NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL · Outro princípio fundamental do processo é o da boa-fé...

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NORMASFUNDAMENTAISDOPROCESSOCIVIL

O processo civil brasileiro é construído a partir de um modelo estabelecido pelaConstituiçãodaRepública.Éo chamadomodeloconstitucionaldeprocessocivil, expressão quedesignaoconjuntodeprincípiosconstitucionaisdestinadosadisciplinaroprocessocivil(enão só o civil, mas todo e qualquer tipo de processo) que se desenvolve no Brasil.Começando pelo princípio que a Constituição da República chama de devido processo legal(masquedeveriaserchamadodedevidoprocessoconstitucional),omodeloconstitucionalde processo é composto também pelos princípios da isonomia, do juiz natural, dainafastabilidade da jurisdição, do contraditório, da motivação das decisões judiciais e daduraçãorazoáveldoprocesso.Todos esses princípios são implementados através das normas (princípios e regras)

estabelecidas no Código de Processo Civil. E o primeiro capítulo do Código destina-se,exatamente,atratardessasnormasfundamentaisdoprocessocivil.Estaé,portanto,asedeem que se poderá encontrar o modo como o Código trata desses princípios. Registre-se,porém,queoroldenormasfundamentaisencontradonesteprimeirocapítulodoCPCnãoéexaustivo (FPPC, enunciado 369), bastando recordar do princípio constitucional do juiznatural,quealinãoémencionado.Impendeentãodizer,de início,queoCódigodeProcessoCivilafirmaexpressamenteo

princípio da inafastabilidade da jurisdição, isto é, o princípio que assegura o amplo euniversalacessoaoJudiciário(art.3odoCPC;art.5o,XXXV,daConstituiçãodaRepública),estabelecendoque “não se excluiráda apreciação jurisdicional ameaçaou lesão adireito”,reconhecendo-se, porém, que isso é compatível com a utilização da arbitragem (art. 3o, §1o),bemassimcomabuscadasoluçãoconsensualdosconflitos(art.3o,§2o).Osmétodosconsensuais,dequesãoexemplosaconciliaçãoeamediação,deverãoser

estimuladosportodososprofissionaisdoDireitoqueatuamnoprocesso,inclusiveduranteseucurso(art.3o,§3o).Équeassoluçõesconsensuaissão,muitasvezes,maisadequadasdo que a imposição jurisdicional de uma decisão, ainda que esta seja construídademocraticamente atravésdeumprocedimento em contraditório, comefetivaparticipaçãodos interessados. E é fundamental que se busquem soluções adequadas,constitucionalmente legítimas, para os conflitos, soluções estas quemuitas vezes deverãoserconsensuais.Bastaveroquesepassa,porexemplo,nosconflitosdefamília.Asoluçãoconsensualécertamentemuitomaisadequada,jáqueosvínculosintersubjetivosexistentesentre os sujeitos em conflito (e também entre pessoas estranhas ao litígio, mas por ele

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afetadas, como se dá com filhos nos conflitos que se estabelecem entre seus pais)permanecerão mesmo depois de definida a solução da causa. Daí a importância davalorizaçãodabuscadesoluçõesadequadas(sejamelasjurisdicionaisouparajurisdicionais)paraoslitígios.Admite-seasoluçãoconsensualdoconflitonãosóantesdainstauraçãodoprocessoounocursodeprocedimentoscognitivos.Tambémnocursodaexecuçãoseadmitearealizaçãodeaudiênciadeconciliaçãooudemediação(FPPC,enunciado485).Asoluçãodacausadeveserobtidaemtemporazoável(art.4odoCPC;art.5o,LXXVIII,

da Constituição da República), aí incluída a atividade necessária à satisfação prática dodireito(oquesignificadizerquenãobastaobter-seasentençaemtemporazoável,devendosertempestivatambémaentregadoresultadodeeventualatividadeexecutiva).Agarantiade duração razoável do processo deve ser compreendida, então, de forma panorâmica,pensando-senaduraçãototaldoprocesso,enãosónotemponecessárioparaseproduzirasentençadoprocessodeconhecimento.Busca-se, então, assegurar a duração razoável do processo, sendo relevante destacar o

compromissodoCódigodeProcessoCivilcomesseprincípioconstitucional.Háumanítidaopçãodoordenamentopelaconstruçãodeumsistemadestinadoapermitiraproduçãodoresultado do processo sem dilações indevidas. Vale destacar, porém, que se todos têmdireito aumprocesso semdilações indevidas, daí se extrai queninguém temdireito aumprocesso sem as dilações devidas. Em outros termos, o sistema é comprometido com aduraçãorazoáveldoprocesso,semqueissoimpliqueumabuscadesenfreadapelaceleridadeprocessual a qualquer preço. E isto porque um processo que respeita as garantiasfundamentaisé,necessariamente,umprocessoquedemoraalgumtempo.Oamplodebateque deve existir entre os sujeitos do procedimento em contraditório exige tempo. Aadequada dilação probatória também exige tempo. A fixação de prazos razoáveis para aprática de atos relevantes para a defesa dos interesses em juízo, como a contestação e osrecursos, faz com que o processo demore algum tempo. Mas estas são dilações devidas,compatíveiscomasgarantiasconstitucionaisdoprocesso.A observância de um sistema de vinculação a precedentes, especialmente no que

concerneàscausasrepetitivas;aconstruçãodemecanismosdeantecipaçãodetutela,tantoparasituaçõesdeurgênciacomoparacasosemqueaantecipaçãosefundanaevidência;amelhoria do sistema recursal, com diminuição de oportunidades recursais; tudo issocontribuiparaaduraçãomaisrazoáveldoprocesso.É,porém,sempreimportanteterclaroquesósepodecogitardeduraçãorazoáveldoprocessoquandoesteécapazdeproduzirosresultados a que se dirige. E estes são resultados que necessariamente têm de serconstitucionalmentelegítimos,poisresultadosconstitucionalmentelegítimosexigemalgumtempoparaseremalcançados.Umprocessorápidoequenãoproduzresultadosconstitucionalmenteadequadosnãoé

eficiente.Eaeficiênciaétambémumprincípiodoprocessocivil(art.8o).Impõe-se,assim,

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a busca do equilíbrio, evitando-se demoras desnecessárias, punindo-se aqueles quebusquem protelar o processo (e daí a legitimidade de multas e da antecipação de tutelaquando haja propósito protelatório), mas assegurando-se que o processo demore todo otemponecessárioparaaproduçãoderesultadoslegítimos.Valedestacarquedoart.4odoCPC(edeumagrandesériedeoutrosdispositivos,como

oart.317eoart.488,entremuitosoutrosexemplosquepoderiamserindicados)seextraiumoutroprincípio–infraconstitucional–fundamentalparaosistemaprocessualbrasileiro:o princípio da primazia da resolução domérito. É que, como se vê pela leitura do art. 4o, “aspartes têm o direito de obter [a] solução integral domérito”.O processo é ummétododeresoluçãodocasoconcreto,enãoummecanismodestinadoaimpedirqueocasoconcretosejasolucionado.Assim,deve-seprivilegiar,sempre,aresoluçãodoméritodacausa.Extinguiroprocessosemresoluçãodomérito(assimcomodecretaranulidadedeumatoprocessualounãoconhecerdeumrecurso)éalgoquesópodeseradmitidoquandoseestiverdiantedevício que não se consiga sanar, ou por ser por natureza insanável, ou por se ter aberto aoportunidade para que o mesmo fosse sanado e isso não tenha acontecido. Deve haver,então, sempre que possível, a realização de um esforço para que sejam superados osobstáculosesedesenvolvaatividadetendenteapermitiraresoluçãodoméritodacausa.Épor isso, por exemplo, que se estabelece que no caso de se interpor recurso semcomprovação de recolhimento das custas devidas deve haver a intimação para efetivar odepósito (em dobro, para que não se estimule a prática apenas como mecanismoprotelatório)dovalordascustas,viabilizando-sedestemodooexamedomérito(art.1.007,§4o),ouseafirmaque“[d]esdequepossível,ojuizresolveráoméritosemprequeadecisãoforfavorávelàparteaquemaproveitariaeventualpronunciamentonostermosdoart.485”.Há,pois,nomodernodireitoprocessualcivilbrasileiro,umprincípiodaprimaziadaresoluçãodo mérito, o qual, espera-se, seja capaz de produzir resultados bastante positivos nofuncionamentodosistemadeprestaçãodejustiçacivil.Outroprincípiofundamentaldoprocessoéodaboa-féobjetiva(art.5o;FPPC,enunciado

374:“Oart.5oprevêaboa-féobjetiva”).Nãosetrata,pois,apenasdeseexigirdossujeitosdo processo que atuem com boa-fé subjetiva (assim entendida a ausência demá-fé),mascom boa-fé objetiva, comportando-se da maneira como geralmente se espera que taissujeitosseconduzam.Avedaçãodecomportamentoscontraditórios(nemovenirecontrafactumproprium),asegurançaresultantedecomportamentosduradouros(supressioesurrectio),entreoutros corolários da boa-fé objetiva, são expressamente reconhecidos como fundamentaispara o desenvolvimento do processo civil. A boa-fé processual orienta a interpretação dapostulaçãoedasentença,permiteaimposiçãodesançãoaoabusodedireitosprocessuaiseàs condutas dolosas de todos os sujeitos do processo, e veda seus comportamentoscontraditórios(FPPC,enunciado378).Pense-se, por exemplo, no caso de o juiz ter indeferido a produção de uma prova

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requeridapelodemandante,aofundamentodequetalprovasedestinariaademonstrarumfato que já estaria comprovado. Posteriormente, o pedido é julgado improcedente, aofundamento de que aquele mesmo fato não estaria provado, sendo do autor o ônusprobatório.Essassãocondutascontraditóriase,porissomesmo,contráriasaoprincípiodaboa-fé objetiva.Não se admite que o juiz assimproceda (FPPC, enunciado 375: “Oórgãojurisdicionaltambémdevecomportar-sedeacordocomaboa-féobjetiva”).Emcasosassim,ourealmenteofatoestáprovadoe,porconseguinte,asentençadeimprocedênciaporfaltadaprovaestáerrada,ouofatonãoestáprovado,enessecasoseria imperiosoreabrir-seaatividade probatória para não surpreender-se a parte que originariamente tivera aquelaprovaindeferida(FPPC,enunciado376:“Avedaçãodocomportamentocontraditórioaplica-seaoórgãojurisdicional”).Tambémdecorredaboa-féobjetivaoreconhecimentodequecomportamentosproduzem

legítimasexpectativas.Figure-seumexemplo:intimadoumdevedoracumprirumadecisãojudicial em certoprazo sobpenademulta, este deixa transcorrer o prazo sempraticar osatos necessários à realização do direito do credor. Este, então, fica inerte, não tomaqualquer iniciativa, e permite que os autos sejam arquivados. Passados alguns anos, ocredordesarquivaosautosepostulaaexecuçãodamultavencidaporessesanosdeatrasonocumprimentodadecisão.Emumcasoassim,deve-seconsiderarqueocomportamentodo credor, quenão tomouqualquerprovidênciapara evitar o arquivamentodos autosportãoprolongadotempo,gerounodevedoralegítimaconfiançaemquenãoseriaexecutado,daíresultandoaperdadodireitodocredoràmulta jávencida(supressio). Issonão implica,porém,dizerqueocredornãotenhadireitoàsatisfaçãodoseudireitojáreconhecido.Serápreciso,porém,novamenteintimarodevedorparacumpriradecisãonoprazoquelheforaassinado, sob pena de tornar a incidir a multa. Mas a multa pelo decurso dos anosanterioresnãoserámaisdevidaporforçadaviolaçãodaboa-féobjetiva.A boa-fé objetiva também impede que o julgador profira, sem motivar de forma

específica a alteração,decisõesdiferentes sobreumamesmaquestãodedireitoaplicável asituaçõesdefatoanálogas,aindaqueemprocessosdistintos(FPPC,enunciado377).Emseguida,impendetratardoprincípiodocontraditório(art.5o,LV,daCRFB).Esteé,dos

princípios fundamentais do processo, o que se revela como sua nota essencial. Em outrostermos,oquesequerdizercomissoéqueocontraditórioéacaracterísticafundamentaldoprocesso.Maisadianteseverá–quandodotratodesteinstitutofundamentaldodireitoprocessual

–queoprocessodeveserentendidocomoprocedimentoemcontraditório.Assiméque,paraoEstadoConstitucionalBrasileiro,aconstruçãodadecisãojudicialdevedar-seatravésdeumprocedimento que se realiza com plena observância de um contraditório efetivo(qualificaçãodocontraditórioqueseencontraexpressanapartefinaldoart.7o).O princípio do contraditório deve ser compreendido como uma dupla garantia (sendo

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queessesdoisaspectosdocontraditóriose implicammutuamente):adeparticipaçãocominfluêncianaformaçãodoresultadoeadenãosurpresa.Emprimeiro lugar,o contraditóriodeveser compreendidocomoagarantiaque têmas

partes de que participarão do procedimento destinado a produzir decisões que as afetem.Emoutraspalavras, o resultadodoprocessodeve ser frutode intensodebate eda efetivaparticipaçãodos interessados,nãopodendoserproduzidode formasolitáriapelo juiz.Nãoseadmitequeoresultadodoprocessosejafrutodosolipsismodojuiz.Ditodeoutromodo:nãoécompatívelcomomodeloconstitucionaldoprocessoqueojuizproduzaumadecisãoquenãosejao resultadododebateefetivadonoprocesso.Nãoéporoutra razãoque,nostermos do art. 10, “o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base emfundamentoarespeitodoqualnãosetenhadadoàspartesoportunidadedesemanifestar,aindaquesetratedematériasobreaqualdevadecidirdeofício”.Adecisão judicial,portanto,precisaserconstruídaapartirdeumdebate travadoentre

os sujeitos participantes do processo. Qualquer fundamento de decisão precisa sersubmetidoaocrivodocontraditório,sendoasseguradaoportunidadeparaqueaspartessemanifestem sobre todo e qualquer possível fundamento. Isso se aplica, inclusive, àsmatériascognoscíveisdeofício(como,porexemplo,afaltadelegitimidadeoudeinteresse).Serdeordempúblicaalgumamatériasignificaquepodeelaserapreciadadeofício, istoé,independentementedetersidosuscitadaporalgumadaspartes.Queristodizer,porém,queessassãomatériasqueojuizestáautorizadoasuscitar,trazerparaodebate.Autorizaçãopara conhecer de ofício, porém,não é autorizaçãopara decidir semprévio

contraditório.Asquestõesdeordempública,quandonãodeduzidaspelaspartes,devemsersuscitadaspelojuiz,quenãopoderásobreelaspronunciar-sesemantesdaroportunidadeàspartesparaquesemanifestemsobreelas.O modelo constitucional de processo impõe, assim, um processo comparticipativo,

policêntrico, não mais centrado na pessoa do juiz, mas que é conduzido por diversossujeitos(partes,juiz,MinistérioPúblico),todoselesigualmenteimportantesnaconstruçãodo resultado da atividade processual. Consequência disso é o assim chamado princípio dacooperação, consagrado no art. 6o: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre siparaqueseobtenha,emtemporazoável,decisãodeméritojustaeefetiva.”Seria evidentemente uma ingenuidade acreditar que os sujeitos do processo vão se

ajudar mutuamente. Afinal, litigantes são adversários, buscam resultados antagônicos, eseriaabsurdoacreditarqueodemandantevaiajudarodemandadoaobterumresultadoquelheinteresse(ouvice-versa).Masnãoédissoquesetrata.Oprincípiodacooperaçãodevesercompreendidonosentidodequeossujeitosdoprocessovão“co-operar”,operarjuntos,trabalharjuntosnaconstruçãodoresultadodoprocesso.Emoutrostermos,ossujeitosdoprocesso vão, todos, em conjunto, atuar ao longo do processo para que, com suaparticipação, legitimem o resultado que através dele será alcançado. Só decisões judiciais

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construídas de forma comparticipativa por todos os sujeitos do contraditório sãoconstitucionalmente legítimas e, por conseguinte, compatíveis com o EstadoDemocráticodeDireito.Omodelodeprocessocooperativo,comparticipativo,exigedetodososseussujeitosque

atuemdeformaéticae leal,agindodemodoaevitarvícioscapazesde levaràextinçãodoprocessosemresoluçãodomérito,alémdecaber-lhescumprirtodososdeveresmútuosdeesclarecimentoetransparência(FPPC,enunciado373).Sendo o contraditório uma garantia de participação com influência, decisões judiciais

contrárias a alguma das partes só são legítimas se produzidas com respeito a umcontraditórioprévio,efetivoedinâmico.Nãoéporoutrarazãoqueoart.9oexpressamentedispõeque“[n]ãoseproferirádecisãocontraumadaspartessemqueelasejapreviamenteouvida”. Evidentemente, porém, é legítimo decidir a favor de uma das partes sem ouvi-lapreviamente,poisaínãohaveráviolaçãoaocontraditório.Daíalegitimidadeconstitucionaldesejulgarimprocedenteopedidoliminarmente,sempréviacitação(art.332).Équenessecasosedecidiráafavordoréusemouvi-lopreviamente;masoautor,contraquem sedecide,terásidoouvidoanteriormenteàprolaçãodasentençadeimprocedêncialiminar.Oparágrafoúnicodoart.9o,porém,prevêtrêsexceçõesàexigênciadeoitivapréviada

partecontraquemsedecide.Aprimeiraexceçãoéa tutelaprovisóriadeurgência.Neste casotem-se uma exceção legitimada pelo princípio constitucional do acesso à justiça, já que aurgêncianaobtençãodamedidaexigequeestasejadeferida inauditaalteraparte,semoitivadapartecontrária,sobpenade,respeitadaaexigênciadeoitivapréviadapartecontraquemsedecide,nãoteradecisãoqualquerefetividade.Detodomodo,eporforçadoprincípiodaproporcionalidade, a exceção ao contraditório é estabelecida de forma a causar o menorprejuízo possível. Daí por que a decisão concessiva de tutela de urgência que se profereinauditaalteraparteéprovisória,podendosermodificadaourevogadaaqualquertempo,apósa efetivação do contraditório (art. 297). Não há, pois, uma supressão completa docontraditório,masapenassuapostecipação,istoé,suapostergaçãoparamomentoposterior.Há exceção à exigência de prévia oitiva da parte contra quem se decide também nos

casosdetuteladaevidênciaprevistasnoart.311,incisosIIeIII.Oprimeirodessescasoséodedemandarepetitiva,emque jáhátesefirmadaemprecedentevinculanteemfavordapretensãodeduzidapelodemandante,sendosuasalegaçõesdefatocomprováveisatravésdeprova exclusivamente documental preconstituída. Trata-se, neste caso, de uma técnica deaceleração do resultado do processo, compatível com o princípio da duração razoável doprocesso, em casos em que já existe uma tese firmada em um precedente judicial quevinculaojuízocompetenteparaconhecerdacausa.Maisumavez,porém,éprecisoterclaroquenãosetratadeumadecisãodefinitiva.Ocaráterprovisóriodadecisãoproferidainauditaaltera parte, neste caso, é uma exigência do princípio do contraditório, uma vez que aodemandado,contraquemseteráproferidoaqueladecisãoconcessivadatuteladaevidência,

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deveserasseguradaapossibilidadedepromoverodistinguishing,istoé,dedemonstrarqueocasosubmetidoajulgamentoédiferentedaquelequegerouoprecedentee,porisso,neleatesefirmadanãodeveseraplicada(ouqueécasodeoperar-seooverruling,asuperaçãodoprecedente).A segunda hipótese em que se admite a concessão inaudita altera parte da tutela da

evidência é a da demanda fundada em contrato de depósito, estando este comprovadodocumentalmente, caso em que será desde logo determinada a entrega da coisa, sobcominaçãodemulta.Esteéocasoemqueodemandadoéapontadocomosendodepositárioinfiel,assimentendidoodepositárioquedescumpresuaobrigaçãoderestituiracoisa,comtodososseus frutoseacrescidos,quandooexijaodepositante(art.629doCódigoCivil).Ora,sealeicivilimpõeadevoluçãodacoisadepositadatantoqueodepositanteaexija,nãohaveriasentidoemqueodireitoprocessualcivilnãofossecapazdeprevermecanismosparaaprontarestituiçãodacoisadepositada,sobpenadefrustrar-seoprópriodireitomaterial.Uma vez mais, porém, tem-se aí uma decisão provisória, sempre sendo possível aodemandado,apósregularcontraditório,demonstrarquenãoeracasodedevoluçãodobem.Oúltimocasoemqueseadmiteaprolaçãodedecisãojudicialinauditaalteraparteéoda

decisão que determina a expedição domandadomonitório (art. 701). Trata-se de decisãoque integra,necessariamente, aestruturadoprocedimentomonitório,que tementre suascaracterísticasfundamentaisoquesecostumachamardeinversãodeiniciativadocontraditório,jáquenestecasosóhaverácontraditórioplenoseodemandadooptarporoferecerembargos(art.702),semosquaisconstituir-se-ádeplenodireitootítuloexecutivojudicial(art.701,§2o).Consequência dessa percepção do contraditório como garantia de participação com

influência é que deve ser ele, também, compreendido como uma garantia de não surpresa.Significa istodizerqueo resultadodoprocessonãopode ser tal que surpreendaqualquerdos seusparticipantes.É o queocorre, por exemplo, quando se profere decisão acercadeumaquestãodeordempúblicasuscitadadeofíciosemquesobreelasetenhagarantidoàspartes oportunidade para préviamanifestação.Domesmomodo, tem-se decisão surpresanaquelescasosemqueojuizemitepronunciamentovalendo-sedefundamento(defatooudedireito)quenãotenhasidosubmetidoaodebateentreosparticipantesdoprocesso.Sempre foi da cultura do processo civil brasileiro admitir-se a prolação de decisões

fundadasemargumentosdedireitoquenãotivessemsidosubmetidosadebateprévio.Eraoqueseextraíadaclássicaparêmiadamihifactum,dabotibiius(“dá-meosfatosquetedareio direito”). É que tradicionalmente se acreditou que a incumbência das partes eraapresentar ao juízo os fatos da causa, cabendo ao órgão jurisdicional estabelecer o direitoaplicável.OcorrequeestaéumaformadeatuarincompatívelcomoEstadoConstitucional,já que presa à ultrapassada ideia de que o processo serve apenas para que o Estado dêsolução às causas que lhe são submetidas, construindo os resultados de forma solipsista.

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Este juiz solipsista, egoísta, que constrói a decisão judicial sozinho, é incompatível comoEstadoDemocráticodeDireito,oqualexigequeoexercíciodopoderestatalsedêdeformacomparticipativa, jáqueaparticipaçãodasociedadeéumdoselementos integrantesdessaforma de Estado expressamente estabelecida pela Constituição da República. Assim, só éconstitucionalmente legítima(ou,ditodeoutromodo,sóédemocrática)adecisão judicialconstruída em contraditório por todos os participantes do processo, aos quais incumbedebatertodoequalquerpossívelfundamentodadecisãojudicial.Nãoseadmitem,portanto,asdecisõeschamadas“deterceiravia”,ouseja,asdecisõesbaseadasemfundamentoqueojuiz tenha “tirado da cartola”, invocando-o de forma surpreendente, sem submetê-lo apréviodebate.Alémdoprincípiodocontraditório,incumbetambémaojuizasseguraraobservânciado

princípiodaisonomia(art.5o,caputeincisoI,daCRFB).Équeoart.7oestabeleceque“[é]asseguradaàspartesparidadedetratamentoemrelaçãoaoexercíciodedireitosefaculdadesprocessuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sançõesprocessuais,competindoaojuizzelarpeloefetivocontraditório”.Isonomia,comoprovémdeclássica lição, é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, nos limites dadesigualdade.Poisdoprincípiodaisonomiadevemserextraídasduasideias:primeiro,queaspartesdevematuarnoprocessocomparidadedearmas (parconditio); segundo,quecasosiguaisdevemsertratadosigualmente(totreatlikecasesalike).Aparidadedearmasgarantidapeloprincípiodaisonomiaimplicadizerquenoprocesso

deve haver equilíbrio de forças entre as partes, demodo a evitar que uma delas se sagrevencedora no processo por ser mais forte do que a outra. Assim, no caso de partes quetenham forçasequilibradas,deveo tratamentoaelasdispensadoser igual.Deoutro lado,porém, partes desequilibradas não podem ser tratadas igualmente, exigindo-se umtratamentodiferenciadocomoformadeequilibrarasforçasentreelas.Éissoquejustifica,por exemplo, a concessão do benefício da gratuidade de justiça aos que não podem arcarcomo custodoprocesso (arts. 98 e seguintes); a distribuiçãodinâmicadoônusdaprovanos casos em que haja dificuldade excessiva, impossibilidade de sua produção ou maiorfacilidadenaobtençãodaprovadofatocontrário(art.373,§1o);dobenefíciodeprazoemdobroparaosentespúblicos(art.183)etc.Jáaexigênciadequecasosiguaisrecebamdecisõesiguaisnadamaisédoqueaplicação

da norma constitucional que afirma a igualdade de todos perante a lei (art. 5o, caput, daConstituiçãodaRepública).Ora,setodossãoiguaisperantealei,entãocasosiguaisdevemreceber soluções iguais. E este é um dos fundamentos a estabelecer a exigência deconstrução de um sistema em que se reconhece a eficácia vinculante de precedentesjudiciais. Afinal, definida pelo tribunal competente qual é a norma jurídica aplicável adeterminado tipo de situação (e por determinação da norma devese entender,evidentemente, a determinação da interpretação atribuída ao[s] texto[s] normativo[s], já

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que não se confunde o texto com a norma, e esta é a interpretação atribuída ao texto),impende que casos iguais recebam a aplicação da mesma norma (ou seja, da mesmainterpretação), sob pena de se ter soluções anti-isonômicas, com casos iguais sendoresolvidos diferentemente. Fosse isso legítimo e não se poderia dizer que são todos iguaisperantealei.Outrosprincípiosquesãoexpressamentereferidoscomonormasfundamentaisdoprocesso

civilsãoosdadignidadedapessoahumana,proporcionalidade,razoabilidade, legalidade,publicidadeeeficiência(art.8o).Oprincípiodadignidadedapessoahumanaestápostonoart.1o,III,daCRFB.Deve-se

entender por dignidade da pessoa humana a garantia de que cada pessoa natural serátratadacomoalgoinsubstituível,quedeveserreputadacomoumfimemsimesmo,tendocada pessoa responsabilidade pelo sucesso de sua própria vida. Incumbe ao juiz – e aosdemais sujeitos do processo – garantir respeito à dignidade humana, assegurando o valorintrínsecodecadavidaqueé trazidaaoprocesso.Daí se infere,necessariamente,queaossujeitosdoprocessoépreciso sempre ter claroqueos titularesdos interessesemconflitosão pessoas reais, cujas vidas serão afetadas pelo resultado do processo e que, por issomesmo,têmodireitodeestabelecersuasestratégiasprocessuaisdeacordocomaquiloquelhes pareçamelhor para suas próprias vidas. É inadmissível tratar as partes como se nãofossem pessoas reais,meros dados estatísticos. Afinal, se para o Judiciário cada processopodeparecerapenasmaisumprocesso,paraaspartescadaprocessopodeseroúnico,omaisrelevante, aquele emque suavida serádecidida.Eédeverdo juiz assegurarque isto sejarespeitado.Também se faz expressa referência no art. 8o aos princípios da razoabilidade e

proporcionalidade. Estes são princípios cujo conteúdo ainda gera, na doutrinaconstitucional,tremendacontrovérsia,sequerhavendoconsensoacercadeseremostermosrazoabilidadeeproporcionalidadesinônimosounão.OSTFteminvocadoarazoabilidadeea proporcionalidade em diversas decisões, usualmente fazendo referência a eles comoprojeções, no plano substancial, do princípio do devido processo legal (substantive dueprocess).O princípio da legalidade deve ser entendido como uma exigência de que as decisões

sejamtomadascomapoionoordenamento jurídico.Não incumbeao Judiciário fazer a lei,masinterpretareaplicaraleiqueédemocraticamenteaprovadapeloLegislativo.Quemvaiao Judiciáriobuscaverseucasosolucionadodeacordocomoqueconstadoordenamentojurídico, não tendoos juízes legitimidade para criar soluções, segundo sua consciência ouseus valores pessoais, para os casos que lhes são submetidos.O papel criativo do juiz selimita à interpretação, a qual é evidentemente limitada por textos que ele não estálegitimado a criar. Deve-se, pois, julgar cada causa submetida ao Judiciário conforme oordenamentojurídicovigente.

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De sua vez, o princípio da publicidade exige que os atos processuais sejam praticadospublicamente,sendo livreeuniversaloacessoao localemquesãopraticadoseaosautosonde estão documentados seus conteúdos. Esta é uma garantia de controlabilidade doprocesso, jáquepermitequetodaasociedadeexerçaumcontroledifusosobreoconteúdodos atos processuais. Excepciona-se, porém, esta publicidade naqueles casos em que oprocesso tramita (oualgumatoprocessual temde serpraticado) em segredodejustiça (art.189),emqueépossívellimitar-seoacessoaoatoprocessualàsparteseseusprocuradoreseaoMinistérioPúblico(art.11,parágrafoúnico).Oart.11voltaafazeralusãoaoprincípiodapublicidadeaoafirmarquetodososjulgamentosserãopúblicos.NoDireitobrasileiroháumaamplapublicidadedoatodejulgar.Bastaverquesãopúblicasassessõesdejulgamentodos tribunais (algumas delas até transmitidas por via televisiva ou pela Internet), sendopermitidoaqualquerpessoapresenciaromomentoemqueos juízesproferemseusvotos.EstaéumapeculiaridadedoDireitobrasileiro,nãoseencontrandoequivalentenoDireitocomparado.Deummodogeral,emoutroslugares,oatodejulgarésigiloso,posteriormentedando-sepublicidadeàdecisãojáproferida.Deoutrolado,noBrasilopróprioatodedecidirépúblico.Por fim, o art. 8o faz menção ao princípio da eficiência. Este é princípio que

tradicionalmente era conhecido como princípio da economia processual, e sua incidência nosistemaprocessualdecorredoart.37daCRFB.Pode-secompreenderaeconomiaprocessualcomo a exigência de que o processo produza o máximo de resultado com o mínimo deesforço. É este o princípio que legitima institutos processuais como o litisconsórciofacultativo, a cumulação objetiva de demandas, a denunciação da lide etc. É que se deveentenderporeficiênciaa razãoentreo resultadodoprocessoeosmeiosempregadosparasuaobtenção.Quantomenosonerosos(emtempoeenergias)osmeiosempregadosparaaprodução do resultado (e desde que seja alcançado o resultado constitucionalmentelegítimo),maiseficienteterásidooprocesso.Oart.11 (jámencionadopor contadoprincípiodapublicidade) faz tambémalusãoao

princípio da fundamentação das decisões judiciais, que está consagrado no art. 93, IX, daConstituição.Todasasdecisõesjudiciaisdevemserfundamentadas,sobpenadenulidade.OCPCexige,concretizandooprincípioconstitucional,umafundamentaçãosubstancial

das decisões. Não se admite a prolação de decisões falsamente motivadas ou com“simulacrodefundamentação”.Éoquesedánoscasosarroladosno§1odoart.489,oqualenumera uma série de casos de falsa fundamentação, as quais são expressamenteequiparadasàsdecisõesnãofundamentadas(FPPC,enunciado303:“Ashipótesesdescritasnos incisos do § 1o do art. 489 são exemplificativas”). Assim, não se considerafundamentada a decisão que “se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de atonormativo,semexplicarsuarelaçãocomacausaouaquestãodecidida”.Destemodo,nãosão aceitas, por falsamente fundamentadas, decisões que digam algo como “presentes os

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requisitos, defiro”, ou “sendo provável a existência do direito alegado e havendo fundadoreceio de dano irreparável, defiro a tutela de urgência”, ou qualquer outra a estasassemelhada.Do mesmo modo, é falsamente fundamentada a decisão que “empregar conceitos

jurídicosindeterminados”(comorazoável,proporcionalouinteressepúblico)“semexplicaromotivoconcretodesuaincidêncianocaso”.Também é nula por vício de fundamentação a decisão que “invocar motivos que se

prestariama justificarqualqueroutradecisão”.Assim,porexemplo,énulaadecisãoque,aoreceberapetiçãoinicialdeumademandadeimprobidadeadministrativa,ofazcomapoiono“fundamento”segundooqual tal recebimentodevesedaremdefesados interessesdasociedade, não tendo o demandado demonstrado de forma definitiva que não ocorreuqualquer ato ímprobo, motivo pelo qual deve incidir o “princípio” in dubio pro societate.Decisãocomoesta,arigor,poderiaserutilizadaemqualquercaso.Edecisãoqueserveparaqualquercaso,naverdade,nãoserveparacasoalgum.É nula, também, a decisão que “não enfrentar todos os argumentos deduzidos no

processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotadapelo julgador” (art. 489, § 1o,IV). Este caso de vício de fundamentação demonstra, de modo muito claro, a intrínsecaligação existente entre o princípio da fundamentação das decisões e o princípio docontraditório.Équeesteprincípioasseguraaossujeitosdoprocessoparticipaçãoamplanodebate destinado a construir a decisão. Daí se precisa extrair, então, que o princípio docontraditórionãogarante àspartes sóodireitodefalar,mas tambémodireitode serouvido.Ora,nãohaverácontraditórioefetivoedinâmicoseosargumentosdeduzidospelaspartesnão forem levados em consideração na decisão judicial. Impende, então, que o órgãojurisdicional leve em conta todos os argumentos suscitados pelas partes e que sejamcapazes,emtese,delevaraumadecisãofavorável.Istocombateovíciodemuitostribunaisbrasileirosdeafirmaralgocomo“ojuiznãoestá

obrigadoaexaminartodososfundamentossuscitadospelaspartes,bastandoencontrarumfundamento suficiente para justificar a decisão”. Esta é postura que claramente viola oprincípiodocontraditórioe,portanto,éfrontalmentecontráriaaomodeloconstitucionaldeprocessocivilbrasileiro.Éclaroquetendooórgãojurisdicionalencontradoumfundamentosuficiente para decidir favoravelmente a uma das partes, não há qualquer utilidade (e,portanto,nãohá interesse)emquesejamexaminadosoutros fundamentosdeduzidospelaparte e que também levariam a um resultado a ela favorável. Afinal, estes outrosfundamentos não poderiam levar a um resultado distinto do já alcançado. Há, porém,necessidade de examede todos os fundamentos deduzidos pela parte contrária e que, emtese,seriamcapazesdelevaraumresultadodistinto.Emoutrostermos,édireitodapartever na decisão que lhe é desfavorável a exposição dosmotivos que levaram à rejeição detodos os fundamentos que suscitou em seu favor. Só assim se poderá afirmar que sua

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participaçãonoprocessodeformaçãodadecisãofoirelevante,queelafoiouvida(aindaquenão tenha sido atendida) e, portanto, que foi plenamente respeitada sua participação emcontraditório.Também há vício de fundamentação na decisão judicial que “se limitar a invocar

precedenteouenunciadodesúmula,semidentificarseusfundamentosdeterminantesnemdemonstrarqueocasosob julgamentoseajustaàqueles fundamentos”.Esteétemaaquese voltarámais cuidadosamente adiante, no capítulo dedicado ao estudo dos precedentesjudiciais. De todo modo, não se pode agora deixar de dizer que o princípio dafundamentaçãodasdecisõeséafrontadoemcasosnosquaisoórgãojurisdicional se limita a indicar ementas de outros acórdãos em que teriam sido

decididoscasosiguaisouanálogos.Ameraindicaçãodeementasnãoécorretainvocaçãodeprecedentes. Impõe-se a precisa indicação dos fundamentos determinantes (rationesdecidendi) da decisão invocada como precedente, com a precisa demonstração de que oscasos (o precedente e o agora decidido) guardam identidade que justifique a aplicação doprecedente.Há,porfim,víciodefundamentaçãonadecisãojudicialque“deixardeseguirenunciado

desúmula, jurisprudênciaouprecedenteinvocadopelaparte,semdemonstraraexistênciadedistinçãonocasoemjulgamentoouasuperaçãodoentendimento”.Maisumavezsetemaquiumahipótesecujoexameaprofundadodevedar-senocapítulodedicadoaoestudodosprecedentes. De todamaneira, impende agora deixar claro que não estará legitimamente(constitucionalmente)fundamentadaadecisão judicialque,emcasonoqualapartetenhainvocadoalgumprecedente(ouenunciadodesúmula,oujurisprudênciapredominante)quelhe favoreça,deixede indicarosmotivospelosquaisdeleseafasta,apontandoadistinçãoentre o precedente e o caso agora examinado (distinguishing) ou a superação doentendimentoadotadonoprecedente(overruling).Conclui-seocapítulodasnormasfundamentaisdoprocessocivilcomumdispositivo(art.12,

na redação da Lei nº 13256/2016) destinado a estabelecer a exigência de que os órgãosjurisdicionais profiram suas sentenças e acórdãos obedecendo, preferencialmente, a umaordemcronológicadeconclusão.Afimdeassegurarorespeitoaessaexigência,dispõeo§1oquea secretaria doórgão jurisdicional elaboraráuma lista deprocessos aptos a julgamento (oque,na linguagem forense, semprese chamoude“processosconclusospara sentença”), aqualdeveráestardisponívelparaconsultapúblicaemcartórioenaInternet.Assim,incumbeaojuizoutribunalproferirsuassentenças(masnãonecessariamenteas

decisões interlocutórias) ou acórdãos, preferencialmente segundo a ordem cronológica emqueos autos tenhamsidoenviados à conclusão.Ficamexcluídosdessa regra,porém(art.12, § 2o), as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou deimprocedência liminar do pedido; o julgamento de processos em bloco para aplicação detese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos; o próprio julgamento de casos

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repetitivos; as decisões de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485); asdecisões monocráticas proferidas nos tribunais pelo relator (art. 932); o julgamento deembargos de declaração e de agravo interno; as preferências legais (como é o caso doprocessoemqueéparteo idoso,ouosprocessosdehabeascorpus)eos casosemquehajameta, estabelecida pelo CNJ, a cumprir; os processos criminais (quando o órgãojurisdicional tiver competência cível e criminal); e as causas que exijam urgência naprolação da decisão, assim reconhecida expressamente por decisão fundamentada. Paraestas,sequerpreferencialaordemcronológicaé.Vale apenas referir, com relação a uma dessas exceções (a das decisões monocráticas

proferidas pelo relator nos tribunais), que esta deve ser entendidamodus inrebus. Quer-secom isto dizer que devem existir duas ordens cronológicas distintas de conclusão (isto é,duas filas a serem observadas): uma para as decisões monocráticas (que devempreferencialmenteserproferidasemordemcronológicadeconclusão,observadasasdemaisexceções previstas no § 2o do art. 12); outra para os acórdãos, devendo os processos serincluídos na pauta de julgamento para apreciação pelo colegiado observando-sepreferencialmente a ordem cronológica de conclusão ao relator (sempre observadas asexceçõesexpressamenteprevistas).Onítidoobjetivoaquiéevitarfavorecimentos,demodoqueumprocesso,porqualquer

razão, tenha andamento mais rápido que outro, sendo decidido primeiro, não obstantetenhamosautosidoposteriormenteàconclusão.Impende ter claro, porém, que apenas a decisão final do procedimento (tanto na

primeira instância como nos tribunais) se submete à regra preferencial da ordemcronológica.Decisões interlocutórias (mesmo nos tribunais, como é o caso da decisão dorelatorque atribui efeito suspensivo aum recurso)não “entramna fila”, bastandonessescasosaobservânciadosprazosestabelecidospelaleiprocessualparaqueasdecisõessejamproferidas.

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2

APLICAÇÃODASNORMASPROCESSUAIS

Os arts. 13 a 15 do CPC tratam de três temas distintos, reunidos sob a epígrafe “daaplicação das normas processuais”. Em primeiro lugar, regula-se a aplicação da normaprocessual no espaço (art. 13).Em seguida, trata-se da aplicaçãodanormaprocessual notempo(art.14)e,porfim,daaplicaçãosubsidiáriadoCódigodeProcessoCivilaoutrasleisprocessuais.Estabelece o art. 13 que “a jurisdição civil será regida pelas normas processuais

brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ouacordos internacionais de que o Brasil seja parte”. Há, pois, aqui a previsão, como regrageral,dequealeiprocessualaplicávelseráaleivigentenoforoondetramitaoprocesso(lexfori). Significa isto dizer que, aomenos como regra geral, quando o processo tramitar noBrasilseráobservadaalegislaçãoprocessualbrasileira.Eassimserámesmonaquelescasosemque,porqualquermotivo,aleisubstancialaplicávelsejaestrangeira.Pense-se, por exemplo, em um processo de inventário e partilha de bens situados no

BrasilemcasonoqualoautordaherançateveseuúltimodomicílioemEstadoestrangeiro.Neste caso, por força do disposto no art. 10 da LINDB (ressalvado o caso em que a leibrasileirasejamaisfavorávelaosherdeirosbrasileiros,conformedeterminamoart.10,§1o,daprópriaLINDBeoart.5o,XXXI,daCRFB),asucessãoserádisciplinadaconformealeidoEstadoondeseestabeleceraoúltimodomicíliodofinado.Aleiprocessual,porém,seráabrasileira.Opróprioart.13,porém,abreumaexceçãoàregrageral.Seráafastadaaincidênciada

lei processual brasileira sempre que haja previsão em sentido diverso em tratadointernacional de que o Brasil seja parte. Há, pois, prevalência da norma processualconvencionalsobreanormaprocessuallegal.Estaexpressaprevisãodaprevalênciadanormaconvencionalsobreanormaprocessual

temumagrandeutilidade:facilitaaadoção,peloDireitobrasileiro,denormasdestinadasaregularprocessostransnacionais (assimentendidososprocessosemquepelomenosumadaspartes tenha nacionalidade ou domicílio de Estado distinto daquele em que tramita oprocesso). Tem havido, inclusive, um movimento doutrinário (a partir do American LawInstituteedaUNIDROIT)destinadoaestabelecerprincípiosdoprocessociviltransnacional,osquaissepropõemaservirdemodeloaserobservadoemfuturaseeventuaisproposiçõeslegislativasouconvencionais.Em qualquer caso, porém, em que haja algum tratado, convenção ou acordo

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internacional ratificado peloBrasil a que se possa atribuir algumanormaprocessual, estaprevalecerásobreasnormaslegaisinternasbrasileiras.Tem-seaí,pois,umasupremaciadanormainternacionalsobreainterna,estabelecidapelapróprianormainterna.Nãohavendonormaconvencional,porém,incidirá,nosprocessosquetramitamperante

oJudiciáriobrasileiro,aleiprocessualbrasileira(lexfori).Porsuavez,oart.14 tratadaaplicaçãodanormaprocessualno tempo,aoestabelecer

que “a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos emcurso,respeitadososatosprocessuaispraticadoseassituaçõesjurídicasconsolidadassobavigênciadanormarevogada”.Adota-se,expressamente,pois,achamadateoriadoisolamentodosatosprocessuais.Significaistodizerquealeiprocessualaplicávelacadaatoprocessualéaleivigenteao

tempoemqueoatoprocessualépraticado(tempusregitactum).Aleiprocessualnovaentraemvigorimediatamente,alcançandoosprocessosemcursonomomentodesuaentradaemvigor. Coerentemente com isso, estabelece o art. 1.046 que “[a]o entrar em vigor esteCódigo,suasdisposiçõesseaplicarãodesdelogoaosprocessospendentes,ficandorevogadaaLeino5.869,de11dejaneirode1973”(oanteriorCódigodeProcessoCivil).Assim, então, a entrada em vigor de uma lei processual nova gera sua incidência

imediata,nãosóaosprocessosqueseinstauremdaípordiante,mastambémaosprocessosem curso. Não há, porém, retroatividade da lei processual, de modo que não se podeadmitir que a lei processual nova se aplique a fatos anteriores à sua vigência ou quedesrespeiteassituaçõesprocessuaisconsolidadassobaégidedanormaanterior.Éporissoque, por exemplo, no casodeprocessos instaurados antesda vigência doCPCemque sedeterminaraaobservânciadoprocedimentosumário(previstonosarts.275eseguintesdoCPC de 1973, mas que não encontra similar no Código vigente) este continua a serobservado até a prolação da sentença (art. 1.046, § 1o). Aliás, o inciso II do art. 275 doCódigo de 1973 permanece em vigor para o fim de estabelecer um rol de causas decompetênciadosJuizadosEspeciaisCíveis(art.1.063).Domesmomodo, é preciso considerar que a lei que rege o recurso é a lei vigente ao

tempo da publicação da decisão contra a qual se pretende recorrer. Afinal, uma vezpublicada a decisão judicial nasce, para os prejudicados, o direito de recorrer contra aqueladecisão (se, evidentemente, tratar-se de uma decisão recorrível). Isto é especialmenteimportante quando se pensa que o CPC trata como irrecorríveis de forma autônomaalgumas decisões interlocutórias que, ao tempo da legislação processual anterior, eramimpugnáveis por agravo. É o caso, por exemplo, da decisão que indeferir a produção deprova testemunhal.Ao tempodoCPCde1973estadecisãoera impugnávelporagravodeinstrumentoe, comavigênciadonovoCódigo,passouela a ser irrecorrível emseparado.Ora,publicadaadecisãoqueindeferiuaprovatestemunhalaindaaotempoemquevigenteo Código anterior, será admissível o recurso (no prazo e preenchidos os requisitos

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estabelecidospelalegislaçãoanterior),jáqueestasituaçãoprocessual(arecorribilidadeporagravodaqueladecisão interlocutória) já sehavia consolidado. Jáno casode vir amesmadecisão a serpublicada sob a égidedoCódigo atual amesmadecisão será irrecorrível emseparado.A adoção da teoria do isolamento dos atos processuais leva a que, necessariamente, seja

precisoexaminar,casoacaso,sea leiprocessualnova incideounão, istoé,seháounãouma situaçãoprocessual consolidada sob a égide da lei processual anterior a ser respeitada, oqueproduziráumaultra-atividadedaleiprocessualrevogada.Seriaimpossível,nosestreitoslimites deste trabalho, tentar-se examinar todas as (oumesmomuitas das) situações quepoderiam vir a ser encontradas na prática, já que a nova lei processual pode encontrarprocessos judiciais nas mais diversas fases de sua tramitação. Algumas disposiçõesexpressasexistemnoCPC,porém,emerecemserexaminadas.É o caso do direito probatório, já que o Código vigente só se aplica aos processos

pendentes quando se trate de prova requerida ou determinadadeofício após sua entrada emvigor(art.1.047).Asdisposições doCPCde 1973permanecemaplicáveis aos processos de execuçãopor

quantia certa contra devedor insolvente (art. 1.052),matéria não regulada expressamentepelovigenteCódigodeProcessoCivil.Também em relação aos limites objetivos da coisa julgada é preciso observar que, por

forçadoart.1.054,odispostonoart.503,§1o,sóseaplicaaprocessos instauradossobaégidedovigenteCPC(porforçadoqualaresoluçãodequestãoprejudicialpode,desdequeobservadas algumas exigências, ser alcançada pela coisa julgada material). No caso deprocessoinstauradoaindaaotempodavigênciadoCódigoanterioraresoluçãodaquestãoprejudicial não é alcançada pela coisa julgada, salvo se tiver sido proposta uma “açãodeclaratóriaincidental”(arts.5o,325,469,III,e470doCódigode1973).Outro caso de ultra-atividade de dispositivos doCódigo de 1973 resulta do art. 1.057,

porforçadoqual“odispostonosarts.525,§§14e15,enoart.535,§§7oe8o,aplica-seàsdecisões transitadas em julgado após a entrada em vigor deste Código, e, às decisõestransitadasanteriormente,aplica-seodispostonosarts.475-L,§1o,e741,parágrafoúnico,da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973” (o Código de 1973). Todos esses dispositivostratam do mesmo tema: a desconsideração da coisa julgada nos casos em que a decisãojudicial tenhasidobaseadaem lei (ouatonormativo)declarada inconstitucionalpeloSTF,ou em interpretação de lei (ou ato normativo) tida, pelo STF, como incompatível com aConstituição.Porfim,trata-se,noart.15,daaplicaçãosubsidiáriadoCPCàsdemaisleisprocessuais.

ÉqueoCódigodeProcessoCivil éa leiprocessualcomum, assimentendida a lei processualbásica,queregeosprocessosemgeral(enãosóosprocessoscivis).Assiméqueoreferidodispositivo legal estabelece, expressamente, que “[n]a ausência de normas que regulem

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processoseleitorais,trabalhistasouadministrativos,asdisposiçõesdesteCódigolhesserãoaplicadassupletivaesubsidiariamente”.Nos processos eleitorais, o Código de Processo Civil será aplicável subsidiariamente,

salvoquandosetratedeprocessopenal(doscrimeseleitoraisedoscrimescomunsquelhessãoconexos),casoemqueseaplicasubsidiariamenteoCódigodeProcessoPenal(art.364doCódigoEleitoral).Nos processos trabalhistas a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil é

estabelecida também pelo 769 da CLT, por força do qual “nos casos omissos, o direitoprocessualcomumserá fontesubsidiáriadodireitoprocessualdo trabalho,excetonaquiloemqueforincompatívelcomasnormasdesteTítulo[doprocessotrabalhista]”.Já no que concerne ao processo administrativo, a aplicação subsidiária doCPC resulta

expressamente deste art. 15, não havendo outro dispositivo específico a estabelecer talaplicabilidade.Aaplicabilidade subsidiáriadoCódigodeProcessoCivil vaimuito alémdoque consta

expressamentedotextodoart.15,porém.Emprimeirolugar,éprecisorecordaraaplicaçãosubsidiária do CPC ao processo penal, como expressamente tem reconhecido ajurisprudência do STJ. Além disso, o CPC é subsidiariamente aplicável a outras leisprocessuais,comoéocasodaLeideLocações(art.79daLeino8.245/1991)edeoutrasleisque sequer fazem expressa alusão ao ponto (como é o caso da Lei do mandado desegurança).Vale,aliás,frisarqueoart.1.046,§2o,expressamenteestabelecequeoCódigodeProcessoCivilésubsidiariamenteaplicávelaosprocedimentosreguladosemoutrasleis,o que afasta por completo qualquer risco de que se venha a sustentar (como tanto já sesustentouemrelaçãoa leisquenãooestabelecemexpressamente,comoéocasodas leisqueregula(ra)momandadodesegurançaeosJuizadosEspeciaisCíveis)aimpossibilidadedeaplicaçãosubsidiáriadoCPC.Certo équeoCódigodeProcessoCivil veicula a lei processual comum, a ser aplicada

como regra geral a todos os processos judiciais ou administrativos em curso no Brasil,ressalvadaapenasaexistênciadeleiespecífica(comoéocasodoCódigodeProcessoPenal,daConsolidaçãodasLeisdoTrabalhooudaLeideProcessosAdministrativosFederais)ou,nocasodeomissãodaleiespecífica,deincompatibilidadeentreestaealeigeral(casoemque se fala de aplicação subsidiária do CPC). Além disso, o Código de Processo Civil seaplicaaosprocessoseleitorais,trabalhistaseadministrativosemcarátersupletivo.Aplicaçãosupletivanãoseconfundecomaplicaçãosubsidiária.Estasedánaausênciade

disposição normativa específica. Já quando se fala em aplicação supletiva, o que se tem éumainteraçãoentrealeiespecíficaealeigeral(que,nocasoemexame,éoCPC),demodoqueseránecessáriointerpretaraleiespecíficalevando-seemconsideraçãooqueconstadalei geral. Não será possível, portanto, interpretar as disposições processuais da legislaçãoeleitoraloudaConsolidaçãodasLeisdoTrabalhosem levaremconsideraçãooCódigode

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ProcessoCivil.

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3.1

3

INSTITUTOSFUNDAMENTAISDODIREITOPROCESSUAL

Processo

O direito processual é construído sobre uma estrutura composta por três institutosfundamentais: processo, jurisdição e ação. Devem eles ser examinados exatamente nestaordem.O processo é o instrumento pelo qual aDemocracia é exercida e, em umEstadoDemocráticodeDireito,todoequalqueratoestataldepoder(enãosóosestatais,masaquiapenasestessãoobjetodeconsideração)deveserconstruídoatravésdeprocessos,sobpenade não ter legitimidade democrática e, por conseguinte, ser incompatível com o EstadoConstitucional.Oprocessoémecanismodeexercíciodopoderdemocráticoestatal,eéatravésdeleque

sãoconstruídososatosjurisdicionais.Assim,apósoexamedoprocesso,impendeexaminarajurisdição,umadasfunçõesestatais.Porfim,dadaainérciacaracterísticadajurisdição,éprecisoexaminaraação,fenômenoquepermiteprovocarsuaatuação.Inicia-se, assim, o exame dos institutos fundamentais do direito processual pelo

processo.Pois este precisa ser compreendido segundo o paradigma do Estado Democrático de

Direito.Assim,éprecisobuscardeterminaroquesejaoprocessonoEstadoConstitucional.Por conta disso, impõe-se ter claro que no EstadoDemocrático deDireito o exercício dopoder estatal só é legítimo se os atos de poder (provimentos ou pronunciamentos) foremconstruídosatravésdeprocedimentosquesedesenvolvamemcontraditório.Explique-se o ponto umpoucomelhor: a construção dos provimentos estatais exige o

desenvolvimento de um procedimento, isto é, de uma sequência ordenada de atoslogicamente encadeados e destinados à produção de um resultado final. Cada um dessesatos que compõem o procedimento é regido por alguma norma jurídica, a qual conferelegitimidadeaoatoaqueserefere.Há,pois,umasequênciadenormasjurídicasaregularumasequênciadeatosque,logicamenteencadeados,compõemoprocedimento.O encadeamento lógico a que se fez referência significa que cada um dos atos

componentesdoprocedimentosevinculaaoseuantecedenteeaoatoseguinte,exatamentecomooselosdeumacorrente(comaevidenteressalvadoprimeiroato–quenãoseligaanenhumatoantecedente–edoúltimo–quenãose ligaanenhumatoseguinte).Osatosprecisam,então,serpraticadosobservando-seaordempreviamenteestabelecidaparaqueoresultado final possa ser alcançado. A ordem não é necessariamente rigorosa a ponto de

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jamaispoder ser alterada.Evidentementehá casos emque sepodemodificar esta ordem,semprejuízo (emuitas vezes comevidentevantagem)para aproduçãodo resultado final.Assim é que, por exemplo, é possível inverter-se a ordem dos atos probatórios (o que éexpressamenteautorizadopeloart.139,VI),semprequeissoforcapazdetornaroprocessomaiseficiente(pense-se,porexemplo,emumprocessoquetenhaporobjetoumapretensãodereparaçãodedano,noqualquesepretendaproduzirprovatestemunhalparademonstrarque o réu foi o agente da conduta geradora do dano, e prova pericial para comprovar aextensão do dano: é perfeitamente possível inverter a ordem dos atos do procedimento,colhendo-seprimeiroaprovatestemunhal,umavezquenãotendosidooréuoresponsávelpela conduta ensejadora do dano não há sequer razão para colher-se a prova pericial).Ressalvada a possibilidade de flexibilização procedimental, portanto, a qual é limitada(jamaisseriapossível,porexemplo,realizar-seaaudiênciadeinstruçãoejulgamentoantesda citação do demandado, ou abrir vista dos autos ao demandante para falar em réplicaantesdooferecimentopelodemandadodacontestação),oprocedimentodeveobservarumaordem predeterminada dos atos que o compõem, os quais são, como dito, logicamenteencadeados.Poisesseprocedimentodeconstruçãodoprovimentoestatalprecisadesenvolversecom

observânciadoprincípio, já examinado, do contraditório.Éque este, compreendido comogarantiadeparticipaçãocominfluênciaedenãosurpresa,permiteaparticipaçãoefetivadosinteressadosnoresultadoemsuaconstrução.Poisessaparticipaçãocominfluênciaéoqueconfere legitimidade democrática ao provimento estatal, tornando-o constitucionalmentelegítimo.Ocontraditórioé,pois,fatordelegitimaçãodemocráticadosatosdepoderestatais(entre os quais, evidentemente, se encontram os resultados dos processos judiciais). Porcontadisso,impõe-seconceituarprocessocomoumprocedimentoemcontraditório.É importanteobservarqueestaconcepçãosobreoconceitodeprocessoé incompatível

com a teoria,majoritariamente aceita na doutrina brasileira, acerca da existência de umarelação jurídica processual. É que a relação processual (entendida como relação jurídica dedireito público, composta minimamente por três sujeitos – Estado-Juiz, demandante edemandado–edistintadarelaçãojurídicadedireitomaterialdeduzidanoprocesso)revelaumaultrapassadaconcepçãoacercadoprocessocomomecanismodeconstruçãodedecisões(e outros atos de poder) a ser conduzido pelo Estado, através de seus agentes políticos(como, por exemplo, o juiz), em busca de um resultado que por este seja construído narealização dos seus próprios escopos, o que põe a participação das partes, titulares dosinteressesaseremalcançadospeloprovimento,emumaposiçãomenor,deinferioridade.Ateoriadarelaçãoprocessualpressupõeumasuperioridadeestatalnaconduçãodoprocessoque é incompatível comamaismoderna concepçãodeEstadoConstitucional.Oprocessonãopodemaissercompreendidocomoummecanismoaserconduzidopelojuizcomoseusujeitomaisimportante.Éprecisoterdoprocessoumavisãoparticipativa,policêntrica,por

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força da qual juiz e partes constroem, juntos, seu resultado final. Não existe, pois, umarelaçãoprocessualentreEstado-Juizepartes,comoEstadoemposiçãodesuperioridade.Oqueexisteéumprocedimentoemcontraditóriodestinadoàconstruçãodosprovimentosestatais, emque todosossujeitos interessadosparticipam,em igualdadedecondições,naproduçãodoresultado. Este procedimento comparticipativo, policêntrico, que se desenvolve emcontraditórioé,precisamente,oprocesso.A instauração e regular desenvolvimento do processo dependem do preenchimento de

alguns requisitos, conhecidos como pressupostos processuais. Estes se dividem em duascategorias:pressupostosdeexistênciaepressupostosdevalidade.Aausênciadealgumpressupostodeexistênciaimplicaaprópriainexistênciajurídicado

processo. Dito de outro modo, faltando algum pressuposto de existência não se estarádiante de um verdadeiro processo. Neste caso, deve o juízo, por ato meramenteadministrativo,determinarocancelamentodadistribuiçãoedetodososregistrosreferentesàquele“processo”(quenãoéverdadeiramenteumprocesso).Perceba-sequenestecasonãosepodecogitardeumasentençadeextinçãodoprocesso,poisnãosepodeextinguiroquenãoexiste.Presentestodosospressupostosdeexistência,haveráprocesso.Nestecaso,então,será

preciso verificar se foram preenchidos os pressupostos de validade. A ausência depressupostodevalidadeimplicaaextinçãodoprocesso(existente)semresoluçãodomérito,nostermosdoart.485,IV.Impendeterclaro,porém,que,verificadaaausênciadepressupostodevalidade,sempre

será preciso apurar a possibilidade de correção do vício. Sanado este, o processo poderáseguirregularmenteemdireçãoaoprovimentodemérito.Apenasnocasodenãovirasersanadoovícioéqueoprocessodeveráserextinto.Sãopressupostosprocessuaisumjuízoinvestidodejurisdição,partescapazeseumademanda

regularmenteformulada.É preciso, porém, ter claro que são pressupostos de existência um juízo, partes e uma

demanda. Sem algum destes não haverá processo. Presentes esses pressupostos deexistência, odesenvolvimentoválido e regulardoprocesso exigirá a investidura do juízo, acapacidadeprocessualearegularidadeformaldademanda.Oprimeiropressupostoprocessualéumjuízoinvestidodejurisdição.Antesdetudo,exige-

se que o processo instaure-se perante um juízo, isto é, perante um órgão jurisdicional doEstado.Evidentemente,estepressupostosóéexigidoporqueseestáaestudaroprocessojurisdicional. Processos outros, de naturezas distintas, têm seus próprios pressupostos deexistência e de validade. Mas para que exista processo jurisdicional é preciso que ele seinstaure perante um órgão jurisdicional do Estado. Assim, por exemplo, no caso de seajuizardemandaperanteumórgãoadministrativo(comoseria,porexemplo,aCorregedoriadeJustiçadeumtribunal,ouumaDelegaciadePolícia),nãohaveráprocessojurisdicional.

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Instauradooprocessoperanteumjuízo,porém,suavalidadedependerádainvestiduradoórgão jurisdicional. Entenda-se: a Constituição da República estabelece a estrutura doJudiciário brasileiro, dividindo-o em diversos segmentos (Supremo Tribunal Federal,Superior Tribunal de Justiça, JustiçaMilitar, Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho, JustiçaFederaleJustiçaEstadual,ficandodeforadestalistaoConselhoNacionaldeJustiçaporque,não obstante integre o Judiciário, não é órgão jurisdicional, mas meramenteadministrativo). A própria Constituição da República estabelece, entre esses órgãosjurisdicionais,umadivisãodetrabalho,fixandooscasosemquecadaumdessessegmentosdo Judiciário poderá atuar. Assim, por exemplo, incumbe ao Supremo Tribunal Federalconhecer de mandados de segurança que impugnem atos praticados pelo Presidente daRepública; incumbe à Justiça Federal conhecer dos processos em que a União sejademandante, demandada, assistente ou opoente; incumbe à Justiça Estadual conhecer decausasrelativasaDireitodeFamília,eassimpordiante.Aessa“áreadeatuação”decadaumdosorganismosjurisdicionaisconstitucionalmente

previstosdá-seonomedeinvestidura(emborahajaquemprefiradenominá-la“competênciaconstitucional”).Investidura,enãocompetência,poisesteétermoquedeveserreservadoparadesignaraáreadeatuaçãodecadaumdosórgãosjurisdicionais.Assim,porexemplo,deve-sefalarem investiduradaJustiçaEstadualeemcompetênciadaVaradeFamília (oudaVaraEmpresarial, oudaVaraCível), assimcomosedeve falar em investiduradaJustiçaFederal eemcompetênciadasVarasPrevidenciárias.A investidura de cada uma das Justiças é pressuposto processual de validade, pois

corresponde à exigência de que o processo tramite perante o juiz natural, o qual devecorresponderaojuízocom“competênciaconstitucional”preconstituída.Emoutrostermos,ojuiznaturaldacausaéojuízocominvestiduraparaatuarnaqueletipodecausa.Esteépontorelevante,equeprecisasermencionado(máximepelo fatodequeoCPC

não fazmençãoaoprincípiodo juiznaturalquandoapresentaasnormas fundamentaisdoprocesso civil, embora tal princípio integre o modelo constitucional de processo civilbrasileiro).Todo processo deve desenvolver-se perante seu juiz natural. Por juiz natural deve-se

entender o juízo constitucional, isto é, o juízo com “competência constitucional” (rectius,investiduradejurisdição)paraacausa.Assim,porexemplo,ojuiznaturaldeumprocessoque tenha a União como demandante é a Justiça Federal; o juiz natural das causastrabalhistaséaJustiçadoTrabalho;ojuiznaturaldascausasdefamíliaéaJustiçaEstadual,eassimpordiante.Perceba-sequeacompetência (fenômenodequese trataráadiante)nãoestávinculada

aoprincípio do juiz natural.Assim, no caso de o processo instaurar-se na “Justiça certa”,masna“Varaerrada” (pense-se,porexemplo,no casodeumprocessodedivórcioqueseinstaureperanteumaVaraCível, enãoperanteVaradeFamília), estar-se-á diantedeum

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casodeincompetência,masnãofaltarápressupostodevalidadedoprocesso,jáqueojuízocível,porintegraraJustiçaEstadual(amesmaaquepertenceojuízodefamília),pertenceaojuiznaturaldacausa.Nestecasoháumvíciomenosgrave,defaltadecompetência,semqualquer afronta às normas constitucionais (mas com violação de normainfraconstitucional).Comoseveráadiante,istoteráconsequênciasrelevantes.ÉqueaConstituiçãodaRepúblicavedaaexistênciadejuízooutribunaldeexceção(art.

5o,XXXVII).Daíseextraiaexigênciadequeo juiznaturalsejaumjuízocominvestidurapreconstituída.Emoutrostermos,quandoumacausaélevadaaoJudiciário,impõeanormaconstitucionalqueelasejasubmetidaàapreciaçãodeórgãojurisdicionalquetinha,àépocaem que ocorreram os fatos que serão debatidos, “competência constitucional” para delaconhecer. Eventuais mudanças de investidura (as quais podem ocorrer por EmendaConstitucional) só podem alcançar fatos posteriores, não podendo retroagir para alcançarfatos a ela anteriores, sob pena de violar-se a garantia do juiz natural. Figure-se umexemplo: imagine-seumato ilegalpraticadoporPresidentedaRepública,contraoqualsepretenda impetrar mandado de segurança. Estabelece a Constituição da República que oconhecimento dessa causa cabe ao Supremo Tribunal Federal. Pense-se, agora, napossibilidade de vir a ser aprovada uma Emenda Constitucional transferindo oconhecimentodessa causaparaoSuperiorTribunalde Justiça.Poisbem: aEmenda só seaplicaria amandadosde segurançadestinados a impugnar atos praticadospeloPresidentedaRepública após sua vigência.Ummandado de segurança impetrado após a vigência daEmendamasquesedestineaimpugnaratopraticadoantesdeladeveráserapreciadopeloSupremoTribunalFederal,juiznaturaldacausa.Imagine-se, agora, que, em vez damencionada (e hipotética) Emenda Constitucional,

tivesse sido aprovada apenas uma emenda regimental ao Regimento Interno do STF,alterandoacompetênciaparaconhecerdemandadodesegurançacontraatodoPresidentedaRepública,demodoatransferi-ladoPlenáriodaCorteparaassuasTurmas.Nestecasonãohaveriamudançadoórgãoconstitucionalmenteinvestidodejurisdição(quecontinuariaa ser o STF, seu juiz natural),mas se teriamodificado a competência. Esta nova regra seaplicaria imediatamente,não só aosprocessos instauradosposteriormente à alteraçãoquesereferissema fatosanteriores,masatémesmoaosprocessospendentesnomomentodoiníciodavigênciadanovaregra,aqualalcançariaosprocessosemcurso.Emoutros termos:mudanças que afetem o juiz natural só alcançamprocessos que se

refiramafatosocorridosdepoisdaalteração;mudançasqueafetemacompetência(mantidoojuiznaturaldacausa)podemalcançaratémesmoprocessospendentes.A instauração de processo perante juízo sem investidura de jurisdição, não obstante

impliquea ausênciadepressupostoprocessualdevalidade, é vício sanável,devendoseroprocesso encaminhado ao seu juiz natural, para que ali tenha curso regular. Respeita-se,assim,oprincípiodaprimaziadaresoluçãodomérito,consagradopeloCPC.

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Osegundopressupostoprocessualéqueoprocessotenhapartescapazes.Eaqui,umavezmais,éprecisoexaminarseparadamenteoqueseapresentacomopressupostodeexistênciaeoqueépressupostodevalidadedoprocesso.Paraqueexistaprocessoéprecisoqueeletenhapartes(pelomenosduas).Équenãose

admitequealguémváajuízo“contrasimesmo”.Oprocessoexigequealguémdemandeemfacedeoutrem,formulandoumapretensãoque,seacolhida,irábeneficiá-lo,alcançandodeforma negativa a esfera jurídica de outrem. Aquele que pretende o resultado benéfico eaquele que será alcançado por eventual resultado desfavorável, então, precisam participar(emcontraditório)doprocessodeconstruçãodoresultado.Semapresençadepelomenosduaspartes,portanto,nãoexisteprocesso.Valeregistrar,aqui,porém,aexcepcionalpossibilidadedehaverprocessocomumaparte

só(istoé,processosemdemandado),emcasosexpressamenteprevistos.Éoquese tem,por exemplo, noprocesso instauradopelopedidode autofalência, emqueumempresário(ouumasociedadeempresária)vaiajuízopedindoadecretaçãodesuaprópriaquebra.Esteéprocessoqueseinstaurasemdemandado,jáqueodemandantepostulaumaprovidênciaque, se deferida, alcançará a suaprópria esfera jurídica individual.Este éumexemplode“processo sem réu”. Mas são raros os casos em que isso é possível. A regra é que hajasemprepelomenosduaspartes,umaquedemandaeoutraqueédemandada.Oregulardesenvolvimentodoprocessoexigequeaspartestenhamcapacidadeprocessual.

Esta é, portanto, pressuposto de validade do processo. E a capacidade processual é umatríplice capacidade (capacidade de ser parte, capacidade para estar em juízo, capacidadepostulatória).Têm capacidade de ser parte todas as pessoas naturais e jurídicas e, além delas, os

chamados“entesformais”,assimentendidososentesdespersonalizadosquerecebemdaleicapacidadedeserparte,comoéocasodoespólio,damassafalidaedocondomínioedilício,entreoutros.Nocasodeinstaurar-seprocessoquetenhacomodemandanteoudemandadoumapartedesprovidadetalcapacidade,seráprecisoextinguiroprocessosemresoluçãodomérito(nãosemantesabrir-seoportunidadeparacorreçãodovício).Tendo demandante e demandado capacidade de ser parte, é preciso verificar se está

presente a capacidade para estar em juízo. É que, na forma do disposto no art. 70, “[t]odapessoaqueseencontrenoexercíciodeseusdireitos temcapacidadeparaestarem juízo”,complementando esta ideia o art. 71 ao afirmar que “[o] incapaz será representado ouassistidoporseuspais,portutorouporcurador,naformadalei”.Assim,aquelesque,nostermosdaleisubstancial,sejamrelativamenteincapazes,terãodeserassistidos,enquantoosabsolutamenteincapazesserãorepresentados.Verificada a incapacidade para ser parte, deverá o juízo, suspendendo o processo,

designar prazo razoável para que seja sanado o vício. Não sendo corrigido o defeito, eestandooprocessonainstânciaoriginária,oprocessoseráextintosefaltarcapacidadepara

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estar em juízo aodemandante (art. 76, §1o, I); se forodemandadoanão ter corrigido ovício, será considerado revel (art. 76, § 1o, II), prosseguindo o processo em direção aoprovimentodemérito.Daíseextraique,naverdade,apenasacapacidadeparaestaremjuízododemandanteé

verdadeiramente um pressuposto de validade do processo. Regularmente citado odemandadoenãocomparecendoesteajuízodeformaregular(istoé,casoelesejaincapazterá de ser representado ou assistido), o processo poderá seguir normalmente, embora odemandadosejaconsideradorevel.Porfim,exige-sedaspartescapacidadepostulatória,assimentendidaaaptidãoparadirigir

petições ao órgão jurisdicional. Estabelece o art. 103 que “[a] parte será representada emjuízoporadvogadoregularmenteinscritonaOrdemdosAdvogadosdoBrasil”.Assim,comoregrageralexige-sequeapartesefaçarepresentaremjuízoporadvogado.Casoshá,porém,em que é possível postular em causa própria, ainda que não se tenha habilitação paraadvogar. É o que se dá, por exemplo, no processo do habeas corpus ou nos JuizadosEspeciaisCíveisEstaduaisseovalordacausanãoultrapassaroequivalenteavintesaláriosmínimos.Alémdisso,háprofissionaisquetêmcapacidadepostulatórialimitadaaoexercíciodesuasfunções,comoéocasodosmembrosdoMinistérioPúblico,quepodematuar,nosprocessosparaosquaistenhamatribuição,semnecessidadedeconstituiradvogado.Para o caso de falta de capacidade postulatória aplica-se tudo quanto foi dito

anteriormente acerca da falta de capacidade para estar em juízo. Verificando o juízo (deofícioouporprovocaçãodaoutraparte)quealgumadaspartesnãoestá representadaemjuízoporquemtenhacapacidadepostulatória,deverásersuspensooprocessoparasanar-seo vício (art. 76), sob pena de extinguir-se o processo se faltar capacidade postulatória aodemandante,oudeseguiroprocessoàrevelia,seaodemandadofaltarquemorepresenteadequadamente(art.76,§1o).Porfim,oterceiropressupostoprocessualéumademandaregularmenteformulada.Aexistênciadoprocessoexigequesetenhapropostoumademanda.Pordemandadeve-

seentenderoato inicialdeexercíciodaação.Éque,sendoinertea jurisdição(aqualnãopode ser exercida, ao menos como regra geral, de ofício), só poderá haver processo seocorrer uma provocação (art. 2o). “Processo” que se instaure de ofício (ressalvados osexcepcionalíssimos casos emque isto é expressamente permitido, como se dáno casodoprocesso de restauração de autos, nos termos do art. 712) é, na verdade, processoinexistente,devendooórgãojurisdicionaldeterminar,poratoadministrativo,ocancelamentodesuadistribuiçãoedetodososseusregistros.Semdemanda,portanto,nãopodehaverprocesso.Eéesteomomentoadequadoparase

recordarquetodademandaé identificadaportrêselementos(oselementosidentificadoresouconstitutivosdademanda):partes,causadepedirepedido.Partesdademandasãoaquelequeapropõe(demandante)eaqueleemfacedequemela

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3.2

éproposta(demandado).Quandoademandainstauraumprocessocognitivoodemandantecostumaserchamadodeautoreodemandadoderéu.Noprocessodeexecuçãousa-sefalaremexequenteeexecutado.Causadepediréoconjuntodefatosemquesefundaapretensãodeduzidaemjuízopelo

demandante.Observe-sequeacausadepediréformadaexclusivamenteporfatos(jáqueodireito processual civil brasileiro adota, a respeito da causa de pedir, a chamada teoria dasubstanciação). Pode-se dividir a causa de pedir em remota (o fato ou conjunto de fatosconstitutivododireitoalegadopelodemandante)epróxima (o fatoouconjuntode fatosdequeresultaointeressedeagir).Assim,porexemplo,quandoalguémvaiajuízocobrarumadívida resultante de um contrato de mútuo, a causa de pedir remota é o contrato e apróximaoinadimplementodaobrigação.Por fim, pedido é a manifestação processual de uma pretensão (assim entendida a

intençãodesubmeterointeressealheioaopróprio).Nãohádemandasempedido,eestesedivideemimediatoemediato.Pedidoimediatoéoprovimentojurisdicionalpostulado;pedidomediatoobemdavidapretendido.Assiméque,nocasodealguémirajuízoparapostularacondenação do demandado a pagar uma quantia em dinheiro, o pedido imediato é asentençaepedidomediatoodinheiroquesepretendereceber.Semdemanda,comodito,nãoháprocesso.Eparaqueoprocessopossadesenvolver-se

regularmenteéprecisoqueademandatenhasidoregularmenteformulada.Équeademandaéatoquesepraticaatravésdeuminstrumentodenominadopetiçãoinicial, e a leiprocessualexige que toda petição inicial preencha uma série de requisitos indispensáveis (como sepode ver, por exemplo, no art. 319, que enumera os requisitos da petição inicial doprocedimentocomumdoprocessodeconhecimento).A faltadealgumrequisito implicaairregularidade formal da demanda. Quando isso ocorre, é preciso dar ao demandanteoportunidadeparasanarovício(emendandoapetiçãoinicial).Nãosendosanadoodefeito,porém, deve a petição inicial ser indeferida, extinguindo-se o processo sem resolução domérito(art.485,I).

Jurisdição

Comosabido, jurisdiçãoéumadas três funçõesclassicamenteatribuídasaoEstado,aoladodafunçãolegislativaedaadministrativa.Éfunçãoestatalpordefiniçãoe,portanto,nãose pode aceitar a tese da natureza jurisdicional de outros mecanismos de resolução deconflitos, como é o caso da arbitragem. Equivalentes da jurisdição não têm naturezaverdadeiramentejurisdicional.SópodeserjurisdiçãooqueprovenhadoEstado.Parabuscardefinirjurisdição,épreciso,emprimeirolugar,dizeroqueelanãoé. A jurisdição não é uma função estatal de composição de lides. Em primeiro lugar,

porque nem sempre existe uma lide (assim entendido o conflito de interesses qualificado

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porumapretensãoresistida)paracompor.Alidenãoéelementoessencialàjurisdição,masumelementoquelheémeramenteacidental.Emoutraspalavras,atépodehaverumalidesubjacente ao processo, mas não é essencial que isto ocorra. É que existem casos dejurisdição sem lide, como se dá, por exemplo, quando é proposta uma “demandanecessária”(assimentendidaaquelademandaquesepropõenoscasosemqueodireitosópodeserefetivadoatravésdoprocessojurisdicional,comoporexemplonocasodeanulaçãode casamento, em que o resultado só pode ser produzido através de um processojurisdicional,mesmoquenãoexistaumalideentreosinteressados).Alémdisso,atravésdajurisdiçãonãosecompõealide(ouseja,nãosepõemjuntos[comporécom+por,istoé,porjunto]osinteressesemconflito,comoacontecenoscasosemqueasoluçãodolitígiosedáporalgummeioconsensual),masse impõeumasolução,queéoresultadoadjudicado,porforçadoqualsereconheceodireitodealguémemdetrimentodeoutrem.Tampoucosepodedefinirjurisdiçãocomoumafunçãoestataldeatuaçãodavontadeda

lei.E istopornãosepoderacreditarnaexistênciadealgocomouma“vontadeda lei”(ouemuma“vontadedolegislador”).Alei,quenãoéumser,nãoédotadadevontadeprópria.E a vontade do legislador é algo que, a rigor, não existe (e se existisse seria irrelevante).Qualarelevânciadesedeterminarporqueumaleifoifeitacomotextoquetem?Qualterásido a vontade dos autores da lei? Será que a lei foi aprovada pelo Legislativo porunanimidade?O que terá levado os integrantes do Legislativo a votar por sua aprovação?Seráquetodosofizerampelomesmomotivo?Equalaimportânciadisso?Issodemonstraairrelevânciadeseperquiriravontadedolegislador(oudalei).Jurisdição é a função estatal de solucionar as causas que são submetidas ao Estado, através do

processo,aplicandoasoluçãojuridicamentecorreta.Trata-se,comojádito,deumafunçãoestatal,exercida diante de causas, isto é, de casos concretos. O Judiciário não julga teses, julgacausas. E o ato jurisdicional que dá solução à causa precisa ser construído através doprocesso,entendidocomoprocedimentoemcontraditório.A jurisdição é, em outros termos, a “jurisconstrução” (perdoe-se o neologismo) de um

resultado juridicamentecorretoparaacausasubmetidaaoprocesso.Eo resultadoprecisaserjuridicamentelegítimo.Nãopodeojuiz“inventar”asoluçãodacausa.NinguémvaiaoJudiciário em busca de uma solução a ser inventada pelo juiz. O que se busca é oreconhecimentodeumdireitoquejásetem(edaíanaturezadeclaratóriadajurisdição,dequesetrataráadiante).Ecabeaojuiz,então,daràcausaumasoluçãoconformeaoDireito.O papel do juiz, como intérprete, não é inventar uma norma jurídica para solucionar acausa,masaplicaranormajurídicaadequadanocasoconcreto.Edevefazê-losemexercerqualquer tipo de poder discricionário. A discricionariedade judicial é absolutamenteincompatívelcomoEstadoDemocráticodeDireito.Issoporquefalardediscricionariedadeé falar de “indiferentes jurídicos”. Afinal, quando se reconhece um poder discricionário oquesefazéreconhecerque,diantededuasoumaisrespostaspossíveis,todaslegítimas,pode

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otitulardopoderdedecidirescolherqualquerdelas(sendo,pois,juridicamenteindiferentequaldasalternativaséaescolhida).Ora,noEstadoDemocráticodeDireitonãosepodeadmitirqueumacausasejasubmetidaao Judiciárioesuasoluçãoseja indiferente,podendoo juizlivremente escolher entre diversas decisões possíveis, todas corretas. Existe, para cadacausa, uma resposta correta, uma decisão constitucionalmente legítima, e só ela pode ser aproferidaemcadacasoconcreto.Incumbe ao Judiciário identificar, através de um processo de que participam,

cooperativamente,todososinteressados,asoluçãocorretadacausaquelhefoiapresentada.E dar ao processo essa solução correta. Este resultado juridicamente correto,constitucionalmentelegítimo,doprocesso,éoresultadodaatividadejurisdicional.A jurisdição tem três características essenciais: inércia, substitutividade e natureza

declaratória.Porinérciadajurisdiçãoentende-seaexigência,estabelecidapeloordenamentojurídico,

dequeoEstadosóexerçafunçãojurisdicionalmedianteprovocação(art.2o).Ressalvadososcasosexpressamenteprevistos,emqueseadmitea instauraçãodoprocessodeofíciopelojuiz (como no exemplo do processo de restauração de autos, nos termos do art. 712), oprocessojurisdicionalsóseinstauraquandoprotocoladaumapetiçãoinicial(art.312).Consequênciadainérciadajurisdiçãoéanecessidadedecongruênciaentreademandae

o resultadodoprocesso.Dito de outra forma, nãopode o resultadodoprocesso sermaisamplo,objetivaousubjetivamente,doqueademandaproposta.Assim,porexemplo,emumprocessoinstauradopordemandapropostaporA,quepede

acondenaçãodeBaocumprimentodeumaobrigação,nãopodeasentençacondenarBemfavordeC(quenãoédemandante),oucondenarD(quenãoédemandado)emfavordeA.Domesmomodo,nãopodeojuizproferirsentençafundadaemfatosquenãointegrama

causadepedir,oudecidirsemrespeitarosestritos limitesdopedido formulado(deixandode examinar algo que tenha sido postulado, concedendo mais do que foi pedido ouconcedendo resultado distinto daquele que tenha sido pretendido). Têm-se, nesses casos,sentençasquesãochamadasdecitrapetita(aqueficaaquémdademanda),ultrapetita(aqueconcedemais do que se pediu) e extra petita (a que concede algo diverso daquilo que foipostulado).A segunda característica é a substitutividade. É que a jurisdição é uma função estatal

exercida em razão da vedação da autotutela. Não sendo autorizado que cada pessoapratique,demãoprópria,osatosnecessáriosàsatisfaçãodeseusinteresses(comaressalvados casos em que isso é expressamente autorizado, como se dá no caso de autotutela daposse),incumbeaoEstadoexercerajurisdiçãoepraticarosatosnecessáriosàsatisfaçãododireito que por autotutela não se pode proteger. A atuação jurisdicional, porém, não selimitaasubstituiraatuaçãodoquetemrazãoenãopodeagirdemãoprópria.OEstado,aoexercer jurisdição, substitui também aquele que não tem razão. Basta pensar no caso de

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umaobrigaçãopecuniáriaquenão tenha sido cumprida.Nesse caso,oEstado-Juiznãosósubstituioagirdocredor(buscandonopatrimôniododevedorosmeiosnecessáriosparaasatisfaçãodocrédito),mastambémsubstituiaatuaçãododevedor(usandobensdesteparapagaradívida).Asubstitutividadeinerenteàfunçãojurisdicionalpermitequeatravésdoprocessosejam

produzidos resultados que tornam dispensável a atuação das partes. É o que se dá, porexemplo, naqueles casos em que a parte estava obrigada a celebrar um contrato e nãocumpresuaobrigação.Nestahipótese,épossívelaprolaçãodeumasentençaquesubstituaocontratoquedeveriatersidocelebrado(art.501).A terceira e última característica essencial da jurisdição é sua natureza declaratória. É

que através da jurisdição o Estado não cria direitos subjetivos, mas reconhece direitospreexistentes.Esteépontorelevante:ninguémvaiaoJudiciárioembuscadeumdireitoquelhe seja atribuído pelo juiz. Busca-se o reconhecimento e a atuação prática de um direitoque já se tem, mas não foi reconhecido. A atividade jurisdicional é essencialmentedeclaratória de direitos, reconhecendo e atuando posições jurídicas de vantagempreexistentes.Não se pode encerrar esta brevíssima exposição acerca da jurisdição sem recordar que

elaseclassificaemduascategoriasfundamentais:jurisdiçãocontenciosaejurisdiçãovoluntária.É relevantemencionar aqui essa classificação pelo fato de que ela é reconhecida pelo

Código de Processo Civil, o qual estabelece uma separação entre os procedimentoscontenciososeosvoluntários(sendoestestratadosnosarts.734a786).Chama-se jurisdição voluntária à atividade de natureza jurisdicional exercida em

processoscujoobjetosejaumapretensãoàintegraçãodeumnegóciojurídico.Explique-se:há negócios jurídicos cujas validade e eficácia dependem de um ato judicial que ocomplemente, aperfeiçoando-o. É o que se dá, por exemplo, no caso de um divórcioconsensualdeumcasalquetenhafilhosincapazes.Nestecaso(diferentementedoquesedáquando o casal não tem filhos incapazes, hipótese em que o negócio jurídico por elescelebrado, observados os requisitos formais estabelecidos em lei, é válido e eficazindependentementedeparticipaçãodoEstado-Juiz)onegóciojurídicosóéválidoeeficazseaprovadojudicialmente.Épreciso,então,queemcasosassimseinstaureumprocessoemque se veiculará pedido de integração (isto é, de complementação) do negócio jurídico.Aatividadejurisdicionaldesenvolvidaemcasosassiméconhecidacomojurisdiçãovoluntária.Jáaassimchamada jurisdiçãocontenciosa é, na verdade, a “jurisdiçãonão voluntária”.O

quesequerdizercomissoéque,qualqueroutraquesejaapretensãoveiculada,oprocessoaserinstauradoserácontencioso,enãovoluntário.Ditodeoutromodo:formuladoqualquerpedidoquenãosejademeraintegraçãodenegócio jurídico, instaurar-se-áumprocessodejurisdiçãocontenciosa.A jurisdição voluntária é verdadeira atividade jurisdicional (jurisdição stricto sensu),

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3.3

devendo o provimento de jurisdição voluntária ser produzido através de um verdadeiroprocesso,emquesejamrespeitadastodasasgarantiasinerentesaomodeloconstitucionaldodireito processual civil brasileiro. Haverá aí, e este é um aspecto fundamental, umprocedimento em contraditório. Mas há diferenças (além das evidentes semelhanças) entre ajurisdiçãocontenciosaea jurisdiçãovoluntária.Pense-se,porexemplo,no fatodequeaosprocessosdejurisdiçãovoluntáriaaplicam-seasdisposiçõesgeraisprevistasnosarts.719a725, inaplicáveis aos processos de jurisdição contenciosa (entre as quais a autorizaçãogenericamente atribuída ao Ministério Público e à Defensoria Pública para provocar ainstauração do processo, nos termos do art. 720, além da exigência de que o juiz profiratodasassuasdecisões,inclusiveassentenças,noprazodedezdias,conformeestabeleceoart.723,excluídoodispostonoart.226,III).

Ação

Sendo inertea jurisdição, impendeexaminaro fenômenoquepermiteamovimentaçãodo aparelho judiciário. E este fenômeno é tradicionalmente chamado de ação (sendoconhecidas,comomesmosentido,expressõescomo“direitodeação”,“poderdeação”ou“direitodeagir”,entreoutrassemelhantes).Dá-se o nome de ação ao direito (empregada a palavra aqui em sentido amplo,

designando uma posição jurídica de vantagem), a todos assegurado, de atuar em juízo,exercendoposiçõesativasaolongodetodooprocesso,afimdepostulartutelajurisdicional.Desta definição se extrai uma evidente ligação entreação e processo. É que o direito de

ação se exerce no processo, atuando neste em contraditório, de modo a buscar influir naformaçãodoresultadodaatividadeprocessual.Pode-semesmodizerqueodireitodeaçãoéo direito de participar, em contraditório, do processo. Esta forma de compreender a ação,perceba-se, aafastadavisão–datavenia equivocada–dequea ação seriaumaespéciede“direitodedarinícioaoprocesso”,oqueseesgotariacomoajuizamentodapetiçãoinicial.Emverdade,odireitodeaçãoéexercidoporambasasparteseaolongodetodooprocesso.Semprequealguématuanoprocessoocupandoumaposiçãoativa,buscandoinfluenciarnaformaçãodoseuresultado,estar-se-ádiantedeumatodeexercíciododireitodeação.Valeperceber, então,queaaçãonãoéapenasumdireitododemandante,daqueleque

provocaa instauraçãodoprocesso.Tambémodemandadoexercedireitodeação.Afinal,odemandadotemtantodireitoquantoodemandantedeparticipardoprocessoebuscarumresultadoquelhefavoreça.Istopermitecompreender,porexemplo,porqueadesistênciadaaçãomanifestadapelodemandantedepoisdacontestaçãosóacarretaaextinçãodoprocessosecomelaodemandadoconcordar(art.485,§4o).Équenocasodadesistênciadaação,oautor afirma expressamente sua vontade denão continuar a exercer o direito de ação, demodo a não mais participar do processo. Ora, se o demandado já ofereceu contestação,

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extrai-sedaíque tambémeleestáaexercerde formaativa,nesseprocesso,seudireitodeparticipar em contraditório e, caso também ele pretenda não mais exercer tal direito(concordando com a desistência), outra solução não haverá a não ser a extinção doprocesso. Afinal, nesse caso nenhuma das partes quer continuar a atuar no processo.Deoutro lado, casoo réunão concorde comadesistênciamanifestadapelo autor,oprocessodeveráprosseguir,eisqueodemandadotemtantodireitoquantoodemandantedeatuarnoprocessoembuscadeumadecisãoqueofavoreça.Alémdisso,precisaficarclaroqueodireitodeaçãonãoseesgotanomomentoemquea

partepraticaseuprimeiroatodestinadoapostulartutelajurisdicional(sejaapetiçãoinicialou o primeiro ato de defesa). Exerce-se o direito de ação ao longo de todo o processo,atravésdapráticadeatos(comoproduzirprovaouinterporrecursos)destinadosainfluirnaformação do resultado do processo, buscando influir na construção de um resultadofavorávelaoquetenhapraticado.Odireitodeação–queencontraprevisãoconstitucionalno incisoXXXVdoart.5o da

ConstituiçãodaRepública,por forçadoqualnãosepodeexcluirdequemquerquesejaoacesso ao Judiciário embusca de tutela para posições jurídicas de vantagem– é, então, odireito de, participando do processo em contraditório, buscar obter um resultadojurisdicional favorável. Esse direito, porém, existe mesmo que seu titular não tenha,efetivamente, o direitomaterial alegado (e é isto que se chama de abstração do direito deação). Também aquele que não tem o direitomaterial que alegue possuir será titular dodireito de ação. Afinal, aquele que não tem razão também tem o direito,constitucionalmente assegurado, de participar do processo e influir na formação do seuresultado.Enissonadahádeestranho.Équeaqueleque,noplanododireitomaterial,nãotemrazãotambémtemodireitodeobtertutelajurisdicional.Bastaperceberqueaquelequenão tem razão tem o direito de ficar vencido no estrito limite daquilo em que não tenharazão.Oquesequerdizercomissoéqueaquelequefiquevencidonoprocessotemodireito

de não ser vencido além dos limites do direito de que o vencedor é titular.Um exemplodemonstrará o que se quer dizer: imagine-se que alguém é devedor de certa quantia emdinheiro.Poistemeleodireitodeverreconhecidaemjuízoaexistênciadesuaobrigaçãodepagar exatamente a quantia devida, e nemumcentavo amais.Casooprocesso levasse aumprovimentoqueafirmasseseradívidamaiordoquerealmenteé,estar-se-iaaviolarodireitodovencidodeverreconhecidasuaobrigaçãonoestritolimitedesuaexistência.O exercício do direito de ação será regular se preenchidos dois requisitos,

tradicionalmenteconhecidoscomo“condiçõesdaação”:legitimidadeeinteresse(art.17).Legitimidade é a aptidão para ocupar, em um certo caso concreto, uma posição

processual ativa. Exige-se tal requisito não só para demandar (aquilo a que se costumareferircomo“legitimidadeparaagir”),masparapraticarqualqueratodeexercíciododireito

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de ação. Assim, exige-se legitimidade para demandar, para contestar, para requerer aprodução de uma prova, para recorrer etc. Um ato processual só pode ser praticadovalidamente por quem esteja legitimado a fazê-lo. Faltando legitimidade, o ato deve serconsiderado inadmissível (e, no casode ademanda ter sido ajuizadaporquemnão estejalegitimadoafazê-lo,oprocessodeveráserextintosemresoluçãodomérito,nostermosdoart.485,VI).Importa,aqui, fazerbrevesconsideraçõesacercadalegitimidadeparaademanda(tanto

no que diz respeito à posição ativa, de demandante, quanto à posição passiva, dedemandado).Esta,ordinariamente,éatribuídaaossujeitosdarelaçãojurídicadeduzidanoprocesso.Assim,aquelequeafirma,napetiçãoinicial,serotitulardodireitomaterialquepretende fazervalerem juízo,éo legitimadoativoordinário para ademanda.Deoutro lado,aquelequeéindicado,napetiçãoinicial,comosendoosujeitopassivodarelaçãopostaemjuízo será o legitimado passivo ordinário. À guisa de exemplo, pode-se pensar em umademanda cujoobjeto seja a cobrançadeumadívida, casoemquea legitimidadeordináriaativa será daquele que afirme, na petição inicial, ser o credor da obrigação cujocumprimento se exige; e legitimado ordinário passivo será aquele a quem se imputa, napetiçãoinicial,aposiçãodedevedor.Não se pode, porém, deixar de fazer referência à legitimidade extraordinária, assim

entendidaa legitimidadeatribuídapeloordenamentojurídico aquemnãoé sujeitoda relaçãojurídica deduzida no processo (art. 18). Significa isto dizer que a lei – e também aConstituição da República – pode atribuir legitimidade a alguém que, não sendo (e nemsequer afirmando ser) sujeito da relação jurídica deduzida no processo, fica autorizado aocupar uma posição processual ativa ou passiva. É o que se dá, por exemplo, no casoestabelecido no art. 5o, LXX, b, da Constituição, que atribui legitimidade às entidades declasse,organizaçõessindicaiseassociaçõeslegalmenteconstituídaseemfuncionamentohápelomenos um ano para impetrar, emnomepróprio,mandado de segurança coletivo emdefesa de interesses de seusmembros ou associados. Também se admite a atribuição delegitimidade extraordinária por negócio processual (legitimidade extraordinária negocial).Imagine-se, por exemplo, a seguinte hipótese: uma pessoa jurídica celebra, com umaoperadora de planos de saúde, contrato cujo objeto é assegurar assistência médica ehospitalaraseusempregadosedependentes,eseinclui,nocontrato,cláusulaqueautorizaapessoajurídicacontratanteademandar,emnomepróprio,nadefesadosdireitosdosseusempregados e dependentes. Neste caso, a pessoa jurídica contratante poderia, graças àlegitimidadeextraordinárianegocial,ajuizardemandaemfacedaoperadoradoplanopara,por exemplo, exigir desta que custeie um tratamento ou uma intervenção a que obeneficiáriofariajus.O legitimadoextraordinárioatua,pois, emnomepróprio,masdefende interessequenão

integrasuaesferajurídicaindividual.

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Sempre que um legitimado extraordinário está em juízo, ocupando um lugar quenormalmente seria ocupado pelo legitimado ordinário, ocorre o fenômeno chamadosubstituiçãoprocessual.Neste caso,estabeleceoparágrafoúnicodoart.18queosubstituído(isto é, aquele que é titular da posição jurídica que está a ser defendidanoprocessopelosubstituto processual, dotado este de legitimidade extraordinária) poderá intervir noprocesso,naqualidadedeassistentelitisconsorcial,paraajudá-loaobterresultadofavorável.Alémda legitimidade, o regular exercício dodireitode ação exige a presençadeoutro

requisito, o interesse, que pode ser definido como a utilidade da tutela jurisdicionalpostulada.Significaistodizerquesósepodepraticarumatodeexercíciododireitodeação(comodemandar, contestar, recorrer etc.) quandoo resultadoque comele sebusca éútil.Ditodeoutromodo,sósepodepraticaratodeexercíciododireitodeaçãoquandoatravésdelebusca-seumamelhoriadesituaçãojurídica.Destemodo,aquelequevaiajuízoembuscadeprovidênciainútilnãoteminteressede

agire,porisso,veráoprocessoextintosemresoluçãodomérito(umavezmais,nostermosdoart.485,VI).Éoquesedariase,porexemplo,alguémfosseajuízopostulandoameradeclaraçãodaexistênciade seudireitodedivorciar-sede seu cônjuge, semqueodivórciofosse efetivamente decretado. Esta providência (a mera declaração do direito) nãoproduziria, no caso concreto, qualquer modificação na situação jurídica do demandante,sendodespidadequalquerutilidade,pormínimaqueseja.Faltaria,então,interessedeagir.A aferição do interesse de agir se dá pela verificação da presença de dois elementos:

necessidadedatutelajurisdicional(tambémchamadade“interesse-necessidade”)eadequaçãodaviaprocessual(ou“interesse-adequação”).Haverá interesse-necessidade quando a realização do direito material afirmado pelo

demandantenãopudersedarindependentementedoprocesso.Éporestarazãoquefaltariainteressedeagirquandosepretendessedemandaremjuízoacobrançadedívidaaindanãovencida.Comonestecasoseriapossívelarealizaçãododireitomaterialindependentementedeprocesso(jáqueadívidapoderiaserespontaneamentepagaatéadatadovencimento),oprocessojudicialnãoénecessárioe,pois,faltariainteressedeagir.Além disso, impõe-se o uso de via processual adequada para a produção do resultado

postulado.Assim,porexemplo,aquelequenãodispõedetítuloexecutivonãoteminteresseemdemandaraexecuçãoforçadadeseucrédito,poisnãoéestaaviaprocessualadequadaparaaquelesquenãoapresentemumtítulohábil a servirdebaseàexecução(arts.783e803,I).Valeobservar,porém,queocontrárionãoéverdadeiro,istoé,aquelequedispõedetítuloexecutivo(extrajudicial)pode,aindaassim,propordemandacognitiva,afimdeobterumtítuloexecutivojudicial(art.785),presentedestemodoointeresse-adequação.Domesmomodo,aquelequepretendefazervaleremjuízoumdireito(oponívelcontrao

Poder Público) resultante de fatos demonstráveis por prova documental preconstituída(“direito líquido e certo”), poderá valer-se da via processual do mandado de segurança.

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Caso, porém, o demandante postule em juízo afirmando, já na sua petição inicial, quepretendeproduziroutrosmeiosdeprova,comoatestemunhalouapericial,omandadodesegurançanãoseráviaprocessualadequadae,portanto,faltaráinteressedeagir.Aaferiçãodas“condiçõesdaação”sefazatravésdeumatécnicaconhecidacomoteoriada

asserção. Não obstante este nome, de uso consagrado, não se está aí diante de umaverdadeirateoria,masdeumatécnicaparaverificaçãodapresençadas“condiçõesdaação”.Asserção,comocediço,significaafirmação,edaívemonomedestatécnica,porforçadaqualas “condições da ação” devem ser examinadas in statu assertionis, isto é, no estado dasafirmaçõesfeitaspelaparteemsuapetição.Consisteatécnicanoseguinte:aoreceberapetiçãoinicial,ojuizsedepararácomuma

série de alegações ali deduzidas as quais não sabe ele (com a única ressalva dos fatosnotórios)sesãoounãoverdadeiras.Vale,aqui,observarqueojuiz–sempreressalvadososfatosnotórios,que sãode conhecimentogeralda sociedade, e istoevidentemente incluiojuiz–nãopodeterconhecimentoprivadoacercadosfatosdacausaqueterádeapreciar.Équeseuconhecimentodosfatosprecisaserconstruídoprocessualmente,oquesedáatravésdaparticipaçãodaspartesemcontraditório.Destemodo,admitirumjuizqueconheçaosfatosda causa por conta de elementos que lhe tenham sido apresentados antes e foradoprocessoviolaagarantiaconstitucionaldocontraditórioe,porconseguinte,levaaodesenvolvimentode um processo que não está afinado com o modelo constitucional estabelecido para odireitoprocessualcivilbrasileiro.Ojuiz,então,aoreceberapetiçãoinicial,depara-secomumasériedealegaçõesquenão

sabe se são ou não verdadeiras. Pois para a aferição das “condições da ação” ele deveestabelecerumjuízohipotéticodeveracidadedessasalegações.Emoutraspalavras,significaistodizerqueojuizdeveráadmitiressasalegaçõescomosefossemverdadeiras.Estabelecido o juízo hipotético de veracidade das alegações contidas na petição inicial,

incumbe ao juiz verificar se, admitidas elas como verdadeiras, seria caso de acolher apretensãodeduzida.Casoarespostasejaafirmativa,estãopresentesas“condiçõesdaação”.De outro lado, verificando-se que não se poderia acolher a pretensão deduzida em juízo,mesmo que fossem verdadeiras todas as alegações deduzidas na petição inicial, estará afaltar alguma “condição da ação” e, por conseguinte, deverá o processo ser extinto semresoluçãodomérito(art.485,VI).Imagine-seoseguinteexemplo:AvaiajuízoemfacedeB,afirmandoseroréuseupai

biológicoquesempreserecusouareconhecerapaternidade.Postula,então,adeclaraçãodarelação familiar existente entre eles. Admitidas como verdadeiras as alegações feitas pelodemandante (de que B é seu pai e que jamais o reconheceu como filho), será o caso deacolher sua pretensão. Significa isto dizer que as “condições da ação” estão presentes. Apartir daí, então, o processo poderá desenvolver-se, realizando-se a instrução probatória.CasoseconfirmequeBémesmopaibiológicodeA,opedidoserájulgadoprocedente.De