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A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DIANTE DA INTIMTDAÇÃO COMO FINALIDADE DA
PENA
MESTRADO EM DIREITO
UNIFIEO - Centro Universitário FIE0 Osasco - SP
2004
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A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DIANTE DA INTIMIDAÇÃO COMO FINALIDADE DA
PENA
Dissertaçiio apresentada i Banca Examinadora da UNiFiEO - Centro Univenitário FIEO, para obtmçlo do título de Mestre em Diiito, tendo como área de concentraçiio "Positivaçlo e Concretiza#o Jurídica dos Direitos Humanos", dentro do projeto A Tutela da Dignidade da Pessoa Humana perante a Ordem Política, Social e EeonSmier, inserido na linha de pesquisa Direitoa friindamentais em rua Dime~Po Material, sob orientaçslo da professora doutora Margareth Anne Leister.
c \ . t K S ~ . L
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UNIFIEO - Centro Universitário FIEO Osasco - SP
2004
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Banca Examinadora
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A amiga e estimada Professora Doutora Margareth Anne Leister, pela dedicação e comprometimento em ensinar. Nosso sincero agradecimento pelo incentivo no desafio de escrever o presente trabalho.
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. a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, quer dizer, exalamente o neces.sário para empenhar os outros em mantê-lo na posse do restante.
A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir. Todo o exercicio do poder que deste fundamento se afaste constitui abuso e não justiça; é um poder de ,fato e não de direito; cc)nstitui usurpação e jamais um poder legítimo."
Beccaría, Dos Delitos e das Penas, 1983, p. 15 .
"Escreveu Lombroso: I... a sociedade não deve punir o que é moralmente mau, mas, somente, o que
9 9 7 se toma socialmente nocivo.
Roberto Lyra, Direito Penal, 1936, p. 213
'%ùndamento da pena é a realização culpável do ,fato punível. Mas a pena está em função da gravidade do malejicio e da culpabilidade do agente somente em linha de princbio, dentro dos parâmetros fixados pela lei, com critérios de valor, com justa pena. "
Heleno Cláudio Fragoso, Pena e culpa, 1973, p. 6.
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RESUMO
O objetivo deste trabalho é discutir a questão da dignidade da pessoa humana diante da intimidação como finalidade da pena, em especial enfoque, aos ensinamentos desenvolvidos na busca da defesa social, inicialmente vislumbrados a partir da contemplação das Escolas Penais. Tratando de refletir sobre existência ou não do efeito intimidativo, a lei penal e sua efetivação projetam-se com sentido de prevenção, onde dedicaremos a analisar suas conseqüências e reflexos, direcionando para a maneira com que tal fenômeno se materializa, no que tange a intervenção estatal e sua repercussão sobre os direitos fundamentais do homem e 0s princípios norteadores que o embasam. A idéia principal do estudo foi gerada em abalizada doutrina, com destaque para: As Três E.~colas Penais, de Antonio Moniz So&é de Aragão e Sanções Penais, de Jose Maria Rico, donde surgiu nosso interesse de questionar a validade, a eficiência e o alcance da intimidação, posto que, embora já debatida por doutos, deixa ainda grande lacuna sobre o tema. Enveredando por diversas fontes do conhecimento, em prol da Ciência do Direito, buscaremos demonstrar o propósito da utilização multidisciplinar e interdisciplinar do saber, para melhoria da Política Criminal voltada a ampla defesa e concretização da dignidade da Pessoa humana.
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ABSTRACT
The objective of this paper is to discuss the dignity of the hirman being when facing intimidation as the finality of the penalty, specially focusing the teachings which have been developed in search of social defense, initially observed from the contemplation of Penal Schools. When reflecting about existente or not of the intimidating effect, the penal law and its effectiveness project in the sense of prevention, and the analysis of its consequences and reflexes in the way that they materialize. The State intervention and its repercussion over the fundamental nghts of men and the principies that they are based on. The main idea of the study was generated in a notable doctrine, with emphasis on: As Três Escolas Penais, by Antonio Moniz Sodré de Aragão and Sanções Penais, by José Maria Rico. It is their work that made us question the vdidity, eficiency and reach of intimidation, aiid although it has already beeri debated by rnasters, there is still a great gap about the theine. Following various sources of knowledge, in favor of tlie Law sçience, we will demonstrate the purpose of using rnultidisciplinary and interdisciplinary approaches of knowledge to better the Criminal Police and achieve the defense of the dignity of the Human Being.
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. ................................................................................................ Introduçao . . . ........................................................ Capítulo I . Considerações iniciais
1 0 homem e a ordem social: O Direito .................................................. . r ............................................................................. 1 . 1 A postura cientifica . ................................................................................ 1.2 A evoluçao social . .
1.3 A noção científica do Direito .............................................................. ..................................................... 1.4 Fundamento e defínição do Direito
............................................................................ 1.5 A coação e o Direito ................................................................... 1.6 A coação e a norma penal
1.7 Direito Penal: escorço histórico ........................................................ 1.8 Fundamentos do Direito Penal de Punir .............................................. 1.9 A Pena: conceito .................................................................................. 1 . 10 Teorias fundamentadoras da pena .................................................... 1.10.1 Idéias decorrentes sobre o fundamento do Direito Penal de
........................................................................................................... Punir
Capitulo I1 . A Pena e a Escola Positiva ..............................................
2 A pena nas Escolas Penais .................................................................. . . 2.1 A Escola Positiva ................................................................................ 2.2 As características da Escola Positiva ................................................. . . 2.3 O livre arbimo ..................................................................................... 2.4 Determinismo e a negação do livre arbítrio ........................................ 2.5 Defesa social e a responsabilidade social ............................................ 2.6 A essência da pena: forma e razão de punir ........................................
Capítulo 111 . Direitos Fundamentais e a Dignidade da Pessoa Humana ...................................................................................................
3 Direitos Fundamentais: terminologia e funções .................................. 3.1 Dimensões dos Direitos Fundamentais ............................................... 3.2 A interpretação dos Direitos Fundamentais: nova hermenêutica ........ . . 3.3 Pnncipios ............................................................................................. 3.4 Principio da dignidade da pessoa humana ......................................... 3.5 Princípio da liberdade ........................................................................
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3.6 A Dignidade da Pessoa Humana: diplomas legais .............................. 3.7 Princípios constitucionais penais ........................................................ 3.7.1 Princípio da proporcionalidade ........................................................ 3.7.2 Princípio da intervenção mínima ......................................................
Capítulo IV . Contribuição das Ciências afins ..................................... . .
4 Estudo do Criminoso ........................................................................... 4.1 Antropologia ....................................................................................... . . 4.2 Cnminologia .......................................................................................
.................................... 4.2.1 Criminologia Critica ou Nova Criminologia 4.2.2 Labeling approuch, etnometodologia e criminologia radical:
. . - .................................................................................. distinçoes e conceito ............................................................................................ 4.3 Sociologia . .
......................................................................... 4.3.1 Sociologia Cnminal
............................ ............................ Capítulo V . A Intimidação ........... . . .
5 Dialética da intimidação .................................................................... 5.1 Política Criminal e a Intimidação ........................................................ 5.1 . 1 O Movimento de Lei e Ordem ......................................................... 5.1.2 A Nova Defesa Social ...................................................................... . . . 5.1.3 O Abolicionismo .............................................................................. 5.2. Prevenção geral e especial ......................... .. .................................... . . 5.3 Culpabilidade: um limite .....................................................................
. Conclusao ................................................................................................. . .
Bibliografia .............................................................................................. 162
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Talvez possa parecer pretensiosa a idéia de iniciannos iiin
trabalho que tem por objetivo o estudo da dignidade da pessoa humana diante
da intimidação corno finalidade da petia, buscando refletir acerca do tema e,
quiçá, fomentar a discussão sobre o que a doutrina ponderou a respeito.
Mister que façamos algtinas considerações para aqiieles
que se disponham a leitura destas linhas, advertindo-os que, em momento
algiim, tivemos a pretensão de inovar oii exaurir os ensinaineiitos dos grandes
mestres a quem nos socorremos para ultimar nossa pesquisa.
Preliminarmente, deveinos justificar a nossa escolha e os
inotivos que levaram ao aprofundamento desta matéria.
Segundo se concebe e facilmente se encontra nos livros e
manuais do direito, o Iiomem nasce livre; ao gozar da liberdade ao longo de
sua existência, depara coin certos limites, os qiiais resultain ein grande parte
dos deveres que mantém em relação ao semelhante e tambéin pela
inanifestação expressa dos poderes estrutiirais do Estado.
O Brasil ao firmar o Estado Democrático de Direito tem
coino iirn de seus priinados fundainentais a dignidade da pessoa Iiuinana,
trilhando a diretriz pelo seu respeito como forma de sustentabilidade,
sediineiitação e corisolidação do próprio Estado.
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Há momentos em que a intervenção estatal exsurge para
assegurar a paz na sociedade, age pelo interesse coletivo, mas deve tambéin
respeitar os limites de sua ingerência até onde possa alcançar esta atuação.
Para tanto, nuin enfoque eminentemente fillcrado no
Direito Criininal procuraremos discorrer ante as várias correntes do saber
visando descortiiiar a seguinte q~iestão.
E corrente entre os penalistas, ein quase toda sua
totalidade, o reconheciinento da existência de uin efeito iiitimidativo que
coíbe a ocorrência e a reincidência delitiva como forma de prevenção gerada
através dos reflexos e dos estiiniilos que estes deseiicadeiain nas pessoas ao
conhecerem ou sentirem da lei penal ou do exeinplo que abstraem da
execução desta ein casos concretos.
Sob esta perspectiva tencionamos trazer a baila, vez que a
interveiição estatal pela intimidação se insere na vida das pessoas, até onde tal
proceder não exorbita aos parâmetros liinitrofes da liberdade, infringindo a
dignidade da pessoa liumana, afrontando os direitos fiindaineiitais do hoinein
e também como se aquilatar tais limites.
Voltado a este desiderato é que penneainos nosso
trabalho da sebminte maneira.
No primeiro capítulo, entendemos por bem traçar
algumas considerações preliminares sobre o surgiinento do Direito,
aiialisaiido a sua origeiri, o sei1 paiioiaina Iiisthrico e (i papel do Iioinein na
sua çriaçào. 'l'al eiifoque deu-se corri o intuito premeditado, uina vez que
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como conseqüência deste é que surgiu a sanção. Após enveredar ante a
fiindamentação do direito penal de punir, não poderíamos ficar alheios aos
conceitos de pena, as teorias que a fundamentaram e as idéias decorrentes.
A seguir, elaboramos capitulo dedicado ao estudo da pena
nas Escolas Penais e, em especial, na Escola Positiva, no qual consideramos
coino fiindainental a abordagem da sanção a luz do qiie rezam tais doutrinas,
para depois centralizar nossa atenção aos ensinainentos dos positivistas.
Deinos enfoqiie especial ao livre arbítrio, que é o ponto
por onde g~avita a gande parte do estudo da Escola Positiva, sendo
necessário desta feita recorrer, tainbéin, a alguns eiisinainentos da Escola
Clássica, berço da divergência que culminou coin a abertura do pensamento
Iiuinano.
Quanto ao enfoque sobre as Escolas Penais privilegiando
a escolha pela Escola Positiva deve-se ao grande passo por ela dado para a
evolução do estudo do Direito Penal, devido ao seu método experiinental e a
finalidade precipiia de defesa social. Coineçoii dali tiina iniidaiiça de
pensamento determinada a alterar o destino jurídico punitivo. A partir daquele
inoinento, o entendiinento sobre a fiinção da pena não seria niinca mais o
mesino.
Esperainos coin iiossas reflexões não somente atingir iiin
entendimento da intimidação como finalidade da pena, inas aclarar nossas
dúvidas ein relação aos ditames já trilhados pela doutrina, priiicipalineiite,
repousando este estudo sobre as lições de Antonio Moniz Sodre de Arag- 'ao ein
siia obra priina "As três Escolas Penais" e do professor do Departamento de
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Criininologia da Universidade de Montreal - Canadá, José Maria Rico, in
"Sanções Penais e a Política Criininal Conteinporânea".
No terceiro capítulo centralizareinos os Direitos
Fuiidainentais, coin destaque a dignidade da pessoa humana, onde aléin de
procurar uma breve introdução, alinejareinos identificar as agessões estatais
pela aplicação da sanção penal ou pela afiorita aos direitos, quando da
elaboração dos diplomas nonnativos, sem atentar para as garantias
estabelecidas constit~icionalinente.
Sein olvidar de ultimar nosso intento tentareinos buscar
eiri abalizados autores do Direito Coiistit~icioiial e Peiial, idcias e pensamentos
suscetíveis de inserir soluções hennenêiiticas voltadas a coiicretização dos
direitos fimdaineiitais do Iioinein.
No qiiarto capítulo, percorreremos uin pequeno passeio
sobre o estudo do criiniiioso, abordando a Criiniiiologia, a Sociologia c a
Antropologia, daiido por conta alguns aspectos direcionais da escola que
revoliicioiioii e represeiito~i uiii avaiiqo para a çoiicepqão inodenia da
penalidade.
No quinto e últiino capitulo discorrereinos sobre a
iiitiinidação aiialisaiido o seu çoiiceito c o valor iiitiiiiidaiitc da pciin, seus
limites, entre outros aspectos, objetivando averiguar até que ponto podereinos
considerá-la o11 não como verdadeiro fator de prevenção geral do criine.
Nesse cainiiilio iiicliiireinos algiiin estudo sobre a Política Criniiiial, a
preverição geral e especial e a culpabilidade.
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Finalmetite exporemos, a titulo de conclusões, algumas
idéias qiie obtiveinos coino válidas sobre o teina abordado, bein coino, se a
intimidação é inito ou realidade e os reflexos sob a ótica dos direitos
fiii~dairientais.
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CAPITULO 1 - CONSIDERAÇOES INICIAIS
1. O homem e a ordem social: o direito
Nosso desiderato em abordar neste item questão tão
ampla e coinplexa, cujo estiido, ein princípio, teria maior cotnpatibilidade
com outras áreas do conheciinento como, por exemplo, na Sociologia do
Direito, na História do Direito, na Política do Direito, na Filosofia do Direito,
na Introdução ao Estudo do Direito, etc., deveu-se a dois aspectos
fitndainentais atinentes aos atiiais cursos jurídicos: a deficiência na fonnação
básica e a eliinitiação de mitos.
Qiianto a deficiência na formação básica constatamos
cada vez mais uina programação voltada para a preparação dos deiioiniiiados
p r ~ f i v l o l l v de re.vul~udos, protl~ilivos, p o em detrimento da
valorização e do investimento no aperfeiçoainento Iiuinano e das instituições
existentes.
Infelizmente é o mercado impondo suas repas de
competição, seu padrão de comportainento, os qliais devem ser observados
rigorosamente, independentemente de crítica ou mesmo censura.
Obviamente não se trata de questionar a obtenção de
êxitos, sucessos nos respectivos campos de atuação, mas sim de evidenciar a
insiificietite ~!fic,bcia (produção de resultados), seiri a respectiva cficii?nciu
(produção com competência). Para alcaiiçanrios esta última precisamos
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explorar ao máximo as potencialidades humanas com criatividade,
imaginação, etc.
A preparação do bom juri.c.ta resulta muito mais de outros
fatores, relacionados ao incentivo do liso da razão, ao investimento lia
ampliação da capacidade reflexiva. Resumindo: 2 nccc.ssaria uma adequada c
srjlidu ffi)r/iiu~.ão l1z~mat7ísticu.
Quanto a eliminação de mitos, observamos que no
decorrer do curso de ~ ~ a d i i a ç ã o em Direito, salvo raras exceções, a ausência
de diretrizes científicas acarreta, a poslertorl, cometimento de equívocos,
posicionainentos inal alicerçados, fiindados em arguineritos falaciosos,
toniaiido o discurso jurídico, no inais das vezes, mera retórica.
Destarte, dentro dos limites do presente trabalho,
teceremos algiiinas considerações gerais sobre o tema aqui enfocado, a fiin de
preparannos o teireiio qiie servirá a edificaçào de nossas principais
proposiçòes.
Só assim, por meio da prévia reavaliação de antigos
conceitos, atingiremos a meta de não ser unl corpo com hraço.~ manlpulundo
idiius, n1a.v .sim U I H corpo de idGiu.c. rr~aniprrln~ido hra~o.s.
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1.1 A postura científica
Inegável a afirmação que todo ser humano vivencia em
suas relações diárias o Direito. Desta forma, por meio da experimentação,
apreende uma noção, ainda que vulgar, sobre o fenômeno jurídico.
Entretanto, para o jurista não é suficiente esse
conhecimento. Deve aprofundar seus estudos na busca de idéias precisas,
corretas, fundadas em trabalho sério de investigação científica.
Analisando as ciEncias, Marilena Chaui percebe a atiiude
cienlífica como uma atitude desconfiante em relação ao senso comum sobre a
veracidade de algiiinas cer/ezas co/idiana.v. Destaca a ilustre professora a
importância da crítica, movida até pela curiosidade, a libertação dos medos, o
cuidado que devemos ter em relação as siiperstições, aos hábitos, aos
preconceitos e as tradições cristalizadas; a necessidade de oposição ao
mágico, ao espetacular e ao fantástico'.
Assim o estudioso do Direito deve perquirir, antes de
tudo, sobre as razões que são invocadas para sustentação de conceitos,
definições, teses e postulados que nos são transmitidos geralmente como
verdadeiros.
Nessa esteira de pensamento é preciso revigorar o debate
sobre a maneira correta de argumentar, o que tem sido sistematicamente
desconsiderado pelas instituições de ensino jurídico. Atentemos para as
' Marilcna Chaui. Convite a filo.vofin, p, 247 ss.
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palavras do catedrático de Direito da Universidade de Alicante, Manuel
Atienza:
"Ninguém duvida que a prática do Direito consista, jundamentalmente, em argumentar, e todos costumamos convir em que a qualidade que melhor define o que se entende por um 'bom jurisla' talvez seja a sua capacidade de con.struir argumentos e manejá-los com habilidade. Entretanto, pouquissimos juristas leram uma única vez um livro sobre a matéria e seguramente muitos ignoram por completo a existência de algo priximo a uma 'teoria da argumentação jurídica'" 2.
Especialmente em nosso País muito pouco tem sido
valorizada a diwilgação de traballios sobre o tema, o que certamente contribui
para prejudicar a qualidade do ensino teórico e da prática jurídica.
Ao prefaciar a edição brasileira da obra de Chaiin
Perelman, "Tratado da argumentação: a nova retórica", Fábio Ulhoa Coelho
considera-a:
" c..) indispensável a todos os profissionais do direito, cujas preocupações se ponham além das lides cotidianas, alcançando que.stões sobre o próprio sentido do frabalho que realizam. Assimilar seus ensinamentos é, sem dúvida, essencial para compreender nosso tempo" '.
Porém, sem desprezar o uso da razão, não devemos nos
iludir pelo denominado miro da certeza racional, como pondera o professor
de filosofia Eduardo Prado de Mendonça:
Manuel Atien~a. A.F razdes do Direito: teorias do argumentaç811;uridico. p. 17. P . XVIII. Sobre o lema em epigrafe inercce cspccial Icrnbran~a a obra do professor Alaôr Cafif Alvcs. da FADUSP: I,ok.ica: pensamrnlo /i>rmol e orgumenloçdo . elemenlos parn 0 dist:ur.vo juridicr~, São Paulo: Edipro. 2000.
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"Dotado de razão, o ser humano se distingue dos outros seres, mas a sua razão não é um absoluto, nem ele é só razão, e por isto mesmo deve cuidar do equilibrio e harmonia interior de seu ser no que não tem de racional para que nele a razão possa funcionar acertadamente" 4.
Urge relembrarmos que o Direito é um meio e não um
fim em si mesmo. Tem dinâmica própria. Está em constante transformação,
para em última análise, por meio das regras positivadas, atender aos fins
sociais, econômicos e políticos a que se destina, o que, de modo geral,
consiste na promoção do bem comum.
Não podemos confundir o Direito com a lei, nem admitir
que ele seja utilizado sem fundamento no interesse público, na dignidade da
pessoa humana o11 tia justiça. E a lição de Aiidré Franco Montoro:
"Fazer do direito uma,força conservadora é perpetuar o subdesenvolvimento e o atraso. Idc.n/~ficar o direi/» com a lei é errar duplamenle, porque signqica desconhecer seu verdadeiro fundamenlo e condená-lo a eslagnação.
c,, I'ara jundamenlur a mis.vu"o renovadora e dinâmica do direito em uma sociedade em mudanca, é preciso rever certos conceitos de base e afirmar, na sua plenitude, o valor fundamental, ue dá ao direito seu sentido e Y dignidade: a justi~a ".
Em síntese, o caminho seguro para exata compreensão da
experiência sócio-jurídica dá-se por meio de profunda reflexão, com a nítida
consciência da realidade vivida.
4 Eduardo Prado de Mendonça O mundo precisa de./ilosr?fio, p. 2 1 I 5 André Franco Montoro, Infrorluçfif~ h (,'iência do Oirriio, v. I . p. 13
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1.2 A evolução social
"Nenhum homem hasta a si mesmoH6. Observação
simples, mas fundamental para compreensão da natureza humana, como bem
lembra. Gofiedo Telles Júnior.
Não é o homem um ser autárquico, mas sim gregário.
Talvez o mais necessitado, por natureza, a viver ein sociedade em decorrência
da satisfação de desejos e aspirações, mitos da inteligência que possui.
Desde siia origem encontramos evidências históricas de
que o ser humano nunca viveu isolado. Da família, para o clã, do clã para a
tribo, da tribo para a nação e desta para o Estado. Eis, ein poucas palavras, a
evolução social.
Ainda qiie se discuta o fator ou fatores caracterizadores
dessa evolução (étnico, militar, econômico, etc.), certo é que as contingências
de tempo e espaço levaram os Iioinens a integação, a qual indiibitavelinente
foi realizada por meio de movimentos de diferenciação e coordenação.
Ein siiina ai está a sociedade Iiuinana, a qual pode ser
definida como a "união moral de muitos em busca do bem comumH7. O bem
comum como causa final, o homem como causa material e a união moral
como causa formal.
h Goffredo Telles Júnior. filhelim n. 4 1, p. 55 . Ibidein, p. 66.
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Sociedade na qual surgem situações interpessoais
conflituosas, tomando patente o porquê do Direito: evitar o caos social;
estabelecer harmonia; restringir liberdades individuais para garantir o bem-
estar coletivo e, em última análise, para garantir o próprio bem-estar
individual. Enfim, almeja o Direito o equilíbrio das relações humanas
assegurando a convivência social.
Assim, verificamos que o fundamento do Direito reside
essencialmente na natureza humana, cujo fim natural tende para o bem, para
o justo. Por isso sempre válidos os brocardos romanos ubi .societa.s, ihi jus e
ubi jus, ibi .societas (onde houver sociedade haverá o Direito - onde houver
Direito haverá sociedade).
Feitas essas breves considerações aprofiindemo-nos na
noção do Direito, bem como nas suas principais características.
1.3 Noção científica do Direito
Como já dissemos existem basicamente dois tipos de
linguagem: comum e científica. No que se refere a primeira espécie cremos
ter realizado, ainda que superficialmente, uma abordagem sobre o que é
Direito. Todavia possui esta palavra muitas outras acepções.
Várias classificações são utilizadas para compreender o
significado da expressão Direito. Talvez a mais comumente empregada pela
doutnna seja a que o distingue em Direito Objetivo, como norma, lei ou regra
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de ação (norma agendi) e Direito Subjetivo, como faculdade, prerrogativa ou
poder de ação @culfas agendi) '.
Outras subdivisões merecem também importância como,
por exemplo, a que distingue o Direito em Positivo, produzido pelo Iiomem de
acordo com as condições de tempo e espaço, e Natural, constituído pela
natureza e não pelo arbítrio humano 9.
Ainda é possível captar a idéia do Direito por meio de
realidades distintas: o Direito como ciência (episternologia jurídica); o Direito
como justo (axiologia jurídica); o Direito como norma (dogmática juridica);
o Direito coino faculdade (teoria u'os direitos .suhjetivos) e o Direito coino
fato social (sociologia juridica) "'.
Ressaltamos a teoria do tridimen.sionali.smo jurídico
dinâmico ou de integração formulada por Miguel Reale. Esta concepção
correlaciona os fatores ou dimensões fato, valor e norma, para explicar a
integração destes três momentos com base no processo dialético que rege a
experiência juridica ' ' .
Buscando estabelecer, a titulo provisório, uma noção
elementar de Direito, preleciona o eminente jurisfilósofo pátrio:
X Sobrc a distinção de Direito Objetivo e Direito Subjetivo, ver Clóvis Beviláqua, 7koria geral do direito civil. 3" ed. rev. atual. por: Prof Caio Mario da Silva Pereira, Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1980, p. 15. Ver ainda do inesino autor, sobre Direito Subjetivo: Obra Jlosdjica: ,filosoljn social e juridco. São Paulo: Grijaldo. Ed. da USP, 1976: v. 2, p. 99 - 110. Sobrc o estudo do Direito Natural, ver Miguel Rcalc, Direito Nalural/I)ireito Positivo. São Paulo: Saraiva.
1 O 1984. Ver André Franco Montoro, op. cit.. p. 15.
I 1 Sobre a concepçao tridiniensional do Direito, ver Miguel Realc, Teoria Trid»ien.sionoi do 1)ireilo. 3" ed. rev. atual., São Paulo: Saraiva, 1980.
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"Ora, aos olhos do homem comum o Direito é lei e ordem, isto é, um conjunto de regras obrigatbrias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites ir ação de cada um de seus membros.
(...I Direção, ligacão e ohrigatoriedade de um comportamento, para que possa ser considerado licito, parece ser a raiz intuitiva do conceito de Direito. A palavra lei, segundo a sua etimologia mais provável, refere-se à ligação, laço, relação, o que se completa com o sentido nuclear de jus, ue invoca a ideia de jungir, 4 unir, ordenar, coordenar"' .
Até aqui discorremos amplamente sobre o fenômeno
jurídico. Constatamos que numa visão sintética e unitária o Direito é formado
por várias dimensões; algumas de cunho filosófico e outras,
indiscutivelmente. de cunho científico.
Resta-nos procurar agora a sua razão de ser, isto é, o seu
fiindainento, o qual, como já mencionamos, está umbilicalmente
correlacionado a própria natureza do homem, para depois, examinarmos
algumas definições do Direito.
1.4 Fundamento e definição do Direito
Sem receio de errar podemos afinnar que o gande
fundamento do Direito é a Moral.
12 Mibwei Reale, Li~?iesprel;minrire.v rle direilo, p. I ss.
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É no estudo da Moral que encontramos a base para o
Direito, através de valores como a liberdade, a igualdade, a dignidade da
pessoa humana, a justiça e o bein comum.
Por isso Tércio Sampaio Ferraz Jr., após asseverar que
possa concretamente existir Direito sem Moral, ressalta que o direito imoral é
destituído de sentido. Elucidativas as palavras do culto Professor:
"O direito, em suma, privado de moralidade, perde sentido, embora não perca necessariamenle impirio, validade, c?ficácia. (7orn0, no entanto, C pos.~ível h.v vezes, ao homem e ù sociedade, cujo sentido de jusriçu se perdeu, ainda assim sobreviver com o seu direito, este é um enigma, o enigma da vida humana, que nos desajia permanentemente e que leva muitos a um angustianle celicismo e ul2 u um de.vpudorudo cinismo" 13.
Chegamos ao ponto em que devemos buscar uma
dcliiiic;ão para o Direito. Vejainos, priiiieiraiiieiite, eiii qiie coiisiste iiina
definição. Definir consiste em descortinar a natureza de um objeto, em " revelar o.v e1ernenfo.v con.stiluíivo.v da e,cc.Zncia do dg f in id~" '~ .
Sobre a função e o valor da definição, nos ensina
Gomedo Telles Jímior:
"Em suma, a definição tem por ,função delimitar o definido. De grande valor, pois, é a definição na invesligap?~ cientIj,ica: ela demarca o objeto a estudar, impo.s.sihilitando o risco de se tomar um objeto por outro" 1 5 .
13 Tércio Sarnpaio Ferraz Junior, InrroduçZo no esfudo do direito: técnico, ~lecisfio, rlot?iinnpio, p. 358 1 1 Goficdo Tcllcs Júnior. Inlrorluçõo R ci2ncia do Birrilo, p. 64. " Idcin, ILotado rla con.seq82ncin: cur.v(~ de /~jgic~fi>rmol . p. 325.
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Passemos então para a definição do vocábulo Direito.
Esta tarefa não requer grandes esforços: proveniente do baixo-latim Directum
- acusativo singular da forma participial adjetiva Direcfus. a, um, tem o
sentido de reto, em linha reta, de acordo com a regra, podendo ser definido,
sob o aspecto nominal etimológico como a qualidade daquilo que e' conjorme
a regra. Assim, percebemos que a palavra Directum passou, por metáfora, a
designar o que é conforme a regra (direito), uma vez que os romanos usavam
o vocábulo .Jus, cujo sentido era de ordenar, de comandar, de poder, para
assim designar o que hoje entendemos como ~ i r e i t o ' ~ .
Entretanto, a definição do Direito tem dado azo a muitas
divergências, a ponto dos mais cépticos crêem na sua inviabilidade. Destarte,
não sendo o presente traballio a sede própria para o exame profundo deste
tema, adotamos uma atitude realista, buscando a superação de preconceitos,
sejam estes idealistas, reducionistas ou empiristas.
Desse modo, vejamos algumas definições que a nosso ver
entendemos significativas.
A primeira consiste na antiga formulação de Celso:
"direito é a arte do bem e do equitativo" -jus est ars honi et aequiI7.
Rudolf Von Ihering comungava do seguinte
entendimento:
16 Para maiores detalhes sobrc a defini@o nominal da palavra l>ireifr>, ver José Crctella Júnior.
-
"A definição corrente do Direito reza: O complexo de normas coercitivas vigentes em determinado Estado, dejinição que, a meu ver, í? pecfiitamente correla. 0 , s dois elementos que ela encerra são a norma e sua realização através da coação. Apenas aquelas normas erigidas pela sociedade que se respaldem na coação, já que, como concluimos anteriormente, somente o listado possui o monopólio da coerção, que possuem como apoio o poder coercitivo do Estado, apenas aquelas normas fazem jus d designacão de Direito, no que se acha implícito que somente as normas providas, pelo I r/ir. p. 60. I,, Vicciilc KBo. O rltrorti n
-
Cabe aqui uma indagação: a coação é elemento do
Direito? Seria a coação a pedra de loque que distingue as normas jurídicas
das normas morais? É o que passaremos a examinar.
1.5 A coação e o Direito
O debate sobre a relação entre coação e Direrto não é
recente, como nos informa o professor da Universidade Católica Portuguesa,
Mário Bigotte Chorão:
"Tem-se discutido muito a relação entre a coacção e o direito. a) Para uma tese, eivada de eticismo absoluto e idealismo juridico, o direito é alheio à jbrça. h) Para outra (tese de coacção actual), não existe direito sem força, sendo esta da essência da juridicidade; 6 a posição, entre outros, de Kant, .Jhering e Kelsen, para os q u a i ~ o direito 6 ordem coacliva da conduta. c) Segundo a opinião prejirível (tese da coercihilidade ou coactividade ou da coacção potencial), a força não 5 da essência do direito, mas uma propriedade que deriva da sua natureza e Jinalidade (l'ropriu non est de es.c.eníia rei, sed ex principiis essentialihus causatur Tomás de Aquino, Summa Th., I, q. 77, a. I, ad. 5)" 21.
Coação, em linguajar corrente, "signfica obrigar algukm
contra a sua vontade, isto é, obrigar alguém a fazer alguma coisa que não
quer, ou a não,fazer alguma coi.va que quer1' 22.
" MRrio Bigottc CliorBo, ii.ino.sfun~iomenlois de direilr~, p. 95 ss. ., -- Goffrrcdo Tçllcs Júnior. op. cir.. p. 63.
-
Logo, quem atua em conformidade com a sua própria
vontade não age sob coação, ainda que eventualmente esteja cumprindo uma
ordem, um comando, uma determinação ou um mandamento. Nesta hipótese
não há ação ou movimento de coagir, mas sim ação voluntária tida como
adequada, correta, justa ou necessária. O que importa e que
independentemente de quaisquer outros fundamentos seja considerada uma
açâo livre, pois a coação só surge quando negamos a liberdade 2'.
Depreende-se do que dissemos que a coação pode se
apresentar contra ou a favor do Direito. Contra como uma mácula do ato
jurídico (como vício). A.favor sob a égide da legalidade (como .san~ão). Vicio:
como violência ao ~ i r e i t o ~ ~ . Sanção: como "violência de que são passíveis os
violadores da norma, e que se manifesta com o ohjetivo de garantir o
cumprimento dela"25.
Assim, equivocam-se os que sup6ein ser a coação o
elemento que distingue as normas jurídicas das morais, os que pensam na
norma jurídica como aquela que coage ou, ao menos, como dotada de
coatividade, enquanto as demais não.
Importante lembrar-nos da diferença entre coação e
coatividade. Novamente vamos socorrer-nos dos ensinamentos de GoíTredo
Telles Júnior, os quais, aliás, serviram de base para escrevermos este tópico.
Destaca o festejado Mestre que coatividade é a possibilidade de exercer
'3 Sobrc a confi~sáo cxistentc cntre os juristas quanto ao uso indiscriininado do termo conçij«, quanto à dislirição entre coaç&~ niual e v i r r u~ l , bcin coino quanto às espécics dc coação (social. psicológica c juridica), vcr Migucl Rcalc, I~Flo.sofio do dirrilo, I(? cd. rcv. atual., Sâio Paulo: Saraiva, 1983, Capitulo XLIV - Cocrcitividadc c Cocrcibilidadc, p. 672484.
" Cf. Arl. 171 inciso 11 . do iiovo Código Civil. '' Goffrcdo Tcllcs Jiiiiior. op. c i i , p. 82.
-
coação, isto é, não é coação em ato, mas sim em potência; é a coação
possive12".
Conclui-se assim que a coação e a coatividade não
pertencem a natureza da nonna jurídica, ou seja, não são eleinentos
intrínsecos desta; caso contrário deveríamos supor que a natureza de uma
coisa pode ser acidental.
Note-se que a norma jurídica é anterior a coação,
portanto não é intrínseca a esta, podendo ate inesino ficar ao alvedrio do
lesado coagir o violador ao seu cumprimento.
Não devemos confiindir contingente coin necci.cvhrio
"Necessário, em jilosqfia, é o que não pode deixar de ser; i aquilo que tem em si mesmo a razão de .sua existência; é aquilo cuja existência não depende da existência de outra coisa. Necessário, portanto, é o que não pode deixar de ser.
C..) Contingente, por outro lado, é o que pode ser, ou não ser, segundo outra coisa seja, ou não seja. 12 o que pode ser, ou nâo ser, conforme as circunstância.^, conforme as hipóteses. I?, alguma coisa que não rem em si mesma a sua razão de ser; é alguma coisa cuja existência
s 27 depende da exi.vt2nciu de ou~ra coi.vu .
Como podemos verificar tanto a coação quanto a
C O U / I V I ~ U ~ L > são elemento.^ conl~ngentes do Direito, isto e, não existem
-
sempre, não são necessários. Aliás, a regra é o Direito sem coação; a exceção
é o Direito com coação.
Racionalmente compreendemos que a vida em sociedade
nos impõe o respeito as normas jurídicas, de modo a que possamos alcançar
mais facilmente nossos objetivos. Por isso, livremente, acatamos as normas
jurídicas, o que demonstra que o Direito é eficaz pacificamente.
Podemos imaginar que o temor causado pela coação nada
mais é do que a própria coação, que sempre acompanha a norma juridica.
Porém, ressaltamos que a observância desta geralmente decorre de imperativo
racional (conduta livre e consciente) e não por medo.
Como diz Goffredo:
"A coação aparece exutamente quando a norma juridica é violada. A coação .fiz o papel de um remédio para o Direito doente; mas exatamente porque é um remédio para o Llireito doente, a coação não é da e.ss2nciu do Direito" 2R.
Resta ainda urna ultima indagação: seria a norma penal,
por prescrever pena, uma norma eminentemente coativa?
E o que trataremos a seguir.
-
1.6 A coação e a norma penal
Na atualidade é o Estado, indubitavelmente, o principal
detentor da faculdade de coagir, uma vez que, conforme dissemos
anteriormente, ultrapassamos utn longo período de evolução social até
alcançarmos o regime de coação organizada, no qual o poder público
substitiii a força individual.
Isso nos leva a pensar que a norma jurídica penal não
pareça ser, como as demais normas jurídicas, au/orizante, isto e, que aiitorize
o lesado a decidir sobre a coação contra o violador.
Na verdade, esta possui a referida característica como
explica Gofiedo Telles Júnior:
"Seu uutorizatnento se acha na parie imp/ícira e suhjacente da norma, parte que não i j~rmulau'a expressamente na lei, embora seja parte essencial dela, constituindo a norma criminal primária, sem a qual a outra parie, a parte expliciia e secundária, ormulada d' expressamente na lei, não teria razão de ser" .
Na sequência acrescenta:
"Apesar de cominadora de pena, a norma penal não é coativa. Como todas as normas ,jurídicas, ela .viniplesnicnlc cruforizcr o cmprego da ~~oucdo. I:' c . ~ / u coacão é exercida. não pela norma, mas pelo lt'.vado, 014
seja, pela vítin~a do crin~c rncla vítiriia indircla, que i u soc~ictltrtlc. oid pcrltr vílitnt~ i/ i rccl tr , oir, trintl(r. ~ J O Y amhas) "".
29 Idciii . O Dircilo Qtiânlico: Eiis:iio sobrc o fiiiid:iiiicnio d;i ordciii Jiirídiai. p. 766. 111 Ihidciii. i i~cs t~ i ;~ p:igiiiii.
-
Destarte, não é a norma penal, em si mesma, inibidora da
prática de atos criminosos. Não é esta elaborada para coagir as pessoas numa
determinada sociedade a não delinquir.
Acreditamos que parte do problema quanto a intimidação
como finalidade da pena para a defesa da sociedade esteja interligada com
essa questão, carecendo não só de outros questionamentos, mas de una
análise que procure visualizar o fenômeno social do crime num todo aliando a
realidade do tecnicismo jurídico e científico para ao final alicerçannos nossas
colocações. A fim de conhecer deste todo imprescindível estudar as partes,
para sabermos se o efeito intimidante atinge seu fim de proteção social, se ele
é um mito ou uma realidade.
1.7 Direito Penal: escorço histórico
Da consulta a diversas obras jurídicas, abstrai-se a certeza
de que até hoje não há em meio aos doutrinadores, por mais cultos e
estudiosos que sejam, aqueles que identifiquem com exatidão a origem do
Direito. irrito afirmar seu surgimento com o homem e de seu relacionamento
nem sempre pacífico com o semelhante, uma vez que até esse dado carece de
precisão.
Tarefa não menos árdua é a de precisar a origem do
Direito Penal, visto que ate mesmo quanto a sua denominação, já é
comumente suscitada a discussão, são duas as mais usadas: Direito Penal e
Direito Criminal. O primeiro se defende com o argumento de que não pode
haver crime sem pena, mas o crime não deixa de ser o principal, por isso a
-
terminologia Direito Criminal é mais substanciosa, abrangendo os
irresponsáveis que não são apenados e as medidas de segurança, que não são
penas.
A designação Direito Penal confonne ensina Antonio
Carlos Santoro ~ i l h o ~ ' foi empregada, pela primeira vez, na Alemanha, em
1756, por Regnenis Engelhard, discípulo de Clinstian Wolff. A propósito,
conforme ensina Gilberto erre ira^', em aprofundado estudo, a palavra pena deriva do latim da expressão poena, que significa castigo, dor ou siiplício, ou
punere e pondos, querendo expressar o equilíbrio e contrabalanço dos pratos
que possui a balança da Justiça. Prossegue o mesmo autor explanando que,
para outros, a origem da palavra advém do grego ponos, poink tendo como
significado o trabalho, a fadiga. E ainda da palavra punya, proveniente do
sâiiscrito, antiga l ing~a clássica da índia, que traduz a idéia de pureza, virtude.
A fonte doutrinária do presente estudo, que num
regre.s.sus ad infinifum, recai sobre a pena, dada a sua máxima importância a
um Direito com~unente entendido como Penal, é de dificil implementação
pela absoluta falta documental de registros das épocas primitivas,
principalmente, pela ausência de escritos, recaindo sobre costumes, crenças e
mitos. Moniz Sodré a par dessa problemática, decifra a gênese, o nascedouro
dos primeiros traços e delineamentos do Direito Penal para aquilatar tal
estudo e seu significado final:
"(...) O Direito Penal, n a sua concepção cientjfica, i o produto da civilização dos povos, atrav$.v dc longa evolução histórica; mas os germes dêste Direilo, em
31 Antonio Carlos Santoro Fillio, Rasr.v Crílicus c10 Direito ('riminal. p. 15 3' Gilberto Fcrrcira, Aplicação da Pena, p. 3 .
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manrjestações embrionárias, grosseiras e primitivas, surgem e se desenvolvem desde que há um agrupamento de homens em convívio social. E certo que na infância da humanidade não existem códigos de leis; há, porkm, hábitos e costumes que se vão formando lentamente e cujo respeito se impõe aos membros da coletividade como um dever que não pode ser impunemente violado ''33.
As punições foram passando de geração para geração,
sem que se possa afirmar com precisão a sua verdadeira origem, mas através
de um exame comparativo com o selvagem atual, podemos delinear as regras
adotadas e os mecanismos de controle.
E o que ensina Duek Marqucs quando diz:
"Para esse esludo, além dos antigos documen[os, o exame comparativo do homem arcaico com o selvagem de hoje, hwardadas a.v neces.c.árias re.verva.v, podcria dar uma idkia de como viviam os homens primitivos, no que se refere à tutela jurídico-penal. Se nos documentos antigos podem-se encontrar apenas ,fragmentos de uma kpoca, nos selvagens de hoje pode-se observar todo um sistema de regras, que deve guardar semelhança com o do homem primitivo, quanto à forma de controle social "".
As comunidades indígenas existentes hoje, portanto,
servem como um paralelo para que tal estudo seja levado a efeito, urna vez
que tanto as tribos antigas, como as atuais guiavam e se guiam pelo campo da
imaginação, demonstrando grande insegurança.
'' Antonio Moniz Sodrc de Aragão. ,-1,s TrGs /7scolns I'cnais, p. 31 34 Oswaldo Henrique Duek Marques, Findanien!os da Pena. p. 1-2.
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No mesmo caminho trilhado por Duek Marques, é o
aludido por Ferri:
"A vida prehislririca, que se póde reconstruir com os dados de resíduo.^ paleonlolrigicos nas suas condições elementares de existCncia social e individual, não fòmece elementos para lhe delinear a forma da justiça penal, apezar da.frequência das crueldades, das mutilações, das cicatrizes nos o.s.sos humanos e a abundância e a variedade das armas ofensivas documentarem a .frequência das agressões (na guerra e pelo crime). Há, por isso, necessidade de recorrer a observação da vida dos selvagens contemporâneo.^ " '5 . (sic)
A história do Direito Penal é, comumente, dividida em
seis períodos a saber: vingança privada, vingança divina, vingança pública,
período Ii~iinanitário, período científico e o atual: nova defesa social. Não
dispomos de datas ou marcos históricos para respaldar nossas afirmações,
pois essa divisão decorre da evolução percebida pelo doutrinador, voltada
muito mais para fins didaticos, do que para ultimar um quadro cronológico de
como foi o progresso da pena na humanidade.
Em cada um dos períodos mencionados, predomina o
princípio que lhe dá o nome, lição que abstraímos da obra de Cuello ~alón".
Segundo o brilhante autor, não se deve pensar que, esgotado o princípio
animador de um período, sucede iim novo princípio como íinico inspirador da
justiça penal no ciclo seguinte. Esses períodos não se substituem inteiramente,
quando iim aparece, não se pode considerar extinto o precedente. Pelo
contrário, embora haja uma idéia penal predominante em cada um, convivem
35 Enrico Ferri. apud Robcrto Lyra e Nelson Hungria, Direito Peno1 - partc geral, p. 175-176 16 Eugcnio Cuello Calon, La moderna penulogla - Tomo I.
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com essas outras, não só diversas, mas ate contrárias.
A simples constatação da sobrevivência at~ial de preceitos
multisseculares relativos ao estudo da pena comprova essa posição. A
assimilação de iun novo conliecimento não destrói o que o antecedeu. O
conlieciineiito se transfere, mas não se perde no teinpo, máximas que se
ajustam, também, ao Direito Penal, o qual jamais deve ser entendido e
estudado dissociado da vida humana e sua dinâmica.
A vingança foi o primeiro ato de reação do homem contra
as ab~essões qiie ele entendia sofrer, talvez por ser iim mecaiiisino de defesa
que o ser humano traz consigo, esta seja a sua primeira forma de repulsa,
quando se vê agredido. A vingança privada deu o nome ao primeiro período já
mencionado.
Nos primórdios, as comunidades selvagens não tinham
iiin sisteiiia pennaiiente de tribiiiiais, iiein força policial, nem iiin govenio
com poderes coercivos. O costume tomava lugar da Lei, a vendeia era a única
maneira de ministrar justiça e quase não existia o conceito de crime contra a comunidade.
Os crimes do homem primitivo erain na siia maioria
"agravos" ou delitos privados em cuja punição nenhuma autoridade pública
tomava parte. A aceitação da wergeld7 ou preço do sangue era uma pratica
comum e até atos como o assassínio, eram considerados simples danos
1- Wcrgcld. coriroriiic Lcib Soibcliiiaii. Dicionório í';erol rk, I>ir
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causados a família da vítima. Entendiam que, em sendo a família privada de
um membro valioso, a reparação adequada era um pagamento em dinheiro.
Sendo este recusado, a família podia indenizar-se em especie, matando o
ofensor ou iun membro de seu clã.
Os vínculos de sanbme propiciaram, inicialmente, as
vinganças, que eram uma necessidade e sem que houvesse uma proporção.
Para integrar um clã havia que existir uma união entre os membros, para se
vingar eventualmente contra outrem. Era uma vingança desordenada. A
vingança privada constituía uma reação natural e instintiva. A inexistência de
um limite, pela falta de proporcionalidade entre a agressão e o revide, fez
com que surgissem, talvez, pelas desigualdades valorativas e os pontos de
vista distorcidos, que exaltavam implicitamente um sentimento de injustiça,
instrumentos moderadores para a pena, aparecendo então o ~alião", que
demarca a reação a ofensa com um mal proporcional ao cometido. Tal
entendimento foi incorporado entre vários ordenamentos, como a Lei das X11 Tábuas, o Código de Hamurabi e o Código de Manu.
Podemos afirmar que, mesmo nos dias atuais, persiste o
ranço da vingança que, de fonna geral, cumpria seu papel como se apagasse o
crime cometido, tendo, portanto, um cunho satisfatório e reparatório.
No período da vingança divina a repressão ao crime tinha
como objetivo a satisfação dos deuses. A crença religiosa influenciava
diretainente a vida dos povos e a repressão aquele que ofendesse a divindade
'* Talião, Ibidem, "Lei de Talião provém do direito hebraico; lei bíblica que sc pode considerar o primeiro ensaio de estabelecer uina proporcionalidade entre o mal e a pena, ao estabclcccr que ao mal infligido cabcria uina pena igual: olho por olho, dente por dente, mão por inão, pé por pc, fcrida por fenda. Diz-se tainbein Pcna dc Taliso". p. 369.
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tinha por fim aplacar a ira divina. Havia também um sentido de purificação
para aquele que inhngisse as leis dos deuses.
A mente racional do homem primitivo tinha por base seus
sentimentos. A emoção sobrepondo-se a razão dava azo a que o bárbaro
primordial atribuísse a causas sobrenaturais todos os efeitos não explicados
por siia consciência irrealistica. Dai o surgimento do TOTEM, significando a
entronização de um símbolo que trazia proteção ao gmpamento primitivo, e
do TABU, ciija fiinção normativa visava declarar proibidas determinadas
condutas tidas como prejudiciais aos integrantes da tribo.
Nos povos primitivos, Deus poderia ser identificado e
exteriorizado pelos elementos fisicos como a terra, a água e o sol, como
também por fenômenos da natureza e os animais. Em sua obra "ibfem e
i'abu", ~reud"' leciona o alcance e significado daquilo que regia as
comunidades primitivas, estas que na concepção de Duek ~ a r ~ u e s ~ " eram
levadas e dominadas por totens e tabus. O caráter religioso de aspecto
totêmico se exteriorizava pela relação do indivíduo com o seu totem.
Escorado em Freud, Duek Marques explica o significado de totem:
' totem 'via de regra e' um animal (conlivel e inojensivo, ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um ,fenômeno natural (como a chuva e a água), que mantém rela~.ão peculiar com todo o clã. Em prinwiro Iirg~rr, o iotett? L: o p~~.v.vaci'o conlun~ cio C/LI; (10 mesmo tempo, é o seu espírito guardião e auxiliar, que lhe envia oraculos, e embora perigoso para os outros,
t 9 , 41 reconhece e poupa seu.^ próprios,filhos .
39 Siginund Freud. intern e Tuhu. In: Obras Coinplcias de Sigmund Frcud. v. X111 I I i Oswaldo Hetirique Duek Marques, op. cit., p. 07. 111 íbidem, mesma página.
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E também o de tabu:
"c..) constituía unta proibição convencional, decorrente de uma tradição, com caráter sagrado, sem uma explicação ou origem precisa que passava a integrar os princkios da comunidade e era transmitido de geração para geracão " 42.
As punições têm origem nas proibições traçadas da era
totêmica nas tribos australianas. O totem era um símbolo comum ao clã,
respeitava-se o que não poderia ser sacrificado. O totem não se explica, não
tem origem, foi passando de geração para geração. Já as proibições
decorrentes dos tabus podiam ser vistas de três fonnas: a) a vingança por si
mesmo; b) a vingança dos deuses e dos espíritos; c) a vingança da sociedade
em nome do tabu.
Nesse diapasão não podemos deixar de mencionar a
diferença da vingança privada e da pública, destacando que esta se
administrava por um poder central. Compulsão e necessidade de agredir é
trazida com o Iiomein, por proibições decorrentes de totens e tabus.
Com a organização social, o homem centralizou o poder
na mão do Estado, ficando-llie afeta a administração da justiça. A pena deixou
com o passar do tempo de se recobrir de sua índole sacra, transmudando-se
em lima sanção a ser imposta em nome da autoridade pública, mandatário do
Estado e seu representante dos assuntos comunitários e não mais com fulcro
nas figuras divinas.
'' Ibidcin. p. OX.
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Persiste, entretanto, até hoje o caráter religioso para
alguns povos quando o assunto é a punição.
Em nome de Deus, muitas atrocidades foram cometidas
ao longo da História; para exeinplificar, o representante máximo da Igreja
Católica, o Papa João Paulo 11, pediu desculpas publicamente pelas barbáries
praticadas no passado, principalmente durante a época da Inquisição. Inexistia
qualquer critério de Justiça e ressentia-se a humanidade de uma
proporcionalidade e limites para as penalidades, sua extensão e formas de
aplicação.
No período humanitário o homem entendeu por bem
conhecer a Justiça repugnando as punições exacerbadas e sem moderação,
que tinham o pretexto de aplicação da Lei. Os requintes de crueldade
constituíram o grande móvel desta repulsa.
Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, utilizando-se
da arma de que dispunha, o pensamento, escreve a obra que é até hoje
considerada em meio a doutrina iun divisor de águas. "Dos delitos e das
penas" foi publicada em 1764 e se inspirou nos escritos de Montesquieu,
Rousseau, Jean d'Alembert, entre outros grandes filósofos e escritores da
época que participaram do ~luminismo~~.
.'O ponto ciiliiiinante da revoliição intclcctual em filosofia foi um movimento conhecido como Iluminisino. Iniciado ria Inglaterra por volta de 16x0, rapidamente se difundiu, atingindo a maior parte dos paiscs do norte da Europa e não deixando de ter influência também na América. A manifestação suprema do Iluininisino verificou-se, contudo, na França, e o período cm que ele se revestiu de verdadeira importância foi o século XVIII. Poucos movimcntos históricos tiveram efeitos tão profundos no sentido de moldar o pensamento dos homens e de orientar o curso de suas açdes." , Edward McNall Burns, Iltsiórin da (Ivi l iz~ção Oci~irnlnl. v. 1. p. 549.
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A filosofia iluminista pregava, entre outros postulados: a)
a razão é o único guia infalível da sabedoria; b) o universo é uma máquina
governada por leis inflexíveis que o homem não pode desprezar; c) a melhor
estrutura da sociedade é a mais simples e a mais natural; d) não existe pecado
originalA4.
A obra de Beccaria trouxe ein seu bojo postulados
básicos do Direito Penal moderno, posição da qual compartilha Gilberto
erre ira^^, para quem Beccaria é considerado como aquele que iluminou o caminho dos estudos penais a partir de seus ensinamentos.
Mirabete ressalta alguns dos postulados, que se
congraçaram com a Declaração dos Direitos do Homem e a Revolução
Francesa, são eles:
"1. Os cidadãos, por viverem em sociedade, cedem apenas uma parcela de sua liberdade e direitos. Por esta razão, não se pode aplicar penas que atinjam direitos não cedidos, como acontece nos casos de pena de morte e das sanções c d i s . 2. Srí as leis podem ,fixar as penas, não se permitindo ao juiz interpreta-las ou aplicar sanções arbitrariamente. 3. As leis devem ser conhecidas pelo povo, redigidas com clareza para que possam ser compreendidas e obedecidas por todos os cidadãos. 4. A prisão preventiva somente se justifica diante de prova da existéncia do crime e de >sua autoria. 5. Devem ser admitidas em Juizo todas as provas, inclusive a palavra dos condenado.^ (mortos civis). 6. Não se jusllficanz as penas de confisco, que afingem os herdeiros do condenado, e as infamantes, que recaem sobre toda a , família do criminoso.
"" Ibidciii. p. 5 5 0 . 'I5 Gilbcrto Ferreira, op. c;!.. passitn
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7. Não se deve permitir o testemunho secreto, a tortura para o inferrogatrírio e os juizos de Deus, que não levem à descoberta da verdade. 8. A pena deve ser utilizada como profilaxia social, não só para intimidar o cidadão, mas tambim para recuperar o delinqiienle" 46.
O iluminismo foi o berço da Escola Clássica a qual
dedicamos parte de nosso traballio mais adiante.
Em oposição ao que pregavam os clássicos, eis que
surgiram indagações escoradas na investigação experimental. Tal período foi
conhecido como Científico devido à procura na observação e na experiência
científica dos instrumentos capazes de solucionar a problemática criminal. E o
momento de inversão em que o foco se direciona para outro alvo, a justiça
agora é que deveria conhecer o homem.
A Escola Positiva OU Antropológica, surgiu da pregação
da supremacia experimental em oposição à indagação puramente racional que
influenciava ate então o Direito Penal.
A pena tem aqui neste período científico, um fim não d
retributivo, mas também urna finalidade de proteção social que se realiza
através dos meios de correção, intimidação ou eliminação.
Nesse período, o autor de fatos ilícitos é tido como um
"doente" e a pena o remédio, não mais uma retribuição, um castigo, é
meio de defesa social.
""Julio Fabbrini Mirabelc. ,l.Iar~uo/ de flircito I'ci?~il, v . I . p. 42-43
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Cesare ~ombroso~ ' delineou, a partir de sua obra "O
Homem Criminoso", os novos nirnos do Direito Penal após o periodo
humanitário pelo seu estudo aprofiindado do criminoso e a explicação causal
do delito. A maior contribuição do Lombroso não recai efetivamente pelas
suas idéias de que o homem comete crimes, devido a sua herança genética,
seus caracteres antropológicos, ao atavismo, mas sim pela amplitude do
estudo científico que doravante não mais se desvincularia do Direito Penal.
Nesse diapasão ensina Gilberto Ferreira que embora entenda igualmente o
desacerto da tese de Lombroso não olvidou em aclamar seu notável tributo
voltado a defesa social:
"Claro que Lombroso estava equivocado. Entretanto, a partir de seus estudos começaram a.florescer as ciências penais voliadas ao estudo do criminoso, de suas caracterislicas antropológicas, do crime e de suas causas, tudo com o jim único de prevenção e defesa da sociedadeu 48.
Assim como na Escola Clássica igualmente dedicamos
algumas linhas para mais adiante tratar da Escola Positiva.
Inconcebível atualmente permear algum estudo aturado
do Direito Penal sem necessariamente aproveitar os subsídios dos
ensinamentos científicos para solução dos problemas penais.
Neste período o aiitor de crimes é visto sob um prisma
mais hwnanista em que o condenado não mais deveria ser submetido ao puro
1' Ccsare Loiiibroso. O ~foirrrm Criminoso. passim. i n Gilberto Fcrreira, op.cii., p. 16.
-
tecnicismo jurídico que prevaleceu durante OS períodos compreendidos entre
osanosde 1914a 1945.
Por fim, chegamos ao período atual ou da nova defesa
social enquanto aguardamos neste processo de permanente transformação um
outro que provavelmente virá.
Em decorrência natural aos inomentos sucessores de
radicalismo, com o fim da 2" Guerra Mundial, O homem retomou em relação
aos crimes cometidos contra a humanidade O caminho da doutrina da defesa
social, cujo grande precursor foi Filippo Gramatica que, contrapondo-se ao
momento, insurgiu-se com idéias voltadas para a eliminação do direito penal e
de sistemas penitenciários vigentes49.
Embora a concepção de Filippo Grainatica fosse
extremada, serviu para fomentar um avanço por parte dos estudiosos
penalistas da época, destacando-se entre eles Marc ~ n c e l ~ \ u e , buscando
trazer uma fórmula mais branda e moderada que as posições de seu antecessor
sem a abolição do Direito Penal, amplia a discussão através de sua obra "A
Nova Defesa Social", livro que deu a denominação a nova doutrina e que traz
como traço marcante e inovador o chamado "Programa Mínimo".
O programa, segundo ensina Duek arques^', busca os
meio, de prevenção ativa em combate a criminalidade diferentes daqueles
previstos na esfera do Direito Penal. A proteção social sai da centralizada
14 Ibidoii. p. 17. "' Marc Ancel, La Dcfensc Sociale, Za cd., Paris: Prcsses Universilaircs dc Fraiicc, 1989, p.22, npud
Oswaldo Henrique Duek Marques, op. cit, p. 93. si Ibidern, p. W.
-
esfera de atuação restrita a figura do criminoso propriamente dito e abrange
também aqueles que se encontram em estado de perigo prestes a cometer
crimes.
Os objetivos da nova defesa social encontram-se bem
resumidos na lição do mestre Manoel Pedro Pimentel:
" I - a pena não tem somente caráler expiatOrio, mas interessa também para a profeção da sociedade; 2 - a pena, além de ser exemplar e refrihufiva, lem um escopo de melhoramento senão mesmo de uma reeducação do delinquente; 3 - a justiça penal deve ter presente a pessoa humana, além da.^ simple,~ exigências da técnica proces.sua1, a f im de que o tratamenfo penal seja sempre humano" ''.
1.8 Fundamentos do Direito Penal de Punir
Como ser inteligente que é, o homem em todas as coisas
que faz move-se pelo seu discemiinento usando da razão, buscando atuar
voluntária e motivadamente, para atingir um fim, qualquer que seja.
Anteriormente a sua ação, busca OS fundamentos de suas atitudes, que
geralmente são para satisfação de uma necessidade.
Quando o homem se reúne em grupos geralmente o
exercício centralizado da gestão social é posto na mão do Estado que, por sua
vez, açainbarcou a tutela de proteger determinados direitos e,
indubitavelmente, deverá promover sua atividade pautado em certos pilares
'' Manocl Pcdro Pimentel, Es/s,uc/os e porecerrs de Direito Pa?oi, Sf~o Paulo, Rcvista dos Tribunais. 1973. p. 16, apud, Gilberio Fcrreira, op. til, P. 18.
-
basilares, em que as suas ações se sustentam. É a fundamentação dos atos da
administração estatal.
Na medida em que a atividade punitiva e de exercício
concebido ao Estado, existirá uma fundamentação para tanto.
Imaginemos que o órgão encarregado de administrar a
justiça não tivesse que trilhar suas decisões em nenhum princípio, agindo,
desmotivadamente, sem qualquer vínculo. Certamente, em pouco tempo,
haveria contradições manifestas, decisões diametralmente opostas, em casos
idênticos ou semelhantes. Colocaria-se em dúvida a atuação daquele que
exerce a filnção de administrador do Direito.
Para solucionar essa questão, existem limites, parâmetros
e vetares de ordem material que influenciam e orientam diretainente as
decisões do gestor.
No Direito Penal não e diferente e no exercício do jus
puniendi, assim como existe O poder-dever de punir, também existem 0s
fimdainentos básicos para attiação e execiição da pena. Evidente, que na
defesa de certos bens juridicamente tutelados, existe uma escala valorativa,
para que a punição seja proporcional ao dano causado. Essa
proporcionalidade encontra fundamento e parâmetro no bem atingido e a
importância que ele expressa em meio à sociedade.
A defesa e o direito de punir exercido pelo ente estatal na
representa~ão da sociedade são una reação legitima e legal. É iinplicito este
mesmo pensar nos ensinamentos de Gonzales Bustamante, quando leciona:
-
"c..) o ius puniendi equivale legítima defesa que se reconhece aos particulares. A sociedade tem o direito de defender-se, adotando contra qualquer pessoa que ponha em perigo sua tranquilidade as medida.^ preventivas e
9 9 53 repressivas que sejam condizentes.. . .
Os fundamentos do Direito Penal de Punir não se
resuinem a um rol limitado facilmente apontado no bojo de nossas
legislações. Se assim fosse, obviamente que esta questão já em pauta há
vários séculos não teria dado ensejo as várias Escolas Penais que, confonne
pode ser notabilizado pelo estudo da evolução do Direito e do próprio
homem, vêm avançando em seus conceitos na mesma proporção que a
humanidade.
Independente da escola penal é na lei que se externa de
forma positiva a moral do homem de acordo com uma determinada época. É,
também, uma forma de constituir e manipular O poder. Da existência da lei
provém a necessidade de punir, e a pena é um meio inerente a lei natural e
humana de reagir ao mal moral.
Embora os estudiosos do tema estejam filiados a uma ou
outra escola penal, não há Como não encontrar entre elas pontos de
convergência. Não se despreza O principio de uma escola pela existência de
outra, o que existe entre elas é una divergência doutrinária, que não chega a
ser total.
I3 Gonrales Busta[nante. Princípios de derecho procesfllpenfll nicxicaiio, Pornia, p. 3. npud Fcrnaiido d;, Cosia Tourinho Filho, Processo Penal, V. 1, P. 12.
-
A respeito da divergência interminável entre as escolas,
com a lapidar e costumeira meditação sobre O tema, ensina o mestre Anibal
Bruno:
"(. . .) nao é possível superar o antagonismo que as separa e in t~rá- las em uma síntese orgânica. Na zona empírica da lei, explica-se um ajustamento entre estas posições divergentes, mas na doutrina sacrzfica-se com ele a unidac/c c LI coerZncia cient@ca" 54.
Podemos dizer, portanto, que os fundamentos do Direito
Penal de Punir não são nada mais, nada menos do que as razões e os motivos
esposados pelas diferentes escolas penais, que respaldam e justificam a
punição desta ou daquela maneira.
Para vislumbrarmos claramente os fimdamentos de cada
escola, devemos ao final do respectivo estudo, visando identificá-los,
anteriomente ter respondido: qual O conceito que se tem por pena, qual a
forma de punição e o motivo pelo qual se quer punir?
Dentre os fundamentos mais enfocados, destacainos
como principais e que expressam um fim, de forma ampla, aqueles contidos
nas teorias que procuram o fundamento do direito de punir. Antes, porem, de
passarmos a este estudo não poderíamos nos furtar de citar o fundamento do
direito pena] de punir para a Escola Positiva. Castro ensina que:
"(:..)o fundamento do direito de punlr para a nova esco(a penal é a defisa socral po.~ta em perigo pela 1emehrlrda& do delmqUente" ".
'' Anibal Bmno, Direito Penal, p. 123. '' Viveiros de Castro. A Novo Escola Penal, p. 44
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1.9 A pena: conceito
Atualmente a pena, segundo a doutrina de Santiago Mir
puigS6 visa antes a corrigir e prevenir novos delitos do que castigar. O Estado
a utiliza mais com o objetivo de reeducar O criminoso, que para lhe infligir
um mal. No entanto, permanece vivo qual seria o conceito ideal para a pena,
pois c o i n o dinamismo do pensamento humano, tal instituto merece ser
aprimorado a cada fase do processo de evolução.
Dentre as várias definições de pena conliecidas, Sebastián
Soler apresenta a seguinte:
"c..) a pena 6 uma sanção aflitiva imposta pelo thtado ufravés dn acão penal. no aulor de uma inji-a@ @cnu(), como refrihuiqão de Seu a10 ifíc~to. consi~tent~ na diminuição u'e um bem jurídico e cujo j i m é evitar novos delitos" 57.
De acordo com Aníbal ~ r u n o ~ " a pena era conceituada
como sendo a sanção, consistente na privação de determinahv
jur;dico,s, que 0 E.stado impõe contra a prútica de um ,falo definido na lei
como crime.
Magalhães ~ o r o n l i a ~ ~ a coiocava como a retribuição,
privaqco bmmS juridicos, imposta ao ~riminO.~O em.face do alo pralicado.
56 Santiago Mir Puig, E/ l)erecho Penal en e/ FXado .~ocialy Democrcitrco de llerecho, passiin '7 Sebastián Soler. I)erecho Penal v01 11. P. 342.
-
Para Heleno Cláudio ~ r a g o s o ~ , era a perda de bens
jurídicos imposta peko órgão da justiça a quem comete crime
Preferimos, porém, entre os diversos conceitos existentes,
um que expresse em seu conteúdo as finalidades cotejadas pelas teorias
fundamentadoras da pena e que traga em seu bojo as caraterísticas traçadas
inicialmente pela Escola Positiva, que se preocupou primeiramente com a
defesa da sociedade e na prevenção dos crimes:
"Pena i a sanção penal de caráxer ajflitivo impo.sta p e / ~ Eslado, em tíuccu@o de uma senlença. ao culpado pela pratica de uma infraçãa penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja ,finalidade 6 a de aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transps.sões pela intimidação dirigida c i coletiv~dade"~'.
Na maioria dos conceitos ofertados e evidente a
preoc~lpaçâo para impedir que o infrator reincida no modo de se conduzir,
entretanto está implícito que o criminoso não deve ser pnvado de sua
liberdade.
A intimidação está incluída, expressamente ou nâo, em
diversos conceitos de pena, principalmente diante do fim por ela cotejado.
Contudo o destino da norma, durante OS diferentes períodos já estudados, não
inereceii predileção ou destaque para a finalidade preventiva (intiinida~âo) em
todas as épocas.
60 Heleno Cláudio Fragoso. Liçfies de Direito Pcl7al. P. 292. hl Fernando Capez, Direito Penal - Parte Geral. P. 85.
-
E através do conceito de pena que se conclui qual o fim
almejado pelo seu expositor/idealizador, pois nele estarão traçadas as
características principais de opção por destacar OU privilegiar o fim punitivo,
preventivo 011 utilitário. Da análise conceitual é que podemos abstrair a
essência e a finalidade da pena.
O estudo da pena comporta como pano de fundo três
correntes que englobam as suas diferentes teorias fundamentadoras,
merecendo assim, maior aprofkdamento.
1.10 Teorias Fundamentadoras da Pena
São três as teorias fundamentadoras da pena:
a) Teoria Absoluta ou da Retribuição;
b) Teoria Relativa, Finalista, Utilitária 011 da
Prevenção;
c) Teoria Mista, Eclética, Intermediária ou
conciliatória.
Para Tobias Barreto a fundamentação do Direito de Punir
é um problema insolúvel. Acredita O festejado autor, ao se questionar sobre
qual seja o fundamento desse Direito, que:
-
"c..) uma espécie de adivinha~ão que os mestres se crêem obrigados a propor aos disc@ulos, acabando, uns
9 , 62 e outros, no mesmo estado de perjieita ignorância.. . ,
Para a Teoria Absoluta ou de Rehibuição, a finalidade da
pena é punir o autor de um fato caracterizado como infiação penal. Nesse
caso a pena é a retribuição do mal injusto praticado pelo criminoso, pelo mal
justo previsto no ordenamento jurídico (punilur quia peccatum a/). Justifíca-
se a pena, dogmaticamente, como castigo e expiação da falta.
É pertinente a observação a respeito sobre o que vem a
ser o pecado e o mal. Pecado e mal são conceitos subjetivamente apropriados
para propiciar lima certa liberalidade na identificação do qiie vern a ser criiiie,
permitindo uma interpretação tendenciosa e interessada dos homens
privilegiados (malum propler malum). As teorias absolutas vêem a pena como
conseqüência do crime: é o mal justo como contraprestação do mal injusto, ou
seja, a punição do delito. Negando os fins utilitários da pena e estribando-se
nuirna exigência de justiça, as teorias absolutas justificam a pena por sua
natureza retributiva.
O caráter retributivo da pena teve inspiração nos
ensinamentos de Kant e Hegel; a sanção para eles não servia a qiialqiier outra
finalidade, que não fosse a absoluta realização da Justiça. O Estado era o
guardião das leis instituídas pela vontade dos membros da sociedade, assim os
cidadãos abdicavam de parcela de sua liberdade em prol do Contrato Social.
O rompimento de qualquer regra referente a esse acordo ensejava uma
desestabilização, gerando a atuaçâio do Estado no papel de coibi-la.
h? Tobins Bnrrcto. ,Llenores e Loucos e Fundanlento Direito Punir. Sergipc, cd. 1926. p 131, opud ~ ~ b ~ ~ l ~ L ~ ~ ~ , /i71roduçfio ao i
-
Seguiido leciona Saiitoro Filho"', Kaiit via a peiia colmo
uma retribuição moral ao mal praticado, configurando nela a medida de
reafirmação da justiça, a qual não poderia ser afastada sob nenhum pretexto. Tal fato poderia ser considerado coino iiina fonna de participaç?Io da
sociedade no delito cometido.
Enquanto Kant via a retribiiição como fonna de restaiirar
a ordem moral, Hegel, que entendia a pena tambem com a mesma finalidade
retribiltiva, já demonstrava seu enfoque voltado para a preservação do Estado
em sua integ-idade.
Segundo ensinam Antonio García-Pablos de Molina e
Luiz FIAMO F ornes^^, a teoria retributiva da pena inspirada em Kant e Hegel
existe, respectivamente, para restabeleciinento OU realização da Justiça e para
a afirmavão do Direito. Conforme os mencionados autores, Kant adota a
teoria da retribuição moral e Hegel, a teoria da retribuição jurídica.
A pena, portanto, para a teoria absoluta se exaure na
punição, é uma compensação de um mal pelo mal em si inesma, sua essência
é exclusivamente de retribuição.
Oporhmo mencionar a grande contribuição propalada
histórjca e materialmente diante da concepção retributiva, tendo como mérito
irrecusável de ter erigido o princípio da culpabilidade, ao qual faremos a l ~ l s ã ~
mais adiante quando tratarmos do capitulo dedicado à intimidação.
63 Aiiionio ~ ; , ~ l o s ~;,ntoro Fillio. ~ci,vcs Críticos h I)ireiro Criminnl, p. 49. ii., Antonio Garcia-Pablos dc Molina e Luis Flávio Gomes, ~riminulogia, p. 476,
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Nas Teorias Relativas, Finalistas, Utilitárias ou da
Prevenção, a pena tem um fim pratico imediato de prevenção geral ou
especial do crime (punitur uti et peccetur). A prevenção 6 especial porque a
pena objetiva a readaptação social e a segregação social do criminoso como
meios de impedi-lo de voltar a delinquir. A prevenção geral é representada
pela intimidação dirigida ao ambiente social (as pessoas não delinquem
porque têm medo de receber a punição).
Realçando que a pena se justifica pela necessidade social e
não pelo reclamo de justiça, a teoria relativa busca um fim utilitário para o
apenamento. Para os relativistas, além de visar aqueles que delinquiram, a
pena igualmente serve como advertência para 0s infiatores em potencial. Tem
a pena, portanto, uma finalidade que é a prevenção individual e geral.
Por fim, temos a Teoria Mista, Eclética, Intermediária ou
Conciliadora em que a pena tein a d~ipla função de punir o criminoso e
prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva
(pun~lur qulapeccalum e.sI e1 ne peccetur).ccelur).
Percebe-se nesta última a associação dos principios da
justiça, não mais compreendidos na própria essência do todo e de sua
utilidade. A justificativa punitiva da lei está embasada na necessidade e dever
de punir os criminosos visando com isto a manutenção e regularidade de atiiação das instituições fundamentais da sociedade. A pena é um instrumento
de ameaça e ao mesmo tempo de aplicação. Com ela não só se busca reprimir
a incidência das infrações penais, como também prevenir a reincidência.
-
O grande elemento imprescindível a implementação do
ius puniendi (poder-dever punir) é a justiça. Atendendo aos limites desta,
quando da analise do fato típico criminoso, sob OS aspectos de culpabilidade
(grau) e a gavidade do fato, conclui-se que a pena deverá ser necessária e
justa em proporcionalidade ao dano provocado.
A Teoria Mista procura harmonizar as duas outras. Para a
Teoria Mista a pena tem não só caráter retnbutivo, mas também função
utilitkia na medida ein que reeduca o delinquente e intimida os demais.
Realmente a pena é expiação, é privação. Aquele que
praticou iun mal deve, também, sofrer um mal, embora não o da Lei de
Taligo, é evidente. Mas a sanção ni3o pode ter apenas o caráter retributivo (O
mal da pena pelo mal do delito), devendo ter um fim utilitário: a reed~icação e
recuperação do apenado.
NO atual estágio da civilização humana, a pena, em suas
várias modalidades, ainda é necessária e mesmo imprescindivel, conquanto
deva ser individualizada e proporcional ao mal cometido.
1.10.1 Idéias decorrentes sobre O fundamento do Direito Penal de Punir
Do debate traçado entre as diversas teorias
fundamentadoras, podemos extrair algumas idéias.
A primeira delas diz respeito a justiça oii expiação, que
recorrendo à força do Estado, ira coagi-lo a uma decisão incompativel com
-
privilégios e exceções, ditadas pelos legisladores através da lei positiva, que
nesta hipótese devera fiel observância aos preceitos morais e religiosos.
Qual a verdadeira justiça e o que legitimaria as privações
e os sacritícios, uma vez que na vida podeinos observar diversos
antagonismos? A desproporcionalidade das punições através dos tempos vem
comprovar a forma injusta com que O homem tem aplicado as punições.
Percebe-se claramente que alguns fatos revestidos de maior gravidade são
coinetidos sob o manto da impunidade e outros sem relevância são apenados
de forma enérgica.
Uma outra ideia emergente e a do Contrato Social, nela o
homem abdica de seu direito de punir em favor da sociedade, e, fazendo parte
de ii~n todo, indivisível, certamente as orientações a serem seguidas sempre
serão as melhores, para todos que façam parte deste grupo. Na eventualidade
de luna transgressão, aquele que participa da sociedade aceita
antecipadamente a sua punição por ter ultrapassado 0s limites no exercicio de
siia liberdade.
Esses ensinamentos são bem delineados nos pensamentos
de Jean Jacqiies Rotisseau, quando diz:
" c ,.) Encontrar uma.forma de assocra~.tio que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com loda a fbrqa comum, e pela qual cada um, unindo-se a lo&,,v, ,só obedece contudo a .TI mesmo, permanecendo asslm tão 11vre quanto antes" 65.
6 7 Join J;icqucs ~ousseau, /)o (òritralo Social, p. 69-70.
-
Essa é a solução apresentada pelos adeptos do Coneato
Social, tendo-se que se acrescentar:
"( . .) Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a d i re~ao suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo" 66.
É uma ficção conirária a permissibilidade da crueldade
das penas e de sua aplicação em termos inócuos, mas que, na realidade,
somente resta por legitima-la em nome do pacto social.
Há uma presunção iure et de jure de que todos na
sociedade conliecein a lei. Tomando O Brasil como referência, é facilmente
constatado que há uma grande quantidade de analfabetos, alheios e excluídos
da vida social como um todo, mas que são igualmente atingidos com as
obrigações e deveres inerentes a norma, contrariando, assim, a presunção
legal tomada sobre um aspecto a ser observado de forma empírica.
Isso para comprovar que as leis atingem em desvantagem
certas camadas popiilacionais, ante a desproporção e a desimaldade de
oportunidades de acesso de muitos a determinados bens materiais e imateriais,
que posicionam o indivíduo em meio a sociedade, delimitando assim o seli
progresso.
Em momento algum tencionamos justificar a
criminalidade humana, mas não podemos desprezar certas condiçfies que
-
iníluenciam o comportamento do homem, ainda mais quando nosso estudo é
afeto sob a égide da Escola Positiva e seus postulados.
A intimidação vista sob o fundamento do direito penal de
punir reclama i~walmente os pontos questionados pelo próprio Direito Penal,
pois o direito de intimidar é reconhecido no mesmo pacto social; os limites da
intimidação jamais podem extrapolar esse "acordo". A pergunta que ainda
falta responder é se tal parcela de liberdade foi concedida ao Estado, para que
ele possa ou não agir, ameaçando alguém.
Antevendo analise sobre a afionta a dignidade da pessoa
humana e as conseqüências da intervenção penal é mister conhecer um pouco
sobre as visões refletidas pelas Escolas Penais, seus traços marcantes e seus
reflexos perante a sociedade.
-
CAPÍTULO I1 - A PENA E A ESCOLA POSITIVA
2. A pena nas Escolas Penais
AS Escolas Penais surgiram em virtude do pensamento
filosófíco-j~uídico em matéria penal, colocando em foco, dentre outros temas,
o estudo do crime, do criminoso, de sua responsabilidade e da pena. São
sistemas de elaboração e interpretação do direito criminal organizado em
tomo de certos princípios fundamentais. Destacaram-se algumas correntes,
como a Escola Clássica, a Antropológica e a Escola Critica, alem de outros
inovimentos de inenor consistência.
Essas escolas encaram a reprimenda penal de diferentes
modos, de acordo com os postulados que defendem.
Para a Escola Clássica, com inspiração iluminista,
pretendendo englobar o direito penal liberal, anterior ao positivismo, a pena a
ser aplicada seria uin castigo justo, na medida ein que O crime tenha sido
cometido e conscientemente pelo agente. "O mal que se padece por
caiisa do mal que se fez" - "Malum ~assionis quod inJkitur oh malum
acrionis ".
A pena atuaria como tima punição merecida, pelo mal
perpetrado a outrem. Aplicada para satisfação da justiça e não em razão do
resguardo social, ou seja, o que importa é qiie a Pena seja justa e venha
prevista em lei do Estado.
-
A pena é concebida como efeito da infiação cometida,
sua gravidade e natureza, pouco atentando a Escola Clássica para o próprio
mal. Ela (pena) seria a Única arma mais eficiente que todas as outras medidas
que se poderia adotar para inibir o delito.
O pensamento da Escola Clássica volta-se no sentido de
que o delito é conseqüência exclusiva da vontade do infiator; que o livre
arbítrio fundamenta a responsabilidade moral do delinquente; que a
responsabilidade moral é o assento da responsabilidade penal e que a
sevendade da pena deve variar conforme O grau da responsabilidade moral,
dentre outros coroliirios.
Ressalta-se o método dedutivo lógico-abstrato, iitilizado
pela referida escola penal, para caracterização do crime como ente jiiridico,
levando em conta o livre arbítrio como fundamento da responsabilidade
penal. Santoro Filho entende que:
"(..) Disso resulta que a ação crirnino.ra, antes de tudo, trata-se de um a ~ ã u imoral, p0i.v embora podendo oplar pelo certo (le