Neutralidade da Rede e Desenvolvimento: o caso brasileiro

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1 VERSÃO PARA DISCUSSÃO NEUTRALIDADE DA REDE E DESENVOLVIMENTO: O CASO BRASILEIRO 1 Guilherme Alberto Almeida de Almeida 2 São Paulo – Junho, 2007 Diplo Foundation 1 Este artigo é uma versão, traduzida pelo autor, de artigo escrito originalmente em inglês no âmbito de uma bolsa de pesquisa concedida pela Diplo Foundation (www.diplomacy.edu ). Este trabalho expressa as opiniões do autor e não necessariamente reflete as posições oficiais da Diplo Foundation ou das demais entidades e/ou associações do qual o autor seja membro integrante. O autor manifesta sua gratidão a toda a equipe da Diplo, em particular a Jovan Kurbalija, Yasmeen Ariff e Vladimir Radunovic, por seu trabalho inspirador no âmbito da governança da Internet; a Seiiti Arata, por sua amizade e contínuo entusiasmo na discussão de assuntos relacionados à Internet; a Steve Slavik, por sua cuidadosa assistência na revisão e por suas sugestões estruturais pertinentes e, por último, mas com mais intensidade, para Hanane Boujemi, pela orientação contínua e infatigável e pelas contribuições de alta qualidade. O autor também agradece a Gustavo Almeida de Almeida, Omar Kaminski, Marcelo Bulgueroni, Ronaldo Lemos, Carlos Affonso e Daniel Arbix pela revisão e/ou valiosas contribuições relativas a este trabalho. 2 Advogado graduado pela Universidade de São Paulo e pesquisador bolsista da Diplo Foundation para assuntos relacionados a Governança da Internet.

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Artigo de Guilherme Alberto de Almeida Almeida.

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VERSÃO PARA DISCUSSÃO

NEUTRALIDADE DA REDE E DESENVOLVIMENTO: O CASO BRASILEIRO 1

Guilherme Alberto Almeida de Almeida2

São Paulo – Junho, 2007 Diplo Foundation

1 Este artigo é uma versão, traduzida pelo autor, de artigo escrito originalmente em inglês no âmbito de uma bolsa de pesquisa concedida pela Diplo Foundation (www.diplomacy.edu). Este trabalho expressa as opiniões do autor e não necessariamente reflete as posições oficiais da Diplo Foundation ou das demais entidades e/ou associações do qual o autor seja membro integrante. O autor manifesta sua gratidão a toda a equipe da Diplo, em particular a Jovan Kurbalija, Yasmeen Ariff e Vladimir Radunovic, por seu trabalho inspirador no âmbito da governança da Internet; a Seiiti Arata, por sua amizade e contínuo entusiasmo na discussão de assuntos relacionados à Internet; a Steve Slavik, por sua cuidadosa assistência na revisão e por suas sugestões estruturais pertinentes e, por último, mas com mais intensidade, para Hanane Boujemi, pela orientação contínua e infatigável e pelas contribuições de alta qualidade. O autor também agradece a Gustavo Almeida de Almeida, Omar Kaminski, Marcelo Bulgueroni, Ronaldo Lemos, Carlos Affonso e Daniel Arbix pela revisão e/ou valiosas contribuições relativas a este trabalho. 2 Advogado graduado pela Universidade de São Paulo e pesquisador bolsista da Diplo Foundation para assuntos relacionados a Governança da Internet.

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NEUTRALIDADE DA REDE E DESENVOLVIMENTO:

O CASO BRASILEIRO

Guilherme Alberto Almeida de Almeida SUMÁRIO RESUMO. INTRODUÇÃO. 1. DEFINIÇÃO DE NEUTRALIDADE DA REDE. 1.1. As metáforas do “porteiro” e da “estrada pedagiada”. 1.2. Elementos de neutralidade da Internet. 2. CONTEXTO TECNOLÓGICO. 2.1. O princípio “end-to-end”. 2.2. Protocolos de Internet e neutralidade. 2.3. Qualidade de Serviço (Quality of Service). 3. CONTEXTO ECONÔMICO. 3.1. Concorrência. 3.2. Viabilidade econômica da infra-estrutura da rede. 3.3. Desenvolvimento da rede (“Net deployment”). 4. CONTEXTO SOCIAL. 4.1. Diminuição das externalidades positivas da Internet. 4.2. Fragmentação. 4.3. Internet e o interesse público. 5. NEUTRALIDADE DA REDE NO BRASIL. 5.1. O mercado brasileiro de acesso à Internet. 5.2. Regulamentação de Internet e banda larga no Brasil. 5.2.1. Lei Geral das Telecomunicações. 5.2.2. Norma 04/95. 5.2.3. Provimento de acesso à Internet como “serviço de valor adicionado”. 5.2.4. Serviço de Comunicação Multimídia – SCM. 5.3. Previsões atuais sobre neutralidade. 5.4. Neutralidade da rede e as previsões regulatórias brasileiras sobre neutralidade. 5.5. Práticas não neutras. 5.5.1. Bloqueio e filtragem. 5.5.2. Limitações contratuais. 5.5.3. Qualidade de Serviço. 5.6. Casos relevantes. 5.6.1. Provedores de acesso gratuito à Internet. 5.6.2. Provedores de acesso desnecessários para conexões de banda larga? 5.7. O caso brasileiro – conclusões. 6. RECOMENDAÇÕES E CONCLUSÕES. 6.1. Recomendações. 6.2. Conclusões. REFERÊNCIAS. RESUMO Este artigo analisa a neutralidade da rede a partir da perspectiva de países em desenvolvimento, buscando trazer visões sobre possíveis conseqüências deste debate. Concluímos com recomendações aos formuladores de políticas públicas sobre possíveis soluções sobre o dilema da neutralidade da rede. O artigo examina o caso brasileiro em profundidade, abrangendo aspectos como o mercado de Internet, questões políticas, regulatórias, concorrenciais e demais aspectos legais. A primeira parte deste estudo coloca em contexto o debate sobre neutralidade da rede. O conceito de neutralidade da rede é analisado a partir de abordagens tecnológicas, econômicas e sociais, buscando uma visão holística da discussão e dos interesses em conflito. A segunda parte apresenta um estudo de caso sobre neutralidade da rede no Brasil. Neste estudo de caso, o artigo retrata o mercado brasileiro de Internet e seu cenário regulatório, seguido por uma lista das previsões normativas sobre “neutralidade” existentes na regulamentação brasileira de telecomunicações. Estas previsões são analisadas no contexto de definições sobre neutralidade de Internet, assim como são analisadas práticas não neutras postas em prática no Brasil. Esta contextualização permite a análise de dois recentes casos jurídicos relacionados à Internet brasileira: (1) as questões concorrenciais relacionadas ao provimento gratuito de acesso, e (2) as ações judiciais questionando uma premissa regulatória da Internet brasileira, a qual estabelece uma diferença entre provedores de serviço à Internet e provedores de serviço de telecomunicações. Ambos os casos trazem reflexões importantes sobre o futuro da neutralidade da rede no Brasil, permitindo a

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apresentação de algumas recomendações sobre políticas públicas para países com cenários regulatórios e mercadológicos assemelhados. INTRODUÇÃO Neutralidade da rede é um assunto inevitável nas discussões atuais sobre governança da Internet. Apesar da ausência de um consenso em sua definição, pode-se afirmar que o debate atual sobre neutralidade da rede diz respeito ao grau de interferência que as concessionárias de serviços de comunicação e provedores de serviço de acesso à Internet podem aplicar no sentido de restringir, segregar ou discriminar a distribuição de dados no âmbito da Internet. Está implícito a este debate o fato de que a neutralidade, de certa forma, é um princípio estrutural intrínseco à própria Internet. Esta premissa, em conjunto com outros princípios relacionados, permitiu o desenvolvimento mundial da rede e o surgimento de protocolos e serviços específicos, tais como Voz sobre IP (VoIP) e redes peer-to-peer (P2P). O propósito deste trabalho é analisar a neutralidade da rede do ponto de vista de países em desenvolvimento, buscando antecipar possíveis resultados do debate neste contexto. Este artigo encontra-se estruturado da seguinte forma: o capítulo 1 busca apresentar uma definição sobre neutralidade da rede; os capítulos 2, 3 e 4 trazem elementos relevantes para uma compreensão mais ampla sobre o debate, a partir de perspectivas tecnológicas, econômicas e sociais; o capítulo 5 corresponde a uma análise ampla do caso brasileiro sobre neutralidade da rede, que inclui um retrato dos cenários de mercado e regulatório da Internet brasileira, previsões normativas sobre neutralidade existentes na regulamentação de telecomunicações, práticas não neutras implementadas por provedores de serviço à Internet brasileiros, bem como alguns casos jurídicos da Internet brasileira os quais podem auxiliar a compreender possíveis resultados de disputas judiciais ou administrativas relacionadas a neutralidade da rede. A seção 6 apresenta nossas conclusões e recomendações para formuladores de políticas públicas em países com realidades mercadológicas e regulatórias assemelhadas. Inicialmente, examinamos uma definição de neutralidade da rede proposta pelo Center for Democracy and Technology (CDT, 2006). Complementarmente, o debate sobre neutralidade da rede é analisada a partir de diferentes perspectivas, na busca de explorar os aspectos tecnológicos, econômicos e sociais que sejam relevantes para a discussão e para a análise do caso brasileiro.

1. DEFINIÇÃO DE NEUTRALIDADE DA REDE Neutralidade da rede é um termo recentemente cunhado para um princípio ancestral da Internet e do setor de telecomunicações em geral, o qual determina que a informação, no âmbito de redes, deve ser roteada de forma uniforme, sem discriminação quanto à sua origem, natureza, conteúdo ou outros critérios. O princípio da neutralidade da rede vem sendo aplicado em redes pelo menos desde o desenvolvimento das comunicações telegráficas (Wikipedia, 2007). As linhas telefônicas e os backbones de Internet são

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normalmente considerados como portadores comuns (common carriers), de forma que as ligações telefônicas e outros tipos de dados normalmente transitam de forma uniforme em tais redes. Em alguns países, a importância destas redes de comunicação e seu caráter público imanente levaram a regulamentações proibindo tratamento diferencial ou preferencial de usuários em tais estruturas. Entretanto, um conceito sobre a definição de neutralidade da rede ainda não foi alcançado.

1.1.As metáforas do “porteiro” e da “estrada pedagiada” Para uma melhor compreensão do debate sobre neutralidade da rede, pelo menos duas metáforas interessantes vêm sendo usadas com freqüência: uma Internet não neutra levaria à criação de “estradas pedagiadas” injustas, repleta de “porteiros”. A metáfora do porteiro explicita a indesejável extensão do poder que seria concedida a operadores de rede num cenário não neutro. Neste contexto, operadores teriam plenos poderes no sentido de determinar qual conteúdo poderia ser entregue a um usuário, em qual velocidade, e sob quais condições. Poderiam atuar como porteiros, com poderes para decidir quem tem permissão para entrar e quem não tem. Permitir aos provedores de banda larga que discriminem datagramas daria a estes um controle indesejável sobre o fluxo de informação na Internet, possivelmente causando grande prejuízo à rede das redes. A outra metáfora – a “estrada pedagiada” – desenvolve a abordagem anterior. Uma Internet não neutra permitiria que os operadores de rede colocassem “cabines de pedágio” entre os fornecedores de conteúdo e de aplicativos e os usuários finais, portanto exigindo que fornecedores de conteúdo ou aplicativos que desejassem um acesso de maior qualidade a seus usuários que pagassem por isto (Lessig e McChesney, 2006). Este controle excessivo sobre as “estradas da informação”, uma característica da abordagem não neutra, poderia permitir que os “donos das estradas” estabelecessem proibições discriminatórias ou indesejáveis – tais como restringir datagramas de Voz sobre IP ou de redes peer-to-peer. Isto equivaleria, resgatando a metáfora, a proibir o tráfego de veículos de cor vermelha em uma determinada rodovia (Afonso, 2006).

1.2.Elementos de neutralidade da Internet Bocache e outros (sem data) analisaram diferentes conceitos para neutralidade da rede. Assim, notaram que definições vagas, que permitem múltiplas interpretações, são uma das causas para as controvérsias sobre o tema. Também afirmam que posições extremadas e puristas a respeito de neutralidade da rede, tais como não permitir a discriminação sobre transferência de datagramas com base no tipo de aplicativo, acabariam tornando a rede inoperável. É, portanto, necessário estabelecer marcos claros para a neutralidade da rede, de forma a permitir que o debate chegue a resultados objetivos. Bocache e outros (sem data) também defendem a abordagem do Center for Democracy and Technology para o debate sobre neutralidade (CDT, 2006). Em primeiro lugar, o CDT prefere o uso da terminologia “neutralidade da Internet”, ao invés de “neutralidade da rede”, uma vez que provedores de banda larga podem oferecer outros serviços de rede além da Internet – e que estes outros serviços podem não estar sujeitos às mesmas obrigações de neutralidade do que a Internet. Neste artigo, tratamos “neutralidade da

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Internet” e “neutralidade da rede” como sinônimos, exceto se expressamente afirmado em sentido contrário. Ainda, o CDT estabelece quatro elementos configuradores da neutralidade da Internet:

(i) Roteamento não discriminatório: Roteamento não discriminatório significa que datagramas devem circular pela Internet sem diferenciação quanto a seus conteúdos, identidade das partes, ou identidade dos provedores de serviços usados por tais partes;

(ii) Abertura (“openness”). Abertura diz respeito à criação e uso de novos serviços, aplicações, protocolos e dispositivos. Neste contexto, a desnecessidade de consulta ou negociação com os operadores de rede é fundamental para a implementação de tais novas funcionalidades.

(iii) Liberdade de conexão. Liberdade de conexão implica a liberdade para conectar-se à Internet a diferentes velocidades e níveis de serviço. Esta liberdade significa que os operadores de rede podem diferenciar a velocidade de acesso ou a qualidade do serviço prestado aos usuários finais com base em diferentes padrões de preço, mas não na identidade dos usuários ou usos pretendidos;

(iv) Interconexão. Interconexão significa que operadores de rede devem permitir conexões em bases abertas. O usuário de uma operadora de rede não pode ter sua comunicação com o usuário de uma outra operadora de rede tratada de forma diferente ou desfavorável.

Estes princípios de neutralidade são expressamente reafirmados neste trabalho por sua clareza e objetividade. Por este motivo, sreão usados mais adiante, na análise do status atual da neutralidade da Internet na regulamentação brasileira de telecomunicações.

2. CONTEXTO TECNOLÓGICO A compreensão do debate sobre neutralidade da rede depende da compreensão de princípios, conceitos e estruturas tecnológicas inerentes à Internet. Em particular, serão analisados neste trabalho: (1) o princípio “end-to-end”, no qual se baseia a comunicação pela Internet; (2) a suíte de Protocolo de Internet e sua natureza predominantemente neutra; e, finalmente, (3) Qualidade de Serviço, uma solução proposta de maior efetividade para distribuição de informação com possíveis efeitos negativos para a Internet.

2.1.O princípio “end-to-end” O princípio “end-to-end” é uma chave importante para a compreensão do debate sobre neutralidade da rede. O fluxo de informação em redes de comunicações é regulado por protocolos, que são padrões que determinam o formato dos dados a serem distribuídos e as regras a serem seguidas para que a rede funcione de forma apropriada. Os protocolos de Internet foram desenhados no contexto de uma “rede burra”, na qual a inteligência fica alocada nos terminais (end-points). Isto significa que todos os usos da informação transmitida por uma rede serão implementados no ponto de recebimento, e não pela rede em si. A principal razão para isto foi colocada por Saltzer e outros (1981). Segundo

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eles, a completa e correta implementação de qualquer função proposta, no âmbito de sistemas de comunicação, dependerá dos aplicativos situados nos terminais da rede. Em outras palavras: considerando-se que a “inteligência” dos aplicativos é necessária para o processamento de dados no terminal, a transferência de informação de um ponto a outro passa a ser um fim em si. Isto permite separar as estruturas de comunicação em “camadas”. Assim, a camada de transferência de informações, a qual fica num nível inferior, ou núcleo (core) da rede, pode ser simplificada ao máximo. Numa analogia aos sistemas de transportes do mundo real: não importa qual o tipo de produtos que sua fábrica produz, o empresário sempre poderá contar com os meios de transporte à disposição (navios, trens, aviões, caminhões) para que estas mercadorias cheguem de um ponto a outro. Ainda, o motorista do caminhão não precisa ter conhecimento sobre a tecnologia usada pela fábrica para a produção de mercadorias, nem sobre as técnicas de marketing usadas na venda dos produtos. A conseqüência do princípio “end-to-end” é que os demais protocolos podem passar por reestruturações constantes para adequarem-se às finalidades dos aplicativos. Igualmente, novas formas de comunicação de dados podem ser constantemente criadas sobre esta estrutura confiável, apesar de “burra”, permitindo que novos serviços e aplicativos apareçam. Esta abertura, conforme demonstrado acima na definição dos elementos de neutralidade de Internet, é um ponto crucial para a neutralidade da Internet.

2.2.Protocolos de Internet e neutralidade

Apesar do princípio “end-to-end”, uma Internet completamente neutra não seria factível ou adequada para os propósitos dos usuários de Internet, provedores de serviço ou conteúdo, operadoras de telecomunicações e demais atuantes no setor. A maior parte das comunicações realizadas por meio da Internet funda-se na utilização de dois protocolos diferentes: o Protocolo de Internet (Internet Protocol, ou IP) e o Protocolo de Controle de Transmissão (Transmission Control Protocol, ou TCP). Estes protocolos formam a chamada suíte de protocolos de Internet, comumente chamada de TCP/IP. A suíte TCP/IP executa algumas funções importantes: estabelece endereços padrão de entraga e formatos representativos de datagramas, bem como regras e rotinas para a entrega de informação. Sem padronização, a transmissão de dados na Internet seria fragmentada, caótica ou talvez até mesmo impossível. Ainda que o Protocolo de Internet (IP) tenha uma natureza “burra”, fundada no mero estabelecimento de endereços para a entrega e na padronização dos pacotes de dados ou datagramas, o Protocolo de Controle de Transferência (TCP), que atua na camada de transporte da rede de comunicação, cuidando do roteamento de pacotes, possui alguma inteligência agregada, tal como a detecção de erros e controle de tráfego. De qualquer maneira, esta inteligência fica restrita às necessidades de transporte de dados, e não afeta ou abrange finalidades específicas de aplicativos. Por este motivo, diz-se que os protocolos TCP/IP operam em camadas inferiores aos demais protocolos de aplicativos. Numa comparação com as práticas dos correios, poderia se afirmar que o IP cuidaria dos formatos de envelopes que podem ser enviados, além dos padrões de localização – tais como o Código de Endereçamento Postal e os endereços de ruas. Já o TCP atua como o operador de logística dos correios, determinando quais pacotes ou cartas devem

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ser enviados para quais lugares para uma entrega mais eficaz, e como os carteiros devem ser distribuídos numa cidade para uma melhor entrega. Nenhum deles, no entanto, trata do conteúdo das comunicações ou pacotes entregues. Influências sobre as camadas mais baixas da rede (tais como o favorecimento ou discriminação de datagramas, ou pacotes de dados, baseados em outros critérios além daqueles atualmente implementados pelos protocolos TCP/IP) podem ter efeitos mais amplos e profundos sobre a estrutura das comunicações via Internet. Esta é a essência do debate sobre neutralidade da rede: eventuais alterações nos protocolos que gerenciam tais camadas inferiores, resultando em serviços de Internet “não neutros”, podem mudar a natureza da Internet atual e levar a conseqüências sociais e econômicas inesperadas ou indesejáveis. Uma das mudanças propostas aos protocolos TCP/IP atende pelo nome de “Qualidade de Serviço” no roteamento de datagramas.

2.3.Qualidade de Serviço (Quality of Service)

De modo geral, o roteamento de pacotes na Internet é fundado numa perspectiva de “melhor esforço” – isto é, um provedor de acesso à Internet fornece conectividade de forma básica, sem garantias adicionais, de forma que não há compromisso com a regular entrega de datagramas além da alocação de “melhores esforços” para tal. A congestão das redes pode levar a uma piora na qualidade de serviços para todos os usuários regulares. A Qualidade de Serviço (“QoS”, na sigla em inglês) surge como uma solução potencial para tal: seu objetivo é fornecer níveis mínimos adequados de qualidade para determinados serviços (como Voz sobre IP ou redes virtuais privadas – Virtual Private Networks, ou VPNS) ou clientes (como conexões dedicadas a empresas). A proposta de Qualidade de Serviço funciona aumentando a prioridade de determinados fluxos de informação, ou limitando a prioridade dos demais fluxos (Cisco Systems, 2006). Ao considerar a banda de transmissão de dados como um recurso escasso, o QoS propõe que um tratamento preferencial – tal como a entrega efetiva ou garantias de velocidade ou latência – seja concedido a alguns serviços ou usuários. Entretanto, esta proposta traz alguns questionamentos. Em uma perspectiva comparada, conceder tratamento preferencial para alguns usuários corresponderia a dar um tratamento pior para os demais usuários. Assim, a proposta de qualidade de serviço para alguns serviços específicos de Internet – como video on demand, ou VoIP – poderia levar a problemas de degradação da Internet. Outras preocupações também aparecem. É questionável em que medida a qualidade de serviço seria a solução para o congestionamento da Internet, uma vez que as capacidades de transmissão encontram-se em crescimento constante (Bricklin, 2003). Ainda, os novos serviços que utilizem a proposta de qualidade de serviço podem ser usados para gerar uma piora deliberada nos serviços regulares, como uma maneira de forçar os usuários a celebrarem novos contratos, em termos mais onerosos, para o mesmo nível de conectividade. Por fim, esta proposta dá um motivo para manter a infra-estrutura sem expansão, forçando-se a escassez para maximização de receitas.

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Sumarizando o contexto tecnológico do debate sobre neutralidade da rede, é válido enfatizar que a Internet foi desenhada como uma rede burra que funciona segundo um padrão de qualidade de “melhores esforços”, e que seus protocolos de nível inferior atuam meramente entregando informações e evitando congestionamentos. Esta estrutura aberta e em camadas permitiu o desenvolvimento de variados serviços e aplicativos. Tendo em perspectiva uma potencial escassez de banda, algumas soluções foram consideradas – incluindo a qualidade de serviço, que busca priorizar alguns datagramas segundo sua natureza e origem. Entretanto, as tentativas de reorganizar esta rede burra fundadas em regras discriminatórias podem produzir impactos negativos aos usuários finais e à própria Internet. Estas questões tecnológicas são cruciais para a compreensão do debate sobre neutralidade da rede. Entretanto, o núcleo do debate encontra-se em seus aspectos econômicos, os quais colocam em contraposição os interesses dos proprietários de infraestrutura de telecomunicações em garantir a viabilidade econômica das redes (e a promoção de seu desenvolvimento, bem como dos lucros correspondentes) com preocupações legítimas de natureza concorrencial.

3. CONTEXTO ECONÔMICO O debate sobre neutralidade da rede tem claras bases econômicas. Em seu centro, encontramos uma discussão sobre potenciais medidas anti-competitivas. Por um lado, as operadoras de telecomunicações alegam que fontes extras de receita podem ser necessárias para financiar a infra-estrutura da Internet. As operadoras buscam garantir lucros contínuos e crescentes de provedores de acesso e usuários, para manter a viabilidade econômica da infraestrutura da rede. Uma Internet não neutra é uma forma de aumentar a receita oriunda dos usuários. Por outro lado, os usuários de telecomunicações em geral, provedores de conteúdo, serviços e usuários finais, inquietam-se sobre o potencial tratamento desigual, o aumento dos custos de comunicação e o crescimento dos poderes monopolísticos em um contexto não neutro.

3.1.Concorrência Para muitos, uma Internet não neutra poderia atribuir poderes exagerados aos proprietários de infra-estrutura de rede, dando-lhes controle indevido e excessivo sobre o fluxo de dados na Internet (Cheng e outros, 2007; Crawford, 2006). Neste contexto, os incumbentes (ou seja, as empresas que detêm parte considerável das redes usadas para o transporte de dados, sejam redes de telefonia fixa, TV a cabo, backbones de Internet ou outras portadoras) poderiam beneficiar determinados provedores de serviço ou de conteúdo (como websites, mecanismos de busca, provedores de conteúdo), por razões diversas – tais como melhor remuneração, integração vertical, ou vantagens a companhias que pertençam ao mesmo grupo econômico. Por exemplo, a possibilidade de exigir que provedores de conteúdo ou de aplicativos paguem por melhores serviços levaria à discriminação de provedores menores, com menor poder econômico. Tal diferenciação ainda ocasionaria barreiras desnecessárias a novos entrantes, levando a um ambiente de Internet menos competitivo.

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Um ponto crucial do debate sobre neutralidade da rede é em que medida algum tipo de regulamentação é necessária ou indesejável para promover a competitividade nas camadas de aplicativos, serviços e infra-estrutura. O debate entre Tim Wu e Cristopher Yoo (Yoo e Wu, 2006) coloca argumentos claros de ambos os lados. Yoo considera que a regulamentação do acesso – tal como a imposição da neutralidade das redes – causaria prejuízos à competição no setor de infra-estrutura, em particular nas redes de última milha (ou seja, a infra-estrutura de rede num nível local, nas proximidades do usuário final). Também, potencialmente, atrapalharia o desenvolvimento e restringiria a inovação em serviços de rede que sejam diferentes da Internet em si (tais como serviços de distribuição direta de conteúdo por meio de conexões dedicadas, dentre outros). Wu, por outro lado, acredita que alguma espécie de regulamentação é necessária para prevenir que as empresas de telecomunicações imponham barreiras de acesso a tais mercados.

3.2.Viabilidade econômica da infra-estrutura da rede

Ford e outros (2006) acreditam que impor uma Internet neutra pode restringir fontes de remuneração dos carriers de Internet e das operadoras de telecomunicações, na medida em que uma rede neutra leva à comoditização da infra-estrutura, de forma que os proprietários de redes teriam seus preços regulados pelo mercado, e não por conta própria. Considerando que investimentos relevantes foram feitos por tais empresas para criar uma infra-estrutura de rede, e que o modelo de negócios atual para provimento de acesso à Internet está fundada em tarifas fixas de baixos valores pagas pelos usuários, as operadoras de telecomunicações costumam argumentar que outras fontes de receita e diferenciação de preços são necessárias para recuperar os investimentos já realizados. De acordo com Ford e outros (2006), a comoditização da infra-estrutura pode também “impedir a competição baseada em estrutura, reduzir a expansão e desenvolvimento de redes avançadas de comunicação, e gerar aumento de preços”, bem como “levar a um monopólio no fornecimento de serviços avançados de banda larga em muitos mercados”. Tratar o provimento de acesso como commodity ocorre a partir da imposição legal de tarifas fixas ou regulares pelo uso indiscriminado de portadoras (carriers) por terceiros, tais como empresas concorrentes – o que é comumente chamado de desagregação de redes, ou unbundling. A regulamentação referente ao unbundling geralmente determina que as operadoras locais de telecomunicações “aluguem” parte de suas redes existentes para outras empresas, para que estas possam prestar seus serviços. Estas políticas permitem que novos entrantes compitam no mesmo mercado, sem terem que investir em infra-estrutura. Entretanto, as regulamentações referentes a desagregação de redes diminuem o poder de negociação das operadoras no estabelecimento dos preços de seus próprios serviços. Ao reduzir o poder de barganha das empresas de comunicação locais, o unbundling pode colocar em risco a viabilidade econômica dos provedores de infra-estrutura de rede. Crawford (2006) analisou o caso japonês, no qual o governo impôs uma política rigorosa de unbundling. Segundo ela, o resultado de tal política foi “uma competição vibrante, preços baixos, velocidades muito altas, grande penetração no mercado consumidor para acesso de banda larga, e inovação explosiva em aplicações e serviços”.

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Entretanto, este modelo também causou dificuldades financeiras aos proprietários de infra-estrutura de rede, o que levou a principal empresa de telecomunicações do Japão a uma série de ajustes de gestão. Ainda que o unbundling possa efetivamente corresponder a lucros menores para as operadoras, o conjunto dos benefícios econômicos e sociais destas políticas podem valer o custo de sua implementação.

3.3.Desenvolvimento da rede (“Net deployment”) Alguns acadêmicos (Ford e outros, 2006) costumam argumentar, em favor dos provedores de infra-estrutura, que diferentes e melhores fontes de receita são necessárias para promover o desenvolvimento das redes com relação à conexão de última milha. Caso os provedores de infra-estrutura não sejam autorizados a ter outras fontes de receita, argumentam, não teriam incentivos para investir em redes mais modernas. Este argumento seria ainda mais forte no que diz respeito à promoção de conectividade em áreas rurais ou vizinhanças de baixo poder aquisitivo (Schultz e Sukow, 2000). Várias análises confrontaram neutralidade da rede (ou neutralidade da Internet) com o desenvolvimento da rede (ou desenvolvimento de serviços de banda larga) (Pereira, 2006; Crawford, 2006). Alguns estudos, no entanto, apontaram a incerteza do aumento de investimentos em última milha no caso de uma Internet não neutra (Cheng e outros, 2007; Crawford, 2006). Crawford questiona a afirmação de que a os proprietários de redes precisariam implementar discriminação de preços, fundada em práticas não neutras, para financiar o contínuo desenvolvimento das redes. Em uma abordagem bastante interessante, Crawford compara o debate sobre neutralidade da rede – e seu conflito intrínseco entre liberdade de acesso versus excessiva “proprietarização” e controle da infra-estrutura – com os recentes debates sobre propriedade intelectual. Neste último, o mesmo conflito entre liberdade de acesso, por um lado, e controle excessivo sobre a propriedade, por outro, vem trazendo resultados negativos aos usuários, desencorajando a inovação. Numa abordagem diferente, uma pesquisa conduzida por Cheng e outros (2007), utilizando-se da teoria dos jogos como metodologia, aponta que o fim da neutralidade das redes levaria a uma diminuição no incentivo para o desenvolvimento de estrutura de banda larga. Este desencorajamento poderia ocorrer porque os investimentos das operadoras em uma malha de última milha bem desenvolvida diminuiria os lucros das operadoras com relação à remuneração de provedores e usuários por serviços de melhor qualidade, na medida em que conexões de Internet melhor desenvolvidas fariam com que os “serviços extras” fossem menos interessantes aos usuários. Em Internet em dois níveis, a melhor qualidade do nível inferior significa menos interesse pela Internet de melhor qualidade. Em resumo, a abordagem dos titulares de infra-estrutura quanto à neutralidade da rede enfatiza as necessidades financeiras e, portanto, a necessidade de buscar novas fontes de receita, como uma condição para a manutenção e desenvolvimento das correspondentes estruturas de rede. Entretanto, esta abordagem negligência as conseqüências sociais negativas do fim da neutralidade da rede.

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4. CONTEXTO SOCIAL

Em contraste à abordagem prioritariamente econômica, vários estudos indicados abaixo analisaram a neutralidade da rede sob a perspectiva dos efeitos da neutralidade aos usuários finais e às empresas que promovem suas atividades no âmbito da rede. Estes estudos geralmente indicam que os efeitos do fim da neutralidade seriam negativos.

4.1.Diminuição das externalidades positivas da Internet

“Externalidade” é um termo comumente usado em ciências econômicas para descrever os efeitos colaterais positivos ou negativos, do ponto de vista social, decorrentes de uma transação econômica. A estrutura atual da Internet favoreceu o surgimento de externalidades positivas geradas pelos usuários, criando uma quantidade de valor coletivo a partir das atividades dos usuários da Internet. Como exemplo, as tecnologias de informação e comunicação revolucionaram a produção e distribuição de informação (Lessig, 2001). Particularmente, forneceram ferramentas mais baratas para a produção de conteúdo informacional, bem como meios descentralizados e de baixo custo para sua distribuição, aumentando o nível global de conhecimento disponível ao público. Usuários criam e gerenciam uma parcela significativa do conteúdo da Internet, publicada em websites pessoais, blogs de texto, imagens, som e vídeo, podcasts, ou distribuída por formas similares. A Internet também ampliou a criação colaborativa, expandindo o desenvolvimento de produtos intelectuais em larga escala, tanto na esfera de programas de computador como de conteúdo, com grandes benefícios aos usuários de Internet em geral (Benkler, 2006). As iniciativas de Software Livre e de Código Aberto, e os projetos Wiki – como a Wikipedia, ou o Wikicionário - são exemplos inegáveis desta nova forma de produção. As produções individuais e colaborativas são claras externalidades positivas do ecossistema atual da Internet. Uma abordagem discriminatória ao fluxo de conteúdos na rede (ou seja, uma Internet não neutra) poderia minar estas externalidades positivas (Crawford, 2006). A possibilidade de que as empresas de infra-estrutura cobrem diferentemente ou imponham certas barreiras de acesso corresponderia a uma maneira pela qual tais empresas obteriam controle e valor agregado sobre as externalidades da rede que não foram por elas originadas. Ao agir desta forma, os operadores de rede estariam se aproveitando do trabalho de terceiros. Nas palavras de Crawford (2006), “se a monetarização vier a se tornar o padrão para o acesso a Internet, grandes custos sociais decorrentes das perdas gerais em inovação, perdas de acesso a novas formas de interação em desenvolvimento que não tenham condições de pagar por um tráfego de maior velocidade, e perdas de acesso a fontes não monetárias de valor social seriam geradas, as quais indubitavelmente excederiam os benefícios particulares que as empresas de telecomunicação buscam obter”. Em resumo, o fim da neutralidade da rede causaria danos indesejáveis e incomensuráveis ao bem público.

4.2.Fragmentação

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O fim da neutralidade da rede poderia levar à fragmentação da Internet – um fenômeno também denominado “balcanização da Internet”, ou “desagregação da ‘rede das redes’ em uma amálgama de redes, com graus variados de acessibilidade” (Frieden, 1998). Se as carriers de telecomunicações determinarem de forma restritiva qual conteúdo pode circular em suas redes, e a qual velocidade, elas poderão usar a capacidade excedente para distribuir conteúdos privilegiados ou extra-Internet em bases diferentes. Este uso alternativo da infra-estrutura é freqüentemente chamado de “othernet” (Mills, 2006). A criação de outras redes que não necessariamente se comuniquem com a Internet pode levar à fragmentação da rede como a conhecemos hoje. Estas alternativas não são necessariamente ruins – redes privadas virtuais (Virtual Private Networks, ou VPNs) podem ser úteis em variados contextos, como fornecimento de conteúdo multimídia, sistemas seguros de comércio eletrônico, redes privadas de saúde, etc. Entretanto, o desenvolvimento destas pode levar a uma paralisação da estrutura e natureza atuais da Internet, e a práticas anti-concorrenciais.

4.3.Internet e o interesse público A Agenda de Túnis para a Sociedade da Informação (Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação, 2005) reconheceu a Internet como um elemento central na estrutura da sociedade da informação. Também reconheceu que a Internet evoluiu de uma estrutura acadêmica e de pesquisa para uma ferramenta global disponível ao público. De acordo com a Agenda de Túnis, a Internet tem a natureza de um “bem público”, ou de um “recurso público”, e esta natureza deve ser levada em consideração no âmbito da discussão sobre neutralidade da rede. Arata e Psaila (2006) analisaram em profundidade o escopo e natureza de tal evolução, bem como a necessidade de se proteger o interesse público em relação à Internet. Eles apontaram que vários elementos de interesse público necessitam de proteção dentro da rede. Entre outros, é necessária proteção “contra violação de regulamentação de camadas, que, para regular problemas identificados em uma determinada camada, visem a uma outra camada e portanto prejudiquem usuários em atividades legítimas”. Analisando o tema de uma perspectiva diferente, pode-se afirmar que o tratamento diferenciado ou discriminatório no âmbito de determinada camada de comunicação, caso imposto pelos controladores da rede, pode certamente afetar outras camadas e conseqüentemente causar prejuízos a referidos usuários com atividades legítimas. Conforme visto, aspectos tecnológicos, econômicos e sociais da neutralidade de rede precisam ser considerados para uma compreensão completa dos interesses em jogo e suas potenciais conseqüências. A discussão, afinal, é mais ampla do que uma mera questão concorrencial – que está, sem dúvida, no centro do debate. A neutralidade é um elemento chave na definição da Internet como a conhecemos hoje, e quaisquer ações e omissões a este respeito – nos planos regulatório, concorrencial ou acadêmico – certamente influenciarão o futuro da Internet. Em particular, os quatro elementos de neutralidade da Internet propostos pelo CDT (roteamento não discriminatório de pacotes, abertura em relação a serviços, aplicativos, protocolos e aparelhos, liberdade de conexão em diferentes velocidades e níveis de serviço, e provimento de interconexão de redes em bases abertas) devem ser levados em conta para se analisar o contexto e as propostas regulatórias relativas ao desenvolvimento de serviços de Internet. Baseado

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nestas premissas, é possível, na próxima parte deste trabalho, analisar o caso brasileiro em maior detalhe.

5. NEUTRALIDADE DA REDE NO BRASIL

Grande parte dos temas, posições e conclusões apresentadas a respeito do debate sobre neutralidade da rede dizem respeito a perspectivas de países desenvolvidos. Permanece relevante estudar o debate sobre neutralidade da rede da perspectiva de países em desenvolvimento. De fato, tais países passam por diferentes níveis de desenvolvimento de infra-estrutura e possuem diferente regulamentação no que diz respeito a concorrencial e de telecomunicações, diferentes graus de desenvolvimento do mercado de Internet e diferentes níveis de penetração tecnológica, se comparados com os países desenvolvidos. O debate sobre neutralidade da rede ainda é incipiente no Brasil – até o momento, apenas poucos artigos de imprensa e debates públicos foram promovidos sobre o tema, geralmente com foco em audiências técnicas e qualificadas (Vaisencher, 2007a; 2007b). As discussões governamentais sobre o assunto ainda são embrionárias, e ficam restritas, na maior parte, a opiniões individuais (Aquino, 2007; Marcondes, 2006; Mareiros, 2006). Na Internet, o debate alcançou apenas a mídia especializada e alguns blogs de tecnologia. Na grande maioria dos casos, as informações disponíveis apenas repetem ou contextualizam as discussões norte-americanas. Com poucas exceções (Afonso, 2006; Ramos, 2006), nenhum destes examinou as possíveis conseqüências do tema sob uma perspectiva brasileira. Para analisar o caso brasileiro em profundidade, começamos com uma análise do mercado brasileiro de Internet, que estabelece o cenário de perspectivas e controvérsias brasileiras sobre o desenvolvimento da Internet. Também incluímos um retrato da regulamentação jurídica atual brasileira sobre Internet e provimento de acesso de banda larga, para explorar os principais conceitos e instrumentos de relevância para o debate. Tanto o cenário econômico quanto o regulatório ajudam a compreender o caso brasileiro em comparação com o caso de outros países em desenvolvimento. Continuamos esta averiguação com a lista das previsões legais relativas a neutralidade existentes no cenário regulatório brasileiro. Estas previsões são comparadas com os elementos de neutralidade de Internet do Center for Democracy and Technology, que traz diretrizes sobre o tema, já analisadas acima. Desta forma, é possível dar uma visão clara dos elementos de neutralidade que já estão em vigor no sistema jurídico brasileiro. Estas previsões legais sobre neutralidade existentes no cenário regulatório brasileiro serão comparadas com as práticas não neutras colocadas em marcha pelas operadoras de rede brasileiras. Desta forma, é possível verificar se as previsões legais existentes vêm sendo efetivas para garantir um ambiente de Internet realmente neutro. Antes de passar às recomendações e conclusões, o estudo de caso é complementado com uma análise de casos recentes relativos a questões concorrenciais e judiciais da Internet brasileira. Esta abordagem fornece uma perspectiva jurídica de um ponto de vista prático, permitindo verificar algumas deficiências nos mecanismos de execução da

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regulamentação de telecomunicações, permitindo a propositura de novas formas de controle que respondam de forma mais eficaz às necessidades sociais.

5.1.O mercado brasileiro de acesso à Internet O Brasil é o maior mercado de acesso à Internet da América Latina, com um total de receita gerada de 2,7 bilhões de dólares americanos em 2005, e uma taxa de crescimento anual composto de 28,2% no período entre 2001 e 2005. No final de 2005, havia 25,9 milhões de usuários de Internet no Brasil, com uma previsão de crescimento para 41,7 milhões de usuários até 2010 (Datamonitor, 2006). Entretanto, a penetração da Internet doméstica ainda é relativamente baixa: em 2006, apenas 14,5% dos domicílios brasileiros possuíam computadores conectados à Internet (CETIC, 2007). Metade destas conexões domésticas ainda são conexões discadas, de banda estreita. Entre os usuários de banda larga, as conexões DSL (digital subscriber line) dominam, com aproximadamente 70% dos usuários domésticos, enquanto 15% são usuários de conexões via cabo (sobretudo em regiões urbanas) e 11% usam rádio ou outras conexões wi-fi (sobretudo em áreas menos populadas). O Brasil, na condição de país em desenvolvimento, apresenta altas discrepâncias com relação ao uso e penetração de tecnologias de informação e comunicação. São indicadores sensíveis desta situação os fatos de que aproximadamente 55% dos brasileiros nunca usaram um computador e que quase 67% dos cidadãos brasileiros nunca acessaram a Internet. Por outro lado, 46% da população brasileira possui telefones celulares, e 38% dos aparelhos celulares têm acesso à Internet. Entretanto, apenas 7% dos usuários usam celulares para acesso à Internet (CETIC, 2007).

5.2.Regulamentação de Internet e banda larga no Brasil A regulamentação da Internet e do provimento de acesso à banda larga é fundamental para o cenário brasileiro de telecomunicações. Para analisar os efeitos da regulamentação em relação à neutralidade da rede, examinamos alguns marcos regulatórios relevantes e institutos jurídicos relativos ao provimento de acesso à Internet, incluindo a natureza de “serviço de valor adicionado”, e a recente regulamentação de Serviços de Comunicação Multimídia.

5.2.1. Lei Geral das Telecomunicações

O mercado de telecomunicações brasileiro e a regulamentação do setor vêm passando por várias mudanças desde o final dos anos 90. Tais mudanças foram focadas na privatização das empresas públicas que detinham o monopólio das comunicações telefônicas na regulação do setor, com foco no desenvolvimento de redes e na competitividade. As mudanças legislativas e regulatórias incluíram uma emenda constitucional autorizando a entrada de capital privado, tanto doméstico quanto estrangeiro, no setor de telecomunicações, e a promulgação da Lei 9.472/97, conhecida como Lei Geral das Telecomunicações (República Federativa do Brasil, 1997). Esta lei “mudou o papel do Estado de fornecedor de serviços de telecomunicações para regulador do setor e elaborador de políticas”, correspondendo ao “principal instrumento

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jurídico por meio do qual o setor brasileiro de telecomunicações foi privatizado e aberto à competição” (Tamayo, 2003). A Lei Geral das Telecomunicações criou a Agência Nacional das Telecomunicações (ANATEL), a qual possui poderes regulatórios e de polícia. No âmbito da regulamentação, a telefonia fixa é prestada no chamado regime público, e portanto as operadoras correspondentes encontram-se sujeitas a obrigações de universalização e continuidade, que buscam garantir que tais serviços estejam disponíveis ao público em geral, independentemente da localização ou condição econômica, em condições adequadas e de forma ininterrupta. Serviços adicionais – como os Serviços de Comunicação Multimídia – são providos sob regime privado, com relação ao qual não há obrigações de continuidade ou universalização. De toda forma, tais serviços estão sujeitos às obrigações gerais de concorrência e à busca do interesse público, conforme cristalizado nos princípios da LGT.

5.2.2. Norma 04/95

A regulamentação inicial dos serviços de Internet no Brasil ocorreu em 1995, por meio da Norma 04/95, do Ministério das Comunicações (República Federativa do Brasil, 1995). Tal norma, que foi editada anteriormente à criação da ANATEL – e antes da promulgação da própria LGT – regulou o uso da rede pública de telecomunicações para o fornecimento e uso de serviços de conexão à Internet. A Norma 04/95 tem foco na definição dos serviços relacionados ao provimento de acesso à Internet e aos atores de tal serviço, bem como em princípios primários relativos ao relacionamento entre os Provedores de Serviços de Conexão à Internet e operadores de rede. Na ausência de regulamentação adicional pela ANATEL, as determinações desta Norma permanecem como o único regramento tratando do relacionamento entre Provedores de Serviços de Conexão e empresas de telecomunicações.

5.2.3. Provimento de acesso à Internet como “serviço de valor adicionado”

A LGT trata o fornecimento de acesso à Internet como um “serviço de valor adicionado” (SVA). De acordo com a Lei, “serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações”. SVAs não são serviços de telecomunicação; em verdade, são serviços que dependem dos serviços de telecomunicação para serem prestados. Provedores de SVA – tais como provedores de acesso a Internet – são portanto considerados como usuários dos serviços e redes de telecomunicação. A conseqüência das previsões legais da Lei Geral das Telecomunicações, relativas a serviço de valor adicionado, é que:

(i) SVAs não são serviços de telecomunicação, e, portanto, o provimento de acesso à Internet não foi regulado pela ANATEL, e

(ii) Operadores de rede não são autorizados a prestarem SVAs, apesar do fato de que tais operadores são os proprietários das redes pelas quais a conectividade

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à Internet é fornecida; portanto, operadores de rede não estão autorizados a atuarem como provedores de acesso à Internet.

Quaisquer partes interessadas podem usar as redes de serviço de telecomunicações para a prestação de serviços de valor adicionado; a ANATEL regulará as condições aplicáveis e organizará a relação entre os provedores de serviços de valor adicionado e os proprietários das redes, o que ainda não foi implementado.

5.2.4. Serviço de Comunicação Multimídia – SCM Em 2001, a ANATEL editou a Resolução 272, que criou e regulamentou os Serviços de Comunicação Multimídia – SCM. Nos termos da resolução, o SCM é “um serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço”. Informações multimídia são definidas como “sinais de áudio, vídeo, dados, voz e outros sons, imagens, textos e outras informações de qualquer natureza.” A Resolução 272 aparece como uma iniciativa da ANATEL em busca de convergência e pode ser aplicada a serviços de multimídia extra-Internet (como Voz sobre IP), bem como para o provimento de serviços de Internet que não são necessariamente prestados pelas atuais operadoras de cabo e DSL, como no caso dos provedores de acesso à Internet por rádio ou wi-fi. Desta forma, os Serviços de Comunicação Multimídia aparecem como um meio legal para que empresas menores, as quais não foram outorgadas com concessões de serviços de cabo ou telefonia fixa, possam prover acesso à Internet e serviços correlatos. Com respeito ao cenário brasileiro de regulação de Internet e provimento de banda larga, vale enfatizar que, nos últimos dez anos, grandes mudanças ocorreram na realidade do mercado brasileiro. O fornecimento de serviços de Internet permaneceu, num primeiro momento, como uma área não regulada devido à sua natureza de “serviço de valor adicionado”. Entretanto, os provedores de aceso à Internet, na condição de usuários dos serviços de telecomunicações, ainda dependiam fortemente das operadoras de telecomunicações existentes. A regulamentação dos serviços de comunicação multimídia permitiu alguma independência a estas empresas. Com o intuito de proceder com a análise do debate sobre neutralidade da rede no Brasil, é necessário verificar em que extensão a regulamentação atualmente existente determina obrigações sobre neutralidade. Este é o tema do próximo tópico.

5.3.Previsões atuais sobre neutralidade No âmbito da regulamentação brasileira sobre telecomunicações, já existem previsões legais que, em certa medida, determinam neutralidade, desagregação de redes (unbundling), convergência e compartilhamento de recursos ou redes existentes em igualdade de condições aos demais participantes do mercado. A Norma 04/95 possui algumas determinações a este respeito. Notadamente,

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(i) Os provedores de serviço de conexão à Internet podem escolher livremente, para o provimento de seus próprios serviços, quaisquer dos serviços prestados pelas exploradoras de serviços de telecomunicações;

(ii) Os meios da rede pública de telecomunicações devem ser providos a todos os provedores de serviço de conexão à Internet que os solicitarem, sem exclusividade, em qualquer ponto do território nacional, observadas as condições técnicas e operacionais pertinentes;

(iii) As empresas exploradoras dos serviços de telecomunicações não deverão discriminar os provedores de serviços de conexão quando do provimento de infra-estrutura para suporte às atividades de conexão à Internet;

(iv) Regulamentação específica deveria definir os prazos, padrões de qualidade e atendimento e valores praticados; e

(v) Os usuários de serviços de conexão à Internet podem escolher quaisquer meios da rede pública de telecomunicações à sua disposição para sua conexão ao provedor de serviço de conexão à Internet.

A LGT também possui provisões específicas que obrigam um tratamento neutro. Os direitos dos usuários de telecomunicações incluem o direito de acesso aos serviços de telecomunicação, com padrões de qualidade e regularidade adequados à sua natureza, bem como o direito à liberdade de escolha de sua prestadora de serviço e o de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço. Os contratos das operadoras de telecomunicações que incluam práticas para limitar, falsear ou prejudicar a livre iniciativa ou a livre concorrência são consideradas por lei como infração à ordem econômica. A ANATEL possui poder de polícia com relação a tais serviços, podendo fiscalizar sua prestação, aplicar sanções e realizar intervenções. De acordo com a Lei Geral das Telecomunicações, a interconexão entre redes de telecomunicações é obrigatória. Os operadores de rede devem assegurar a operação integrada das redes, nos âmbitos nacional e internacional. O provimento da interconexão deve ser realizado em termos não discriminatórios, sob condições técnicas adequadas, garantindo preços isonômicos e justos. As partes interessadas podem negociar livremente as condições para interconexão das redes, observada a legislação e a regulamentação. Tais contratos precisam ser homologados pela ANATEL e deverão ser colocados à disposição do público para consulta. As redes podem impedir ou proibir a conexão de aparelhos que não tenham certificação expedida ou aceita pela ANATEL. Com relação a previsões de neutralidade na regulamentação dos Serviços de Comunicação Multimídia,

(i) A interconexão entre as redes de suporte do SCM, e entre estas e as redes de outros serviços de telecomunicações de interesse coletivo, é obrigatória, quando solicitada, nos termos do regulamento de interconexão,

(ii) O uso de redes de suporte do SCM para o provimento de serviços de valor adicionado (como o provimento de acesso à Internet, entre outros) é assegurado a todos os interessados, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis. A ANATEL deverá regular o uso das redes de suporte por serviços de valor adicionado, bem como o relacionamento entre serviços de valor adicionado e provedores de serviço de comunicação multimídia; tal regulamentação, entretanto, ainda não foi editada;

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(iii) As prestadoras de SCM têm direito ao uso de redes ou de elementos de redes de outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis; também devem possibilitar o uso de suas redes ou de elementos dessas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo em termos semelhantes; e

(iv) As prestadoras de SCM e as demais prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo podem pactuar livremente parâmetros de remuneração pelo uso de suas redes, obedecidos os critérios legais e regulatórios.

5.4.Neutralidade da rede e as previsões regulatórias brasileiras sobre

neutralidade Relembrando os requisitos de neutralidade da Internet do CDT discutidos acima (2006), notamos que, no Brasil,

(i) Não existem previsões específicas determinando o roteamento não discriminatório de datagramas; as previsões existentes focam em medidas anti-competitivas, ou apenas no tratamento equânime de usuários da rede, em termos gerais;

(ii) Existe um certo grau de abertura com relação à criação de serviços, aplicativos, protocolos e aparelhos; entretanto, existem restrições potenciais claras com relação ao uso de aparelhos não certificados;

(iii) A liberdade do usuário de conectar-se a diferentes velocidades e níveis de serviço está garantida; não existem, no entanto, previsões legais inibindo o tratamento desigual ou discriminatório de usuários da Internet, e

(iv) Arranjos contratuais, baseados em parâmetros regulatórios, regulam a interconexão entre operadores de rede. Em princípio, a regulamentação proíbe a um operador de rede que discrimine demais operadores; entretanto, não existe a obrigação legal aos operadores de rede para que tratem de forma isonômica os seus usuários e os usuários das demais operadoras.

Em geral, nota-se que o contexto regulatório brasileiro de telecomunicações já encontra-se fundado em princípios de neutralidade. Entretanto, em alguns casos, esta neutralidade das telecomunicações não pode ser interpretada como neutralidade da rede – ou neutralidade da Internet. Algumas conseqüências nocivas desta situação regulatória deficiente serão aprofundadas no próximo tópico.

5.5.Práticas não neutras Este tópico apresenta uma visão dos procedimentos não neutros postos em prática por operadores de rede brasileiros e provedores de banda larga, na ausência de um cenário regulatório mais fortalecido, bem como os efeitos negativos de tais procedimentos. Na prática, condutas não neutras e discriminatórias vêm ocorrendo em provedores de acesso à Internet e operadoras de rede brasileiras. Essas práticas incluem o bloqueio e filtragem de conteúdo, a inserção de limitações discriminatórias em contratos e a deterioração deliberada de comunicações para promover atividades compatíveis com os padrões de “qualidade de serviço”.

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5.5.1. Bloqueio e filtragem

Afonso (2006) apontou que algumas das operadoras de telefonia brasileiras implementaram práticas de filtragem no provimento de conectividade à Internet. Isso significa que, em alguns casos, alguns datagramas (como os de telefonia via Internet, ou VoIP) simplesmente não são entregues aos seus destinatários devido a interferência das operadoras. A discriminação proposital de certos datagramas é claramente uma prática não neutra com impacto nocivo aos usuários de Internet. Outra prática prejudicial relatada por Afonso consiste na alteração forçada, pelas operadoras, dos números de IP atribuídos aos usuários domésticos, uma prática que limita a possibilidade de usuários domésticos usarem seus computadores como servidores de Internet (ou seja, computadores que hospedam informações para serem acessadas por terceiros). Em uma comparação grosseira com o mercado de telefonia, tal prática corresponderia a uma empresa de telefonia alterar, com alguma freqüência, o número de telefone de um usuário, de forma que este possa continuar a realizar chamadas telefônicas, mas possa ter problemas em ser localizado por terceiros devido às constantes mudanças de número. Conforme relatado, as mudanças forçadas de endereço IP pelas operadoras, fundadas em alegadas “razões de segurança”, ocorriam freqüentemente quando operadoras percebiam que os computadores dos usuários vinham sendo usados como servidores de Internet (ou seja, possivelmente para propósitos comerciais) . Ainda, vários usuários3 relataram condições de acesso que podem indicar que algumas operadoras possam vir praticando o chamado “traffic shaping”, uma prática que consiste na análise do tráfego de dados e subseqüente atraso proposital na entrega de certos tipos de informação, pela imposição de limites de banda relativos a certos serviços, usuários ou aplicativos. Práticas de traffic shaping incluem a redução de velocidade tráfego peer-to-peer (usado para compartilhamento de arquivos entre usuários, dentre outras finalidades), em comparação com outros tipos de tráfego; bloqueio de portas relacionadas ao uso comercial de conexões entrantes (ou seja, para o uso como servidor de Internet ou servidor de e-mails, forçando assim usuários a contratarem serviços complementares) e a rejeição deliberada de certos datagramas, como aqueles relacionados a VoIP (o que pode ser uma forma de impedir a competição com os serviços de telefonia fixa das mesmas operadoras). Em resumo, as práticas de bloqueio e filtragem consistem em atividades não neutras postas em prática por operadoras. Tais práticas geralmente buscam limitar os direitos dos usuários, buscando promover novas formas de exploração comercial das redes pelas operadoras, às custas dos usuários de Internet – e da própria usabilidade da rede.

5.5.2. Limitações contratuais4

3 Denúncias recebidas no grupo de discussão [email protected] 4 Analisamos, em maio de 2007, quatro dos principais provedores de banda larga por DSL, SCM e operadoras de cabo: Oi Velox (disponível em http://www.velox.com.br/ArquivosEstaticos/Velox/PDF/contrato_adesao_oivelox_res.pdf); TVA-Ajato (disponível em: http://www.tva.com.br/portaltva/CONTRATOSCMTVA.pdf), Net Virtua (disponível em:

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Alguns contratos de provimento de banda larga limitam, contratualmente, os direitos dos usuários, de forma que pode ser vista como potencialmente discriminatória. Dentre tais limitações contratuais, notamos que os provedores de acesso à Internet garantem apenas 10% (ou 40%, para alguns provedores) da banda estimada contratada. Também são freqüentes as limitações relativas ao número de pontos de conexão no endereço contratado, e o número limite de sessões TCP/IP simultâneas (uma sessão TCP/IP pode ser entendida como uma conexão entre dois computadores diferentes). Esse tipo de limitação restringe, por exemplo, o número de computadores numa rede doméstica que podem ter acessos simultâneos a websites, ou o número de aplicativos de Internet que podem ser usados ao mesmo tempo. São freqüentes as cláusulas contratuais que vedam o uso dos serviços para o provimento, a terceiros, de serviços de servidor de dados de quaisquer tipos. A maior parte dos provedores estabelece limitações à comercialização, cessão, locação, sublocação, compartilhamento, fornecimento ou transferência dos serviços a quaisquer terceiros, ameaçando usuários de punição com multas financeiras ou rescisão contratual. Um dos provedores até mesmo proíbe o uso dos serviços para estabelecimento de redes domésticas, bem como qualquer espécie de uso econômico.

5.5.3. Qualidade de Serviço

O controle não efetivo das obrigações de Qualidade de Serviço gera um potencial risco à concorrência. A possibilidade de prover “serviços de mais qualidade”, por meio de redes não neutras, pode levar os operadores de rede a não cumprir, de forma deliberada, padrões de Qualidade de Serviço de Internet existentes como forma de forçar usuários a migrarem para redes não neutras. O bloqueio deliberado de dados relacionados a aplicativos peer-to-peer pode ser usado como forma de promover serviços e sistemas específicos de entrega de conteúdo multimídia, com padrões diferenciados de “Qualidade de Serviço”. Prejudicar o fluxo de dados VoIP de terceiros pode ser uma forma de forçar a contratação de serviços de VoIP fornecidos pelo provedor de acesso ou pelo operador de rede. Um comunicado de imprensa publicado pela ANATEL (2005) descreveu o uso de VoIP no âmbito de Serviços de Comunicação Multimídia (SCM), esclarecendo que provedores SCM não podem impor restrições a qualquer tipo de sinal (áudio, vídeo, dados, voz e outros sons, imagens, textos e outras informações). Isto porque o SCM é um serviço amplo que, por definição, permite a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de todos os tipos de informação, sendo que “voz” está expressamente incluída. Conforme apresentado, as previsões legais sobre neutralidade no quadro regulatório de telecomunicações não impediram a implementação de práticas não neutras na Internet brasileira – nem suas conseqüências nocivas para os usuários brasileiros de Internet. É um ponto de vista comum que a regulação excessiva da rede também possa levar a efeitos negativos, em particular devido à constante evolução da tecnologia e à natureza

http://nettv.globo.com/NETServ/shared/pdf/virtua_sp_jun06.pdf , e Telefonica Speedy (disponível em http://www.speedyvantagens.com.br/cadmus/index.html?x=694139974#)

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truncada do processo regulatório. Entretanto, em alguns casos, a ausência de regulação também pode ter seus impactos negativos. A seguir, são examinados dois casos jurídicos recentes relacionados à Internet brasileira, para demonstrar os efeitos colaterais nocivos da regulação insuficiente.

5.6.Casos relevantes Para analisar as conseqüências para o futuro das disputas sobre neutralidade da rede no Brasil, podemos examinar casos anteriores relacionados à regulamentação do setor de telecomunicações brasileiro. Analisamos abaixo alguns casos judiciais e de defesa da concorrência relacionados à Internet brasileira e seus resultados, bem como as conseqüências para o ecossistema da Internet Brasileira. Ao examinar estas situações, poderemos verificar em que medida a regulamentação existente vem funcionando, ou deixando de funcionar, para proteger o mercado e os usuários de Internet. Também será possível inferir, baseado nestes casos, os possíveis desdobramentos das discussões sobre neutralidade da rede, caso venha a ser discutida em cortes judiciais ou administrativas. Dois casos recentes merecem uma análise mais detida: o caso dos provedores de acesso gratuito à Internet e o caso de ações judiciais questionando a necessidade de contratação de provedores de acesso à Internet para serviços de banda larga.

5.6.1. Provedores de acesso gratuito à Internet No fim de 1999, algumas empresas começaram a prover, no Brasil, acesso discado gratuito à Internet. Algumas iniciativas foram financiadas por bancos, como forma de promover serviços de Internet banking; outras tinham um modelo de negócios fundado em receitas publicitárias; outros, por fim, buscaram obter receitas a partir de operadoras de telefonia, as quais compartilhavam com os provedores gratuitos os lucros oriundos de tarifas de interconexão de redes. A maior parte dos provedores gratuitos cujos modelos eram baseados em receitas publicitárias foram à falência (Rebêlo, 2001a; 2001b) ou migraram para o modelo cuja receita era oriunda de operadoras de telefonia. Este modelo fundamenta-se nos lucros extras derivados de desbalanceamento nas tarifas de interconexão, de tal forma que os proprietários das redes recebem, das demais empresas de telecomunicação, valores significativos pelo uso extra de suas redes (Costa, 2003). Na grande maioria dos casos, tais provedores de acesso gratuitos eram – ou se tornaram – empresas controladas pelas grandes empresas de telefonia fixa. O mercado brasileiro de acesso à Internet contava com pelo menos 1241 provedores de acesso em 2001 (ABRANET, 2007). Não existem estatísticas recentes quanto a números atuais de provedores de acesso no Brasil. No entanto, em 2004, 70% do acesso à Internet no Brasil era provido por provedores gratuitos, e 181 provedores de acesso haviam fechado as portas num período de 15 meses (Lobato, 2004). Muitos fatores podem ter contribuído para a diminuição no número de players no mercado de provimento de acesso à Internet, e o advento dos provedores gratuitos com certeza merece destaque neste cenário.

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O modelo de provimento de acesso gratuito fundado no compartilhamento de receitas de operadoras de rede foi questionado legalmente junto às autoridades concorrenciais brasileiras. Em 2002, o maior provedor pago de acesso à Internet denunciou que o modelo de acesso gratuito não era viável por si só (Anônimo, 2002). Atos de concentração perante as autoridades concorrenciais brasileiras relativos à aquisição de provedores gratuitos por empresas de telefonia fixa foram aprovados (Ministério da Justiça, 2007). Entretanto, a análise econômica destas transações recomendaram que os proprietários de redes deveriam tratar os competidores dos provedores gratuitos de forma isonômica. Nos procedimentos legais de tais atos de concentração, foi recomendado que as operadoras de telefonia fixa deveriam estender a todos os provedores de acesso (incluindo os provedores pagos) a possibilidade de compartilharem das receitas extras de interconexão oriundas do provimento de acesso discado à Internet. Em outras palavras: provedores gratuitos de acesso discado só são economicamente viáveis se receberem uma parte dos lucros obtidos pelas operadoras de telefonia pela interconexão de redes intrínseca a tal provimento de acesso. Entretanto, as operadoras de telefonia fixa pretendiam inicialmente compartilhar tais receitas apenas com os provedores gratuitos por elas controlados. Tal prática feria a concorrência, na medida em que outorgava fontes extras de renda a empresas que não seriam rentáveis de outra forma – tudo isso em detrimento dos demais concorrentes no ramo de provimento de acesso. Vale citar o parecer da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda a esse respeito. A SEAE forneceu a análise econômica no âmbito do mencionado ato de concentração.

Não existe quantificação exata sobre o dano causado por este tipo de associação[a aquisição de provedores gratuitos de acesso à Internet por operadoras de telefonia fixa] sobre o consumidor final e as empresas concorrentes, tanto as empresas de telecomunicação quanto os demais ISP. O que se depreende de operações dessa natureza é que há um nítido favorecimento dos provedores associados à concessionária de STFC em detrimento dos demais, especialmente os pagos, os quais não têm a mesma facilidade de acesso à infra-estrutura de conexão à Internet disponibilizada pelas empresas de telecomunicação. Tal prejuízo gera, imediatamente, distorções na concorrência entre os provedores de acesso de forma desfavorável aos não associados ao fornecedor do insumo essencial, e, mediatamente, também ao consumidor final, que pode sofrer os reflexos negativos de uma eventual redução da gama de ISP existentes no mercado – reflexos esses que importam à esfera antitruste, o que não exclui impactos danosos sobre os quais tenha competência a autoridade regulatória do setor. (Ministério da Fazenda, 2004)

Vale mencionar também que a SEAE normalmente recomenda que atos de concentração envolvendo concessionárias de telefonia e provedores de acesso gratuitos à Internet tenham sua aprovação condicionada ao fornecimento de infraestrutura e condições econômicas semelhantes a todos os demais provedores de acesso concorrentes. Por outro lado, A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça – SDE/MJ – que é a responsável pela análise jurídica dos atos de concentração, entende que não é

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necessário impor formalmente às operadoras tais obrigações de fornecimento isonômico de oportunidades aos demais concorrentes como condição para a aprovação das aquisições de provedores gratuitos, uma vez que a obrigatoriedade de não discriminação no fornecimento de infra-estrutura já encontra-se prevista pela Norma 04/95. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, que é o responsável pela decisão final, já expressou sua opinião no sentido de que tal condicionamento não é necessário. Em síntese: por uma perspectiva econômica, é recomendável obrigar operadoras de telefonia fixa a fornecerem infra-estrutura e fontes de renda em iguais condições a todos os provedores de acesso à Internet, sobretudo se tal operadora de telefonia pretende adquirir provedores de Internet e conceder-lhe condições especiais de remuneração. Sob uma perspectiva meramente legalista, as regras de não-discriminação já existentes vem sendo interpretadas como normas jurídicas suficientemente vinculantes, de forma que obrigações ou condicionamentos adicionais não deveriam ser impostos para a aquisição de provedores gratuitos de acesso por operadoras de telecomunicações. Não existem informações publicamente disponíveis sobre em que medida as operadoras de telefonia vêm fornecendo condições iguais de repasse de receitas de interconexão a todos os provedores de acesso de Internet. Resta claro, no entanto, que o mercado de provimento de acesso à Internet passou por severa concentração durante o período em que os atos de concentração relativos ao caso estiveram em análise, o que teve efeitos relevantes para a competição do setor e para os usuários finais. Esta análise do caso dos provedores de acesso gratuito sugere possíveis desdobramentos sobre o debate de neutralidade da Internet no Brasil e possibilita uma interessante reflexão sobre modelos de regulação ex-ante e ex-post. A regulação ex-ante pode ser entendida como a intervenção antecipatória, que busca promover fins socialmente desejáveis no âmbito de um determinado mercado. A regulação ex-post, por outro lado, corresponde a uma forma de “reparar condutas ilícitas comprovadas por meio de uma série de medidas, incluindo multas, sanções ou vedações” (infoDev e ITU, 2007). Iniciativas ex-ante focam sobretudo na estrutura do mercado, enquanto medidas ex-post dizem respeito a condutas no mercado. Aparentemente, no caso dos provedores gratuitos, a regulação ex-post relativa a assuntos de telecomunicações e Internet, fundada em resolução de conflitos de natureza concorrencial, não funcionou de forma efetiva para preservar o mercado e garantir competição, uma vez que os demorados procedimentos de análise de tais atos de concentração não levaram a sanções significativas e geraram diminuição da concorrência no setor de provimento de acesso. Fica portanto aberto a questionamento sobre em que medida uma regulamentação ex-ante mais explícita sobre neutralidade poderia proteger não apenas o mercado de Internet, mas também a sua natureza, seus princípios e usuários.

5.6.2. Provedores de acesso desnecessários para conexões de banda larga?

As concessionárias brasileiras de serviços de telecomunicação não são autorizadas a agir como provedores de acesso à Internet, na medida em que o provimento de tais serviços é considerado um serviço de valor adicionado em relação às redes de

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telecomunicações – e que as operadoras de telefonia fixa não são autorizadas, por lei, a prestar tais serviços de valor adicionado. Na prática, entretanto, a maior parte das operadoras de telecomunicações vêm tomando a frente na promoção dos serviços de Internet de banda larga no Brasil – seja pela divulgação comercial de tais serviços, ou na organização e fornecimento dos meios e infraestrutura necessária aos usuários de Internet. Portanto, sempre que um usuário pretende ter uma conexão de Internet banda larga no Brasil, é comum que contrate os serviços diretamente com um operador de rede – em geral, uma prestadora de serviços de telefonia fixa ou uma operadora de TV a Cabo – e que seja obrigado a contratar o serviço de um provedor de acesso à Internet, escolhido em uma lista fornecida pelo provedor de serviços de rede. Na maior parte dos casos, o provedor de acesso à Internet apenas autentica o usuário – e, em alguns casos, nem esta autenticação é necessária. O resto do serviço é provido integralmente pela empresa de telecomunicações. Diante desta realidade, associações de usuários brasileiros de serviços de banda larga (ABUSAR, 2007) promoveram campanhas e ações judiciais questionando a necessidade de contratação dos serviços dos provedores de acesso à Internet, de forma complementar aos serviços das operadoras de telecomunicações. Estas ações foram fundamentadas em aspectos regulatórios e nas legislações de proteção aos consumidores, alegando que:

(i) As empresas de telecomunicações estavam provendo acesso à Internet (serviços de valor adicionado), algo para o qual não eram autorizadas, segundo as leis vigentes, e

(ii) A obrigação de contratar os serviços de provedores de acesso à Internet corresponderia a uma “venda casada”, vedada pela legislação consumerista brasileira.

Demandas adicionais questionavam, também, a qualidade do serviço em relação à qualidade da conexão, com base na vedação à publicidade enganosa. Em maio de 2007, existiam ao menos 3 ações civis públicas sobre este assunto tramitando perante a justiça estadual paulista. Duas ainda encontravam-se tramitando em primeira instância. Uma tivera uma decisão negando o pedido da associação, e encontrava-se em fase de apelação. Ações civis públicas adicionais, da mesma natureza, também encontram-se em tramitação em outros estados, como Minas Gerais e Rio de Janeiro. Por outro lado, várias decisões em ações individuais fundadas em legislação de defesa do consumidor foram favoráveis a seus autores, decidindo que o contrato com a operadora de telefonia por si só é suficiente para conectar um usuário à Internet e que, portanto, a contratação suplementar de um provedor de acesso Internet seria desnecessária. A análise deste caso de dupla contratação com venda casada (provedor de acesso + operadora de telecomunicações) sugere pelo menos duas considerações sobre o futuro da neutralidade da rede no Brasil. Tais reflexões dizem respeito à lei aplicável e ao

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interesse público, bem como à pertinência da atual regulamentação brasileira sobre Internet. Em primeiro lugar, nota-se que a legislação consumerista pode ser considerada como um argumento relevante e válido para ações individuais relativas a possíveis abusos em serviços de telecomunicações, enquanto ações de caráter mais coletivo, fundadas em conceitos mais amplos e na regulamentação do setor de telecomunicações mostraram-se menos eficientes a este respeito. É possível esperar um desdobramento semelhante em futuras ações judiciais relativas a neutralidade da rede: danos aos usuários podem ser facilmente comprovados como abusos das operadoras contra consumidores, e portanto sancionados em favor de práticas neutras ou menos nocivas, numa abordagem caso a caso; por outro lado, pode ser difícil que sejam proferidas decisões judiciais em ações de caráter coletivo obrigando operadoras a adotarem práticas neutras, uma vez que tribunais podem tender a deixar a execução da regulamentação sobre telecomunicações sob o crivo da ANATEL. Em segundo lugar,este debate coloca em questão a regulamentação dos serviços de Internet no Brasil, e a natureza de “serviço de valor adicionado” do provimento de acesso à Internet. Conforme demonstrado, o fornecimento de conectividade à Internet (ou seja, de infraestrutura) é considerado um serviço de telecomunicações; no entanto, o “Provimento de Serviço de Conexão à Internet” – como definido pela Norma 04/95 (isto é, o serviço) – é considerado um serviço de valor adicionado. Ainda, a proibição legal imposta a operadoras de rede relativa ao provimento de serviços de valor adicionado cria um ônus desnecessário aos usuários dos serviços de telecomunicação. Esta regulamentação arbitrária, com mais de 10 anos de existência, tem gerado distorções no mercado de Internet, que são prejudiciais não só ao mercado, mas também aos usuários dos serviços. É recomendável a revisão da regulamentação atual de Internet – o que foi iniciado pela regulamentação dos serviços de comunicação multimídia – de forma a corrigir os desequilíbrios e promover a regulação visando à convergência de mídias e o uso de diferentes meios de conexão aos usuários, sempre promovendo a competitividade. Depois da análise destes casos relevantes, é notável que tanto as autoridades antitruste quanto os órgãos judiciais tem falhado em promover o interesse público em disputas relativas à Internet. No que diz respeito aos casos de antitruste, a regulação ex-ante pode ser adequada para proteger de forma mais eficiente a estrutura do mercado, de forma e evitar domínio do setor e garantir uma competição justa. Com respeito às decisões judiciais, apesar de a legislação de proteção ao consumidor figurar como um bom argumento para casos particulares, um resultado mais amplo com foco no interesse público pode depender de uma efetiva regulamentação do mercado de provimento de acesso à Internet. No próximo tópico, apresentamos um sumário de nossas conclusões neste estudo de caso brasileiro.

5.7.O caso brasileiro - conclusões A neutralidade da rede encontra-se parcialmente regulada no Brasil. Atualmente, existem previsões voltadas para a regulação da infraestrutura que, em certa medida, impõem tratamento isonômico a usuários e demais participantes do mercado. Entretanto, existe um certo grau de poder discricionário privado com relação à

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regulamentação de interconexão. Por um lado, este poder discricionário fornece bases suficientes para o desenvolvimento do mercado; mas, por outro lado, isto pode representar uma ameaça à concorrência, caso tal poder não seja adequadamente controlado. Ainda, esta neutralidade da rede (ou da “infraestrutura”) não pode ser considerada exatamente uma neutralidade da Internet. Por exemplo, não existem diretivas legais no Brasil obrigando um tratamento não discriminatório com relação à origem, conteúdo ou aplicativos no que tange ao roteamento de datagramas. Do ponto de vista regulatório, a Internet brasileira sofre de uma espécie de vácuo legal. A configuração jurídica de serviços de provimento de acesso à Internet como serviços de valor agregado e não como serviços de telecomunicações colocou o mercado de provimento de acesso à Internet fora do alcance dos poderes regulatórios e de fiscalização da ANATEL. A aparente dissociação da regulação (ou não regulação) do provimento de acesso à Internet e da regulação da infraestrutura permitiu inicialmente o florescimento de um mercado significativo de provimento de acesso à Internet. Entretanto, a mesma regulação mínima também levou a uma concentração indesejável, fundada no poder de mercado dos proprietários da infra-estrutura. A implementação de regulamentação visando à convergência, iniciada pela ANATEL com a implementação dos Serviços de Comunicação Multimídia, pode colaborar na regulamentação do mercado de Internet. Mecanismos de controle ex-post não funcionaram adequadamente para prevenir comportamentos nocivos e concentração de mercado em relação à Internet. Esta ineficiência não deriva da falta de conhecimento das autoridades antitruste – pelo contrário, as decisões e pareceres a este respeito mostraram clara consciência sobre as estruturas da Internet e seu mercado. Entretanto, a escassez de regulamentação existente para Internet, complementarmente aos longos e demorados processos de controle e análise, mostraram-se inadequados para lidar com o passo rápido do mercado de Internet: a maioria das questões relacionadas à competitividade e ao interesse público permaneceram sem solução, em uma escala mais ampla, em prejuízo do interesse público. De qualquer forma, a legislação protetiva ao consumidor vem sendo usada para o controle de práticas socialmente indesejáveis, tais como os abusos das operadoras, na escala individual. Existem evidências de práticas não neutras ou potencialmente abusivas sendo implementadas por provedores de acesso e operadoras de telefonia brasileiras – e até agora, poucas medidas previniram ou impediram tais atividades nocivas. Em contraste, os representantes do governo vêm mostrando sua preocupação e apoio à neutralidade da rede – ainda que de forma não uniforme, nem por meio de definição de políticas públicas a este respeito.

6. RECOMENDAÇÕES E CONCLUSÕES Com a definição do contexto do debate sobre neutralidade da rede, bem como após a análise do status e possíveis conseqüências do debate sobre neutralidade da rede no Brasil, as seguintes recomendações e conclusões podem ser úteis para formuladores de políticas públicas em países em desenvolvimento.

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6.1.Recomendações As seguintes recomendações, baseadas na análise do caso brasileiro, podem ser úteis para países em desenvolvimento com contextos regulatórios semelhantes:

(i) Estabelecer regulação clara a respeito do provimento de acesso à Internet, se possível evitando requisitos de serviço conflitantes; regras claras promovem a padronização de procedimentos, requerimentos e serviços, possibilitando novos entrantes e melhor competição;

(ii) Nos países em que o cenário regulatório impuser a existência de um operador de rede e um provedor compulsório de “serviço de valor adicionado” para o provimento de serviços de Internet, considerar a possibilidade de reformulação desta estrutura dual em benefício dos usuários finais;

(iii) Promover a desagregação de redes (unbundling) e controlar as as obrigações e requerimentos de interconexão, buscando corrigir desequilíbrios econômicos eventualmente existentes; o compartilhamento de redes em condições isonômicas pode também facilitar novos entrantes e promover o dinamismo do mercado;

(iv) Incentivar a discussão, produção de conteúdo e capacitação de ativistas e formuladores de políticas públicas com relação ao unbundling, estruturas tarifárias pré-definidas, neutralidade da rede e acesso a redes. Uma abordagem mais ampla e democrática na elaboração regulatória garante maior legitimidade nas estruturas escolhidas;

(v) Estabelecer medidas de controle ex ante, não discriminatórias, incluindo a imposição de neutralidade da rede. A ausência de recursos financeiros, humanos e materiais, junto com a rápida velocidade de desenvolvimento da Internet, podem fazer com que os demorados procedimentos de regulação ex-post tornem-se medidas inefetivas e decorativas com relação à proteção concorrencial, na medida em que os impactos negativos da regulação ex-post podem se tornar irreversíveis em virtude da demora em apresentar decisões.

(vi) Investir em pessoal administrativo e na capacitação correspondente para autoridades regulatórias, competitivas e de controle;

(vii) Levar em consideração as diferentes formas de provimento de acesso à Internet – sem fio (wi-fi), cabo, telefonia móvel, TV digital – na determinação de um cenário regulatório uniforme e convergente; a maior parte do fluxo de dados no futuro deverá ser fundamentada no roteamento de pacotes, independentemente dos meios de acesso aos conteúdos transmitidos;

(viii) Considerar abertamente a relevância, escopo, obrigações e benefícios dos regimes públicos e privados dos serviços de telecomunicações, bem como dos serviços de interesse coletivo e de infraestrutura, para construir um mercado competitivo e lucrativo que não negligencie a universalização do acesso e os interesses dos usuários.

6.2.Conclusões

A neutralidade da rede está nas origens da Internet e é intrínseca à sua natureza original. A Internet pode coexistir com outras redes comerciais (como as VPNs, redes de conteúdo dedicado e canais seguros de sistemas de informação voltados para o

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segmento empresarial). Entretanto, a ausência de previsões regulatórias pode levar à degradação da Internet e ao desaparecimento dos benefícios sociais e culturais que foram desenvolvidos nas últimas duas décadas. Em um contexto “não neutro”, o potencial da Internet para criação de conteúdo, a mudança de paradigmas relativas ao desenvolvimento e distribuição de informações, o crescimento da produção colaborativa e de acesso ao conhecimento, poderiam ser seriamente prejudicados. A universalização do acesso à Internet também está em risco, por conta da possibilidade de diminuição da qualidade dos serviços comuns de acesso à Internet em benefício de soluções de conectividade mais caras, com uso de padrões de “qualidade de serviço”. O excessivo controle da infra-estrutura pelas operadoras – ou, sob uma ótica diferente, a ausência de obrigações regulatórias de neutralidade da Internet – também pode gerar barreiras a novos entrantes, ferindo a competitividade e levando a uma concentração indesejada no provimento de acesso à Internet e serviços relacionados. De uma perspectiva de países em desenvolvimento, um dilema permanece quanto à medida em que a regulamentação é adequada para promover a competição e prevenir comportamentos ilegais ou nocivos ao mercado. Em alguma medida, regulamentação prévia pode prevenir descompassos derivados do excessivo poder de mercado das concessionárias, e da ineficácia de demorados procedimentos de controle ex-post em um mercado em veloz desenvolvimento. Por último, mas não menos importante, a velocidade de desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação deve ser levada em conta com relação a qualquer regulação proposta, para não deter a evolução tecnológica que é um fator crucial para o desenvolvimento local. Portanto, qualquer regulamentação deve ser constantemente examinada e adaptada com o objetivo de contemplar a evolução das tecnologias de informação e comunicação. REFERÊNCIAS Afonso, C. A. (2006). Todos os datagramas são iguais perante a Rede! Observatório de Políticas Públicas de Infoinclusão [online] 13 September 2006. Disponível em: http://www.oppi.org.br/apc-aa-infoinclusao/infoinclusao/busca_results.shtml?x=1244& slice_id=632405f40becd15bd749ce5f4721c0c3 [Acessado em 17 de maio de 2007]. Agência Nacional de Telecomunicações [ANATEL]. (1995). Norma 004/95: Uso de meios da rede pública de telecomunicações para acesso à Internet [online]. Disponível em: http://www.anatel.gov.br/index.asp?link=/biblioteca/Normas/Normas_MC /norma_004_95.htm?Cod= [Acessado em 15 de maio de 2007]. Agência Nacional de Telecomunicações [ANATEL]. (2001). Anexo à Resolução No. 272, de 9 de Agosto de 2001: Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia [online]. Disponível em: http://www.anatel.gov.br/Tools/frame.asp?link=/biblioteca/resolucao/2001/anexo_res_272_2001.pdf [Acessado em 15 de maio de 2007].

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