Nossa Senhora do Castelo

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faz parte integrante da edição n.º 944 deste jornal e não pode ser vendido separadamente SEMANÁRIO REGIONAL - DIÁRIO ONLINE O MIRANTE FESTAS DE NOSSA SENHORA DO CASTELO - 2010 Nossa Senhora do Castelo celebrada de 13 a 18 de Agosto em Coruche Rui Veloso é cabeça de cartaz e no mesmo dia canta Beatriz Felizardo de 12 anos. Em ano de maiores dificuldades para angariar apoios, a Comissão Organizadora das Festas em honra de Nossa Senhora do Castelo aposta em música para diferentes públicos e no reforço da festa taurina. Mas não faltará um grande concerto, desta vez com Rui Veloso e duas touradas, uma das quais mista, com um cartel de luxo 2 O tocador de bombo que não arrisca malabarismos O bombeiro que nunca teve formação musical e aprendeu a tocar bombo apenas de ouvido” 4 Beatriz Felizardo tem 12 anos mas já canta fado como gente grande Jovem da freguesia da Erra actua dia 17 de Agosto nas festas de Nossa Senhora do Castelo 5 Quando os peregrinos chegavam de carroça e havia procissões com mil anjinhos João Matos Cravidão recorda a festa antiga e a beleza das moças que vinham de fora 10 A menina de Lisboa que chocou Coruche nos anos 70 Chegou a Coruche em 1979 e não foi bem recebida apesar de ser casada com um filho da terra. Lisboeta, imagem típica dos anos sessenta com cabelo pela cintura, Luísa Portugal foi directora do centro de saúde, deputada e agora dirige o Agrupamento de Centros de Saúde da Lezíria II 6 Imagem da procissão realizada em 2007

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O MIRANTE | 12 Agosto 2010 SOCIEDADE | 1

faz parte integrante da edição n.º 944 deste jornal e não pode ser vendido separadamenteSEMANÁRIO REGIONAL - DIÁRIO ONLINE

O MIRANTEFEStAS DE nOSSA SEnhOrA

DO CAStElO - 2010

Nossa Senhora do Castelo celebrada de 13 a 18 de Agosto em Coruche

Rui Veloso é cabeça de cartaz e no mesmo dia canta Beatriz Felizardo de 12 anos. Em ano de maiores dificuldades para angariar apoios, a Comissão Organizadora das Festas em honra de Nossa Senhora do Castelo aposta em música para diferentes públicos e no reforço da festa taurina. Mas não faltará um grande concerto, desta vez com Rui Veloso e duas touradas, uma das quais mista, com um cartel de luxo 2

O tocador de bombo que não arrisca malabarismos O bombeiro que nunca teve formação musical e aprendeu a tocar bombo apenas “de ouvido” 4

Beatriz Felizardo tem 12 anos mas já canta fado como gente grandeJovem da freguesia da Erra actua dia 17 de Agosto nas festas de Nossa Senhora do Castelo 5

Quando os peregrinos chegavam de carroça e havia procissões com mil anjinhosJoão Matos Cravidão recorda a festa antiga e a beleza das moças que vinham de fora 10

A menina de Lisboa que chocou Coruche nos anos 70Chegou a Coruche em 1979 e não foi bem recebida apesar de ser casada com um filho da terra. Lisboeta, imagem típica dos anos sessenta com cabelo pela cintura, Luísa Portugal foi directora do centro de saúde, deputada e agora dirige o Agrupamento de Centros de Saúde da Lezíria II 6

Imagem da procissão realizada em 2007

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Em ano de maiores dificuldades para angariar apoios, a Comissão Organizadora das Festas em honra de Nossa Senhora do Castelo aposta em música para diferentes públicos e no reforço da festa taurina. Mas não faltará um grande concerto, desta vez com Rui Veloso e duas touradas, uma das quais mista, com um cartel de luxo.

O consagrado Rui Veloso, o versátil Boss AC e a revelação nacional Oquestrada são as principais atracções musicais das Festas de Coruche em Honra de Nossa Senho-ra do Castelo. O músico que encarnou Chico Fininho sobe ao palco na noite de terça-feira, dia 17. O hip-hop de Boss AC protagoniza a noite de dia 18, dedicado à juventude. Os Oquestrada tocam no palco principal do parque do Sorraia às 22h00 de dia 16, segunda-feira.

Os concertos são um dos focos prin-cipais das Festas em Honra de Nossa Senhora do Castelo. No dia 6 começaram as celebrações religiosas, que se estendem até dia 12 e têm como ponto alto a reali-zação da procissão em honra da padroeira no domingo, dia 15.

As Festas de Coruche não vivem sem a essência da festa taurina levada para as ruas. A novidade de 2010 é a introdução de uma picaria à vara larga, que não se realiza durante os festejos há pelo menos 60 anos. O terreno escolhido fica junto à Estrada da Erra e a picaria está marcada para as 17h30 de dia 16. (ver caixa)

A festa dedica mesmo a segunda-feira

ao aficionado. Há condução de cabrestos, entrada de touros nas ruas da vila com campinos e largadas, no centro histórico às 11h00 e largada na rua 5 de Outubro a partir da uma da manhã. A não perder será também a tourada à corda, que se repete pelo segundo ano consecutivo. O cenário está montado na rua dos Bombeiros Muni-cipais para as 18 horas de dia 18.

Programa digno das Festas de CoruCheO essencial do programa das Festas

de Coruche foi apresentado dia 31, no Observatório do Sobreiro e da Cortiça. Para o presidente da Comissão de Festas, Paulo Tomaz, elas representam nove anos de esforço e um passo em frente que foi dado, quando em 2001, em concertação com a autarquia, se resolveu criar uma

comissão legalmente constituída.Quanto ao programa, e em particular

aos concertos, sempre importantes para atrair público, Paulo Tomaz procurou agradar a gregos e troianos num ano em que diminuíram os apoios de privados e o subsídio da autarquia sofreu um corte de dez mil euros. “Rui Veloso é uma figura da música, Boss AC um valor confirmado e os Oquestrada um grupo ao nível dos Deolinda. Penso que na parte dos espec-táculos, como nas restantes actividades, temos um programa digno das Festas de Coruche”, comentou.

As festas são inauguradas dia 13, pelas 18 horas, no parque do Sorraia, zona ribeirinha de Coruche, ao lado da praça de touros. Dia 14, destaca-se o sempre desejado fogo-de-artifício lançado desde a margem esquerda do Sorraia, que faz

nossa senhora do Castelo celebrada de 13 a 18 de agosto em CorucheRui Veloso é cabeça de cartaz e no mesmo dia canta Beatriz Felizardo de 12 anos

Picaria à vara larga recorda tradição antiga

A picaria à vara não difere muito das picarias a que muitos estão habituados a ver e viver directamente. Como recorda Paulo Tomaz, era esse o nome tradicio-nal que se davam às picarias feitas há dezenas de anos em Coruche.

“Os touros vinham conduzidos por campinos desde as ganadarias à solta pelos campos do Vale do Sorraia e por isso se diz que eram à vara larga. Quando chegavam à margem do Sorraia fazia-se uma picaria e alguns populares pediam para se levar um touro para a vila, trancavam as ruas de alguma maneira e punham-se a brincar um bocado”, recorda Paulo Tomaz.

Para a picaria à vara larga de dia 16 estão reservados dois touros e são es-perados campinos a cavalo num terreno com um hectare, cedido à Comissão de Festas de Coruche, situado no parque da Vinha da Baleia, junto à Estrada da Erra.

com que milhares de olhos se centrem nos céus iluminados de cores e estron-do. Será a partir da meia-noite. Nesse dia, pelas 11h00, é inaugurado o Núcleo Tauromáquico do Museu de Coruche, no antigo edifício dos CTT.

Dia da padroeira, 15 de Agosto, tem na Procissão em Honra de Nossa Senhora do Castelo o seu ponto alto, a partir das 18 horas. Percorre as principais ruas da vila e, antes de recolher ao santuário, realiza-se a solene bênção dos lares e campos do Vale do Sorraia. O folclore é o destaque da noite, com a realização do Festival António Neves, com os ranchos Os Camponeses de Santana do Mato, Areosa (Viana Castelo), Arzila (Coimbra), Leiria, Fajarda, Ponta do Sol e Virgen del Rosário, de Múrcia, Espanha.

No dia em que Rui Veloso canta novas músicas e recorda grandes sucessos, tem lugar o aguardado Cortejo Etnográfico e do Trabalho, pelas 11h00. São diversos carros alegóricos que retratam a realidade do concelho. Segundo o presidente da Câmara de Coruche, Dionísio Mendes, o cortejo deste ano irá reproduzir a vivência das casas agrícolas do concelho de tempos antigos. “Vão ser traçados quadros anti-gos com uma dúzia de casas agrícolas, a retratar as eiras, as ceifas, as mondas por ranchos de homens e mulheres. Cada fre-guesia levará a sua casa agrícola, excepto a do Couço, que terá uma representação das jornas dos trabalhadores. De resto, estarão presentes as principais casas agrícolas, como a Ribeiro Telles e a Veiga Teixeira, as mais conhecidas”, revelou Dionísio Mendes, lembrando que tem ca-bido à arquitecta Maria do Castelo Morais e aos seus colaboradores a organização do cortejo.

Corrida mista e corrida à portuguesa para dois cartéis de luxo

Uma corrida mista, das duas pre-vistas para as Festas do Castelo, é a principal novidade para a praça coru-chense. Dia 14, para a corrida mista, vão estar os cavaleiros António Ribeiro Telles e João Salgueiro que lidam quatro touros da ganadaria Pégoras. O matador de touros António Ferreira irá lidar dois touros de Herdeiros de Varela Crujo.

Para pegar os touros de caras estarão na arena os forcados ama-dores de Coruche, capitaneados por Amorim Ribeiro Lopes, e os amadores de Alcochete, liderados por Vasco Pinto. A corrida está marcada para as 18 horas.

Os cavaleiros Rui Fernandes e João Ribeiro Telles Júnior e a cavaleira prati-cante Isabel Ramos formam o cartel da

corrida à portuguesa de dia 17, terça-feira, na qual os Amadores de Coruche voltam a mostrar o seu valor. Na arena estarão três touros Passanha e outros três de Inácio Ramos. Abrilhanta ambos os espectáculos a Banda da Sociedade de Instrução Coruchense.

As corridas têm bilhetes à venda, em Coruche, na praça de touros, res-taurante O Farnel, quiosque Hexágono e Tertúlia dos Forcados Amadores de Coruche. Em Vila Franca de Xira, na agência Arena. Em Lisboa, os bilhetes estão à venda na bilheteira da praça de touros do Campo Pequeno, agência ABEP (restauradores), El Corte Inglês, delegações da agência Abreu e em www.ticketline.pt ou pelo telefone 707 234 234.

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Depois de uma sucessão de toques com as macetas no bombo Rui Carrilho levanta o joelho e passa uma das macetas por debaixo da perna. “Já me aleijei”, reclama depois de ter batido com os dedos na parte de madeira do bombo. Às vezes, durante as actuações, arrisca mandar a maceta ao ar. O problema é que nem sempre a consegue segurar. “Já aconteceu ter que ir buscá-la ao chão algumas vezes por isso não faço muito esse malabarismo. É falta de treino”, explica com um sorriso para justificar o facto de não querer arriscar esse número na demonstração que fez depois da conversa com O MIRANTE.

Rui Carrilho tem 31 anos, é bombeiro de terceira classe da corporação dos Mu-nicipais de Coruche, onde também toca na fanfarra dos soldados da paz. O jovem é um dos cerca de três dezenas de elementos – dez bombeiros e vinte civis - da fanfarra dos Bombeiros Municipais de Coruche que vai actuar na noite de sexta-feira, 13 de Agosto, integrado nas festas em honra de

Nossa Senhora do Castelo. Um percurso de aproximadamente um quilómetro num desfile que dura cerca de 80 minutos.

A vontade de fazer bem e poder ajudar quem precisa levou-o a entrar para os bombeiros de Coruche com 19 anos. O ingresso na fanfarra aconteceu por brincadeira. “Um dia resolvi assistir a um ensaio com um amigo, experimentei

O tocador de bombo da fanfarra que não arrisca malabarismos para não ficar mal na fotografia

e gostei. Depois fui treinando, sempre a tocar bombo. Foi o instrumento que mais me seduziu”, explica.

O soldado da paz conta que nunca teve formação musical tendo aprendido a tocar bombo apenas “de ouvido” e com o colega que já tocava o mesmo instrumento na fanfarra. “O maestro também me deu algumas indicações como havia de tocar”,

diz. “O importante é que se marque uma cadência no ritmo da música para não desafinar depois podem dar asas à imagi-nação, podem tocar como quiserem, desde que não desafinem”, explica o maestro e bombeiro Pedro Bacalhau que assistiu à entrevista.

O bombo pesa cerca de dez quilos. O arnês, colocado nas costas, serve para segurar o bombo e mantê-lo direito à frente do músico. As fitas verdes e amarelas nas macetas servem para dar outro colorido à festa. No final da actuação há dores nas costas? “No final?! Até no meio da actua-ção as costas começam a dar de si. É um instrumento pesado e também como não ensaiamos tanto quanto gostaríamos é normal doerem-me as costas”, explica.

A fanfarra dos bombeiros de Coruche foi criada para unir ainda mais os soldados da paz daquela corporação. O facto de não serem tantos quanto gostariam faz com que nem sempre possam actuar ou treinar. “Este ano já tivemos que desmarcar três espectáculos” diz. Mas dia de espec-táculo é dia de convívio entre bombeiros. “Sempre que temos um desfile à noite reunimo-nos antes para uma jantarada”, conta Rui Carrilho.

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foto O MIRANTE

Foi finalista do concurso televisivo “Uma Canção Para Ti”. O seu maior sonho é poder cantar um dia ao lado da sua conterrânea Ana Moura. Por enquanto continua a estudar música. A mãe Cidália deu uma ajuda na entrevista.

Tem os olhos cor de mel e um sorriso rasgado e alegre que contagia quem está à sua volta. Beatriz Felizardo tem apenas 12 anos mas vai ser uma das atracções musicais - no dia 17 - das

festas em honra de Nossa Senhora do Castelo que este ano se realizam de 6 a 18 de Agosto, em Coruche. Natural da freguesia de Erra, a jovem não esconde o nervosismo por actuar nas festas mais importantes do seu concelho.

Beatriz tornou-se conhecida do público ao participar, no final do ano passado, no concurso televisivo “Uma Canção para Ti”, tendo chegado à finalíssima na noite de Passagem de Ano, na praça de toiros do Campo Pequeno, em Lisboa. “Foi Deus”, de Amália Rodrigues foi o tema que interpretou.

Beatriz Felizardo começou a cantar

Beatriz Felizardo tem 12 anos mas já canta fado como gente grandeJovem da freguesia da Erra actua dia 17 de Agosto nas festas de Nossa Senhora do Castelo

aos oito anos quando uma prima a convidou a assistir a um espectáculo de fado em Salvaterra de Magos. “Pergun-tei aos responsáveis se podia cantar e foi aí que me estreei”, conta com um brilho no olhar. A mãe, Cidália Felizar-do, diz que a filha canta praticamente desde que nasceu, mas que ela nunca tinha pensado no potencial da sua voz. “Ela cantava mas, sinceramente, nunca reparei na sua voz. Só prestei atenção quando as pessoas, depois dela cantar nas festas da escola, vieram ter comigo e me disseram que ela tinha uma voz espectacular”, revela.

A jovem frequenta a Banda Filar-mónica de Coruche, a Escola de Canto

de Alverca, a Escolinha de Música da Erra e ainda tem tempo para o teatro. Está a aprender a tocar acordeão mas também quer aprender a tocar saxo-fone, trompete ou flauta transversal na banda de Coruche.

Como qualquer menina de 12 anos Beatriz também tem sonhos. O maior de todos é ser “uma grande fadista conhecida”. Cantar ao lado de Ana Moura – fadista natural de Coruche – é outro dos sonhos que quer concretizar. Participar num musical e cantar no Olímpia de Paris também faz parte dos seus planos. Até lá vai continuar a brincar com os amigos e a fazer aquilo que a faz feliz.

Foi a mãe que inscreveu a filha no programa da TVI, mas confessa que “não acreditava” que a filha chegasse à final. Consciente de que Beatriz estava a participar num programa de televisão manteve sempre “os pés assentes no chão”. “Todos os domingos lhe dizia para ela não ir muito entusiasmada porque poderia sair. Felizmente con-seguiu chegar ao fim. Ficamos todos muito orgulhosos”, explica.

Depois do concurso a vida da famí-lia Felizardo tornou-se mais agitada, sobretudo aos fins-de-semana. Os pais de Beatriz fazem questão de a acompanhar aos espectáculos em que participa um pouco por todo o país. “Vamos apoiá-la sempre em tudo o que precisar. Se quiser continuar a cantar, estamos cá para ajudá-la no que pudermos”, assegura Cidália Felizardo.

O próximo objectivo é gravar. “Queremos que seja um CD com os fados que ela mais gosta e gostaríamos de incluir dois originais compostos pelo professor de música da Beatriz. Estamos à procura de apoios porque transformar o desejo em realidade não é fácil”, conclui.

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Chegou a Coruche em 1979 e não foi bem recebida apesar de ser casada com um filho da terra. Lisboeta, imagem típica dos anos sessenta com cabelo pela cintura, Luísa Portugal foi motivo de falatório. Impôs-se pelo trabalho. Foi directora do centro de saúde, foi deputada e agora dirige o Agrupamento de Centros de Saúde da Lezíria II, que engloba os Centros de Saúde de Chamusca, Alpiarça, Almeirim, Coruche, Benavente e Salvaterra de Magos e onde trabalham 400 pessoas. Passou de doutora a gestora e diz que gosta.

Neste momento é gestora, não é médica. Em vez de medicina devia ter um curso de gestão.

E tenho. Fiz medicina, fiz a espe-cialidade em saúde pública que já dá algumas competências em termos de gestão de saúde e de organização de serviços e depois fiz um curso de gestão no Instituto Nacional de Administração e fiz um curso de gestão na Lusófona, dirigido especificamente para os serviços de saúde.

Se soubesse o que sabe hoje,

A menina de Lisboa que chocou Coruche nos anos setentaLuísa Portugal foi directora do centro de saúde, deputada, autarca e agora gere o ACES da Lezíria II

provavelmente tinha ido logo para gestão em vez de tirar medicina.

Acho que estas coisas têm um “timing” em termos profissionais. Acho que me fizeram muito bem os primeiros anos em que fiz medicina directa; fez-me muito bem uma fase a seguir em que olhei a medicina pelo lado da política. E estou preparada neste momento para fazer a gestão. Acho que estou bem assim.

Os médicos queixam-se que têm muito do seu tempo ocupado com tarefas burocráticas.

Concordo, mas já não é tanto. Agora, como sabe as pessoas para irem para o ginásio ou para a piscina assumem a responsabilidade. Já não precisam do papel. Por outro lado os serviços estão informatizados. Avançou-se muito.

Há médicos que são chamados à atenção por receitarem muito.

Muito e muito caro. Estou a falar mais no muito. Há

médicos em meios onde a população é idosa que são confrontados com a quantidade de medicamentos que prescrevem. São pressionados para não receitar.

Nem sempre é assim. É preciso ver com que finalidade é que fazemos isso. A maioria dos médicos não sabe aquilo que prescreve ao fim de um mês e portanto tem que se lhe dar esta informação.

O médico sabe que o que passou era o que tinha que passar. Ou não é assim?

Não sei. Nós temos que ver isto tudo em termos de comparação dos colegas uns com os outros e eu dou-lhes esta informação para eles próprios se com-pararem com os outros. Médicos com o mesmo perfil de doentes, com mesmo número de utentes, com mesmo número de consulta… há uns que gastam ao serviço nacional de saúde três vezes mais que outros. Há qualquer coisa que não está certa.

Os profissionais de saúde estão desmotivados por circunstâncias várias. Por serem menos; por esta-rem sobrecarregados de trabalho; porque a população descarrega neles as queixas que têm contra o Serviço Nacional de Saúde.

Tal como a nossa população em termos gerais está muito envelhecida, acontece o mesmo com a população médica. A minha média etária no agrupa-

Coruche era uma terra muito fechada

Como foi a sua vinda para Coru-che?

Em Coruche fiz política sempre através da medicina. O meu lema era privilegiar os mais necessitados, organizar os serviços de forma a dar-lhes resposta, ter sempre um pé na gestão e um pé na prestação directa.

Foi um choque muito grande vir de uma cidade e chegar aqui?

Foi uma decisão muito pensada. Claro que não foi fácil. Havia uma coisa que eu sabia quando estava em Lisboa. Não queria ser médica do hospital. Eu gostava de estar cá fora com as pessoas, não podia tratar de um número de cama. Tinha que tratar da senhora Antónia, do Francisco. Quando fui para a periferia experimentei essa realidade. Mas posso dizer que nos primeiros meses não foi fácil, apesar de ter cá família, de ter os meus filhos e o meu marido.

Porquê?Coruche era um ambiente muito fecha-

do. Eu venho dos anos 60, tenho todos os tiques das pessoas dessa época. Chego a Coruche e sou médica. O ser médica aqui era ser uma pessoa de referência, quer queiramos quer não. Mas eu era uma médica que usava chinelas, que usava saias compridas, que tinha um cabelo até à cintura, que brincava com os filhos no jardim, que ia à praça às compras. Numa primeira fase incomodava-me principalmente a forma como as pessoas me olhavam. Quando vinham à consulta eu era a médica, mas lá fora havia um ar de desconfiança. Ainda por cima eu era nora de uma pessoa muito tradicional e penso que muito querida em Coruche, que era dono de uma mercearia, o Faustino Capaz.

O seu marido também veio traba-lhar para cá?

Não teve tanta dificuldade mas também não foram só facilidades. Ele foi a primeira pessoa de uma família de referência a andar de sandálias. Um vizinho uma vez

disse-lhe que andar de sandálias não era muito próprio, por exemplo.

Não pinta o cabelo. É por opção. Por comodismo?

Também. Já tenho cabelos brancos desde os 30 anos, já me habituei. Nunca me preocupei muito com a idade que tenho. Há uns dias que dizemos que gostávamos de ter 30 anos e voltar a fazer não sei o quê. Mas tenho estado bem com a idade que tenho. Os meus melhores anos foram os quarentas, quarentas e muitos. Se calhar porque tinha os filhos crescidos e portanto já podia fazer outras coisas. Tenho dois rapazes e dois netos.

É frequentadora das festas de Coruche?

Sou um bocadinho despegada. Gosto de ir à inauguração e de vez em quando passo por lá. Vou ver alguns espectáculos e vou jantar às tasquinhas. Mas sinto que as festas são importantes. Fazem-me sentir que pertenço aqui. Que isto tam-bém é meu. Não sou de cá mas sinto-me perfeitamente adaptada.

E touradas?

Não sou uma especial aficionada. Se me perguntar se já fui a alguma digo-lhe que fui a duas ou três. Gosto de ir lá para ir ver como é. Sou pouco fundamentalista na maioria das coisas. Sou muito de con-senso de discutir as coisas comigo própria. Divirto-me muito com as garraiadas porque acho que as pessoas que estão lá dentro também se divertem. Gosto do cortejo etnográfico, acho que é uma pesquisa importante e que mostra de onde é que Coruche veio. À procissão nunca vou.

Há quem não goste da requalifi-cação da zona ribeirinha.

Eu acho que a zona ficou muito melhor. Não tem qualquer comparação. Gosto do espaço. É um espaço que pode ser ocupado de várias formas. É um espaço que deu alguma ordenação ao estaciona-mento. Ficou bonito. Coruche ficou mais relacionada com o rio. Antes era o rio que se relacionava com a vila. Ele é que vinha até cá quando galgava as margens. Isso foi um benefício enorme para a vila. Coruche não tinha muitos espaços de lazer e de encontro.

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mento ultrapassa os 50 anos. Isto quer dizer que não estou a ter gerações novas para renovar. Neste momento diz-se que há uma reforma em curso e há de facto. Mas os colegas que cá estão já ouviram tantas vezes dizer isso que a coisa já começa a ser mais complicada. Depois a grande escassez de médicos faz com que lhes seja pedido um acréscimo de trabalho, não tenho dúvida.

Muitos estão a optar por se reformarem.

Alguns acham que é o melhor para eles. Tenho esse problema no agrupamento. Tenho 5 médicos com pedido de reforma sendo que no ano passado se reformaram 2. E não consigo substituí-los porque os mais novos não ficam.

Qualquer dia os centros de saúde estão a funcionar apenas com recurso a empresas de pres-tação de serviços.

Já tenho alguns locais em que isso me acontece. Estou preocupada com mais um ou dois locais em que vou ter problemas a breve trecho se as pessoas se reformarem. Um deles é Salvaterra de Magos.

Percebe-se que ao nível da saúde a parte economicista acaba por ter muito mais influência nas decisões do que a parte social e humana.

Não é bem assim. Mas nós em Portugal temos a ideia de que a saúde não se paga. Não é verdade. A saúde paga-se e muito.

Há 20 anos houve um surto de construção de instalações que agora estão fechadas.

Mas veja que não havia nada. Há 30 anos quando eu vim para Coruche não havia nem médicos nem equipa-mentos. Havia uns serviços médico-sociais que eram numa garagem onde se faziam consultas da caixa. Havia um hospital da Misericórdia que funcionava mais como lar porque as pessoas que lá estavam já eram todas acamadas e muito idosas. E não havia mais nada. As coisas são dinâmicas. Quando fui directora do Centro de Saúde de Coruche fiz alguma força para abrir uma extensão na Branca e só não abriu porque não tive médico para lá pôr. Na altura a terra tinha 1.500 utentes e neste momento tem 800. A questão é esta.

A boa alunaNasceu em Lisboa a 16 de Setembro

de 1951 e foi lá que passou a infância, a adolescência e parte da idade adulta. Chama-se Portugal e gere um agrupa-mento de Centros de Saúde mas não tem qualquer relação familiar com Rui Portugal, o actual presidente da Admi-nistração de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. É a mais nova de três irmãs e só foi para medicina porque era muito boa aluna e teve direito a uma bolsa de estudo. E porque começou a trabalhar enquanto estudava. “A minha família não

tinha posses para eu estudar. O meu pai era condutor dos eléctricos da Carris. A minha mãe era empregada de limpeza analfabeta. Vivíamos numa zona entre Algés e Linda-a-Velha”.

Enquanto jovem interessou-se por música e fez parte de um coro académico na universidade. “Gostava muito de ter aprendido música mas nunca foi possível. Também gostava de fazer teatro e um pouco mais nova jogava basquetebol, cheguei a ser iniciada no Benfica porque a professora do liceu onde eu estava, que era o liceu de Oeiras, era treinadora no Benfica. Mas foi tudo passageiro”.

“O meu Partido do coração é o MES”Começou a interessar-se por

política quando?Antes do 25 de Abril houve alguns

problemas na minha faculdade. A PIDE chegou a entrar no hospital de Santa Maria. Mas foi já em 1974, quando estava no meu quarto ano. Franca-mente só a partir do 25 de Abril é que comecei a interessar-me por política. Antes era mais a questão reivindicativa estudantil, as condições de ensino, as condições de trabalho no hospital de Santa Maria.

A sua orientação foi logo para o PS?

Não. Entro no PS quando o Ferro Ro-drigues se candidata a secretário-geral. Entrei eu e o Vieira da Silva. Comecei no Movimento de Esquerda Socialista. Aliás é o meu único partido pensado. É o meu partido do coração como se costuma dizer. Era um partido que tinha gente de todas as condições, éramos capazes de nos ouvir uns aos outros, de nos tratar mal uns aos outros, de construir coisas em conjunto.

Primeiro meteu-se na medicina e depois na política.

Estar organizada em termos políticos só quando surgiu o convite para ir para a Assembleia da República.

Entrou na lista de candidatos do PS por causa das quotas das mulheres?

Se calhar foi. Lembro-me que a pri-meira lista em que concorri, em 1999 fui colocada em quarto lugar porque o PS tinha decidido que havia de ter uma mulher em quarto lugar. Fui convidada e na altura não foi uma coisa que me agradasse muito. Mas depois pensei que se calhar tinha um papel a fazer. O desafio da altura tinha muito a ver com a condição feminina, com o papel das mulheres, com as questões rela-cionadas com a interrupção voluntária da gravidez. Isso convenceu-me a ex-perimentar. Entrei como independente e só mais tarde é que me filiei.

E a experiência como foi?Não foi fácil. Quando cheguei a

maioria das pessoas já lá estavam há muito tempo. Eu conhecia toda a gente e ninguém me conhecia, nem ninguém me falava. Eu sempre achei que era uma técnica na política e portanto não sei

queriam trazer as polémicas políticas nacionais para o discurso local. Houve um período em que não era bem vista nem pela oposição nem pelo PS, mas quem está a dirigir uma assembleia tem este problema.

Tem um discurso muito directo, muito prático. Como é que dava com os jogos de bastidores…

Não me dei muito bem. Costumo dizer que prometo as coisas quando tenho a certeza que sou capaz. Senão digo vamos trabalhar em conjunto para. As coisas que são muito feitas nos bastidores a mim nunca me agra-daram muito. E se calhar não é só isso. Para ter o meu percurso pessoal e para ganhar o meu dinheiro nunca precisei de estar por dentro de jogos políticos. E isso deu-me sempre muita liberdade.

Há liberdade em Portugal? Estamos num país em que há liber-

dade. Não tenho dúvida. Penso que não volta atrás. O que acho é que há muitas pessoas que se auto-censuram. Que não dizem espontaneamente aquilo que poderiam dizer. Ou porque pensam que o emprego está em risco, ou porque não querem arranjar chatices. Isso não quer dizer que o valor liberdade não esteja presente. A liberdade é a escolha. É o poder dizer ou não. Se não puder de todo dizer, aí não tenho liberdade, agora se puder escolher o valor liberdade existe.

falar de tudo, recusava-me a falar de tudo. Podia manifestar algum tipo de opinião mas em termos de intervenção sempre me recusei a falar daquilo de que não sabia o que estava a dizer.

Fez sempre os mandatos to-dos?

Fiz dois mandatos que não chega-ram ao fim. O primeiro foi porque o Guterres saiu. O segundo foi porque a Assembleia foi dissolvida no tempo do Santana Lopes. Mas foi muito gratifi-cante. Porque tive as duas experiências. Estive no poder, embora sem maioria absoluta e estive na oposição.

Lembra-se da primeira vez que falou no plenário.

Acho que foi uma pergunta ao Governo. Uma pergunta ao governo quando pertencemos ao partido do governo é o mais fácil.

Depois fez parte da Assembleia Municipal de Coruche.

Fui desafiada para concorrer a presidente da câmara mas não tenho vocação de autarca executivo. Sou mais para um planeamento mais largo, mais vasto, mais macro. Não tenho características de um trabalho muito local, muito localizado. Gosto de ter horizontes mais largos. Não aceitei mas aceitei a assembleia municipal. Na altura em termos políticos era importante.

Do que não gostava na Assem-bleia Municipal?

Não gostava das pessoas que

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E viva a festa que é tão variadaHá quem goste mais da procissão. Outros dizem preferir o cortejo etnográfico. Há quem garanta não perder os grandes concertos, como o de Rui Veloso marcado para este ano. Todos gostam do convívio. Sobre o atraso na abertura do novo serviço de emergência ninguém fala. Mas há quem diga que mais espaços para estacionar eram bem-vindos.

“Procissão religiosa é um momento fascinante”Arquimínio Leal, 52 anos, Coruche, Empresário do Ramo Automóvel

Arquimínio Leal aproveita as festas em honra de Nossa Senhora do Castelo para conciliar trabalho com lazer. O stand de exposição que possui no recin-to de festas faz com que tenha que estar diariamente nas festas. O que, para o empresário, é um prazer. A procissão religiosa pelas ruas da vila, que este ano se realiza no dia 15 de Agosto, é um momento fascinante. Mas não é o único. “Também gosto muito de ver o cortejo etnográfico na terça-feira e as corridas de toiros também têm sempre carteis muito bons”, afirma.

Arquimínio Leal não tem razões de queixa da assistência médica em Coru-che porque “felizmente” nunca precisou de usufruir dela. “Tenho seguro de saúde e sempre que preciso vou ao médico particular”, explica. Emprego e investimento são duas das coisas que mais falta fazem em Coruche. “Quero fazer um grande investimento no concelho, mas estou com receio de o fazer porque não existem apoios aos empresários”, lamenta.

“Procissão religiosa e cortejo etnográfico são os pontos altos das festas” Ângela Neves, 34 anos, Coruche, Gerente de Loja

A procissão religiosa em honra de Nossa Senhora do Castelo que percorre as ruas da vila de Coruche e o cortejo etnográfico são, na opinião de Ângela Neves, os pontos altos das festas. Todos os anos a gerente de uma loja de electrodomésticos dá um saltinho ao recinto das festas. Aproveita para rever os amigos que durante o ano não vê com a frequência que gostaria. “As noites estão quentes e não apetece ficar em casa, por isso, vou às tasquinhas. Encontro sempre pessoas conhecidas”, conta, acrescentando que estas festas são importantes e ajudam ao desen-volvimento do concelho.

Ângela Neves garante não ter quei-xas da assistência médica em Coruche porque ainda não precisou. “Pelo que oiço algumas pessoas dizerem o atendimento médico podia ser um pouco melhor. Os médicos podiam preocupar-se mais pelos doentes e estes deviam ser melhor atendidos”, afirma a gerente.

Para Ângela Neves, a autarquia devia apostar em criar mais postos de trabalho para trazer mais produtividade ao concelho.

“Não vou perder os concertos do Rui Veloso e da Beatriz Felizardo” Telma Santos, 36 anos, Coruche, Empregada de balcão

Telma Santos faz questão de todos os anos assistir ao cortejo etnográfico, ao fogo-de-artifício, à noite, e ao desfile da fanfarra dos Bombeiros. Em relação aos espectáculos musicais, a empregada de balcão garante que não vai perder o concerto de Rui Veloso e de Beatriz Felizardo, a jovem fadista do concelho de Coruche.

Não convidem Telma Santos para assistir às largadas de toiros porque ela recusa-se, “Tenho medo que eles fujam e andem à solta. É perigoso e prefiro não ver”, diz. Telma Santos vai aproveitar as noites quentes que se avizinham para visitar as tasquinhas e reencontrar os amigos que também partilham o mesmo gosto pelas festas. Telma Santos acha que desde que o Centro de Saúde de Coruche alterou o sistema de atendi-mento as coisas melhoraram. “Agora é tudo feito electronicamente e acho que estamos menos tempo à espera. Existe uma maior disponibilidade por parte de quem nos atende”, refere. A empregada de balcão gosta da vila onde vive e, além da falta de estacionamento, não encontra grandes falhas no concelho.

“Dias de festas são para conviver com os amigos”Luís Velez, 36 anos, Coruche, Gerente de Carpintaria

Luís Velez é presença assídua nas festas de Coruche e não falha o desfile etnográfico. O gerente de carpintaria é acordeonista no Rancho Folclórico de Santa Justa e há 19 anos que integra o desfile. “É cansativo por causa do peso do instrumento e do calor que se faz sentir, mas quando se faz por gosto e dedicação vale a pena”, afirma.

Luís Velez é apreciador dos espec-táculos musicais e este ano não vai perder o concerto de Rui Veloso e vai combinar umas patuscadas com os amigos nas tasquinhas. “Aproveitamos estes dias de festa para convivermos e bebermos uns copos. É divertido”, conta. Luís Velez diz que não tem ra-zão de queixa do atendimento médico no Centro de Saúde da vila e que das poucas vezes que lá vai é sempre bem atendido.

Na sua opinião o concelho está bem servido de infra-estruturas faltando apenas que os empresários invistam no concelho para aumentar os postos de emprego e também o seu volume de negócio.

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“Não vou faltar ao cortejo etnográfico” Elisabete Cecílio, 31 anos, Fecho, Operadora de Balcão

Desde que engravidou há três anos que Elisabete Cecílio não vai às festas em honra de Nossa Senhora do Castelo. Este ano vai voltar a marcar presença nas festas em Coruche e não vai querer perder o cortejo etnográfico. “Já tenho saudades de ir às festas. O meu filho adora ver os trajes e ouvir a música das fanfarras por isso não podemos faltar”, refere.

O que Elisabete mais gosta nas festas é do convívio com os amigos nas tasquinhas à beira do rio Sorraia, onde aproveita para colocar a conversa em dia que a agitação do dia-a-dia não permite durante o ano.

A operadora de balcão garante que “felizmente” não é visita frequenta do Centro de Saúde, mas quando lá vai detecta algumas falhas. “Demoramos muito tempo só para marcar uma con-sulta, estamos muito tempo à espera e nem sempre quem nos atende não prima pela simpatia”, diz.

Para Elisabete Cecílio, em Coruche falta estacionamento para os auto-móveis e na sua localidade, Fecho, faltam lombas para reduzir a veloci-dade de quem circulas nas estradas da localidade.

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“Só faltei à festa quando a minha filha nasceu”Maria do Castelo, 51 anos, Coruche, Empresária

Maria do Castelo conta que só no ano em que a filha nasceu, há 26 anos, - a 16 de Agosto - é que não marcou presença nas festas da Senhora do Cas-telo. Tirando esse episódio impossível de contornar, Maria do Castelo garante que não perde um dia das festas.

A empresária gosta de participar na procissão que leva a Senhora do Castelo pelas ruas da vila e não perde também as corridas de toiros e as largadas. Nas tasquinhas aproveita para conversar com os amigos enquanto assiste aos espectáculos musicais. Em relação ao atendimento médico, Maria do Caste-lo garante não ter razões de queixa. “Sempre que lá vou sou bem atendida, mas se tivéssemos um Hospital seria importante não só para o concelho de Coruche, como para as localidades dos concelhos vizinhos”, afirma.

Maria do Castelo diz que faz falta um maior interesse por parte da po-pulação em dinamizar a vila. “Temos que nos interessar pela nossa terra e movimentá-la. As pessoas têm que viver a sua terra e não fugir daqui como tem acontecido”, lamenta.

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João de Matos Cravidão nasceu em Cabeção (Mora), viveu a juventude em Almeirim e reside em Coruche desde 1940. Aos 86 anos, é daqueles cidadãos que está em quase todas as iniciativas públicas realizadas na vila. Foi dirigente associativo em várias colectividades, jogador de futebol e negociante de madeira, actividade que seguiu do pai.

Ricardo CarreiraFranzino, bem-falante, simpático e

de indumentária atilada, João de Matos Cravidão é um dos personagens carac-terísticos da vida e da vila de Coruche. Não é filho da terra mas ali viveu grande parte da vida pessoal e profissional. Foi negociante de madeiras, jogou futebol e foi dirigente de várias associações. Só em 2002 abrandou o ritmo com o aviso sério de dois enfartes. Cada vez que há inaugurações, eventos e actividades ligadas a Coruche, João Cravidão faz questão de marcar presença. É assim que retribui como aqueles que durante

muitos anos responderam aos seus apelos enquanto dirigente associativo. Nem do alto dos seus 86 anos recusa entrar numa espiral de passividade.

João de Matos Cravidão nasceu a 25 de Junho de 1924 em Cabeção, concelho de Mora, distrito de Évora. O pai e os tios eram negociantes de madeiras e partiram para Coruche e Almeirim à procura de pinhais.

Com cinco anos, João Cravidão foi viver para Coruche, onde a família montou um armazém. Depressa rumou a Almeirim, onde estudou até aos 16 anos. Viveu junto à escola e igreja. Tinha em mente ser regente agrícola mas não terminou o segundo ano da escola primária.

Almeirim deixou-lhe marcas positi-vas. Na igreja ajudou o padre a fazer casamentos, baptizados e as novenas. Com os amigos, lembra-se de ir às amoras para a estrada entre Alpiarça e a Tapada. Jogou à malha, ao pião e ao berlinde. “Todos brincavam com todos independentemente da classe social. Até o velho Lico, o maior lavra-dor de Benfica do Ribatejo, viu o pai de carroça e convidou-o a beber um copo”, exemplifica, comparando com a realidade de Coruche.

Regressou à vila do Sorraia com

16 anos e aos 17 começou a dirigir o armazém do pai, a troco de 25 tostões por semana. Jogou à bola no Bairro Alegre Futebol Clube, clube criado à base de miúdos que moravam na zona junto ao Sorraia. Da junção com o Bairro Novo veio a nascer o Grupo Desportivo O Coruchense. João Cravi-dão é que só fez um jogo pelo clube na III Divisão. “Fiz uma jura de que se partisse os óculos deixava de jogar. Logo do primeiro jogo quis fazer um golo de cabeça, acertei com a cara na bola e parti os óculos. Foi remédio santo”, recorda com um sorriso.

Quando os peregrinos chegavam de carroça e havia procissões com mil anjinhosJoão Matos Cravidão recorda a festa antiga e a beleza das moças que vinham de fora

Orquestras de música ligeira e romances lidos à luz de candeia

A não ser alguns bailaricos, pouco havia que fazer à noite na década de 40 do século passado. Foi nesses momentos que João Cravidão devorou livros à luz de candeia ou de candeeiro a petróleo. Livros que foi comprando, aos poucos, na livraria Maia, que hoje existe ainda em frente aos Paços do Concelho. Leu colecções inteiras de Aquilino Ribeiro, Fernando Namora, Camilo Castelo Branco, e de outros autores, especialmente romances.

A música é outra das suas paixões. Diz ter cerca de 1500 discos de vinil, sem esquecer CD e DVD. Elegeu o som das orquestras de música ligeira, como a de Glenn Miller. Apaixonou-se pela música clássica que lhe acalma o espírito.

O sótão de casa, transformado em escritório, é local de recolhimento. Com a caneta de tinta permanente escreve em folhas A4 poesia e roman-ces construídos na mente. Nada que tenha editado. Os textos vão ficando arrumados dentro do arquivador.

Pessoa organizada, João Cravidão guarda em dossiers a história da sua passagem pela vida e pelas associa-ções. Através de cartões de identifica-ção, actas, documentos, certificados, diplomas. “Quem não tem memória não tem história de vida”, assegura.

João Cravidão casou em 1949 com Ana Rosa, também natural de Cabeção. O matrimónio leva 61 anos. Mais tarde chegou o associativismo. Foi convidado para sócio do Clube Columbófilo sem ter pombos-correios. Esteve na fundação do Clube Ornitológico de Coruche, da Associação de Defesa do Património

“O presidente da câmara, Dionísio Mendes, é um verdadeiro líder”

João Cravidão recebeu convites de diversos quadrantes para assumir car-gos políticos no concelho que sempre recusou. “Não tenho vocação para político. O que sinto tenho de dizer na cara das pessoas e o bom político não o pode fazer. Não pode deixar falar o coração”, refere, guardando para si as convicções políticas.

Sobre a política do concelho, João Cravidão afirma que o presidente da Câmara de Coruche, Dionísio Mendes, é um líder que tem obra feita. “Na câmara fez, em três mandatos, mais do que nos vinte anos anteriores. Falo à vontade porque não sou filiado em qualquer partido e fui um dos que o incentivou a candidatar-se”, recorda.

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Histórico e Natural do Concelho de Coruche, da Associação de Comercian-tes e da Casa do Benfi ca de Coruche, associações nas quais exerceu os mais altos cargos. Mas tornou-se benfi quista por um acaso.

“Em 1931 a Volta a Portugal em Bi-cicleta passou em Almeirim e eu fi quei fascinado com a camisola encarnada do José Maria Nicolau, que seguia isolado. Atrás dele passou o Alfredo Trindade. Se o Nicolau viesse de verde, se calhar seria do Sporting”, conta.

FESTAS DE CORUCHE PERDERAM FÉ E TRADIÇÃO As festas perderam a fé, o respeito

e a tipicidade do seu tempo. João Cra-vidão gostava de ver os peregrinos que chegavam a Coruche de carroça e fi ca-vam dois ou três dias. Uns dormiam nas estalagens, outros estendiam mantas e passavam a noite ao relento junto ao edifício da câmara, conta o coruchense de adopção. Chegou a contar mais de mil anjinhos na procissão da Senhora do Castelo e animais levados como promessas. Os produtores mostravam as suas frutas e, nos bailes, os rapazes abriam os sorrisos com a chegada de moças da região de Almeirim.

Não faltaram nessa época as pu-lhices dos moços. O grupo de João Cravidão até ia para aponte sobre o Sorraia bater em latas ruidosamente para que algum touro conduzido pelos campinos se tresmalhasse.

Afi cionado da festa taurina, João Cravidão chegou a ir até Badajoz para ver corridas apeadas, mas não se deixa iludir com o negócio montado no país. E não tem planos de ir às corridas das festas. “Família que leve quatro fi lhos paga 100 euros e já há corridas na televisão. Com uma corrida por ano os empresários pagam o aluguer de uma praça. Não estou para sustentar gulo-sos nem lhes faço a vontade de dar o dinheiro que eles querem”, garante.

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Afi cionado da festa taurina, João Cravidão chegou a ir até Badajoz para ver corridas apeadas, mas não se deixa iludir com o negócio montado no país. E não tem planos de ir às corridas das festas. “Família que leve quatro fi lhos paga 100 euros e já há corridas na televisão

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