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Defesa E Nação Instituto da Defesa Nacional As Formas da Organização Política e a Estabilidade Estratégica no Médio Oriente A Europa e o Médio Oriente: do Fim dos Impérios aos Desafios Comuns A Grande Estratégia Americana no Médio Oriente O Irão, os EUA e a Geopolítica do Golfo Pérsico China e Médio Oriente: Energia, claro, mas não só… Contenção, Projecção e Envolvimento: a Política Externa Russa para o Grande Médio Oriente Portugal e o Médio Oriente – Uma Visão Portuguesa em Matéria de Segurança e Defesa A Participação Portuguesa nas Missões Militares: Iraque, Afeganistão e Líbano Luís Salgado de Matos Ana Santos Pinto Bernardo Pires de Lima Patricia Daehnhardt Vasco Rato Diana Soller José Félix Ribeiro Luís Tomé Maria Raquel Freire Paulo Vizeu Pinheiro Francisco Proença Garcia 3ª Série Nº 121 Outono/ /Inverno 2008 Estudos sobre o Médio Oriente

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Transcript of NeD121

  • D e f e s aENao

    I n s t i t u t o d a D e f e s a N a c i o n a l

    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no

    Mdio Oriente

    A Europa e o Mdio Oriente: do Fim dos Imprios aos Desafios

    Comuns

    A Grande Estratgia Americana no Mdio Oriente

    O Iro, os EUA e a Geopoltica do Golfo Prsico

    China e Mdio Oriente: Energia, claro, mas no s

    Conteno, Projeco e Envolvimento: a Poltica Externa Russa para o

    Grande Mdio Oriente

    Portugal e o Mdio Oriente Uma Viso Portuguesa em Matria de

    Segurana e Defesa

    A Participao Portuguesa nas Misses Militares: Iraque, Afeganisto

    e Lbano

    Lus Salgado de Matos

    Ana Santos Pinto

    Bernardo Pires de Lima

    Patricia Daehnhardt

    Vasco Rato

    Diana Soller

    Jos Flix Ribeiro

    Lus Tom

    Maria Raquel Freire

    Paulo Vizeu Pinheiro

    Francisco Proena Garcia3 Srie

    N 121Outono/

    /Inverno 2008

    Estudos sobre o Mdio Oriente

  • NAO E DEFESARevista Quadrimestral

    DirectorAntnio Jos Telo

    Coordenadora EditorialIsabel Ferreira Nunes

    Conselho EditorialAntnio Silva Ribeiro, Armando Serra Marques Guedes, Carlos Pinto Coelho, Isabel Ferreira Nunes, Joo VieiraBorges, Jos Lus Pinto Ramalho, Jos Manuel Freire Nogueira, Lus Leito Tom, Lus Medeiros Ferreira, LusMoita, Manuel Ennes Ferreira, Maria Helena Carreiras, Mendo Castro Henriques, Miguel Monjardino, NunoBrito, Paulo Jorge Canelas de Castro, Rui Mora de Oliveira, Vasco Rato, Victor Marques dos Santos, VitorRodrigues Viana.

    Conselho ConsultivoAbel Cabral Couto, Antnio Emlio Sachetti, Antnio Martins da Cruz, Antnio Vitorino, Armando MarquesGuedes, Bernardino Gomes, Carlos Gaspar, Diogo Freitas do Amaral, Ernni Lopes, Fernando CarvalhoRodrigues, Fernando Reino, Guilherme Belchior Vieira, Joo Salgueiro, Joaquim Aguiar, Jos ManuelDuro Barroso, Jos Medeiros Ferreira, Lus Valena Pinto, Lus Veiga da Cunha, Manuel Braga da Cruz,Maria Carrilho, Mrio Lemos Pires, Nuno Severiano Teixeira, Pelgio Castelo Branco.

    Conselho Consultivo InternacionalBertrand Badie, Christopher Dandeker, Christopher Hill, Felipe Aguero, George Modelski, Josef Joffe,Jurgen Brauer, Ken Booth, Lawrence Freedman, Robert Kennedy, Todd Sandler, Zbigniew Brzezinski.

    Centro Editorial ColaboraoCristina Cardoso e Antnio Baranita Diana Soller

    Normas de ColaboraoConsultar a contracapa

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    Propriedade, Edio e Design GrficoInstituto da Defesa NacionalCalada das Necessidades, 5, 1399-017 LisboaTel.: 21 392 46 00 Fax.: 21 392 46 58 E-mail: [email protected] www.idn.gov.pt

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    ISSN 0870-757XDepsito Legal 54 801/92Tiragem 2 000 exemplaresAnotado na ERC

    O contedo dos artigos da inteira responsabilidade dos autores

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  • 2Poltica EditorialNao e Defesa uma Revista do Instituto da Defesa Nacional que se dedica abordagem de questes no mbito da segurana e defesa, tanto no plano nacionalcomo internacional. Assim, Nao e Defesa prope-se constituir um espao aberto aointercmbio de ideias e perspectivas dos vrios paradigmas e correntes tericasrelevantes para as questes de segurana e defesa, fazendo coexistir as abordagenstradicionais com problemticas mais recentes, nomeadamente as respeitantes demografia e migraes, segurana alimentar, direitos humanos, tenses religiosas etnicas, conflitos sobre recursos naturais e meio ambiente.A Revista dar ateno especial ao caso portugus, tornando-se um espao de reflexoe debate sobre as grandes questes internacionais com reflexo em Portugal e sobre osinteresses portugueses, assim como sobre as grandes opes nacionais em matria desegurana e defesa.

    Editorial PolicyNao e Defesa (Nation and Defence) is a publication produced by the Instituto daDefesa Nacional (National Defence Institute) which is dedicated to dealing withquestions in the area of security and defence both at a national and international level.Thus, Nao e Defesa aims to constitute an open forum for the exchange of ideas andviews of the various paradigms and theoretical currents which are relevant to mattersof security and defence by making traditional approaches co-exist with more recentproblems, namely those related to demography and migratory movements, thesecurity of foodstuffs, human rights, religious and ethnic tensions, conflicts regardingnatural resources and the environment.The publication shall pay special attention to the Portuguese situation and shallbecome a space for meditation and debate on the broad choices which face Portugal interms of security and defence as well as on important international matters whichreflect on Portugal and on Portuguese interests.

  • 3NDICE

    Estudos sobre o Mdio Oriente

    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente 7Lus Salgado de Matos

    A Europa e o Mdio Oriente: do Fim dos Imprios aos Desafios Comuns 31Ana Santos PintoBernardo Pires de LimaPatricia Daehnhardt

    A Grande Estratgia Americana no Mdio Oriente 53Vasco RatoDiana Soller

    O Iro, os EUA e a Geopoltica do Golfo Prsico 73Jos Flix Ribeiro

    China e Mdio Oriente: Energia, claro, mas no s 87Lus Tom

    Conteno, Projeco e Envolvimento: a Poltica Externa Russapara o Grande Mdio Oriente 135Maria Raquel Freire

    Portugal e o Mdio Oriente Uma Viso Portuguesa em Matria de Segurana e Defesa 157Paulo Vizeu Pinheiro

    A Participao Portuguesa nas Misses Militares: Iraque, Afeganisto e Lbano 177Francisco Proena Garcia

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  • 5E s t u d o s s o b r e o M d i o O r i e n t e

    Entre Outubro de 2007 e Dezembro de 2008 o Grupo de Estudos do Mdio Orientepromoveu sob auspcios do Instituto da Defesa Nacional um conjunto de reflexes e dedebates com o objectivo de incentivar e aprofundar o debate sobre questes e problemasespecficos da regio do Mdio Oriente e as suas implicaes no espao Europeu. Estenmero temtico o resultado desse conjunto de sesses de trabalho.

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  • 7A s F o r m a s d a O r g a n i z a o P o l t i c ae a E s t a b i l i d a d e E s t r a t g i c a

    n o M d i o O r i e n t e

    Lus Salgado de Matos*Investigador auxiliar com agregao do Instituto de Cincias Sociais da Universidade de Lisboa.

    Resumo

    Este artigo relaciona dois conceitos que pro-vm de domnios cientficos diferentes: as for-mas de Estado (sociologia poltica) e estabi-lidade estratgica (relaes internacionais).Contudo esta relao revela-se til para res-ponder seguinte questo: de que modo aforma de organizao poltica influncia asegurana da regio do Mdio Oriente? Pararesponder, o autor considera trs variveisuniversais e permanentes: o Estado, as ForasArmadas e a Igreja. Uma anlise de fundo doscenrios polticos internos de vrios e diver-sos pases no Mdio Oriente revela que aexistncia de formas de poder em competiocom o Estado (nomeadamente a Igreja) soum dos principais factores de ausncia de de-senvolvimento interno e estabilidade nacionale internacional.

    AbstractForms of Political Organization and StrategicStability in the Middle East

    This essay compares two concepts from two differentscientific domains: State forms (political sociology)and strategic stability (international relations).However, this comparative exercise appears to bevery useful to answer the following question: howdoes the form of political organization determinessecurity in the Middle East area? To answer thequestion, the author considers three universal andpermanent variables: the State, the Armed Forcesand the Church. An analysis of the internalpolitical landscapes of several and diverse MiddleEastern States unveils that institutional politicalpowers competing with the State affects domesticdevelopment and causes of national andinternational instability.

    Outono-Inverno 2008N. 121 - 3. Sriepp. 7-29

    * O autor agradece os comentrios da Mestra Catarina Figueiredo Cardoso.

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  • 9As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente

    Explorar do ponto de vista analtico a relao entre as formas de Estado e a estabili-dade estratgica um desafio. Com efeito, estes dois conceitos pertencem a camposcientficos distintos que so paralelos um ao outro: formas de Estado uma noo deSociologia Poltica, estabilidade estratgica de Relaes Internacionais.

    Mdio Oriente? Paz? Hoje, poucos ou nenhuns pensaro que a Paz outro nome daestabilidade estratgica depende de um dado pas ser uma monarquia ou uma rep-blica, ter esta organizao poltica ou aquela. porm esse o nosso tema: de que modoa forma da organizao poltica influencia a segurana daquela regio.

    As Variveis Caracterizadoras das Formas das Organizaes Polticas

    Para isso, temos que classificar os pases de acordo com critrios polticos. Assenta-remos a nossa classificao em trs instituies universais e permanentes que constituema organizao poltica: o Estado, as Foras Armadas e a Igreja. So as instituiestriangulares, entre si distintas, independentes e colaborantes. O Estado no tem religionem milcias armadas, a Igreja no tem dimenso econmica nem militar e as ForasArmadas no tm vida religiosa nem dimenso econmica. As trs, articuladas num dadoterritrio, e em interaco com as ordens respectivas, formam uma organizao poltica.As ordens so as organizaes primrias de sociabilidade; expondo a sua natureza emtermos transcendentais, a ordem simblica d a identidade; a ordem da segurana garanteessa identidade; a ordem da reproduo garante a renovada perpetuao dessa identi-dade; a Igreja, as Foras Armadas e o Estado so as instituies correspondentes a cadauma daquelas trs ordens.1

    Assinalemos ser frequente que a palavra Estado designe duas realidades bem dife-rentes: o Estado-instituio e o pas; o Estado-instituio uma dada e especficaorganizao personalizada; o pas engloba, num dado territrio, o Estado-instituio mastambm a Igreja-instituio e as Foras Armadas-instituio, alm das ordens respectivasque, numa verso muito simplificada, so comparveis sociedade civil. No presentetexto, Estado significa Estado-instituio e pas usado em sinonmia com organizaopoltica.

    1 Matos 2004.

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    Comentrios s Organizaes Polticas do Mdio Oriente

    Em investigao mais pormenorizada, cujos protocolos integrais nos impossvelreproduzir na presente sede, por limites de espao, analismos cada uma das instituiestriangulares de cada um dos pases do Mdio Oriente. Usmos como unidade geogrficao Mdio Oriente alargado, incluindo 27 pases. Os indicadores usados nessa anlisegeram tipologias de Estados, de Foras Armadas e de Igrejas; a partir destas tipologias,produzimos a tipologia de organizaes polticas, a seguir sumariada.

    De seguida, sintetizamos os resultados dessa investigao. Sobre eles, proporemosalgumas concluses provisrias. Comeamos pela instituio Igreja que no Mdio Orienteparece ser decisiva; veremos de seguida as Foras Armadas e o Estado.

    A instituio igreja

    A aplicao da chria foi retida como o critrio bsico relativo instituio Igreja. Achria a lei religiosa, como o direito cannico a lei da Igreja catlica ou a lei mosaicaaplicada pelos Betha din. S considermos a chria, porm, quando um dado pas a aplicacomo lei estatal; havendo essa aplicao, a Igreja forte e h uma modalidade deteocracia; no havendo, fraca; outros critrios subsidirios incluem a existncia deregisto civil.

    Por aquele critrio, a instituio Igreja , no Mdio Oriente, a mais forte das insti-tuies triangulares. Uma organizao poltica, que tem por nica lei a Chria, teocrticano sentido forte; cabe distinguir nela duas categorias: a superteocracia, na qual o poderdo Estado exercido por clrigos em nome do Islo (caso do Iro), e a teocracia forte, naqual h um poder estatal, regendo em nome do Islo, tendo o topo da Igreja e o do Estadoum modicum de autonomia (Arbia Saudita).2 A terceira categoria uma teocracia mdia:o Estado reconhece vrias confisses, que tratam do estado civil, e uma delas a religiodo Estado, mas no reconhece casamentos civis; uma soluo mais tolerante do que as Chria, mas est afastada da separao com o Estado. A quarta situao a do Estadoque tem lei estatal e incorpora a chria ou admite-a ao seu lado; uma teocracia suave poisa existncia de lei estatal um princpio de separao entre o Estado e a Igreja; a quintae ltima situao j no teocracia: tem separao entre a Igreja e o Estado: o Estadoreconhece casamentos civis.

    Lus Salgado de Matos

    2 Ver tabela Variveis do Estado no Mdio Oriente, Segundo a Classificao das Organizaes Polticas.

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    No nosso universo, 21 dos 27 Estados so teocrticos. O Mdio Oriente tem assim amaior concentrao mundial de Estados Teocrticos. Esta fora poltica da religio, oIslo, enfraquece o Estado. Assim, o Estado-instituio no Mdio Oriente em geral fracopor a Igreja, a Mesquita, ser muito forte. certo que alguns Estados teocrticos doinstrues ao seu clero, em particular ao clero sunnita. Acontece assim em vriosmini-Estados do Golfo e noutros.

    Estas situaes parecem-nos primeira vista regalismo pois so uma fuso Igreja-Estadoe as nicas fuses Igreja-Estado de que temos experincia na nossa cultura so as fusesEstado-Igreja, nas quais esta absorvida por aquele; no regalismo em sentido prprio,porm, o rei comanda em nome dos seus prprios valores e nestes casos mdio-orientaiso Estado dirige em nome dos valores da Igreja; temos assim um Estado de Igreja, ao passoque no regalismo temos uma Igreja de Estado; instvel o Estado que comanda o cleroem nome dos princpios religiosos de que o prprio clero depositrio. No , porm, deexcluir que essas situaes se transmutem numa forma de Estado semelhante britnica,uma democracia representativa com Igreja de Estado, com uma religio de Estado quasepor completo desprovida de poder poltico; mas isso s ocorrer se o Estado souberdotar-se de um fundamento autnomo face Igreja, isto , se tiverem um Cromwell querevigore um Parlamento.

    As Foras Armadas enfraquecidas pelo Islo

    No relativo instituio castrense, distinguimos se ela intervm ou no sobre oEstado. A no interveno caracteriza a situao desejvel, fora do caso de fora maior,de separao entre as Foras Armadas e o Estado. Seria desejvel averiguar a aplicaoda chria nas Foras Armadas de cada um dos pases do nosso universo mas as infor-maes disponveis no o permitem.

    Logo verificamos que aquele tipo de fora da instituio Igreja no s debilita oEstado mas tambm enfraquece as Foras Armadas enquanto elemento do tringuloinstitucional. significativo que apenas haja oito Estados com componente militar em21, o que d uma propenso para a interveno militar inferior mdia mundial. Numaorganizao poltica com separao entre o Estado e as outras instituies, as ForasArmadas tm a funo de defender a organizao poltica de ameaas sua segurana.Numa organizao poltica dominada pela Igreja-instituio, as Foras Armadas tm porfuno primacial defender os valores simblicos; se estes conflituarem com a defesa daorganizao poltica, ser sacrificada a defesa da organizao poltica no seu todo.

    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente

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    A dimenso religiosa das Foras Armadas islmicas ressalta da histria da Ikwahn daArbia Saudita. Ikwahn, que letra significa irmandade, a designao da insti-tuio militar saudita. Nos anos 1920, o Rei Ibn-Saud transformou uma milcia debedunos do deserto numa fora militar moderna, sedentarizando-os; mas, nas palavrasde um apologeta, para ultrapassar os preconceitos milenares dos bedunos, tinha queapelar a uma paixo mais forte: o sentimento mstico deles, fazendo com que acolonizao interna militar, fosse tambm religiosa. A dimenso religiosa da Ikwahnteve os seus efeitos: nos anos 1930, rejeitaram as armas modernas das naes crists queconsideravam invenes do demnio e recusavam trocar a espada e o camelo pelametralhadora e pelo automvel. No so as armas, diziam, que do a vitria, All(). Ibn-Saud subordinou-os, mas com dificuldade e graas ao empenho do clerowaabita.3

    Ocorre assim uma fuso institucional entre o militar e o religioso, posterior subordinao do direito civil ao cannico. A noo de Jihad d legitimidade teolgica aesta fuso. A Jihad ter sido, de incio, um conceito mstico dos sufis, a guerra espiritualde cada um aos seus pecados, mas tornou-se para muitos muulmanos um conceitoterrenal: a guerra aos pecados dos outros, em particular dos infiis.4 Um aprofunda-mento histrico exigiria a difcil comparao desta fuso Igreja-Foras Armadas com asordens religiosas militares do ocidente europeu.

    Seria interessante estudar os exrcitos do Mdio Oriente islmico tendo em contaaquela perspectiva, e articulando-a com a sua formao histrica. Vrios Exrcitos tmum papel activo na Islamizao do Estado: Sudo, Lbia, Paquisto, Bangladesh. F-lo-ocomo manobra oportunista para obterem uma eficaz fonte de apoio social ou por seconsiderarem uma Igreja-Instituio Castrense?

    revelador que nas Monarquias Tradicionais nunca haja um elemento militarcomo componente da frmula poltica e haja poucos movimentos insurreccionaismilitares, os quais, por definio, teriam que ser sempre falhados, pois a triunfarem,deixaria de haver monarquia tradicional. Golpes castrenses s derrubaram monarquiasno Egipto e no Iraque. Nenhuma delas era tradicional e autctone: Faruk, o ltimo reiegpcio, descendia de uma dinastia que o Imprio Otomano tinha colocado no Cairo;os hachemitas tinham acabado de ser exportados pelos britnicos para Bagdad e aindaestavam a adaptar-se aos costumes locais. Esta ausncia de interveno castrense resul-

    3 Benoist-Mchin 1955, 180, 209 e ss.4 Guedes 2001.

    Lus Salgado de Matos

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    tar do facto de o Monarca tradicional reunir a instituio religiosa e a militar o que nocaso de Ibn Saud era bem visvel.

    Neste contexto, seria interessante estudar a origem institucional dos exrcitosnacionalistas que no sculo passado foram favorveis separao do Estado e da Igreja:do turco de Ataturk, do persa de Pahlevi, do egpcio de Nasser, dos srio e iraquianodo Baath, do argelino da Frente de Libertao Nacional singularizando-se este ltimopor ser o nico que nasce de uma guerrilha de libertao nacional. Parece com efeitohaver uma tenso entre as Foras Armadas mdio-orientais herdadas das pocasconstitucional ou nacionalista, e as revolues islmicas; assim, no Iro, depois de1979, os pasdaran e os bassidji constituem uma espcie de exrcito paralelo, dispondode um material to sofisticado como o do exrcito, o qual conserva um silncioenigmtico5.

    Nesta veia, j foi escrito sobre o exrcito indonsio no fica na nossa regio mas agenum pas islmico , que os seus oficiais foram influenciados pelos japoneses e peloexrcito colonial, no sendo nenhuma dessas influncias democrticas; mas talvez fossemlaicas.6

    Haver assim no Mdio Oriente islmico Foras Armadas religiosas e Foras Armadasautnomas, favorveis separao do Estado e da Igreja, mas o assunto requer investi-gao complementar.

    Anotemos por memria que tanto as Foras Armadas turcas como as israelitas asinstituies castrenses de dois Estados Democrticos de Direito tm uma componenteideolgica, o republicanismo laico e o sionismo, respectivamente, que parece distingui-lasde outras instituies homlogas dos outros Estados Democrticos de Direito.

    O Estado enfraquecido pelo Islo

    O Estado dos pases do Mdio Oriente foi classificado em funo da existncia deeleies nacionais, da alternncia e da classificao dada pela Freedom House quanto sliberdades e participao poltica. H apenas seis pases com Estado Democrtico, comeleies e com alternncia eleitoral; 14 Estados eleitorais mas no democrticos; e quatroEstados no eleitorais; trs esto em instalao ou desinstalao (Afeganisto, Iraque,Somlia).

    5 Djalili, 1999.6 Cayrac-Blanchard, 1999.

    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente

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    Algumas concluses surgem de chofre. No Mdio Oriente abundam formas deEstado que outras regies do globo no conhecem, ou mal conhecem. o caso dos Estadossem eleies e das Monarquias Tradicionais. Na sequncia de Samuel Huntington,o Presidente Bush Jr. assinalou em Novembro de 2003 que o Mdio Oriente perdeua terceira vaga da democratizao; por isso, quase no encontramos Estados Demo-crticos de Direito.7 Hoje, Estados soberanos sem eleies s existem no Mdio Oriente.A Monarquia Tradicional contempornea a menos especfica da regio; existir tambmna Tailndia e talvez no Japo; mas a sua grande concentrao no Mdio Oriente.8

    Sem eleies, o Estado fraco. Com eleies e sem alternncia eleitoral, o Estadocontinua a ser fraco. Por isso, no Mdio Oriente, sem eleies ou com eleies e semalternncia, o Estado fraco.

    Anotemos que, onde falamos do Mdio Oriente, talvez devssemos falar de mundorabe: os Estados no eleitorais so todos rabes; nenhum Estado rabe tem alternncia;nenhum Livre, de acordo com a Freedom House; as Monarquias tradicionais so umfenmeno rabe; todos os pases rabes so teocrticos, com a excepo do Lbano.Contudo, h pases rabes os do Magreb que transitam para formas onde pensvela separao da Igreja e do Estado.

    Aquela fraqueza no indiferente do ponto de vista internacional. Com efeito, notringulo institucional o Estado que assume, cumpre e faz cumprir, tanto no planonacional como no internacional, os compromissos relativos a fronteiras, guerra e paz.Como no h Estado-instituio forte ningum, num dado pas, pode executar compro-missos pois ningum pode responder de modo duradouro pelos compromissos assu-midos, incluindo os internacionais; por isso duvidoso que algum possa assumi-los.

    Assim, as formas de Estado do Mdio Oriente so uma fronteira social invisvel quesepara do resto do mundo cada pas e cada Estado-instituio.

    O posicionamento de cada um dos Estados do Mdio Oriente na grelha derivada daaplicao dos critrios expostos apresentado na tabela abaixo Variveis do Estado noMdio Oriente, Segundo a Classificao das Organizaes Polticas. Importa referir a instabi-lidade das formas da organizao poltica naquela rea, que medimos pelas mudanas naforma da instituio Estado e das suas relaes com as outras instituies triangulares.So pouco numerosos e perifricos os Estados Democrticos de Direito.

    7 Bush, 2003.8 Comemos a estudar esta forma de Estado em Matos, no prelo.

    Lus Salgado de Matos

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    A diversidade dos percursos dos pases do Mdio Oriente

    Quando lanamos um olhar mais longo, vemos que os pases do Mdio Orienteseguem caminhos polticos no s diversos mas tambm divergentes. Para referirmosapenas os Estados islmicos constatamos que uns procuram a integrao na UnioEuropeia, como a Turquia, seguindo o caminho da separao e da democracia; outrosparecem querer uma adaptao lenta e gradual ao Estado de Direito Democrtico, comoMarrocos, o Egipto ou o Om; outros ainda seguem o caminho oposto da islamizao,recusando o Estado da separao de poderes: o caso do Iro, do Sudo e, com menosintensidade, do Paquisto, desde o fim do Presidente Bhutto ao comeo do PresidentePervez Musharraf; outros ainda importam alguns elementos de adaptao estatal, entreos quais as eleies, sem parecerem ter o objectivo de construrem Estados Democrticosde Direito, como a Arbia Saudita eleies apenas locais mas eleies e os mini-Estadosdo Golfo Prsico. A grande variedade contempornea de formas de organizao polticarevela uma indefinio estratgica desta rea.

    Com efeito, a esttica comparada revela ainda melhor a divergncia de caminhospolticos do Mdio Oriente. Sumariemos a variao das formas do Estado desde meadosdo sculo XIX, quando o Imprio Otomano comeou a querer adoptar as instituiesestatais europeias e americanas, adaptando-as. Bernard Lewis salienta que no sculo XIX,no apogeu da Revoluo Industrial, a eficincia do Ocidente para gerar poder e riquezaera visvel em todo o mundo. Nesta poca, as instituies polticas europeias foramconsideradas a chave desse xito e comearam a ser imitadas no Japo da RevoluoMeidji, e no Imprio Russo. O mesmo ocorreu no Mdio Oriente com os Otomanos.9

    Alguns pases sucessores do Imprio Otomano seguiram o percurso seguinte: man-dato/protectorado > independncia > nacionalismo > adaptao a um regime eleitoralsemicompetitivo (Egipto, Arglia, Tunsia, etc.). Este percurso no incompatvel com aadopo do modelo da democracia representativa.

    Mas nenhum sucessor do Imprio Otomano gerou uma teocracia forte. Em simetria, interessante registar que estavam na periferia do Imprio as teocracias fortes, o Iro, aArbia Saudita, o Sudo. A excluso pode ser casual e irrelevante em termos de formascontemporneas de organizao poltica, mas talvez devesse ser aprofundada, medianteo estudo dos casos da Lbia e dos pases do Golfo que estavam tambm nessa periferia egeraram teocracias menos fortes.

    9 Lewis, 1994.

    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente

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    de registar que o Sudo, logo no sculo XIX, rejeita a adaptao ocidentalizante ecom o Mahdi conhece o primeiro Estado islamista contemporneo.

    As monarquias tradicionais seguem um percurso mais ou menos adaptativo.Registemos ainda que alguns pases seguem sempre a mesma linha a Turquia e, no

    plo oposto, a Arbia Saudita ao passo que outros, alis a maioria, fazem inflexes cujalgica nem sempre parece evidente. Outros inflectem do nacionalismo para o islamismo:Iro, Sudo.

    Sempre num registo de longo prazo, assinalemos que o Paquisto e o Afeganistotinham vindo do Imprio Moghul e passado pelo Britnico.

    Esta anlise das variaes das formas de organizao poltica num perodo longopermite chegar a outras concluses. frequente a afirmao que o nacionalismo no MdioOriente resulta do fracasso do constitucionalismo e que o Islamismo nasce da derrota donacionalismo. No comentaremos nesta sede a primeira afirmao. A segunda afirmao,porm, falaciosa. Com efeito, s o Iro e em certa medida o Sudo passaram donacionalismo para o islamismo. O Afeganisto nunca passou pelo nacionalismo e teve osTalibans. O nacionalismo iraniano foi derrotado pelo X, pouco ou nada nacionalista. Onacionalismo sudans era imitativo do egpcio e execrava-o. Os restantes nacionalismostentaram e tentam adaptar-se, aproximando-se do Estado Democrtico de Direito ou, pelomenos, do Estado Separado da Igreja. o caso da Tunsia, da Arglia, do Egipto, doImen. O Iraque at invaso americana-aliada, e a Sria ainda seguiram esse caminhonum registo mais autocrtico. Contudo, nenhum deles tinha conseguido libertar-se daTeocracia e por isso o seu registo precrio. Aqueles pases conheceram todos ameaasislamistas, no incio do sculo XXI e cada um respondeu a seu modo; vrios aumentaramas transigncias feitas Mesquita. No Islo sunnita, parece que o fundamentalismo surgee vence quando o Produto Interno Bruto (PIB) e as exportaes no petrolferas porhabitante so baixas e a fertilidade alta (Afeganisto, Sudo); o fundamentalismo surgee perde quando ainda h uma youth bulge, as exportaes no petrolferas per capita sobaixas e as receitas externas so elevadas ou esto em crescimento ainda que a taxa defertilidade actual diminua (Marrocos, Arglia, Tunsia, Egipto). As causas do islamismoso por isso mais complexas do que o simples fracasso do nacionalismo.10 A tabelaseguinte sumaria estes resultados.

    10 Sobre as variaes da poltica no Mdio Oriente numa perspectiva de longo prazo, ver Kedourie, 1992,salientando as revolues, Reis, 2005.

    Lus Salgado de Matos

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    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente

  • 18

    As formas da organizao poltica e as variveis scio-econmicas

    At agora, classificmos os pases em funo exclusiva de variveis institucionais ouda genealogia da sua organizao poltica. De seguida, examinaremos indicadores daordem reprodutora, relativos a variveis econmicas e demogrficas. Classifiquemosento os pases do Mdio Oriente de acordo com um certo nmero de variveisscio-econmicas: PIB por habitante em paridades de poder de compra; fertilidade,corrupo; exportaes no-petrolferas por habitante; pertena Organizao Mundialdo Comrcio. Veremos depois como se posicionam aquelas diferentes formas de Estadoperante estas variveis. As exportaes no petrolferas so uma estimativa grosseira masque, apesar disso, nos parecem, no geral, verosmeis.

    Os pases do Mdio Oriente esto em cima da mdia mundial do PIB por habitante,tm taxas de fertilidade e de corrupo bastante inferiores mdia mundial ainda queabaixo da mdia europeia. Onde os valores do Mdio Oriente claudicam, nas expor-taes no petrolferas por habitante: so inferiores a metade da mdia mundial. Assim,e apenas para dar alguns exemplos, sujeitos cauo da incerteza estatstica, as expor-taes no petrolferas por habitante de Marrocos so 12 vezes menores do que asportuguesas; as da Arglia 86 vezes menores; as da Tunsia quatro vezes; as da Lbia 15.Estes valores revelam que uma fronteira proteccionista invisvel isola a generalidade dospases da regio face economia mundial e globalizao. Este valor revela ainda umgigantesco subemprego ou desemprego da mo-de-obra nestes pases. Onze deles nointegram a Organizao Mundial do Comrcio, o que lhes permite recorrer aos meios deproteccionismo tradicionais e visveis. Nenhuma organizao econmica rene os pasesdo Mdio Oriente o que por certo causa e efeito da baixa solidariedade econmica entreeles.

    Os valores exactos constam da tabela abaixo. Consultando-o, o leitor verificar queso grandes as variaes em relao mdia em todos os indicadores.

    Examinemos de seguida a variao daquela classificao perante indicadoresscio-econmicos.

    Hierarquizados segundo o PIB por habitante, o Estado no eleitoral Teocrtico forte o primeiro, devido s monarquias petrolferas que produzem muito petrleo porhabitante; seguido pelo Estado Democrtico de Direito. No plo oposto, est o EstadoDemocrtico com Teocracia Forte e Militar (Paquisto). interessante registar que oEstado Eleitoral Separado da Igreja o segundo grupo mais pobre o que, alis, contrariaa teoria da modernizao. Se hierarquizarmos de acordo com a participao por habitante

    Lus Salgado de Matos

  • 19

    no comrcio mundial, o Paquisto continua a ser o ltimo mas a Teocracia forte descepara o quarto lugar (demos os valores da Arbia Saudita). O primeiro o EstadoDemocrtico de Direito, seguido pelo Estado Eleitoral com Teocracia Mdia (incluindo oBahrein) e pelo Estado Eleitoral com Teocracia Suave (Marrocos).

    O indicador da fertilidade bastante revelador. Os Estados em instalao oudesinstalao so os mais frteis; segue-se-lhes o Estado Eleitoral Separado da Igreja(Lbano), o Estado Eleitoral com Teocracia Suave Militar (Arglia), o Estado no eleitoralTeocrtico forte (Arbia Saudita) e o Estado Democrtico com Teocracia Forte e Militar(Paquisto). Com excepo da Arbia Saudita, so os Estados onde tem havido maisconflitualidade. O Estado Democrtico de Direito o penltimo. Parece assim haveralguma relao positiva entre o crescimento da fertilidade e a conflitualidade poltica nareligio.

    A fertilidade uma questo polmica na anlise do Mdio Oriente. Samuel Huntingtonsublinhou, no Choque das Civilizaes, o papel da bolha da juventude (youth bulge), quedesequilibraria as organizaes sociais islmicas.11 Emmanuel Todd, o antrpologo edemgrafo francs salientou, em obra recente, que o mundo muulmano iniciara atransio demogrfica e, ao mesmo tempo, comeara a alfabetizar-se; assim, estariaa entrar na modernidade, embora houvesse disparidades regionais.12 Esta aplicaomecnica da teoria da modernizao baixa da natalidade implica baixa da religiosidade discutvel; seja como for, os dados mostram uma correlao forte entre a taxa defecundidade alta e a desorganizao poltica contempornea, seja qual for a evoluofutura do Islo.

    O indicador da corrupo tambm revelador. Neste indicador, o mximo est nosEstados em instalao ou em Desinstalao e o mnimo nos Democrticos de Direito. Acapacidade de transio para a separao entre o Estado e a Igreja (medida grosseira-mente) parece adequar-se variao da corrupo: a corrupo dificulta a separao. Osdados constam da tabela seguinte.

    11 Huntington, 1998, 116-119.12 Todd; Courbage, 2007.

    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente

  • 20

    Tabela 2Variveis do Estado no Mdio Oriente segundo a Classificao das Organizaes Polticas

    Classificao dasPases

    PIB Fertilidade Corrupo Exportaes

    Organizaes Polticas

    per capita sem petrleoN de vezes superior (maior que Dlares

    a unidade) / inferior mdia mundial per capitaEstado Democrtico com Paquisto 0,2 1,4 1,7 103,2Teocracia Forte e Militar Bangladesh 0,2 1,2 2 74,2Estado Democrtico de Direito Chipre 2,2 0,7 0,7 1699,5

    Israel 2,5 0,9 0,6 6804,4Turquia 0,8 0,7 1 1291,3

    Estado Democrtico Iro 0,8 0,7 1,6 203,9Super TeocrticoEstado Eleitoral com Barein 2,3 1 0,8 6604,8Teocracia Mdia Jordnia 0,5 1 0,8 859,7

    Kuwait 1,9 1,1 0,9 1170,2Estado Eleitoral com Sria 0,4 1,3 1,7 502,9Teocracia Mdia e Militar Egipto 0,4 1,1 1,4 243Estado Eleitoral com Marrocos 0,4 1 1,1 337,4Teocracia Suave Om 1,3 2,2 0,8 6614,9

    Tunsia 0,8 0,7 0,9 1120,1Estado Eleitoral com Arglia 0,7 0,7 1,3 48,4Teocracia Suave Militar Imen 0,1 2,5 1,6 327,7Estado Eleitoral Separado Lbano 0,6 0,7 1,3 711,2da Igreja Mali 0,1 2,8 1,5 26,9Estado Eleitoral Separado Eritreia 0,1 1,9 1,4 3,3da Igreja MilitarEstado no eleitoral Arbia Saudita 1,3 1,5 1,2 752,9Teocrtico forte Emiratos

    rabes Unidos 4,4 0,9 0,7 17636,1Qatar 2,8 1,1 0,7 5021,3Sudo 0,2 1,8 2,2 42,1

    Estado no eleitoral Teocrtico Lbia 1,2 1,2 1,6 278,8suave MilitarEm instalao Afeganisto 0,1 2,6 2,2 14,8ou em desinstalao Iraque 0,3 1,6 2,6 1033,1

    Somlia 0,1 2,6 2,8 26,4Mdia aritmtica 1 1,4 1,4 1873,9Mdia mundial 9900 2,6 4 1457,7

    Fontes

    Corrupo: http://www.transparency.org/ Pertena Organizao Mundial do Comrcio: http://www.wto.org/ Restantes: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/index.htmlNotas

    Pases cujo nome est em itlico no integram a Organizao Mundial do Comrcio; PIB per capita: paridade de poder de compra (PPC), em dlares americanos, dados de 2004 e 2005 em geral; Exportaes per capita sem petrleo, em dlares, dados de 2006: considermos que o petrleo era 20% das exportaes

    mundiais; um valor aproximado. 123: o critrio subestima as exportaes petrolferas do pas em causa.

    Lus Salgado de Matos

  • 21

    A Fragilidade da Organizao Poltica do Mdio Oriente

    Vimos atrs a fraqueza do Estado do Mdio Oriente dentro do tringulo institucional,em particular face Igreja. Um Estado, porm, pode ser fraco mas resistente e estvel.Passamos a estudar estas ltimas dimenses que designamos por fragilidade.

    Convir que relembremos os dois sentidos, acima referidos, da palavra Estado:o Estado-instituio e a organizao poltica. Um dado Estado-instituio pode serfraco e a organizao poltica a que pertence ser forte: o Estado-instituio da 1 Rep-blica portuguesa era fraco e Portugal em 1910-1926 era uma organizao poltica forte.

    Comearemos o breve exame pela anlise da fragilidade das organizaes polticasdo Mdio Oriente.

    Quantas vezes no lemos discursos como o seguinte: Algures no dirio de Ger-trude Bell, corajosa arqueloga inglesa e administradora colonial, h uma descriode uma tarde agradvel passada a cavalgar no deserto da Mesopotmia em 1918 ou 1919.Bell faz desenhos na areia com uma bengala. Atrs dela, rapazes rabes espetam osmarcos de futuras fronteiras do que viriam a ser os Estados do Iraque e da Arbia Saudita.Bell foi uma de muitos construtores de naes, britnicos e franceses, que moldaram aArbia nos anos que se seguiram aos acordos de Sykes-Picot de 191613. Parece que asfronteiras dos pases rabes dependeram da fantasia duma arqueloga idiossincrtica oude jovens que esto atrs dela. Fantasias culpabilizantes deste tipo e revelando alguminvoluntrio paternalismo em relao aos rabes esquecem que essas novas naesseguiram as fronteiras do Imprio Otomano as quais, para l da sua prpria realidade,respeitavam em geral fronteiras mais antigas, assentes em fluxos econmicos e simb-licos. , alis, o caso do Iraque.

    Boa parte dos discursos sobre a fragilidade do Estado do Mdio Oriente, como o queacabmos de ler, est na verdade referida organizao poltica e no ao Estado-instituio.O discurso rabe refere a unidade da nao rabe; o discurso islmico, em particular oislamista, refere a unidade poltica do Islo. O primeiro considera o Estado estrangeiro e osegundo julga-o infiel. Na realidade, o Estado aqui a organizao poltica; e esta anteriorao Islo, o qual s por um breve perodo teve alguma unidade poltica. No caso do arabismo,no h memria de ele ter tido unidade poltica. Talvez o Estado moderno do Mdio Orienteseja fruto do Ocidente o caso duvidoso mas a organizao poltica -lhe de certezaanterior. , pois, provvel que a Organizao poltica do Mdio Oriente seja razoavelmenteforte, apesar do combate que lhe dado pelo islamismo e pelo arabismo.

    13 Raban, 2002.

    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente

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    Temos o sentimento difuso, e no demonstrado, que a organizao poltica do Estado--Nao do Mdio Oriente fraca. Para averiguarmos esse sentimento deveramos pro-ceder a uma pesquisa metdica. Propusemos noutra sede um modelo de anlise da forada organizao poltica, cuja aplicao, por razes de espao, impossvel nesta sede.14

    Podemos, porm, interrogarmo-nos se essa fraqueza est no Estado-instituio ou nasForas Armadas. J vimos que a Igreja forte e por isso no vir dela essa fraqueza.Examinemos ento, sempre com brevidade mas com um pouco mais de mtodo, a fragilida-de do Estado-instituio no Mdio Oriente. Usaremos trs variveis: a estabilidade externa medida pelas despesas militares; quanto mais elevadas elas so, menos estabilidade h; aestabilidade interna medida pelas despesas no militares do Estado: quanto mais o Estado seaproxima do Welfare State, mais estvel ; e aproxima-se tanto mais quanto maior a percen-tagem do PIB por ele gasta; por fim, o grau de violncia nas mudanas no Estado-instituio.

    Apliquemos ento aqueles trs indicadores. Comecemos pelo conjunto do MdioOriente; depois veremos consoante os tipos de Estado. O indicador das despesas mili-tares muito significativo: os Estados do Mdio Oriente gastam nas Foras Armadas osptuplo da mdia mundial. A mdia mundial cerca de 2% do PIB, os Estados da regiogastam mais de 14% isto , sete vezes mais, em proporo. Este nvel de despesas implicauma dada escala de prioridades. As despesas militares so superiores mdia mundial emtodas as formas de organizao poltica do Mdio Oriente. O conflito com Israel parece sexplicar uma parte do fenmeno: h pases afastados de Israel que gastam mais com aguerra do que outros da linha da frente: o caso de Marrocos, Arglia, Tunsia e Imen.

    O segundo indicador, as despesas no militares do Estado, tambm informativo.Estas despesas so em mdia inferiores a 30% do PIB. Poucos Estados, e de escassapopulao, ultrapassam este limiar. Ora, difcil haver um Estado social sem que asdespesas estatais sejam superiores a 40% do PIB. Anotemos que Samuel Huntington jassinalara o peso excepcional da quantidade de soldados islmicos no total mundial e ograu de militarizao das sociedades islmicas caracterizao que nos parece errada; apresente anlise adopta outro ngulo.15

    A ocorrncia de roturas da normalidade institucional do Estado-instituio oterceiro critrio. Os resultados da sua aplicao so impressionantes: desde 1970 aopresente, um nico Estado, os Emirados rabes Unidos, escapou a essas ocorrncias.

    Assim, a organizao poltica do Mdio Oriente frgil: gasta muito em armas porquese sente ameaada; esta despesa, aliada pobreza de muitos, impede-a de ser um Estado

    14 2005, 103-138.15 Huntington, Choque das Civilizaes, pp. 88, 258.

    Lus Salgado de Matos

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    social (a corrupo tambm no ajuda a dimenso social) e a instabilidade no corao doEstado grave e endmica.

    Estes dados esto sumariados na tabela seguinte.

    Tabela 3Fragilidade da Organizao Poltica do Mdio Oriente

    DespesasDespesas Quebras de normalidade no Estado

    Formas de Estado Pasesmilitares

    no militares 1970- 1980- 1990- 2000-(% do PIB) -1979 -1989 -1999 -2007

    Estado Democrtico com Bangladesh 6,8 13,6 * * * *Teocracia Forte e Militar Paquisto 8,2 16,4 * * *Estado Democrtico Chipre 25,5 50,9 * *de Direito Israel 16,4 32,9 * * *

    Turquia 12,6 25,2 * * * *Estado Democrtico Iro 19,7 39,5 * *Super TeocrticoEstado Eleitoral com Barein 15,2 30,5 * * * *Teocracia Mdia Jordnia 15,1 30,1 * * * *

    Kuwait 19,6 39,1 * * * *Estado Eleitoral com Egipto 14,8 29,6 * * * *Teocracia Mdia e Militar Sria 10,5 21,0 * * *Estado Eleitoral com Marrocos 14,1 28,1 * *Teocracia Suave Om 18,2 36,5 *

    Tunsia 12,8 25,5 * * *Estado Eleitoral com Arglia 12,9 25,9 * *Teocracia Suave Militar Imen 15,6 31,2 * * * *Estado Eleitoral Separado Lbano 15,8 31,6 * * * *da Igreja Mali 6,0 12,1 *Estado Eleitoral Separado Eritreia 16,4 32,8 * *da Igreja MilitarEstado no eleitoral Arbia

    Saudita 11,8 23,6 * *Teocrtico forte Emiratos

    . Unidos 11,9 23,8Qatar 14,9 29,8 * *Sudo 10,3 20,6 * *

    Estado no eleitoral Lbia 14,2 28,4 * * *Teocrtico suave MilitarEm instalao/ Afeganisto 2,4 4,8 * * */desinstalao Iraque 15,0 30,0 * *

    Somlia -0,5 -0,9 * * *Mdiaaritmtica 14,1 28,3

    Fontes: The World Factbook, CIA, 2007; arquivos pessoais para Quebras de normalidade.Notas: Despesas militares: nmero de vezes que so superiores/inferiores mdia mundial; Despesas no militares: Despesasestatais em % do PIB menos Despesas militares.

    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente

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    No fundo, o Estado-instituio do Mdio Oriente fraco porque fraca a suaeconomia produtiva: ela depende do preo mundial do petrleo. O trabalho assalariado pouco. Ora, a produo que fornece a primeira disciplina do Estado. A polcia vemmuito depois da fbrica, do escritrio, da repartio pblica, da unidade de produoagrcola. No Mdio Oriente, porm, h pouco trabalho produtivo e por isso poucadisciplina estatal. Naquela regio, o trabalhador desempregado passa o dia na mesquita,onde por certo reza, na parte igreja; na parte centro social, conversa, intriga, em certoscasos ouve propaganda islamista e noutros, mais frequentes, ouve propaganda milenarista.Este tipo de relaes sociais uma causa e uma consequncia da autarcia e do sentimentode alienao. A escassez de trabalho produtivo significa que o indivduo no enqua-drado pelo corpo intermdio empresa; o fraco Estado social, quando existe, suprido pelamesquita; o desempregado oscila entre receber o subsdio do Estado mais vultosoquando o petrleo est mais caro , estar em casa s ordens da me e ir para a mesquitafazer intrigas e namorar ou fazer um motim, mais raramente. Assim se passa o tempona maior parte do Mdio Oriente.

    Concluses

    A fragilidade da organizao poltica do Mdio Oriente simbolizada pela ruarabe. A rua rabe a fragilidade do Estado-instituio; a manifestao inesperadae violenta que percorre as artrias da capital e substitui uma forma de Estado por outra.Esta substituio s possvel porque o Estado-instituio frgil. Uma das causas destafragilidade o seu dbil entrosamento com a ordem povo. O desemprego endmico. Amaior parte da populao activa est no desemprego. As mulheres esto em casa, ondemandam como imperatrizes. Nesta economia de escassez, nesta sociedade de soma nula,excepto se os preos do petrleo subirem por razes desconhecidas, se as mulheres foremtrabalhar, o desemprego dos homens aumenta. Da a necessidade de excluso dasmulheres.

    Por isso, no Mdio Oriente, a riqueza individual ou o nvel da segurana social nodepende da produtividade individual mas sim de um facto exgeno aco dos seushabitantes: o nvel de cotaes do petrleo bruto, donde um sentimento de perptuaalienao e de inferioridade perante o resto do mundo.

    As organizaes polticas do Mdio Oriente so fracas porque o seu Estado fraco.No sentido de Estado-instituio com autonomia axiolgica, no existe Estado no Mdio

    Lus Salgado de Matos

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    Oriente, excepto nos Estados Democrticos de Direito.16 O Estado fraco perante a Igreja,que o domina axiologicamente e tantas vezes do ponto de vista factual. Nos Estados doMdio Oriente Vasto, o Estado-instituio dbil mesmo quando forte a Nao (o pas,a organizao poltica).

    As tentativas de reforma do Estado-instituio tm fracassado, nos anos recentes; hdois ou trs anos, os islamistas comearam a reivindicar mais liberdade e os reformadoresno sabem se devem aliar-se a eles nesta luta ou se devem procurar liberalizar o podertradicional.17

    Aquelas tentativas tambm falharam no campo do desenvolvimento econmico esocial. O Mdio Oriente perdeu no s a terceira vaga da democratizao mas perdeutambm a vaga do desenvolvimento dos anos 1990, aproveitada pela Amrica Latina epela sia; em termos de PIB per capita, e retirado o petrleo, est por certo mais prximoda frica do que da Amrica Latina. O Arab Development Report, de 2002, escrito pordestacados cientistas sociais rabes, destacou o atraso dos pases rabes, em particular nodomnio da produo cientfica, devido ao isolamento internacional, ao estatuto da

    A rua rabe no nasceu ontem. Herg, em O Pas do Ouro Negro, descreve-a numa movimentoespontneo de resposta a um acidente de trnsito provocado pelos Dupond e Dupont. Mas, nessetempo a edio original de 1937-38 , a rua rabe era risonha e franca: apoiava os polcias eaplicava a lei, pondo os infractores na priso; depois, passou a meter os polcias na priso e acausar acidentes de trnsito.

    16 Ver tabela 3.17 Rubin, 2007.

    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente

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    mulher e falta de reforma poltica.18 Vista a questo do outro lado, perder a vaga dodesenvolvimento significa que se ops, que resiste, que uma grande ilha de resistncia globalizao, da qual alis aproveita pela venda de hidrocarbonetos. Parece, porm,claro que o Mdio Oriente est dividido: parte dele quer modernizar, parte no quer. Noentanto, as respostas novas so piores do que as antigas, pois as respostas novas so umarecusa da liberdade e do Estado Democrtico de Direito.

    A principal prioridade para a paz no Mdio Oriente deve, pois, ser o fortalecimentodo Estado-instituio ou outra forma poltica equivalente (tipos de domnio territorialsobre as pessoas numa base no religiosa). Sem Estado forte, no h enriquecimentoindividual, nem modernizao, nem fora nem nenhuma instituio que responda pelamanuteno das condies de paz.

    Fortalecer a democracia representativa no Mdio Oriente bom com uma condio:no enfraquecer o Estado-instituio, porque no h democracia representativa semEstado-instituio e porque sem Estado responsvel no h ordem interna nem interna-cional.

    O Estado dos pases do Mdio Oriente , em geral, fraco porque a economia fraca.S uma participao significativa no comrcio internacional de produtos no petrolferospermitir queles pases obterem a estrutura empresarial que no s cria riqueza mastambm enquadra os cidados estrutura empresarial que a base na qual assenta oEstado-instituio. Essa estrutura empresarial cria tambm a base da tributao que anica forma de evitar o Estado rendeiro, sempre submetido aos leas violentos domercado internacional de matrias-primas.

    A democratizao tem custos de transio que nem sempre so considerados e porisso as campanhas voluntaristas para a fazerem prevalecer descontam muito barato orisco futuro. Se a democratizao enfraquece o Estado, deve ser rejeitada no MdioOriente. Os Estados do Mdio Oriente devem ser confrontados com uma questo simples:querem o desenvolvimento econmico? Conseguem-no sem separarem a Igreja e oEstado?

    A ltima concluso a seguinte: os Estados do Mdio Oriente, com excepo dosEstados Democrticos de Direito, praticam todos uma poltica do smbolo e rejeitam apoltica dos interesses. As polticas do smbolo e dos interesses so a generalizao de umconceito de Richard Hofstadter a partir da temtica weberiana; haveria dois tipos depoltica: a poltica dos interesses, quando em fase de depresso econmica, os perdedores

    18 Crossette, 2002.

    Lus Salgado de Matos

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    se juntam para fazerem valer os seus interesses, negociando com o vencedores; a polticado estatuto quando, em tempo de expanso econmica, os perdedores se baseiam no seuestatuto social para encontrarem um bode expiatrio que usam para persuadirem osvencedores a pagar-lhes o que querem.19

    A poltica do smbolo herda da poltica do estatuto: consiste em afirmar a identidade dogrupo e em propor o seu reforo; a poltica dos interesses consiste em desenvolver obem-estar dos membros do grupo, promovendo os compromissos necessrios. A poltica dosmbolo concretiza-se em particular na animadverso a Israel, prevalecente na regio; parailustrar esta afirmao, citemos uma sondagem Pew que mostra que na Turquia, Marrocos,Paquisto, Lbano e Jordnia, entre 74% e 100% dos entrevistados consideram os judeusinjustos (unfair); na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, essa percentagem varia entreo mnimo de 6% no Reino Unido e o mximo de 21% na Alemanha.20 Os sentimentosanti-judaicos no Mdio Oriente diferentes de uma legtima conflitualidade negocial comIsrael impedem uma poltica de interesses pois so a recusa do compromisso.

    Com efeito, os interesses so divisveis, negociveis e por isso susceptveis decompromisso. Os smbolos so indivisveis e por isso insusceptveis de compromisso, poisningum, pessoa ou grupo, pode vender ou trocar a sua identidade. Por isso, a polticados smbolos conduz ao reforo das despesas com as Foras Armadas, vistas comoinstrumento do triunfar do bem, sob o comando da Igreja, e recusa quer do Estado querda segurana. O Estado, que trata dos interesses, admite compromissos.

    Fontes

    As tabelas tm em nota as suas prprias fontes. As fontes seguintes so apenas as dopresente texto.

    Pginas na Internet

    The World Factbook, da Central Intelligence Agency, em: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/index.html

    United Nations Development Programme Programme on Governance in the Arab in RegionUNDP-POGAR em http://www.pogar.org/

    19 Hofstadter, 1955 citado por Tanenhaus, 2006.20 Support for Terror, 2005.

    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente

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    Sondagens de Opinio

    Support for Terror Wanes Among Muslim Publics Islamic Extremism: Common Concern forMuslim and Western Publics 17-Nation Pew Global Attitudes Survey (2005), Julho.

    Declaraes

    BUSH Jr., George (2003), Presidente dos Estados Unidos, Declarao, Novembro,http://www.whitehouse.gov/news/releases/2003/11/20031106-11.html

    Livros Gerais

    HERG (s.d.), As Melhores Aventuras de Tintim, O Independente, difuso Verbo.

    HOFSTADTER, Richard (1955), The Age of Reform From Bryan to F.D.R., New York:Vintage Books.

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    As Formas da Organizao Poltica e a Estabilidade Estratgica no Mdio Oriente

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    A E u r o p a e o M d i o O r i e n t e :d o F i m d o s I m p r i o sa o s D e s a f i o s C o m u n s

    Ana Santos PintoConsultora no Gabinete do Ministro da Defesa do XVII Governo Constitucional; Assistente de Investigao no IPRI-UNL

    Bernardo Pires de LimaInvestigador no Instituto da Defesa Nacional

    Patricia DaehnhardtProfessora auxiliar na Universidade Lusada; Investigadora no IPRI-UNL

    Resumo

    O Mdio Oriente uma regio de importnciaestratgica central para a Europa. Pela depen-dncia energtica, proximidade geogrfica econstante instabilidade. Pese embora o factode as relaes entre a Europa e o Mdio Orien-te se encontrarem condicionadas pelos inte-resses americanos, os interesses europeus naregio so mltiplos exigindo uma aco con-certada. Este artigo analisa a aco da UnioEuropeia e de duas grandes potncias Gr-Bretanha e a Alemanha no xadrez doMdio Oriente, sobretudo no quadro ps-11de Setembro face a novos desafios estrat-gicos.

    AbstractEurope and the Middle East: from the End ofEmpires to Common Challenges

    Due to its proximity, its permanent instabilityand Europes dependence on foreign energy, theMiddle East is a European vital interest area.Despite the fact that relations with the MiddleEast are conditioned by the American foreign policyEuropes interests in the region are multiple,demanding for a concerted action. This articleanalyses the behaviour both of the European Unionand of two of its major powers Great Britain andGermany in the Middle East cheeseboard, mostlyin post September 11th context, when new strategicchallenges became apparent.

    Outono-Inverno 2008N. 121 - 3. Sriepp. 31-52

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    O Mdio Oriente uma regio de importncia estratgica central para a Europa. assim pela dependncia energtica, pela proximidade geogrfica e pelos constantesconflitos, reais ou latentes, que assolam a regio. Esta instabilidade, numa rea geogra-ficamente to prxima, tem consequncias directas para os Estados europeus, seja aonvel econmico, poltico ou social. Ao nvel econmico porque afecta tanto o forneci-mento de recursos energticos em especial o petrleo como as trocas comerciais, aomesmo tempo que tem determinado a aplicao de elevados financiamentos a projectosde ajuda ao desenvolvimento, cuja prossecuo limitada pela evoluo dos conflitos naregio. Ao nvel poltico porque as relaes entre a Unio Europeia e cada um dosEstados membros de per se e os Estados do Mdio Oriente so condicionadas pelosalinhamentos assumidos no quadro dos conflitos. Finalmente, ao nvel social porque ainstabilidade origina, por um lado, fluxos migratrios importantes do Mdio Oriente paraa Europa e, por outro, crescentes divises na opinio pblica europeia face ao alinha-mento poltico a adoptar.

    Acresce que as relaes entre a Europa e o Mdio Oriente so ainda determindas poruma forte dimenso transatlntica j que, aps o final da Segunda Guerra Mundial e emparticular aps a crise do Suez (1956), os Estados Unidos se tm vindo a afirmar como apotncia de maior influncia na regio. De uma forma geral, as sucessivas administraesamericanas tm procurado garantir a segurana de Israel e dos Estados rabes consideradosmoderados como o Egipto e a Jordnia e com isto o acesso s principais rotas depetrleo e gs. Por seu lado, a Europa tem dado, na maioria das situaes, apoio poltico sposies americanas, ao mesmo tempo que mantm canais de comunicao abertos comEstados e governos mais problemticos, como a Sria, o Lbano e o Iro. O comportamentoda Gr-Bretanha e da Alemanha, assim como da prpria Unio Europeia, disto exemplo.

    A Unio Europeia e o Mdio OrienteAna Santos Pinto

    Se durante os ltimos anos um extraterrestre observasse o Mdio Oriente apartir de um planeta distante, provavelmente chegaria concluso que o poderexterno mais influente na regio a Unio Europeia (UE)1. Avi Primor, antigo

    A Europa e o Mdio Oriente: do Fim dos Imprios aos Desafios Comuns

    1 Avi Primor, The European Union and the Middle East Mutual Indispensability. Palestine-Israel Journalof Politics, Economics and Culture, East Jerusalem. ISSN 0793-1395. Vol. 11, n. 2, 2004, p. 18.

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    Ana Santos Pinto, Bernardo Pires de Lima e Patricia Daehnhardt

    embaixador de Israel junto da Unio Europeia, constata desta forma, algo irnica, arecorrente presena europeia no Mdio Oriente, uma observao que pode sercomprovada atravs das inmeras visitas de Chefes de Estado e de Governo euro-peus regio, das representaes quer de Estados membros, quer da ComissoEuropeia nos diversos pases do Mdio Oriente e do constante envolvimento daUnio Europeia nas iniciativas relacionadas com o processo de paz israelo-palestiniano.Mas, apesar de todas as iniciativas, a Unio Europeia est longe de ser o principalactor externo na regio.

    Desde logo, porque a concretizao de uma aco externa europeia no MdioOriente coloca uma srie de questes complexas, j que envolve a percepo dosEstados membros em particular a Gr-Bretanha, a Frana e a Alemanha face amatrias de herana histrica que dotam a discusso de grande sensibilidade pol-tica.

    Do ponto de vista histrico, podemos considerar que existem trs fases distintas nahistria do Mdio Oriente ao longo do sculo XX.2 A primeira, aps o final da PrimeiraGuerra Mundial e da queda do Imprio Otomano. Esta poca dominada pelo imperia-lismo europeu que deu origem ao actual sistema de Estados na regio. A segunda fase,coincide com o perodo da Guerra Fria em que o poder dos Estados Unidos da Amricana regio aumentou consideravelmente, ao mesmo tempo que a Gr-Bretanha e a Franaassistem ao decrscimo do seu poder colonial. A terceira etapa, surge com o final daGuerra Fria, no incio da dcada de noventa, em que os Estados Unidos afirmam, deforma clara, o seu poder na regio (e no mundo) ao mesmo tempo que a Unio Europeiaprocura assumir um papel no sistema internacional.

    Desta evoluo resulta que as relaes entre a Unio Europeia e o Mdio Orienteso tambm determinadas por uma vertente transatlntica e, consequentemente, porum debate sobre a competio ou complementaridade de papis entre os EstadosUnidos e a Europa. Se uns defendem que o facto de a Unio Europeia desempenharum papel mais activo no Mdio Oriente levar a um conflito com os Estados Unidos,outros consideram que esta uma zona estratgica para as polticas externas ameri-cana e europeia, pelo que os alinhamentos regionais adquirem uma importnciaacrescida e no excluem uma perspectiva da complementaridade. Neste sentido, osesforos de promoo do processo de paz e estabilizao na regio tm demonstrado

    2 Rosemary Hollis, Europe and the Middle East: Power by Stealth?, International Affairs, vol. 73, n. 1, 1997,pp. 15-29.

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    A Europa e o Mdio Oriente: do Fim dos Imprios aos Desafios Comuns

    resultados mais significativos quando europeus e americanos agem de forma concer-tada, sendo a aco do designado Quarteto formado pelos Estados Unidos, Fede-rao Russa, Unio Europeia e Organizao das Naes Unidas o mais recenteexemplo.

    O Processo de Integrao Europeia e o Conflito Israelo-palestiniano

    A ateno europeia dada s questes do Mdio Oriente e, em particular, ao conflitoisraelo-rabe, constitui uma das iniciativas mais longas e constantes da poltica externaeuropeia, que remonta s suas origens. A criao da Cooperao Poltica Europeia (CPE)permitiu aos Estados membros a discusso de questes importantes em matria depoltica externa, num frum sem compromissos formais e com carcter confidencial,possibilitando a apresentao dos diversos pontos de vista. Desde o incio do processode cooperao poltica que as questes relativas ao Mdio Oriente estiveram no centroda agenda. Como resultado, surgiram uma srie de declaraes polticas, entre as quaisse destaca a Declarao de Veneza (1980) a primeira declarao comum sobre estamatria em que o Conselho Europeu define os princpios orientadores da estratgiaeuropeia para a resoluo do conflito.3 O esprito da Declarao de Veneza foi mais longedo que qualquer outro documento aprovado at ento, nomeadamente, as resoluesdo Conselho de Segurana das Naes Unidas, j que os Estados membros encaravamo problema palestiniano como algo distinto do conflito que os opunha a Israel, conside-rando que a questo dos refugiados era apenas uma entre as vrias que exigiamresoluo.

    Alguns anos mais tarde, com a criao da poltica externa e de segurana comum(PESC), em 1993, o Mdio Oriente foi formalmente definido como uma das reas estra-tgicas da aco externa europeia. O incio da PESC foi coincidente com o relanamentodo processo de paz, em Madrid e Oslo, onde os pases europeus demonstraram capaci-dades para promover fruns complementares de dilogo e contacto entre as partes emconflito.

    Ao longo de quase duas dcadas, a Unio Europeia concentrou os seus esforos noapoio criao de um ambiente estratgico que tornasse possvel a paz no Mdio Oriente,

    3 In European Community Venice Declaration on the Middle East, Conselho Europeu de Veneza, 12-13 de Junhode 1980.

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    nomeadamente, atravs do apoio ao estabelecimento institucional da AutoridadePalestiniana, num quadro multilateral e atravs de declaraes polticas.4

    No quadro do apoio poltico e econmico ao processo de paz israelo-palestiniano, aUnio Europeia, em conjunto com os Estados membros de forma individual, so osmaiores doadores de ajuda financeira aos territrios sob administrao da AutoridadePalestiniana, bem como ao processo de paz do Mdio Oriente de forma geral. Este apoioeconmico decorre do apoio poltico ao empenhamento na procura de uma soluo justae vivel para o conflito israelo-palestiniano, demonstrado nas diversas declaraesadoptadas pelo Conselho Europeu.

    Entre 1993 e 1996, a aco externa da UE em relao a este conflito, concentrou-se emcontribuies polticas face implementao dos vrios acordos alcanados, atravs doapoio financeiro Autoridade Palestiniana, da monitorizao de eleies nos territriose da participao em rondas de negociaes multilaterais. Mais tarde, no ConselhoEuropeu de Amesterdo, realizado em Junho de 1997, foi aprovado o European Union Callfor Peace in the Middle East, um documento em que a Unio Europeia formalizava, pelaprimeira vez, a possibilidade de existncia de um Estado palestiniano, lado a lado com oEstado de Israel. Nos anos que se seguiram verificou-se uma escalada de violncia nosterritrios que culminou, em 2000, com a ecloso da segunda intifada palestiniana.

    Aps mais de trs anos de violncia, em Abril de 2003, o Quarteto da diplomaciainternacional apresentou o Road Map para uma paz duradoura entre israelitas epalestinianos. Este documento estabelecia um plano de vrias fases calendarizado em trsanos para alcanar uma soluo para o conflito, alm de prever a criao de um Estadopalestiniano independente e vivel, at 2005. Este plano, redigido sem o envolvimentodirecto de israelitas e palestinianos, no tem revelado grandes sucessos mas permanececomo o principal documento reconhecido pela comunidade internacional como base dasiniciativas diplomticas para resoluo do conflito, tal como foi reiterado na Confernciade Annapolis, em Novembro de 2007.

    Ao analisarmos a cooperao poltica europeia em relao ao conflito israelo--palestiniano ao longo das ltimas dcadas, podemos observar que as posies dosEstados membros da UE se tm desenvolvido no sentido da promoo de percepes einteresses comuns, o que, tendo em conta a complexidade do conflito, o torna num feito

    4 Muriel Assenbourg, From Declarations to implementation: Three dimensions of European policy towardsthe Middle East In, Martin Ortega (ed.), The European Union and the Crisis in the Middle East. ChaillotPaper n. 62, International Institute for Security Studies-European Union (ISS-EU), 2003.

    Ana Santos Pinto, Bernardo Pires de Lima e Patricia Daehnhardt

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    importante. Por outro lado, a Unio Europeia tem-se empenhado no desenvolvimento deesforos para alcanar uma estabilidade regional atravs da procura de solues multila-terais. Neste quadro, tem vindo a desenvolver um aprofundamento das relaes com ospases da bacia Mediterrnica, bem como a promover o desenvolvimento de processosdiplomticos de carcter regional e internacional. disso exemplo o dilogo desenvol-vido no quadro da procura de uma soluo para a questo nuclear iraniana com oempenhamento conjunto da Alemanha, da Frana e do Reino Unido atravs do designadoUE-3 , as iniciativas diplomticas promovidas aquando do conflito no Lbano em 2006 em que os Estados europeus procuraram garantir a espinha dorsal das forasdas Naes Unidas no territrio e, mais recentemente, o desenvolvimento de umaaproximao diplomtica Sria, que no pode deixar de ser analisado no quadro doincio das negociaes de paz entre a Sria e Israel.

    Lbano, Sria e Iro: um Desafio Capacidade Externa na Unio Europeia

    No ano de 2006 eclodiu mais um conflito no Mdio Oriente, mas cujo cenrio j poucotem a ver com o conflito israelo-palestiniano. A acrescer s tradicionais tenses regio-nais, os desenvolvimentos do incio do sculo XXI nomeadamente, a interveno militaramericana no Iraque e o desenvolvimento de um programa nuclear pelo Iro ditaramo aparecimento de novas parcerias e influncias na regio.

    O Lbano um pas cuja histria recente est marcada pela influncia de actoresexternos: primeiro pelo domnio Otomano; depois pela presena francesa; mais tardepela ocupao militar israelita e sria. O clima de instabilidade interna, decorrente de15 anos de guerra civil, em conjunto com um sistema poltico fragilizado pela busca deequilbrios entre os 17 grupos tnico-religiosos que compem a sociedade libanesa,tm vindo a permitir um acrscimo do poder do Hezbollah, conhecido como o brao doIro naquela regio. Por outro lado, a fragilidade do Estado libans tem tambm moti-vado uma constante influncia por parte da vizinha Sria, que v na desestabilizaodo Lbano um importante instrumento de afirmao regional, em particular face auma comunidade internacional nomeadamente os Estados Unidos que tem utilizadoo isolamento do regime de Damasco como forma de presso face a melhorias no sistemapoltico.

    A equao torna-se mais complexa com a escalada do conflito no Iraque, cujo climade violncia , em muito, influenciado pelos interesses dos regimes srio e iraniano para

    A Europa e o Mdio Oriente: do Fim dos Imprios aos Desafios Comuns

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    impedir a estabilizao do pas e demonstrar que qualquer soluo s ser possvel coma colaborao destes dois pases.

    Finalmente, um terceiro elemento a considerar o desenvolvimento do programanuclear iraniano. Os esforos diplomticos da Comunidade Internacional, que tm con-tado com um forte empenho da Unio Europeia quer atravs da troika composta pelaAlemanha, Frana e Reino Unido, quer atravs do Alto Representante para a PolticaExterna, Javier Solana no tem revelado grandes sucessos, sendo mesmo consideradoum fracasso da diplomacia europeia.

    Parte importante da credibilidade da Unio Europeia enquanto actor internacionaljoga-se no Mdio Oriente. O sucesso da estabilizao no Lbano, o aprofundamento dasrelaes com a Sria e a possvel promoo de um processo de paz com Israel, bem comoa conquista de resultados no campo diplomtico face questo iraniana so essenciais afirmao externa da Unio Europeia e ao seu reconhecimento enquanto parceiro credvelna comunidade internacional.

    Os conflitos no Mdio Oriente carecem de solues, pelo que os resultados da acoeuropeia bem como dos outros actores s podem ser avaliados mediante os esforosrealizados face sua resoluo. Isto inclui, por exemplo, a promoo ou facilitao decontactos e negociaes entre as partes em conflito. Nesta perspectiva, a eficcia de umadeterminada aco pode ser observada quando as partes envolvidas encaram um terceiroactor como desejvel, ou pelo menos legtimo. Este ser, certamente, o maior desafio quese coloca poltica externa europeia.

    O Fim dos Imprios e a Permanncia dos InteressesBernardo Pires de Lima

    No ano dos atentados s Torres Gmeas, uma das expresses que mais surpresacausou, especialmente no Ocidente, foi a constante referncia utilizada por Osama binLaden s provocaes dos ltimos oitenta anos. A perplexidade de muitos ocidentaisresidia no facto de o lder da al-Qaeda se ter alongado tanto no tempo e no ter tido, porexemplo, qualquer referncia aos ltimos cinquenta anos, para muitos uma marcatemporal com mais sentido: o Estado de Israel foi criado em 1948 e milhares de palesti-nianos foram expulsos da sua terra ancestral aps a derrota dos exrcitos rabes nesseano e em 1967. Mas Bin Laden e os seus companheiros, seguidores de uma verso radicaldo Islo, a salafiyya, que defende o regresso do Islo mais puro, de raiz rabe, do sculo

    Ana Santos Pinto, Bernardo Pires de Lima e Patricia Daehnhardt

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    VII, no se enganaram; a verdadeira derrota iniciou-se em 1918, com a grande traioa este esprito de pureza ideolgica. Por outras palavras, no foi o Ocidente malvoloque extinguiu o antigo califado e destruiu o Imprio Otomano, foi um reformistaturco, porque secularista, de origem muulmana, que o fez: Kemal Atatrk.

    A primeira diferena ao olharmos para o mapa do Mdio Oriente ps-1918 ainexistncia, obviamente, de zonas russas. Reparemos, por exemplo, no que actual-mente o territrio do Iraque: Mossul, com todas as suas reas produtoras de petrleo,situava-se na zona francesa e apenas uma zona internacional em redor de Jerusalm, almdo porto de Haifa, no era francesa, entretanto cedida Gr-Bretanha pelo acordo quedefinia as respectivas reas de influncia das potncias principais europeias, o Sykes-Picot(1916). Quatro anos depois, seria a Gr-Bretanha, e no os franceses, a obter um mandatopara toda a Palestina, tendo Mossul acabado por passar para os domnios do ImprioBritnico, sendo uma parte importantssima do Iraque aquando da sua independnciaem 1932.

    Por outras palavras, ajudar os rabes em vez de os prejudicar foi um elementoessencial da poltica britnica e, segundo defendem muitos autores, continuou a ser oprincipal objectivo poltico da Gr-Bretanha no Mdio Oriente at ao fiasco do Suez em1956 e o derrube violento e sangrento da monarquia iraquiana em 1958. A revolta rabemarcou o incio de um longo perodo de apoio britnico causa rabe, mesmo que tudose tivesse tornado consideravelmente mais complicado devido a uma outra promessafeita por Londres durante a guerra: a criao de um Estado nacional judaico na Palestina.

    A manuteno do Imprio foi um dos desgnios polticos da Gr-Bretanha aps 1945.O seu enfraquecimento com a guerra e os custos insuportveis que a manuteno detropas no Mdio Oriente e noutros territrios acarretavam, foram as duas maiorespreocupaes para Winston Churchill. Com a crise do Suez, Washington tornou-se nagrande potncia ocidental no Mdio Oriente e o Imprio Britnico jazia, de facto, ao rumoda histria. Esse foi o momento de viragem na predominncia das potncias europeias naregio, sobretudo Frana e Gr-Bretanha, e a ascenso dos EUA enquanto potnciadeterminante na geopoltica da regio.

    Todavia, esta perda de relevncia estratgica no deve negar um facto: a transfor-mao do mapa do Mdio Oriente foi, em grande medida, uma criao britnica.5 Muitas

    5 Ver David Fromkin, A Peace to End All Peace, New York: Owl Books, 2001; Martin Gilbert, WinstonS. Churchill Vol. IV (1916-1922), London: Heinemann, 1975; Christopher Catherwood, Churchills Folly: HowWinston Churchill Created Modern Iraq, New York: Carrol & Graf Publishers, 2004.

    A Europa e o Mdio Oriente: do Fim dos Imprios aos Desafios Comuns

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    das fronteiras do Mdio Oriente para alm do Iraque foram tambm traadas aps apoca de Churchill, nomeadamente por Percy Cox que, antes de se reformar, determinouas fronteiras do sul do Iraque, da Arbia Saudita e do Kuwait, atribuindo grande partedo territrio pretendido por este ltimo pas ao saudita Ibn Saud, que o incorporou noseu vastssimo imprio.

    Sobre o Iro, actualmente o grande desafio estratgico do Ocidente naquela regio, aGr-Bretanha protagonizou um despique aceso em 1951 com o regime de MohammadMosaddeq, tendo os EUA optado por um papel de mediao. Na altura, no se discutiamas intenes nucleares do regime de Teero, antes o seu plano de nacionalizar a indstriapetrolfera, com naturais danos para os interesses britnicos que detinham importantesparticipaes nas companhias. O Presidente norte-americano Harry Truman e o seusecretrio de Estado, Dean Acheson, temiam que um comportamento mais assertivo deLondres face a Teero levasse a um conflito que, em ltimo caso, exacerbasse ossentimentos iranianos contra o Ocidente. Londres acabou por rejeitar uma invasomilitar, mas no se acomodou perante um compromisso proposto por Washington,conseguindo convencer os EUA a apoiar uma estratgia de mudana de regime, queculminaria em 1953 com a sua deposio. Semelhanas com a histria recente? Aparen-temente, sim. Apenas com a inverso de papis entre europeus e norte-americanos,um sinal, tambm ele evidente, do decrscimo de poder europeu em regies tradicional-mente sob o seu domnio geopoltico.6 Mas tal no significa, porm, que os interesseshistricos das principais potncias europeias na regio tenham desaparecido. Pelo con-trrio: so eles que continuam a prevalecer nos comportamentos face aos principaisdesafios. O caso da Gr-Bretanha disso uma evidncia.

    A Gr-Bretanha e o Mdio Oriente aps o 11 de Setembro

    Em Novembro de 2001, Tony Blair identificou os passos que Londres e o Ocidentedeveriam dar para garantir a estabilidade das relaes com o Mdio Oriente aps osacontecimentos de 11 de Setembro de 2001: o processo de paz entre Israel e a Palestina,o cumprimento das obrigaes internacionais do Iraque e um novo relacionamentocom a Sria e o Iro para a resoluo dos problemas regionais.7

    6 Philip H. Gordon, Trading Places: America and Europe in the Middle East, Survival, Vol. 47, N. 2,Summer 2005, pp. 87-100.

    7 Tony Blair, Speech at the Lord Mayors Banquet, 12 November 2001.

    Ana Santos Pinto, Bernardo Pires de Lima e Patricia Daehnhardt

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    Aps o discurso de Bush sobre o eixo do mal (Janeiro 2002), Blair seria obrigado aadoptar um registo mais duro perante alguns destes pases, de forma a coincidir estra-tgica e retoricamente com a Administrao norte-americana. Passou a exigir um cami-nho para a respeitabilidade Sria, Iro e Coreia do Norte, instigando-os a mudaremdramaticamente as suas relaes com o exterior, um tipo de relao nova que oOcidente lhes estava a oferecer. A dureza das observaes por parte de Londres no sefez esperar. Para o Primeiro-ministro, estes pases tm de saber que patrocinar terro-rismo ou armas de destruio macia no aceitvel. Ora, antes de mais, esta narra-tiva alm de trilhar progressivamente um caminho de aproximao com aquela quea Administrao Bush ia adoptando, partilhou desde o incio de 2002 a mesma noode ameaas segurana ocidental e que identificava expressamente a existncia depatrocnios estatais a grupos terroristas. Blair, por exemplo, neste mesmo discurso naBiblioteca George Bush, definiu mesmo algumas das actividades palestinianas comoterroristas, numa clara opo pela identificao dos focos de insegurana.8

    No final desse mesmo ano, Blair receberia Bashar Al-Asad, o Presidente srio,elogiando o apoio expresso de Damasco Resoluo 1441 do Conselho de Segurana, queabriu a porta invaso do Iraque uns meses depois. Por outras palavras, ao mesmo tempoque Londres identificou o regime srio como um dos principais patrocinadores doterrorismo no Mdio Oriente, nomeadamente os xiitas do Hezzbolah a operar no Lbano,no negou a indispensabilidade da Sria na estabilidade da regio e o facto de ser uminterlocutor com quem o Ocidente deveria dialogar. As suas palavras elogiosas ao apoiosrio dado coligao em 1991, aquando da libertao do Kuwait, abriam uma janela deoportunidade para um novo apoio em 2003, e que j poucos duvidavam estar em marcha.O governo britnico sabia que, face s dvidas de importantes aliados europeus, como aFrana e Alemanha, seria indispensvel alargar a coligao anti-Saddam a Estadoscruciais do chamado mundo rabe. A Sria, apesar de tudo, era um deles.9

    Aps a guerra do Iraque (Maro 2003) a Gr-Bretanha viu-se envolvida num conjuntode turbilhes polticos directamente relacionados com o processo de deciso iraquiano.Em primeiro lugar, tornou-se do domnio pblico que o staff de Blair teria exagerado noteor da ameaa das armas de destruio macia de Saddam, alm de se ver confrontadocom a no existncia material de tal arsenal, o grande argumento da coligao para iniciar

    8 Tony Blair, Speech at the George Bush Senior Presidential Library, 7 April 2002.9 Tony Blair, Prime Ministers Article in the Financial Times on the Visit of the Syrian President, 16

    December 2002.

    A Europa e o Mdio Oriente: do Fim dos Imprios aos Desafios Comuns

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    a operao militar de derrube do regime de Bagdad. Em segundo lugar, a situao noIraque piorava todos os dias e parecia dar razo a todos aqueles que se opuseram interveno, quer no Parlamento, quer no interior do Partido Trabalhista, quer ainda nasruas britnicas. Blair tinha que encontrar rapidamente um motivo palpvel demonstra-tivo dos mritos da interveno e ele chegaria em finais de 2003 com o anncio de que aLbia do coronel Kadhafi teria abandonado definitivamente o seu programa de armas dedestruio macia. Londres reforou de imediato as virtudes deste caso para elogiar oprocesso negocial entre as autoridades lbias, norte-americanas e britnicas dos ltimosnove meses e os resultados obtidos. Na declarao sobre esta matria no foi nuncautilizado o argumento da invaso iraquiana para justificar o sucesso das negociaes comTripoli. Por duas razes: primeiro, porque revelaria a todos que o alvo deveria ter sidoa Lbia e no o Iraque, cujas armas tardavam a aparecer; segundo, porque do ladode Londres, a diplomacia foi sempre o mecanismo privilegiado e as negociaes comactores regionais fomentadas, logo, seria pouco sensato no frisar o sucesso desta viabritnica para a resoluo de problemas de segurana e insistir no processo iraquianofortemente marcado pelas opes de Washington. Esta era a altura certa para uma ligeirainflexo na narrativa ou at para alguma demarcao dos mtodos da AdministraoBush, reforando o papel de Londres na Agncia Internacional de Energia Atmica arespeito do Iro e do dilogo a seis quanto Coreia do Norte.10

    Os Hot Spots: Iro e Lbano

    A partir da invaso iraquiana, a conduo poltica dos assuntos do Mdio Orientepor parte do governo britnico assentou, fundamentalmente, em trs linhas: primeiro,numa via de negociao exigente com Teero que pressionasse o desmantelamento doseu programa nuclear ou, como o regime sempre definiu, o seu programa de enrique-cimento de urnio , salvaguardando o posicionamento de Londres no quadro deuma troika europeia, em conjunto com a Frana e a Alemanha; segundo, pela clara defesade uma soluo promotora de dois Estados para a resoluo do conflito israelo-palestiniano;terceiro, por um apoio assertivo a Israel em caso de conflito com um Estado vizinho, o queacabou por vir a acontecer no Vero de 2006, quando o Hezzbolah, apoiado pelo Iro ea Sria, entrou em guerra com Tel Aviv.

    10 Tony Blair, Prime Minister Welcomes Libyan WMD Announcement, 19 December 2003.

    Ana Santos Pinto, Bernardo Pires de Lima e Patricia Daehnhardt

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    Por partes: o Iro passou a ser o caso mais complicado de gerir, no s para Londres,mas para todo o Ocidente. As sanes da ONU parecem ter reforado o nacionalismo;a Rssia (um antigo patrocinador das intenes nucleares de Teero, nos anos 60) tardouem endurecer as suas posies, e os europeus e norte-americanos mantiveram a suatradicional disputa na balana narrativa: negociaes com firmeza ou negociaescom um deadline que acenasse com o uso da fora se necessrio.11 O problema em alcanaruma posio mais firme resultou mais do que se estava a passar fora do Iro do quepropriamente com o seu regime, isto , ningum parecia disposto a usar a fora nova-mente, ao mesmo tempo que no Iraque e no Afeganisto se avolumavam as necessidadesmateriais e humanas para estabilizar os cenrios de subverso.

    Para Londres, importava ao longo desta fase garantir duas situaes: consistnciaeuropeia ao nvel da troika e o mximo de cooperao com o discurso da Casa Branca.Para Blair e, mais tarde, tambm para Gordon Brown, ser protagonista de uma novaclivagem transatlntica era um cenrio completamente fora de questo. No entanto, comofoi seu hbito desde que chegou ao governo em 1997, Blair nunca deixou de considerarum Iro na posse de armamento nuclear uma ameaa segurana mundial,12 expressoque utilizou sem reservas quando ouviu o presidente iraniano Ahmadinejad dizer queriscar Israel do mapa era um objectivo do mundo islmico.13 Ou seja, duas orien-taes foram aqui privilegiadas por Londres: um inequvoco apoio a Israel e a manu-teno do recurso fora como trao da poltica externa britnica. Esta era, tambm, umaforma de afirmao da Gr-Bretanha perante os seus parceiros europeus e uma formade vincar um posicionamento relevante aos olhos de Washington e de potncias emer-gentes.14 E neste campo que continua ainda hoje a pautar o seu comportamento.

    Em relao soluo para Israel e a Palestina, Blair tratou imediatamente aps o 11de Setembro de forjar uma sada de tipo dois Estados para um problema que desde logoconsiderou um barril de plvora motivador do radicalismo islmico. Este foi o grandecontributo da Gr-Bretanha ao longo dos consulados de George W. Bush: atra-lo paraesta soluo, envolvendo-o na questo directamente, fazendo das intenes de Londres a

    11 Ver, Vasco Rato e Bernardo Pires de Lima, A Encruzilhada Iraniana: Armas Nucleares e ConsequnciasGeoestratgicas, Nao e Defesa, N 117, Vero 2007, pp. 179-196.

    12 Anton La Guardia, Toby Helm and David Rennie, We will use force, Blair warns Iranians, Telegraph,28 October 2005.

    13 Iran hosts The World without Zionism, The Jerusalem Post, 26 October 2005.14 Statement of Informal Meeting of EU Heads of State or Government, EU United Kingdom Presidency,

    Hampton Court, 27 October 2005.

    A Europa e o Mdio Oriente: do Fim dos Imprios aos Desafios Comuns

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    poltica seguida por Washington, o que encaixava na ideia de se colocar como a grandeinfluncia das decises norte-americanas em poltica externa. A defesa da soluo doisEstados, do desmantelamento dos colonatos e da deposio das armas pelas facesradicais palestinianas, foram traos de continuidade na argumentao dos governosBlair/Brown, mesmo que os seus intentos no tenham tido os resultados que, por vezes,o aliviar de tenses regionais possa ter permitido. No espanta, por isso, que Tony Blairtenha assumido o papel de representante do Quarteto para a Paz no Mdio Oriente assimque deixou o cargo de Primeiro-ministro, no Vero de 2007.

    O ltimo domnio onde Londres foi interveniente, o Lbano, desde h muito umterritrio sob enormes tenses, no qual a intromisso sria nos seus assuntos internos e odomnio a sul do Hezzbolah so duas das variveis em jogo. Em Julho de 2006, o conflitofoi aberto entre estes ltimos e Israel. A Gr-Bretanha no teve grandes hesitaes emapoiar Israel, associar-se a Washington e remeter a situao para a gesto do Conselho deSegurana da ONU que fizesse cumprir dois requisitos: um cessar-fogo sustentado e adeposio das armas por parte do Hezzbolah. No curto prazo, nenhum destes objectivosfoi alcanado, o que abriu uma frente de crtica interna na poltica inglesa sobre asvantagens da continuao da linha at ento seguida, por muitos considerada exausti-vamente seguidora dos EUA.

    O comportamento de Londres na gesto deste dossier fez-se por duas vias que, alis,constituem o mote para outras frentes de crispao internacional. Primeira, a tentativa deno quebrar a solidariedade com Washington e Tel Aviv. Segunda, sem querer atingi-la,advogou um compromisso com o processo de paz entre a Palestina e Israel como base dasoluo para outros problemas da regio, alm de abrir caminho, sempre que possvel, auma soluo de tipo multilateral envolvendo outras potncias internacionais, nomeada-mente a Rssia, e o papel do Conselho de Segurana.

    A Poltica da Alemanha para o Mdio OrientePatricia Daehnhardt

    At h poucos anos a Repblica Federal da Alemanha no tinha uma poltica para oMdio Oriente.15 Enquanto mantinha uma relao especial com o Estado de Israel,

    15 Volker Perthes, Germany and the Middle East Conflict: What Interests, if Any?, in German Foreign Policyand The Middle East Conflict, in German Foreign Policy in Dialogue, Volume 3, Number 7, 17 May 2002, p. 8.

    Ana Santos Pinto, Bernardo Pires de Lima e Patricia Daehnhardt

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    garantindo o seu apoio segurana e manuteno da soberania do Estado recm--criado, e detinha relaes bilaterais com vrios Estados da regio, faltava-lhe umaabordagem estratgica abrangente. Fazia parte da tradio histrica e moral da diplo-macia da RFA no desempenhar um papel activo e independente na regio.16 A presenaalem traduzia-se em acordos econmicos, mas sucessivos governos evitaram umenvolvimento mais poltico no Mdio Oriente. Isto prendia-se, por um lado, com o factode a Alemanha no ter tido interesses coloniais significativos na regio, e por outrolado, com o facto da poltica externa da RFA ter sido condicionada at 1989 pela suapertena ao espao