O Conceito de Cotidianidade Em Agnes Heller

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    O CONCEITO DE COTIDIANIDADE EM AGNES HELLERE A PESQUISA EM EDUCAO1

    Maria Helena Souza PATTO2

    RESUMO: O artigo busca as possibilidades da teoria helleriana para a pesquisa na rea de educao.Toma como contribuio bsica dessa teoria a categoria de cotidiano, entendendo essa dimenso como

    aspecto da vida social menosprezado pela filosofia e pelas cincias sociais. Trata-se de um compro-metimento com a fundamentao terica para um projeto poltico de "mudar a vida".

    UNITERMOS: Cotidiano; indivduo; alienao; interpretao.

    S i t u a n d o u m a p e r s p e c t i v a d e a n l i s eA presena recente de Agnes Heller na psicologia educacional brasileira deve-se,

    certamente, a impasses de natureza terica e metodolgica que foram tomando forma,nesta rea, no decorrer dos anos 80.

    A partir do ingresso do materialismo histrico na literatura educacional brasileira,

    primeiramente em sua verso althusseriana - que trouxe consigo a concepo daescola como Aparelho Ideolgico de Estado - e em seguida em sua traduogramsciana - que possibilitou a crtica s verses no-dialticas do marxismo (maisespecificamente, concepo reprodutivista da relao escola-sociedade) -, a pes-quisa educacional de vanguarda passou por uma mudana de foco no estudo da

    escola: os estudos tradicionais, baseados no modelo experimental de pesquisa, queora se detinham na investigao das caractersticas psicolgicas dos alunos, ora emaspectos da formao e da prtica profissional dos educadores, ora nos mtodos deensino e de avaliao da aprendizagem, via de regra em termos do estabelecimentode relaes estatisticamente verificveis entre dados empricos referidos como vari-veis dependentes e independentes, foram substitudos pela ateno escola enquantoinstituio inserida numa estrutura social marcada por relaes antagnicas de

    1. Texto apresentado no Ciclo de Conferncias sobre a Escola de Frankfurt, realizado na Faculdade de Cincias eLetras da UNESP, Cmpus de Araraquara, em 1990.

    2. Instituto de Psicologia - USP - 05508-000 - So Paulo - SP.

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    classes. Essa mudana de foco ps a pesquisa educacional s voltas com uma questode mtodo, at hoje mal resolvida. No por acaso, nos ltimos dez ou quinze anos, aspublicaes especializadas tm se mostrado frteis em artigos que discutem os temasdo quantitativo x o qualitativo, do emprico x o concreto, do formal x o dialtico. Oque inicialmente pareceu um problema metodolgico, trazido tona sobretudo porintrigantes relatos de pesquisa nos quais a uma fundamentao terica marxista

    correspondiam investigaes, onde a realidade era segmentada em variveis e no seia alm do emprico - nas quais, portanto, no se realizava a ascenso do abstrato aoconcreto, para usar as palavras de Karel Kosik -, revelou-se, pouco depois, tambmum problema terico. Isso porque, nesses relatos, ou a historicidade da vida na escolano era apreendida ou verses do materialismo histrico limitadas a conceitosmacroscpicos no permitiam aproximar o foco de anlise da escola enquantorealidade complexa (dialtica), intersubjetiva e especfica. Em outras palavras, con-ceitos, cuja acuidade no alcanava o indivduo, no permitia dar conta da questodo sujeito social que ao mesmo tempo faz histria e feito por ela, obrigavam os

    pesquisadores que queriam atingir a rede de prticas e processos, dos quais participamos integrantes da vida na escola, a lanar mo das "psicologias institucionais", deextrao freudiano-marxista, sntese esta sempre problemtica e que acaba por perder

    de vista a articulao dos processos intersubjetivos (entre sujeitos) com a estruturada formao social.

    Nesse sentido, o que parecia ser apenas um problema de atingir uma coernciaentre teoria e mtodo, revelou-se, acima de tudo, uma questo de procura de umateoria que superasse no s as verses funcionalistas sobre a relao escola-sociedade,

    mas tambm as concepes crticas da escola que a vem apenas como instituioreprodutora da ideologia e das relaes sociais de produo - ou seja, como instituiohomogeneizante e totalmente determinada pela estrutura social e pela vontade estatal.

    Configurou-se, noutras palavras, a necessidade de uma teoria que possibilitasseestudar a escola como "instituio articulada organicamente com a estrutura dedeterminada formao social", articulao esta no-mecnica mas dialtica, na quala escola (como, de resto, qualquer instituio) pudesse ser apreendida como lugar decontrole estatal e de apropriaes desse controle pelos seus destinatrios, como lugarde dominao e de rebeldia, de reflexo e de criao, levados a efeito por sujeitos

    individuais que tecem ativamente a vida na escola. O estudo da escola estava arequerer uma teoria marxista que desse conta da participao das pessoas, dosindivduos, dos sujeitos na vida social.

    Como dizem Rockwell e Ezpeleta, a apreenso de uma instituio em toda a suacomplexidade requer "o manejo das grandes categorias sociais: classes, Estado,sociedade civil etc", mas requer tambmque se evite "a transferncia mecnicadesses conceitos que, embora tendo uma tradio consagrada nas cincias sociais,foram elaborados e definidos como objetos de estudo pertencentes a outro nvel". O

    trabalho terico exige, para dar conta da especificidade e da complexidade da vidaque se desenrola numa instituio como a escola, "tanto um uso peculiar daquelas

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    categorias como a construo de novas categoriaspertinentes ao nvel com que nosocupamos" (Rockwell, 1986, p. 13-4, g. n.).

    Foi no mbito dessa necessidade que a obra de Agnes Heller adquiriu especialinteresse para a pesquisa educacional, sobretudo no que se refere ao estudo da vidacotidiana como lugar privilegiado de apreenso do processo histrico.

    A gnes H e l le r : anotaes sobre a v i da e a teo r i a

    Primeiramente, um pouco de biografia, a qual certamente contribuir para acompreenso da teoria. Agnes Heller nasceu em Budapeste, em 1929. Foi discpula ecolaboradora de Lukcs, pesquisadora do Instituto Sociolgico de Budapeste e deixou

    a Hungria, por motivos polticos, em 1978. Lecionou na Austrlia e atualmente integrao corpo de professores e pesquisadores da New School for Social Research, em NovaYork. Faz parte de um grande grupo de intelectuais que elaboraram um marxismocrtico no leste europeu; mais especificamente, Heller integra a chamada Escola deBudapeste. Esses intelectuais tomaram como ponto de partida a crtica do marxismosovitico e do socialismo real, ou seja, do socialismo tal como se constituiu na UnioSovitica e na esfera de sua influncia. Sua obra integra, portanto, um marxismo deoposioque contm, mais do que uma contribuio terica importante, implicaesrelevantes no mbito das atitudes polticas. No cerne dessas formulaes tericas est

    a reviso de alguns pressupostos da tradio marxista, que perderam a fora quandoaplicados no s compreenso da experincia da Europa oriental como tambm dosrumos, imprevisveis para Marx, das sociedades capitalistas ocidentais (Arnason,1989, p. 163 s.).

    Esse processo de superao do marxismo sovitico valeu-se no s de fontesexternas ao marxismo como de partes da obra de Marx que haviam sido postas delado ou refutadas; de um lado, a redescoberta dos Manuscritos econmico-filosficos,de 1844, deu origem a interpretaes antropolgicas do marxismo que reconstruram

    o prprio conceito de natureza humana; de outro, temas especficos negligenciadosou interditados pelas verses oficiais do marxismo despertaram renovado interesse:esse o caso, por exemplo, da anlise filosfica e sociolgica da vida cotidiana.

    A obra de Heller desenvolve-se na confluncia dessa redescoberta (dos Manus-critos)e desse interesse (por aspectos da vida social menosprezados pela filosofia epelas cincias sociais). Ao se voltar para a Ideologia aleme principalmente para osPrimeiros Manuscritos, ela resgata a questo do homem-natureza e do homem-ho-mem, isto , a questo da humanizao do homem no decorrer do processo histrico;nesse processo, Heller atribui especial importncia aos comportamentos cujo conte-do axiolgico seja positivo, isto , que contribuam efetivamente para esta humaniza-o. por essa via que a tica ocupa um lugar central em sua obra.

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    Enquanto no marxismo ocidental (por exemplo, em Henri Lefbvre) o interessepela vida cotidiana vem ligado a uma estratgia de radicalizao - o mundo de todosos dias deveria ser transformado por uma "revoluo cultural" mais profunda, queultrapassasse a simples inovao nas reas poltica e econmica -, no marxismo crtico

    oriental esse interesse decorre de uma percepo da revoluo como algo incompletose deixar intactas as estruturas bsicas da vida cotidiana. Esfera da reproduo

    individual, a vida cotidiana vista como territrio de estruturas antropolgicaselementares que podem ser invocadas contra a naturalizao da histria; enquantocomplexo de atividades estritamente ligadas, que subjazem rede das instituiesmais especializadas, exige uma reviso da relao "estrutura/supra-estrutura". nocontexto dessa reviso que surge o importante conceito de "mediao" (Arnason,1989).

    A filosofia da prxis, enquanto referncia terica para pensar a escola pblicanum projeto de mudanas sociais profundas, abrange vrias concepes a respeito

    no s de quem faz a histria, mas tambm de como e em que instncia social ela sefaz. Essas concepes contm, portanto, diferentes verses sobre o papel dosprotagonistas da vida na escola num projeto de mudana social radical e implicamdiferentes propostas relativas implementao da poltica educacional. Portanto, suaescolha como quadro terico da pesquisa do rendimento escolar coloca o pesquisadordiante do problema de decidir sobre que dimenso da vida social sua anlise incidir,ou seja, diante do problema de escolher entre as vrias teorias geradas no mbitodessa filosofia da histria.

    A crtica s pesquisas realizadas no marco das concepes funcionalista desociedade e positivista de cincia, bem como a busca terica de aproximao dasesferas social e individual, tradicionalmente separadas nas cincias humanas, con-vergem para uma rea recente do conhecimento sociolgico: o estudo da vidacotidiana, ao qual se encontra ligado o nome de Agnes Heller, pensadora marxistacomprometida com a busca da fundamentao terica para um projeto poltico de"mudar a vida" nas sociedades atuais, marcadas pela explorao econmica e peladominao cultural.3

    Por estar voltada para as relaes entre a vida comum dos homens comuns e osmovimentos da histria, e por no perder de vista a especificidade das pessoasenvolvidas nas aes que tecem a vida cotidiana, sua obra particularmentepromissora como referncia terica para a reflexo sobre a escolarizao das classessubalternas, nos pases capitalistas do terceiro mundo, concebida como processohistrico tecido por todos os que se confrontam em cada unidade escolar. Por isso,ao mesmo tempo em que, no Brasil, o pensamento helleriano era percebido como uma

    3. Nosso primeiro contato com esta autora deu-se no curso "Sociologia da vida cotidiana", ministrado na graduaoem Cincias Sociais da FFLCH-USP, pelo prof. Jos de Souza Martins, em 1982.

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    perspectiva inovadora e promissora para a pesquisa sobre a escola, duas pesquisado-ras faziam o mesmo no Mxico.4

    O ponto de partida de Heller uma crtica ao pensamento de Marx. Valendo-sedo que considera uma contradio fundamental na obra de Marx,5 Agnes Hellerelabora uma teoria na qual redefine o sujeito, o lugar e as estratgias da transformao

    social negadora da sociedade de classes. De acordo com sua anlise, ora a classe

    operria comparece, nessa obra, como autora da histria, ora as contradies inerentes formao capitalista so tomadas como seu motor. Nessa segunda verso, o processohistrico tido como objetivo, no passa pela subjetividade de uma classe nem deum indivduo, conseqncia necessria desse modo de produo. Desse ponto devista, a classe operria deixa de ser o sujeito da histria, pois esta se processaria comodecorrncia do desenvolvimento das foras produtivas. Vejamos como essa contradi-o expressa pela prpria Agnes Heller:

    ... o sistema de Marx contm uma contradio particular: por um lado, Marx construiu filosofica-mente o sujeito da revoluo, ou seja, formulou a hiptese de uma classe que, necessariamente,

    enquanto classe, por meio de um processo revolucionrio, liberta toda a humanidade. Por outro

    lado, descreveu a sociedade capitalista de modo a demonstrar que as leis econmicas conduzem

    necessariamente a uma revoluo histrico-social. (Heller, 1982a, p. 14)

    Essa contradio interna gerou, a seu ver, categorias tericas opostas no prpriopensamento marxista: h os que deixam de lado a questo do sujeito e se voltam paraa objetividade das leis do desenvolvimento econmico, e outros que desenvolvem o

    mito da classe operria revolucionria e ignoram a crtica da economia, considerando-airrelevante. Agnes Heller analisa criticamente estas duas teses,6 tomando por base aconstatao de que, nos acontecimentos sociais de nosso tempo, nem sempre a classeoperria pode ser tomada como sujeito da histria. Diz ela nesta mesma obra: "Noquestiono o fato de que a classe operria possui um papel histrico extremamentesignificativo", pois a histria contm exemplos eloqentes disso. Minhas dvidasreferem-se apenas teoria de que s uma classe possa assumir o poder e ser a nicarepresentante da transformao" (Heller, 1982a, p. 17). Marx refere-se a uma s classesocial em sua teoria da revoluo; para Heller, uma teoria revolucionria fala a todos

    4. Trata-se de Justa Ezpeleta e Elsie Rockwell, do Centro de Investigacin y de Estudios Avanzados do InstitutoPolitcnico Nacional do Mxico, cujos primeiros escritos, nessa perspectiva terica, foram publicados recente-mente (1986) no Brasil.

    5. Dessa forma, est-se recusando a relacionar-se com o pensamento de Marx como se fosse um dogma e ele, umpai religioso capaz de explicar todos os problemas sociais presentes e futuros. No se prope tambm a mataresse pai, pois esse gesto ainda configuraria uma relao fantica com a teoria. "Marx uma tradio de vida,no uma escritura sagrada; preciso levar em conta o perodo histrico em que ele escreveu" (Heller, 1982a,p. 15).

    6. Mais do que isso, rev a utopia marxista da sociedade sem Estado e sem produo de mercadorias e defende a

    tese segundo a qual, no sculo XX, no mais possvel pensar na extino do Estado e no desaparecimento daproduo de mercadorias. A questo agora outra: que Estado queremos construir e que tipo de produo demercadorias queremos implantar.

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    os que tm carecimentos radicais, e no pode, portanto, referir-se apenas a umadeterminada classe. Assim como h estratos operrios que no exprimem estescarecimentos, h outros segmentos sociais (mulheres, jovens, minorias raciais etc.)que os exprimem.7

    C o t i d i a n i d a d e e n o - c o t i d i a n i d a d e :a p a r t i c u l a r i d a d e e a i n d i v i d u a l i d a d eTendo em vista avanar o pensamento marxista no sentido de dar conta das

    questes polticas, sociais e econmicas que emergem no sculo XX, Heller dedica-se construo de uma teoria que apresente alternativas filosficas e sociolgicas paraquestes que no poderiam ter sido colocadas por Marx e seus seguidores at

    recentemente, na medida em que so desafios atuais. Valendo-se da constatao deque a subjetividade (no sentido da individualidade, da pessoa, do sujeito) foi banidado pensamento materialista histrico, Heller a resgata e a coloca no centro do processohistrico, entendido como expresso do homem em busca de sua humanizao.8 Umade suas principais contribuies ao marxismo contemporneo , portanto, a colocaoda temtica do indivduo no centro das reflexes. E o indivduo a que se refere no um indivduo abstrato ou excepcional, mas sim o indivduo da vida cotidiana, isto ,o indivduo voltado para as atividades necessrias sua sobrevivncia.

    Parte de seus escritos dedicada definio do conceito de "vida cotidiana em

    geral", isto , caracterizao de vida ordinria, independente do modo de produovigente.

    A vida cotidiana a vida de todo homem, pois no h quem esteja fora dela, edo homem todo, na medida em que, nela, so postos em funcionamento todos os seussentidos, as capacidades intelectuais e manipulativas, sentimentos e paixes, idias

    7. Esse conceito definido por Heller nos seguintes termos: o desenvolvimento da sociedade capitalista, baseadanos ideais de igualdade e liberdade, abre caminho para o desenvolvimento da sociedade civil. Num determinado

    momento, as necessidades desta sociedade so maiores do que a sociedade capitalista pode satisfazer: estamosdiante de carecimentos radicais definidos como necessidades historicamente geradas por esses ideais. Da osmovimentos de negros, mulheres, estudantes etc, numa sociedade em que a classe operria est acomodada.Outros grupos que no a classe operria reivindicam mudanas estruturais para que se realizem esses ideais. nesse sentido que esta autora afirma que o sujeito da histria no estritamente a classe operria; todo equalquer grupo que seja objeto de explorao, dominao, discriminao, que carea das condies de vidaprometidas pelo liberalismo, mas no realizadas pela sociedade capitalista.

    8. Heller volta ao Marx de A ideologia aleme dos Primeiros manuscritose resgata a questo do homem-homem edo homem-natureza. A questo fundamental da histria torna-se, desse ngulo, a questo da produo do homemno processo histrico; este processo o da humanizao do homem, da constituio do homem-homem, emoposio ao homem-natureza. Num extremo do processo, encontra-se o homem-natureza; no outro, o homem-homem, livre das necessidades naturais. Com Marx, Heller afirma que o homem quem faz sua prpria histria;a histria humana no , portanto, uma histria natural: o homem no se humaniza para cumprir os ditames danatureza. Dessa perspectiva, fica afastada qualquer possibilidade terica de naturalizao do homem.

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    e ideologias. Em outras palavras, a vida do indivduo e o indivduo sempre serparticular e ser genrico (por exemplo, as pessoas trabalham - uma atividade dognero humano -, mas com motivaes particulares; tm sentimentos e paixes -manifestaes humano-genricas -, mas os manifestam de modo particular, referidoao eu e a servio da satisfao de necessidades e da teleologia individuais; aindividualidade contm, portanto, a particularidade e a genericidade ou o humano-

    genrico).

    Abstrada de seus determinantes sociais, toda vida cotidiana heterognea ehierrquica (quanto ao contedo e importncia atribuda s atividades), espontnea(no sentido de que, nela, as aes se do automtica e irrefletidamente), econmica(uma vez que, nela, pensamento e ao manifestam-se e funcionam somente namedida em que so indispensveis continuao da cotidianidade; portanto, as idiasnecessrias cotidianidade jamais se elevam ao nvel da teoria, assim como a aocotidiana no prxis), baseia-se em juzos provisrios, probabilstica e recorre

    ultrageneralizao e imitao. nesse marco que ela teoriza sobre o pensamento eo trabalho, a cincia e a arte, os contatos interpessoais e a personalidade (Heller, 1972,1975).

    Todas essas tendncias so consideradas por Heller formas necessriasdopensamento e da ao na vida cotidiana; sem elas, seria impossvel at mesmo asobrevivncia. No entanto, quando se cristalizam em absolutos, no deixando aoindivduo margem de movimento e de possibilidade de explicitao, estamos diantedaalienao da vida cotidiana. Pela coexistncia e sucesso de atividades heterog-

    neas, a vida cotidiana , de todas as esferas da realidade, a que mais se presta alienao. Embora terreno propcio alienao, ela no necessariamente alienada.O em determinadas circunstncias histrico-sociais, como o caso da estruturaodas sociedades industriais capitalistas.9 Nessas sociedades, o indivduo da vidacotidiana o indivduo que realiza o trabalho que lhe cabe na diviso social do trabalho,produz e reproduz esta parte e perde de vista a dimenso humano-genrica. Assimsendo, perde de vista as condies de sua objetividade; ao alienar-se, torna-se

    particularidade, parcialidade, indivduo preso a um fragmento do real, tendnciaespontnea de orientar-se para seu eu particular.10 A alienao ocorre quando se dum abismo entre a produo humano-genrica e a participao consciente dosindivduos nesta produo - o indivduo alienado (indivduo enquanto particularidade)

    9. Enquanto Agnes Heller emprega o termo "vida cotidiana" para referir-se s formas que a vida assume emsociedades anteriores e de estrutura diversa da sociedade burguesa, Henri Lefbvre limita o uso dessa expresso designao das caractersticas da vida sob o modo capitalista de produo. Nesse sentido, ele afirma:"Certamente, sempre foi preciso alimentar-se, vestir-se, abrigar-se, produzir objetos, reproduzir o que o consumodevora. No entanto, insistimos que at o sculo XIX, at o capitalismo de livre-concorrncia e at o desenvolvi-mento do 'mundo da mercadoria', no existia o reino da cotidianidade" (Lefbvre, 1972, p. 52).

    10. Agnes Heller reserva o termo individualidadepara referir-se ao indivduo que tem liberdade (sempre relativa) defazer escolhas, que no subjugado por ditames internos ou externos dos quais no se apropria; para designara condio oposta, vale-se do termo particularidade.

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    cria objetivaes em sie no realidades objetivas para si.11 Agnes Heller chama aateno para o fato de que esse abismo no tem a mesma profundidade em todas aspocas nem em todas as camadas sociais. Fechou-se quase completamente noRenascimento italiano12 e aprofundou-se desmesuradamente no capitalismo moderno.

    Pensam ento e preco nceito, ao e papis sociaisA maneira como desenvolve os temas do preconceitoe dos papis sociais(cuja

    relevncia para o estudo da escola bvia), tal como se do na vida cotidiana, emgeral, e na cotidianidade nas sociedades onde predomina o modo capitalista deproduo, em particular, serve bem ao propsito de ilustrar sua teoria da ao e dopensamento cotidianos.

    Na vida cotidiana, como vimos, a ao e o pensamento tendem a ser econmicos,

    ou seja, manifestam-se e funcionam na exata medida em que so imprescindveis continuao da cotidianidade. O pensamento cotidiano orienta-se para a realizaodas atividades cotidianas, o que significa afirmar que existe uma unidade imediata dopensamento e da ao na cotidianidade. Essa unidade imediata faz com que o "til"seja tomado como sinnimo de "verdadeiro", o que torna a atividade cotidianaessencialmente pragmtica. A ultrageneralizao tambm est na base do pensamen-to cotidiano e, tal como as demais caractersticas da cotidianidade, uma tendncianecessria vida, pois seria impossvel analisar integralmente as caractersticas decada situao ou pessoa antes de nos comportarmos frente a elas. Valemo-nos,

    portanto, de juzos provisrios que sero refutados a partir do momento em que nomais nos capacitarem orientao e ao. Quando essa tendncia ultragenerali-zao se manifesta no conhecimento cotidiano de pessoas, valemo-nos da analogia:classificamos a pessoa com quem entramos em contato em algum tipo humano jconhecido e nos orientamos frente a ela com base nessa classificao; quando semanifesta no conhecimento cotidiano de situaes, valemo-nos do uso de preceden-tes. Sem esses recursos, o homem estaria condenado imobilidade diante de cadasituao ou pessoa com que se defrontasse.

    Tomando por base a afirmao de que "a ultrageneralizao inevitvel na vidacotidiana, mas seu grau nem sempre o mesmo", Heller (1972, p. 45) cria o espaoterico para a definio de um tipo particular de juzo provisrio: o preconceito. Maisque juzo provisrio, o preconceito um juzo falso, ou seja, um juzo que poderia sercorrigido com base na experincia, no pensamento, no conhecimento e na deciso

    11. Para Henri Lefbvre, o produto a objetivao em si e a obra a objetivao para si; no segundo caso, um estilomarca os menores detalhes: gestos, palavras, instrumentos, objetos familiares, roupas etc. Nas sociedades queno tm vida cotidiana, os objetos usuais, familiares, no caram na prosa do mundo. Ao contrrio, "nossa vidacotidiana [em comparao com a vida nas sociedades em que a cotidianidade no existia] caracteriza-se pela

    nostalgia do estilo, por sua ausncia e sua busca apaixonada" (1972, p. 42).12. A vida cotidiana no Renascimento foi objeto de um estudo desta autora (Heller, 1982).

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    moral individual, mas no o porque confirma aes anteriores, compatvel com aconformidade e o pragmatismo da vida cotidiana e protege de conflitos. Na qualidadede juzo provisrio que se conserva inabalado contra todos os argumentos da razo,o preconceito tem como componente afetivo a f, um dos afetos que pode nos ligara uma opinio, viso ou convico. Seu limite a intolerncia emocional, intimamenteligada satisfao de necessidades da particularidade.

    Dizer que a vida cotidiana propcia ao preconceito, que a base antropolgicadele a particularidade e seu componente afetivo a f no significa afirmar que ossistemas de preconceitos sociais decorrem dos preconceitos do homem tomadoisoladamente. A maioria de nossos preconceitos tem, na verdade, um carter mediataou imediatamente social: os assimilamos e os aplicamos, atravs de mediaes, acasos concretos. A particularidade do homem est vinculada a sistemas de preconceitos pelo fato de que na sociedade predominam "sistemas de preconceitos sociaisestereotipados e esteretipos de comportamentos carregados de preconceitos" (Hel

    ler, 1972, p. 50). Em outras palavras, embora a vida cotidiana seja propcia emergncia de preconceitos, ela no os determina; sua origem deve ser procuradaem outro lugar. Segundo Heller, os preconceitos tm a funo de consolidar e mantera estabilidade e a coeso de integraes sociais, principalmente das classes sociais.Essa funo de mantenedor da estabilidade e da coeso s desempenhada quandoestas esto internamente ameaadas. Por isso, a maior parte dos preconceitos produto das classes dominantes, pois a elas que interessa manter a coeso de umaestrutura social, conseguida em parte graas mobilizao, atravs de preconceitos,dos que representam interesses diversos ou at mesmo antagnicos. Apoiadas no

    conservadorismo, no comodismo, no conformismo ou nos interesses imediatos dosintegrantes das classes ou camadas sociais que lhes so antagnicas, as classesdominantes conseguem mobiliz-las contra os interesses de sua prpria classe econtra a prxis.13

    Uma anlise da histria permite-lhe afirmar que a burguesia produziu preconceitos em muito maior escala do que todas as classes sociais de que se tem notcia.Ao lado de seus maiores recursos tcnicos, seus esforos ideolgicos hegemnicosrespondem por esse fato. Inicialmente denunciante dos preconceitos, ela passou a

    precisar deles num mundo de igualdade e de liberdade formais, exatamente porqueessas noes formais passaram a existir no mundo que ela inaugurou.14 A coeso da

    13. O conformismo, na sociologia de Agnes Heller, tem sua raiz na conformidade necessria vida social, isto , naassimilao das normas do grupo ou classe a que se pertence. A conformidade converte-se em conformismoquando as motivaes da conformidade na vida cotidiana penetram as formas no-cotidianas de atividade,sobretudo as decises morais e polticas, fazendo com que estas percam seu carter de decises individuais(Heller, 1972, p. 46).

    14. Agnes Heller faz uma distino entre ideologia e preconceito. A ideologia, enquanto expresso da falsaconscincia, est to permeada quanto os sistemas de preconceitos de generalizaes de contedo emocional,mas nem por isso preconceito ou necessariamente se transforma nesta direo. A ideologia, enquanto expressode aspiraes essenciais de classe que motivam a prxis, no faz apelo ao particular e exige muito de quem aassume. Sua passagem condio de preconceito se d a partir do momento em que deixa de motivar a prxis,

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    sociedade burguesa sempre foi mais instvel do que a da Antigidade ou a dofeudalismo clssico; por isso, os preconceitos de grupo15 (nacionais, raciais, tnicose sociais) "s aparecem no plano histrico, em seu sentido prprio, com a sociedadeburguesa" (Heller, 1972, p. 54-5).16

    Essa anlise da produo das idias socialmente dominantes remete questoda relao entre cincia e preconceito. "Quanto maior a alienao produzida pelo

    modo de produo, tanto mais a vida cotidiana irradia alienao para as outras esferas;a cincia moderna, ao colocar-se sobre fundamentos pragmticos, absorve, assimilaa estrutura da vida cotidiana", diz Heller em O quotidiano e a histria (1972). Nessascircunstncias, uma forma no-cotidiana de pensamento (a teoria), que em tesepromove o desenvolvimento humano-genrico ("na teoria e na prxis dominamfinalidades e contedos que representam o humano-genrico", diz Heller na mesmaobra), permanece imersa na cotidianidade.

    Ao colocar a questo da cincia nesses termos, Heller ope-se ao mito de suaneutralidade; para ela, a cincia sempre interessada, havendo interesses quedificultam e interesses que facilitam sua terefa de desvelar a realidade social. Umarelao consciente do pesquisador com a genericidade, uma escolha de valorespositivos, condio necessria (embora no suficiente) para o cumprimento, pelascincias sociais, de sua tarefa de desfetichizao, um dos principais critrios, a seuver, para avaliar o significado de qualquer compromisso no mbito destas cinciasaps o advento da sociedade burguesa.17

    no respondendo mais a ideais humano-genricos. A prpria Agnes Heller explica melhor essa distino noseguinte exemplo: "Quando os revolucionrios franceses levantaram suas barricadas com a convico de estaremsendo chamados, enquanto encarnaes dos antigos heris romanos, a realizar o 'reino da razo', no podiamdominar com o pensamento as foras econmicas e sociais a cujo servio se colocavam; no prosaico mundoburgus realizado, pde-se ver que seus juzos eram juzos provisrios. Mas dado que a burguesia no podia daraquele passo de importncia histrico-universal que inaugurou seu domnio a no ser sobre a base de umaultrageneralizao intelectual e emocional, aquela ideologia no era um sistema de preconceitos: estava vinculada prxis, ao humano-genrico, no ao individual-particular, confiana, no f. Ao contrrio, em todos aquelesque declaram posteriormente que a sociedade burguesa realizada era em sua realidade efetiva o 'reino da razo',aquela ideologia (que j no mais se encontrava na principal linha de fora da prxis histrico-universal),converteu-se num sistema de preconceitos"(1972, p. 52-3, /n.).

    15. Por preconceitos de grupo a autora entende todos os juzos falsos que se referem a todo um grupo, independentemente do critrio para sua homogeneizao ser essencial ou secundrio; trata-se de preconceito contra osmembros de um grupo to-somente pelo fato de serem membros desse grupo (1972, p. 56).

    16. Da perspectiva dessa teoria do preconceito, Agnes Heller critica a concepo dominante na sociologia e napsicologia social contemporneas, segundo a qual a origem do preconceito encontra-se nos grupos enquanto tais,despidos de seus determinantes histricos.

    17. Nessa mesma linha, Martins, ao criticar o exerccio da teoria pela teoria que assola a sociologia contempornea,tanto quanto o empirismo fcil, assume uma posio declarada em favor do compromisso da cincia quandoafirma: "H os que preferem dedicar a vida dissecao de um conceito, de uma 'instncia', como o de modode produo, ao invs de utilizarem o aparato terico ou de o fazerem progredir para entender e transformar arealidade, transformando com isso a prpria teoria e a si prprios ... S o compromisso com a transformao dasociedade pode revolucionar o conhecimento, pode fazer da sociologia uma cincia e no um cacoete" (1978,p. xiii.).

    128 Perspectivas, So Paulo, 16:119-141,1993

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    O poder que a teoria assume quando penetra no pensamento popular tantomaior quanto mais coincide com as formas cotidianas de pensar. A esse respeito,Heller diz:

    A cincia goza, na conscincia cotidiana, de um crdito to elevado que at mesmoideologias completamente no-cientficas (isso , com contedo de valor negativo) esforam-separa deter uma base "cientfica" e, assim, legitimarem-se (como o caso, por exemplo, das teoriasraciais e outras idiotices biolgicas geradas sob o fascismo). Na conscincia cotidiana atual, acincia - tanto a natural como a social - a autoridade mxima. (1975, p. 202)

    Tambm quando se dedica a uma teoria dos papis, Heller parte de umaconcepo abstrata de "papel social" para depois analis-lo em sua especificidadenas sociedades capitalistas. Aps defender a idia de que a convivncia e o funcionamento sociais requerem imitao e sistemas consuetudinrios relativamente este

    reotipados e no podem prescindir do plano de relaes mecnicas constitudo pelospapis, ela passa a considerar seu exerccio nas condies sociais de manipulao ealienao. Nessas circunstncias, o homem vai-se fragmentando em seus papis, podeser devorado neles e por eles e viver a estereotipia dos papis de uma forma limitadorada individualidade. Quando isso ocorre, orienta-se na cotidianidade mediante osimples cumprimento adequado desses papis, assimilando mudamente as normasdominantes e vivendo de uma maneira que caracteriza o conformismo. Nesses casos,a particularidadesuplanta a individualidade. Engolido pelos papis e pela imitao, o

    indivduo vive de estereotipias. A grande maioria dos homens modernos no ,

    portanto, individualidade, na medida em que acaba por tornar-se muda unidade vitalde particularidade e genericidade.18 Por sua importncia para a reflexo sobre a vidana escola, analisemos um pouco mais essas idias.

    As relaes sociais degradam-se medida que os sistemas funcionais dasociedade vo-se estereotipando e os comportamentos convertem-se em papis. Essasituao no se resolve aumentando-se a quantidade de papis desempenhados poralgum; por muitos que sejam estes, sua essncia se empobrecer. Quando a"exterioridade" encobre a "interioridade" e esta se empobrece, aliena-se uma propriedade caracterstica do homem. Isso tambm no pode ser sanado com o aperfeioamento do exerccio do papel: o enriquecimento das capacidades tcnicas emanipulatrias no ocorre paralelamente ao enriquecimento do homem, pois quantomais se estereotipam as funes do papel, tanto menos o homem pode crescer atsua misso histrica (Heller, 1972, p. 94). Por isso, ela traz luz a penetrao datecnologia das cincias sociais na vida cotidiana e adverte para o papel alienante daelaborao de metodologias para manipular os homens, em especial nas esferas davida cotidiana que tm uma relao mais direta com a genericidade: o trabalho e apoltica. Tendo em vista "melhorar" o funcionamento social (jamais transform-lo), a

    18. Lembremos que por individualidade a autora entende a aliana da particularidade com a genericidade, viaexplicitao das possibilidades de liberdade, de fazer escolhas moralmente orientadas, de conduzir a vida.

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    tcnica contribui, dessa forma, para acentuar, por meios cientficos, a fetichizaocotidiana. Exemplos tpicos dessa especializao sem compromisso humano-genrico

    so os procedimentos de administrao burocrtico-gerencial das relaes de trabalho, da qual fazem parte as human relations, tidas como cincias no mbito dascincias sociais funcionalistas. Nesse sentido, Heller afirma:

    A manipulao tcnico-cientfica tende hoje a assumir todas as funes negativas da religio,sem se comprometei a assumir as positivas. Ela "enriquece" a particularidade, estimula asmotivaes particulares, mas incrementa e permite apenas as que servem aos fins de umadeterminada "organizao". Impede decises morais relativas a concepes sobre o mundo e apoltica; molda habilidades e ideologias que servem ao sistema, sem coloc-lo em discusso sobnenhum aspecto; substitui velhos mitos por novos: os mitos da tcnica, do comando, da qualificao.

    Essas colocaes, exatamente porque sublinham o papel que a cincia e atcnica podem desempenhar na ampliao da particularidade como forma de estar nomundo, assumem importncia especial na reflexo sobre a escola, universo cada vez

    mais gerido a partir de concepes tecnicistas das relaes sociais que nele se

    verificam.

    No desempenho de papis, a dificuldade no est na preexistncia das formasde comportamento, dos mtodos e dos contedos cognitivos e ticos que neles semanifestam. Tampouco est no fato de que os homens escolhem ideais e os imitam,pois este um momento necessrio do desenvolvimento da personalidade humanaque, quando no alienado, possibilita o desenvolvimento da pessoa como personalidade autnoma.19 No entanto, no exerccio do "papel", todos esses aspectos (aimitao, o uso, a tradio, a diferena entre o interior e o exterior, a transformaoda personalidade, o ideal etc.) comparecem de modo alienado. O ideal como mercadoria, ou como dever-ser, externamente imposto, conduz ao empobrecimento, atrofia das possibilidades humanas.

    As relaes entre o indivduo e o papel social, porm, nem sempre so de totalidentificao, mesmo nas sociedades do comportamento manipulado e administrado.Heller (1972) refere-se a quatro possibilidades dessa relao, desde a plena identificao, que a forma mais direta de expresso da alienao e de imerso na particularidade, at a recusa do papel; quanto a esta recusa, ela inverte o significado que esse

    comportamento adquire nas teorias funcionalistas dos papis sociais e afirma:

    A recusa do papel caracterstica daqueles que no se sentem vontade na alienao ...Os representantes da teoria do papel so inimigos irreconciliveis de todo conflito. Interpretam osconflitos como "defeitos de organizao", como "perturbaes funcionais" corrigveis; algunschegam a interpret-los como "complexos", como perturbaes psquicas. Mas o conflito arebelio das sadias aspiraes humanas contra o conformismo; uma insurreio moral, consciente ou inconsciente, evidente que isso no pode ser dito de todo e qualquer tipo de conflito).

    E mais adiante:

    19. A respeito da importncia dos modelos ideais na formao da personalidade, ver Kupfer, 1982.

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    No verdade que um carter seja tanto mais social quanto mais adaptvel, quanto maior

    for o nmero de papis que ele capaz de "representar" sucessiva e simultaneamente. Muitos

    indivduos no suficientemente adaptveis a nenhum papel foram autnticas personalidades,

    portadoras de novas tendncias sociais e de novas idias. Disso decorre que a maior ou menor

    adaptabilidade ou maior ou menor aspereza de um carter colocam problemas que, de nenhum

    modo, so apenas puramente psicolgicos. (Heller, 1972, p. 96)

    A seu ver, evidente que se trata tambm de um problema psicolgico, mas emigual - ou maior - medida esto implicados valores morais (1972, p. 105).

    Alm de recusar a concepo funcionalista de papel, Heller assinala a impossibilidade de manipulao sem limites dos homens, mesmo daqueles que se identificamplenamente com seus papis; a esse respeito ela diz: "Na realidade, os homens noso manipulveis indefinidamente em qualquer direo, pois sempre existe um pontolimite, um limesno qual deixam de ser objetos e se transformam em sujeitos" (1972,p. 99). Esse ponto varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de poca para

    poca, de classe social para classe social. "A relao geral mdia com os papis seapresenta, nos perodos histricos relativamente tranqilos, como de identificao,como perda de si mesmo na simultaneidade e na sucesso dos papis representados"(1972, p. 102). No entanto, convm no esquecer: 'Assim como no existe nenhumarelao social inteiramente alienada, tampouco h comportamentos humanos que setenham cristalizado absolutamente em papis" (1972, p. 106). Alm disso, "emsituaes novas, surpreendentes, nas quais os esteretipos deixam de funcionar oufuncionam mal, restabelece-se sempre a unidade da personalidade" (1972, p. 107). Aconsiderao simultnea do individual e do social no desempenho dos papis ficagarantida quando Heller afirma ser "inimaginvel que no haja, mesmo no interior dosesteretipos, nenhuma qualidade particular, nenhum matiz individual" (1972, p. 109).Ao ressaltar o "matiz individual", ela recoloca, em termos totalmente diversos dos dapsicologia, a importncia da subjetividade, da histria de vida e da unicidade daspessoas envolvidas na vida social.

    Com base nessa amostra do pensamento de Heller no difcil perceber que,em sua concepo, a vida cotidiana , dialeticamente, o lugar da dominao e da

    rebeldia ou da revoluo. Em outras palavras, ela partidria da tese segundo a qualno existe "perfeita submisso", nem mesmo na sociedade administrada pela burocracia e pela indstria cultural.20 Mais importante que, ao privilegiar a vida cotidianacomo lugar onde a sociedade adquire existncia concreta, Heller redefine o lugar onde

    20. Lefbvre tambm no participa do pessimismo daqueles que no vem perspectivas para o homem moderno queultrapassem seu submetimento cada vez mais completo engrenagem social desumanizante. Alm do sucessodas presses e represses advindas do controle que, na modernidade, exerce-se sobre a vida por meio de suaorganizao burocratizada, Lefbvre quer tambm mostrar o fracasso dessas tendncias, as contradies que

    nascem ou renascem, mesmo que sufocadas, desviadas, mal-dirigidas. Entre essas contratendncias, que elechama de "irredutveis", est o desejo. Ele pergunta: "As presses e represses terroristas conseguem reforar aauto-represso individualizada a ponto de impedir qualquer possibilidade?". A resposta inequvoca: "ContraMarcuse, insistimos em afirmar o contrrio" (Lefbvre, 1972, p. 86).

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    se do as transformaes sociais. Na busca de caminhos revolucionrios que nosejam necessariamente a ao da classe operria ou um processo histrico que serealiza automaticamente, ela desvenda, nas sociedades da manipulao e da alienao, nas sociedades burocrticas de consumo dirigido (como Henri Lefbvre preferedenominar as sociedades industriais capitalistas contemporneas) uma dimensocelular, cotidiana da explorao e da dominao. Dessa perspectiva terica, assumemimportncia analtica os centros moleculares de poder(entre os quais se encontrama escola e a famlia), nos quais se estabelecem relaes onde o outro objeto. Masonde quer que existam relaes de poder, existe a possibilidade de question-las etrabalh-las. Uma revoluo, portanto, s o quando se d na vida cotidiana, quandoso atendidos revolucionariamente os carecimentos radicais. A revoluo passa,portanto, pela subjetividade, pela participao. Por isso, a revoluo um processolento e celular. Por isso, no se pode fazer a revoluo visvel sem a revoluo invisvel.Por isso, a constituio do pequeno grupo um momento importante de passagemda particularidade para a individualidade e, portanto, para o prprio processo demudanas sociais radicais.21

    A passagem da particularidade, onde h alienao e inconscincia dela, para ospequenos gruposque se indagam "por qu?", "como?", e nos quais se estabeleceuma relao libertadora (o outro deixa de ser objeto e passa a ser objetivo - "fao comele, ns"), feita de pequenas conquistas. O meio pelo qual se realiza essa passagem a prtica poltica, no necessariamente partidria. no plano de um trabalho invisvelem pequenos grupos que se toma conscincia da alienao e de que agindo que seacaba com ela. Dessa forma, Heller invalida a possibilidade de uma leitura de Marxsegundo a qual h uma seqncia mecnica de modos de produo. No contexto desuas idias, a revoluo possibilidade, e no destino, e se far na vida cotidiana.Essa possibilidade no natural, mas depende da prxis, ou seja, da ao transformadora consciente.22 Por sua relevncia para a reflexo sobre a transformao da

    21. Vale a pena relembrar que na particularidade o indivduo faz histria mas no sabe que a faz, o que no ocorrequando ele vive como individualidade; aqui ele faz histria e sabe disso; sabe que alienado e se apropria daalienao. dessa perspectiva que os grupos nos quais facilitada esta passagem da particularidade para a

    individualidade assumem um papel fundamental. por isso que Heller (1982a) afirma ser possvel pertencer a urapartido revolucionrio e no ter condies de passagem para a individualidade, ou seja, pode-se pertencer a urapartido revolucionrio e tratar o outro como objeto, no levar em conta sua subjetividade; nesse caso, a prticapoltica estar sendo reacionria, mesmo que a imposio se faa em nome da revoluo. Dessa perspectiva, atomada do Estado, sem esse trabalho molecular, ser uma atitude revolucionria, mas no a revoluo, o quesignifica afirmar que nem a alienao se resolve por um golpe de Estado que aboliria a explorao, nem um partidopoltico representante dos interesses populares necessariamente resolve a questo da alienao, pois o partido ea fidelidade a ele podem alienar. Com outras palavras, Lefbvre diz basicamente o mesmo quando define arevoluo como ruptura do cotidiano e restituio da festa e adverte para a possibilidade dos movimentosrevolucionrios converterem-se tambm em cotidianidade.

    22. A nfase dada por Heller aos pequenos grupos com objetivos polticos transformadores um estmulo ao exame

    mais rigoroso das relaes entre propostas como os grupos operativos e a anlise institucional, de um lado, e aspropostas de Heller e do prprio Gramsci, de outro. Vale ressaltar tambm que a partir dessa concepo doprocesso histrico que ela afirma: "Espero que as mudanas no ocorram nos escritrios dos burocratas, mas nointerior de novas comunidades". Embora no negue o papel da sociedade poltica na transformao social,

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    escola - que necessariamente passa pela reflexo sobre a modalidade de participaode seus integrantes nessa transformao -, examinemos um pouco mais detalhadamente as proposies a respeito da passagem da particularidade para a individualidade, mediada pela ao em pequenos grupos.

    Quanto mais intensa a motivao do homem pela moral, isto , pelo humano-genrico, tanto mais facilmente sua particularidade se elevar esfera da individualidade. 23 As escolhas na vida cotidiana podem ser moralmente motivadas; quantomaior a importncia da moralidade, do compromisso pessoal, da individualidade e dorisco na deciso em relao a uma alternativa, tanto mais facilmente esta decisosupera o nvel da cotidianidade e tanto menos se pode consider-la uma decisocotidiana. Para que isso ocorra, so necessrios um conhecimento do prprio eu 24 eum conhecimento e uma assimilao apaixonada das intimaes humano-genricas;somente assim o homem ser capaz de decidir, colocando-se acima da cotidianidade.

    Na superao da particularidade como tendncia dominante da vida cotidiana,Agnes Heller privilegia a homogeneizao como antdoto heterogeneidade que acaracteriza e que solicita nossas capacidades em vrias direes, nenhuma delas comespecial intensidade. Por homogeneizao, ela entende uma postura na qual: a)concentramos toda a nossa ateno sobre uma nica questo e suspendemos qualquer

    outra atividade durante a execuo dessa tarefa; b) empregamos nossa inteiraindividualidade humana em sua resoluo; e c) agimos no-arbitrariamente, dissipando nosso eu-particular na atividade humano-genrico que escolhemos consciente eautonomamente, isto , enquanto individualidades. Somente quando esses trs

    requisitos se realizam conjuntamente que podemos falar de uma homogeneizaoque permite superar a cotidianidade.25

    acrescenta: "Se o acento colocado exclusivamente nessa esfera, esse acento no me convence" (1982a, p. 20e 143).

    23. Nesse ponto da teoria, assume importncia o conceito de valor, definido como tudo que contribui para aconcretizao das possibilidades imanentes essncia do gnero humano, enquanto desvalor o que regride ouinverte essas possibilidades. A essncia humana no o que sempre esteve presente na humanidade ou em cadaindivduo, mas a realizao gradual e contnua dessas possibilidades. Nesse sentido, a essncia humana tambmhistrica. Se valor tudo que produz diretamente a explicitao da essncia humana ou condio de tal

    explicitao, as foras produtivas so valores e o desenvolvimento das foras produtivas a base da explicitaode todos os demais valores (a respeito do conceito de valor de Heller, ver "Valor e histria", em O quotidiano e ahistria, 1972, p. 1-15).

    24. A expresso "conhecimento do eu" no comparece aqui com o sentido estrito e restrito que possui nas diversasteorias psicolgicas; est muito mais prxima do sentido que lhe atribui Gramsci na seguinte passagem: "O incioda elaborao crtica a conscincia daquilo que somos realmente, isto , um 'conhece-te a ti mesmo' comoproduto do processo histrico at hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traos recebidos sembenefcio do inventrio. Deve-se fazer, inicialmente, este inventrio" (1984, p. 12).

    25. Essa passagem no pressupe que o homem deixe de lado sua particularidade nem seu cotidiano; a elevao aohumano-genrico no significa uma abolio da particularidade; as paixes e sentimentos orientados para o euparticular no desaparecem, mas se dirigem para fora, convertem-se em motor da realizao do humano-genrico.

    A passagem no-cotidianidade, por sua vez, deve ser entendida como tendncia; no possvel, a rigor,distinguir entre as decises e aes cotidianas e as moralmente motivadas. A maioria das aes e escolhas temmotivao heterognea; portanto, a superao da particularidade tambm pode ocorrer em maior ou menor

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    Embora numa sociedade compartimentalizada e compartimentalizante a homogeneizao em direo ao humano-genrico e a suspenso do eu-particular sejamexcepcionais na vida da maioria dos homens, pois raramente ocorrem na vida dohomem mdio (a vida de muitos homens termina sem que ele tenha produzido um sponto crtico semelhante);26 embora a alienao no possa mais ser eliminada, masapenas limitada; embora as possibilidades que o mundo moderno oferece de constru

    o da subjetividade, da homogeneizao da personalidade (que se contrape personalidade fraturada, que transforma o eu num simples objeto), sejam limitadas,Agnes Heller continua defendendo como tarefa fundamental a transformao desujeitos particularesem sujeitos individuais.27

    O c o n c e i t o d e c o t i d i a n i d a d e e a p e s q u i s a e m e d u c a oA adoo de uma concepo materialista histrica de sociedade como referncia

    terica de um projeto de pesquisa, alm de requerer uma tomada de posio a respeitode quem realiza as transformaes sociais radicais e de como elas se do, tambmcoloca o pesquisador diante de uma questo de mtodo ou, mais especificamente, danecessidade de criticar a cincia positiva tomando por base a filosofia da totalidade.Segundo os filsofos que se dedicam a esta tarefa, o modelo positivista de produode conhecimento nas cincias humanas e sociais, quer em seu formato experimental,quer em suas verses no-experimentais, produz resultados que no s no do contada complexidade do que quer que se proponha elucidar a respeito da vida humana,como resulta em conhecimentos que se detm na aparncia, que ocultam a essnciados fenmenos examinados e que, por isso mesmo, no passam de pseudoconheci-mentos. Essa a posio definida por Kosik (1969), para quem o mtodo cientfico o meio pelo qual se pode decifrar os fatos, revelar-lhes a estrutura oculta. Assim, acincia no a sistematizao do bvio, pois a obviedade no coincide com o

    medida. O mesmo se d em relao distino entre cotidianidade e no-cotidianidade. "No h uma 'muralha

    chinesa' entre as esferas da cotidianidade e da moral" (Heller, 1972, p. 25).26. Essa tendncia s deixa de ser excepcional, para Heller (1972), naqueles indivduos cuja paixo dominante se

    orienta para o humano-genrico e que tm capacidade e oportunidade de realizar essa paixo: estadistas,revolucionrios, artistas, cientistas, filsofos. Nesses casos, no s sua paixo principal, mas seu trabalho principal,sua atividade bsica promovem a elevao ao humano-genrico e a implicam. No entanto, eles tambm possuemuma vida cotidiana; a particularidade manifesta-se neles, tal como nos demais homens. Somente durante as fasesprodutivas esta particularidade suspensa ou canalizada.

    27. Mesmo sabendo da impossibilidade de realizar o Estado no qual o cidado participa plenamente na formao dasdecises, Heller (1972) defende a possibilidade de instituio de comunidades sociais em cujo interior sejamelaboradas propostas para toda a vida estatal e civil e onde qualquer cidado poder assumir uma importantefuno de proposio e de poder. Dessa forma, distancia-se tanto de Adorno, que adota o ponto de vista da mais

    completa desesperana de que no interior da estrutura social capitalista algum grupo ou classe ser capaz de serfora propulsora de transformaes, quanto de Marcuse, que defende a tese de que preciso buscar fora daestrutura social os possveis impugnadores da ordem instituda (Heller, 1982a, p. 58-9).

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    desvelamento do real. Ecla Bosi formula esta mesma idia quando diz: "O mundo opaco para a conscincia ingnua que se detm nas primeiras camadas do real" (1976,p. 104).

    por isso que o materialismo dialtico define o processo de conhecimento comoa ascenso do abstrato ao concreto,28 e faz a crtica da metodologia de pesquisa emcincias humanas que no realiza essa ascenso e se movimenta nos limites dapseudoconcreticidade. Goldmann resume essa crtica quando afirma:

    Tudo conduz a deformar no mesmo sentido a realidade humana, mascarando seu carterhistrico e transformando os verdadeiros problemas ... em descrio de mincia sem contexto. ...Como diz Konig, retira-se o fenmeno de seu contexto histrico e estuda-se o 'infinitesimal', nomais sob o ngulo da filosofia da histria mas sob o da 'adaptao' ( sociedade capitalista, bementendido). (1972, p. 62)

    A histria recente da pesquisa educacional no Brasil feita tambm de tentativas

    de superao das formas tradicionais de investigar a questo da escolarizao dasclasses subalternas, medida que muda o pano de fundo terico. Uma das tendnciasque se configuram, nessa direo, o abandono da quantificao em nome deprocedimentos no-estatsticos e qualitativos de coleta e anlise de dados, como seessa mudana garantisse o carter no-positivista da metodologia.29

    A adeso aos mtodos da antropologia culturaltem sido um dos recursos maisfreqentes nesta tentativa de afinar a pesquisa em educao com as proposies domaterialismo dialtico. No entanto, o apelo a esses mtodos no realiza necessaria-menteuma relao orgnica entre a teoria e a pesquisa; para que isso ocorra, preciso

    que as observaes e entrevistas sejam feitas e interpretadas no marco de umaconcepo da realidade social que faa presente sua historicidade. Por isso, afirmamoscom H. Fischer que,

    o procedimento cientfico, entre outros inevitveis percalos, tem necessidade de questionara epistemologia tradicionalmente aceita. Esse freio mental garante a reproduo das prticassociais e dos sistemas conceituais herdados que se perpetuam at sob as aparncias enganosasda inovao. (Barbier, 1985, p. 22, g.n.)

    As pesquisas que confirmam a tese de que a causa do fracasso escolar dascrianas das classes mais exploradas o desencontro culturalque se verifica entreelas e seus professores de classe mdia podem ser tomadas como um exemplo da

    28. Contra os que tentam pro var a inviabilid ade do con heci men to da totalidade, Kosik (1969), com o tantos outro s,

    argumenta que a totalidade a que o materialismo dialtico se refere no a mesma totalidade a que se referem

    os positivistas, ou seja, no o conjunto de todos os fatos. Portanto, desse ponto de vista, acumular todos os

    fatos no levaria ao conhecimento da realidade.

    29. A nosso ver, no basta "desquantificar" a pesquisa para "despositiv-la", uma vez que procedimentos quantita

    tivos e qualitativos no guardam qualquer relao necessria com a filosofia positiva e a filosofia da totalidade;

    da mesma forma, a simples participao dos sujeitos da pesquisa em seu planejamento e execuo no garante

    sua coerncia metodolgica com esta ltima. A respeito do lugar do emprico no mtodo dialtico, ver Carone

    (1984).

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    microssociologia a-histrica a que se refere Lucien Goldmann. Nessa mesma linha,Elsie Rockwell critica essas pesquisas nos seguintes termos:

    A cultura tende a ser considerada determinante do comportamento dos sujeitos envolvidos:professores e alunos. O fracasso dos alunos procedentes de grupos "minoritrios" ou de "classebaixa" explicado pelo conflito entre seus prprios padres culturais e os da escola, que coincidemcom os da "classe mdia". O conceito de cultura orientou a perspectiva no sentido de alguns

    processos importantes na escola. Sem dvida, o vis relativista do conceito tambm foi umobstculo reconstruo de outros processos, vinculados dominao ideolgica, ao poder e apropriao e construo de conhecimentos em uma sociedade de classes. (1986, p. 44)

    No marco da sociologia da vida cotidiana, tal como elaborada por Agnes Heller,a anlise da realidade investigada vai alm da mera descrio da rotina das prticassociais, em geral, e das relaes interpessoais, em particular. Trata-se "de umainvestigao ampla, que focaliza aspectos da vida social menosprezados pelosfilsofos ou arbitrariamente separados pelas cincias sociais", na qual esses aspectos,

    aparentemente informes, passam a fazer parte do conhecimento e so agrupados, noarbitrariamente, mas segundo conceitos e uma teoria determinados. Nesse projeto devalorizao do desvalorizado pela filosofia e de reunio do que as cincias parcelaresfragmentaram, uma atitude fundamental: a de distanciamento e estranhamento doque conhecido, familiar, "natural", o que permite a recuperao, pelo pensamentoreflexivo, de fatos conhecidos mas mal-entendidos, familiares mas desconsideradosou apreciados ideologicamente. Em suma, trata-se de pensar a vida cotidiana de umaforma no-cotidiana, nica possibilidade, segundo Lefbvre (1972), de superao dasconcepes geradas pela cincia dominada pelo modo cotidiano de pensar,30 o qual,

    nas formaes sociais estruturadas pelo modo capitalista de produo, coincide como que Martins (1978) chama de "modo capitalista de pensar". Preocupado em fazeruma sociologia do conhecimento sociolgico para, assim, desvelar seus rumosconservadores e valorizar a diretriz que vincula teoria e prtica, Martins assim defineesse modo de pensar:

    Enquanto modo de produo de idias, marca tanto o senso comum quanto o conhecimentocientfico. Define a produo das diferentes modalidades de idias necessrias produo dasmercadorias nas condies da explorao capitalista, da coisificao das relaes sociais e da

    desumanizao do homem. No se refere estritamente ao modo como pensa o capitalista, mas aomodo de pensar necessrio reproduo do capitalismo, reelaborao das suas bases desustentao - ideolgicas e sociais. (1978, p. xi)

    Quando afirmamos a inteno de analisar aspectos da vida social segundoconceitos e uma teoria determinados, estamos recusando a possibilidade de separaoentre descrio e interpretao. Por considerar essa realidade parcial reveladora da"sociedade", sua anlise no pode, segundo Lefbvre e os filsofos da vida cotidiana,

    30. Segundo esse autor, foi isto que Marx fez com o trabalho e Freud com a sexualidade humana.

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    prescindir de teses e hipteses sobre o conjunto da sociedade, de apreciaes econcepes no nvel do conjunto social.31 Isso no significa, de modo algum, instalaruma circularidade no pensamento sobre a vida social, pois a ateno ao aparentemente insignificante permite chegar especificidade da vida social num determinadotempo e lugar, fugindo, assim, de sua incluso to-somente em categorias amplasque se adequam a realidades sociais ao mesmo tempo iguais e diferentes. Embora a

    cotidianidade seja permanentemente remetida ao global, sua anlise impede que arealidade pesquisada seja reduzida a categorias gerais como Estado, cultura, modode produo etc. Assim, por intermdio do estudo da cotidianidade, tambm se realizaa ascenso do abstrato ao concreto e a referncia realidade social deixa de ser feitano singular para se fazer no plural; do ngulo da anlise do social centrada na vidacotidiana, inexiste a sociedade industrial capitalista, homognea no tempo e noespao, assim como deixa de ter sentido falar em abstraes como a escola pblicaelementar de periferia, a famlia brasileira, a criana carente, oprofessor primrio etc.Seus denominadores comuns decorrentes do fato de serem realidades situadas nomesmo tempo e no mesmo espao, embora fundamentais sua compreenso, podemno dar conta, como instrumentos nicos de anlise, de sua especificidade.32

    Quando comeamos a freqentar uma escola pblica de primeiro grau, situadanum bairro perifrico da cidade de So Paulo, tendo em vista contribuir para aelucidao do fenmeno do fracasso escolar, to freqente neste tipo de escola,levvamos como bagagem terica uma viso geral materialista histrica das sociedades industriais capitalistas ainda bastante impregnada de sua verso althusseriana. certo que possuamos tambm o desejo de examinar a vida na escola com base naspossibilidades oferecidas pela sociologia da vida cotidiana, com a qual tnhamosentrado em contato pouco antes. No entanto, no havamos nos apropriado ainda dedetalhes dessa teoria, o que s foi acontecendo no decorrer da pesquisa de campo. Ocontato com a realidade complexa e muitas vezes indecifrvel da unidade escolarescolhida evidenciou que a constituio do quadro de referncia terico no tosimples nem se d num momento totalmente acabado e anterior pesquisa propriamente dita;33 ao contrrio, a realidade estudada muitas vezes solicitou um adensa-

    31. isso que Rockwell quer dizer quando afirma a necessidade de realizar o estudo da vida escolar de posse de umateoria social na qual a definio de "sociedade" seja aplicvel a qualquer escala da realidade (entre elas, a salade aula e a escola) e de reconhecer os processos educacionais como parte integrante de formaes sociaishistoricamente determinadas. por isso que ela afirma que o estudo de uma unidade escolar, dessa perspectivaterica, no configura um "estudo de caso" mas um "estudo sobre o caso" (1986, p. 45-7, et passim).

    32. Henri Lefbvre estava ciente disso quando, ao realizar estudos sobre a vida cotidiana na Frana do ps-guerra eem dcadas subseqentes, pergunta: " evidente que se trata, sobretudo, da vida cotidiana na Frana. igualem todas as partes? diferente, especfica? Os franceses, hoje, no imitam, no simulam, bem ou mal, oamericanismo? Onde se situam as resistncias, as especificidades? H em escala mundial, homogeneizao docotidiano e do moderno? Ou existem diferenas crescentes?" (1972, p. 38).

    33. Rockwell refere-se relao contnua entre os conceitos tericos e os fenmenos observados, entre a conceituaoe a observao, como o processo analtico que permite a construo do contedo concreto de conceitos abstratos:"No processo analtico, o pesquisador trabalha com as categorias tericas, mas no as define de antemo emtermos de condutas ou efeitos observveis. Essa forma de anlise permite a flexibilidade necessria para descobrir

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    mento terico e uma procura de outros autores, se quisssemos significar oure-significar situaes com que nos defrontamos. No s as idias de Agnes Hellertiveram que ser aprofundadas, mas tambm alguns conceitos foram pedidos deemprstimo a outras teorias.34

    As respostas s perguntas de partida no foram buscadas por meio da definiode variveis inicialmente isoladas e posteriormente unidas mediante procedimentosestatsticos que fornecessem uma viso "integrada" de uma realidade supostamenteconstituda de mltiplas variveis. Elas foram sendo paulatinamente construdas apartir da convivncia com a intimidade de uma escola e de quatro famlias de quatrocrianas multi-repetentes, tomadas como campos de observao a serem indagadossem qualquer esquema rgido de investigao, o que no significa que se tenha feitoum trabalho marcado pela casualidade. Uma prolongada permanncia no campo visou construo progressiva de uma interpretao razoavelmente integrada da realidadeem questo, na qual, por intermdio de uma disciplina do pensamento, recolocava-se

    permanentemente a tarefa de apreender o significado do observado. A compreensoque nos foi possvel resultou, muitas vezes, de um longo processo de formulao dehipteses a respeito de situaes observadas e da busca de elementos que autorizassem concluses. Como diz Bleger a respeito da entrevista psicolgica para finsdiagnsticos, "a forma de observar bem ir formulando hipteses enquanto se observae durante a entrevista verificar e retificar as hipteses em funo das observaessubseqentes que, por sua vez, se enriquecem com as hipteses previamenteformuladas" (1975, p. 22).

    Esse mtodo de pesquisa prev tambm um lugar para a subjetividade dopesquisador no processo de interpretao das situaes com que se defronta. SegundoBleger, "observar, pensar e imaginar coincidem e constituem um s processo dialtico.Quem no usa a fantasia poder ser um bom verificador de dados, mas no umpesquisador" (1975, p. 22). Por isso, fizeram parte dos registros, no dirio de campo,sentimentos, associaes de idias, imagens e impresses do pesquisador queparticipava do campo de observao. Mais que isso, a busca de compreenso darealidade em foco passou pela ateno relao pesquisador-pesquisado, no intuitode trazer para dentro da pesquisa, tornando-o objeto de reflexo, o significado que as

    situaes e pessoas adquiriam para o pesquisador a cada passo do trabalho de campo,

    que formas particulares assume o processo que se estuda, a fim de interpretar-se seu sentido especfico emdeterminado contexto" (1986, p. 51).

    34. Esse foi o caso de alguns conceitos da psicanlise e da sociologia de Erwin Goffman, embora soubssemos queas filosofias da histria de Marx e de Freud so inconciliveis e que a adoo de conceitos pertencentes a teoriasde natureza diversa acarreta problemas epistemolgicos. A inteno no foi, contudo, tentar qualquer integraode marxismo e psicanlise, nem tampouco reduzir o social ao psquico, mas apenas lanar mo, sempre que teis explicao das situaes que se configuravam na pesquisa de campo, de alguns conceitos psicanalticosreferentes a mecanismos de que os indivduos podem se valer para lidar com a realidade, de modo a defender-sede percepes que produzem sentimentos indesejveis; alm disso, valemo-nos tambm de conceitos psicosso-ciolgicos e de teorias sobre a vida social, como a de M. Foucault, sempre que possibilitaram explicar prticas eprocessos institucionais de dominao.

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    bem como o significado que a pesquisa e o pesquisador assumiam aos olhos daspessoas pesquisadas no decorrer do processo de investigao.

    Evidentemente, muito do que acontece na presena e na ausncia do pesquisador fica sem registro. Por isso, alguns pesquisadores, como Lopez (1984), falamnesse tipo de pesquisa como um trabalho de "reconstruo de um processo" combase em elementos que informem a construo de um padro abrangente, no qual

    todas as situaes registradas - mesmo as que inicialmente paream incoerentes,irrelevantes e incompreensveis - encontrem seu lugar. Este padro alcanadoquando "as situaes observadas possam ser entendidas como parte de um todo que, por sua vez, parte integrante de uma totalidade mais ampla que lhe d sentido".

    Foi, portanto, com o objetivo de contribuir para a compreenso do fracassoescolar como parte integrante da vida na escola e esta como expresso das formasque a vida assume na sociedade que a contm, que nos dedicamos, durante os anosde 1983 e 1984, observao da realidade material e humana de uma escola,

    participando de seu dia-a-dia e mantendo contatos mais e menos formais com osparticipantes do processo escolar, fossem eles professores, administradores, tcnicos,alunos ou pais de alunos, enquanto cidados que vivem parte de suas vidas na escolaou em funo dela (Patto, 1990).

    A inteno inicial de observar atentamente prticas e processos a que sededicam esses protagonistas sem, contudo, desenvolver qualquer colaborao ativacom a escola enquanto a pesquisa durasse foi constantemente posta prova. Noentanto, as demandas que nos foram feitas constituram-se em rico material para a

    tarefa de desvendar o processo escolar; por exemplo, a satisfao de duas delas - umareunio de discusso da pesquisa com um grupo de professoras de 1 e 2 sries e aformao de um grupo de atividades ldicas com crianas de 1 srie - configuramum dos momentos ricos da pesquisa. Esses encontros funcionaram como verdadeiras"tcnicas participativas", plenas de indicaes a respeito das formas que a vidaassume neste mbito social. Fazendo nossas as palavras de Brando, "de cientistas,a quem interessam a conscincia dos protagonistas do processo educativo e a culturada escola", de "caadores de borboletas das coisas que se vive, pensa e faz na escola",

    fomos convocados, durante toda a pesquisa, a passar condio de "militantes" (1982,p. 46). Se no o fizemos, essa demanda serviu pelo menos para nos colocar diante dequestes essenciais a respeito da natureza da pesquisa na escola e para nos informarsobre a realidade estudada, permitindo-nos, assim, ensaiar alguns passos rumo a umare-significao do processo de escolarizao das crianas de um segmento de classesocial, para alm do senso comum acadmico.

    Quando falamos em ensaiar alguns passos em direo a uma outra maneira deentender o processo escolar num bairro pobre, no o fazemos movidos por uma falsa

    modstia, mas pela conscincia das dificuldades - algumas das quais conhecemos eoutras de que nem mesmo suspeitamos - que inevitavelmente impregnam as tentativas de introduzir mudanas terico-metodolgicas no slido terreno das cincias

    Perspectivas, So Paulo, 16: 119-141, 1993 139

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    humanas instrumentais, percorrendo os caminhos desconhecidos e movedios de suas

    verses crticas e militantes.

    Apesar de todos os temores e incertezas, reaes j provocadas por segmentos

    deste trabalho sugerem-nos que sua principal funo poder ser a de retirar o filtro

    com que resultados pasteurizados de pesquisas burocrticas vm protegendo o nariz

    dos pesquisadores e autoridades educacionais do cheiro, muitas vezes insuport

    vel, da experincia escolar que se oferece s crianas das classes populares, neste

    pas.35

    PATTO, M. H. S. The concept of quotidianity in Agnes Heller and the research in education.Perspectivas, So Paulo, v. 16, p. 119-141, 1993.

    ABSTRACT: This paper tries to find out in Heller's theory the possibilities for a researchin education. It elects as the main contribution of this theory the category of quotidianity,having in mind that this is an aspect of social life long forgotten by philosophy and by the

    social sciences. It intends to present a commitment to a theoretical basis in order to create

    a political project "to change life". KEYWORDS: Quotidian; individual; alienation; interpretation.

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    Dissertao (Mestrado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, Universidade de So Paulo.

    35. A metfora de um certo tipo de conhecimento como filtro protetor dos narizes da burguesia contra o cheiro da

    vida no nossa: de Jos de Souza Martins (1978, p. xiii).

    140 Perspectivas, So Paulo, 16: 119-141, 1993

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