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o AUTORITARISMO NA ESCOLA PÚBLICA -RELAÇÕES DE PODER E DE DISCI PLI NAMENTONO COTI DIANO ESCOLAR; A PRÁTICA REAL
Maria Juraci Maia CavalcanteMaria da Glória Feitosa Freitas
o presente relatório resultou de um trabalhoti acompanhamento realizado por um grupo de profes-
res e alunos da Faculdade de Educação da Univer-idade Federal do Ceará junto às classes de alfabe-
tização (30) de dez escolas da rede municipal densino público da cidade de Fortaleza, no período
d Março a Junho de 1988.o Desencadeamento do mesmo se deveu ao projeto
"Alfabetizando Fortaleza" criado por um covênio en-Lre a Secretaria de Educação do Município de Forta-eza e a Universidade Federal do Ceará com vistas a
qualificar a prática de alfabetização através dointercâmbio de saber teórico-prático entre Univer-idade e Escola Pública de 19 grau.
O objetivo principal deste relatório é ofere-cer uma visão sistematizada das impressões e vivên-cias colhidas na intimidade da sala de aula e norelacionamento permanente com professores, alunos etécnicos da Escola o que permitirá um aprofundamen-to crescente do tema, assim como, indicará mecanis-mos de superação da prática pedagógica real, atra-vés do debate e do confronto de idéias e de expe-riências no campo da pesquisa educacional.
INTRODUÇÃO: INFLU~NCIAS TEÓRICAS QUE ILUMINAM ESSASOBSERVAÇÕES
Há muitos aspectos a registrar, muitos começospara o que entendemos mais como relato e denúncia
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do que como estudo "rigoroso", a não ser que porrigor seJa considerado o convívio cotidiano, aimiscuiçao na "subjetividade" das relações que mar-geiam e atravess~m ~ inst~tuição escolar e pública,di nte da qual nao e poss1vel ficar neutra ou indi-
rente:_a perspectiva de ciência que guia estasbservaçoes assume declaradamente a defesa da
criança da classe trabalhadora._ Gostarí~mos de situar, primeiramente, as in-
fluenci~s teoricas_que recebemos para sistematizaresta analise que nao se limita ao espaço da sala dea~la e da escola em si. Essas influências teóricassao constituídas por contribuições de campos dis-tint~s do conhecimento, que vão desde o âmbito so-ciologico ~o nível psicológico, trajetória tecidapelas exigencias do próprio motivo de pesquisa queescolhemos para entendimento, referente à área edu-cacional._ Sabidamente a escola não é uma instituição in-
genua e desvinculada do conjunto de preocupações einteresses sociais. Com os marxistas franceses dosanos 60/70 aprendemos que a escola enquanto Apare-lho Ideológico de Estado. reproduz a ideologia daclasse dominante e assegura ao nível educacional aaceitação, a acomodação e a legitimidade do poderda classe burguesa. Esta teoria se teve o mérito deencaixar a escola numa leitura sociológica, políti-ca e classista, desv:ndando o véu psicologizantedas abordagens p:dagogicas, foi bastante criticadaexatame~te por nao permitir uma brecha dialética desuperaça~ do domínio ideológico e político do Esta-do burgues.
~ Com Gramsci, teórico marxista italiano, é pos-s1vel pensar o Estado como um momento de hegemoniade um determinado grupo_e/ou classe social passívelde confronto e de pressoes, dadas pela organizaçãoda sociedade civil e da cultura, em particularpelos intelectuais capazes ~e pensar a favor do po~vo trabalhador. Uma concepçao assim permite imagi-n~r que a escola e as demais instituições sociaissao varadas por interesses sociais distintos e são,
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portanto, encarnações do próprio conflito que es-rutura a sociedade, no caso, capitalista.
Queremos dizer que o marxismo estruturalistade Althusser e o historicismo de Gramsci informamambos uma visão macrossocial importante de escola,- . ....mesmo que apresentem diferenças teor1cas V1S1ve1S eque, foi de posse destas leituras que nos .dirigimosà escola pública para acompanhar a sua pratica pe-dagógica.
A distância entre o plano macrossocial e oplano da cotidianidade é imensa e reivindica um a-proach intermediário que não deixe perdermos devista aspectos miúdos, psicológicos e interpessoaisque acabam dando materialidade efetiva, no_ sentidodas relações sociais, à vida das instituiçoes. Se-gundo Agnes Heller, o cotidiano é um momento ~ons-titutivo da história, de fundamental importanciapara quem se aventura no estudo da problemática daconsciência, da alienação numa sociedade de classescomo a capitalista onde o jogo das id~ologias e orítmo da produção aprisionam corpos e mentes damaioria trabalhadora e a impede de pensar políticae socialmente o mundo. Não satisfeitos com o planodo cotidiano recorremos ainda nestas reflexões, queresultaram do confronto com a vivência que tivemosjunto à escola pública, às teses de Michel Fou-cault, no que diz respeito ao caráter "disciplina-dor" das instituições sociais que, sobretudo, sob omanto da eficiência e de cientificidade da moderni-dade burguesa foram pouco a pouco estabelecendo umcontrole assustador e minuncioso sobre os indiví-duos, sucesso garantido pela união demoníaca do sa-ber e do poder.
Ao nível psicológico, encontramos em Piagetuma fundamentação importante acerca do processo deconstrução da inteligência humana que, observado emcrianças, evidencia formas próprias e fases distin-tas de conhecimento que vão do concreto, do senti-do do vivido até alcançar o poder de abstração que, -atesta a maturidade congnitiva da inteligencia hu-mana. Piaget é um referencial para a prática peda-
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gógica com crianças porque nos ensina a respeitar o"como el d "~ as apren em e a partir disso, a criar es-t:ategias adequadas para a estimulação da inteli-gencia das mesm~s; além disso permite que no con-front~ :om a pratica :eal das escolas, aprendamos aidentlflcar as estrategias que ignoram ou ferem odesenvolvimento cognitivo da criança. Não obstanteos preconceitos existentes sobre a "falta de_ •. " preo-cupaçao polltica da teoria de Piaget, levantadap~los pedagogos preocupados unicamente com as ques-toes estruturais da sociedade de classes sob o mo-derno capitalismo, entendemos a importância da suate~ria ao n~vel da explicitação da psicologia pró-prla das crlanças para operar com a construção doconhecime~to. Piaget como Paulo Freire, indica paraa pe~agogla que o estímulo da inteligência e do co-nheclmento passa pelo "respeito" ao universo mentale ~o:ial dos ~n~ivíduos. Esta lei não é aplicada napratlca pe~agoglca escolar e social geral mas, se ofosse, terlamos certamente crianças, adolescentes eadultos mais capazes de construir uma consciênciade classe necessária para a superação da alienaçãoa que os oprimidos são·submetidos.
~ noss~ ~uestão básica surge do bojo das preo-cupaçoes teorlcas que relatamos acima: como visua-l~za: um esp~ç~ de liberdade política e de compe-tencl~ pedagoglca, no contexto da instituição esco-lar pub~ica, l:vando em consideração, por um lado,a s~a,vlnculaçao com o Estado ordenador de relaçõesSOClalS classistas e, por outro lado, a sua tarefad "d í '1' "e , asc i.p Lnamen to assentado sob r eLa çoes hierar-qUlzadas, de poder que atingem a criança da classetr~balhad~ra~e~ detrimento das suas peculiaridadesP~lCO-Socl0loglcas e das suas potencialidades polí-tlcas?1. O ESPAÇO FtSICO
PRIMEIRO RETRATO, ~JITAS PISTASIniciamos pelo empírico e obtuso espaço
das escolas: a arquitetura da escola públicapobre quanto pequeno o interesse do Estado
físicoe taobras i-
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I iro em criar uma escola de qualidade para o povo.Os cromoterapeutas ficariam espantados se examinas-
m as possibilidades de saúde da criança da escolapública pelas cores que imperam nos ambientes esco-l res: cinza, marron, tons apagados e sujos.
Longos corredores ladeiam a fila de portas,dispostas como as de um presídio. No interior das
las quentes, mal iluminadas e tristes, as cartei-r s obedecem à disposição tradicional de filas ao
tilo .militar, de modo que, só é permitido ao alu-no olhar para a nuca do outro e por cima ou pelo1 do desta para o quadro verde para copiar o saberIli gravado em giz. O birô da professora na frentetil sala faz a intermediação entre a pedra sagrada es fiéis aprendizes: é o standart da professora en-
vlada pelo "Saber todo poderoso" que vai salvarIqueles pobres ignorantes das trevas do analfabe-I lsmo •
1. O RITUAL DO SABERA DISCIPLINA DO CORPO E DA MENTE
O cotidiano da escola pública é cronometrado11I\11 o mais em função do controle do corpo e da men-t ' das crianças do que da liberdade de movimentos,ti. fala, de pensamento e de conhecimento.
As crianças fazem fila para entrar e para sairti I la e/ou da escola. O tempo gasto com o contro-I pad ser largamente observado durante o processoti 11 de aula pois a "tia-madrasta" fica a todo11I1111I " o interrompendo o "conteúdo" para cobrar bomIlIlIIp amento que implica em que: todos fiquem oI '11\1' odo sentados, calados, imóveis, copiando,I pondendo, ouvindo e repetindo o que a professorap ti • O "modelo" de bom aluno que me foi apresenta-ti permanentemente pelas professoras foi o da obe-ti l-ncla total. " " -As crianças que fogem ao controle sao trata-11' mo portadoras de desequilíbrio mental e de-
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volvidas à família para que tome as devidas provi-dências, sendo aconselhada para procurar o "médi-co", o neurologista, o psiquiatra ou o assistentesocia1 das instituições que cuidam de "menores de-linquentes". A escola tem também o poder de diag-nosticar a doença e prescrever o remédio e assim,de enquadrar os indivíduos "desviantes" a esfera daloucura, da marginalidade e da reclusão.
Existe toda uma "ordem" a ser preservada, quevai do lugar que cada um ocupa no espaço (sala deaula) até a delimitação de tempo, que desrespeita o"tempo" de cAda criança sujeitando-a permanentemen-te a atividades demoradas, mecânicas e repetidasque ultrapassam o limite de concentração e de inte-resse da mesma que parte intuitivamente para aconstrução da "desordem". A própria criança comoválvula de escape da pressão anti-pedagógica que seinstitui pelas mãos da professora, acaba recorrendoà "bagunça" (levantar, beliscar o colega, chutar,derrubar as carteiras, rasgar o "dever", correr,sair da sala, gritar) e nesse momento, de pura re-beldia, atrai sobre si o mecanismo mais autênticoacionado pela escola pública: o controle e o disci-plinamento, o exercício pleno da atividade "polí-tico-pedagógica" dessa instituição.
A ordem é cristalizada de tal forma que pareceque só existe uma única maneira de entrar, sair,merendar, copiar, fazer depressa e rezar. Porquefazer difer.ente se elas não serão mais que "operá-rios", produtores mecânicos de mercadorias e/ouserviços para o engrandecimento crescente da classeburquesa?
3. ALFABETIZAÇÃO MECÂNICA:
o PRINCIpIO DA REPETIÇÃO E DA MEMORIZAÇÃO
Ao nível do famosode vozes de dezenasba-be-bi-bo-bu de forma
"conteúdo"; escuto o corode pequenos a entoar omecânica, inúmeras vezes,
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( ra uma canção de rítmo repetitivo de" plldlria sair uma melodia diferente daquela,. li I marcha da soldadesca em exercícios de
I 11 I I I.~o de força: baúli -bibi-bobo-bubu, ba-be-bi-bo-bu •••<:1 teira em fila, as crianças sentadas a co-lO ineiramente os exercícios do quadro que,
1'"1 \I L vez, foram copiados do livro, e a repetirII I I Itdamente a ladainha das cartilhas. Não há oII li rguntar ou entender. g preciso saber de cor,
'11I11 Lprendemos com o Eriovaldo de 7 anos: a pro-.Ilr fez um ditado de 10 palavras e ao final,
111m s ao Eriovaldo qeu criasse frases para darIII Ido a cada palavra que escrevera. Ele pensava,
I'11 lva, olhava o telhado, a porta e como se reali-um grande esforço de imaginação, construiu
1'1111 a pouco 10 frases as quais, verificando de-pIII , vimos que eeram memorizações fiéis da carti-1111.
O princípio de alfabetização subjacente aoI"lbalho das mestras é o de repetição, como se a a-p' md í.z agem fosse uma decorrência natural daquela eI ntada sobre a expectativa da memorização. Em" 'umas escolas observamos que o processo de alfa-h·tização não ultrapassava as vogais, com 2 mesesti· aula ou o ba, be, bi, bo, bu com 3 meses de au-I I.
ondequede-ba-
Alfabetização, regra geral, é entendida comoum processo de associação da linguagem falada cóm a
crita sem que seja buscado o sentido e a contex-ualização das palavras, quer ao nível formal, que
10 nível de existência psicológica ou social dasrianças. Quando observamos processos + "adianta-
dos" de alfabetização víamos a inserção das pala-vras, já exploradas isoladamente, em frases vaz Lasde significado e de interesse para a criança: O DA-DO g DA DADÁ. Dessa forma, fica claro que a concep-ção de alfabetização que orienta a prática da esco-la pública é a "mecânica", destituída de sentido ede compreensão.
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4. AVALIAÇÃO ADULTOCENTRICA DA CRIANÇA
o DEVER DE ACERTAR
Ao lado de tudo isso, há que considerar a prá-tica de "avaliação" da escola pública nas classesde alfabetização. A criança é submetida ao regimede "provas" periódicas, recebendo notas baseadasnos erros e acertos. Os momentos de provas sao aculminância da avaliação que é feita no cotidianoda sala de aula, a partir de critérios puramenteexternos aos meçanismos de conhecimento propriosdas crianças. A criança tem que apresentar desdelogo uma ortografia perfeita, sendo os erros dessanatureza corrigidos com vermelho, autocraticamente,pela mão hábil da professora e, de fato, o que estáem julgamento é muito mais o aspecto formal da lec-to-escrita do que o aspecto da compreensão. Ascrianças que não acompanham o be-a-bá são rapida-mente rotuladas e identificadas como "fraquinhas","atrasadas", "trabalhosas" e portadoras de defi-ciências de saúde física e/ou mental. Isto pode serilustrado com o caso de uma criança que nos foi a-presentada pela professora como a mais atrasada daturma. Juliana ainda não completara 6 anos e soconseguia reptesentar as letras com bolinhas. O quea professora identificou como "atraso" significa naverdade uma fase do processo de amadurecimento (ní-vel pré-silábico) pelo qual toda criança passa, ebásico para a 'construção posterior da compreensãoda lecto-escrita. Mais algum tempo e a Juliana es-taria apta a desenvolver a capacidade de leitura ede escrita. Enquanto isso, por deficiência de for-mação e de informação da professora, Juliana é tra-tada como deficiente, o que a marcará muito e pode-rá até bloquear uma capacidade que, se compreendidacomo algo que se constrói processualmente, poderiavir a se desenvolver normalmente.
Para Piaget, o professor nos moldes tradicio-nais, exerce sobre o aluno um poder muito grande,na medida em que está revestido de autoridade inte-
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I 111111 e moral, restando ao educando obedecer asI I I impostas pelo adulto, ficando aquele impedi-111 tilcriar as suas próprias regras, o que cLrcuns -
um tipo de "socialização" à base da passivi-do respeito absoluto à autoridade. Quem sai
escolas públicas, em geral, procurando crian-ncontra uma legião de "seres" sem especifici-
l.tI fetiva e cognitiva, que são produtos da"I I í n tLv Ldade " autoritária das escolas. Estes pe-'I" 1I0S seres são "conduzidos" para uma compreensãod I E cola como um lugar onde se copia deveres e seII (' 'be um monte de concepções distantes e estranhas11I u mundo cotidiano e social, expressado pelasInum ras dificuldades de sobrevivência inerente àI 1,1 e trabalhadora do país do "arrocho sal~rial"I'Imanente e progressivo.
',. ASPECTO DA IDEOLOGIA E DO PRECONCEITO DA PROFES-SORA E DA ESCOLA PARA COMA CRIANÇA DA LLASSETRABALHADORA: ENTRE O USO DA "MENTE" E DA "FOR-ÇA".
Vale perguntar: Quem é esta mulher - a profes-ora? Quem é a protagonista destas sagradas horasII-rias? Em grande massa, são mulheres e historica-
11I nte, foi destinado às mulheres a preocupação e alunção de educar as crianças. são também as mulhe-I~ subjugadas ao poder do homem sobre a súa manei-I I de ser, de vestir, de si relacionar e de ex í s-I Ir. ~ possível pensar que quem é oprimida é capaz11' oprimir também, de reproduzir o modelo autoritá-I I ao qual está submetida.
Nos depoimentos das professoras estão presen-muitas justificativas para o percalço da "or-
ei m" como meta pedagógica prioritária. Entre elas,lHLá a pressão dos técnicos (supervisoras, orienta-d ras educacionais e diretoras) que formam a hie-r rquia pedagógica da escola e expressam por suaV'Z um modelo igualmente autoritário de fazer o en-
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sino e a escola, moldando e limitando "a prática daprofessora", a situação social e econômica dacriança que não recebe "educação" na família, viveem meio a marginalidade, necessitando de receber naescola uma "boa educação"; a cobrança dos órgãosburocráticos (Secretaria) que são partes dos gover-nos decididos pelo nosso voto em eleições. As argu-mentações não convencem e compõem, na verdade, umcírculo vicioso de culpabilidades recíprocas queacabam por se anular uma às outras e ficamos semsaber, afinal, de quem é a culpa pelo "fracasso es-colar", revelado pelas altas taxas de evasão e derepetência escolar, como mostram os dados até ofi-ciais.
A preocupação com a disciplina, com o compor-tamento, com a submissão aos princípios e tarefadiária das professoras. O tempo que seria dedicadoás atividades lúdicas (apropriadas ao desenvolvi-mento da criança) e a apropriação do saber (CONTEO-DO) fica comprometido pelo ritual cotidiano do con-trole e da disciplina.
Alguém pode estar se perguntando sobre a dife-rença existente entre a Escola Pública e a EscolaPrivada no aspecto do disciplinamento. Ora, a esco-la privada recebe uma "clientela" que paga além dosimpostos pela educação dos filhos e que, portanto,pode cobrar e fiscalizar com mais direitos - o pú-blico no Brasil é tratado como campo dos aflitos,carentes e destituídos de direitos. Além disso, atarefa da Esc oLa Privada é formar "quadros" para otrabalho burocrático, de controle administrativo,de gerência da dominação da burguesia sobre a clas-se trabalhadora. Nesse sentido, ela se obriga atrabalhar o disciplinamento ao lado do "conhecimen-to". Na Escola Pública, o peso do disciplinamento éde tal parte que o conteúdo, o saber, o conhecimen-to, praticamente desaparece da prática pedagógica.A sua tarefa é de fato formar "quadros" para o tra-balho produtivo e braçal para o qual não há neces-sidade de "saber" e sim de disciplina para a con-formação ao espaço limitado da fábrica, ao tempo
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IlIlIometradoe controlado dos movimentos mecânicosdi, i raba Lho al.ienado.
A "professora" não é a responsável direta pela1" Il ca pedagógica instituída no cotidiano escolar111 I , integra um conjunto de determinações socioló-., (' I que cristalizaram historicamente uma concep-III de escola bastante funcional à reprodução do
11111<1 o de sociedade classista.
/,. ALGUMAS CONCLUSÕES
O ESTRUTURALISMO EXPLICA A ESCOLA PÜBLICA N~A-LISADA? QUAL ~ A SAlDA POL1TICA?
Defendemos a tese, de que a Escola Pública, daI rma como está estruturada, tem a função social e1)( lítica de disciplinamento e não de operar com o
lber. De fato, uma Escola que não alfabetiza, quexibe altos índices de reprovação (e os culpadosi sempre os alunos porque são pobres, ignorantesdeficientes mentais, segundo o discurso da hie-
t rquia escolar) e de repetência-gera o fenômenocialmente esperado da evasão em massa. Convence à
'riança e à família da classe trabalhadora que aE cola não foi feita para trabalhadores, que traba-lhador não necessita do "saber" letrado. A eficiên-ia desta instituição e a justificativa social paraI sua existência está em introjetar na psicologiam is profunda das crianças da classe dominada .que o"conhecimento" elevado, registrado pela escrita é,n-o apenas obra da classe superior (que produz tex-os e fifiguras que espelham os valores e o modo de
vida burguesa nos livros e cartilhas) mas algo aer apropriado e reproduzido por seus descendentes.
Dessa forma, é fácil entender porque os pres-upostos que, de forma generalizada, estão presen-
Les nas explicações dadas pelos fazedores da EscolaPública são sempre pautados na culpabilização dariança das classes populares, a lentidão do pro-
cesso de elaboração de conteúdos é justificada não
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pela "incompetência" pedagógica da maioria das pro-fessoras e técnicos pedagógicos mas, pela deficiên-cia mental das crianças. Nesse aspecto é interes-sante ressaltar que quando a escola pública se re-f " t " d .ere ~ao compor amento a cr1ança, o faz a partirde rotulos como "danada", "hiperativa", "barulhen-ta" que indicam uma energia que reflete a saúde oua resistência dessas crianças que, à revelia daspéssimas condições gerais de vida, conseguem esca-par da bocarra da "mortalidade infantil". Quando setrata do aspecto do "saber" - ler, escrever e con-tar - o discurso da Escola é assentado sobre a de-ficiência mental das crianças: "atrasadinho", "len-to", "não aprende nada", "tem muita dificuldade"1f - 'da trabalho" •••
Ora, afinal a criança das classes populares é"hiperativa" para a brincadeira, a indisciplina epara o recreio e "deficiente" para aprender? Ficaclaro que ao longo dessa adjetivação contraditóriaatribuída à criança da E.P. está a suposta eficiên-cia da professora, da orientadora de supervisora,da diretora. Qualidade que pode ser traduzida comoa eficiência para o controle, a domestificação a- 'obedíencia, a imposição do silêncio e da ordem: ODISCIPLINAMENTO POLíTICO E ECONÔMICO dos trabalha-dores braçais.
A burguesia não necessita que a classe traba-lhadora seja letrada ou pensante. Pensar para des-cobrir os "enganos", "ilusões" e "mentiras" criadaspela classe dominante para encobrir a exploraçãoque institui como norma?
Acreditamos que a nossa Escola Pública, a ti-rar pelas práticas autoritárias já cristalizadas,tem_um sentido sócio-lógico muito mais próximo davisao althusseriana de Ap. Ide. de Estado do que deespaço potencialmente aberto a práticas alternati-vas que permitam às crianças o exercício da refle-xão e da crítica. O mecanismo capaz de alterar aprática autoritária da Escola Pública só pode virde uma organização maior da classe trabalhadora daelevação da consciência político-partidária da ~es-
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11I1. para que o espaço público da escola seja um l~-Ir de respeito aos filhos daquela classe responsa-
v 1 diretamente pela produção da riqueza apropriadallld vidamente por uma minoria gananciosa e prepo-I 11 e. Aí assim, os condicionamentos estruturais dedominação capitalista e selvagem que atuam sobre a
ola podem ceder lugar a uma dinâmica claramentedI lética e esta, possa criar novas práticas educa-I' I nais.
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