização de uma exposição temporária permite realizar trabalho interno, ao mesmo tempo que se trabalha para o exterior e em rede. Qualquer exposição temporária poderá ser organizada como segue:

1. Definição do tema da exposição

(Convirá definir-se um tema que tenha atualidade e que permita realizar uma boa exposição: não esquecer que mostramos e participamos no esforço pedagógico, especialmente no domínio do público escolar.)

2. Escolha das peças que irão entrar nessa exposição

(Nesta escolha será importante criar um método que seja percebido por todos e é importante que se criem condições para que o tema proposto seja ilustrado com as peças escolhidas, mas devidamente estudadas.)

3. Estudo de cada uma das peças e registo desse estudo

(Fornecerá indicações para o catálogo a elaborar posteriormente: neste estudo há que inserir cada peça num contexto explicativo da sua função, explicar-se para que servia e que importância tinha, de que materiais era feita e quem a produziu, etc., etc.)

4. Conservação e limpeza das peças

(É importante que a peça seja exposta em devidas condições de conservação, limpa de pó ou outras impurezas. Pode-se aproveitar esta oportunidade para se proceder a cuidados conservativos sempre com materiais adequados e com o auxílio de especialistas no domínio da conservação e restauro. Ainda há poucos anos vimos peças de etnografia “conservadas em óleo queimado” porque o colecionador dessas peças acreditava ser o melhor método para a sua conservação e para as proteger do “bicho”, como referia. Essa atitude é errada porque existem problemas quando as peças são mal conservadas e que podem, inclusivamente, levar até ao seu colapso. Por isso insistimos na necessidade de serem feitas intervenções por pessoal qualificado. Já começa a ser habitual encontrarem-se profissionais deste setor tanto em oficinas privadas como em serviços municipalizados. A existência de um protocolo com este propósito, por exemplo com a Câmara Municipal local, poderá ser de uma oportunidade interessante nesta matéria.)

5. Elaboração de Ficha Descritiva da peça (esta Ficha poderá estar exposta na exposição temática temporária)

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Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano museográfico possível

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(Cada peça receberá uma atenção especial e assim serão anotadas determinadas caraterísticas da peça, com vista a serem dados importantes do inventário. Não esqueçamos aqui a proposta do Museu Nacional de Etnologia que deverá ser seguida, conforme se explica na bibliografia respeitante ao inventário da alfaia agrícola. Este aspeto não invalida a criação de uma Base de Dados própria do museu se não for possível ter acesso, como geralmente os museus privados não têm, ao programa Matriz do Instituto Português de Museus.)

6. Etiquetagem das peças da exposição temporária com nome, proveniência e outros dados que serão relevantes para o público

(Neste caso deverá ser anotado o nome por que é conhecida a peça (e se houver vários nomes deverão ser todos anotados), e restantes dados. É muito importante para os públicos visitantes poderem estabelecer um diálogo com as peças e esse diálogo é muitas vezes conseguido através da interpretação dos textos resumidos da etiquetagem expositiva.)

7. Adaptação das peças aos expositores da exposição temporária

(Trata-se de desenhar e conceber estruturas expositivas onde se possa tirar o maior partido possível de cada uma das peças. Por exemplo, se um serrote for exposto como se estivesse a cortar um pequeno tronco e o expositor for adequado a esta encenação, mais facilmente o público perceberá a sua função. Se, por exemplo, para uma exposição temporária dedicada à arquitetura popular local existir a possibilidade de apresentar uma pequena maqueta ou um pormenor construtivo, por exemplo o aparelho de uma parede em tijolo de dois furos, que já não se utiliza hoje, ficamos a poder observar melhor como esse tipo de construção se realizava, em concreto. Se a tudo isto juntarmos imagens complementares, mediante a utilização de desenhos ou fotografias antigas, o papel das peças e das imagens serve-nos para elaborarmos uma mensagem que toda a gente possa perceber, apreciar e retirar informação e prazer desse contacto.)

8. Organização do espaço expositivo e sinalização da exposição

(A organização da exposição temporária deverá decorrer num espaço anteriormente poupado à colocação de peças da exposição permanente, e, portanto, preparado com este fim específico. Assim, podemos reservar este espaço organizando-o para esta exposição e outras que se ache conveniente fazer. Este espaço é também muito útil porque se tivermos apenas uma exposição permanente as pessoas não voltam ao museu depois de visitarem essa exposição permanente. A exposição temporária tem por finalidade, entre outras, atrair as pessoas que já conhecem o museu e contribuir para criar novos públicos que, por exemplo, vão ao museu com base na atração que uma exposição temporária devidamente anunciada pode motivar neles.)

9. Organização do catálogo

(A organização de um pequeno catálogo, mesmo com meios muito rudimentares é muito útil. Não havendo a possibilidade de fazer um catálogo impresso numa tipografia há que encontrar outras soluções. Podemos, por exemplo, fazer o trabalho de edição do catálogo numa versão em computador e fazer uma impressão em folhas de formato normal (A4) que, depois de devidamente organizadas, se podem tornar num catálogo atrativo, útil e bastante necessário no futuro, como material de estudo

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para quem tiver que fazer investigação sobre temáticas que tenham sido apresentadas no museu na forma de exposições temáticas.)

10. Contacto com a imprensa e demais comunicação social

(Um dos aspetos mais importantes é avançar-se para a divulgação do museu junto da comunicação social. A imprensa regional é, por sistema, uma grande aliada das iniciativas cívicas, como são as iniciativas propostas por museus e outras associações culturais. Este é um campo que deverá ser bem explorado porque tem um potencial de reforço ao trabalho do museu, que se deverá evidenciar. Por exemplo, a marcação de conferências de imprensa sempre que exista um acontecimento no museu com uma expressão regional ou nacional é uma boa estratégia. Quando se trata de inaugurações de exposições temáticas temporárias ou outro tipo de acontecimentos com uma expressão local há sempre a possibilidade de um determinado jornal local relatar essas iniciativas do museu. Terá que existir sensibilidade para se saber quando é oportuno, por exemplo, enviar-se uma nota de imprensa por correio eletrónico para as redações dos jornais, redes sociais e plataformas como a do “porto dos museus”130 de inestimável apoio à publicitação de iniciativas museológicas num contexto tanto global e europeu, quanto nacional, regional e local.)

11. Organização dos convites e seu envio

(Este é um aspeto muito importante. As autoridades civis, militares e religiosas, fazendo parte da representação da sociedade local, deverão receber sempre um convite para quaisquer iniciativas públicas realizadas no museu. Depois será sempre útil manter um ficheiro atualizado com velhos e novos contactos. Neste aspeto interessará manter as pessoas informadas do Plano Anual de Atividades, porque assim o museu dá uma ideia muito concreta sobre o planeamento das suas atividades e isso funciona como publicidade exterior à sua ação.)

12. Abertura da exposição

(A abertura da exposição é um momento importante na vida do museu. Como culminar de esforços para levar a cabo uma mostra, este momento poderá significar um balanço sobre um percurso feito. É sempre importante pensar-se numa pequena cerimónia de abertura, de preferência com discursos muito curtos, uma vez que é hábito convidar-se gente de várias proveniências e posicionamentos na comunidade, desde as entidades administrativas e políticas até ao cidadão mais anónimo. Assim, é importante preparar-se um pequeno protocolo, ou seja, uma forma de, com dignidade e com alegria, abrir-se um presente (a exposição), para deleite de todos quantos vão ao museu. Por isso, a hora de abertura de qualquer exposição deverá ser respeitada, uma vez que os convites indicavam a hora de abertura da exposição. Por outro lado, é importante que, no grupo do museu, se destaquem as pessoas que irão organizar esse evento protocolar. Terá que haver uma boa coordenação nesta matéria para se saber quem se senta, por exemplo, numa mesa de um auditório, se for o caso, ou quem fala primeiro, quem se segue e quem encerra a cerimónia de abertura. Geralmente e um pouco antes de se iniciar a pequena cerimónia há um elemento que toma nota das individualidades presentes e organiza o esquema de

130 Disponível em http://www.pportodosmuseus.pt/

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como se sentarão na mesa e de quem abre e de quem fecha. Vejamos outros exemplos:

1. EXPOSIÇÃO DE ARTE

Muitos museus de comunidade são uma espécie de repositório sobre as iniciativas que a comunidade expressa culturalmente. Por isso, as iniciativas que caibam na programação de atividades de natureza cultural, na sua máxima afirmação e diversidade, são importantes. Cada iniciativa é uma oportunidade para a socialização da comunidade e, nessa circunstância, da relação interna e da relação com visitantes atraídos a cada lugar onde acontecem eventos. As exposições de Arte e de Artesanato, Feiras do Livro, Seminários temáticos, etc., são oportunidades que, caso a caso, poderão contribuir para reforçar a função social de cada museu. Assim, numa exposição de Arte temos diversos atores em presença:

- Artista;

- Curadoria da Exposição;

- Presidência de Junta de Freguesia ou de União de Freguesias;

- Vereação e/ou Presidência de Câmara ou da Assembleia Municipal;

- Presidência de Associação de Defesa do Património;

- Direção do Museu;

- Representante de Escolas e/ou Agrupamento de Escolas;

- Representação de confissão religiosa, se for caso;

- Representação de Empresas e Empresas;

- Órgãos da Comunicação Social tradicional e digitalizada (blogues, por exemplo);

- Outras quaisquer Personalidades e Organizações relacionadas com o tema da exposição (no caso, por exemplo, um Crítico de Arte).

Na inauguração do evento e do ponto de vista de ordem de entrada na comunicação oral, nessa cerimónia poderíamos ter:

Abertura feita pela Presidência da Associação de Defesa do Património

Direção do Museu

Presidência de Freguesia e/ou União de Freguesias

Representação Municipal

Personalidade convidada para apresentação da Exposição (Crítico de Arte ou outra opção)

Artista

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Curador(a) da Exposição que encerrará a cerimónia de boas vindas e dará indicações sobre os passos seguintes a observar por todos os presentes para a melhor fruição e participação no evento.

2. COLÓQUIO/CONFERÊNCIA

A realização deste tipo de eventos serve para consolidar o trabalho que se vai realizando e para cimentar as relações do museu com a sua envolvente social, académica, cultural, desportiva e produtiva. As Escolas (de todos os ciclos de Ensino, desde o Básico até ao Superior) constituem-se no grande espaço de trabalho neste domínio.

Também as restantes organizações sociais e associativas, culturais de gestão pública e privada, desportivas (nomeadamente locais), empresas e todas as restantes organizações que têm atuação no território de influência do museu, devem sentir-se identificadas com o mesmo. A identidade que cimenta estes distintos campos precisa de um foco partilhável segundo os interesses de cada elemento que o alimenta: o museu poderá ser um desses focos.

Num Seminário ou Colóquio ou Conferência aparece claramente um “Tema” a ser tratado por “Especialistas” e com um “Objetivo” bem definido. Pretende-se acrescentar Valor ao museu, e nos museus de comunidade esta questão é fundamental. De facto, se as propostas de cada museu não forem ao encontro das necessidades socialmente sentidas da comunidade residente e das suas lideranças de atividades, desde as que se posicionam no ensino e na produção de bens e de serviços até outras áreas, podem estagnar e, até, desaparecer enquanto tal.

Momentos e protagonistas:

Abertura- uma mesa com os responsáveis principais e com apresentação dos objetivos com divulgação das atividades previstas;

Desenvolvimento – cumprimento do programa previamente desenhado e cronometrado por sessão, por comunicação e por painel, com o recurso a um Moderador e respetivos Conferencistas;

• Exploração pedagógica e animação cultural na exposição: considerando-se que a função deste tipo de eventos é a de criar condições para troca de pontos de vista e de conteúdos e práticas no domínio temático escolhido.

• Arquivo dos dados para o Centro de Documentação: os materiais que foram trabalhados no evento deverão integrar-se como fontes de informação e de estudo para quem necessite dos dados produzidos em cada evento desta natureza.

A realização de atividades que acrescentem valor tanto ao nível da investigação e divulgação, bem como de afirmação do museu também como produtor de novo conhecimento, é uma via que importa considerar-se.131 A falta de quadros

131 A dissertação de Mestrado em Desenvolvimento de Produtos de turismo Cultural do Instituto Politécnico de Tomar, “Museus de comunidade e experiência turística cultural e criativa: o caso do Museu

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especializados por ausência de Quadro de Pessoal é muitas vezes compensada com estes encontros de natureza científica.

A relação do museu com a envolvente institucional, académica e empresarial é decisiva nesta matéria. Quando o museu concede Estágios, mormente no domínio do Ensino Superior e Ensino Profissional, está a dar um passo decisivo para a sua qualificação.

A evolução para a integração na Rede Portuguesa de Museus que reclama, todavia, requisitos difíceis de satisfazer em muitos museus de comunidade poderá significar, para muitos outros, uma efetiva vontade de qualificação e procura de natureza funcional concordante com apostas em cumprir os pressupostos da credenciação?

Acreditamos que este cenário positivo possa acontecer em museus de comunidade. Porém, o trabalho de criação de valor em eventos de natureza científica é uma das condições, a nosso ver, para se atingir esse desiderato institucional de pertença plena à RPM. A constituição de uma Rede de Museus de Comunidade é, entretanto, uma passo que acrescenta valor à linha de integração que defendemos.

12.5 A interpretação no museu Um dos focos mais importantes num qualquer museu é o que trata da exploração do seu acervo e do que se pode explorar em concordância com os nossos interesses quando entramos, percorremos e fruímos das exposições que nos são oferecidas.

É por isso que a interpretação se torna um fator muito relevante do papel do museu ao mostrar e descrever as suas peças, o seu valor histórico e o seu valor na contemporaneidade. Há linhas a que teremos que atender em termos de gestão de museus nesta dimensão do seu serviço:

1) O público visitante deverá ser ajudado nessa interpretação. Assim deverá haver o cuidado de utilizar painéis explicativos adicionais às peças expostas que, colocadas de certo modo, completam a informação dada pelos objetos.

A complementaridade entre estes painéis e as peças que eles ilustram deverá ser conseguida segundo critérios muito claros.

Agrícola de Riachos” de Sílvia Filipa da Conceição Marques, de 2014, constituiu um avanço no processo de credenciação do MAR, sustentado em investigação científica, no caso. No Resumo explicita a Autora que: “Englobado na Economia da Cultura, o Museu de Comunidade constitui uma tipologia de museu única e complexa, que se define por um lado na sua relação de proximidade com a comunidade, e por outro, como instituição museológica. A compreensão deste conceito permite perceber a forma como este tipo de museu se articula não só com a própria comunidade, mas também com os seus públicos, nomeadamente os seus públicos turistas, provenientes do segmento turístico-cultural e criativo. São objetivos principais deste trabalho analisar a relação estabelecida entre Museus de Comunidade e Turismo Cultural e Criativo, procurando numa primeira fase definir os conceitos em estudo, e numa segunda fase relacionar as variáveis em discussão. Dentro desta relação procura-se compreender se a experiência turística, com a sua individualização e fruto do desenvolvimento das indústrias criativas e da ascensão do turismo criativo, pode ou não desenvolver-se enquanto produto turístico. A compreensão destes fenómenos sócio-económicos é analisada através do desenvolvimento de um estudo de caso - Museu Agrícola de Riachos, e de um debate académico - Seminário de Museus de Comunidade e Desenvolvimento de Produtos Turístico-Culturais.” Sugere-se como leitura de uma abordagem a um museu comunitário. Disponível em http://hdl.handle.net/10400.26/13479

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Por exemplo, se uma enxada rasa se pode perceber como utensílio agrícola básico, já uma enxofradeira ou uma tarara obrigam a mais informação disponível ao público, porque são objetos que caíram em desuso. Pelo contrário, a enxada ainda hoje e no futuro será uma ferramenta indispensável para trabalhos agrícolas e de jardinagem.

A singularidade de algumas peças «estranhas» ao grande público deverá merecer também um tratamento museográfico singular.132

Distribuir as coleções num percurso rapidamente assimilado por qualquer visitante desperta nele a curiosidade de explorar mais e eventualmente melhor. O museu depende da qualidade expositiva oferecida e da interpretação para a satisfação de quem o visita? Sim. Esta premissa e a oferta de serviços e bens complementares no mesmo local fazem parte da satisfação do visitante.

Centrando a nossa atenção no visitante há um pequeno exercício que se poderá fazer, tendo em conta planear-se esta museografia. Uma técnica muito simples e que revela bom senso por parte de quem organiza uma proposta expositiva é a de solicitar a uma série de pessoas amigas que possam dar uma opinião de como achariam mais acertado expor as peças por coleção.

Poder-se-á organizar uma reunião com pessoas de várias sensibilidades e atividades profissionais quando não existem condições financeiras que permitam contratualizar este tipo de tarefa inserida na função social de cada museu. Recolhidas e ponderadas as opiniões é tempo de se passar a um trabalho mais elaborado e que será tanto mais conseguido se, porventura, se puder contar com o recurso aos serviços técnicos de um Museólogo.

Assim, e com os dados da reunião de trabalho mais as impressões de algumas visitas de trabalho a outros museus, é possível arriscar o começo do processo museográfico que, como se sabe, exige um projeto mínimo onde as formas dos expositores e sua arrumação no espaço e intenções comunicativas e proposta de leitura das peças são elementos fundamentais a ter em consideração.

O trabalho museográfico não é um fim em si mesmo e deverá ser encarado ligado àquilo que se pensa poder ser o todo das atividades que se praticarão no museu, para além da visita guiada. Os museus de comunidade são elos culturais de indesmentível e incontornável valor. Por isso, a museografia destes museus deverá contemplar também a organização dos espaços dedicados às restantes atividades pensadas para o espaço do museu e, claro, espaços dedicados aos voluntários que, reunidos em associações de defesa do património, maioritariamente prestam serviço público.

Não esqueçamos, igualmente, que muito do que é produto artesanal sem sentido de utilidade concreta deverá, apesar de tudo, ser musealizado porque a sua raridade é critério mandante em muitos casos de perda das artes e ofícios que produziam este tipo de objetos.

Poder-se-á inclusivamente investir também na problemática do designado valor acrescentado aos objetos, por exemplo através de processos de melhoramento dessas

132 Este aspeto é importante: se existem objetos comuns pelos quais quase toda a gente manifesta uma certa familiaridade, outros objetos há que são específicos e obrigam a explicações complementares sobre a sua contextualização (como se usavam e com que funções). A museografia toma aqui o significado de cenário explicativo criado, a fim de se poder explorar o objeto da melhor maneira possível.

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peças optando-se por estratégias de inovação e design e, com base nos acervos de museu, criarem-se novas formas de artesanato-design? Sim, é uma opção com futuro.

Este é um dos caminhos para eventual rentabilização de museus de comunidade. Por vezes será possível criar-se um sem número de peças utilitárias que citam certas peças do museu e estão revestidas de refuncionalizações interessantes constituindo-se, nesse sentido, em produtos oriundos de unidades artesanais que o museu poderá incentivar.133

2) Sendo o museu um espaço de exposição de objetos e narrativas culturais e identitárias, mas também entre outras valências um espaço de estudo, é importante criarem-se condições para a existência de colóquios ou outros eventos que decorrerão em simultâneo com cada exposição temporária. Esta é uma abordagem que, centrada na dinamização do espaço museal, se torna importante pelas conexões que inspira e pelos benefícios diretos e indiretos.

Um museu de comunidade que recebe Docentes com Alunas e Alunos, utilizando-se o espaço para se realizarem Aulas de determinadas matérias como Matemática, Artes Visuais ou História e exposições motivadoras (para complemento prático de linhas dos seus programas escolares), está num caminho certo? Sem dúvida, porque a educação e a formação são componentes naturais da sua programação. Esta componente pedagógica do património conta com organizações e casos notáveis no país.

Anotemos, de passagem, a importância do CEARTE em Portugal, que, no sítio https://www.cearte.pt/ explicita parte da sua missão do seguinte modo: “Enquanto centro de formação especializado nas áreas do artesanato e património o CEARTE desenvolve em todo o país, num trabalho de parceria com mais de 100 entidades, atividades de formação profissional, de reconhecimento e validação de competências, de fomento do empreendedorismo e da inovação, dirigidas a indivíduos, microempresas e outros agentes económicos dos setores cultural, criativo e do património, em particular da área do artesanato. Aposta na formação tecnológica e no apoio técnico e de inovação aos muitos criadores de todas as idades que hoje encontram no artesanato, nos produtos locais e nos recursos endógenos uma oportunidade de vida.” 134

Vemos que em 2019 a DGPC e o CEARTE se ligaram protocolarmente conforme a notícia do jornal “Notícias de Coimbra” de dia 13 de janeiro de 2019 anunciava: “Desde há 6 anos a esta parte que o CEARTE e Politécnico de Tomar (IPT) estabeleceram uma parceria para a realização do curso de Especialização Tecnológica em Conservação e Restauro de Madeira, criado pelo CEARTE e a funcionar anualmente no Polo deste Centro em Semide.”135 Esta é uma faceta da ligação dos museus com instituições de

133 Cite-se aqui, e a propósito, o trabalho desenvolvido pelo grupo de missão governamental encarregado de promover o artesanato nacional e o estatuto de artesão que revela a preocupação de ligação entre o sector tradicional e o sector inovador com incorporação de frentes de trabalho onde pontifica o design de novos produtos numa aliança tradição/modernidade. 134 Entre 1996 e 2006 um dos Autores, Luís Mota Figueira, desenvolveu trabalho na criação do Núcleo de Conservação e Restauro do CEARTE numa ligação entre o Instituto Politécnico de Tomar e a Universidade de Coimbra por sugestão e coordenação do Professor Doutor Pedro Dias, Professor Catedrático de História da Arte e Orientador da sua tese de doutoramento. 135 Disponível em https://www.cearte.pt/news/show/169.html. O anterior percurso de ligação de 1996, CEARTE-IPT, com o Mestre José Baptista, formado em Conservador-Restaurador pela Fundação Ricardo

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ensino superior politécnico que neste domínio da Conservação e Restauro significam a efetiva criação e animação de redes colaborativas. Esta ligação também consuma parte relevante da missão da DGPC e suas parcerias territoriais, como se poderá aqui observar.

A experiência que foi possível colher dessas intervenções também está partilhada por nós, depois de avaliada a pertinência da sua descrição e integração neste texto, porque estas são certamente visões e reflexões que podem significar algo para outros museus de comunidade. Acreditamos neste tipo de partilha e elegemos a singularidade da obra do CEARTE – Centro de Formação Profissional para o Artesanato e Património, que aqui destacamos pela sua qualidade de ensino e formação. Aliás, os museus locais têm nesta instituição um parceiro atento e diligente, que pelas razões e fundamentadas anotações anteriores se recomenda, também como consultor na sua especialidade.

12.6 As visitas guiadas Os espaços culturais necessitam das visitas guiadas por razões de cumprimento das suas missões. Por outro lado, uma das melhores formas de se poder visitar com qualidade qualquer museu é utilizando a oferta das visitas guiadas. Em muitos casos, mormente nos museus de comunidade, há alguém conhecedor das peças que nos vai explicando coleção após coleção, cada uma delas, e dando-nos detalhes informativos sobre coisas que nós podemos perguntar ou nos é explicado sem necessidade, muitas vezes, de explicações adicionais.

Quem tem hábitos culturais, visita e participa em programas relacionados com museus sabe que as visitas guiadas são, em alguns casos, excecionais momentos de socialização, de partilha, de situação por vezes quase mágica.136 Quando o ou a Guia nos consegue «tocar» com a sua explicação, alcançamos níveis de satisfação bem altos.

Assim, do lado da oferta museológica, a ideia de se realizar um pequeno Guião da Exposição é uma medida simples com o objetivo bem determinado: oferecer ao visitante as explicações mais acertadas sobre o que ele vê. Para isso, poderá ser realizado um pequeno folheto onde estejam representadas as várias coleções e a explicação sucinta sobre as mesmas, ao longo

do Espírito Santo (onde o mesmo Autor lecionou e colaborou entre 1988 e 1998) e as Conservadoras-Restauradoras, Catarina Azevedo, Nivalda Gomes e Manuela Arsénio, formadas no IPT e trabalhando sob orientação do mesmo Autor, significou muito também em termos de aproximação entre a Arte e o Artesanato. 136 Em função da ligação entre os visitantes e os lugares visitados há a possibilidade de se criarem, por exemplo, Circuitos Locais de Visita em que os museus se tornam pontos relevantes desses percursos. Em http://www.cespoga.ipt.pt/new/wp-content/uploads/2013/03/Manual_Roteiros_CESPOGA2013.pdf da autoria de Luís Mota Figueira, o Manual para Elaboração de Roteiros de Turismo Cultural, de 2013 e com possibilidade de se copiar integralmente para ficheiro, é sugerido como auxiliar para este tipo de ações de visita. Como se refere na p. 101: “A lógica de valorização natural e cultural de cada parcela da geografia onde se sustenta cada Rota, implica uma particular atenção ao modo como decorrem as visitas nos Circuitos locais. A paisagem e as gentes que fugidiamente o turista percebe quando se desloca num determinado Itinerário, torna-se mais real quando nos locais de paragem se aspira o ar, se interfere com a vida das populações locais, quando se acede a um museu, a um restaurante, a um miradouro, a uma festa local, etc. É nos Circuitos locais que acontece turismo, porque é neles que se dá o encontro de pessoas, de culturas. As autarquias são, nesta medida, as organizações que, conjuntamente com os operadores turísticos, maiores responsabilidades têm na oferta dos Circuitos locais, porque estão mais perto destas duas realidades. As autarquias de menor dimensão territorial, as freguesias, deveriam ter aqui um papel promotor determinante.”

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do percurso do visitante. A sua correspondente digitalização e acesso web completam este ciclo.

Assim, consegue-se que, em situações de impossibilidade de oferecer visita guiada, se possa corresponder ao desejo do público dando-lhe um instrumento informativo alternativo. Por outro lado, há casos específicos em que a extensão de uma coleção obrigará a ter um desses folhetos dedicados a essa “joia da coroa” do museu aumentando a divulgação e atratividade desse equipamento cultural da comunidade.

É o caso, por exemplo, do conjunto da coleção “O Cingeleiro” do MAR, porque esta designação e atividade agrícola é a que mais se destaca nesta vila. Assim, sendo uma coisa específica que não se encontra vulgarmente noutros museus etnográficos, funciona como um elemento diferente e tão caraterístico de Riachos que, desconhecido de muitos visitantes, obriga os promotores a explicá-lo em detalhe. O referencial teórico deste museu e a sua museografia são orientados pela temática “agrícola”, mas a criatividade, por exemplo, do Núcleo de Artes137 faz parte intrínseca do atual projeto.

É muito importante que, em qualquer museu de comunidade, mesmo naqueles sem grandes recursos financeiros e possibilidades de contratar pessoal técnico devidamente habilitado, se conciliem programas museológicos e, em paralelo, outros programas que apelem à Visitação e às outras Atividades da comunidade que não colidam com o projeto museológico. Assim:

1) No que diz respeito às formas de organização, as Visitas Guiadas deverão ser preparadas com alguém que represente, perante o museu, o grupo de visitantes.

Uma conversa preparatória com esse responsável é meio caminho andado para se poder realizar a visita a contento de todos. Neste aspeto, a comunicação clara concisa e objetiva é de suprema importância, como se percebe.

2) O fornecimento do Guião de Visita é outra linha de ação a ter em consideração porque ele permitirá mais rapidamente dar uma imagem do que há para ver e, nesse sentido, contribuir para uma dinâmica de visita muito mais qualificada do que a mera exposição oral feita pelo Guia encarregado dessa tarefa.

3) A ligação entre a Tradição e a Contemporaneidade é o eixo central que sustenta a evolução do museu, sem desvirtuar os seus princípios e a sua missão. É uma forma de manter viva a estratégia da salvaguarda do património com a criação de novo património.

12.7 As visitas correntes As visitas correntes são aquelas que qualquer um de nós pode fazer num museu, sem necessidade de acompanhamento de explicações sobre o que estamos a ver, ou quando não há oferta de visitas guiadas mas existe informação suficiente. Nesses casos até poderemos experienciar uma visita agradável e enriquecedora. Este tipo de situação é muito comum nos pequenos museus onde não existe serviço de guardaria, ou seja, de visitas guiadas. Por isso, o fornecimento de informação antes, durante e após as experiências dos visitantes é um ponto

137 A página existente no facebook é elucidativa desta relação. Disponível em https://pt-pt.facebook.com/ADPHNRR/

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Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano museográfico possível

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de atenção a reter, com vista à melhoria contínua da relação entre Visitantes, Residentes e Equipa do Museu.

A estratégia ideal para os museus de comunidade com escassos recursos humanos e materiais é a de ter sempre alguém mais disponível que possa dispor de tempo, como Voluntário(a). A organização das visitas e coordenação deste setor amplia as possibilidades instaladas e estas e outras Pessoas sócias de, por exemplo, Associações, na situação de reformados, em muito contribuem para suprir dificuldades.

A Direção destes museus comunitários tem que estar sensibilizada para a variedade de públicos que acorrem ao espaço do museu e, nesse sentido, deverá organizar pacotes de visita, de acordo com cada tipo de público.

Uma turma de 12º ano de escolaridade ou uma turma do mesmo ano de uma escola profissional não poderá ser recebida e conduzida da mesma forma que uma turma do 5º ou 6º ano, nem como uma visita feita por um grupo de idosos. Daí que deva haver o cuidado de se poder dispor de meios humanos e materiais capazes de assegurarem uma exploração suficiente em cada um dos casos.

Quando não for possível dispor de meios humanos para realizar a visita é sempre conveniente dispor-se de um instrumento de visita que se poderá confinar a um documento escrito para poder ser utilizado por quem, na circunstância, tiver o encargo de guiar essa exploração.

Neste caso, tanto podemos utilizar o método de assegurar que o Guião de Visita cumpra a sua missão informativa, como já foi explicado, ou podemos criar fichas sala a sala, capazes de dar uma informação complementar àquilo que o visitante observa.

A venda, por exemplo, na Loja de museu, de postais ilustrados (ainda há colecionadores deste tipo de produtos) ou de pequenos textos sobre exposições já realizadas, textos temáticos sobre determinadas peças ou atividades representadas no acervo exposto é uma estratégia que cria mais valor sobre as várias realidades da vida sociocultural e económica local assim divulgada.

Acresce que o setor da informática já hoje disponibiliza meios de criação de suportes informáticos que poderão tornar-se um elemento informativo interessante sobre o museu e uma fonte de rendimento se forem comercializados no espaço museal. A criação de um Blogue pode ser, igualmente, uma forma expedita de contribuir para um melhor acolhimento aos visitantes e aos frequentadores assíduos dos espaços museais.

12.8 A organização e funcionamento do museu Os museus nacionais dependentes da tutela da DGPC ou de outras tutelas deverão pertencer à RPM. Na medida do ideal, todos. O trabalho de creditação museológica e a meta da credenciação devem fazer parte da estratégia global para o país. Esta estratégia a ser seguida pelos promotores dos museus de comunidade é a correta.

Porém, as condições para corresponder a todos os requisitos de credenciação, como sabemos, inviabilizam muitos projetos que, por falta de recursos, ou se desvalorizam ou desaparecem encerrando portas. Esta questão merecerá uma resposta constitucional? Acreditamos ser uma via adequada e a proposta do “rendimento mínimo museológico garantido” pode tornar-se num instrumento com interesse nacional.

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Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano museográfico possível

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Os museus, como qualquer outra organização, precisam de estar bem estruturados para poderem responder, com qualidade, à procura dos visitantes. Independentemente das condições externas, há muitas maneiras de organizar «museu» desde que a organização escolhida esteja em conformidade com a missão que lhe serve de referencial teórico, como se referiu. O museu assim construído é um «museu em construção» fugindo à moda de criação de «museus de chave na mão» que não têm a mesma envolvente social fundadora.

Um museu, para o ser, terá que estar capacitado para desenvolver uma série de competências e fornecer ao seu público uma série de serviços que correspondem ao mínimo que qualquer pessoa que visita um museu deverá receber. O voluntarismo das populações locais, essencialmente a partir da década de 80 do passado século, originou muitas organizações que foram pioneiras no envolvimento de base local, comunitária. Mas cometeram-se alguns erros que vão sendo desfeitos e ultrapassados.

Não faz sentido dizer-se que se tem um museu aberto ao público quando, por exemplo, o que oferecemos são peças penduradas em paredes de um modo mais ou menos aleatório e não damos informação ou facilitamos a compreensão das pessoas relativamente às peças que lhes são dadas observar. Isso nunca se poderá considerar como um verdadeiro museu.

Já falámos antes do Organigrama e é tempo de explicarmos, por um lado, a partir da nossa experiência pessoal, o modo como resolvemos a sua constituição e, por outro, ponderar como as suas funções diretas e indiretas são estruturantes, numa perspetiva de gestão integrada do museu.

1) Se observarmos bem os museus mais modernos em termos de gestão, há uma integração de todos os setores considerados necessários ao projeto museológico, sendo que se tem, no imediato, uma noção interna das articulações funcionais de todos esses órgãos, com a vantagem inerente de eficácia, de eficiência e de economia, garantida por esta forma organizativa.

Funcionalmente, é fundamental tratar-se da comunicação interna. O agendamento de modo regular e continuado de uma reunião semanal é oportuno. Sugestões sobre o funcionamento diário e a programação de alguns eventos devem acolher todas as opiniões dos vários membros que participam.

Esta comunicação interna ao estabelecer ligação através da comunicação com o exterior torna-se um modo equilibrado e rotineiro que representa o serviço museológico da melhor forma possível mobilizando os recursos humanos para as tarefas de direção e tarefas de apoio à mesma, no cumprimento dos Valores de cada museu.

No domínio da comunicação interna é também vantajoso fixar o papel de cada um dos colaboradores de modo a evitar conflitos decorrentes de algum voluntarismo que sempre está presente neste tipo de organização cívica: é preferível trabalhar-se por cada setor com um rosto visível do que fazer diluir as responsabilidades num emaranhado de pessoas.

Nesta visão deverá haver um fio condutor percetível, evitando-se desperdício e/ou conflitos indesejáveis devido à ausência de planeamento.

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Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano museográfico possível

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2) No domínio da comunicação com o exterior, é necessário que exista apenas “uma voz”, ou seja, que quem quer que seja que fale em nome do museu adote o pensamento coletivo sem atropelos nem ambiguidades.

A reunião semanal trabalhada com uma Ordem de Trabalhos referente aos problemas que interessa discutir e com uma Ata onde constem as decisões tomadas pelos colaboradores do museu coordenados pela direção técnica é uma metodologia acertada às necessidades nesta matéria.

Recomendamos este procedimento, na medida em que ele clarifica a mensagem do museu para o exterior e para o seu público e reforça a coesão do trabalho coletivo que se vai fazendo dia após dia. Para além disso, estas atas passam a ser também uma documentação valiosa para a história do próprio museu.

12.9 Síntese • A distribuição criteriosa das coleções e a obediência desta a um plano delineado

com o cuidado de responder às necessidades dos públicos e de salvaguarda, estudo e divulgação de cada museu é um ponto central da política museológica interna.

• Nos museus de comunidade a adaptação dos edificados interfere com as coleções, e a harmonização entre museologia e museografia implica estudo e partilha na procura de coerência na visitação e exploração a ser feita pelos diferentes públicos e outros utentes (tais como estudantes em aprendizagem; investigadores; operadores turísticos; etc.).

• A exposição permanente revela o referencial teórico que sustenta cada espaço musealizado.

• As exposições temporárias são fundamentais para a animação científica, escolar, cultural e turística.

• Os painéis que organizam as narrativas de cada coleção, bem como os restantes objetos que criam cada leitura desejavelmente coerente e de acordo com o tema de cada coleção, resultam do trabalho de investigação e criação de conteúdos.

• As visitas devem ser orientadas para que as experiências que os visitantes adquirem e vivem sejam autênticas e emocionalmente compensadoras.

• A organização e funcionamento de um museu, nomeadamente de comunidade, deverá basear-se no realismo dos recursos humanos e materiais disponíveis (não se deverá prometer ao visitante o que não se poderá oferecer com qualidade).

12.10 Sugestões de leitura Maçães, Manuel Alberto Ramos, (2017), Empreendedorismo, Inovação e Mudança Organizacional, Coimbra: Conjuntura Actual Editora

(Esta obra, tal como outras desta editora, compreendendo a “Biblioteca do Gestor” diversos volumes que, sendo obras de divulgação se adequam, plenamente, ao universo dos que trabalhando em museus de comunidade têm necessidade de conhecer este domínio da gestão. Como se refere no prefácio, p.10: “O objetivo desta coleção, de que este é o primeiro volume, é facultar a estudantes, empregados, patrões, gestores de todos os níveis e investidores, de uma forma acessível, as principais ideias e desenvolvimentos da teoria e prática da gestão. (…) Ao elaborar esta coleção, tivemos a preocupação de ir ao encontro das necessidades que

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Capítulo 12 - A distribuição das coleções e o plano museográfico possível

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hoje se colocam aos gestores e de tornar o texto relevante e facilmente percetível por estudantes e gestores menos versados em temas de gestão.” Numa lógica de introdução e divulgação destes temas para não-gestores, é uma obra cuja didática é utilizada de forma direta, simples, mas, ao mesmo tempo, remetendo o leitor para referências bibliográficas de grande interesse e reconhecida qualidade. “Empreendedorismo e Novos Negócios” dá título ao 1º capítulo, onde conteúdos tais como “Criatividade, Inovação e Empreendedorismo” ou “Empreendedorismo Social” ou, ainda, “Desenvolvimento de um Plano de Negócios” podem ser consultados entre as pp.16 e 53. O capítulo 2, “Inovação e Mudança Organizacional”, pp. 55-80, apresenta temáticas como “Inovação Organizacional”, “Implementação da Mudança” e “Tipos de Mudança Organizacional”, entre outras. Como refere o Autor: “Os empreendedores sociais procuram mobilizar recursos para resolver problemas sociais através de soluções criativas. O empreendedorismo social combina a criatividade, a capacidade para o negócio e o empenhamento do empreendedor tradicional com a missão de mudar o mundo para melhor e de apoio aos mais necessitados. (…) veja-se o caso do microcrédito que, apesar de não ter como objetivo primário o lucro, tem crescido rapidamente e tem alargado a sua atividade a vários países.” Subscrevemos integralmente esta constatação e recomendamos esta leitura, nomeadamente para os promotores de museus de comunidade onde, de facto, o lucro não é o objetivo deste tipo de organizações.)

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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13.1 Introdução Graças à evolução da museologia nas últimas décadas, o conceito de “Nova Museologia”138 ganhou foros de respeitabilidade na apreciação feita por muitos dos que na museologia mais tradicionalista reconhecem o alcance desta nova forma de «fazer museu».

O que a nova forma de entender a relação dos museus com as pessoas e com os seus territórios teve de mais revolucionário foi a criação de uma «proximidade» que, manifestada de várias formas, acabou por enredar as comunidades quando estas perceberam as vantagens em possuírem museus que as expressassem socialmente.

Como refere Alice Duarte139:” O museu é uma instituição social que produz sistemas de significados e os comunica publicamente. Por outro lado, as construções de valor e os discursos narrativos concretizados no museu não têm nada de intemporais ou absolutos. São atribuições de significados que, por envolverem a possibilidade de significados alternativos, acarretam sempre a existência de lutas de poder. Considerado a esta luz, o museu é redescoberto pela antropologia como locus de pesquisa e reflexão (DUARTE, 1998). Aceitar que a produção de interpretações e o reconhecimento de significados dependem do contexto considerado repercute-se de forma direta no entendimento de que o objeto de museu e a sua exposição não têm significados intrínsecos. Pelo contrário, esses significados são dependentes do respetivo contexto de exibição e interpretação.” Esta observação de natureza antropológica140 coloca-nos perante a questão do saber museológico partilhado, significado, inovado, divulgado, cujo sentido de envolvimento comunitário tem um peso fundamental para que o museu como instituição social cumpra a sua função.

Desta forma, contextualizar o museu com o território e com a relação Visitantes-Visitados e potenciar as relações humanas em redes de emoções e de trabalho, tanto a nível da investigação científica, quanto de divulgação da cultura popular, faz parte da política de gestão de muitos museus de comunidade: só com esse compromisso, aliás, fazem sentido o projeto museológico e a visitação que propõem a quem os visita e a quem os promove e anima.

13.2 Programação sob a visão de desenvolvimento territorial de base comunitária

A programação desempenha um papel muito importante na vida de qualquer museu e, com importância acrescida, na vida do museu local.

Se não conseguirmos captar e envolver a população local empobrecemos a nossa função cultural e podemos comprometer o próprio desenvolvimento futuro do museu.

É uma tarefa que não é fácil e obriga a grandes cuidados sempre com o intuito de não ferir suscetibilidades dentro da própria comunidade local. O problema da autoestima das populações locais é matéria muito sensível. Por isso mesmo, da parte de quem gere um museu local deverá haver sempre disponibilidade de tempo para ouvir as pessoas, porque:

138 Sugerimos leitura atenta da obra de Alice Duarte incluída na bibliografia deste trabalho de que citamos alguns excertos. 139 Op. cit., pp. 107-108. 140 Sugerimos a leitura da obra, PERALTA, Elsa ; ANICO, Marta, (editoras); MOREIRA, Carlos Diogo, introdução. (2006) - Patrimónios e identidades: ficções contemporâneas. Oeiras: Celta editora.

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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1) Saber ouvir os Residentes é, num museu de comunidade, o grande segredo para o seu êxito. As populações locais só se sentirão identificadas com o seu museu quando sentirem que parte das suas opiniões e sugestões são acolhidas e fazem sentido na programação cultural do museu.

Da experiência que possamos escolher para ilustrar esta afirmação vejamos o caso do MAR. Em maio de 1999 foi feita uma exposição da flor, proposta de um sócio da associação local de defesa do património, e empresário do ramo automóvel. Em reunião semanal efetuada no museu a ideia do Sr. Julião Antunes da Luz foi aceite.

A proposta expositiva tinha como base o facto de as mulheres da localidade terem uma relação com as flores que é muito caraterística aliás, como em muitas outras localidades do nosso País. Não há quase nenhum quintal que não tenha flores e mesmo nos casais e quintas agrícolas este hábito de cuidar das flores é antigo e tem uma expressão social muito importante.

Ainda hoje e como vivência da comunidade local trocam-se flores e receitas sobre como melhor cuidar de umas e outras plantas, introduzem-se conversas sobre as flores, o cemitério é local de colocação e de devoção popular onde as flores têm uma simbólica forte e representam a ligação das gentes aos seus entes queridos, as flores são reproduzidas em papel colorido nos arraiais populares, as flores, em suma, são parte importante da imagem cultural da vila.

Esta proposta foi tornada exposição. Tudo foi organizado dando primazia à maior diversidade possível de flores e houve o cuidado de colocar etiquetas em cada uma delas tendo por cima o nome por que as pessoas conhecem determinada espécie e logo abaixo e na mesma etiqueta, o nome científico dessa planta.

Pedimos a uma Engenheira agrónoma colaboração para esta tarefa, e pensamos que foi uma das atividades expositivas com grande êxito, ficou na memória e é hoje património emocional da comunidade.

Tal foi o entusiasmo participativo das pessoas que, já depois de aberta a exposição, ainda houve gente que se apresentou para nos oferecer mais flores para a exposição. O convívio entre todos foi excelente e no final houve uma pequena, mas significativa, cerimónia no auditório do museu para distribuição de diplomas às participantes tendo-se realizado um lanche a propósito.

O que é facto é que esta exposição marcou o quotidiano do museu e aumentou significativamente o seu público criando-se, inclusivamente, o hábito de utilizar este tipo de estratégia noutro tipo de exposições. Este exemplo, que já vai extenso, serve-nos para ilustrar a máxima que utilizamos no nosso trabalho: todas as ideias podem e deverão ser aproveitadas e trabalhadas pela direção do museu. E quanto mais elas vêm da população tanto mais impacto local conseguem atingir.

Este é um método de trabalho que teve como principal mote saber ouvir aqueles que, mesmo não sabendo dos segredos museológicos, podem dar contributos muito interessantes para reforçar o papel do museu local perante a população residente e o público visitante.

2) A pessoa anónima diz-nos muito, por vezes sem o saber, sobre o que gostaria de ver tratado pelo museu. A simples existência de um Livro de Visitas onde, de modo livre

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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e espontâneo, o público visitante deixa por escrito o que achou mais positivo e negativo na sua experiência de visita ao museu é de suprema importância. Para se perceber como é apreciado o trabalho expositivo, para contribuir na correção de deficiências, para estímulo. O conjunto de impressões dos visitantes é um indicador muito interessante e anónimo que significa uma forma de avaliação.

Uma linha de programação muito relevante no sentido de captar a atenção da comunidade para o seu museu local é que se torna inclusiva representando todas as coletividades existentes na localidade. A história dessas coletividades deverá, dentro do possível, estar representada no acervo do museu. Esta ideia está subjacente, nomeadamente, aos museus de localidade que refletem a história local inserindo-a no contexto regional. O clube desportivo, o grupo de teatro, a filarmónica, o grupo folclórico, e outras agremiações são elementos pertinentes neste tipo de museus.

Com esta abordagem é possível observar a dinâmica social da comunidade ao longo dos tempos, obter espólio para essa integração das coletividades no museu, suscitar ações que respondem às necessidades de coesão social, nomeadamente nos rituais festivos que dão singularidade a cada lugar. As práticas que conhecemos indicam o potencial deste tipo de programas museológicos quando inclusivos.

Também é necessário ter em conta não apenas as instituições mais antigas, mas todas elas, sem exclusão, utilizando-se o critério de o museu acompanhar a tradição, mas, também, a modernidade. Assim, contar com o historial de um grupo de Folclore local ou do grupo de Motards deverá significar que estes testemunhos são tão importantes quanto os demais? Claro que sim. Num museu de comunidade esta ligação faz todo o sentido, porque a identidade, sempre em mutação, também é compósita e multifacetada.

13.3 Os eventos e o seu planeamento No desenvolvimento pretendidamente harmonioso de qualquer museu não bastará ter salas de exposição permanente e outras dedicadas, por exemplo, a exposições temporárias ou outras atividades com elas relacionadas. Um verdadeiro planeamento de atividades deverá ser feito com base nas possibilidades realistas do museu.

Se pudermos dispor de um Plano de Atividades que, por vezes, é um guia muito importante para a ocupação temporal de cada mês do ano, permitindo planear as ações principais que se pretendem levar a cabo, isso será o ideal.

Para isso, é importante saber-se com que verbas contamos, com que apoios financeiros externos podemos contar, com que objetivos levamos a cabo determinada atividade e que acrescentamos ao trabalho que vamos fazendo, ponderado em termos qualitativos.

O planeamento pressupõe sempre o melhor conhecimento da realidade local. Neste sentido é importante que as pessoas ligadas à programação do museu possam conhecer bem os recursos existentes, a fim de os poderem utilizar para fins de animação museológica paralela à exposição permanente, e que é constituída por eventos que diferenciam o museu na sua categoria.

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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1) Para cada evento que se pretenda realizar é sempre importante saber quem, dentro do museu, poderá desenvolver bem o tema proposto. Este é sempre um trabalho de equipa e deverá ser organizado com sentido da realidade envolvente.

Por vezes há que aquietar ideias megalómanas porque, não havendo financiamento regular para as atividades que se propõem realizar no museu, o bom senso e a noção de escala são valores muito importantes para esta questão.

Poder-se-á utilizar o resultado das reuniões semanais de trabalho para se ir elaborando um pequeno plano onde se possa definir o evento, quem apoia os aspetos técnicos, quem trata das questões financeiras, quem fica encarregado de contactar a imprensa, quem contacta os organismos e pessoas envolvidas nesse evento, etc., etc.

2) Sempre que possível dever-se-á tentar que determinados eventos sirvam para reforçar a mensagem cultural do museu.

Por exemplo, se se organizar uma matança do porco é natural que a coleção dedicada à pecuária ou outro tema congénere saia reforçada com esta ação. Podemos até pensar em trazer pessoas ao museu para recordarem como se faziam antigamente a matança do porco nos pátios das casas agrícolas desde as mais abastadas até ás mais modestas e tentar passar essa mensagem às gerações mais novas.

Por isso, a realização de um pequeno arraial como forma de evocar o convívio tradicional à roda do porco pode significar uma forte coesão social entre os promotores (os que trabalham no museu) e os visitantes (residentes e convidados a assistir à reconstituição sobre a matança de porco que se fazia um pouco por todo o País)141.

3) Se, por exemplo, se organiza uma exposição de miniaturas de um Artesão local poder-se-á criar um evento paralelo a essa inauguração podendo solicitar-se ao artesão e a outros que queiram colaborar que apresentem o seu trabalho ao vivo e no pátio do museu, convivendo em função do artesanato e seu impacto na vida das pessoas.

Todo o arranjo desse pátio pode ser uma oportunidade para fazer crescer as comodidades dentro do próprio museu. Por vezes há eventos que obrigam a obras que depois ficam e melhoram o espaço do museu. Este é um aspeto muito importante.

13.4 Os aspetos administrativos Possuir uma contabilidade adequada, quer do ponto de vista da legislação em vigor, quer do ponto de vista de se saber como corre a vida económica do museu, é fundamentalmente um cuidado de sobrevivência do projeto museológico do museu de comunidade.

A hipótese de se poder contar com apoio na área da “escrita” do museu merecerá uma atenção tanto mais forte quanto for o volume de ordem financeira que esse museu representa. A integração de Técnicos de contabilidade, por exemplo, é uma forma de se obter apoio profissional precioso.

141 A autenticidade é aqui fundamental.

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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1) A existência de condições administrativas regulares é também importante para, por exemplo, o museu poder candidatar-se a ações financiadas ou a entrar em Contratos-Programa142 no âmbito do financiamento institucional obtido com parceiros.

2) A ligação aos estabelecimentos de ensino e formação pode proporcionar a integração e projetos protocolados e os Serviços Educativos são importantes nesta ligação.

3) A participação do museu de comunidade em ações financiadas, em parte com fundos comunitários e nacionais, deverá ser explorada porque significam desenvolvimento e credibilização da missão institucional de cada museu. A integração do museu numa rede é uma opção com possibilidade de aumentar a sua qualificação.

13.5 A função social do museu na comunidade Qualquer museu tem uma missão fundada na sua natural ligação à sociedade. A sua função é, portanto, social, no sentido mais abrangente deste conceito. Por isso, no relacionamento com os visitantes, bem como nas possibilidades de realizar coisas que interessem a essas pessoas e às que representa e expressa, o museu tem uma obrigação de servir a sociedade de onde emerge e com que se comprometeu quando foi criado.

1) Segundo a definição dada para MUSEU, podemos verificar a existência de três significados, conforme segue:

1ª - Segundo a organização ICOM:

“O MUSEU É UMA INSTITUIÇÃO PERMANENTE; SEM OBJECTIVOS LUCRATIVOS, AO SERVIÇO DA SOCIEDADE E DO SEU DESENVOLVIMENTO, ABERTO AO PÚBLICO, E QUE PRODUZ INVESTIGAÇÃO SOBRE OS TESTEMUNHOS MATERIAIS DO HOMEM E DO SEU AMBIENTE QUE, UMA VEZ ADQUIRIDOS, SÃO CONSERVADOS, DIVULGADOS E EXPOSTOS, PARA FINS DE ESTUDO, DE EDUCAÇÃO E DE DELEITE”

Temos neste caso que:

A) O museu é uma instituição permanente, ou seja, deverá fazer um esforço para estar aberto em permanência podendo ser visitado no maior número de dias possíveis em cada semana.

B) Não é objetivo do museu criar lucros gerados na sua atividade, o que não quer dizer que não possa e deva contribuir para realizar receitas próprias, capazes de o tornarem autónomo quanto ao seu financiamento.

C) O museu deverá ser considerado como mais um instrumento da sociedade para que esta possa crescer, progredir e desenvolver-se. Assim, o museu ser entendido como um bem civilizacional e permitir, na sua escala, criar condições para que a sociedade que ele representa se desenvolva.

D) Uma das condições básicas é aquela que determina que o museu deva estar aberto ao público, porque um museu é feito a pensar nas pessoas e no que elas podem ganhar para a sua vida e para a sua formação pessoal e coletiva. Quando usufruem das peças

142 Ver em https://www.parlamento.pt/Documents/2018/Novembro/NEplicativaMCultura.pdf o “Orçamento de Estado 2018” e contratos para investimentos em “Projetos de Investimento em Património”, p. 15, onde por exemplo é indicada a “Recuperação e Valorização da Fortaleza de Peniche”

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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que estão expostas e de todos os serviços que esse museu tenha capacidade para oferecer, os visitantes também se tornam cocriadores de experiências. Estes contributos partilhados também enriquecem a animação cultural em ambiente museológico.

E) A investigação pode-se perceber como sendo o esforço dos promotores do museu para que as peças que estão ali reunidas e catalogadas, além de salvaguardadas em devidas condições, possam ser utilizadas para uma melhor compreensão da cultura de onde são originárias. O que essas peças significaram e significam, tanto como peças isoladas, bem como peças de conjuntos, faz-nos compreender muitas outras coisas da vida comunitária que identificam e explicam modos de vida e do ambiente em que foram utilizadas, ajudando nesse processo a construir a história da comunidade.

F) Conservar, divulgar e expor são três razões de peso para dar ao museu a importância decisiva da sua função social. O trabalho que se realiza dentro e fora do museu, utilizando as peças devidamente conservadas, tem a finalidade de divulgar os valores culturais locais. Expor essas mesmas peças de modo a que elas tenham dignidade, por muito pobres que sejam, de um ponto de vista material é relevante como ato de reconhecimento pelos legados patrimoniais. Esse sentido de dignidade é fundamental para aumentar a autoestima da comunidade local nas suas várias dimensões, desde a criança que vai à Escola, passando pelo adulto que tem prazer em recordar certas peças que viu e agora revê na exposição, até ao velho que tem, neste museu orientado às pessoas, um lugar de acolhimento e de compreensão para com as suas memórias de vida.

G) O estudo, a educação e o deleite são áreas de realização pessoal de todos nós. O museu deverá ser capaz de permitir que estudantes e investigadores usem as peças para as suas necessidades de trabalho. Ao mesmo tempo o museu deverá ser capaz de acolher os seus visitantes dando-lhes a desfrutar várias narrativas dirigidas ao entretenimento e ao puro deleite. Aí, a criatividade dos museólogos, profissionais e amadores e sua relação com os Outros é, fundamentalmente, um modo museológico de ser e de estar.

H) Nesta dimensão doutrinária, conseguir tratar de todas estas questões de natureza museológica e museográfica implica, para os muitos museus de comunidade, que por não poderem dispor de um Quadro de Pessoal permanente, nem um Orçamento Anual, um aparente fracasso neste engajamento. Pelas razões expostas em diversas partes deste trabalho, arriscam-se a perder significado e a serem «não-museus», apesar do seu esforço de inclusão museológica concreto que tentam perseguir. Todavia, o reconhecimento é, sempre, uma abordagem que precisa de tempo. Este é um ponto crítico que merecerá reflexão profunda por parte da democracia participativa que importa considerar nesta problemática? Entendemos que sim. Os museus como vimos anteriormente e em sede do ICOM estão em evolução conceitual.

2ª - Segundo a organização APOM:

“O MUSEU É UMA INSTITUIÇÃO AO SERVIÇO DA SOCIEDADE, QUE INCORPORA, INVENTARIA, CONSERVA, INVESTIGA, EXPÕE E DIVULGA BENS REPRESENTATIVOS DA NATUREZA E DO HOMEM, COM O OBJECTIVO DE AUMENTAR O SABER; DE SALVAGUARDAR E DESENVOLVER O PATRIMÓNIO E DE EDUCAR, NO VERDADEIRO SENTIDO DINÂMICO DE CRIATIVIDADE E CULTURA.”

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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1. O museu está ao serviço da sociedade, realiza um inventário das peças que recolheu, trata de as manter em bom estado de conservação, procede a investigações para gerar mais conhecimento sobre elas e sobre o seu significado mais profundo, trata de as expor para que a sociedade as possa usufruir, procede à divulgação das suas coleções, nomeadamente das peças que considera verdadeiramente representativas da sua comunidade (ou peças de fora da região mas com ela relacionadas na história comum da humanidade). Cada museu perfilha uma visão.

2. O objetivo global do museu é o de aumentar o saber, ou seja, o museu cria mais conhecimento e coloca-o ao serviço da sociedade ou colabora nessa criação ajudando os investigadores que nele realizam trabalho. Utiliza formas de salvaguarda e desenvolve o estudo sobre os acervos que reúne dando-lhe novos sentidos de utilidade museológica. Tenta contribuir, com a sua quota-parte para a educação patrimonial dos seus visitantes, de uma forma o mais dinâmica possível, assumindo o compromisso de ligar a criatividade com a aposta cultural em benefício da sociedade.

3. Os museus de comunidade inserem-se nesta dimensão de salvaguarda patrimonial, de educar os seus públicos que estão na situação de grupos escolares e de formação contínua, bem como de participar daquilo que são as orientações para a criatividade e para a cultura local que expressam num contexto de globalização e digitalização da economia e da cultura? Sem dúvida que se integram nessa dimensão de serviço público. Muitos poder-se-ão considerar nessa categoria de museu, pese embora, não disponham de qualquer estrutura profissional permanente. Nesse caso, a participação de Profissionais em regime de Voluntariado e de Serviço Cívico, bem como de Participação dirigente e de Uso diário (residentes que utilizam os museus de comunidade como equipamentos para a sua inclusão social…). A dinâmica gerada, com custos diminutos de operacionalização e com inclusão social, efetiva, credibiliza o universo museológico global.

3ª- Segundo a organização INE:

“O MUSEU É UMA INSTITUIÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS, QUE FAZ INVESTIGAÇÃO RESPEITANTE AOS TESTEMUNHOS MATERIAIS DO HOMEM E DO SEU MEIO AMBIENTE, ADQUIRE-OS, CONSERVA-OS, E DIVULGA-OS PARA FINS DE ESTUDO, EDUCAÇÃO E FRUIÇÃO”

1. Desde logo há uma designação muito parecida com as anteriores. O que parece haver de diferente é a questão da aquisição dos testemunhos e da fruição das peças.

2. A componente da investigação e os CAE – Classificação de Atividade Económica são para o INE uma questão relevante de um ponto de vista estatístico.

3. Do ponto de vista dos museus de comunidade, a verdade é que em inquéritos nacionais e com vista à caraterização deste setor da designada economia da cultura, muitos destes museus respondem aos questionários e participam desses estudos. São, portanto, agentes geradores de economia, ainda que, em muitos casos, de modo indireto.

Como se pode verificar, qualquer umas destas afirmações deverá ser muito bem compreendida por quem tem a responsabilidade de dirigir qualquer museu até pelas razões

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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da responsabilidade de gestão de acervos patrimoniais da comunidade. Independentemente da sua estrutura jurídica e ética, aconselha-se que as referências para o trabalho museológico sejam institucionalmente utilizadas pelos promotores dos museus de comunidade. A legitimidade de natureza museológica conquista-se com trabalho orientado à criação de Conhecimento e sua utilização rigorosa, irrepreensível. Assim, se se perguntar se os normativos da UNESCO e da DGPC garantem a integração dos museus de comunidade no espírito e estratégia museológica nacional, só haverá uma forma de resposta. Sem dúvida que sim, e dever-se-á ter sempre esse objetivo. Seguir os enquadramentos institucionais por cada museu de comunidade é uma forma inteligente de gestão responsável.

No caso dos museus locais é evidente que estas definições deverão ser uma presença constante no pensamento desses dirigentes. O excesso de voluntarismo prejudica. Em muitos casos e porque as pessoas têm a tendência de desenvolverem muitos projetos estimáveis e certamente oportunos, mas por «carolice», baixando os níveis de exigência, faltam os projetos concretos, e criam-se frustrações evitáveis. Esta questão do rigor é uma realidade que carateriza muitas iniciativas em museus já mais desenvolvidos, e os museus de comunidade, por falta de meios capacitados e em quantidade suficiente para se produzirem soluções adequadas, não deverão, porém, utilizar estas circunstâncias como desculpas para trabalho mal orientado.

Note-se aqui, também, que não basta ter paredes repletas de peças antigas para se poder afirmar que se tem um museu. Esse é um outro problema de muitas coleções que se querem afirmar com a designação, errada, de «museu». Só o Conhecimento e os Meios (humanos e materiais) podem solucionar muitos destes casos. Por isso, a orientação do trabalho rumo à possível integração na RPM é o estímulo fundamental que terá que ser dado por todos os responsáveis destas organizações comunitárias.

Porém, também há que considerar que só o empoderamento destes museus e financiamento específico não chegam para que estes equipamentos culturais das comunidades locais sejam considerados como fazendo parte, completa, do conceito instituído de «museu». Sem uma dotação orçamental que permita contratar profissionais, dispor de termohigrógrafo e outros equipamentos (como obriga o processo de credenciação), responder a todos os requisitos impostos pelo processo de integração na RPM, da responsabilidade da DGPC, não é possível ser-se incluído na designação oficialmente estabelecida.

Poderá Portugal dar-se ao luxo de descartar tantos e tantos destes pequenos museus que, muitas vezes com apoios de autarquias e de mecenato episódico (muitas vezes anónimos) ficam desamparados das preocupações daquela estrutura estatal e trilham os seus próprios caminhos? Acreditamos que este nosso trabalho também possa contribuir para uma maior sensibilização governamental para esta outra realidade da museologia nacional. Por isso, reforçando-se a proposta de “rendimento mínimo museológico garantido” há que encontrar soluções à medida destes museus imperfeitos e não apenas a execução de diretivas sobre as quais nunca foram auscultados. Será possível dar-lhes outro futuro mais promissor? Acreditamos que sim.

13.6 Síntese • O envolvimento da comunidade tem de significar que por parte do museu local há

uma visão inclusiva das pessoas que, sentindo-se parte do processo museológico, lhe acrescentam valor.

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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• O desenvolvimento territorial de base comunitária cria dinâmicas em que a integração dos recursos locais (endógenos) e os recursos atraídos para o território (exógenos) se misturam e valorizam as iniciativas.

• O envolvimento dos residentes e a sua prestação na criação de eventos que demonstram a autenticidade de cada lugar fortalece o sentido de pertença dos mesmos e pode atrair novos residentes (antigos visitantes e frequentadores desses territórios).

• A organização museológica deverá ser estruturada em ordem a criar valor para o museu e para os seus profissionais e promotores, para os seus visitantes e investigadores, enfim, para os diversos públicos que ela consiga atrair.

• A função social do museu deverá acompanhar as mudanças sociais e, no caso do presente, refletir as mudanças suscitadas pela transição de economias locais e regionais, para uma economia global, onde a Economia da Cultura tem lugar de cada vez maior destaque.

13.7 Sugestões de leitura QUINTAS, Sindo Froufe, (1998), Técnicas de grupo en animación comunitaria, Salamanca, Amarú Ediciones

(Nesta obra que trata da animação cultural comunitária poder-se-á encontrar uma metodologia de aplicação de atividades constantes de projetos de animação no museu e no seu espaço externo, com aspetos interessantes e objetivos que se enquadram no papel social do museu. Atividades de formação e de difusão cultural, mas também as que estão ligadas à expressão artística, atividades lúdicas e atividades sociais estão contempladas. Para cada uma delas são explicadas as técnicas de comunicação e envolvimento dos participantes, são apresentadas as funções didáticas das novas tecnologias na animação comunitária e apresentadas as principais técnicas de grupo em animação cultural. Por último é referido o perfil do animador cultural e descritas várias técnicas que se poderão desenvolver. Recomenda-se como leitura interessante para todos quantos desejam materializar as suas ideias de animação museológica centrada em projectos de interacção com o público do museu. Como refere o seu autor “La comunidad es siempre un proceso en construcción”, p18, verdade e realidade que o museu, com o seu trabalho, ajuda a definir na perspetiva da sua função social e cultural.

MOORE, Kevin, (1998), La Gestión del Museo, Gijón, Ediciones Trea, S.L.

(Este livro, apesar de escrito em castelhano é uma preciosa ajuda. Primeiro, porque está organizado em assuntos muito interessantes para o pequeno museu local, bem como para qualquer outro museu. Segundo, porque tem a colaboração de alguns especialistas e organiza-se como segue: capítulo 5 – La planificación estratégica en los museos pertenecientes a corporaciones locales, da autoria de Stuart Davies. Neste caso são apresentados resultados sobre museus locais de Inglaterra e País de Gales com base em entrevistas do autor com diretores desses museus. É um artigo interessante para se poder perceber a importância de planeamento num qualquer museu desta natureza. Num outro passo deste livro, e da autoria de Roger Miles, intitulado 23 – La nueva gestión de las exposiciones, é referido por exemplo que há várias possibilidades de montagem de exposições tendo o aspeto educativo como principal preocupação. É apresentado um esquema de organização da exposição (temática ou temporária), onde, por exemplo, se foca a importância da investigação de mercado, das atividades educativas, da produção da exposição, sua

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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publicidade e forma mais adequada de gestão. Neste livro são dois assuntos muito atuais e que podem ajudar os promotores de museus locais a aperfeiçoarem o seu método geral de trabalho e os aspetos de maior detalhe nesta matéria das exposições e direção de museu.)

AA.VV, (2003), Código Deontológico do ICOM para os Museus, Lisboa, Comissão Nacional Portuguesa do ICOM, (tradução de Maria de Jesus Monge)

(Esta é uma obra atual e de referência quanto à regulação deontológica proposta para todos os museus do mundo, visto ser criada no âmbito do Comité do ICOM para a Deontologia. É um documento de referência obrigatória, na medida em que alerta para o facto de tentar definir “... normas mínimas de conduta e de atuação às quais todos os profissionais de museus em todo o mundo podem razoavelmente aspirar”, como é explicitado por Geffrey Lewis, presidente do Comité. O texto trata de assuntos importantes como “Princípios básicos para a direcção de um museu”, “Aquisicões para as colecções de museu”, “Abatimento no inventário de colecções”, “Conduta profissional”, responsabilidades profissionais, etc, apresentando no seu final o “Estatuto do Código Deontológico do ICOM para os Museus”. No que diz respeito à direção de museu é destacado, por exemplo, que “O museu é uma instituição ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, geralmente aberto ao público (mesmo que seja um público restrito, no caso de certos museus especializados). O museu tem o importante dever de desenvolver o seu papel educativo e de chamar a si um público cada vez mais numeroso, de todos os sectores da comunidade, localidade ou grupo em que está inserido. Deve facultar ao público oportunidades para se envolver e apoiar os seus objectivos e actividades. A interacção com a comunidade é parte integrante da missão educativa do museu, podendo tornar-se necessário para este efeito o recrutamento de pessoal especializado.”, p.5. Pelos conteúdos tratados e pela forma clara e concisa como expressa os assuntos deontológicos relacionados com a prestação museológica, é obra que se recomenda pelo auxílio que pode fornecer a profissionais e estudiosos do património cultural, nomeadamente, aos iniciados em museologia. A introdução de um Glossário no final do texto mais o enriquece como referência de trabalho e estudo.)

HALL, Edward, (1986), A Dimensão Oculta, Lisboa, Relógio D´Água Editores

(Relacionado com a forma como expomos a cultura nos museus, o autor avança uma ideia que de certo modo explica o processo museológico do “guardar-descartar-expor-explicar-educar-partilhar”. Nesta pluridimensão cultural refere-se, pp. 130-131: “A maneira como arruamos os objectos que são nossos, os lugares onde os dispomos, dependem de modelos microculturais que não só são representativos de amplos grupos culturais, mas também dessas microvariações que cada indivíduo introduz na sua cultura e que o tornam único. Do mesmo modo que as variações na entoação e na modulação permitem distinguir uma voz da outra, também a nossa manipulação dos objectos apresenta, em cada caso, uma estrutura característica que é única.” A autenticidade que está por detrás desta “manipulação dos objetos” tem, na museologia e na definição museográfica escolhida por cada museu de comunidade, um Valor singular, que distingue cada museu na sua categoria e na sua envolvente museal nacional e internacional. De facto, só a cultura local e o trabalho comunitário cultural inclusivo garantem a base de criação e desenvolvimento futuro destes museus. Recomendamos esta obra que, apresentada em 14 partes, se inicia com 1- Cultura e Comunicação, apresenta outras relacionadas com o comportamento animal e humano, perceção do espaço, espaço visual e arte, ente as partes 2 e 7, evoluindo entre a parte 8 e a 12 para a antropologia do espaço, a análise de culturas europeias, americanas e orientais. A parte 13 é dedicada ao tema “Cidades e Cultura” e a última parte, preditiva, apresenta-se no título “Proxémia e Futuro Humano”. Uma observação relevante de que “Não é possível,

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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portanto, fugirmos do facto de os indivíduos educados no interior de culturas diferentes viverem também em mundos sensoriais diferentes.”, p. 205, autoriza-nos a considerar que cada museu de comunidade é, porventura, resultado e amostra, em simultaneidade, (e apesar da cultura global que a digitalização cada vez mais nos impõe) a identidade autêntica de um mundo sensorial que tem o “genius loci”, ou seja, o “espírito de lugar” como catalisador e protetor que garante aquela autenticidade face às culturas e correntes estéticas e institucionais dominantes.)

NEVES, José Soares, (2004), Constituição de Redes de Equipamento e seus impactos: o caso da RPM, in OAC- Observatório das Actividades Culturais (Coord. Rui Telmo Gomes), Públicos da Cultura – Actas do Encontro organizado pelo Observatório das Actividades Culturais no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 24 e 25 de Novembro de 2003, pp. 223-240

(A abordagem feita ao período decorrente da ação da RPM entre 2000 e 2003 abre com uma exposição interessante. Refere-se que a clarificação do conceito de Cultura e sua emergência como “(…) instrumento de desenvolvimento assenta no reconhecimento do impacto socio-económico das actividades culturais, enfatiza os benefícios do desenvolvimento do investimento público na cultura e coloca o sector cultural no centro das políticas governamentais. A pertinência de convocar estas noções a propósito da RPM advém da afirmação do princípio do respeito pelas particularidades de cada museu e pela sua diversidade traduzida, na prática, pelos diferentes tipos de museu que já a integram e pela ênfase posta na qualificação dos profissionais e dos serviços.”, p.226. É evidente que esta diversidade que poderá significar a reunião da mesma numa unidade museológica nacional em redor do projeto RPM é benéfica para os museus portugueses, em geral, e para os museus de comunidade em particular. O apoio fornecido através de candidaturas a financiamentos orientados à qualificação desses museus faz parte da estratégia museológica nacional. Todavia, implementar essa qualificação em museus de comunidade apresenta-se estruturalmente difícil em muitas situações concretas: falta de profissionais por ausência de verbas. Como o Autor assinala, a candidatura a apoio e a credenciação na prática “(…) decorre em três modalidades: por inerência (os tutelados pelo MC/IPM); através de protocolo (os tutelados pelas direcções regionais dos assuntos culturais das regiões autónomas); através de candidatura (os demais)”, p.229. No ano 2000, com a criação do conceito, e entre 2001 e 2019 certamente que esta rede mesmo enfrentando dificuldades foi desenvolvendo o tecido museológico nacional. Sem dúvida. Mais de um milhão e seiscentos mil euros foram afetados entre 2001 e 2003 a “(…) 235 projectos desenvolvidos por 64 museus (…) não dependentes nem da administração central nem dos governos regionais (…) 34% a “apoio a acções de comunicação, o qual por sua vez se desdobra em “acções de acolhimento e de comunicação” (14%) e de “apoio a projectos educativos” (20%)”, p.233. Se a aplicação em divulgação dos museus e seus serviços educativos era muito necessária, passados 14 anos há outras prioridades. Uma das mais prementes tem que ver com a relação dos museus com os designados «nativos digitais» que necessitam e exigem a adoção de uma linguagem nova dos museus para com estes novos públicos sem, porém, deixar de atender aos demais segmentos. É uma obra que tem interesse pelas reflexões que suscita porque também já se poderá considerar como documento histórico.)

DUARTE, Alice (2013), Nova Museologia: os pontapés de saída de uma abordagem ainda Inovadora, Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS Unirio | MAST - vol. 6 n.º 1, https://core.ac.uk/download/pdf/143404132.pdf

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Capítulo 13 - Envolvimento da comunidade

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(Este é um artigo cuja estruturação interessa aos promotores de museus locais. Como refere na p. 100, e depois de analisar a evolução museológica desde os anos 60, Duarte afirma: “De cada uma dessas linhas de renovação resultarão, todavia, nos anos de 1980, conjuntos de desenvolvimentos que se constituirão como a vertente mais francófona e a vertente mais anglo-saxónica, respetivamente, da designada Nova Museologia. Neste texto, insisto na vantagem de reconhecer a Nova Museologia como um movimento de larga abrangência teórica e metodológica, cujas raízes radicam nas duas linhas de rutura a que chamei vertente francófona e vertente anglo-saxónica, mas cujos desenvolvimentos posteriores aconselham a olhá-los como sobrepostos e compondo um único movimento renovador. Essas mudanças foram centrais para a renovação da instituição museológica no final do século XX, como o serão ainda no século XXI.” Sem dúvida que a abrangência da Nova Museologia, sendo um valor resultante da ação consequente com a teoria expendida tanto pela vertente francesa quanto inglesa que, também com outros contributos, nomeadamente de investigadores portugueses, ganhou relevo na procura de soluções para uma estagnação museológica que só a rutura do 25 de abril modificou, e muito ficou a dever ao designado Poder Local. Na atualidade e face ao que se passa no universo das culturas locais, esta renovação museológica ainda faz muito sentido. Nos museus de comunidade faz, diríamos, toda a diferença. Na p. 114 também se refere que: ”(…) o museu deve representar a sociedade na diversidade dos subgrupos que a compõem conduz e sustenta uma ampliação da noção de objeto de museu. Este passa a incluir também uma cultura material do quotidiano, de um passado mais recente e de classes e grupos étnicos antes tendencialmente não contemplados. Por outro lado, a compreensão alargada de que os significados dos objetos são situados – i.e., mutáveis segundo os seus contextos de uso – justifica e reforça a crescente atenção dispensada à contextualização das representações construídas no museu.” Os significados dos objetos e seus contextos são, portanto, o centro das narrativas e da sua relevância nas audiências onde chega. Na mesma página também lemos que: “A utilização de objetos de proveniência extraeuropeia e/ou indígena – normalmente coletados em contextos de situação colonial e dominação política – tem suscitado acesa polémica. Por um lado, não há como fugir ao debate sobre o estatuto legal destes objetos e respetivas implicações éticas da sua utilização pelos atuais detentores. Por outro lado, são cada vez mais numerosos os países e os grupos étnicos que exigem a devolução dos “seus” objetos e, muitas vezes, o respetivo pedido oficial de desculpas.” Para finalizar, a Autora nas pp.115-116 apresenta uma análise crítica afirmando as vantagens da Nova Museologia nos debates museológicos contemporâneos e, assim, no que significa esta metodologia de aprofundamento teórico e de ação prática a ele inerente, porque na sua opinião: ”A crescente articulação entre museu e academia – e o correlativo reforço das perspetivas teórica e crítica – que parece ser o selo da atual expansão dos estudos museológicos, é ela própria uma marca indelével da inflexão teórica e política desencadeada pelo movimento da Nova Museologia. Muito graças a ela é que o museu deixou de ser, pelo menos maioritariamente, o lúgubre depósito de objetos que já foi.” Pela atualidade e pelos contributos críticos, é um texto de referência para os museus de comunidade.)

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Capítulo 14 - A investigação e desenvolvimento do projeto

museológico

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Capítulo 14 - A investigação e desenvolvimento do projeto museológico

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14.1 Introdução Todos sabemos por experiência pessoal que, por exemplo, a estrutura de um edifício tem influência sobre os seus ocupantes permanentes (residentes) e, igualmente, sobre os que com ele se relacionam em termos profissionais ou de lazer. A adequada construção foi precedida de investigação que, desenvolvida, serviu a criação do projeto e a execução do edificado.

As formas que visualizamos e os conteúdos que absorvemos na nossa vida geral têm importância na nossa vida cultural. O caso conhecido em Portugal da deslocação e recriação urbana da Aldeia da Luz143 por razões económicas é elucidativo deste tipo de situação.

Naquela circunstância, o realojamento dos habitantes após a destruição da sua aldeia e do seu tecido urbano e pontas de contacto com as saídas para os espaços rurais que a envolviam, mesmo seguindo um programa oficial de renovação, foi complicado.

Para a maioria dos habitantes não era apenas a perda das suas referências antigas (de que o Cemitério local era o foco principal…) que os deixava desconfortáveis, mas terem que reinventar um novo conjunto de relações porque foram apanhados de surpresa e tiveram que reinventar a sua Vida.

Como se poderá calcular, à destruição concreta do seu “universo aldeão alentejano” colocou-se um eixo de equilíbrio obrigatório e que dentro das vicissitudes de coisas práticas (localizações das novas casas de família e equipamentos coletivos, arruamentos, relações sociais no novo urbanismo, etc.) tentou criar um outro universo aldeão.

O eixo que referimos acabou por ser a criação do Museu da Aldeia da Luz que, salvaguardando objetos e memoriais, se tornou como que o «motor» de renascimento daquela população e do seu novo lugar. Nesta lógica, a responsabilidade da investigação aumentou face às expectativas dos habitantes, porque manter viva a cultura tradicional foi o principal desafio que, todavia, não podia descurar a vida contemporânea e o futuro que iam fluindo no tempo e sobre o espaço.

Neste propósito, podemos observar um estudo que argumenta o seguinte: “O Museu da Luz (Luz, Mourão, Alentejo) afirma-se como singular espaço de cultura e de identidade. Erigido entre a aldeia da Luz e a margem do lago de Alqueva, é o espaço interpretativo das profundas alterações ocorridas neste território, decorrentes do aparecimento da barragem e da submersão de uma aldeia. O próprio edifício em xisto, diversas vezes premiado, é de uma arquitetura marcante e perfeitamente integrada na paisagem. As suas exposições - temporárias e de natureza diversa - têm como eixo de abordagem as temáticas de fundo do museu: a identidade, a história, a paisagem deste lugar. Leituras múltiplas e diversas que reativam memórias e significados para a reconstrução do lugar. A ideia de um museu tem origem na década de 1980, no quadro da definição de medidas compensatórias dos impactes decorrentes da implementação do projecto de Alqueva e da reposição da aldeia. Aberto ao público desde 2003, o museu mantém atividade regular desde então. No ano de 2005 o Museu recebeu uma menção honrosa da APOM (Associação Portuguesa de Museologia), na categoria

143 Sugere-se a leitura de “Alqueva e Aldeia da Luz: que futuro?”, (2017), REINO, João Pedro; COUTINHO DUARTE, Lucinda; DE AZEVEDO ANTUNES, Manuel, CEPAD – Centro de Estudos da População, Ambiente e Desenvolvimento, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, disponível em https://aps.pt/wp-content/uploads/2017/08/ensaio_ENS46444d112989c.pdf

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Capítulo 14 - A investigação e desenvolvimento do projeto museológico

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de ‘Melhor Museu do País’. Em Maio de 2010 passou a integrar a Rede Portuguesa de Museus (RPM).”144

Poderemos considerar que este museu de comunidade continua um legado cultural e, entre a sua fundação e a sua credenciação, foi realizando trabalho que o credibilizou, levou-o a ganhar prémios museológicos relevantes e culminou com a sua entrada, de direito adquirido, na RPM. Este é um exemplo concreto do que temos vindo a sugerir ao longo do nosso trabalho. A museologia é, de facto, uma questão cultural, antes de ser uma questão técnico-científica.

Como refere HALL145: “A cultura é, na sua maior parte, uma realidade oculta, que escapa ao nosso controlo e constitui a trama da existência humana. (…) É um erro monumental tratar o homem à parte, como se ele constituísse uma realidade distinta da sua habitação, das suas cidades, da sua tecnologia ou da sua linguagem.” Esta afirmação tem a profunda utilidade de se constituir como um estímulo para todos os museus, mas, especialmente, para os museus de iniciativa local. A investigação deste e de outros casos constitui um lastro de Conhecimento útil para modificar a realidade.

14.2 O problema da investigação O tipo e a extensão de cada investigação a ser realizada sob necessidades de criação de mais Conhecimento é muito diverso no domínio museológico. Por razões que se percebem em termos de escala e de exigência cada instituição tenta organizar-se internamente e nas redes de que participa. Nesta lógica, a investigação num museu local ou num museu nacional, sendo rigorosa nos seus princípios científicos, tem impactos naturalmente diferenciados.

Todavia, a participação, de ambos, em redes de investigação científica creditada é um caminho que interessa ser visto como de capacitação museológica que se deverá destacar, porque as parcerias são, nesta e noutras matérias, muito relevantes.

O impacto do trabalho de um museu privado deverá ser canalizado para a satisfação do público visitante e das necessidades internas e deverá servir como elemento de marketing, uma vez que cria uma imagem de interesse e preocupação por um dos aspetos que se encontram patentes na função social do museu, credibilizando-se, deste modo, a própria imagem externa do museu. O museu privado está associado ao mercado, ao capital e sua rentabilização. O museu de uma empresa gera “lucro de imagem” para a organização.

O museu público e o museu de comunidade, sem obrigação de veicular mensagens de natureza lucrativa ou a ela associadas opera segundo uma outra lógica: serviço público. Por isso, a problemática da investigação num e noutro universo é, naturalmente, diferenciada nos objetivos e nos fins.

Doutro modo, a escala e riqueza, bem como a política de gestão local ou central, são condições que modelam as tipologias de investigação museológica, e por isso organizam-se investigações com meios e objetivos diferentes. O Museu Nacional de Etnologia146 tem obrigação institucional de produzir conhecimento sobre Etnografia e Museologia de natureza

144 Texto disponível em http://www.museudaluz.org.pt/101000/1/index.htm 145 Op. cit., p.213 146 http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/museus-e-monumentos/rede-portuguesa/m/museu-nacional-de-etnologia/

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Capítulo 14 - A investigação e desenvolvimento do projeto museológico

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etnográfica, por que é essa a sua missão institucional e profissional e tem meios para cumprir essa missão.

O museu local tem na investigação um outro posicionamento que decorre da sua natureza. Mas, em matéria de rigor científico, mesmo não estando integrado institucionalmente na RPM e não tendo Quadro de Pessoal ou Orçamento Anual, deverá ser avaliado dentro das suas circunstâncias concretas de funcionamento quando atua no campo da pesquisa e publicação de resultados? Sem dúvida. Esta é uma condição que os museus de comunidade não podem deixar de atender.

No caso de um museu de comunidade não dispor dos meios referidos, este não se deverá demitir de se esforçar por procurar seguir a estratégia museológica nacional e, adotando-a, produzir novo conhecimento no seu domínio de especialidade cultural determinada pela sua orientação temática e referencial teórico que a sustenta.

Por isso, é possível e é desejável que se faça um esforço neste sentido, conforme propomos:

1) A ligação a Escolas e a Investigadores locais ou, por exemplo, a criação de condições para investigação quando se pensa fazer uma exposição temporária são soluções que estão ao alcance de qualquer museu local. O relacionamento com órgãos da comunicação social é um outro imperativo nesta matéria.

2) A investigação realizada dentro do museu poderá ser orientada em três níveis diferenciados, a saber:

- a investigação de âmbito escolar em que o aspeto didático e pedagógico das peças escolhidas deverá corresponder às necessidades do ensino e formação escolar;

- a investigação de natureza própria do museu com uma repartição nos domínios da museologia e museografia, conservação e restauro e serviços educativos;

- a investigação de natureza editorial tendo em conta a questão da divulgação do museu no âmbito editorial próprio ou em parceria.

Neste conjunto, poder-se-á incluir todo um outro universo investigativo que poderá, por exemplo, cruzar duas linhas deste pressuposto organizativo como acontece, por exemplo, com as investigações realizadas no âmbito de uma exposição que poderão abarcar, em simultâneo, estes três campos fundamentais do saber investigativo adaptado ao museu.147

14.3 A divulgação e a comunicação Este domínio de apresentação do museu aos seus públicos e, igualmente, de estratégia para atrair mais públicos é decisivo. As técnicas de marketing devidamente aplicadas à realidade

147 Ana Carvalho com o tema “A Construção de uma Comunidade de Prática e de Investigação em Museologia: O Papel das Publicações” publicado pelo Museu da Ruralidade em 2017 e disponível em https://dspace.uevora.pt/rdpc/handle/10174/19979 trata este tema e refere no resumo: “Uma forma de avaliar a evolução de um determinado campo de estudos é a análise das suas publicações. Procurámos neste texto centrar a atenção no papel das publicações na área da Museologia em Portugal. Como tem evoluído? Em que moldes se tem produzido? Que iniciativas e actores? Não se pretendeu com esta resenha um retrato exaustivo, mas sobretudo assinalar algumas dinâmicas e tendências, fragilidades e perspectivas.” Leitura que se recomenda.

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do património e dos museus têm futuro, porque são essenciais na Comunicação dos museus com a sua Envolvente.

Como explica Dias148: “Reconhecendo a aleatoriedade da vida social e humana, a sociologia não deixa de procurar os padrões de ordem na complexidade da desordem social. Isto pressupõe não confundir a metodologia de uma ciência dos comportamentos com os próprios comportamentos a observar. Ou seja, não é pelo facto de uma ciência social poder debruçar-se sobre objectos do foro subjectivo que a própria ciência se torna, ela mesma, subjectiva. Também não é pelo facto de a ciência se debruçar sobre objectos complexos que ela passa a ser uma ciência complexa. Esta é uma questão que, com frequência, os estudantes da área das ciências sociais confundem. É certo que por detrás desta confusão reside uma outra confusão: a de considerar que as ciências se dividem em exactas e não exactas. E, por outro lado, confundir a ciência com o seu objecto de estudo.” Este aviso serve-nos para que, tal como os estudantes, nós, como iniciados nas tarefas de transmissão cultural, por via museológica, saibamos destrinçar teoricamente e proceder, na prática concreta, a reconhecer que certos preconceitos são um obstáculo para o trabalho de natureza rigorosa.

Nesta lógica, o contacto com Historiadores, Conservadores-Restauradores, Arqueólogos, Sociólogos, Antropólogos, e outros Investigadores e Estudiosos, Professores e antigos Trabalhadores e Gestores que se relacionam com estas matérias, nomeadamente focadas nos acervos de cada museu de comunidade, aumenta as possibilidades de sermos mais competentes nas tarefas a que nos propusemos.

Comunicar em museologia é uma tarefa específica que requer capacidades não apenas relacionadas com este domínio, mas, igualmente, na forma como se elaboram e disseminam as mensagens internas e veiculadas para o exterior. Este é um assunto decisivo na vida do museu de comunidade. As técnicas de marketing devidamente aplicadas à realidade do património e dos museus são imprescindíveis e essenciais para o seu futuro.

Com as tecnologias de informação/comunicação hoje disponíveis é possível criar condições de divulgação do museu que contribuam para criar também a sua notoriedade regional e nacional, já que a sua notoriedade local, se tem que ver com o sentido de autoestima da comunidade local expressa na criação do museu, também requer atenção comunicativa, permanente e cuidada.

Há vários métodos que se podem utilizar com vista à divulgação do museu. Podemos elencar alguns conforme segue:

1 – Divulgação interna e para o exterior, através dos componentes do grupo de trabalho;

2 – Divulgação em órgãos da comunicação social e nas redes sociais;

3 – Divulgação com base no efeito de eventos culturais mediante a organização de planos de comunicação abrangendo o antes, o durante e o depois de cada evento;

4 – Divulgação mediante a utilização de elementos gráficos em vários suportes;

5 – Divulgação em meios científicos e académicos;

6 – Divulgação regional/nacional/internacional;

148 DIAS, op. cit., p.53

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7 – Divulgação em parcerias estratégicas de imagem que utilizam uma marca comum;

8 – Divulgação com base na diferenciação e nos elementos singulares do acervo do museu;

9 – Divulgação com base em projetos específicos de base informática.

Nota: todos os sistemas de divulgação propostos têm como grande objetivo consolidar a imagem do museu no exterior. Tudo esse trabalho deverá significar a existência da consciência e evidência, para todo o grupo de trabalho, da autoimagem que esse mesmo grupo define e divulga, dissemina e reforça, através de um discurso sincronizado entre todos os membros do grupo. Quando se decide criar, por exemplo, o slogan de “museu comunitário” deverá haver a consciência das capacidades e limites impostos ao programa museológico por essa opção caraterizadora desse museu, porque todas as práticas se centram nesse conceito fundador. A coerência da ação deverá ser procurada sempre com o rigor que essa caracterização de museu comunitário implica, porque responsabiliza quantos contribuem para os resultados do grupo de trabalho.

1) A divulgação editorial a várias escalas é fundamental. O próprio museu poderá preparar material simples, fotocopiado, ou enveredar, se existir apoio, por edições de Cadernos do Museu acolhendo várias temáticas, difundindo-as de modo mais alargado. A edição em forma de e-book também é aconselhada.

2) Os encontros científicos são espaços e momentos ideais para a divulgação do museu.

As atividades de criação, veiculação e consolidação da imagem de marca de determinado museu são, hoje em dia, estruturas de trabalho tão importantes no desenvolvimento do projeto museológico como as exposições e outras atividades que o museu promove.149

14.4 As parcerias externas Uma das principais estratégias de desenvolvimento de um museu local é a que diz respeito à procura de parceiros que colaborem na sua missão e, desse modo, fortaleçam as redes onde participem. A visão preditiva de cada museu de comunidade é a de se vir a integrar de pleno direito na RPM. Porém, até tal concretização (marcando um momento de saída da qualidade de «museu imperfeito» para «museu perfeito»), o caminho persistente na procura de qualificação, passo a passo, é a base visionária a seguir.

Os museus de comunidade necessitam de parcerias porque a sua fragilidade em termos de meios disponíveis, nomeadamente recursos humanos e financeiros, aconselha a ir buscar a outras organizações o que eles não têm e podem receber, retornando àquelas o que puderem dar em troca. As experiências obtidas em parceria favorecem a evolução museológica. Assim:

149 Dizia José Amado Mendes, op. cit., que “Tradicionalmente, os intelectuais (investigadores, pessoas especialmente dedicadas à cultura) tinham uma relação difícil com o económico. Aliás, o próprio pai da economia política, Adam Smith, afinava pelo mesmo diapasão, ao considerar que as profissões dedicada à arte, à cultura e ao lazer não contribuíam para a riqueza das nações; ao contrário, constituíam o âmbito, por excelência, do trabalho não produtivo.(...) Assim, além do mercado da arte, já de longa tradição, deparamo-nos hoje com um “mercado de património”, quando não em valor de transacção(isto é, de compra e venda), pelo menos em valor de uso”, pp12-13.

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1) Os protocolos de cooperação são instrumentos de dinamização interna e externa do museu com grande relevância, se se conseguir operacionalizar o que for declarado por escrito no documento que formaliza essa associação de interesses.

Desde logo é necessário pensar-se no papel do museu como agente local, capaz de mobilizar as pessoas para projetos comunitários. Esta tarefa é de difícil execução e obriga a que as estruturas do museu saibam captar as pessoas e as instituições.

É de evitar o isolamento, quer no setor específico do património cultural, quer noutros setores que se cruzam na missão institucional do museu. As estratégias de divulgação do museu passam inevitavelmente pela noção de marketing aplicado à realidade museal em presença.

Nesta matéria é necessário ter-se a noção de posicionamento do museu na sua escala regional e o que poderá ele oferecer de diferente, de singular, relativamente aos museus congéneres.

2) Deverá ser perseguida uma identidade própria que não se fica apenas pelos conteúdos do museu. Por isso há que envidar esforços para criação da diferença, no domínio das práticas museológicas. Contudo, a criatividade de cada grupo de trabalho é sempre muito importante para a superação qualitativa da mera funcionalidade museal.

A ocorrência de eventos de natureza cultural, mesmo que distantes da ideia de museu ou musealização, como por exemplo a apresentação da equipa de futebol da localidade ou a realização de uma assembleia de freguesia, é uma iniciativa entre muitas outras que ajudam a uma melhor integração social do museu na sua comunidade e poderá suscitar outros eventos criados e geridos a partir destas situações ocupacionais do espaço do museu.

14.5 O papel do museu no desenvolvimento local Cada vez mais o museu local tem um papel a desempenhar no âmbito daquilo que se entendeu chamar de desenvolvimento local. A sustentabilidade dos territórios implica, inevitavelmente, a sustentabilidade social, ambiental e económica. A Cultura é, cada vez mais, um novo pilar da sustentabilidade e as práticas culturais implicam compromissos entre pessoas, entre organizações, entre territórios.

O desenvolvimento social depende das potencialidades económicas e da circunstância como a distribuição de custos e de benefícios é realizada: num sistema capitalista em que o lucro de produção é o principal objetivo da iniciativa privada, o capital patrimonial (utilizando a ideia de capital como terminologia associada à criação de riqueza) é fundamentalmente um capital da cultura local. Não é acumulativo, capitalista: pelo contrário, é um legado transitado de geração em geração e faz parte da herança da humanidade.

A comunidade tem, portanto, diversos modos de capital, desde o capital humano ao capital económico, capital cultural, capital histórico, capital etnográfico, etc. Sendo o conceito de desenvolvimento associável à dinâmica, à transformação das coisas e das pessoas (de forma a fixarem-se os modos considerados estruturantes e a inovar-se na base do conhecimento que se vai adquirindo sobre uma determinada área do saber), é notório o papel esperado para o museu quando este se instala e cria capital museológico.

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Numa abordagem ao desenvolvimento socioeconómico de um território, não é apenas a estrutura museológica que está em causa, nem é apenas o fator patrimonial relacionado com o museu que deve ser observado: o facto é que, sem uma ideia de desenvolvimento local que o integre o museu, é apenas mais um dos habituais modos de preservar a memória do passado. Tem que ser mais do que isso e implicar-se, por exemplo, na inclusão social e nos desafios societais que a sociedade coloca, dia a dia, a cada cidadão.

Numa visão de capital e num mundo capitalista vincar o valor da memória revisitada (o museu, em todas as suas modalidades, tanto público, como privado e a preservação do objeto) e valorizar a memória criativa (o museu e a extensão criativa com base no objeto) faz sentido porque:

I - Cada vez mais no nosso tempo é importante tentar aliar o passado com o futuro e isso passa pela estratégia de ligação que se deverá fazer no domínio do trabalho museológico com as populações. Há muitos exemplos de como a partir de simples coleções se conseguem grandes avanços na melhoria da qualidade de vida das populações locais. Neste caso, o museu poderá desempenhar o papel de “sala de visitas” da localidade, espaço de acolhimento e receção formal ou informal a todos quantos demandam o território cultural que ele expressa e identifica.

No tocante aos museus etnográficos, por diversas razões esse papel é fulcral como “cartão de visita” que se oferece a quem nos visita. Assim, o museu sendo uma porta de entrada numa determinada localidade e região é, ao mesmo tempo, uma identidade desse espaço. Nessa identidade se veicula parte componente de qualquer processo de desenvolvimento sustentado.

II - A descoberta etnográfica proporcionada pelo Turismo também é um pilar da sustentabilidade de grande parte dos museus de comunidade porque a bilhética e a comercialização de produtos da terra são fatores de geração de economia benéficos para o museu e seu contexto geográfico.

Cada museu de comunidade poderá ser sustentado através da exploração da sua identidade e autenticidade e valores culturais locais e singulares, que só se poderão “saborear” se nos deslocarmos até lá. É verdade.

No processo de desenvolvimento local, garantir as produções locais, sejam elas materiais ou imateriais (e o museu pratica as duas modalidades), de natureza valorizadora dos recursos ditos endógenos tanto humanos como materiais, é estratégico. Iniciativas que concedem a experimentação social em contexto museológico têm lugar assegurado porque uma pequena modificação numa comunidade é, por vezes, muito significativa no seu futuro e sentido de autoestima coletiva.

III - De outro modo, o desenvolvimento local tem uma componente educativa e cívica natural porque é também um processo de inclusão das pessoas e um processo pedagógico permanente. As pequenas exposições temáticas ou a criação de eventos sentidos como de resposta a necessidades socialmente sentidas (a reconstituição de uma festa popular caída em desuso, por exemplo) faz todo o sentido nesta ideia de o museu também contribuir para o desenvolvimento local.

Por outro lado, o futuro ainda não se inventa a partir do nada. O museu, a escola, as pessoas como portadores de história são os protagonistas do futuro porque passa por eles toda uma

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gama de expetativas pessoais e institucionais que dão alento à chama da esperança de mudanças e progressos materiais e imateriais.

14.6 Síntese • Para os museus se manifestarem como equipamentos culturais cuja função social

se acerta às necessidades a que tentam responder, em cada localização no território nacional, a investigação é fundamental.

• A proximidade entre os promotores de museus de comunidade e os tecidos escolares nos seus diversos níveis de ensino é crucial para o desenvolvimento do trabalho museológico.

• O trabalho desenvolvido em parceria resulta em vantagens para todos os parceiros e as boas práticas de uns influenciam outros.

• O capital humano tem especial relevância nos processos de musealização, de turistificação e de outros domínios da atividade humana porque o saber-saber e o saber-fazer podem (e devem) ser estimulados pelos projetos que, na designada Nova Museologia, empoderam os museus, concretamente, museus de comunidade.

14.7 Sugestões de leitura ALARCÃO, Jorge de, (1982), Introdução ao Estudo da História e do Património Locais, Coimbra, Instituto de Arqueologia e de História da Arte- Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

(Esta obra é já uma bibliografia clássica e, portanto, indispensável, a qualquer investigador que trabalhe o problema do património local, estabelecendo pontes para outras áreas do saber histórico, artístico, etnográfico e cultural. É um excelente guia de apoio aos pequenos museus locais porque está organizada de modo a explicar-nos quais as fontes e principais preocupações relacionadas com o património cultural e os modos como sugere determinadas abordagens. Daí também a sua importância pedagógica e didática que não se deverá deixar de assinalar, entrosada numa linguagem simples e esclarecedora. Inicia-se com o capítulo Documentação Cartográfica e Iconográfica, onde o autor explica, por exemplo, para além dos conceitos que dão o título, questões como “A recolha de fotografias antigas e postais ilustrados é trabalho que não deve ficar esquecido; com estes elementos, podem mesmo as associações de defesa do património organizar exposições. Os arquivos de fotógrafos locais não deviam nunca ser destruídos ou dispersos; deveriam ser adquiridos pelas câmaras municipais ou pelos arquivos e museus locais. Quanto aos postais ilustrados, começaram já a ser objecto de colecção.”, p.13. Depois o autor elucida-nos sobre o que são as Fontes Documentais, fazendo referência às fontes manuscritas e inéditas, arquivos, institutos religiosos, bens da coroa, concelhos, particulares, paroquiais e impressas explicando como se pode aceder a todo esse manancial de informação e referenciando os principais arquivos e sua localização. Para o trabalho de pesquisa documental é um instrumento de consulta imprescindível. Tal circunstância tem a ver também com o capítulo seguinte. Nele é tratado o título Bibliografia, com explicação detalhada sobre: estudos locais, corografias e sua importância, monografias regionais, jornais e revistas locais, e anotações bibliográficas sobre a História de Portugal e referências sobre livros publicados onde são tratados o património construído, artístico móvel, arqueológico, etnográfico e natural. Aos museus locais interessa particularmente o tópico Jornais e revistas locais. Este assunto, tratado nas pp.29 –31, refere

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por exemplo que “ A imprensa periódica local não pode deixar de ser explorada por quem pretenda fazer uma monografia da sua terra.”, p.29. No tópico seguinte dedicado à Etnografia é divulgado o que de melhor se publicou até à data da edição desta obra, com especial atenção ao trabalho de Jorge Dias, Benjamim Pereira, José Leite de Vasconcellos, Fernando Galhano, Ernesto Veiga de Oliveira, para além de muitos outros investigadores a que a etnografia portuguesa muito deve. Outra parte muito importante desta obra é a que é apresentada no título Breve Panorama Para Uma Monografia Local, pp.53–60. O autor explica o enquadramento geral que se deverá dar a uma monografia local, elucida-nos sobre a evolução histórica do País e consequente problemática das monografias locais ajudando a perceber esta evolução. Explica como se deverá organizar cada capítulo de uma monografia dando conselhos úteis a fim de se poder organizar um trabalho com utilidade local e nacional. Por último, o título Estudo e Intervenção, pp. 61–67 trata de aspetos relacionais entre os investigadores e gente de ação cultural local, referindo que “As associações devem ser grupos, não apenas de estudo, mas também de intervenção. Esta exige o conhecimento da história e dos valores patrimoniais existentes, mas também o da legislação; requer ainda uma clara consciência dos problemas sócio-económicos que as acções de salvaguarda do património implicam.”, p.61. Pela matéria que contém e pelo seu valor pedagógico e didático é uma obra muito aconselhada a todos quantos trabalham no domínio do património cultural e especialmente recomendado aos intervenientes nos pequenos museus locais.)

QUIVY, Raymond; VAN CAMPENHOUDT, Luc, (1998), Manual de Investigação em Ciências Sociais, Lisboa, Gradiva – Publicações Lda.

(Recomendamos esta obra pela qualidade da tradução portuguesa do original e pela sua importância (como outras disponíveis no mercado, focando esta mesma área de investigação) didática e pedagógica. Organizada de forma a permitir termos uma visão clara sobre as etapas da investigação, foca como se identificam os objetivos da investigação, qualquer que ela seja neste domínio das ciências sociais e humanas, propõe métodos de leitura de fontes documentais explicitando as técnicas adequadas, explica e detalha o problema das entrevistas, organiza o modo como se deverão apresentar as problemáticas da investigação concreta, elucida sobre como se deverá observar o fenómeno cultural, utilizando exemplos demonstrativos, refere os principais instrumentos da observação e recolha de informações, trata das técnicas de análise da informação recolhida e seu encaminhamento no processo investigativo, aborda nas conclusões os aspetos mais relevantes a ter em conta na investigação. Como se refere no início da obra “A investigação em ciências sociais segue um procedimento análogo ao do pesquisador de petróleo. Não é perfurando ao acaso que este encontrará o que procura. Pelo contrário, o sucesso de um programa de pesquisa petrolífera depende do procedimento seguido. Primeiro o estudo dos terrenos, depois a perfuração.”, p.15. Nesta linguagem acessível e clara o autor chama a atenção para a necessidade de em qualquer atividade humana ser necessário estudar, ponderar e, depois, agir. Com os museus não é diferente. O autor conclui a sua excelente lição apresentando esquemas muito práticos para melhor perceção dos conteúdos tratados. Recomendado como leitura geral, pela implicação que tem nos procedimentos relacionados com o museu, em geral, e com a investigação museológica, em particular.)

AA.VV., (1998), (Coord. Miguel Velez), Dez Anos de Desenvolvimento Local em Portugal, Edição Especial, Faro, Revista A Rede para o Desenvolvimento Local

(Sendo uma bibliografia já com alguns anos é um repositório muito importante do balanço sobre desenvolvimento local feito no ano em que a Associação IN LOCO, dirigida por Alberto Melo comemorou 10 anos de atividade. Autores como Alfredo Franco, Alberto Melo, Vítor

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Capítulo 14 - A investigação e desenvolvimento do projeto museológico

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Coelho Barros, José Portela, Camilo Mortágua, José Madureira Pinto, José Carlos Albino, Acácio Catarino, Maria José Ritta, José Reis, Francisco Gaspar, José Cabeças, Artur Cristóvão, Rui d’Espiney, Luís Areal Rothes, Adriano Pimpão, Carlos de Bulhão Pato, Luís Moreno e Rogério Roque Amaro, alguns deles de reconhecido mérito tanto como investigadores e interventores nesta área como técnicos de comprovada experiência profissional, seja ela académica ou executiva. Alberto Melo declarava por exemplo que “Deixar a questão do Desenvolvimento apenas ao Estado e à Empresa significaria amputá-lo de dimensões e valores essenciais, tais como a optimização da qualidade de vida a nível individual e social, a valorização das culturas comunitárias ou a promoção activa da solidariedade social vista como recurso básico do desenvolvimento.”, p. 5, palavras cada vez mais atuais num contexto de normalização das culturas e onde a valorização das culturas locais é um valor operacional que urge entender em toda a sua profundidade. O museu local pode contribuir para este aprofundamento necessário face à globalização que tudo parece nivelar e igualizar, num critério preponderantemente economicista e, aparentemente, sem alma.)

JORGE, Vítor Oliveira, (Coord.), (2000), O Património e os Media, Porto, Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia

(Resultante da Mesa-redonda realizada no Porto, na Fundação Eng.º António de Almeida, em Fevereiro de 1999 e intitulada “O Património Cultural e Natural e o Público – O Papel dos Media”, é um texto de referência para se poder interpretar o problema da consciencialização pública como fator de cidadania e garante de novas visões da sociedade sobre o património que lhe está transitoriamente confiado até o legar às novas gerações. Como observa o coordenador desta publicação, “A nossa sociedade, toda a gente o diz, a sociedade da comunicação, é uma sociedade baseada na passagem de informação entre os “especialistas”, as pessoas que estudam as questões a nível científico, e o público, isto é, o resto da população. Esta, para formar opinião e poder ser constituída por cidadãos no seu sentido pleno, necessita de que essas mensagens lhe cheguem em condições tais que eles possam filtrar, criticar, medir com outras informações, enfim, que as possam “testar”. Mas nós sabemos que isso, muitas vezes, se não a maior parte das vezes, provavelmente não acontece assim.”, p.15. Com um vasto leque de personalidades que aceitaram o convite para estarem presentes nestes trabalhos de Mesa Redonda comporta algumas questões que entendemos poderem ser úteis e ajudarem a centrar a questão da comunicação em património e, assim, servirem de leitura interessante no domínio da museologia.)

MENDES, José Amado, (2002), Património(s): memória, identidade e desenvolvimento, in Revista de Arqueologia e Património Cultural do Arquipélago da Madeira, Número 2-Ano 2002, ARCHAIS – Associação de Arqueologia e Defesa do Património da Madeira, pp.7-15

(Neste artigo o autor apresenta o conceito de património dando-lhe um tratamento acertado ao movimento de patrimonialização operado na nossa sociedade nas últimas décadas, um posicionamento eminentemente histórico explicando a expansão desse mesmo conceito. Depois, articula a problemática do estudo e intervenção no património com a sua caraterística memorial e identitária face ao problema de se encarar cada vez mais o património como um recurso económico. Termina explicando a particularidade da dinâmica do turismo cultural e da forma como se processa a apropriação de património nessa atividade de turismo e cultura com pendor económico cada vez mais aceite na sociedade e utilizado como vetor do desenvolvimento regional e local. É de leitura recomendada.)

SILVA, Augusto Santos, (2004), As Redes Culturais: Balanço e Perspectivas da Experiência Portuguesa, 1987-2003, in OAC- Observatório das Actividades Culturais (Coord. Rui Telmo

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Capítulo 14 - A investigação e desenvolvimento do projeto museológico

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Gomes), Públicos da Cultura – Actas do Encontro organizado pelo Observatório das Actividades Culturais no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, 24 e 25 de Novembro de 2003, pp. 241-283

(Estando marcado pelo tempo é, apesar disso, um texto muito interessante: desde logo porque se subdivide em tópicos claramente estruturados em função de uma análise simultaneamente global e com detalhe suficiente para se tornar texto pedagógico, nomeadamente sobre o conceito e prática de redes culturais. Assim, surgem: “As redes de Bibliotecas, Arquivos, Teatros e Museus”; “As funções das redes”; “A difusão nas artes do Espectáculo”; “Os Serviços e Programas Educativos”; “Marcos actuais de um Processo em Curso”; “Três propostas” (onde trata as temáticas consolidação, inovações, compromissos com reflexão teórica e exemplos práticos que as fundamentam). É lapidar a opinião deste Autor sobre a complexidade museológica quando refere na p. 250 que: “A rede é um instrumento de ordenamento. Sem ter um acervo próprio e inventariado, sem ter pessoal qualificado e sem estar aberto ao público nenhum lugar de recolha e exposição de bens pode ser considerado como museu, por mais bem intencionados que sejam os promotores. Não é possível criar museus sob qualquer pretexto e em quaisquer condições, ou sem qualquer preocupação de sustentabilidade.” Nesta lógica o caminho para a credenciação de todos os museus, nomeadamente os museus locais, está apontado e o esforço de credenciação faz parte do objetivo que os deverá nortear. Como também refere o Autor e considerando este desiderato que a Lei-Quadro dos Museus mais acentuou: “A rede é um instrumento de qualificação. Cabe na categoria económica dos serviços de interesse geral, pelos quais se deve responsabilizar, em primeira mão, o Estado. Gosto de dizer que os equipamentos culturais, como bibliotecas, arquivos, museus ou recintos de espectáculos, são infra-estruturas da nossa vida colectiva, como os sistemas de água, saneamento, gás, electricidade e telecomunicações. Por isso, à escala indicada (em geral concelhia, mas também pode ter de ser infra ou interconcelhia, depende da população e da dimensão física), as comunidades locais devem dispor de equipamentos acessíveis, apetrechados e em funcionamento. (…) Condições e oportunidades: é isso que construímos quando desenvolvemos as redes culturais fundamentais. A rede é um instrumento de coesão. Territorial e social.” Pela sua atualidade e interesse recomenda-se uma leitura atenta nomeadamente para os museus de comunidade que pretendem encetar o processo de credenciação para integração na RPM.)

DIAS, Fernando Nogueira, (2007), Sistemas de Comunicação de Cultura e de Conhecimento – Um Olhar Sociológico, Lisboa, Instituto Piaget

(Esta obra desenvolvida em 13 capítulos abrange as temáticas da complexidade comunicacional, da comunicação não verbal, da pesquisa sistémica necessária para se considerar o papel relevante da comunicação como “factor de desenvolvimento organizacional”, que destacamos pela validade desta abordagem numa complexidade cultural como é a dos pequenos lugares dispersos pelo território e cujas culturas vivenciais são deveras importantes de um ponto de vista sociológico. Depois, o tratamento dado ao problema da imagem das organizações, bem como a problemática da gestão da informação, entre outras questões, fecham este texto cuja complementaridade de 2 anexos (Programa da disciplina de Sociologia da Comunicação Social; Modelos de Avaliação para a mesma disciplina) enriquece a componente expositiva de conteúdos com aplicação prática. Retemos do título “A motivação pela comunicação”, pp. 169-170, o seguinte: “Por comunicação entendemos ser o processo pelo qual partilhamos uma informação, uma ideia, uma atitude ou mesmo um sentimento. Podemos ainda vincular à comunicação a ideia de participação. Participar é justamente a possibilidade de fazer parte de um todo, pois quem dele está isolado

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Capítulo 14 - A investigação e desenvolvimento do projeto museológico

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não tem essa oportunidade. Comunicar é, então, participar de um projecto global, mediante informação, trazendo para a comunidade o que dela estava separado.” Recomendado pela qualidade didática apresentada e pela linguagem acessível para não-sociólogos, bem como pelos muitos exemplos que sustentam o texto.)

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Capítulo 15 - O museu e a comunidade envolvente:

alinhamentos e desvios

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Capítulo 15 - O museu e a comunidade envolvente: alinhamentos e desvios

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15.1 Introdução Com o objetivo de sensibilizar e consciencializar, comprometendo a própria comunidade local, a visão do museu de comunidade deverá ser centrada na ideia de desenvolvimento.150 Assim, a proteção e exploração do ambiente, da economia e da sociedade, orientadas a fins comunitários, fazem sentido. Este alinhamento é consensual.

Qualquer processo que atende à preocupação da melhoria das condições de vida numa determinada localidade, rural, periurbana ou urbana, partilha igualmente a ideia de salvaguarda, investigação, dinamização, valorização e inovação dentro das possibilidades e dos limites dos indivíduos que representam uma comunidade.

A comunidade dos fregueses, como unidade territorial mínima, a comunidade de munícipes como unidade média, camarária, e a comunidade nacional como unidade territorial plena e as «unidades de paisagem»151 que unem todas estas realidades geográficas fazem parte das variáveis que determinam as realidades do desenvolvimento. Nestas realidades há equipamentos produtivos e há equipamentos culturais.

O museu, como equipamento cultural específico, encarrega-se, como instrumento das políticas culturais nacionais de alcançar objetivos constitucionalmente estabelecidos que a Lei-Quadro de Museus152 bem determina. Assim, a educação patrimonial e a educação criativa poder-se-ão considerar abrangidas pela museologia que:

- Trata de “dar a conhecer e a reconhecer” o património e a criação contemporânea aos vários públicos e à população residente, em particular;

- Opera num plano de promoção de consciencialização individual e coletiva sobre a transmissão dos legados e dos produtos culturais da sua área para as gerações vindouras;

- Desenvolve estratégias de «sedução», dos olhares, da cognição e dos sentimentos dos visitantes de museus e da sua envolvente social (no seu território de influência direta e indireta, que pode ir do local, regional, nacional, europeu, até ao global) e respetiva fruição e experiências únicas;

150 No ponto 1.3. do “PARECER do Comité Económico e Social Europeu sobre o Desenvolvimento local de base comunitária enquanto instrumento da política de coesão 2014-2020 para o desenvolvimento local, rural, urbano e periurbano”, op. cit., refere-se o seguinte: “Há que transformar o mais rapidamente possível o desenvolvimento local de base comunitária num instrumento «SMART», com vista a ajudar as comunidades locais a sair da crise económica e social e a restaurar a confiança na política da União Europeia. Importa destacar os projetos inovadores, os novos postos de trabalho de qualidade e as empresas e reforçar as medidas destinadas a fazer face às alterações climáticas e a promover o desenvolvimento sustentável e a inclusão social, de acordo com a nova Estratégia Europa 2020. O desenvolvimento local de base comunitária constitui um novo tipo de parceria, que visa apoiar a inovação social.” 151 O trabalho de Ana Lavrador, Susana Dias e Daniel Dias dedicado ao tema “A Paisagem, um valor Relevante no Ensino da Geografia - Projeto «Alverca…na Rota do Tejo»: Uma proposta educativa inovadora” ligando o Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA) / Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT) / Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH) / Agrupamento de Escolas Gil Vicente e o Agrupamento de Escolas do Catujal de Loures, e a Escola Secundária Jorge Peixinho do Montijo, é exemplo de trabalho colaborativo estimulante. Acessível em https://www.fpce.up.pt/ciie/sites/default/files/ESC51_AnaLavrador_etal.pdf 152 Consulta permanente acessível em: http://patrimoniocultural.gov.pt/pt/museus-e-monumentos/rede-portuguesa/lei-quadro-dos-museus-portugueses/

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Capítulo 15 - O museu e a comunidade envolvente: alinhamentos e desvios

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- Atende, quando concebida, desenvolvida e avaliada em museus de comunidade, aos princípios da cultura local e sua integração na cultura global do século XXI (a designada cultura-mosaico), enriquecendo a vida dos seus visitantes e promotores.

15.2 O desenho do projeto museológico O sucesso de qualquer Projeto Museológico depende, e muito daquilo que os seus promotores forem capazes de realizar socialmente, dentro da sua comunidade.153 Neste sentido, tratar de organizar enquadramentos doutrinários e legislativos e operacionalizar procedimentos com o máximo profissionalismo como alinhamento geral do processo museológico evita desvios.

Na comunidade o grupo de promotores, estando mais próximo da realidade cultural local, conhece melhor as necessidades locais e poderá concretizar melhor o projeto museológico concreto, quando liderado por quem tenha conhecimentos para esboçar um projeto museológico preliminar. O seu aperfeiçoamento depende, portanto, da integração de mais vontades e das redes de apoio que esses atores forem capazes de atrair para a causa.

As autarquias são, regra geral, os pilares da maioria dos museus de comunidade: esta é uma constatação que não merece dúvidas, porque também é verdade que por vezes a “febre museológica” ataca estas instituições da administração local. Porém, no mapa museológico nacional os museus de comunidade estabelecem uma mancha cultural considerável, que sem o precioso enquadramento municipal seria menos densa e, portanto, menos presente no contexto cultural do país. Todavia, há procedimentos estáveis que se poderão avançar com base em experiências de trabalho de museus de comunidade, a saber:

1) Para se poder contar com a comunidade envolvente é necessário utilizar aquilo que designamos por “estratégias de sedução”154, isto é, criar situações concretas que promovam a atração das pessoas ao museu.

Se, por exemplo, não existem exposições temporárias faseadas no tempo de modo a fazer retornar ao museu todo aquele que já o conhece, por exemplo no que é a sua exposição permanente, é difícil manter uma ligação “museu-população local”.

Há muitas estratégias que podem ser seguidas. Porque é fundamental que as pessoas se revejam no que está exposto, não é de todo descabido promover eventos que, à partida, sabemos serem do agrado dessas pessoas.

Um simples convívio em redor de uma exposição de fotografias onde se perceba o quotidiano da localidade, seguido, por exemplo, de um pequeno lanche-convívio, é uma forma agradável e útil de se atingir vários objetivos, e dentre estes o de fazer retornar as pessoas a um espaço de memória e vida.

A animação cultural que se consiga criar nestes momentos é de grande importância porque as pessoas gostam de que as instituições culturais as olhem também como

153 O Projeto Museológico do Museu de Coruche, disponível em http://www.museu-coruche.org/Projecto_Museologico.doc é um dos exemplos que se vão encontrando na rede museológica nacional e, neste caso, a redação é orientada a um museu de comunidade do Ribatejo. 154 O facto de alguns residentes sentirem que o espaço museológico é como se fora a sua «sala de visitas», faz toda a diferença: no MAR já foram realizadas festas de famílias de agricultores. Outros exemplos existem por todo o nosso país, com lançamentos de livros, aniversários, homenagens a personalidades locais, etc.

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Capítulo 15 - O museu e a comunidade envolvente: alinhamentos e desvios

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gente que sabe fazer coisas se para isso for solicitada. Esta verdade já a pudemos experimentar.

Numa exposição temporária dedicada à Água em todas as vertentes da sua utilização urbana e rural foi possível assistir a danças e cantares espontâneos protagonizados por gente que estava no âmbito de visitante à exposição. No lanche realizado houve homens e mulheres que começaram a entoar cantigas de trabalho, e quando essa entoação passou a divertimento foi importante verificar-se a criatividade desses anónimos contagiando as restantes pessoas presentes. Desde essa época, sempre que haja reconstituições desta natureza, as pessoas ganharam o hábito de conviver revivendo cantigas e modas antigas.

É importante resistir ao isolamento do grupo do museu face à restante população residente. Há estratégias simples que podem fazer frutificar o relacionamento entre o museu e a sua comunidade local. A constituição de grupos de trabalho é, neste âmbito, fundamental. Desde logo, há que estar atento às Escolas a todos os níveis de ensino, desde a Pré-Primária até ao Ensino Superior.

2) As Escolas poderão ser aliadas do projeto museológico porque lhes interessa explorar os aspetos pedagógicos e didáticos que o museu representa.

Nesta ligação há que tentar sensibilizar os professores dos vários níveis de ensino para as potencialidades que existem numa exploração educativa e formativa no museu. Por isso, o primeiro passo é saber-se assegurar a presença de um professor ou professora ajudando a definir objetivos para os Serviços Educativos do museu.

Esta relação tanto pode ser conseguida através de um protocolo com esse objetivo, ou uma iniciativa de aproximação do museu às Escolas. Neste caso, uma visita de sensibilização dos intervenientes no museu à Escola expondo ideias de futura colaboração é preciosa. As Maletas Pedagógicas que o MAR criou a partir de experiências colhidas no Museu do Trabalho Michel Giacometti, de Setúbal, orientadas pelas Museólogas Isabel Victor e Ana Duarte, significaram muito no projeto museológico deste museu de comunidade. Deixou marcas indeléveis. Estabelecer linhas de trabalho para cada ano letivo é importante para ambos os parceiros. Aqui é fundamental saber dialogar com sentido de humildade e rigor. Por isso, o museu deverá preparar essa visita focando os aspetos que lhe pareçam mais adequados a essa colaboração.

Depois é importante não se perder o diálogo ficando um Professor e um elemento do museu responsáveis por colocar em prática aquelas iniciativas julgadas mais convenientes. As Escolas têm, por vezes, projetos muito interessantes no domínio do património que podem significar um enriquecimento concreto do espólio documental do museu.

Exposições de trabalhos de alunos, por exemplo, são um meio muito útil para fomentar o conhecimento local sobre o património cultural e sedimentar nos alunos práticas museológicas que, por vezes, despoletam vocações.

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15.3 Atores sociais no museu Como esclarece Melo155, perante o desenrolar da Cultura que vivenciamos neste século XXI: “Ser pelo local contra o global, ou vice-versa, é uma aberração lógica porque estas categorias são hoje lugares relativos interdependentes e indissociáveis no quadro de uma dinâmica abrangente que é exactamente a dinâmica da globalização.” Vemos nesta constatação que as implicações culturais no nivelamento das culturas (bastará evocarmos as Marcas mundiais que penetram nas megacidades e também estão presentes nos lugares mais afastados e isolados das mesmas…) são uma parte do devir que importa considerar-se quando falamos de Cultura local, Autenticidade, etc.

No seguimento daquela afirmação, este mesmo Autor refere o seguinte: “A globalização não é um processo de supressão das diferenças – segmentação, hierarquização – mas sim de reprodução, reestruturação e sobredeterminação dessas mesmas diferenças. É um processo dúplice de simultânea revelação/anulação de diferenças, diferenciação/homogeneização e democratização/hegemonização cultural.” É neste contexto cultural que hoje todas e todos se vão movendo? Sem quaisquer dúvidas. Assim, o papel dos atores integrados nesta complexa teia cultural da globalização requer o planeamento possível.

Assim, é muito importante que logo desde o início de funcionamento de um museu local estejam previstos os vários participantes diretos e indiretos na ação desse museu.

Desde logo há que saber quem é quem na organização do museu. Daí que seja essencial criar-se um instrumento regulador interno. Assim, este instrumento poderá ser assumido na forma de um Organigrama Funcional, onde sejam inscritas as áreas de trabalho do museu e os respetivos responsáveis.

Assim, e de modo simples e eficaz, poderemos contar com um esquema de funcionamento e organização interna que, bem gerido, evita confusões e problemas decorrentes de alguns ou todos interpretarem por si uma problemática que tem que ser obtida e resolvida por consenso, a bem do funcionamento diário do museu. Há muitas formas de resolver este problema.

Por experiência sabemos que, muitas vezes, os papéis deixam de ser cumpridos quando os intervenientes se deixam vencer pelo «deixa andar», digamos assim, de uma forma de estar rotineira. Por isso, os atores sociais do museu são extremamente importantes para as dinâmicas necessárias para vencer dificuldades burocráticas e administrativas, mas, também, de relacionamento e pontos de vista divergentes que acontecem sempre em qualquer organização humana.

1) O Organigrama Funcional é como se fosse uma espécie de árbitro dissipando confusões e evitando conflitos decorrentes de situações criadas por personalidades diferentes em confronto. Muitas vezes uma proposta apresentada por um ou outro elemento do museu poderá ser avaliada e acolhida por unanimidade, caso raro.

Na maior parte dos casos há propostas que têm que passar disso mesmo a patamares de convencimento a todos os restantes membros do grupo. Desde que haja uma baliza sinalizando o caminho, e o Organigrama é isso também, é mais fácil realizar o trabalho de fundamento a determinadas propostas porque todos os responsáveis por cada pelouro dentro do museu deverão ser ouvidos e poderão apresentar as razões de apoio ou recusa a cada proposta apresentada.

155 MELO, op. cit., p.38-39

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Outros atores sociais muito importantes são os «amigos do museu», que tanto podem estar colaborando de forma organizada, como poderão dar contributos espaçados no tempo e, portanto, irregulares.

O mais comum nas comunidades locais é existir uma série de pessoas que, não fazendo parte direta dos responsáveis do museu, o vão apoiando numa ou noutra frente de trabalho. Estas pessoas são um bem precioso para qualquer museu.

15.4 A pedagogia do património cultural Como já vimos, a função pedagógica de um museu de comunidade tem importância na definição do que é um museu enquanto equipamento cultural que pratica a inclusão social e se abre ao exterior. Nessa abertura à sociedade, à cultura e ao turismo o museu local tem de saber organizar-se com o sentido de poder realizar este tipo de pedagogia que não é serviço exclusivo da Escola.

Por isso, e como já se escreveu antes, é fundamental poder-se contar com os Serviços Educativos do museu, capazes de poderem atuar para os públicos diversos que acorrem ao museu. Este serviço, com colaboração de professores, poderá dar contributos à função social do museu, sendo investimento para o futuro.

1) Deverá haver a capacidade de abertura suficiente para que determinadas propostas das escolas possam ser acolhidas no funcionamento regular do museu.

Esta pedagogia, essencialmente baseada na melhor exploração que se consiga realizar às peças que fazem parte do espólio do museu, não pode ignorar o que está por detrás destas mesmas peças. E aí entra o problema da cultura imaterial, ou seja, aquela forma de cultura que está nas oralidades, nos usos e costumes, nos contos populares, na poesia, nas brincadeiras das pessoas, nas formas de relacionamento comunitário, em suma, aquilo que marca a alma de uma terra, de uma região, de uma cultura.

Nos museus etnográficos, tão importante como os utensílios expostos é saber trabalhar esta cultura imaterial a favor do desenvolvimento das pessoas concretas, residentes ou visitantes dessa comunidade.

No museu é importante haver a perceção da necessidade de aliar aos objetos expostos as questões que estão presentes como contexto explicativo dos mesmos.

2) Na vertente pedagógica do museu é de assinalável importância a capacidade do projeto museológico de suscitar dinâmicas junto de parceiros estratégicos que, por conseguinte, também possam usufruir do desenvolvimento e da operacionalização desse projeto. Também os investigadores locais e nacionais poderão explorar o projeto na dimensão das suas necessidades concretas.

Se existirem condições de trabalho de investigação com espaços físicos próprios e existência de documentação e bibliografias adequadas, é certo que esses motivos de grande relevo surgirão e contribuirão para a notoriedade museológica da organização comunitária. A comodidade de exploração de um museu para efetuar um trabalho académico é situação que deverá ser incentivada pelo grupo que gere o museu. Seguir os princípios da RPM e tentar trabalhar com esse enquadramento de base é uma forma de empoderamento do museu de comunidade? Claro que sim: a orientação deverá

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considerar essa meta que não é, de todo, inatingível. A produção e troca de Conhecimento é, em si mesma, uma riqueza que qualifica a imagem da localidade, poderíamos até dizer, do destino turístico-cultural.

15.5 O papel do museu na educação cívica Viver em Democracia é participar nos problemas da nossa comunidade. É evidente que ainda não estamos em condições de se poder afirmar que estamos numa fase de democracia essencialmente participativa. A educação cívica depende das formas como se pode entender e praticar aquilo que designamos como cultura e relacionamento cultural. Os jovens têm de ser uma preocupação básica da programação do museu. Mesmo num museu etnográfico, onde por vezes o vetor da tradicionalidade quase ofusca a realidade atual envolvente, há que ter a determinação de tentar relacionar a tradição com a modernidade.

Em certos casos é possível aliar essa tradição a realizações contemporâneas que virão fortalecer o papel museológico dessa instituição. O lançamento de um CD musical ou a apresentação de um conjunto musical local provido de instrumentais eletrónicos e explorando formas musicais que pouco têm que ver com a música folclórica ou de banda filarmónica fazem parte do todo social e também devem ser considerados.

Estas realizações são pertinentes e são necessárias para que a ligação do museu à comunidade externa seja vantajosa como umas das várias alavancas necessárias ao desenvolvimento local. Esta linha da programação é muito importante e merece ponderação, porque:

1) Não deverão existir preconceitos ou esquemas pré-concebidos de gestão do museu que ignorem alguma faixa etária ou alguma forma de cultura local contemporânea fora das preocupações de programação cultural do museu. O caso concreto de comunicação e envolvimento com os designados «nativos digitais» é um ponto crítico que terá que ser bem tratado.

2) Um museu de comunidade não pode ser apenas um espaço dedicado à tradição sem ser insuflado de valores da cultura atual. Neste sentido, não é desejável que o museu se torne uma ilha no seio da região e da comunidade envolvente. A relação que se deverá tentar estabelecer entre o museu e o exterior tem forçosamente que assentar numa base de cumplicidade entre a ação do museu e os reflexos externos dessa iniciativa permanente.

3) A comemoração das grandes datas nacionais poderá ser um momento e estratégia muito interessante nesta matéria. A implantação da República por exemplo, ou uma exposição alusiva à liberdade fundada no 25 de Abril de 1974 e à noção de Poder Local, constituem-se como iniciativas adequadas, tal como outras possíveis, aos objetivos da educação cívica? Nesta ideia de memoriais expositivos, as oportunidades para tratar da coesão social que os museus também podem ativar são inúmeras e podem tornar-se em eventos altamente apelativos e participados.

4) O museu pode tornar-se um espaço privilegiado de encontro da comunidade local e pode tornar-se como a sua sala de receções aos visitantes, porque estão lá representadas as raízes dessa localidade e a criatividade contemporânea que as salvaguarda, e nas quais se inspira para contribuir para a continuidade presente e futura dessa localidade.

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Por isso, há duas reflexões que propomos neste capítulo:

I) Não se pode ignorar o fascínio exercido pelas coisas antigas para as pessoas do nosso tempo. Contudo, é preciso criar inovações capazes de ultrapassar aquela ideia instalada de que quando se vai a um museu não valerá a pena voltar lá porque já se conhece.

É precisamente este o problema de muitos pequenos museus. Para resolver este problema há que criar e manter uma programação cultural que, mesmo modesta, se torne atrativa para que as pessoas vão mais vezes ao museu. Esta questão é colocada pelos especialistas como a questão do marketing do museu. Os exemplos que a RPM apresenta na sua produção editorial são de considerar e devem ser conhecidos.

Sem se entrar na sofisticação aconselhada aos grandes museus, também o pequeno museu local poderá tirar partido das técnicas de marketing utilizadas com critérios e escala adequada à realidade de cada um dos museus.

O impacto de que falamos deverá ser caraterizado por razões de ordem quantitativa (a quantidade de eventos) e de ordem qualitativa (a qualidade desses eventos), porque se entendermos que o museu é também um facilitador da coesão social local, a programação e as atividades terão efeitos multiplicadores no desenvolvimento sociocultural.

II) O impacto afetivo não deverá ser menosprezado, porque as pessoas gostam de saber que o “seu museu” é daqueles que consegue juntar pessoas, criar espaços de convívio e ter notoriedade no seu círculo de relações.

Os emigrantes, por exemplo, acompanham com muita vivacidade e interesse o trabalho do museu, e não é raro estes receberem incentivos e ideias daqueles que, estando no mundo em vários contextos, sentem a sua obrigação em partilharem, por razões de afeto, o processo museológico da sua terra.

Criticando, dando ideias e observando realidades, porque as notícias que lhes chegam pela comunicação multimédia os despertam e incentivam a este tipo de participação. Muitos estrangeiros que visitaram alguns destes museus fizeram-no em companhia de naturais de localidades onde há museus comunitários e acabaram por se tornar difusores desses equipamentos culturais. Este é um caso muito sensível, mas muito importante para qualquer museu, e com muito mais pertinência para um pequeno museu local que está instalado em territórios de baixa densidade demográfica.

15.6 Síntese • É o conhecimento sobre Museologia e o conhecimento sobre a Comunidade que,

juntos, contribuem para que a relação do Museus com a sua Sociedade, mormente a sociedade local, possa ser materializada e desenvolvida no tempo e no espaço.

• O Projeto Museológico, ao definir o conceito museológico de cada museu e ao ser sustentado no referencial teórico organizado com linhas de força que resultam do diagnóstico dos promotores e da expetativa sobre a aceitação da comunidade, é um

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conjunto de pensamento e de ação que permite a construção museográfica que o serve.

• O papel dos atores sociais que participam na programação do museu é fundamental como justificação da existência do projeto museológico e do impacto que ele tem na vida cultural local.

• O museu tem uma vocação social que lhe é inata e pode potenciá-la em conformidade com as dinâmicas que interna e externamente a instituição museal saiba suscitar. A pedagogia, associada à educação patrimonial, constitui parte muito valiosa da missão de cada museu.

• A educação cívica também passa por experiências que os cidadãos podem colher no seu contacto com a área da museologia onde podem ser cocriadores.

15.7 Sugestões de leitura CHOAY, Françoise, (2000) Alegoria do Património, Lisboa, Edições 70

(Trata-se de uma obra que tem todo o cabimento ser lida por alguém que tenha interesse em estudar as questões do seu próprio património local numa perspetiva de interpretação sobre o seu sentido e, nesta circunstância, o seu significado geral e museal. O livro está dividido em seis capítulos: I –Os humanismos e o monumento antigo, onde por exemplo é referido no domínio da arte grega e das relações entre gregos e romanos que “Dois factores, étnico e cronológico, são a chave da sua diferença face aos monumentos e ao património histórico ocidental”, p. 31. A compreensão destes dados é facilitada pelos exemplos expostos; II – O tempo dos antiquários. Monumentos reais e monumentos figurados, com especial menção de que o museu se iniciou com “...um imenso corpus de objectos, que engloba sucessivamente no seu campo as inscrições, as moedas, os selos, o quadro, todos os acessórios da vida quotidiana pública e privada, e os grandes edifícios religiosos, prestigiosos ou utilitários”, p.58, dando uma panorâmica interessante deste fenómeno dentro da designada cultura erudita. São focadas também as antiguidades nacionais e o período gótico, o período do iluminismo, conservação do património antes da Revolução Francesa; III – A Revolução Francesa e sua importância na cultura ocidental é apresentada como tendo sido uma época de destruição, e por outro lado de conservação patrimonial, com interesse para a palavra vandalismo criada pelo abade Gregório para qualificar a ação dos incendiários de igrejas, castelos saqueados e estátuas derrubadas pelo fulgor dos revolucionários. A colocação dos bens do clero francês ao serviço da nação transformou-se no primeiro ato jurídico de defesa do património. Como se refere: “Esta fabulosa transferência de propriedade e esta perda brutal de destino não tinham precedente e iriam colocar problemas igualmente sem precedentes.”, p.87; IV – A consagração do monumento histórico: 1820–1960, retrata no panorama da cultura francesa o encontro entre o património e a evolução tecnológica da sociedade francesa, com destaque para o facto de o papel dos historiadores de arte ter vencido as últimas resistências dos designados antiquários, com a introdução de novos modos de ver o património. Esta questão iria influenciar todos os restantes países europeus; V – A invenção do património urbano, trata da cidade histórica, ou seja, da cidade entendida como património a preservar nas suas faces antigas e no confronto destas com as da modernidade. Assim, é dito por exemplo que “A conversão da cidade material em objecto de saber foi provocada pela transformação do espaço urbano consecutivo à revolução industrial”, p.158; VI – O património histórico na era da indústria cultural, trata da integração do património na vida corrente da sociedade e dos impactos impostos por essa nova relação na sociedade. É interessante observar-se por exemplo que “A mundialização dos valores e das referências

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ocidentais contribuiu para a expansão ecuménica das práticas patrimoniais. Essa expansão pode ser simbolizada pela convenção relativa à protecção do património mundial cultural e natural, adoptado em 1972 pela Conferência Geral da Unesco”, p.183. A obra é ainda composta por um Prólogo e um Posfácio, este último dedicado ao título A competência de edificar. É uma obra que se recomenda como leitura sobre o campo envolvente dos monumentos e patrimónios históricos, que embora mais centrada na temática arquitetónica é rica de informações complementares e apresenta ideias muito interessantes sobre a necessidade do património para a vida atual das nossas comunidades.)

FERIN, Isabel, (2009), Comunicação e culturas do quotidiano, Lisboa: Quimera Editores Lda.

(Esta é uma obra aconselhada para a componente comunicativa dos museus de comunidade por uma razão que a Autora apresenta, e com peso na gestão dos museus de comunidade. Refere nas pp. 64-65 que: “Define-se socialização como um processo pelo qual são transmitidas crenças, valores, normas e atitudes aos novos membros da sociedade, o que faz da socialização um processo, simultaneamente, de transmissão e interiorização de normas e valores de uma determinada sociedade.” Do ponto de vista dos conteúdos, com interesse para esta temática, a organização de 5 capítulos é a seguinte: 1- Comunicação e ciências da comunicação; 2 – Cultura: algumas definições; 3 – A Comunicação e os estudos disciplinares contemporâneos; 4 – Comunicação, cultura e sociedade de massas; 5 – A «cultura de massa» é uma cultura. Nesta lógica, também na p. 83 é referido que “A Antropologia define-se como estudo do homem, tanto de um ponto de vista físico como sociocultural, compreendendo campos tão distintos como a linguagem, a estrutura social, a expressão estética e o sistema de crenças.” Como se poderá observar pela leitura destes pontos temáticos, há a revelação de formas de apreciar a cultura numa dimensão tanto individual quanto coletiva, e essa é uma faceta de exploração bibliográfica que poderá ajudar na gestão comunicativa dos museus de comunidade. Recomendado como bibliografia de muito interesse.)

HAKEN, Roman, (2014), PARECER do Comité Económico e Social Europeu sobre o Desenvolvimento local de base comunitária enquanto instrumento da política de coesão 2014-2020 para o desenvolvimento local, rural, urbano e periurbano, Comité Económico e Social Europeu ECO/366 Desenvolvimento local de base comunitária Bruxelas, 11 de dezembro de 2014, http://www.rederural.gov.pt/images/Parecer_CESE_Sobre_DLBC.PDF

(Texto institucional que trata do desenvolvimento local de base comunitária. Tem um relevante para as comunidades locais e seus processos de trabalho para a convergência europeia. Como se refere no ponto 1.2: “O CESE constata que, nos últimos vinte anos, a abordagem LEADER deu provas da sua viabilidade, já que ajudou os intervenientes rurais a testar o potencial de longo prazo das suas regiões e se revelou um instrumento eficaz e eficiente para a execução das políticas de desenvolvimento”, alusão em que, por exemplo, a revitalização de práticas rurais, incluíndo museus de comunidade (nas áreas de artesanato e artes e ofícios e seu resgate por perigo de total desaparecimento e/ou descaraterização em muitos lugares de territórios europeus, originando parcerias até aí pouco habituais ou mesmo impensáveis), se tornou uma linha de afirmação da identidade rural europeia. O efeito de replicação do modelo Leader também é muito forte como acreditador de desenvolvimento rural que poderá modelar outras dimensões territoriais, como se refere no ponto 1.6: “O CESE espera que o presente parecer sirva também para apoiar a realização de projetos-piloto (financiados, designadamente, por dotações da Comissão Europeia), a fim de testar o instrumento do desenvolvimento local de base comunitária em domínios em que não é atualmente aplicado, nomeadamente no contexto dos meios periurbano e, especialmente,

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urbanos, alargando assim as perspetivas de utilização deste instrumento.” Esta linha de afirmação identitária das regiões integradas neste projeto europeu tem plena concretização em forma de recomendação para a criação de medidas de políticas públicas que, muito orientadas às comunidades locais, se torna de facto geradora de dinâmicas. Por isso também se refere no ponto 1.7 o seguinte: “O CESE considera oportuno permitir que os intervenientes locais, ou seja, os cidadãos, os parceiros económicos e sociais, as organizações não governamentais (ONG) sem fins lucrativos e os órgãos de poder local participem, por exemplo, na estratégia de desenvolvimento local da localidade onde residem, utilizando o método do desenvolvimento local de base comunitária. Importa igualmente, com base nas experiências adquiridas nas zonas rurais através da abordagem LEADER, dar forma ao desenvolvimento urbano local de base comunitária, para que os municípios e os cidadãos tomem conhecimento das medidas que poderão ser propostas nas cidades no âmbito do desenvolvimento local de base comunitária.” Na apreciação sobre a aplicação de medidas por parte dos governos dos diversos países da União Europeia há um registo crítico que também importa reportar aqui: a excessiva burocracia que as máquinas administrativas carreiam para a instrução de muitos projetos está na origem da difícil execução. Esta execução deficiente acontece tanto na dimensão financeira, como na obtenção de resultados de projetos aprovados, mas com maior incidência em projetos que sucumbem a provações geradas no seio dessa burocracia por vezes exagerada e que colocam um mesmo objeto, por exemplo, sob diversas tutelas ministeriais. Assim, no ponto 1.8 se expressa que: “O CESE lamenta que as administrações públicas se manifestem muitas vezes relutantes em considerar a abordagem do desenvolvimento local de base comunitária, apesar da sua eficácia. É indispensável adotar uma estratégia que informe e oriente de forma competente os intervenientes e que se dirija especificamente às autoridades públicas, com vista a promover a exploração desta oportunidade para desenvolver e adotar estratégias de desenvolvimento local. É muito importante para a estabilidade das estratégias de desenvolvimento a longo prazo e para alcançar os objetivos da Estratégia Europa 2020 que os grupos mencionados assumam responsabilidade pelos resultados. Dado o êxito alcançado por este instrumento, é indispensável que seja apoiado politicamente a todos os níveis (europeu, nacional, regional e local).” Como epílogo desta redação, que na sua clareza e na sua visão integradora aponta benefícios e custos neste processo de desenvolvimento territorial de base comunitária, importantes para se perceber numa perspetiva europeia o papel da museologia praticada por muitos museus de comunidade, lemos no ponto 1.9. que: “O CESE lembra que as parcerias sociais e económicas, bem como a sociedade civil organizada, devem participar mais no desenvolvimento local de base comunitária e que é indispensável reforçar as suas capacidades com vista a essa participação. O envolvimento direto de todos os parceiros na parceria com a administração pública constitui a base de uma verdadeira representação dos interesses e necessidades dos cidadãos.” A consideração sobre as parcerias sociais e económicas e a sociedade civil organizada formam uma tríade que conjugando visões e interesses setoriais não deixam de poder criar valor em desenvolvimento de base comunitária. Por isso, no ponto 6.7, e concluíndo este documento, refere-se que: “O CESE apela a que se formem formadores: há que assegurar a formação dos intervenientes nacionais e regionais no âmbito da assistência técnica, nos termos do artigo 5.º do Regulamento n.º 1303/2013, que estabelece disposições gerais. Do mesmo modo, importa estabelecer as condições necessárias para a criação e a exploração eficaz das redes a nível regional, nacional e internacional, uma vez que o trabalho em rede representa um valor acrescentado significativo”, o que elucida os políticos, os técnicos, os cidadãos sobre o necessário esforço convergente na procura de novo e mais conhecimento. Este, sustentado em redes, cujos nós e tramas se ajustem à procura de instrumentos e de ferramentas para o desenvolvimento, acresce valor à coesão europeia,

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Capítulo 15 - O museu e a comunidade envolvente: alinhamentos e desvios

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e por consequência à coesão nacional. A museologia pode, neste contexto de visão e ação, contribuir para que os museus locais se integrem cada vez mais também nesta ideia de internacionalização a partir das redes europeias.)

MARTINS, José Manuel Pereira, (2015), O Museu Agrícola de Riachos – Agente de Educação de Adultos e motor de Desenvolvimento Local, Riachos, Associação Para a Defesa do Património Histórico e Natural da Região de Riachos

(Esta publicação em livro da dissertação de Mestrado em Educação de Adultos e Desenvolvimento Local, do Departamento de Educação da Escola Superior de Educação, do Instituto Politécnico de Coimbra é um marco na atenção que o MAR desperta na investigação académica. O livro é composto por 7 pontos: Introdução; Enquadramento teórico e conceptual; Objetivos e Metodologia; Caracterização do campo empírico; O desenvolvimento local e a Educação de Adultos na atividade do Museu Agrícola de Riachos; Conclusões. Profusas referências bibliográficas completam esta estrutura. Como o Autor refere, pp. 62-63, citando Moreira (2007) há, assim, 4 tipologias de museus: os classificáveis como “não-museu”, que sem meios financeiros nem técnicos não cumpre qualquer função; o “museu incompreendido” ou “museu primeiros socorros”, museu do tipo “faz tudo” e dificilmente levado “(…) a sério pela comunidade e pelas instituições regulatórias”; o “museu politicamente correcto”, “museu local tradicional de nova geração (…) papel de interventor activo na promoção das bases culturais e identitárias existentes na sua área de influência”; e o “museu promotor” cujo objetivo se centra na “(…) promoção do desenvolvimento local, aberto a toda a participação popular.” Sem dúvida que a questão das «instituições regulatórias» e a questão da exclusividade determinada pelas medidas de políticas públicas para os museus portugueses constituem, em alguns casos, mais do que janelas de oportunidade, constrangimentos difíceis de ultrapassar. Como refere Carlos Trincão Marques na Nota do Editor, p. 7, esta dissertação convertida em livro fica a constituir “(…) um inestimável documento que transformou o Museu Agrícola de Riachos num objecto de estudo de importante e rigorosa raíz científica que urge levar ao conhecimento do público em geral que nos visita e dos outros investigadores destes fenómenos sociais.” Na perspetiva dos museus de comunidade esta é uma abordagem decisiva: há estudos académicos que se poderão realizar nestes aparentemente “não-museus”, parafraseando este investigador. Na p. II e em lugar emocionalmente representativo de um Investigador e de um museu de comunidade estudado, escreveu o Autor: “Agradecimentos - À Escola Superior de Educação de Coimbra (nomeadamente ao seu Presidente, Rui Mendes, meu conterrâneo): sem o seu acolhimento e abraço, este trabalho não teria aceitação. - Aos meus doutos Professores (nomeadamente ao Orientador, Nuno Carvalho): sem os seus ensinamentos e mister, este trabalho não teria criação. - Aos directores da Associação para a Defesa do Património Histórico e Cultural da Região de Riachos (nomeadamente a Carlos Trincão Marques): sem o seu aval e abertura, este trabalho não teria autorização. - Ao Director do Museu, Luís Mota Figueira, sem o seu incentivo e franqueza, este trabalho não teria investigação. - À co-Directora do Museu, Mafalda Luz: sem a sua ajuda e amizade, este trabalho não teria inspiração. - Aos artífices, colaboradores e zeladores do Museu (nomeadamente Manuel Carvalho Simões, José Pestana, Feliciano Dias, José Mendes, José Fernandes, Fátima Lima, mais suas companheiras de artesanato; e a todos os outros voluntários): sem o seu saber e paciência, este trabalho não teria colaboração. - Aos investigadores e autores sobre Riachos (nomeadamente Chora Barroso, José Marques, Fernando Cunha, Luís Martins, Manuel Carvalho, Fernando Maria, José Gonçalves, João Lopes, Carlos Nuno, José Luís Jacinto, Carlos Tomé, Manuel Lopes e outros): sem os seus escritos e opiniões, este trabalho não teria sustentação. - Aos amigos riachenses (nomeadamente Joaquim Santana, Francisco Marques e José Alberto Pereira): sem as suas

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Capítulo 15 - O museu e a comunidade envolvente: alinhamentos e desvios

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memórias e arte, este trabalho não teria comprovação. - À minha Família (nomeadamente, o meu Avô Martins, o Mestre Valador, e o meu Pai, um Grande Ceifeiro): sem a sua aura e exemplo, este trabalho não teria iluminação. - À minha terra, Riachos e suas gentes (fundamentalmente a todos os que fizeram e fazem o jornal “o riachense” e aos que colaboraram na investigação): sem o seu labor e rasto, este trabalho não teria fundamentação. Mas, especialmente: - Aos meus Filhos, Samuel, Carolina e Afonso: sem o horizonte de esperança que eles marcam, este trabalho não teria motivação! - À minha Mulher, Helena: sem o que abdicou de mim, mas permanecendo comigo, preocupada mas confiante, cansada mas compreensiva, este trabalho não teria coração! - A Deus, em Quem tenho Fé e deposito a minha esperança diária: sem a Sua Companhia, este trabalho não teria oração!” Propositadamente citamos todo este texto pela sua importância não apenas científica, mas, como uma evidência sentida, partilhada e profundamente emocional que carateriza, de facto, o sentido de pertença, a identidade que expressa o tal “espírito de lugar” que a museologia também revela. A obra organiza-se conforme segue de modo resumido nas principais partes e capítulos: 1.ª PARTE: PROBLEMÁTICA, INTRODUÇÃO, 1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO, (onde trata exaustivamente a problemática da Educação de Adultos, do Património e Desenvolvimento Local e do Património e Educação de Adultos, 2. OBJECTIVOS E METODOLOGIA; 2.ª PARTE: INVESTIGAÇÃO; 3. CARACTERIZAÇÃO DO CAMPO EMPÍRICO onde explicita com clareza o tema 3.1.1. A terra e a razão de ser da existência de um museu., 3.2. O Museu Agrícola de Riachos, 3.2.1. Evolução Histórica e Actividade geral do Museu, 3.2.2. Localização, 3.2.3. Orgânica, 3.2.4. Infraestrutura e colecção, 3.2.5. Operação e Serviços; 4. O DESENVOLVIMENTO LOCAL E A EDUCAÇÃO DE ADULTOS NA ACTIVIDADE DO MAR, 4.1. Actividade: sua relação com a Educação de Adultos e o Desenvolvimento Local, 4.1.1. Percepção versus realidade, 4.2. Visitas: um aferidor da relação Museu / Educação de Adultos / Desenvolvimento Local, 4.3. Análise SWOT e Factor Crítico de Sucesso; 5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÃO, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS e 7 Anexos. Como refere o Autor, na p. 56: “O apelo constante à participação e mobilização das pessoas da comunidade a que pertence e onde se insere o museu local é a condição fundamental para que a instituição seja um “museu social”. (…) Todos estes aspectos são, afinal, características do “museu aberto” da nova museologia, que é diferente do “museu fechado” da museologia clássica, porque trabalha com novas componentes: a Memória colectiva; a Comunidade; o Território; os Patrimónios; os Saberes.” De um ponto de vista da sua posição, conclui na p. 217 que: “(…) o MAR é um museu local, comunitário, onde é inequívoca a sua ligação, a importância e influência - seja como protagonista, seja enquanto parceiro, quer no seu seio, quer por seu intermédio - em iniciativas de DL sustentável e de EA, neste caso, como um espaço de aprendizagem ao longo da vida de cariz fundamentalmente informal”, e na mesma p. a seguinte recomendação: “Conquanto não seja esse o objectivo deste trabalho, mas face ao que foi investigado e concluído, julga-se não ser descabido fazer uma recomendação final aos responsáveis pelo MAR. Ei-la: Pode residir exactamente nos aspectos mais relevantes destas conclusões, uma rampa de lançamento para abraçar as oportunidades decorrentes da estratégia da Comunidade Europeia relativa ao DL Orientado para as Comunidades (DLOC).” Pelo foco colocado na educação e no desenvolvimento, é um livro que se recomenda como estudo de caso de um museu de comunidade.)

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Capítulo 16 - A conservação e restauro numa perspetiva

museológica

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Capítulo 16 - A conservação e restauro numa perspetiva museológica

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16.1 Introdução Do ponto de vista da conservação e restauro, em qualquer museu existe (ou deverá existir) uma preocupação de natureza preventiva. A evolução das ciências do património e a formação superior oferecida em Conservação e Restauro, no domínio nacional e nas relações que a internacionalização proporcionou e vai estimulando, promovem a circulação de conhecimento e de profissionais habilitados.

Os museus de comunidade deverão ser capazes de intervir também neste contexto atraindo para os seus projetos mecenas e doadores capazes de sustentar projetos estruturados de conservação preventiva e de conservação e restauro. As ações relacionadas com a conservação das peças devem ser pensadas pelos promotores de museus comunitários numa perspetiva de relacionamento com organizações creditadas e que assegurem essa tarefa. Os Conservadores-Restauradores são, nesta dimensão, incontornáveis, porque as suas competências asseguram os melhores resultados. Sempre.

Catarina Alarcão156, no seu estudo “Prevenir para preservar o património museológico”, aborda o conceito de prevenção das coleções e das suas práticas dando uma nota pedagógica interessante: “De acordo com Gäel de Guichen, a conservação preventiva pode ser entendida como o conjunto de acções destinadas a assegurar a salvaguarda (ou a aumentar a esperança de vida) de uma colecção, ou de um objecto. A sua aplicação prática pressupõe seis qualidades que o ser humano possui e que, conjugadas com o conhecimento científico e a experiência profissional, lhe permitem actuar de modo correcto: senso comum, memória, intuição, imaginação, razão e ética.”

A Conservadora-Restauradora e Investigadora também esclarece que do ponto de vista das ações concertadas se deverão estabelecer envolvimentos adequados, porque escreve: “Algumas acções envolvem uma actuação directa sobre os objectos; contudo, em maioria, são indirectas, actuando sobre aquilo que os rodeia. Por outro lado, enquanto algumas têm carácter geral como, por exemplo, a adopção de uma lei ou um regulamento, outras são de carácter específico tais como o controlo da luz.”

Também as questões de responsabilização das decisões tomadas no universo de um museu são vistas como envolvendo procedimentos e visões que, sendo sincronizadas, asseguram, em princípio, o rigor das metodologias e a qualidade dos resultados.

Por isso, e retomando este apontamento que vimos citando, quanto às ações a desenvolver: “(…) todas envolvem distintas responsabilidades no âmbito de um museu: do director (definição dos espaços funcionais, hierarquização de prioridades, coordenação da equipa, disponibilização de fundos), do conservador/curador (elaboração do plano de conservação preventiva, do inventário, da listagem de peças que podem ser cedidas para exposições temporárias externas), do arquitecto (escolha dos materiais de construção e das soluções técnicas por especialidade, quer ao nível do edifício quer de uma exposição temporária), do conservador-restaurador (intervenções de conservação e colaboração nas citadas tarefas do conservador de museu e do arquitecto, colaboração na elaboração do plano de segurança e formação interna do pessoal) e do educador (sensibilização do público para os problemas de salvaguarda das obras).” Este sentido global para enquadrar esta temática obriga, portanto, a trabalho colaborativo entre os diversos profissionais que interferem na museologia e sua

156 Op. cit., pp. 9-10.

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Capítulo 16 - A conservação e restauro numa perspetiva museológica

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prática. Porém, nem todos os museus de comunidade possuem recursos neste e noutros domínios.

A estratégia deverá ser desenhada, a nosso ver, através das parcerias que possam existir, por exemplo, com instituições dotadas de meios de ensino ou de desempenho profissional em conservação e restauro. Neste propósito, como em muitos outros, a existência de redes faz a diferença. É de evitar-se o isolacionismo e intervenções lesivas do património por falta de profissionais qualificados.

16.2 A gestão material das coleções Tendo em consideração o vasto campo de atividade dos serviços adstritos à conservação e restauro de peças museológicas, há que entender este capítulo como uma introdução a esta temática, orientado numa perspetiva de utilizador, ou seja, no posicionamento do diretor de museu enquanto consumidor de serviços relacionados com a conservação do espólio do museu.

Na lógica de integração proposta pela metodologia da DGPC, os princípios normativos da tutela de Estado e os mecanismos de ação são exemplos de aplicação concreta a seguir. A rede de museus de comunidade e, bem assim, o paradigma da RPM são realidades concretas nos terrenos da conservação e restauro orientados à museologia: a orientação comum a princípios das tutelas reforça a imagem museológica nacional.

Nesta circunstância, interessará criar mecanismos de compreensão de todo o processo, a fim de se poder contar com uma gestão qualificada nesta área? Sem dúvida que esse é o caminho. O problema da execução de atividades de conservação e restauro, porém, é outra matéria; e, nessa conformidade, há que entender a importância dos Conservadores-Restauradores, profissionais habilitados para o exercício desta profissão.157

Para os museus de comunidade já integrados na RPM essa questão está resolvida, porque nos seus Quadros de Pessoal existem lugares para Conservadores-Restauradores. No entanto, para os museus de comunidade em que não existem possibilidades de contratação deste tipo de serviços, há que encontrar soluções essencialmente no domínio da conservação preventiva, de modo a retardar, o mais possível, as degradações das peças do museu.

O estabelecimento de protocolos com instituições de Ensino Superior para o recebimento de Estágios de Conservação e Restauro158 e/ou a cedência de peças para estudo e reabilitação nos Laboratórios dessas instituições é uma via resolvente destas dificuldades.

157 Aquando das provas públicas de Luís Mota Figueira para a obtenção do cargo de Professor Coordenador em “Museografia e Conservação do Património Cultural” nos anos 90, esta questão foi relevante no âmbito do Curso de Conservação e Restauro, do Instituto Politécnico de Tomar, onde lecionava. A partir de 1996 e como Docente do curso de Gestão Turística e Cultural, a relação Património-Turismo colocou-se, igualmente, como matéria profissional em que esta linha de orientação foi reforçada. O museu de comunidade, MAR, e outros museus da região, têm beneficiado indiretamente deste e de outros contributos de Conservadores-Restauradores, colaboradores daqueles museus. 158 Os protocolos de Estágio com o Instituto Politécnico de Tomar, de Leiria e de Lisboa, bem como com outras instituições como a Universidade de Évora e, também, Agrupamentos de Escolas e Escolas Profissionais, têm qualificado a função social do MAR.

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Capítulo 16 - A conservação e restauro numa perspetiva museológica

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A integração no domínio do Mecenato159 que suporte este tipo de salvaguarda patrimonial é outra via que poderá contribuir para resolver este problema. Todavia, a limpeza e conservação das peças em ambiente minimamente controlado é uma questão de princípio que deverá ser acionada quotidianamente. A gestão do espólio assenta em questões diversas, tais como:

- A primeira preocupação de gestão é de ordem ética e técnica. A questão da conservação e restauro é, antes de ser um problema técnico, uma questão cultural. Nessa lógica, em todos os museus, e particularmente nos museus de comunidade, a problemática de conservação e restauro tem, obrigatoriamente, que ser tratada pelos especialistas desse domínio da defesa científica e técnica do património. Este é um pressuposto a considerar como básico. São os Conservadores-Restauradores, enquanto grupo de especialistas, quem deverá resolver os problemas de conservação e restauro. Porém, a gestão dos Museólogos dever-se-á também evidenciar neste contexto de salvaguarda dos espólios.

Sabendo-se que o mercado de trabalho deste tipo de profissionais conta desde há anos com uma variedade de opções de avença ou contratação por obra ou por tempo de trabalho, os museus de comunidade deverão fazer um esforço financeiro para assegurarem este tipo de intervenções qualificadas e com garantia, dadas por profissionais deste setor.

- A gestão dos espólios é um ponto crítico do modelo de controlo sobre as possibilidades de cada museu poder programar as suas atividades com base nas suas coleções e, naturalmente, com peças provenientes de protocolos de parceria com outros museus. Nesta dimensão, a qualificação das condições de exposição e de reserva têm influência na imagem e credibilidade de cada museu, como também poderá significar um dos caminhos para a sua credenciação em sede da RPM.

- Este tipo de gestão orientada ao objetivo da credenciação (que deverá estar sempre presente na evolução de cada projeto museológico e museográfico) impõe a natural obrigação de se realizarem percursos propedêuticos relativamente ao apetrechamento teórico necessário à gestão desta fileira de trabalho do museu. Mesmo nos pequenos museus, estar informado é estar atento e, nessa medida, poder decidir-se sobre que envolvimento conservativo é necessário ao museu. A participação em redes é vital. A criação de mais Conhecimento, também.

16.3 Conservação preventiva no museu: metodologias de trabalho Neste domínio é importante refletir-se internamente e no âmbito da equipa do museu quais as extensões possíveis que se poderão praticar nesta frente de trabalho. Como já se evidenciou, desde logo se coloca o problema dos recursos financeiros. Depois, a questão relacionada com os orçamentos afetos a esta rubrica e, por último, que tipos e medidas concretizadoras, a fim de manter em bom estado de conservação todo o acervo museal. São um todo de preocupações que deve ser evidenciado, discutido e gerido.

Numa ótica de gestão, a equipa devidamente institucionalizada e representada pelos promotores, de acordo com os Estatutos do museu de comunidade, ao identificar os fatores internos, e perspetivando a busca dos melhores procedimentos para manter em bom estado de conservação todos os objetos reunidos e expostos ou em situação de reserva, deverá acionar as redes em que participa.

159 SALVADOR, op. cit.

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Capítulo 16 - A conservação e restauro numa perspetiva museológica

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A relação de gestão do museu com os fatores “conservação e restauro” é quase sempre de natureza externa. Isso acontece por grande parte dos museus de comunidade não possuir capacidade financeira para manter uma equipa permanente. Assim, recomenda-se a leitura da documentação técnica originada por muitas fontes, e que tanto o ICOM, quanto a DGPC, Centros de Investigação, Institutos Politécnicos, Universidades, Empresas e Associações Profissionais do setor do património, produzem, suscitam e divulgam.

A tomada de conhecimento de realidades nesta matéria tão sensível evitará, estamos certos, muitas confusões e tomadas de decisão mal instruídas, que muitas vezes com a melhor das intenções prejudicam as coleções retirando-lhes valores e aniquilando-as do ponto de vista da sua estrutura, da sua estética, enfim da sua autenticidade material e imaterial. Mas há procedimentos que evitam esse tipo de erros de gestão.

Primeiro, há que conhecer bem todo os objetos e coleções do ponto de vista das técnicas de produção, onde o aspeto material se coloca como primeiro nível de análise. Nos processos correntes de limpeza esta é uma base fundamental.

Segundo, conhecer um objeto do ponto de vista da sua produção oficinal implica compreender:

- o modo de produção que está subjacente ao objeto;

- informação, a mais aprofundada que seja possível, sobre o envelhecimento natural dos materiais;

- o saber técnico particular de cada ofício implícito no aspeto final do objeto (nos museus de comunidade onde se pratiquem as Artes e Ofícios que são inerentes ao seu espólio esta questão estará mais simplificada);

- a utilização de linguagem técnica adstrita a cada técnica de produção artística (ou artesanal);

- a melhor interpretação sobre as formas, as ligações estruturais, as decorações e as funcionalidades de cada peça.

Terceiro, conhecer um objeto do ponto de vista das patologias que apresenta implica perceber o estado de conservação e o encaminhamento do mesmo, tendo em conta que será necessário estabelecer pontos de apoio, como segue:

- a organização de um “modo de ver” quer da peça em si mesma, quer da envolvente inerente à sua história implícita;

- saber observar com acuidade e pertinência, e a partir do estado de conservação do objeto, as zonas degradadas e seu grau de degradação;

- saber detetar, mediante peritagem expedita ou peritagem laboratorial as lacunas e zonas de fragilidade material da peça, tendo em conta a qualidade e comportamento dos materiais aplicados na produção do objeto;

- saber esboçar o plano de compreensão sobre três fatores de degradação: a degradação natural dos materiais, a degradação de natureza antrópica e a degradação por via aleatória e não controlável pelo homem;

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Capítulo 16 - A conservação e restauro numa perspetiva museológica

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- saber organizar uma Ficha Técnica de Peritagem adaptada a cada objeto, tendo em conta as suas especificidades de natureza material e o seu valor artístico ou artesanal;

- saber colocar questões de salvaguarda do património cultural que gere, numa perspetiva de diálogo técnico com os Conservadores-Restauradores e demais profissionais do setor da conservação e restauro;

- conhecer as possibilidades e limites de intervenção do diretor de museu na estratégia cultural de salvaguarda pró-ativa do espólio cultural à sua responsabilidade.

16.4 Concretizações e técnicas aplicadas num campo material concreto

Independentemente das boas práticas sugeridas por qualquer bibliografia e estudos técnicos relacionados com a conservação preventiva e com a conservação e restauro, aplicáveis a museus, é fundamental perceber a realidade objetiva com que se trabalha. Poucos são os museus em Portugal capazes de sistematizar todas as orientações mínimas adaptadas a tornar esse espaço museal num continente protegido preventivamente contra a degradação das peças e dos espaços que as envolvem.

Neste domínio há a observar dois níveis de intervenção de gestão: a intervenção regular; a intervenção especializada em conservação e restauro. Por intervenção regular demarcamos a que está de acordo com a missão de direção da instituição, de acordo com a orientação geral do museu, relacionada com a estratégia de desenvolvimento integral do museu. Essa, desenvolvida em níveis de simples limpeza e conservação, sendo gerida em linha com consultoria externa, pode ser desempenhada internamente.

A intervenção especializada em conservação e restauro (tal como a que decorre nos domínios da museologia e museografia, e também dos serviços educativos, ambas pertencentes ao organigrama funcional que, como referimos anteriormente, defendemos para a gestão do museu) requer uma outra forma de gestão, de preferência de natureza profissional: porque se trata de intervencionar os objetos tanto na sua dimensão material, quanto estética. Não estão em causa apenas questões técnicas e científicas, mas essencialmente culturais.

Assim, e considerando os normativos institucionais tanto da DGPC, quanto da RPM, bem como sob indicação das bibliografias e dos projetos mais relevantes neste domínio de conservação e restauro, a adoção em sede de gestão dos museus de comunidade deste comportamento face aos cuidados a prestar ao espólio e acervo é obrigatória. Esta preocupação deverá estar integrada no processo evolutivo porque a credenciação, como se referiu, é sempre o principal objetivo a alcançar e a cultura museológica de cada museu de comunidade é aqui muito relevante, na tomada de decisões por parte da tutela.

16.5 O trabalho interdisciplinar: recolher, estudar, expor, divulgar, cuidar

Na lógica de trabalho rigoroso que também deverá responsabilizar os museus de comunidade, ainda que em grande parte essa prestação seja decorrente de Voluntariado, dever-se-á assumir que qualquer processo de trabalho no domínio da museologia aplicada no concreto a um espaço museal reconhecível como tal exige interdisciplinaridade.

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Capítulo 16 - A conservação e restauro numa perspetiva museológica

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No que respeita à conservação e restauro, existem três componentes, a nosso ver, indissociáveis: a gestão; a intervenção de cada especialidade; a síntese interventiva realizada em termos de investigação/ação devidamente monitorizada e registada.

É recomendável que, sempre que possível, se possa assegurar a intervenção de pessoal técnico devidamente habilitado e, se tal situação não for possível, há sempre a possibilidade de os elementos da equipa do museu se disponibilizarem para frequentarem ofertas de formação já existentes nesta área. A RPM publicita ações e realiza jornadas científicas e técnicas que são oportunas para solucionar problemas desta natureza.

Em situações em que tal trabalho não seja possível de realizar em termos dos recursos humanos internos e disponíveis, é de grande responsabilidade e importante ponderar-se o tipo de intervenção, que neste caso poderá passar apenas por manutenção, ou seja, limpeza e desinfestação expedita e sem quesitos de conservação e restauro.

16.6 Síntese • Os cuidados de manutenção dos acervos museológicos são uma questão cultural,

antes de se tornarem uma questão técnica e científica. • A estratégia museológica deverá contemplar as preocupações sobre a salvaguarda

dos espólios, mas essencialmente sobre as melhores práticas de conservação e restauro que sirvam aquela linha de visão para cada museu.

• A gestão material das coleções deverá ser questionada em função das capacidades internas e, sempre que possível, o estabelecimento de parcerias e protocolos com entidades de ensino e formação que credibilizem as ações a serem seguidas.

• A conservação preventiva é uma das linhas de trabalho sistemático que assegura todo o funcionamento integrado do museu e contribui para a sua imagem distintiva dos demais.

• A interdisciplinaridade é uma via incontornável do trabalho museológico contemporâneo e, por isso, mecenato, voluntariado, parcerias, criatividade, eventos, internacionalização, qualificação, etc., são um conjunto indissociável de terminologias cujas ações consequentes asseguram a permanência e indispensabilidade dos museus, e, por uma maioria de razões, num país demograficamente assimétrico, os museus locais.

16.7 Sugestões de leitura SEMEDO, Alice; COSTA, Patrícia (Org.), (2011), Ensaios e Práticas em Museologia, Porto: Universidade do Porto / Faculdade de Letras / Departamento de Ciências e Técnicas do Património, https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/8926.pdf

(Organizada em forma de agregação de uma série de reflexões e partilha de resultados de investigação estrutura-se da seguinte forma: Sumário; Apresentação; A importância da documentação e gestão das colecções na qualidade e certificação dos Museus, por Alexandre Matos; Investigar en educación museística, por Amaia Arriaga; Profissionais de Educação em Museus: caso de estudo na cidade do Porto, por Ana Bárbara da Silva Magalhães Veríssimo de Barros; Os Museus e o Património Cultural Imaterial. Algumas considerações, por Ana R. Carvalho; Museus de Ciências Físicas e Tecnológicas: contributos para a gestão das suas colecções, por Carlos Alberto Loureiro; Museu Militar de Bragança / Fundação, por Emília

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Capítulo 16 - A conservação e restauro numa perspetiva museológica

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Nogueiro; Museusicologia: o lugar da música no museu de arte, por Giles Teixeira; As Salinas de Alcochete – Um Património a musealizar, por Maria Dulce de Oliveira Marques; Ser turista num museu - Especificidades de um público, por Helena Dinamene Baltazar; Museus para o Povo Português - O Museu de Arte Popular e o discurso etnográfico do Estado Novo, por Joana Damasceno; La política museística municipal en el contexto español: la Red de Museos del Ayuntamiento de Murcia, por Luz Gilabert; Os Museus e o ensino industrial: percursos e colecções, por Patrícia Carla R. Mota Costa; A heurística do objecto médico, por Sónia Castro Faria; Museus Inclusivos: realidade ou utopia? por Sónia Santos. É um leque alargado de contributos. Na p.8 Alexandre Matos refere que:”A definição de critérios de certificação do trabalho de documentação de colecções pelos museus é tarefa complexa, dispendiosa e morosa, contudo deve ser considerada como uma das prioridades no contexto museológico nacional, atendendo aos benefícios associados que a experiência dos nossos parceiros europeus atesta.” Amaia Arriaga, na p. 24 expressa que: “En el caso de la museografía, en los últimos años los museos están ensayando nuevos enfoques curatoriales que parten de una concepción del visitante como espectador activo, que construye su propias interpretaciones de los objetos.” Esboçando o panorama que estudou, Ana Barros na p. 55 explica que: “Entre as actividades interpretativas que visam diferentes públicos, constata-se uma maior frequência de visitas, sob diferentes formatos, as oficinas, a produção de materiais de apoio, como as edições didácticas, jogos, as acções itinerantes, em que se evidenciam as maletas pedagógicas e as exposições itinerantes e os programas específicos nos quais se inserem as iniciativas sazonais e enquadradas nos diferentes períodos do ano são também comuns. A avaliação é ainda uma tarefa pouco investida nos museus, constituindo um mero apontamento numérico para satisfazer as pressões institucionais. Estudos qualitativos e contínuos são raros, para não dizer nulos.” Ana Carvalho escreve sobre o património imaterial e regista uma constatação que advém da sua investigação. Assim, nas pp. 87-88 lemos que: “Desde logo se constata a ausência de referências ao imaterial na missão da maior parte dos museus, o que tem a ver com uma tradição museal profundamente enraizada na cultura material. Para além disso, a par com a evolução do conceito de património cultural, cada vez mais alargado, também os museus têm alargado o seu campo actuação. E à medida que se valorizam mais ―patrimónios, também a acção dos museus se torna mais interessante, mas também mais complexa, exigente e difícil de alcançar. Os museus são por natureza instituições de recursos limitados (tanto financeiros, como humanos). Se atentarmos ao panorama museológico português, um inquérito aos museus publicado em 2000 revelou indicadores pouco positivos, confirmando a ausência de recursos humanos qualificados (Santos: 76). Não se está longe da verdade ao concluir que este é um desafio que permanece actual para muitos museus, onde a constituição de equipas que possam dar cumprimento a um programa de actividades continuado é ainda um objectivo distante.” Esta é uma realidade ainda mais difícil de gerir nos museus de comunidade sem recursos humanos profissionalizados. Carlos Loureiro na p.107 refere a questão da gestão das coleções da seguinte forma: “Pode-se assim concluir que a gestão de colecções concentra todas as laborações que resultam na preservação da colecção, no seu controlo físico e intelectual e na exploração da mesma. Para Andrew Roberts (1988: 1) a gestão de colecções engloba as políticas e procedimentos relacionados com o acesso, controlo, catalogação, utilização e selecção da informação, aquisição e empréstimo de objectos ao cuidado de um museu, relacionados com a disposição física das peças e transporte dos objectos. Susan Pearce (1992) considera que a gestão de colecções abrange as políticas e práticas afectas aos objectos museológicos, nomeadamente a aquisição, alienação, documentação, investigação, reserva, exposição e demais aspectos relacionados com a movimentação dos objectos. É também responsável pela definição de códigos de boas práticas para os profissionais dos museus.

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Sendo assim, e partindo do pressuposto que os museus servem o interesse de dois grupos de ―clientes (as suas colecções e os que os visitam), a gestão de um museu e das suas colecções revela-se um exercício algo complexo e difícil até se conseguir o equilíbrio entre este conflito de interesses (RUNYARD e AMBROSE 1991:6).” De qualquer forma, também o problema das coleções militares com o desenvolvimento do turismo cultural e do turismo militar é crítico para a qualificação dos museus militares. Por isso, na p. 152 escreveu: “Após esta breve análise sobre o Museu Militar de Bragança concluímos que esta instituição consubstancia no seu propósito de existência, desde a sua fundação, alguns dos princípios preconizados pela nova museologia. Esta afirmação não deixa de ser curiosa pelo inato tradicionalismo com que se reveste uma instituição como é o Exército, e pela aparente irreverência que envolve o conceito de ―nova museologia. Talvez seja esta conjugação de conceitos supostamente incoadunáveis a nossa mais pertinente conclusão.” Giles Teixeira, ao abordar o papel da música no museu de arte afirma na p. 165: “De forma a se tornarem mais democráticos e mais sensíveis aos interesses e exigências de um vasto público, os museus esforçaram-se por ter um carácter mais comunicativo, explorando consequentemente novas e variadas formas de expor e interpretar a arte. Dado que a prática e a teoria andam sempre a par, foi necessário recorrer a teorias pós-modernas para enquadrar e legitimar essas novas abordagens expositivas. Entre estas teorias, destacam-se o paradigma culturalista (enquanto teoria da comunicação inerente à escola semiótica) e o construtivismo (enquanto teoria inerente ao processo de aprendizagem).”. Na p. 196, Maria Dulce Marques propõe a musealização das Salinas de Alcochete e conclui a sua participação referindo: “(…) é inegável a importância do património das marinhas tornando-se fundamental a sua conservação e preservação, que passa por um projecto de musealização, urgente e necessário pelas seguintes razões: pelo valor patrimonial, histórico, cultural e natural das salinas e a importância que o salgado desempenhou no desenvolvimento económico e na dinamização social e cultural da região; o facto do concelho de Alcochete estar em crescente expansão económica e social, muito acelerada pela inauguração da Ponte Vasco da Gama em 1998 e uma vez que novos residentes e novos investimentos são atraídos para esta região; o salgado e o comércio do sal fazem parte das raízes históricas e culturais do concelho de Alcochete, contribuindo para a formação da identidade local e até nacional.” Na sua relação entre a revisão de literatura e reflexão pessoal sobre a realidade do seu tema “Ser turista num museu”, Helena Baltazar na p. 205 destaca que: “O que estes estudos acabam por revelar é que apesar de um perfil sociodemográfico comum entre os turistas consumidores habituais de cultura e os visitantes regulares de museus, a par de motivações que oscilam entre a aprendizagem, o entretenimento e a sociabilização, quando se estudam os turistas que visitam/ou não atracções culturais, verifica-se que o consumo de bens culturais depende mais da circunstância de estarem num contexto diferente do seu quotidiano e do seu ritmo normal que de uma predisposição para determinado consumo. Assim, pessoas que no seu dia-a-dia poderiam ser não visitantes de museus, podem sê-lo em tempo de férias, sendo o inverso também verdadeiro. Pode por isso afirmar-se que há toda a relevância em tratar os turistas como um segmento de público diferenciado dos restantes visitantes dos museus, pois o seu comportamento é determinado pelo contexto específico do que designo ―estar turista”. Seguidamente, e sobre a génese e significado, hoje, do Museu de Arte Popular, Joana Damasceno esboça uma análise que a leva a considerar na p. 2031 que: “O museu seria assim um exemplo de soberania, de profunda diferenciação e retrato da alma do povo, tanto que nas legendas do novo museu surge uma dedicatória consagrada ―ao Povo Português – autor deste museu. (FERRO, 27, 1948). Todas as actividades realizadas pelo SPN/SNI como exposições, concursos, bailados confluíram para esse projecto único do museu, pois ―tudo obedecia ao pensamento da primeira hora, à finalidade da construção deste museu. Tudo

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havia começado em 1935 numa exposição em Londres que se repetiu em 1937 na Exposição das Artes e Técnicas da Vida Moderna em Paris, tendo sido ambas consideradas um grande sucesso. O mesmo se repetiu nas exposições de Nova Iorque e S. Francisco em 1939. Até atingir ―a maré cheia da nossa obra com o Centro Regional da Exposição do Mundo Português (…): Portugal inteiro coube neste cantinho de Belém durante seis meses. E logo a ideia do actual Museu ficou com as suas paredes erguidas. (FERRO, 19, 1948). O próprio edifício, originário da Exposição do Mundo Português era uma autêntica exaltação da arte popular e dos seus benefícios morais. A arquitectura também sofreu a acção do poder totalitário, embora a busca de uma casa tipicamente portuguesa também viesse de trás.” Nesta lógica, e como se evoca a seguir na p. 235, remata com um estereótipo de que ainda hoje há testemunhos mitigados mas cristalizados em alguns museus locais quendo é escrito que: “Em 1947 são publicadas as Normas Gerais de Organização de Museus Regionais numa tentativa de normalização de inventário com regras a nível do mobiliário, discurso expositivo, instalações. Realizam-se também arquivos etnográficos. O Museu Etnográfico Municipal da Póvoa do Varzim tem origem na I Exposição Regional de Pesca Marítima, em 1936 e teve como grande objectivo valorizar as comunidades piscatórias. É um museu etnográfico regional.” Similar ao que se passa em Portugal, quando Luz Gilabert trata da questão dos museus municipais da região de Múrcia-Espanha, na p. 255 fica escrito que: “La aspiración de las localidades murcianas de tener un establecimiento donde conservar los restos de su patrimonio cultural fue, en ocasiones, más allá de sus posibilidades reales para el buen mantenimiento de estos centros museísticos, ya que muchos de ellos carecían de personal técnico o de las adecuadas instalaciones. Para resolver éstas y otras cuestiones, la Consejería de Educación y Cultura presentó una Ley de Museos a la Asamblea Regional de Murcia, que fue aprobada en pleno, el 3 de abril de 1990, pero que ni sus determinaciones más elementales llegaron a ponerse en práctica.” Esta é, aliás, uma questão partilhada de um e de outro lado da fronteira. Tratando do tema dos Museus e Ensino Industrial, Patrícia Costa partilha com os seus leitores uma questão deveras relevante, afirmando que: “Foi o empenho e o profissionalismo de muitos eméritos professores e educadores, envolvidos de alma e coração neste projecto, cujos muitos nomes se perderam na poeira dos tempos que, como seu empenhado pioneirismo e abnegação, acreditando que o futuro se faz em cada dia que passa, ousaram instalar este tipo de museus, tão diferentes dos outros, quer na sua missão, quer nos seus objectivos, com um modo de organização e de exposição temática acessível ao público que o visitava, quer fosse especialista ou leigo na matéria.” referência que de algum modo se poderá assemelhar aos museus de comunidade. No título sobre o objeto médico e sua musealização, Sónia Faria na p. 292 expressa a disponibilidade da sua organização para a partilha de problemas e de soluções quando expressa o seguinte: “No sentido de abrir caminho à investigação de colecções médicas e servir de instrumento de investigação não só ao Museu do Centro Hospitalar do Porto, mas também a museus congéneres, os quais muitas vezes para além dos parcos recursos financeiros não possuem os recursos humanos adequados à colmatação das deficiências encontradas nesta e noutras vertentes da gestão de colecções, desenvolvemos um modelo de estudo pensado e vocacionado na materialização do objecto médico, partindo da análise e reflexão do espólio do Museu do CHP, modelo esse que revela a singularidade de propor uma classificação normalizada do objecto médico.” Sónia Santos na p. 322 escreve sobre os museus e o seu papel inclusivo e remata com a seguinte frase: “As caracterizações do museu deste século qualificam-no como um espaço de representação para um público cada vez mais heterogéneo e exigente. Não basta, para a sua sobrevivência, a acumulação de história e de tempo, tem de ser activo na busca e satisfação de necessidades que se prendem, igualmente, com as das pessoas com deficiência que não poderão ser esquecidas no planeamento dos programas museológicos actuais.” Pela sua

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atualidade, esta obra conjunta recomenda-se como um contributo para todos os museus na discussão das suas dificuldades e nas propostas que poderão ser inspiradoras no apoio à sua gestão.)

SALVADOR, Maria Teresa Policarpo Correia, (2014), Monumentos e Museus - Patrocínios, Mecenato e Voluntariado, Dissertação apresentada ao Instituto Politécnico de Tomar para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Mestrado em Desenvolvimento de Produtos de Turismo Cultural, Orientação: Professor Coordenador Luís Mota Figueira, https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/13439/1/Monumentos%20e%20Museus%20-%20Patroc%C3%ADnios%2C%20Mecenato%20e%20Voluntariado.pdf

(Tratando-se de um trabalho de investigação/ação desenvolvido entre revisão de literatura e obtenção de dados empíricos na convivência diária da Autora com o MAR estabelece, ao nível do trabalho de voluntariado, uma série de questões importantes para os museus de comunidade. Como se apresenta na p.42 um caso de mecenato bastante divulgado em Portugal, refere-se o seguinte: “Efetivamente, o Comendador Manuel Rui Azinhais Nabeiro é considerado um exemplo como empresário, o que faz dele um ícone na sua região. Começou a sua vida de trabalho aos 13 anos de idade num negócio familiar de torrefação de cafés. Com apenas 19 anos de idade, depois do falecimento do pai assumiu a gerência da empresa. O seu forte espírito empreendedor, movido de uma vontade acérrima de vencer, que a par da sua generosidade, e do seu sucesso profissional, faz dele uma das pessoas mais reconhecidas de Portugal. A Comunidade da sua terra natal considera-o como um benfeitor. Pela internalização da sua atividade empresarial os cafés Delta são reconhecidos fora das fronteiras, principalmente em Espanha, onde Manuel Rui Azinhais Nabeiro tem grande notoriedade como pessoa e como empresário. Neste contexto, e conhecendo, este empresário pelas suas práticas mecenáticas, sempre associadas a uma forte componente comercial, podemos concluir, que patrocínios e mecenato, embora apresentando índole diferente, têm subjacente, na generalidade, uma filosofia comum, por parte dos próprios praticantes.” Este exemplo empresarial faz parte de uma estruturação desta dissertação cujo foco também se coloca em museus de comunidade. Organizada em 7 capítulos: enquadramento prévio, com destaque para a importância do Turismo Cultural no Desenvolvimento Local; mecenato e mecenato em Portugal; legislação e práticas mecenáticas; o mecenato e sua relação com a salvaguarda do património, com especial interesse para museus de comunidade; estudo de caso do Museu Agrícola de Riachos, que eventualmente terá interesse para organizações congéneres na tipologia e na escala museológica ali representada e para casos de museus comunitários e sua integração na sociedade local; a apresentação de um modelo passível de aplicação na sub-região do Médio Tejo. Toda esta estrutura é seguida de 7 anexos onde o nº 6 trata, por exemplo, do “Guia de Depoimentos”, ilustrando o trabalho de campo e as recolhas de dados da Autora junto dos colaboradores do MAR, nomeadamente das Oficinas Pedagógicas, e o nº7 que, tratando das “Actividades Agrícolas”, se orienta à relação Património-Mecenato. Na p. 46, a Autora indica uma ação mecenática num emblema nacional da Lista do Património da Humanidade da UNESCO: “Numa iniciativa de voluntariado promovida pela IBM, a cozinha do Convento de Cristo foi intervencionada no âmbito do melhoramento do seu aspeto, dado a sua degradação e sujidade. Os voluntários da IBM foram preparados e acompanhados pelos técnicos que habitualmente fazem a manutenção do Convento. (www.conventodecristo.pt).” Nesta lógica, apresentando-se o mecenato e voluntariado numa escala museológica desde os museus de comunidade até ao museu e/ou conjunto patrimonial e artístico de craveira mundial, como é o caso do Convento de Cristo de Tomar, apreendemos o alcance deste instrumento valorizador das intervenções de

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qualificação de património, mas com maior importância de qualificação de recursos humanos e de processos de trabalho. É apresentada inclusivamente uma iniciativa possível de concretizar durante um ano (atenuando, por exemplo, o problema da sazonalidade da procura turística) quando na p. 86 se refere: “A ideia de organizar a marca 12 Médio Tejo de acordo com o ciclo agrário, pretende focar-se numa temática de eventos que devidamente explorada atinge os seguintes objetivos: ¬ Desenvolvimento sustentado com contributo da sociedade; ¬ Didática social e empresarial sobre o valor dos museus monumentos, com ativação patrimonial, consequente; ¬ Geração de riqueza através de uma marca de ruralidade num contexto em que a paisagem cultural é predominantemente agrária. Ciclos agrícolas: Faneiro - gear / Fevereiro - chover/ Março - encanar / Abril - espigar / Maio - engrandecer / Junho - aceifar/ Julho - debulhar / Agosto - recolher / Setembro - vindimar / Outubro - revolver / Novembro - semear / Dezembro - nascer; Deus para nos salvar. A partir da identificação dos ciclos, partimos para a sugestão e calendarização dos eventos com 12 museus, 12 meses, 12 eventos. Em primeiro lugar faremos uma breve descrição do museu e da circunstância do evento sempre vinculado ao ciclo agrícola.” Como se depreende deste estudo, há propostas e há vias de trabalho que, geradas na relação dos investigadores com os protagonistas dos seus objetos de estudo, podem significar uma evolução qualitativa dos museus de comunidade e uma forma de socialização científica e social muito relevantes para o sucesso da função social de cada museu. A Autora conclui a sua proposta referindo o seguinte na p. 109: “O patrocínio é incontornável, o mecenato é desejável e o voluntariado é a sustentabilidade do projeto específico do MAR. Fundamentamos estas considerações dado que no estudo de caso foi possível compreender as dinâmicas museológicas e o seu contributo para o desenvolvimento de base territorial. O trabalho de campo que exaustivamente consistiu em acompanhar a evolução das atividades entre 2012 e 2014, em que existe material recolhido que eventualmente usaremos em investigações posteriores podemos, contudo, destacar: ¬ Há espaço de investigação no domínio do Desenvolvimento de Produtos de Turismo Cultural, possa constituir-se em propostas tal como fazemos para 12 Médio Tejo; ¬ A validade da investigação decorre dos dados primários recolhidos junto dos principais atores, da revisão da temática que apontou o eixo da investigação que acabamos por seguir e por último a proposta anexa a esta dissertação que será operacionalizada, no território, aumentará os valores de atratividade museológica e contribuirá para a inovação no domínio do patrocínio, mecenato e voluntariado, bem como a promoção da coesão museológica; ¬ A pouca coesão museológica na sub-região do Médio Tejo; ¬ O alheamento de alguns atores institucionais neste domínio; ¬ A dificuldade em encontrar referências atualizadas e dados disponibilizados pelas entidades contactadas.” De um ponto de vista de salvaguarda ativa do património natural e cultural e do seu enquadramento de conservação e restauro, a perspetiva museológica deverá ser cuidadosamente avaliada e repensada em função do que acontece aos acervos e sua funcionalidade ao serviço de residentes e de visitantes.)

ALARCÃO, Catarina, (2007), Prevenir para preservar o património museológico. Faro. MUSEAL, Revista de Museologia do Museu Municipal de Faro, nº 2, http://www.museumachadocastro.gov.pt/Data/Documents/Prevenir%20para%20preservar%20o%20patrimonio%20museol%C3%B3gico.pdf

(Documento técnico que marca um percurso de leitura adequada ao problema da conservação e restauro dos acervos. O texto abre com uma abordagem ao tema “Conservação preventiva: um conceito recente”, onde na p.8 se refere o seguinte: ”Nos anos 70, ao aperceber-se dos problemas causados pela instalação sistemática de climatização nas galerias de exposição, Gary Thomson demonstrou a importância de controlar o meio ambiente que rodeia as colecções, bem como a sua iluminação.(…) Mas foi Gäel de Guichen o primeiro a utilizar a

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expressão “conservação preventiva”, sendo por isso frequentemente considerado o padrinho (godfather) da disciplina: “Where yesterday one saw objects, today one should see collections. Where one saw rooms, one should see buildings. Where one saw a person, one should see teams. Where one saw short-term expenditure, one should see long-term investment. Where one saw day-to-day actions, one should see programme and priorities. Preventive conservation means taking out a life insurance for museum collections.” Desta forma, a passagem de objetos a serem expostos para coleções a serem cuidadas, e aumentada a complexidade inerente à evolução da conservação preventiva, tem acompanhado a evolução tecnológica e a disponibilização de instrumentos, equipamentos, ferramentas e teorias em ordem a fazer-se tardar o mais possível o envelhecimento natural dos objetos. Em museus de comunidade os acervos são materialmente compostos por materiais etnográficos, pobres e sem capacidades de resistência porque na génese da sua produção o descarte era algo normal. Por exemplo, muitos utensílios de madeira por alturas da colheita de azeitona eram “reparados” (ao nível dos encabamentos de ferramentas, tais como pás, rodos, ancinhos, forquilhas, etc.) com madeira com um ano de secagem e proveniente dos ramos que tinham secção e comprimento suficiente para serem usados como cabos. O que se reunia destes ramos num ano era utilizado no ano seguinte. Retomando o texto de Catarina Alarcão na p. 10, também lança um conselho na gestão dos objetos e no procedimento geral da sua salvaguarda, porque esta é variável: “Antes de constituir um problema técnico-científico é um problema de mentalidade. Partindo da consciência de que um objecto, seja qual for a sua materialidade, pode danificar-se ou mesmo destruir-se a qualquer momento, obliterando uma mensagem que o museu, como detentor do património cultural, tem o dever de transmitir. De que modo? Através do estudo minucioso e científico dos materiais constituintes dos objectos, da tecnologia envolvida, das causas e dos processos da sua (verificada ou eventual) deterioração. Evitar, controlar ou reduzir a curto (década), médio (século) e longo (milénio) prazo esses processos são passos de uma mesma estratégia.” Nesta perspetiva, o tópico seguinte “A conservação preventiva como disciplina” surge neste texto como um alerta para a necessidade de incorporar-se mais conhecimento tanto teórico como prático, porque como revela na p.12: “Se é verdade que, antes de ser um problema técnico-científico, a preservação é uma questão de mentalidade, não é menos certo que a conservação preventiva exige consenso de muitos saberes altamente especializados e diversificados, e uma coordenação eficaz.” Nesta ideia de interdisciplinaridade, apresenta outro tópico “Que áreas engloba”, onde carateriza as componentes que deverão estar interligadas para que a gestão integrada da conservação e do restauro dos acervos possa ser objeto de estudo, discussão, decisão, ação e avaliação, entendemos nós a partir das suas reflexões. A Autora apresenta-as nas pp. 12-13: “São várias as áreas que a conservação preventiva aborda: o transporte, a embalagem e o manuseamento dos bens patrimoniais; o controlo do ambiente das áreas de exposição e reserva; os materiais de construção dos edifícios e equipamentos. Com o objectivo de providenciar medidas de conservação e segurança, que evitem ou reduzam a deterioração, a avaliação e gestão de riscos das colecções e do edifício é um dos aspectos mais recentes e importantes da disciplina. (…) A gestão integrada de pestes (Integrated Pest Management), a definição de sistemas de segurança e a planificação de estratégias de actuação, em casos de acidente ou imprevistos, constituem outros aspectos fundamentais da conservação preventiva”, para os museus de comunidade e para todos os museus cujos edificados são pobres ou muito antigos estes problemas são comuns. O controlo das pestes nos museus relacionados com objetos em madeira, têxteis, vimes e cestarias, etc., torna-se um problema quotidiano que exige cuidados continuados. No tópico “Vantagens da adopção de uma política de conservação preventiva”, p. 13, é apresentada uma visão didática sobre esta questão, em que a autora estabelece uma

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Capítulo 16 - A conservação e restauro numa perspetiva museológica

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ligação do Museu ao Turismo quando afirma que: “A importância da conservação preventiva não pode ser medida apenas em termos dos benefícios específicos para uma determinada colecção, pois o seu impacto é muito mais largo podendo inclusivamente contribuir, em certos casos, para o crescimento do turismo.” Nas pp. 15-16, expande-se o tema “A conservação preventiva no panorama internacional”, importante pelo enquadramento das teorias e dos procedimentos mais atualizados nesta matéria e pelas referências ao ICOM, International Council of Museums, ICCROM, International Centre for the Study of the Preservation and Restoration of Cultural Property, V&A, Victoria and Albert Museum, GCI, Getty Conservation Institute), CCI, Canadian Conservation Institute, NCPTT, National Center for Preservation Technology and Training e ao SCMRE (Smithsonian Center for materials Research and Education). Todas estas instituições e seus sítios na web divulgam informações cruciais para exploração dos interessados em compreender e em tirar vantagem do conhecimento sobre estas organizações e as redes que alimentam e onde participam. Por isso, o tópico seguinte “Um Projecto Europeu”, p.16, refere o seguinte: “O Projecto European Preventive Conservation Strategy – PCStrat envolveu vários países europeus - entre os quais, Portugal - e culminou numa reunião em Vantaa, na Finlândia, em Setembro de 2000, onde foram definidas linhas estratégicas de actuação no tocante à conservação preventiva. O objectivo era Traçar uma Estratégia Europeia de Conservação Preventiva.” O tópico “Legislação e prática em Portugal”, na p.18, marca uma reflexão da Autora: “Aliás, a inexistência, em Portugal, de uma “tradição preventiva” tem dificultado igualmente as políticas de prevenção postas em prática noutros sectores da vida pública. Apesar de todas as dificuldades, existe, por parte de algumas tutelas, vontade expressa de contribuir para o desenvolvimento de uma política nacional de conservação preventiva do património português.” Nesta dimensão de constatação e crítica, porém, as pistas apresentadas são relevantes, certamente que entre a data de publicação deste texto e 2019 muito se conquistou. Eram apresentadas no domínio da museologia a RPM (Rede Portuguesa de Museus), o IPM (Instituto Português de Museus), o IPCR (Instituto Português de Conservação e Restauro), atualmente integrados na estrutura da DGPC. A alusão na p.19 a “Os planos de conservação preventiva” desenvolve-se com referência a: “A Lei-Quadro dos Museus Portugueses (Lei n.º 47/2004, de 19 de Agosto) estabelece no seu artigo 28º que “A conservação de bens culturais incorporados obedece a normas e procedimentos de conservação preventiva elaboradas por cada museu” e que deverão constituir o Plano de Conservação Preventiva”. O tópico “Principais factores a ter em conta num plano de conservação preventiva”, desenvolvido entre as pp. 20-32, é de extremo interesse pela questão como trata da “A luz”, e da “A Temperatura e a Humidade Relativa”, “Os poluentes”, “As infestações nas colecções”, que, numa dimensão de museus locais são matérias de leitura “obrigatória”. A apresentação de gráficos e imagens consubstancia uma didática aplicada, com muito interesse, nomeadamente para iniciados em museologia e na componente de conservação. Em “Sugestões futuras” respigamos a seguinte afirmação: “A bibliografia em língua portuguesa sobre conservação preventiva é escassa e poucos são os museus e outras instituições culturais que dispõem de publicações especializadas em língua estrangeira. Embora este aspecto seja hoje minimizado em parte pelo acesso à Internet, e pela disponibilização online de bibliografia, seria importante investir em publicações diversas, com textos de leitura fácil, adequadamente ilustrados e mostrando os procedimentos a seguir em casos paradigmáticos que sirvam de apoio aos que tenham de tomar decisões nesta área. Dado não existir, em muitos museus, equipamento mínimo necessário à conservação preventiva, nem profissionais especializados capazes de ilustrar, aplicar e difundir metodologias correctas, a criação de um sistema informático, constantemente actualizado, que combinasse os vários conhecimentos distintos que esta área engloba, poderia permitir ultrapassar essa carência.” Esta ideia de criação de um sistema informático, como se sugere,

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Capítulo 16 - A conservação e restauro numa perspetiva museológica

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continua dramaticamente atual, pese embora os esforços de algumas das instituições em partilhar conhecimento. Este é um artigo que se recomenda porque os museus de comunidade precisam caminhar para o paradigma do «conhecimento partilhado», atenuando o anterior paradigma de «voluntarismo isolado».)

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Capítulo 17 - O museu e o turismo cultural

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Capítulo 17 - O museu e o turismo cultural

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17.1 Introdução A partir do momento em que cada comunidade iniciou a construção memorial, tal como nos mostra a História e a conservação dos testemunhos, ambos vividos como coletivos, e portanto identitários, iniciou-se também a transmissão dos legados da comunidade. Os bens culturais, transmissores de factos da cultura material e da cultura imaterial dos povos, funcionam no universo social como referências da construção cultural.

Entre recolha e proteção e descarte e destruição há objetos que assumem estatutos de notoriedade e são musealizados. Investidos de sentido patrimonial acabam por representar uma identidade, ser ícones de uma autenticidade, tornarem-se esteios seguros de rituais sociais ao longo dos tempos.

A tradição e a recuperação das tradições são rituais que as comunidades utilizam no sentido de sentirem as suas «raízes» e exercitarem o seu «direito à memória», linhas estruturantes que estimulam os vínculos a uma cultura distinta das demais e que o território (costeiro, de montanha, de lezíria, citadino, rural, etc.) mais assinala.

O património cultural, investido de atributos e destinado a prevalecer no convívio das comunidades, acaba por servir os memoriais, mas igualmente as atividades contemporâneas. Assim, a tradição, a história e as suas revivências nostálgicas associadas à contemporaneidade estabelecem nas comunidades uma relação cuja existência fundamenta a visitação, a exploração e descoberta pelos que a ela não pertencem.

A procura de Uns pelos Outros, com o objetivo de se trocarem coisas que se têm por coisas que se descobrem, é o fio umbilical do turismo? Provavelmente, porque como refere Ignarra160: “O fenômeno turístico está relacionado com as viagens, a visita a um local diverso do da residência das pessoas. Assim, e, termos históricos, ele teve início quando o homem deixou de ser sedentário e passou a viajar, principalmente motivado pela necessidade de comércio com outros povos. É aceitável, portanto, admitir que o turismo de negócios antecedeu o de lazer.”

Neste sentido, a motivação económica acabou por arrastar outras necessidades que catalisadas pela curiosidade, constância do comportamento humano, dariam origem a outros tipos de viagem, outros tipos de práticas turísticas. Desde 1994 que a OMT passou a definir o Turismo como englobando “(…) as atividades das pessoas que viajam e permanecem em lugares fora de seu ambiente usual durante não mais do que um ano consecutivo, por prazer, negócios ou outros fins.” 161

Na atualidade, autores como Dina Ramos e Carlos Costa162 suscitam um olhar atualizado argumentando que: “Provavelmente, mais do que a maioria dos sectores de atividade, o sector do Turismo está a enfrentar uma mudança acentuada e a um ritmo galopante. Para Costa (2013) esta mudança contribui para a criação de um novo consumidor de Turismo. Este novo consumidor de Turismo não é apologista de Turismo de massas, ou do marketing massivo. Na realidade, este novo turista procura o Turismo diferenciado, um tratamento personalizado, conhecer outros modos de vida e experienciar vivências autênticas e genuínas. Trata-se de um turista informado, na vida de quem as tecnologias de informação têm uma presença plena. Este novo turista sabe o que procura, respeita o ambiente e a comunidade.

160 IGNARRA, op. cit. p.2 161 OMT, op. cit. (2008) 162 Op. cit, p. 30 (2017)

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O Turismo tradicional para sobreviver deverá adaptar-se, tornar-se melhor e mais competitivo, e estar preparado para um mercado turístico mais volátil, na opinião destes autores. Segundo Costa (2013), a globalização é uma competitividade sustentável, pilar de mudanças em planeamento e organização turística e com um impacto estruturante nos componentes e na estrutura da oferta turística.”

Nesta ótica de desenvolvimento, o papel do património, tanto natural quanto cultural, bem como o papel dos museus, com impacto local e regional relevante, como é o caso, dos museus de comunidade, criam uma relação de interesse para a exploração turística. Numa perspetiva trans, pluri e multidisciplinar, esta relação entre “Património-Museus-Turismo-Atores” polariza espaços de descoberta e redescoberta convivial (e não meramente económica) sobre mundos já desaparecidos, reinventados, respeitados.

Nesta constelação nostálgica, que alimenta muitos memoriais dos indivíduos, a ruralidade, a pesca artesanal e outras artes e ofícios, entretanto desaparecidos ou em vias de extinção, os museus locais são pontos de amarração e de criatividade com base no passado. São, igualmente pontos de coesão social e são realidades museológicas que tecem compromissos entre os atores e, por isso, se tornam valores continuados e novos valores, contribuindo, também, para a qualidade de vida nos destinos turísticos.

As reconstituições históricas e a procura, por exemplo, de gastronomias tradicionais documentadas fazem parte do fascínio que estes museus de comunidade bem estruturados podem oferecer ao país para crescimento sustentado e qualificado da atratividade turística nacional.

17.2 Recursos patrimoniais e turismo Se os recursos endógenos são os elementos que caraterizam um território, a cultura das

pessoas e alimentam a produtividade de muitas organizações, também é certo que a sua transformação em atrativos origina processos culturais autênticos.

Bastará olharmos para a paisagem natural da região de Aveiro para percebermos porque razão o produto “Circuito Turístico em Barco Moliceiro” parte do património naval popular para uma experiência turístico-cultural.

O museu, nas suas mais diversas formulações, desde o Museu Nacional de Arte Antiga163 até ao Museu de Comunidade164, é um dos diversos recursos turístico-culturais. Nas regiões mais desfavorecidas a simples presença de um espaço museológico pode significar a criação de fileiras especializadas em determinados segmentos do produto turístico com grande interesse,

163 http://www.museudearteantiga.pt/ 164 Um museu de comunidade, o Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, através do texto de apresentação do Presidente do município, Paulo Baptista dos Santos, é descrito como: “Assumindo o lema “O Museu de Todos”, o MCCB pretende fomentar e melhorar soluções técnicas em matéria de acessibilidade e inclusão, com o objetivo de acolher todos os públicos. Neste âmbito, as iniciativas dinamizadas, quer com o público infantojuvenil, quer com a população adulta, procuram sensibilizar para a inclusão numa perspetiva de consciencialização da cidadania. Nesta instituição que se pretende viva, o trabalho conjunto e continuado com a comunidade que representa é fundamental para a programação de atividades, não descurando ações que visem promover a sustentabilidade local.” Recomenda-se uma visita a http://www.museubatalha.com/apresentacao-do-museu

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desde que se consigam estabelecer redes de contacto, de cumplicidade e de realização económica.

O museu como espaço de evocação da memória e como testemunho material e intangível revela singularidades das culturas locais, posiciona-se como o enlace entre o passado e o presente e é uma instituição emergente onde se poderão criar e desenvolver iniciativas competitivas e pertinentes cujos valores se tornam também fundamentos de procura turística.

A este propósito, MELO165 lança um interessante desafio no que respeita à fruição turística dos lugares e das suas gentes e seu património natural e cultural, escrevendo: “Os turistas mais privilegiados poderão considerar um maravilhoso exemplo de diversidade cultural a possibilidade de viajarem por esse mundo fora e encontrarem em cada aldeia uma especialidade típica diferente de todas as que encontraram nas aldeias anteriores. Mas é provável que os habitantes de cada uma dessas aldeias prefiram escolher entre meia dúzia de propostas apresentadas por lojas de grandes empresas globais em vez de terem que se deliciar a vida inteira com o mesmo pitéu, mesmo sabendo que são os únicos à face da Terra a gozar de tal privilégio.”

Esta ideia vai ao encontro do que muitas vezes se imagina como sendo um «pequeno paraíso» nomeadamente nas terras do Interior em que o silêncio e pitéus de grande tradição culinária fazem as delícias dos Visitantes, mas, muitas vezes, são parte do suplício dos Visitados. Quando um atrativo é procurado em massa esse suplício acontece. Os museus de comunidade têm nesta matéria uma importância fundamental enquanto agentes concretos, objetivos, de inclusão social e podem ser espaços de descompressão da procura turística de massas associando-se à distribuição territorial dos turistas (dispersão planeada, eventualmente) atenuando os riscos da massificação? Esse é um problema que está em aberto, e que por exemplo redes museológicas e redes turísticas poderão resolver, eventualmente.

Os desafios do Interior podem ser respondidos com uma melhor distribuição turística. A chave de todo este processo de ligação do museu às atividades turísticas é a regularidade e a qualidade de prestação do serviço museológico. O público adere a eventos onde se sinta que há qualidade e rigor na expectativa de satisfação das suas necessidades enquanto visitante ou turista querendo pagar com a expetativa de usufruir de uma experiência marcante e singular.

A singularidade do museu nesta relação não deverá caber na imitação do que outros museus fazem, mas precisamente em oferecer o que na região nenhum outro poderá satisfazer no mercado turístico. É da diferenciação da oferta museológica que poderá sobreviver não apenas a entidade museal, mas a própria comunidade local que a sustenta. Em muitos territórios o turismo é, atualmente, o «motor económico».

17.3 Comunicar os museus de comunidade A necessidade de desenvolvimento de novas técnicas de comunicação e/ou divulgação de forma a despertar o interesse de novos consumidores e de promover os espaços museológicos e os seus produtos é cada vez mais visível, seja por empresas ou particulares.

Fidelizar os consumidores de “cultura” através da criação de novos fatores de atratividade para os museus e permutar o “cliente passivo” que visita o museu por um consumidor ativo

165 MELO, op. cit., p.43

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e participativo da vida e história do mesmo são cada vez mais fatores de diferenciação e de posicionamento do espaço museológico.

O marketing nos museus começa a ser uma estratégia aproximadamente no ano 1995, ano em que RENTSCHELER166 designa como “período da descoberta”, e em que no seu entender se verifica uma efetiva adoção das estratégias de marketing.

Na perspetiva de KOTLER167, “o processo de gestão (…) que confirma a missão do museu (…) e é responsável pela identificação, previsão e satisfação eficaz das necessidades dos seus utilizadores”.

“O sucesso do Marketing nos museus depende do conhecimento da sua missão e objetivos, da avaliação dos recursos disponíveis e … da avaliação dos resultados que permitam em última análise fazer as correções necessárias” Remelgado168.

Entendemos aqui a necessidade de falar sobre o plano de marketing e as bases que o compõem, e que facilmente pode ser aplicado num museu de comunidade: Segundo RITCHIE169, plano de Marketing “…Define a abordagem através da qual os potenciais visitantes são identificados e seletivamente “atraídos”, por meio da promoção e de outras ferramentas de marketing definidas no plano.”

Um plano de marketing pode ser realizado com maior ou menor rigor, contudo no nosso entendimento este deve englobar 8 passos distintos: 1. Diagnóstico da situação atual, que compreende uma análise do mercado, da concorrência e da própria entidade/museus; 2. Uma análise SWOT cuidada e real da empresa no momento; 3. Definir corretamente os objetivos que se pretendem com o plano de marketing; 4. Definir a estratégia a seguir relativamente ao nosso público alvo, ao nosso posicionamento no mercado e o produto com o qual pretendemos conquistar o nosso cliente/mercado; 5. Transformar os princípios da nossa estratégia em ações concretas através da definição do marketing-mix, ao nível do produto, da distribuição e comunicação do mesmo e do preço que pretendemos praticar; 6. Orçamento, valores quantificáveis de execução do nosso plano; 7. Controlar os resultados obtidos para verificar se a estratégia está a ser corretamente implementada ou se está a sofrer desvios; e, finalmente, 8. Atualizar o nosso plano sempre que necessário, porque o mercado muda, e este é um plano de trabalho que deve ser adequado e retificado sempre que necessitamos de nos ajustar ao mercado.

A crescente era da “digitalização” coloca-nos um desafio ao nível da inclusão das novas tecnologias nos museus, da adaptação dos conteúdos existentes e da criação de novos conteúdos que possam ser transportados à distância de um “dispositivo móvel”.

FAUSTINO170 entende que o Marketing Digital é complementar do marketing tradicional, a principal diferença entre ambos é que em marketing digital é possível medir o retorno do investimento efetuado. A aplicação dos conceitos do marketing tradicional através da utilização de ferramentas digitais pode ser o segredo do sucesso de uma estratégia de marketing, porque precisamos de criar estratégias através do planeamento do que se pretende fazer; definir os objetivos a atingir; definir o nosso mercado alvo e usar as

166 Rentscheler, op. cit. 167 Kotler, op. cit. 168 Remelgado, op. cit. 169 Ritchie, op. cit. 170 Faustino, op. cit.

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ferramentas disponíveis e adequadas para esse mercado; e, finalmente, perceber como vamos analisar os resultados da nossa estratégia.

Um plano de marketing digital bem-sucedido para os museus de comunidade deve oferecer aos consumidores aquilo que eles procuram, e neste caso é importante conseguir transmitir a genuinidade de cada lugar, a sua história, a sua cultura e as suas tradições. É necessário acima de tudo mostrar a realidade vivida e atual de cada comunidade.

CÂNDIDO171 diz que os “museus se distanciam dos temas de branding e marketing”, temas que, segundo a autora, são “inescapáveis para sua sobrevivência”. Refere a autora que “Tudo no museu deveria ser pensado em função do que ele pretende representar. Para ele, a marca tem a ver com a visibilidade e o prestígio do museu e impacta todas as decisões, tanto de quem vai investir, patrocinar, como de quem vai visitar, em um mundo com tantas opções e tempo cada vez mais limitado. Esses propósitos externos da marca associam-se aos propósitos internos como uma ferramenta de gerência nas tomadas de decisão sobre o que fazer ou não em determinadas situações.”

Para Jones172, a explicação é que “os conceitos de “museu” e “marca” não se relacionam de forma evidente. As pessoas tendem a associar “museu” com integridade institucional, e “marca” com exploração comercial. Segundo o autor, “A marca, em sentido estrito, não é apenas o nome, o logo, o design gráfico e nem mesmo apenas o marketing. É o que uma organização representa, por meio de tudo o que faz. A marca de um museu deveria, portanto, ser trabalhada cuidadosamente no seu programa. Exposições, eventos, mostras da coleção: tudo deveria ser inspirado pela ideia específica que o museu pretende representar.”

A estratégia de promoção turística nacional, vivendo de um paradigma de marcas estratificadas em pirâmide, desde a Marca “Portugal” no topo até marcas regionais e sub-regionais, terá que integrar os museus. Os museus de comunidade devem ser parte integrante através da descoberta da autenticidade que os carateriza e distingue.

As vivências prometidas por esse conjunto de marca e submarcas define claramente a imagem global de Portugal no Mundo. Se a gestão integrada das marcas se vai impondo, a partilha de problemas e de soluções previstas no documento Estratégia Turismo2017 deverá significar ganhos de notoriedade, tanto nos segmentos mais tradicionais como nos segmentos emergentes.

Segundo SALVADOR 173, “As empresas têm a possibilidade de através das suas ações de marketing incrementarem estas práticas com sucesso e com retorno. Por sua vez, a comunidade em geral, nas suas localidades, poder participar de forma ativa na preservação das suas tradições e do seu património material, disponibilizando o seu tempo, levanta a questão pertinente de que o campo de ação do mecenas seja restringido ao que está estipulado em lei ou se esta pode ser alterada, alargando de forma exponencial os seus campos de ação. (…) Quando falamos em mecenato associamos esta prática a alguém que se predispôs a pagar pecuniariamente o suporte ou a manutenção de um bem cultural, seja em forma de pagamento a um artista, a preservação e manutenção de um bem patrimonial, ou ainda a promoção de uma atividade cultural. Admitindo que o atrás referido corresponde à verdade, poderíamos concluir que estas práticas estão delineadas e circunscritas, o que de 171 Candido, op. cit. 172 Jones, Robert, texto integral “Museum Next” disponível em e-book em www.reprograme.com.br 173 Salvador, op. cit.

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algum modo é verdade, dado a lei vigente que define exatamente os benefícios fiscais atribuídos aos mecenas.”

Na lógica do mecenato (cuja legislação é entendida por umas quantas organizações como pouco apelativa dada a dificuldade tributária que acarreta), a sustentação dos programas orientados a museus de comunidade implica que estes tenham uma «marca museológica» suficientemente notória na sua classe para atraírem patrocínios.

17.4 Síntese • Numa época em que o turismo se apresenta como um dos fenómenos mais

relevantes da sociedade pós-moderna (da designada “sociedade mosaico”) com uma unidade global que, paradoxalmente, só se desenvolve no domínio cultural, se puder contar com a diversidade cultural que a alimenta, o papel dos museus de comunidade é muito relevante.

• A relevância primeira é a que decorre do facto de a apropriação turística dos ícones culturais (monumentos, sítios, paisagens, museus, cidades criativas, correntes artísticas, etc.) ser uma das componentes dos produtos turísticos, dos pacotes turísticos, das experiências turísticas que em cada destino turístico são a sua imagem e parte estruturante da sua imagem internacional.

• A segunda linha de relevância alinha-se à importância decisiva da componente económica do turismo e da forma como esta atividade arrasta direta e indiretamente modos de produção e de consumo onde, por exemplo, a Nova Museologia se poderá compaginar com o Novo Turismo e a Nova Ecologia, que as gerações mais novas defendem e praticam, ao mesmo tempo que a tradicional forma de consumo turístico, nomeadamente turístico-cultural, continua na sua trajetória no século XXI.

• A transformação de recursos em atrativos museológico-culturais e museológico-turísticos implica uma caminhada de qualificação dos museus de comunidade.

• O marketing que se pratica nos museus de comunidade ao ser associado à estratégia museológica e, nela, incorporando-se na função social do museu mantém viva a programação museológica dos promotores, em linha com as suas parcerias e, assim sendo, poderá assegurar a maior inclusão de todos os públicos, com especial atenção aos designados «nativos digitais».

• Nesta lógica, a introdução do marketing digital e a proatividade ao nível da compreensão sobre as vantagens da digitalização museológica (de acordo com as diretivas da DGPC e da RPM) também assegura o caminho para a credenciação deste tipo de museus.

17.5 Sugestões de leitura MAÇÃES, Manuel Alberto Ramos, (2017), Marketing e Gestão da Relação com o Cliente, Lisboa; Conjuntura Actual Editora

(Embora se trate de uma obra dedicada ao domínio da gestão, tal como se observa na p.9, no Prefácio, editado num contexto que afeta as organizações e dominado “(…) pela complexidade dos problemas que começaram a ter que enfrentar, em virtude designadamente do fenómeno da globalização e do aumento da concorrência internacional (…)” Mesmo para não-gestores recomenda-se. O livro está repartido em 3 capítulos: 1º - Princípios de

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marketing; 2º - Estratégias de marketing Mix; 3º - Gestão da Relação com o Cliente (CRM). Como refere o Autor, e tem interesse para quem faz gestão, nomeadamente ao nível de museus e, particularmente, na relação destes com os seus públicos, conforme p.16: “Marketing é uma filosofia de gestão, segundo a qual uma organização deve procurar desenvolver e obter produtos que satisfaçam as necessidades dos clientes, através de um conjunto de atividades que permitam à organização atingir os seus objetivos.” Deste modo, os «clientes» dos museus, independentemente das políticas de obtenção de receitas, incluíndo a bilhética praticada, merecem que, da parte de quem presta o serviço, exista uma noção clara das suas motivações e desejos que deverão ser satisfeitos. Há, de facto, um denominador comum: o mercado da cultura e os clientes da cultura, se admitirmos a existência da Economia da Cultura? Esta é uma linha de evolução do tema em estudo -Economia da Cultura - produzido e divulgado pela União Europeia disponível na obra: European Comission (2006). The economy of culture in Europe, Study on the Economy of Culture in Europe, KEA European Affairs with the Turku School of Economics and the MKW Wirtschaftsforschung GmbH: The Economy of Culture in Europe. October 2006. Nos últimos 13 anos evoluiu-se para uma maior «mercantilização da cultura», que em algumas situações permitiu a permanência de projetos que sob apenas as tutelas do Estado teriam soçobrado. Como estabelece o texto na p.17, há uma série de questões colocadas aos gestores na sua relação com os Clientes: “Aos gestores de marketing colocam-se frequentemente questões do tipo: 1. Como comunicar com os clientes? 2. Qual a importância e o papel da marca? 3. Como identificar formas de entrada em novos mercados? 4. Que produtos oferecer ao mercado? 5. Que preços praticar no mercado?” Se colocarmos estas perguntas em função dos “clientes de museus” esta comparabilidade funcionará para melhoria da função “gestão” de um museu de comunidade? Certamente que será um contributo relevante. Como fecho desta bibliografia de que se recomenda leitura, lemos na p.111: “Os consumidores estão cada vez mais informados e mais exigentes e menos fidelizados e mais intolerantes relativamente a serviços de má qualidade.” Este é um registo que dispensa mais argumentos e prova que o conhecimento sobre marketing é, também, necessário em quaisquer espaços abertos ao público.)

KOTLER, Philip, (2015), As Minhas Aventuras no Marketing – Lições de vida e de Negócios do Marketeer mais influente do Nosso Tempo, Lisboa: Gestãoplus Edições – Bertand Editora, Lda.

(Tradução da edição original de 2012 sob o título “My Adventures in Marketing”, Austin: Greenleaf Book Group Press, adaptado do título original de autoria de Philip Kotler “My Adventures in Marketing: Seeing the World na Life Through Marketing Eyes” aqui evocado nesta tradução a cargo de Rita Canas Mendes. Como refere Kotler, na p. 10, “Estou certo de que o que compreende o marketing é simultaneamente uma filosofia centrada no serviço ao cliente e um conjunto de atitudes e aptidões para solucionar problemas económicos e sociais. Quase toda a gente faz marketing de alguma coisa a alguém, quer sejamos um rapaz a fazer a corte a uma rapariga, um CEO a tentar obter um contrato, um funcionário em início de carreira a tentar alcançar uma promoção, e assim por diante. Como tal, espero que muitos leitores sintam interesse por esta área de estudos.” Os museus de iniciativa local podem também fazer “marketing de alguma coisa a alguém”, parafraseando Kotler e, nessa lógica, estabelecerem estratégias acertadas a este estímulo kotleriano. Este livro é uma obra que pretende ligar a retrospetiva da vida do Autor a temáticas distribuídas em 22 títulos. Os pontos 1 a 9 são autobiográficos e retratam a vida social e profissional, familiar e vida universitária e de investigação, bem como de edição, que o título 9, entre as pp. 30 e 33, apresenta como “Decidir escrever Marketing Management”. O Autor refere-se deste modo a

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esse início editorial de 1967: “Ao escrever Marketing Management, decidi baseá-lo em quatro disciplinas fundamentais: ciências sociais, economia, comportamento organizacional e matemática.” Mas, ainda mais relevante é o que se apresenta no título “11. A Ampliação do Marketing”, pp.36-38, onde Kotler explica com entusiasmo que: “Um dos encantos da minha profissão é a oportunidade de conhecer académicos excelentes vindos de diversas áreas. (…) O Sidney terminou o seu doutoramento na universidade de Chicago em 1956 e, depois de trabalhar para uma empresa de pesquisa social (…) Não foi preciso muito tempo para os dois nos tornarmos grandes amigos. (…) Nós defendíamos que o conceito de marketing poderia aplicar-se a lugares (cidades, regiões, países), pessoas (criando celebridades), ideias (igualdade de género) e crenças (fazer uma alimentação nutritiva, praticar exercício)”, p.36. Entrando na problemática dos museus e com muito interesse para todos os que gerem ou trabalham em museus, nomeadamente nos museus de comunidade, na p. 37 há um testemunho da intervenção do marketing nos museus. Assim, refere-se que: “Eu tinha a expectativa de que vários problemas do marketing fossem resolvidos. Acima de tudo, eu esperava que pessoas de diferentes áreas de estudo, que não haviam pensado sobre o marketing, passassem a querer saber mais sobre a disciplina. Por exemplo, se os administradores de museus de arte, que pensavam que o seu trabalho era sobretudo vender bilhetes e conseguir donativos, alargassem os seus horizontes e percebessem que a essência do seu trabalho era a comercialização de um bom «produto» e a criação de grande satisfação no visitante, isso deixar-me-ia contente. Decido dedicar vários anos ao estudo de novos «mercados» aos quais o marketing pudesse ser aplicado.” Esta é uma realidade que nos merece a máxima atenção a partir da gestão de um equipamento museal. Kotler, aliás, explica o caso de sucesso de Bilbau quando foi convidado a dar a sua opinião sobre a Cidade e sua Marca, e regista no tópico “14. Como fazer o marketing de lugares”, pp.48-49, o seguinte: “Afirmei que Bilbau precisava de uma grande atracção, tal como um grande museu, uma sala de espectáculos ou um recinto desportivo. (…) Uma pessoa sábia no comité disse que o importante não era ter apenas grande arte, mas também um grande museu de arte para o qual olhar. O grupo decidiu contratar Frank Gehry, um arquitecto premiado. Gehry construiu um museu espectacular na cidade, que, em si mesmo, se tornou uma obra de arte que todos tinham de ver. Vieram pessoas de todo o mundo em voos fretados para ver o interior e o exterior deste grande museu de arte visual.” Mas o título “16. O Mundo dos Museus” é de leitura obrigatória: nas pp. 53-55, Kotler refere que as escalas dos museus não são condicionantes à sua boa gestão porque explica que: “Pode tratar-se de um grande museu com milhares de visitantes ou de um museu solitário com muitos objectos mas poucos visitantes”, p. 53. Explicando situações concretas avança na p.54 o seguinte: “Ao longo dos anos, vários directores de museus têm entrado em contacto comigo para saberem como atrair mais visitantes, quanto devem cobrar pelo bilhete, o que fazer para atrair mais mecenas e grandes doações, como provar que um dado museu contribui para o desenvolvimento económico de uma cidade, entre outras coisas.” Nesta lógica termina a sua abordagem aos museus com a seguinte reflexão na p. 55: “Os museus são como organismos vivos. Eles devem crescer e evoluir para dar resposta às necessidades em constante mudança e aos interesses do seu público, tornando-se relevantes para as comunidades de que fazem parte.” Depois desta afirmação sustentada na sua experiência em trabalhar o marketing de museus avança com as suas evidências que, na prática, ajudou a construir. Por isso a terminar esta sua contribuição refere: “Esperamos que muitos cidadãos de Bali e visitantes do nosso Museu de Marketing 3.0 ganhem uma nova perspectiva do poder do marketing para levar a nossa imaginação mais longe e para servir novas necessidades e vontades. Fui honrado pela Indonésia ao figurar num novo selo. Em 2007, fui nomeado Embaixador Especial para o Turismo da Indonésia. Em maio de 2011, a cidade de Denpasar, em Bali, concedeu-me o

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título de residente honorário.” Neste sentido, o museu de comunidade de Bali contou com os contributos de um guru do marketing, e com isso alcançou maior notoriedade. Este livro é altamente recomendável para todos quantos tratam de projetos de museologia, de cultura, de turismo, dentro de um ecletismo patrimonial e criativo que nos nossos tempos é uma realidade incontornável.)

MELO, Alexandre, (2002), Globalização Cultural, Lisboa, Quimera Editores, Lda.

(Em 3 capítulos, a saber: O que é a globalização; Dimensões culturais da globalização; Geografias do poder no sistema das artes; apresenta-se uma dissertação muito oportuna que interessará ser estudada pela forma como se nos é mostrada a face menos conhecida da Cultura face ao processo de Globalização. O Autor chama-nos a atenção para as dimensões cultural, política e económica e refere com muita informação e sob uma linha de raciocínio e modo explicativo claro e conciso o problema no nivelamento e da acentuação culturais num mundo que a digitalização tornou Global/Local. Numa visão centrada no tópico “Geografias da actualidade”, pp.108-114, refere-se em relação aos centros produtivos de Cultura que: “Chamamos aqui modelo central de afirmação cultural àquele que assenta na elaboração e reivindicação de uma identidade local específica e essencial que depois se procura divulgar e fazer reconhecer como tal no plano internacional”, e embora esta questão seja de natureza cosmopolita, dos centros como Lisboa ou Porto, só para referir estes, em termos de compreensão sobre os modelos culturais dos centros e das periferias, faz sentido tomar conhecimento deste tipo de argumentação. Recomendado muito pelo que significam os conteúdos do capítulo 2. A terminar, pp. 150-151, e sobre alguma dificuldade que certos políticos têm para perceber no âmbito dos 308 municípios e das 3.092 freguesias/união de freguesias o valor instrumental da Cultura, remata Alexandre Melo da seguinte forma: “O localismo é o discurso dos que afirmam pretender defender o que julgam ser deles, a sua cultura específica, única, contra o que entendem ser a influência dos outros. A cultura de uma aldeia contra a aldeia vizinha, de uma cidade contra o resto do país, de um país contra o mundo, de um continente contra o resto do universo. É uma posição absurda porque a criação cultural e artística é e foi sempre tendencialmente transgeográfica e porque, hoje em dia, a esmagadora maioria das referências culturais e alimentos do imaginário relevam de dinâmicas globais e de sentido em que as circunstâncias da vizinhança ou coincidência geográfica têm cada vez menos importância.” Leitura que se aconselha.)

RAMOS, Dina; COSTA, Carlos Manuel, (2017), Turismo: tendências de evolução, PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP, Macapá, v. 10, n. 1, p. 21-33, jan./jun. 2017, disponível em https://periodicos.unifap.br/index.php/pracs (10.11.2018)

(Em artigo recente, estes investigadores centram a sua atenção nas tendências através de uma estruturação como se segue: na INTRODUÇÃO afirmam a abrir a sua intervenção na p. 21 que: “O Turismo é um dos principais sectores em termos económicos para os países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Desde tempos mais remotos o Turismo evolui, e, começando por ser “permitido” inicialmente a classes mais elitistas, e muitas vezes como parte de um processo de cura, chega à idade moderna como um dado adquirido e possível de vivenciar por toda a população”, constatando uma realidade que continua em crescimento. No ponto 1 ANÁLISE HISTÓRICA DO TURISMO e 1.1 Evolução e Contextualização Geral, com um convite à compreensão do sistema turístico mundial e seu efeito no sistema turístico nacional deixam claro na p. 22 que: “As principais características do Turismo aquando do seu surgimento assemelham-se às que encontramos nos nossos dias. As várias formas de lazer em Turismo remontam a tempos tão longínquos como os impérios da Babilónia ou o império

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Egípcio.” Seguidamente a esta caraterização, discorrem sobre a evolução do turismo até à atualidade. No ponto 1.2 Origens e Evolução do Turismo em Portugal, desenvolvido entre as pp. 25-27, lançam um olhar sobre o desempenho do turismo nacional e apresentam uma leitura sumária e interessante quando referem: “No ano 2001, Costa (1996) refere o forte crescimento do sector do Turismo em Portugal, com a introdução de novas estratégias de reestruturação em várias organizações nacionais do sector. O Turismo, nesta fase da história, apresenta um crescimento muito acentuado, nomeadamente em algumas zonas do país como o Algarve, a zona de Lisboa e a Madeira. Este cenário conflui, no entender do autor, a um crescimento em quantidade que descura, no entanto, a qualidade devido à excessiva concentração turística nos locais referidos. É importante a existência de uma postura pró-ativa por parte do país e das pessoas ligadas ao Turismo como forma de capitalização de novas oportunidades de negócio provenientes da triplicação do número de pessoas que aqui passa férias, ressalvando o enorme potencial de negócio no sector turístico. (Ramos, 2014)” O ponto seguinte, 2. A DIMENSÃO TURÍSTICA e 2.1 A Importância do Turismo a Nível Mundial, com especial relevo para a questão da geração de economia e de abrangência do conceito que agrega todos os contributos que se alinham ao conceito de “gasto turístico”, que sem dúvida permite considerar a atividade turística como grandemente relacionada com a envolvente, objetivamente patrimonial (material e imaterial) e, por via disso, também os museus de comunidade e outros equipamentos culturais são depositários do crescimento turístico a que assistimos. Por isso também se afirma nas pp.27-28: “A Conta Satélite em Turismo (CST), segundo a Organização Mundial de Turismo (OMT) 2008, “baseia-se na análise pormenorizada de todos os aspetos da procura de bens e serviços associados à atividade dos visitantes; observação da interface operacional com o fornecimento desses bens e serviços na economia; assim como a descrição de como a oferta desses bens e serviços interage com outras atividades económicas.” O consumo Turístico tem a mesma definição formal que o gasto turístico, no entanto o conceito de consumo turístico na CST vai mais além que o conceito de gasto turístico, porque além da soma que é paga pela aquisição de objetos, bens e serviços de consumo (transações monetárias – o objetivo do gasto turístico), também se incluem serviços associados, como as férias por conta própria ou outros consumos imputados (United Nations, 1992).” É um artigo muito oportuno por se relacionar com a realidade nacional e suas dimensões regionais e locais, porque no ponto 2.2 O Desenvolvimento Turístico em Portugal se desenvolve um olhar crítico e se aponta um caminho de leitura para académicos e profissionais não apenas do turismo, mas das atividades diretas e indiretas que ele apropria. Por isso, a dado passo, na p.29, os Autores apresentam a seguinte ideia: “Portugal é um dos maiores destinos turísticos mundiais. A atividade turística emprega aproximadamente meio milhão de pessoas, e tem um forte impacto nas exportações nacionais.” A apresentação de indicadores de desempenho económico das empresas e do tecido produtivo a nível global e também centrado na realidade portuguesa é muito relevante para se compreender não apenas o momento atual, mas, com maior acuidade, o futuro. Assim, e fechando o artigo com o título “3 TENDÊNCIAS E EVOLUÇÃO TURÍSTICA”, afirma-se nas pp. 30-31 que: “Nos territórios rurais, na área agrícola e no Turismo o fator “terra” representa um elemento vital, contribuindo para experiências autênticas e para a diversificação dos destinos, sendo fundamental incorporar o segmento de Vinho e Gastronomia nas ofertas turísticas rurais. Relativamente ao Turismo das Zonas Costeiras, este deverá procurar uma solução viável de combate a sazonalidade, criando novas ofertas, novos produtos, e novos mix de produtos adaptados às necessidades do mercado. A ausência de uma política coordenada e coerente é, o que mais afeta o Turismo a nível europeu.”. Nesta lógica de desenvolvimento sustentável do turismo face aos objetivos da ONU 2030, da Europa 2030,

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de Portugal 2030, e nomeadamente integrável na Estratégia Turismo 2027 proposto pela autoridade turística nacional, há muito espaço para afirmação da museologia neste processo e da museologia associada aos museus de comunidade, em particular. Texto recomendado pela sua atualidade, profundidade de análise e validade pedagógica para iniciados na relação turismo-património.)

IGNARRA, Luiz Renato, (20039, Fundamentos do Turismo, São Paulo: Pioneira Thomson Learning

(Esta bibliografia é um clássico na introdução ao turismo. De facto, sua qualidade propedêutica desenvolve-se através de uma estrutura de 12 pontos a considerar: 1- Antecedentes Históricos; 2 – Conceitos Básicos de Turismo; 3 – A Demanda Turística; 4 – A Oferta Turística; 5 – Conceitos Básicos de Planejamento Turístico; 6 – Planejamento e Fomento do Turismo; 7 –Segmentação do Mercado Turístico; 8 – Marketing Aplicado ao Turismo; 9 – Impactos Econômicos do Turismo; 10 – Impactos Físicos do Turismo; 11 – Impactos Culturais do Turismo; 12 – O Papel do Poder Público no Turismo. Tal como o Autor explicita nas pp. 2-3: “Três mil anos antes de Cristo, o Egito já era uma Meca para os viajantes que para lá afluíam para contemplar as pirâmides e outros monumentos. Esses visitantes viajavam pelo rio Nilo em embarcações com cabines confortáveis ou por terra em carruagens.” Depois desta constatação histórica desenvolve-se um texto que aborda a Idade média e a Idade Moderna e foca o turismo no Brasil, entre as pp.11-12. Defende que o turismo: “(…) envolve quatro componentes com perspectivas diversas (…) O turista (…) Os prestadores de serviços (…) O governo, que considera o turismo como um fator de riqueza para a região sobre sua jurisdição (…) A comunidade do destino turístico, que vê a atividade como geradora de emprego e promotora de intercâmbio cultural.” Numa perspetiva de diferenciação na Oferta turística e, assim, relacionável com o universo dos museus de comunidade, o Autor afirma na p.53 que: “O atrativo turístico possui, via de regra, maior valor quanto mais acentuado for o seu caráter diferencial. O turista procura sempre conhecer aquilo que é diferente de seu dia-a-dia. Assim, aquele atrativo que é único, sem outros semelhantes, possui maior valor para o turista. Este valor é subjetivo e alguns autores, visando reduzir essa subjetividade, desenvolveram algumas metodologias de hierarquizar tais atrativos”. Termina o seu texto com uma afirmação que é relevante quanto aos impactos que o turismo causa (positivos e negativos, naturalmente): “O turismo é uma atividade econômica que tem no território, na paisagem e nos patrimônios natural e cultural sua principal matéria-prima. Assim, não é possível se produzir turismo sem que haja, direta ou indiretamente, uma participação do Poder Público. Deste modo, o desenvolvimento do setor turístico tem na ação governamental um elemento estratégico para o se crescimento.” Subscrevemos integralmente. Em Portugal, a participação do Ministério da Cultura e da DGPC, bem como do Ministério da Economia e sua Secretaria Geral do Turismo e, igualmente o Turismo de Portugal, I.P., ao criarem e disseminarem estratégias para a estruturação pública deste setor, não podem deixar de atender aos esforços que muitos museus de comunidade estão e vão fazendo no sentido de participarem dessas estratégias. Por isso a procura de meios para a credenciação e integração dos mesmos no seio da RPM é o caminho a seguir e o turismo pode ser um domínio de apoio a essa caminhada para a qualificação. Leitura recomendada especialmente para iniciados na ligação do turismo à museologia.)

REMELGADO, Ana Patrícia Soares Lapa (2014) Estratégias de Comunicação em Museus

Instrumentos de Gestão em Instituições Museológicas. Tese de Doutoramento, Universidade do Porto, Portugal

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(Esta investigação de doutoramento na área de Museologia é no nosso entender importante e relevante porque tem como principal objetivo analisar a comunicação dos museus, e pode com eficácia ser utilizada como ferramenta de trabalho para os museus de comunidade, desde que adequadamente adaptada. Pode auxiliar também na organização de um plano de comunicação do museu.)

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comunidade: reflexões

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Capítulo 18 - Esboço preliminar sobre o futuro do museu de comunidade: reflexões

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18.1 Introdução As visões preditivas são, sempre, construções de cenários de futuro com base nas experiências passadas e, com muita acuidade, com as práticas presentes e hipóteses de tomadas de decisão quanto às continuidades ou descontinuidades de projetos e seus processos, dependentes dessas visões e da sua eventual operacionalização.

Os museus locais quando pertencem a entidades associativas de direito privado, tal como todas as restantes organizações da vida económica e social, enfrentam os problemas de instalação e arranque, mas, com maior dificuldade, o desenvolvimento da sua missão e das melhores políticas de gestão alinhadas aos valores que presidem a cada uma dessas organizações.

Do ponto de vista dos desenhos possíveis para os museus de comunidade, e considerando-se que a sua estruturação, de base privada e associativa deve, todavia, seguir os enquadramentos da tutela, nomeadamente da DGPC, bem como dos princípios doutrinários propostos pelas organizações internacionais, com especial referência para a UNESCO, há linhas que devem ser marcadas nesses desenhos.

A ligação com a Comunidade residente e com a administração pública, bem como com os interesses da iniciativa privada e das organizações associativas, é uma realidade sempre presente no quotidiano de funcionamento dos museus. A atração de talentos, a integração tecnológica e suas mudanças, bem como a prática de tolerância cultural e religiosa organizam uma triangulação virtuosa para benefício da missão do museu de comunidade? Sim, sem dúvida, porque a criação de ambientes produtivos no domínio da cultura, do uso do património e do crescimento do turismo sustentável e responsável, carece desse compromisso comunitário.

O referencial teórico que torna específica cada temática museológica e sua consequência museográfica é outra linha de eixo desse traçado. A organização das coleções, das reservas, das oficinas e laboratórios, do centro de documentação e restantes edificados, organiza o cruzamento de linhas que tecem também a realidade de cada museu de comunidade.

A componente imaterial que se associa a este desenho onde a criação de conhecimento e a prestação de serviço museológico em diversas frentes (escolares e educativas – cívicas e identitárias – científicas e técnicas – comunicativas e editoriais – etc.) tem presença obrigatória deverá constituir a prova de que desde a ideia de museu até à prática de museu há condições de prestação de natureza credível e com o rigor que a função social do museu exige.

18.2 A visão preditiva sobre as novas tendências museológicas Aproveitando um pequeno, mas muito significativo, texto de Hugues de Varine174 poderemos compreender um certo “continum” metodológico que este especialista apresenta quando afirma: “No mês de Maio de 1972, na cidade de Santiago do Chile, num encontro organizado

174 Op. cit., p.1 de 8 pp., em http://www.museudodouro.pt/tpls/mu/files/encontros/pdf/hugues.pdf O MAR teve o prazer do seu convívio e ensinamento em 98 numa fugaz passagem por Riachos a caminho da Universidade do Algarve para um trabalho com Alberto Melo, Professor da mesma universidade e investigador em Desenvolvimento Local. A sua obra também pode ser lida em MELO, Alberto, (2010), Viva o desenvolvimento regional e local! Revista Lusófona de Humanidades e Tecnologias, [S.l.], n. 6/7/8, em http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rhumanidades/article/view/1473

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Capítulo 18 - Esboço preliminar sobre o futuro do museu de comunidade: reflexões

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pela UNESCO e pelo ICOM, um grupo de doze museólogos da América Latina adoptou uma moção final criando um novo conceito, uma nova palavra: Museu Integral. Foi o resultado de uma revolução intelectual desses museólogos latinoamericanos, que compreenderam a partir da apresentação de Jorge Henrique Hardoy, um homem extraordinário, que os museus tradicionais têm de mudar a sua atitude relativamente à sociedade.”

Esta ideia e a sua prática coloca o Museu Integral como uma espécie de Museu Ideal? Assim se poderá ler, a nosso ver, esta visão que, esboçada em 1972 e ao fim destas quatro décadas, se mantém como um farol museológico e, especificamente, para iluminar o caminho dos museus de comunidade.

A pretexto do Museu do Douro e neste ano de 2007, o Autor também referia na p. 3, partindo do conceito de capital e capitalismo e da realidade económica capitalista, o seguinte: “Como capital, capital no sentido capitalista, no sentido de um capital para investir, um capital para obter uma mais-valia, é uma riqueza colectiva da comunidade. Um património individual, um património familiar, um património de cada um dos habitantes, dos cidadãos da região, faz parte de um património colectivo que pode contribuir para o desenvolvimento. Como é uma riqueza colectiva, é também uma responsabilidade colectiva, de todos, e de cada um de nós. Acho que é importante este conceito de responsabilidade. Faz com que um museu de território, um museu como o Museu do Douro, não seja uma criação artificial dos especialistas, mas uma criação colectiva com o apoio de especialistas, de instituições. Mas, basicamente, tem de ser uma criação colectiva de toda a gente que participa, que vai beneficiar do desenvolvimento da região.”

Estas duas citações servem-nos como argumento para generalizarmos o que interessa nesta parte do nosso trabalho ao suscitarmos, no leitor, a observação de que a globalização da Economia e da Cultura constituíram nas últimas décadas fenómenos que impulsionaram rápidas mudanças com base na Tecnologia e sua implementação global. A emergência de novas centralidades que se espalham num mundo global representam uma nova fase de desenvolvimento.

As aplicações tecnológicas inventadas e postas em serviço todos os dias, e numa dimensão territorialmente global, misturam informação com novos materiais, tecnologias limpas contra tecnologias tradicionais e poluentes, macroprocessos nos diversos domínios, mudanças nas políticas e nos custos de transportes, etc. Mudanças climáticas e demográficas são outras realidades e funcionam sob novos paradigmas de natureza política e social.

A cocriação de conteúdos e a edição democrática de conhecimentos e de falsas notícias, excelentes divulgações científicas e as quantidades de informação que criam a «infoxicação»175 são variáveis presentes no nosso tempo. Porém, a ideia de Museu Integral ao ligar o museu como organização às pessoas de um determinado território leva-nos na terminologia corrente ao Museu Local e noutra variante ao Museu de Comunidade.

Esta legitimação terminológica e tipológica ao serviço da museologia, que neste século XXI se investiga, se pratica e se discute, é a grande base de trabalho que interessa destacar nesta proposta de visão para o futuro. É expectável que as mudanças e as evoluções identitárias

175 Termo que designa o excesso de informação que recebemos face ao tempo que dispomos para a processar. Para aprofundamento deste tema veja-se a obra “Cidadania Digital e Democratização Electrónica” de André Azevedo Alves e de José Manuel Moreira, com edição da SPI – Sociedade Portuguesa de Inovação - Consultadoria Empresarial e Fomento da Inovação, S.A., Porto, de 2004 e disponível em http://www.spi.pt/documents/books/inovacao_autarquia/docs/Manual_IV.pdf , p.37.

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sejam de molde a se criarem multiterminologias, designações dependentes mais da força dos consumidores do que do papel dos tradicionais gurus de opinião e investigação.

A sociedade-mosaico em que vivemos e o poder dos consumidores alteram as forças em presença176 e a cocriação será, também ela, uma inovação aplaudida pela sociedade e, portanto, sem traumas nem nostalgias os museus serão obrigados, para não perderem estatuto, a acompanharem de outra forma, mais externamente controlada, a vida social e económica contemporânea? Acreditamos que esta dinâmica é incontornável.

Do mesmo modo, o enquadramento global tem relevância em todas as atividades humanas vistas numa dimensão que a globalização económica abriu e que a globalização cultural também influencia, a visão que sob doutrina e convenções internacionais Portugal subscreveu ao nível da ONU e da UNESCO, da UNWTO-OMT e de outras organizações internacionais deverá ser claramente exposta. Os museus de comunidade ao participarem destes universos também beneficiam na sua caminhada para a credenciação?

Claro que sim, porque o isolamento que muitos têm sofrido até recentemente terá que se substituir, certamente, pela criação de redes, algumas complementares à RPM e, quiçá, outras desenhadas estrategicamente com outros “desenhos institucionais” diferenciados daquela rede e, nessa diversidade, alavancarem mais valor ao conjunto de museus nacionais em todas as suas tipologias, escalas e tutelas. Essa perspetiva parece-nos evidente na pluralidade que a liberdade de iniciativa induz na sociedade. Os objetivos do desenvolvimento sustentável apelam a essa pluralidade cultural.

O INE produziu um estudo que alinha Portugal com objetivos da ONU177, e na sua Introdução, p. 7, é referido o seguinte: “O INE apresenta os indicadores disponíveis para Portugal, decorrentes do quadro global de indicadores adotado pelas Nações Unidas para acompanhar os progressos realizados no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. Os indicadores apresentados são maioritariamente produzidos ou divulgados no contexto do Sistema Estatístico Nacional, permitindo uma leitura estatística do desempenho nacional em relação aos ODS, desde 2010 até ao ano mais recente disponível. Esta publicação visa complementar outros formatos de divulgação, tais como o dossiê temático, disponível no Portal do INE desde abril de 2017, e o destaque sobre esta matéria, publicado em maio do mesmo ano. É apresentada uma análise sintética do comportamento de cada indicador no período de referência, abrangendo os 17 ODS e, sempre que disponível e relevante, incluindo dados com desagregação geográfica a nível III da NUTS e a nível de município. São também divulgadas notas de enquadramento sobre a Agenda 2030 e sobre o ponto de situação em Portugal, relativamente ao plano e acompanhamento nacionais da implementação dos ODS.” Em termos de enquadramento internacional e numa economia globalizada também os museus poderão contribuir para que os objetivos do desenvolvimento sustentável sejam atingidos? Numa perspetiva de colaboração da Cultura com a Economia, e desta com o Turismo, a resposta é positiva. Desde logo, porque a disseminação da mensagem

176 Veja-se o texto de Ernâni Lopes de 2010, op. cit., na p. 71, no ponto “iii. Emergência da «mosaic society» e o ponto de vista da economia e do turismo. 177 Com apresentação em Português e em Inglês cujo título “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - Sustainable Development Goals” está disponível em https://www.ine.pt/ngt_server/attachfileu.jsp?look_parentBoui=332296324&att_display=n&att_download=y com indicações estatísticas com muito interesse para se compreender como estávamos em 2017, porque os dados compilados pelo INE refletem isso mesmo, e alinha-se à estratégia da ONU para 2030.

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da ONU é urgente; depois, porque as políticas da economia do conhecimento apostam nas indústrias culturais como fatores de animação das economias locais.

Acresce a isto que o documento Estratégia Turismo 2007 apresenta um alinhamento nacional nesta matéria sensível da sustentabilidade e sua prática consequente. Como se poderá ler na p. 38 em https://estrategia.turismodeportugal.pt/sites/default/files/Estrategia_Turismo_Portugal_ET27.pdf há uma escala que compreende o seguinte, no título “10 DESAFIOS GLOBAIS PARA UMA ESTRATÉGIA A 10 ANOS”: 1. PESSOAS Promover o emprego, a qualificação e valorização das pessoas e o aumento dos rendimentos dos profissionais do turismo. 2. COESÃO Alargar a atividade turística a todo o território e promover o turismo como fator de coesão social. 3. CRESCIMENTO EM VALOR Ritmo de crescimento mais acelerado em receitas vs dormidas. 4. TURISMO TODO O ANO Alargar a atividade turística a todo o ano, de forma a que o turismo seja sustentável. 5. ACESSIBILIDADES Garantir a competitividade das acessibilidades ao destino Portugal e promover a mobilidade dentro do território. 6. PROCURA Atingir os mercados que melhor respondem aos desafios de crescer em valor e que permitem alargar o turismo a todo ano e em todo o território. 7. INOVAÇÃO Estimular a inovação e empreendedorismo. 8. SUSTENTABILIDADE Assegurar a preservação e a valorização económica sustentável do património cultural e natural e da identidade local, enquanto ativo estratégico, bem como a compatibilização desta atividade com a permanência da comunidade local. 9. SIMPLIFICAÇÃO Simplificar a legislação e tornar mais ágil a administração. 10. INVESTIMENTO Garantir recursos financeiros e dinamizar o investimento.

Como se compreenderá, as novas tendências esperadas para o turismo, e como esta atividade apropria natureza e cultura, a visão preditiva sobre o futuro dos museus de comunidade e da sua evolução entre o estado de não-integração e de desejável integração na RPM ficará, a nosso ver, a dispor de mais ferramentas, nomeadamente de financiamento público e privado que permita à maioria destes museus a sua credenciação em sede de DGPC.

Nesta lógica há um documento que também importará trazer a esta problemática: o título “O Panorama Museológico em Portugal: os Museus e a Rede Portuguesa de Museus na Primeira Década do Século XXI”178 apresenta um argumento que se poderá resgatar na nota 54 da p. 130 que refere o seguinte: “Recorde-se que, de acordo com o disposto na Lei Quadro, a credenciação é um requisito indispensável para os museus poderem beneficiar de apoios financeiros estatais (artigo 127º). Recorde-se que desde 2005 os museus integrados na RPM estavam em processo de transição para o novo enquadramento legal, tal como previsto na própria Lei Quadro (artigo 140).” Nesta lógica administrativa as tarefas de preparação para a certificação que ficam de fora dos parâmetros da transição de, como designamos, “museus imperfeitos” para “museus perfeitos”, ou seja, de museus ainda não credenciados para museus totalmente integrados na RPM, não poderão ser consideradas? Terão que se desenhar alternativas? Parece-nos que sim.

Desta forma, a ideia de «rendimento mínimo museológico garantido» pode fazer sentido para casos concretos de organizações que, sem todos os requisitos cumpridos de acordo com o articulado legal e tecnicamente normativo, prestam, por vezes, apesar disso, serviço público de cultura nas comunidades mais afastadas e quase sempre nas zonas interiores do país mais carenciadas deste e de outros serviços culturais. Assegurar um Técnico de Museografia em

178 Op. cit., da responsabilidade editorial da DGPC.

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posto de trabalho permanente seria uma grande passo ao abrigo do tal rendimento mínimo? Sem dúvida.

18.3 Os museus locais e as identidades do futuro: que relação? Dentro de uma sociedade global que elegeu a mudança, nomeadamente a mudança tecnológica como o seu mote de desenvolvimento, como por exemplo a «febre de telemóveis e gadgets afins», foi substituíndo outro tipo de motivações coletivas, da qual a «febre do ouro» foi, entre outros históricos momentos, um ponto de referência.

As identidades também sofrem deste impacto que coloca fenómenos niveladores de comportamentos globais: no entanto, as culturas locais, mesmo que “contaminadas”, em alguns casos até positivamente pelos efeitos da globalização económica, continuam com o seu “genius loci”179.

Como poderemos comprovar numa investigação/ação recente, afirma-se o seguinte: “Esta investigação ambiciona contribuir para a investigação em design, partindo do desenvolvimento de um sistema de joalharia criativo e inovador, capaz de promover conexões que estabelecem uma ligação entre o contexto produtivo local, o território e o design por meio do conceito de genius loci. Este projeto, de carácter experimental, assume, em primeiro lugar, o estudo da identidade cultural do lugar como principal ferramenta para a construção de produtos singulares e icónicos. Em segundo, destaca a interdisciplinaridade através da conjugação de âmbitos extrínsecos à disciplina do design, prevendo uma nova realidade de produtos regidos por um duplo sentido: Por um lado, a conotação do espírito do lugar, marcado pela narrativa que destaca a identidade e a semântica, por outro, a sustentação e promoção de redes criativas que destacam a cultura produtiva e a inovação através do projeto.”

Este texto de 2015, da autoria de Andreia Filipa Carvalho Cunha, é uma incursão do Design, com o título “O Genius Loci das Lagoas de Bertiandos e de S. Pedro D’Arcos no Design de Biojoias”180, e demonstra como a paisagem é um recurso interessante para a criação artística e de design. As unidades de paisagem são, neste caso particular, espaços que deverão ser explorados holisticamente? Sem dúvida.

Com evidência, cada “unidade de paisagem”181 comporta nela territórios, pessoas residentes, pessoas em trânsito e organizações, distintivas. Tem potencial acolhedor. Esta realidade é positiva? Achamos que sim e, portanto, a massificação global não destruirá, entendemos nós, estas estruturas da geografia e o enlace entre geografia natural e geografia humana. O fascínio pela descoberta deste par é o que movimenta muito promitente turista.

179 Disponível em http://repositorio.ipvc.pt/bitstream/20.500.11960/1743/1/Andreia_Cunha.pdf 180 Uma clara alusão à relação da Criatividade com o Território segundo o paradigma da Biologia e sua inspiração artística expressa na joalharia contemporânea. 181 OP ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas em http://www2.icnf.pt/portal/pn/biodiversidade/ordgest/poap/popnsacv/resource/caract/vol3-ocup-solos/carta-unid-paisag/view tem um arquivo sobre o título “Cartas de unidades de paisagem” que em muito poderá ajudar os promotores de museus de comunidade.

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Manuel Castells182, num texto deveras importante para quem trabalha em domínios culturais, e também com redobrado interesse para os promotores de museus de comunidade, escreveu que: “A identidade territorial está na raiz dos governos locais e regionais que despontam, em todo o mundo, como sectores significativos tanto em termos de representação como de intervenção, por estarem mais bem posicionados para se ajustar às incessantes variações dos fluxos globais. A reinvenção da Cidade-Estado é uma característica proeminente desta nova era global, como aconteceu ao emergir a economia mercantil internacional da Idade Moderna.”

Não poderemos deixar de notar que, por exemplo, as Cidades Criativas do século XXI se assemelham, na visão histórica mais geral, às Cidades-Estado renascentistas da Europa do Humanismo e sua influência na identidade dos europeus da época. O comércio internacional e as redes de conexão e de produção têm nessa “abertura ao mundo” a sua raíz. A Expansão Marítima nacional também teve um papel nessa Europa e Mundo que, historicamente, perdura.

Se as mudanças implicam adaptações e reajustamentos, poderemos tentar compreender como um olhar premonitório sobre os museus de comunidade, oportuno e desafiador, um documento interessante183. Ainda como apoio efetivo aos museus de comunidade, num sítio dedicado a esta problemática poderemos ler que: “Entender os museus comunitários num contexto bi-regional é um dos objetivos deste projeto. As definições de "museu" e "comunidade" estão abertas a debate, a conjugação das duas palavras num só conceito torna ainda mais complexa a sua definição. Ainda assim é possível afirmar que na Europa, América Latina e Caraíbas, o termo "museu comunitário" está a ser utilizado para descrever um tipo particular de museu que apresenta certos valores comuns, incluindo a ação da comunidade na conceção, design e administração do seu museu local. Durante este projeto investigaremos sobre a melhor praxis de museologia comunitária executando uma série de workshops sobre o tema. Os resultados irão alimentar as discussões sobre a nova definição de museu do ICOM que será revelada em 2019. O primeiro desses workshops foi realizado em Lisboa durante a reunião de lançamento do projeto em Outubro de 2016 e, em 2018, a Universidade de Saint Andrews receberá uma conferência internacional sobre "A Definição de Museu no Século XXI" sob os auspícios do ICOFOM: grupo de museologia do ICOM. Este encontro fará parte de um esforço internacional para definir o museu e que terá lugar em vários países internacionalmente, cujo início será em Paris no mês de Junho de 2017.”

Em conformidade com esta iniciativa que citámos, observamos que parte dos textos que desde há cerca de 5 anos havíamos desenhado a propósito desta temática de «museu de comunidade» agora vertidos em e-book fazem sentido. Publicar e acolher as críticas será, pois, um passo determinante para amadurecimento do processo pós-e-book? Antevemos que sim.

O futuro dos museus de comunidade, com as caraterísticas já enunciadas ao longo deste trabalho, e de que o MAR é exemplo, depende essencialmente daquilo que for a marcha decisória das autoridades centrais e locais, mas sobretudo da comunidade residente. Depende

182 Op. cit., p.503. Para Castells estes ciclos de potencial tecnológico suscitam alguns “renascimentos” e as identidades culturais também vivem de reinvenções. No tocante aos museus, a «reinvenção das tradições» é bem um caso a considerar nessa dimensão das “incessantes variações”, da mudança contínua. 183 Com base na informação colhida em https://eulacmuseums.net/index.php/ct-menu-item-2/174-museos-comunitarios em 5 de março de 2019.

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da evolução democrática do nosso País e da União Europeia muito do que está em expetativa quanto ao futuro destes espaços.

A evolução cultural depende também da perceção das vantagens que cada um de nós tem, a nível individual ou de grupo de interesses, em se submeter a processos de partilha sejam eles da noção de cultura nacional ou de natureza patrimonial num contexto em que as tecnologias da informação e comunicação e os valores operacionais e de posicionamento político das instituições se desenham, com destaque para as autarquias, como se tem verificado nos últimos anos.

A noção de democracia participativa que deverá evoluir da noção e prática de democracia representativa poderá, contudo, criar condições de ultrapassagem ao atual estado da arte nesta matéria dos museus. A iniciativa privada e a exploração turística do património cultural são igualmente fatores positivos neste momento evolutivo da cultura mundial, europeia e nacional.

A globalização tem permitido, apesar da sua violência transformadora, a receção das culturas locais a meios de independência das culturas locais que não se deverá ignorar. A informática é hoje uma arma democrática de grande amplitude se for utilizado em favor de processos de desenvolvimento das culturas locais onde se posicionam, entre outros organismos, os museus.

Tal como vimos com o contributo de MELO184, é fundamental saber-se gerir a «coisa local» para que consigamos compreender e integrar certas heranças de natureza tanto ideológica, quanto comportamental, a favor do verdadeiro desenvolvimento integrado e sustentável das pessoas, das organizações a que aderem e, por maior razão, aos territórios onde habitam, que visitam e, por vezes, onde se fixam. O localismo, todavia, tem que ser bem compreendido.

Assim, quando o Autor refere que “O localismo – que, no caso português, é um subproduto do isolacionismo salazarista – é a expressão de um complexo de inferioridade que alimenta a reprodução desse mesmo sentimento de inferioridade. Uma dinâmica cultural forte é aquela cujas criações se afirmam na abertura e através da abertura a todos os tipos de fluxos e trocas interculturais à escala global. (…) Quanto mais um meio cultural pretende fechar-se sobre si próprio, mais se enfraquece e anula. (…) O cosmopolitismo e a abertura internacional são a única forma eficaz de defesa e promoção das práticas culturais locais” coloca em evidência a necessidade de se apurar o nosso «olhar e agir local». Subscrevemos na íntegra esta anotação, porque entendemos que os museus de iniciativa local deverão ser geridos no atendimento permanente a esta dupla preocupação.

O museu do futuro será um misto de museu presencial e sensitivo, ou seja, um museu de espaço concreto que se percorre e absorve com todos os sentidos humanos cruzado com o designado museu virtual disponibilizado pelas cada vez mais sofisticadas técnicas de informação e comunicação.

Antevemos, pois, um momento civilizacional em que o museu deixará de ser uma ferramenta tão específica da sociedade e passará a ser um mero espaço de referência própria no universo dos múltiplos espaços de trabalho, cultura e lazer. A mudança trará um museu menos dependente de acervos e, porque mais independente daqueles, um museu mais criativo? Não

184 MELO, op. cit., p.151

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se sabe muito sobre este tipo de antevisão e, portanto, só a evolução dos modos de consumir e de participar dos indivíduos na Cultura determinará.

O desenvolvimento do turismo a nível mundial e das mudanças radicais que se operarão neste setor podem tornar-se contributos relevantes para novas gerações de museus. O turismo sustentável e responsável é uma das vias de superação de perdas patrimoniais. Quanto maior e mais qualificado for o universo de referência, maiores capacidades de fazer economia do turismo se poderão ambicionar? Os turistas procuram novidades, mas, também, retornos a geografias que vivenciaram.

A exploração turística da envolvente natural e cultural precisa de singularidades e, em Portugal, ainda estão presentes muitas delas em espaços de interior e bolsas territoriais hoje abandonadas, os últimos refúgios de uma certa ideia de singularidade cultural. A acontecer este tipo de cenário evolutivo, talvez os museus locais passem a deter muitas outras funções centralizadoras da vida acolhendo e desenvolvendo, por exemplo, componentes regulares de ensino e comércio, trabalho e ciência.

Num certo sentido parece poder falar-se de uma evolução que sinalizará o tempo atual como o de preparação de plataformas de direcionamentos que, tal como aconteceu noutras épocas históricas, se consolidará em modelos de estabilização efémera, como parece ser o atual, para continuidade de vida daquilo que carateriza o homem, ou seja, a sede de conhecimento e experimentação. Todos os tempos são tempos de mudança como nos ensinou Camões.

Como será visto um arado de pau daqui a 100 anos? Como será entendida a técnica de cestaria daqui por dois séculos? Como se poderá entender uma ladaínha ou um provérbio popular daqui a 30 anos? Toda esta gama de perguntas parece poder encerrar-se numa resposta global: a procura do fascínio que as paisagens e os objetos exercem sobre a Humanidade é constância do ser humano.

A recente resolução do Conselho de Ministros n.º 35/2019, publicada no Diário da República, 1.ª série, N.º 34 de 18 de fevereiro de 2019, e disponível em https://dre.pt/application/conteudo/119674802, a propósito, refere que: “ Os museus têm um papel central na preservação e transmissão do património cultural nacional, cuja valorização e enriquecimento une as gerações num percurso de desenvolvimento cultural e social singular. O Governo encara a cultura como um pilar fundamental da democracia e como um fator basilar da identidade do País, do desenvolvimento sustentado e da competitividade da economia, sendo a preservação, a fruição, a expansão e a divulgação do património cultural e da criação artística componentes essenciais para o efeito. Para que cumpra este papel, a administração do património cultural deve prosseguir estratégias e ser dotada de meios que permitam consolidar a oferta pública dos museus, monumentos, palácios e sítios arqueológicos de especial relevância, ou seja, do património cultural nacional. A Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) tem por missão, conjuntamente com as Direções Regionais de Cultura (DRCs), assegurar a gestão, a salvaguarda, a valorização, a conservação e o restauro dos bens que integrem o património cultural imóvel, móvel e imaterial do País, bem como desenvolver e executar a política museológica nacional.” Serve esta citação, embora longa, para observarmos que em termos de museus de tutela estatal se dá novo alento a uma rede que teima em afirmar-se.

Todavia seria relevante se, porventura, os museus de comunidade, e que também estão alinhados à oferta pública referida, pudessem ser considerados na aplicação prática se se pudesse extravasar o que o n.º 1 da resolução estipula: “1 — Criar, na dependência do

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membro do Governo responsável pela área da cultura, em articulação com os membros do Governo responsáveis pelas áreas dos negócios estrangeiros, da defesa nacional, da economia, da ciência, tecnologia e ensino superior e da educação, um grupo de projeto para os «Museus no Futuro», que tem por missão identificar, conceber e propor medidas que contribuam para a sustentabilidade, a acessibilidade, a inovação e a relevância dos museus sob dependência da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) e das Direções Regionais de Cultura.” Será racional suscitar este desejo? Entendemos que seria uma excelente oportunidade para tal colaboração ao nível nacional e da diáspora, entre os museus sob dependência estatal e os outros museus, nomeadamente de iniciativa local. Para a afirmação museológica nacional os «Museus do Futuro» também passam por estas realidades culturais locais. O turismo é uma realidade local; os museus, também.

Na vida individual e coletiva há um eterno jogo de livre arbítrio de cada ser humano que se exercita em esquecer e evocar aquilo que não lhe interessa em termos de salvaguarda testemunhal e em relembrar, evocar e comemorar aquilo que lhe interessa como atavio para o seu próprio futuro.

E, como o futuro é dependente daquilo que se faz no presente, porque é também resultado evolutivo das capacidades atuais, prevemos que, numa época não muito longínqua, voltemos a ter gabinetes de curiosidades não no sentido daqueles que já existiram mas com o sentido de que a produção imensa de objetos que hoje existe acabará por eleger apenas uns poucos de séries infinitamente grandes e impossíveis de guardar e salvaguardar do perecimento185.

A efemeridade humana é compensada com a ideia de perenidade que os museus também tentam transmitir? Parece-nos que sim. Por outro lado, a capacidade de armazenar informação operativa e útil acabará por ditar o afastamento do nosso convívio daqueles objetos que não correspondam a estes requisitos de arquivo. O futuro será de quem o viver…

18.4 Síntese • Vivemos um tempo e ocupamos um espaço territorial e planetário em que o

fenómeno de “Aceleração da História” se ilustra na “Sociedade Mosaico”, e noutros fenómenos, gerados e associáveis à “Globalização Económica” e influência, como por exemplo a “Globalização Cultural”.

• Em termos culturais, os grandes ícones museológicos mundiais replicam «marcas museológicas com grande notoriedade internacional» por aproximação da Cultura à Mercantilização da Cultura: Economia da Cultura é uma nova realidade que obriga cada museu a “repensar-se” no contexto global da museologia.

• Por exemplo, o Museu do Louvre, de Paris, e o seu homónimo, o Museu do Louvre de Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, a 130 km do Dubai, são paradigma de uma nova museologia relacionada com a globalização económica: a réplica apresenta cerca de três centenas de peças emprestadas pelo Louvre e outros

185 A velocidade com que hoje são substituídos na mesma função determinados objetos é vertiginosa. A quantidade imensa de objetos com significado é também enorme. Não havendo capacidade para tudo guardar, há duas vias: a via da proliferação de espaços dedicados a certas atividades (a máquina de calcular já é peça de museu, tal como o último computador ou impressora) e a seleção criteriosa dos principais objetos da humanidade ao longo de toda a sua evolução desde os artefactos arqueológicos (nunca em tão curto espaço de tempo se descobriu e musealizou tanto em arqueologia) até aos últimos foguetões da NASA obsoletos apenas em décadas ou anos de uso operacional.

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museus franceses que se juntam ao acervo reunido pelas autoridades museológicas locais.

• Outro exemplo é o do Museu Guggenheim Bilbao: acrescenta valor ao prestígio da marca museológica com o prestígio da arquitetura assinada por Frank Ghery. O museu é propriedade da Fundação Solomon R. Guggenheim (com cinco museus no mundo). Na reabilitação de uma antiga cidade industrial, Bilbau é um claro exemplo de como a globalização económica, cultural e patrimonial cria novos ícones e espaços polarizadores do turismo internacional com claros benefícios para as comunidades residentes. Não sendo um museu de comunidade é, todavia, um museu que também sustenta uma comunidade.

• A Museologia, hoje, (com muitos contributos e diversas visões teóricas e aplicações práticas) deverá considerar a cultura crítica de cada Indivíduo, independentemente do seu estatuto social: este é fator decisivo na evolução qualitativa dos museus e, nomeadamente, dos museus de comunidade.

• Os desafios da “desculturalização”, a massificação do gosto, a falsa-cultura, as notícias falsas, os malefícios da utilização pérfida das redes sociais (o aumento de crimes reportados em tempo real pelos criminosos, por exemplo); felizmente em muito maior dimensão, os benefícios das redes, sociais e tecnológicas e científicas, profissionais e de investigação, devem ser encarados sob uma ligação entre cultura explícita (académica e formal) e a cultura tácita (popular e espontânea).

• O derrube de estereótipos museológicos e a sua eventual substituição e/ou revalorização/reutilização/adaptação/ etc. é um problema que implica usar Conhecimento experimental: nos museus de comunidade é, digamos, a norma que permitirá alcançar a tão almejada credenciação.

18.5 Sugestões de leitura MEDEIROS, Carlos Alberto, (1976), Portugal- Esboço Breve de Geografia Humana, Lisboa, Edições Terra Livre

(Organizada em 7 capítulos: Crescimento e repartição da população; O espaço rural; A pesca; A indústria; As Cidades; Circulação e comércio; As Ilhas adjacentes, configura um retrato de Portugal que esboçado na década de 70 do passado século é, por isso mesmo, de leitura aconselhada para quem necessite de dados relacionados com o país que tínhamos há mais de 4 décadas. Por outro lado, o estudo do espaço rural, das pescas, das cidades e do comércio revela, no global da obra e nos detalhes mais significativos, um cuidado em seguir-se a lição de Orlando Ribeiro, Geógrafo que trouxe para o domínio disciplinar da Geografia muito do que é considerado, hoje, como lastro geomorfológico e lastro geográfico que dão sentido à cultura de muitos lugares que urge redescobrir e utilizar num mundo cada vez mais nivelado a padrões universais pelas TICs. É neste contexto que este livro poderá auxiliar muitos iniciados e que, não tendo podido cursar a academia, poderão compreender melhor a importância da Geografia na gestão dos museus de comunidade. Na conclusão, o Autor refere na p. 147: “É claro que Portugal tem de aproveitar todas as possibilidades que se lhe oferecem: entre estas, contam-se o turismo e, se a emigração continuar a ser o «mal necessário» a que atrás se aludiu, os recursos com ela relacionados. Mas o País tem neste momento a possibilidade de encarar sem ambiguidades os seus reais problemas e de empreender as correcções estruturais que se impõem; mesmo sem que os temas tenham sido aprofundados, focaram-se atrás aspectos que exigem reflexão.” Esta palavras eram

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premonitórias e, desde então, tanto esta quanto outras bibliografias então saídas a lume são, atualmente, elas próprias, documentos de alto valor histórico-cultural.)

SANTOS, José Manuel Figueiredo, (2017), Património e Turismo. O Poder da Narrativa, Lisboa: Edições Colibri

(Acreditando-se que o futuro das organizações que operam nos domínios culturais e se relacionam com a economia e com o turismo, entre outras indústrias culturais em termos da designada Economia da Cultura, será a capacidade competitiva, esta é uma obra que importa a uma larga audiência de académicos, de estudantes, de empresários e profissionais deste setor, dos líderes institucionais do Estado. O Autor afirma na p. 9 que decidiu editar em livro as suas reflexões sobre os vínculos patrimoniais incontornáveis e explica-os referindo textualmente: “Por isso, este esforço literário, associado à interpretação do património, não deve ser visto como um exercício intelectual intrusivo, mas como resultado de preocupações de quem conhece os efeitos nefastos da voragem do espaço sobre o tempo, devidos, nuns casos, à atividade turística, noutros indevida e injustificadamente atribuídos à mesma.” Nesta lógica, é o Conhecimento que importa relevar no combate para que o “direito à memória” e o “dever de memória” se exerçam democrática e conscientemente. Nas comunidades locais, este e outros tipos de Conhecimento, quando disseminados a projetos culturais locais acrescentam-lhes valor e credibilidade. A obra estrutura-se em 8 capítulos: I – A construção social do património; II – Do património à patrimonialização; III - Alavancas do conhecimento interpretativo; IV – A Interpretação e o Planeamento Interpretativo; V – Trilhos da Interpretação do Património; VI – Património Cultural e Novas Tecnologias; VII – Património global e paradigmas do desenvolvimento; VIII – Turismo, Cultura e Património. O livro também apresenta nas pp. 245-248 no título “Cenários prospetivos” um texto muito oportuno sobre a problemática que subjaz na relação turismo-património-cultura-desenvolvimento e a melhor forma de gerir os problemas que, por exemplo, estão na base de programas de qualificação dos atores territoriais. Na p. 247 o Autor avança com a seguinte afirmação sobre a sustentabilidade no turismo: “Assim, parece essencial que as políticas públicas de turismo não se resumam, na prática, ao fomento e promoção turísticos, sem a preocupação de regular o desenvolvimento do próprio turismo. Se, no discurso, a sustentabilidade é mister, na prática não pode ser quanto mais turistas e, consequentemente, mais dinheiro melhor, mesmo que a exploração turística se revele insustentável, a longo prazo.” Ao longo de todo o texto poderemos respigar aspetos muito relevantes, por exemplo, para processos de trabalho que no que respeita à elaboração de candidaturas a projetos museológicos careçam de revisão de literatura e, nela, de fundamentos. Por isso, poderemos destacar alguns tópicos que se poderão integrar neste espírito de exploração deste texto. Na p. 21 do capítulo I observa-se que: “Os objetos do passado propiciam estabilidade, porquanto, se o futuro é uma referência incerta e o presente aquele instante fugaz, a única certeza que os indivíduos conservam é a verdade irrefutável do passado. (…) Face à obsessão da rutura e da desordem provocada pela ausência de valores simbólicos e de identificação, que a sociedade reivindica, numa explosão nostálgica, o património surge como uma forma de recuperação especialmente eficaz.” Na p.25 poder-se-á compreender que: “(…) se a patrimonialização tende a fixar alguma permanência, a cultura, pelo contrário, está em constante mudança.” No que respeita à incorporação de objetos patrimoniais com finalidade museológica, é referido, tal como também defendemos, que: “Nesta operação são fundamentais os especialistas, nomeadamente os arqueólogos, os antropólogos, os arquitetos, os historiadores da arte, etc., enquanto criadores de uma legitimidade patrimonial seletiva. Estes expertos certificam o valor dos elementos culturais dignos de serem patrimonializados e reconhecem como um bem de tutela pública o que antes não era reconhecido como tal.” Nesta lógica interventiva, o facto

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de os museus de comunidade se alinharem, sempre que possível, ao objetivo da certificação, valoriza-os e integra-os não apenas na RPM mas, igualmente, nas restantes redes nacionais e internacionais. No tocante às singularidades locais, na p.51 lê-se: “Não é difícil observar movimentos de revitalização e reinterpretação da especificidade cultural que parecem constituir reações locais aos efeitos da globalização. Estas preocupações encontram tradução num aumento da importância atribuída à preservação do património, como elemento de afirmação das singularidades locais.” No capítulo III, na p.74, recebe um aviso para todos quantos utilizam os recursos patrimoniais porque se explicita que: “Com efeito, a habilidade mais importante de todos aqueles que lidam com a interpretação do património é, sem dúvida, a comunicação.” No capítulo IV é relevante a afirmação na p.99, em termos promocionais: “As atrações culturais e naturais valorizadas pela interpretação devem ser dignas de publicitação nos principais guias turísticos nacionais e internacionais, bem como nas publicações orientadas para mercados específicos, o que requer uma gestão criteriosa e eficaz da publicidade.” Em relação às propostas sobre o título do capítulo V – Trilhos da Interpretação do Património, na p. 127 é escrito o seguinte: “Em boa verdade, importa que a interpretação suscite uma espécie de prazer ou embriaguez com as linhas, as imagens, os gestos e as figuras que constelam as pedras da memória do visitante, para que ele possa reencontrar o movimento das mãos dos antepassados, num gesto repetido que consiste em talhar, cruzar, perfurar e desenhar mil e uma figuras.” O capítulo VI abre com uma constatação básica, mas que importa ter sempre presente: “Intrinsecamente associada ao computador e à informática, a internet populariza-se, na última década do século XX, como um novo conceito de difusão e troca de informação que revoluciona o mundo tradicional dos media. (…) Estas características fazem com que a Web se converta no suporte mais eficiente dos meios de comunicação.” Na p. 190 e com muito interesse, por exemplo, para projetos museográficos orientados à digitalização refere-se que: “A interatividade proporcionada pelo uso do sistema digital modifica o comportamento dos indivíduos diante de uma obra/projeto, tornando porosas as fronteiras entre o espetador e o participante.” No que se refere ao tópico património e desenvolvimento, apresentado no capítulo VII, poderemos compreender na p.196 que: “Não raro, o turismo é pensado, neste mundo incerto, como forma de devolver aos espaços o esplendor que não tiveram por força de terem ficado à margem das grandes correntes de desenvolvimento imperantes nos dois últimos séculos. A aposta contém os seus riscos, sobretudo porque ela implica um aproveitamento intensivo do património, quase sempre muito frágil, apesar de nuclear, sobretudo, na identidade moderna.” Por último, o capítulo final dedicado ao Turismo, Cultura e Património é tratado com visões didáticas baseadas na revisão de literatura que o Autor utiliza e, com muito interesse, com as reflexões que enlaçam o leitor levando-o, nomeadamente ao leitor iniciado nestes domínios, a novo conhecimento assim apresentado. Nesta lógica, na p.213, considerando-se a vertente económica do turismo: “Ao aceleracionismo turístico preside uma maximização dos fluxos, que remete a sede principal dos valores estéticos para o processo de mecanização da existência, envolvendo uma contínua substituição de máquinas e de produtos materiais e imateriais por outros.” Na p.223 refere-se:” O património histórico tem vindo a aumentar, progressivamente, a sua abrangência, atraindo o interesse, intrigando milhões de pessoas que viajam pelo mundo para testemunhar ao vivo, nas ancoragens turísticas, a herança de outros povos. O modo como esse património cultural tem sido objeto de apropriação turística, no contexto do modelo de desenvolvimento hegemónico peculiar, é aqui e agora objeto de apreciação. Tenta-se, para o efeito, sistematizar algumas mudanças na função seminal da cultura, associadas aos seus modos de apropriação pela intermediação turístico-cultural moderna.” Como corolário crítico, o Autor também considera na p.242 que: “Alterando significativamente a noção de património cultural, a visão contemporânea reconhece-o como

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“capital”. (…) Nesta perspetiva, o turismo apropria-se da cultura convertendo-a numa mercadoria-ritual espetacular, passivo, ficcional e superficial. É o que se depreende da argumentação de que, com o turismo cultural, fica problematizada a vida das populações colocadas na posição de “oferta turística”, na medida em que a identidade se torna um recurso submisso do Outro.” Numa visão ainda mais crítica, e considerando-se que sendo controversa faz parte da discussão do momento, refere-se que: “Com a “espetacularização” da realidade e a turistificação dos espaços, parece mesmo assistir-se a uma mudança quantitativa e qualitativa na associação entre património e turismo. Por outro lado, os destinos patrimoniais clássicos veem-se submetidos a uma pressão turística cada vez mais intensa e, em alguns casos, tão brutal que chega a fazer temer pela sua conservação.” Pela densidade da abordagem, mas igualmente pelo pendor pedagógico que apresenta, é para os promotores culturais, e em concreto para os que laboram na qualificação dos museus de comunidade, de leitura praticamente obrigatória.)

NEVES, José Soares (coord.); SANTOS, Jorge Alves dos; LIMA, Maria João, (2013), O Panorama Museológico em Portugal: os Museus e a Rede Portuguesa de Museus na Primeira Década do Século XXI, Lisboa: Direção-Geral do Património Cultural

(Obra de grande interesse para a museologia nacional e, nomeadamente, para se compreender a estrutura museológica no século XXI e seus problemas e soluções. É organizada em 7 capítulos, conforme segue: 1. CONTEXTOS E DINÂMICAS DOS MUSEUS EM PORTUGAL; 2. RECENSEAMENTO: RESULTADOS E PROBLEMAS; 3. OS MUSEUS: CARATERIZAÇÃO GERAL, RECURSOS, ACERVOS, INSTALAÇÕES E PARCERIAS; 4. OS MUSEUS E OS VISITANTES: ATIVIDADES E CARATERÍSTICAS; 5. A RPM E OS MUSEUS DA RPM; 6. INQUÉRITO AOS MUSEUS DA RPM; 7. INDICADORES GLOBAIS DE EVOLUÇÃO DO PANORAMA MUSEOLÓGICO; NOTAS CONCLUSIVAS. Nestes pontos são detalhados aspetos fundamentais que entre o ano de 2000 e 2013 significaram avanços, problemas, soluções, dados estatísticos, legislação e normativos, etc., toda uma série de olhares à museologia nacional. Na p.16 refere-se que: “O estudo organiza-se em sete capítulos. No primeiro faz-se a contextualização do panorama museológico, suas dinâmicas e tendências, com particular incidência nas políticas públicas para os museus, instrumentos, orientações e despesas, bem como nas formas de articulação em rede que marcaram a primeira década do século XXI. No segundo capítulo introduzem-se os resultados do recenseamento, quanto aos museus em geral e aos museus polinucleados em particular, e referem-se ilustrativamente alguns problemas inerentes ao processo de construção dos dados. A fonte é a BdMuseus. O terceiro e o quarto capítulos dão conta da caracterização dos museus em Portugal em várias dimensões. A principal fonte é o IMUS. No terceiro, caracterizam-se os museus segundo as principais variáveis, as infraestruturas e o funcionamento; no quarto trata-se especificamente das relações com os visitantes, tanto do ponto de vista da oferta (as atividades dos museus) como das procuras (quantidades e características dos visitantes). O quinto e o sexto capítulos são dedicados à RPM. O quinto tem como principal fonte a documentação produzida pela RPM e centra-se em quatro vertentes: uma de balanço do enquadramento orgânico e da (pequena) estrutura organizativa que sustentou o seu funcionamento no período em análise; outra sobre os museus que integram a rede; outra ainda sobre as linhas de ação desenvolvidas; e a última incide nos níveis de participação dos museus nas linhas de ação. Isto tendo sempre presentes a missão e os objetivos da Rede. No sexto capítulo apresentam-se e analisam-se detalhadamente os resultados da avaliação da RPM a partir do inquérito realizado pelo OAC. No sétimo capítulo analisa-se a evolução do panorama museológico português na perspetiva

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da qualificação dos seus serviços com base em indicadores expressamente construídos com esse fim. A fechar sintetizam-se, na forma de notas conclusivas, alguns dos principais aspetos decorrentes do estudo.” Do ponto de vista do rigor na obtenção de dados, o INE lançou um documento relevante que também importa ser do conhecimento dos promotores dos museus de comunidade. Como se poderá consultar, o acrónimo BdMuseus explica-se da seguinte forma: “- Museus_BD_Apuramento – inclui apenas os quesitos do questionário dos Museus apurados, isto é, os Museus que de acordo com a metodologia iniciada no inquérito do ano 2000, obedecem em simultâneo aos seguintes cinco critérios estabelecidos para apuramento: - Critério 1- existência de, pelo menos, uma sala ou espaço de exposição; - Critério 2- abertura ao público, permanente ou sazonal; - Critério 3- existência de, pelo menos, um conservador ou técnico superior - incluindo pessoal dirigente –; - Critério 4- existência de um orçamento - óptica mínima: despesa -; - Critério 5- existência de um inventário (óptica mínima: inventário sumário)”, como se poderá consultar na p.11 do título “Inquérito aos Museus – Documento Metodológico”, de outubro de 2009 e disponível em http://smi.ine.pt/UploadFile/Download/597, através do Departamento de Estatísticas Demográficas e Sociais, Sociedade da Informação e Conhecimento. Como se poderá compreender, e considerando que por exemplo na p. 162 existem depoimentos na forma de: “Julgo que seria importante que a Rede verificasse o cumprimento dos critérios de adesão à mesma, conseguindo discernir quando os museus criam quadros que se ficam pela criação formal, mas não são preenchidos e nem sequer são supridos pelo funcionamento de estruturas alternativas. Museu da Administração Local, Norte. Constata -se que a política de ação da RPM apenas se tem centrado nos museus a credenciar, os outros, os museus de “transição” pouco ou nada beneficiaram. Museu da Administração Central, Centro”, a título de exemplo, há que tentar encontrar soluções tal como se indica no segundo depoimento, para os museus de «transição». Muitos destes museus poderão caraterizar-se na tipologia de museus de comunidade? Certamente que sim, pelas razões que fomos aduzindo ao longo deste texto. O caminho será, sem dúvida, a orientação à credenciação, mas também se deverá pensar como dar condições para que os museus ainda não credenciados consigam corresponder a todos os requisitos para atingirem tal objetivo.

LOPES, Ernâni Rodrigues (Coord), (2010), A Constelação do Turismo na Economia Portuguesa, Lisboa: O Sol é Essencial S.A.

(Fazendo parte de uma coleção lançada pelo Jornal Sol, designada de “Portugal-Desafios nos Alvores do Século XXI”, tem a colaboração de José Poças Esteves e Equipa técnica e consultores da SaeR, e tem logo a abrir na p.9 uma provocação aos profissionais do turismo quando se refere que: “Ao conceito “Turismo” tem correspondido habitualmente uma abordagem restrita, limitativa, que entende o Turismo como um conjunto de actividades económicas organizadas, destinadas a acolher e receber pessoas que viajam, temporariamente, para fora da sua área habitual de residência.” Sem dúvida que esta designação geral é uma ponta do icerberg que nos mostra muito mais que meras atividades económicas e, por isso, a Cultura Turística, tal como a Cultura Museológica por exemplo, são domínios que ultrapassam aquela abordagem restrita. A obra aqui apresentada está dividida em 6 capítulos. O primeiro destaca a importância do turismo para a economia portuguesa, o segundo apresenta um estudo sobre os mecanismos internos, tais como a definição da Cadeia de Valor e a formação dos Recursos Humanos. A terceira incide sobre as tendências no início do século XXI, muitas delas que se vieram a confirmar nestes últimos oito anos, e a quarta divisão apresenta uma reflexão sobre a turismo como um domínio estratégico da economia portuguesa. Aliás, na p. 85 afirma-se: “No sistema dos sectores de uma economia, o sector do turismo tem uma importância singular porque é diversificado nas suas competências, é

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gerador de um volume considerável de emprego, é um indutor de mudança de comportamentos com relevância para os resultados económicos e pode, pela via da internacionalização, ganhar uma autonomia que o torne um sector da modernização económica.” Nesta aferição conceitual o papel dos recursos, nomeadamente culturais, e nessa abrangência museológicos, representam parte dessa diversificação que enriquece a cadeia de valor do turismo com origem portuguesa. A quinta divisão trata das segmentações e das opções estratégicas do Turismo de Portugal (na época com a estratégia PENT – Plano Estratégico Nacional de Turismo), agora vertido na Estratégia Turismo 2027 em vigor desde 2017. Na última parte é abordada a especificidade do PENT, mas com maior interesse e ainda atual, o texto intitulado de “O Caminho da Reinvenção do Turismo Português” nas pp. 125-126 comporta um aviso para o caminho a trilhar: “O projecto de transformação do Turismo Português envolve um número muito elevado e diversificado de agentes e stakeholders e o desenvolvimento da sua execução, necessariamente, num período alargado de tempo.” Seguidamente são detalhadas “95 medidas para reinventar o turismo” que entre as pp.130 e 179, e desenhadas para a Confederação do Turismo Português em 2005, detalham como anexo os pontos críticos apontados e as formas tendencialmente resolventes propostas.)

SCHEINER, Tereza Cristina, (2012), Repensando o museu integral: do conceito às práticas, Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, vol.7 no.1 Belém, Jan./Apr. https://www.academia.edu/8911025/Repensando_o_Museu_Integral_do_conceito_%C3%A0s_pr%C3%A1ticas_Rethinking_the_Total_Museum_from_concept_to_practice

(O artigo aborda o conceito de Museu Integral e os discursos que esta designação suscita entre especialistas. A Autora adianta que: ”Hoje, o Museu é percebido pelos teóricos como um fenômeno, identificável por meio de uma relação muito especial entre o humano, o espaço, o tempo e a memória, relação esta a que denominaremos 'musealidade'. A musealidade é um valor atribuído a certas 'dobras' do Real, a partir da percepção dos diferentes grupos humanos sobre a relação que estabelecem com o espaço, o tempo e a memória, em sintonia com os sistemas de pensamento e os valores de suas próprias culturas. E, portanto, a percepção (e o conceito) de musealidade poderá mudar, no tempo e no espaço, de acordo com os sistemas de pensamento das diferentes sociedades, em seu processo evolutivo. Assim, o que cada sociedade percebe e define como 'Museu' poderá também mudar, no tempo e no espaço.” O termo musealidade, de sua autoria, serve para que a sua visão sobre o «museu» possa ser justificada como parte da discussão que atualmente se elabora um pouco por todo o mundo. Por isso, e reforçando a sua proposta, refere que: “Quanto à Museologia, pode ser entendida hoje como o campo do conhecimento dedicado ao estudo e análise do Museu enquanto representação da sociedade humana, no tempo e no espaço. Abrange o estudo das múltiplas relações existentes entre o humano e o Real, representadas sob diferentes formas de museus: museus tradicionais, baseados no objeto; museus de território, relacionados ao patrimônio material e imaterial das sociedades do passado e do presente; museus da natureza; museus virtuais/digitais. Como disciplina acadêmica, tem metodologias específicas de trabalho, relativas à coleta, preservação, documentação e comunicação do patrimônio da Humanidade. Possui ainda uma terminologia específica, ora em desenvolvimento, que permite o trabalho integrado com outras áreas do conhecimento, tanto na teoria como na prática.” Na apreciação destas duas premissas poderá compreender-se como linhas de investigação independente, como é o caso, enriquecem o panorama teórico. Assim, parte-se da “ideia de Museu” e da “musealidade” como elementos de um fenómeno onde outras designações tais como as de “museu integral”, de “museu comunitário” e de “ecomuseu” se agregam a práticas museológicas (com forte participação

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das populações locais) onde as questões sociais e ambientais, culturais e económicas convergem num todo da comunidade, voltada para o social. Como informação muito importante para a problemática dos museus de comunidade é a referência de causalidade e de efeito criativo protagonizado por Hugues de Varine, conforme lemos: “O relato de De Varine sobre a criação do termo 'ecomuseu' reforça essa perspectiva, ao relembrar a noite de 1971 em que, reunido com Rivière e o Conselheiro do Ministério do Meio Ambiente, Serge Antoine, criou o termo: Georges-Henri Rivière e eu estávamos felizes e satisfeitos porque, pela primeira vez em uma conferência internacional desta importância [a Conferência Geral de Museus do ICOM], um grande político iria relacionar publicamente museus e meio ambiente. Esta oportunidade abriria um novo caminho para a pesquisa museológica, num campo cuja importância havia acabado de ser reconhecida, mas ainda seria oficialmente confirmada, na conferência da ONU em Estocolmo, no ano seguinte. Serge Antoine foi reticente: de nenhuma maneira os museus poderiam ser objeto de qualquer inovação verdadeira (...) falar da sua utilidade a serviço do meio ambiente faria apenas as pessoas rirem. Não: para transmitir tal mensagem, teríamos que abandonar a palavra 'museu'. (...) Nós (...) brigamos em vão para convencer nossos colegas da vitalidade do museu e sua utilidade. Finalmente, quase que jocosamente, eu disse, "Seria absurdo abandonar a palavra; seria bem melhor mudar seu apelo comercial, mas nós também poderíamos tentar criar uma nova palavra baseada em 'museu'..."; eu tentei diferentes combinações de sílabas envolvendo as duas palavras, 'ecologia' e 'museu'. Na segunda ou terceira tentativa, eu cheguei a 'ecomuseu'. (...) O Ministro Poujade usou pela primeira vez o termo 'ecomuseu' alguns meses depois, em Dijon, em 3 de setembro de 1971, num discurso para 500 museólogos e museógrafos de todo o mundo (De Varine, 1992, p. 48). Sabemos, por esse e outros relatos de De Varine, que o termo 'ecomuseu' foi uma ocorrência circunstancial – e o próprio autor solicita que as experiências que assim se reconhecem sejam nomeadas 'museus comunitários'. Mas é certo que o termo 'ecomuseu' passou a ser sinônimo de um tipo muito especial de museu comunitário, fundamentado na musealização de um território e na relação entre este território, o meio ambiente integral (entendido como patrimônio) e as comunidades que ali conviveram e/ou convivem.” Esta descrição é muito valiosa pelo que encerra da circunstancialidade que envolve por vezes o trabalho em museologia. A referência à Carta de Santiago do Chile e a recomendação no sentido de se desenvolverem pesquisas e análises mais aprofundadas sobre as relações entre teoria e prática museológica culmina com a proposta do Museu Inclusivo, que no entendimento da Autora melhor responde às necessidades museológicas atuais, nomeadamente no domínio da Nova Museologia. Termina com uma pergunta e respetiva resposta: “2) É possível a Museologia atuar em sintonia com as propostas do Museu Integral? Esta continua a ser a nossa crença. Lembremos que a 17ª. Assembleia Geral de Museus, realizada em 1992, no âmbito da 16ª. Conferência Geral do ICOM, já enfatizava que os museus "não têm outros limites além daqueles estabelecidos pelas pessoas" e instava os profissionais a "quebrar todas as barreiras que isolam os museus das necessidades das comunidades" – e a sustentar, de forma continuada, os museus, as organizações e as instituições que promovem e respeitam a diversidade cultural, ameaçadas por câmbios políticos e econômicos em todo o mundo.” Respigamos a afirmação citada da fonte ICOM, “(…) os museus não têm outros limites além daqueles estabelecidos pelas pessoas”. Subscrevemos integralmente e apenas acrescentamos que a observação sobre as possibilidades e os limites de cada museu de comunidade deverá ser uma atitude permanente dos seus promotores. Leitura recomendada até pela exploração das muitas fontes e bibliografias úteis à gestão dos museus de comunidade.)

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Conclusão

Depois desta jornada de questões, algumas com resposta e outras exigindo mais reflexão, é tempo de concluirmos. Como tivemos o cuidado de observar, este documento é dirigido, essencialmente, àquelas pessoas que, por vontade própria, e por vezes com sacrifício da sua vida pessoal e familiar, acreditam num sonho. Acreditam no seu «museu».

Tentámos, porém, desenvolver um texto que contribuirá, esperemos, para uma clarificação da complexidade museológica e do caminho que a DGPC propõe e que a RPM materializa institucionalmente.

Estamos conscientes de que o futuro que já se faz sentir se desenvolve no sentido de, cada vez mais, se encontrarem soluções que passam pela profissionalização das pessoas que trabalham nos museus, incluindo o pequeno museu local.

Há, neste, como noutros domínios, dois países: o País que se pensa existir de determinada forma e o País real que marca o quotidiano das pessoas. Muitos dos museus de comunidade são, ainda hoje, esteios de cultura popular, espontânea, autêntica na sua vivacidade e, porventura, projetos imperfeitos, nomeadamente à luz das ciências do património (natural e cultural).

A Museologia Popular, se pudermos usar esta terminologia expedita, encerra valores que, ao serem padronizados e valorizados por técnicas de natureza museológica, são melhor preservados e por mais tempo, acredita-se. Assim, passar do estatuto de “imperfeitos” para “perfeitos” implica trabalho e esforço de qualificação que a integração na DGPC e RPM deverão assegurar.

Por isso, decidimo-nos por criar um texto orientado, preferencialmente, aos promotores de museus locais, aproveitando as nossas visões e experiências, as nossas imperfeições e, porventura, as nossas interrogações. Tudo foi trabalhado num conjunto orientado a essas pessoas, às organizações museológicas em que acreditam e aos territórios, todos os 308 municípios nacionais que, assim, nos mereceram essa preocupação.

Utilizámos, para isso, algumas situações de trabalho no Museu Agrícola de Riachos que tem tentado manter um rumo de partilha e de ligação a outros museus locais, como é o caso do processo da visão protocolada com o futuro Museu de Memórias Rurais e a sua comunidade.

Desejamos que este trabalho possa ser útil a quem nos lê e sentimos que cumprimos um dever cívico, porque:

1. De tudo o que expusemos e tentámos ilustrar resulta um acervo de informações e de modos de trabalhar que, cremos sinceramente, poderão ajudar todos aqueles a quem nos dirigimos;

2. Num momento crucial para o País e para as suas regiões naturais é importante o papel fundamental dos pequenos museus locais. Esse papel articula-se, naturalmente, com os sentimentos das comunidades quanto ao valor dos seus traços de identidade. Nesses traços coexistem as lendas e narrativas com os objetos entendidos particularmente importantes e que dão voz a essa identidade.

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Conclusão

3. A exploração que o museu local poderá encetar quanto ao rico património cultural de um lugar ou região está diretamente relacionada com a sensibilidade de quem gere os destinos desse espaço, mas, também, com a vontade da comunidade em ver-se representada numa procura de realidade decorrente da sua ideia de identidade. A creditação no seio da RPM deverá ser um objetivo a alcançar.

4. Essa ideia fundamenta-se na importância do desenvolvimento comunitário futuro. Uma comunidade sem passado é uma comunidade amputada das suas raízes e estas raízes são a seiva alimentadora do presente e do futuro dessa comunidade. Por isso, e através desta consciência mais viva numas do que noutras pessoas da mesma comunidade, aparecem as propostas de criação de museus locais. Esta é uma realidade civilizacional patente em todos os pontos do globo que carece de enquadramento institucional. A ligação ao ensino, desde o pré-escolar até ao ensino superior, à formação contínua dos cidadãos e à visitação cultural e turística, é a base da evolução do museu de comunidade.

5. Esta afirmação da comunidade local, por via museológica, pretende-se como afirmação de prestígio e reconhecimento. Por isso mesmo, não há nem poderá haver fórmulas mágicas que possam informar e coordenar como se instala e gere um museu desta natureza. A criação de um museu local é também uma oportunidade de aprendizagem comunitária. A sua ligação à DGPC é uma via de credenciação.

6. O museu só é importante se for divulgado o seu trabalho e se o seu projeto for uma alavanca cultural no seu domínio de missão e função social. Por isso, e antes de se criar o museu, é importante perceber-se se será possível sustentar no tempo uma estrutura desta natureza. O pior que pode acontecer a um museu é ser pensado e erigido sem, posteriormente, ser capaz de se desenvolver e contribuir para o desenvolvimento da localidade onde está sediado.

7. A existência de um museu de comunidade pode significar uma aventura fascinante, nomeadamente para aquelas povoações que estão em processo de desertificação: o museu significa aumento da autoestima e capacidade de reação das populações locais às adversidades. O museu pode ser a sala de visitas da localidade, porque pode tornar-se um marco imprescindível à vida das populações locais e aumentar a qualidade de vida dos seus frequentadores, porque, por exemplo, também contribui, mesmo que indiretamente, para a satisfação psicológica da comunidade e para bem receber os visitantes ao território onde se situa.

Terminamos com uma citação das pp.177-178 do documento da DGPC, “O Panorama Museológico em Portugal”, sobre a tendência museológica do momento (em 2013) referindo: “Uma das caraterísticas – que decorrem do recenseamento permanente cujos resultados foram analisados no capítulo dois – é a tendência para o surgimento de novos museus. Isso é patente nos números dos que já abriram ao público, mas também dos que poderão abrir a curto e médio prazo, ou seja, dos projetos e das intenções de criação de novos museus. Contudo, a observação desta tendência tem subjacentes dois aspetos que importa sublinhar. O primeiro é que se suporta numa noção muito lata de museu, na qual cabem todas as entidades como tal autodesignadas, e, portanto, reporta-se a um universo muito heterogéneo. O segundo é que nos anos mais recentes vários indicadores mostram sinais de abrandamento – não no número de museus que entraram em funcionamento, mas sim nos projetos e nas intenções de criação de novos museus. Ao mesmo tempo, embora com níveis absolutos relativamente baixos, é visível o aumento do número de museus encerrados. Será

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Conclusão

este um sinal de adequação à Lei Quadro e às crescentes exigências de qualificação dos museus pelo reconhecimento da insustentabilidade dos projetos? Tratar-se-á do resultado de reestruturações promovidas pelas tutelas? Ou será já um sintoma do impacto da crise? As respostas não são ainda claras até porque resultarão, eventualmente, da conjugação de vários fatores.” Subscrevemos. Um dos fatores que mais importará pelo menos nos museus de comunidade é o de criar mais cultura museológica e disseminá-la nos projetos ainda em ideia ou em maturação, mas, desde o seu início, claramente orientado aos pressupostos da RPM.

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Outras referências, nomeadamente, recursos da internet são apresentados nas páginas de texto e em notas de rodapé.

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