O Bandeirante - n.203 - Outubro de 2009

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São Paulo dos Paulistas e dos Brasileiros* Ano XVIII - n o 203 - OUTUBRO de 2009 Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP O Bandeirante Jornal Helio Begliomini Médico urologista Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010). Non Ducor Duco – Não sou Conduzido, Conduzo”. (Divisa do município de São Paulo) Confesso que a delegação paulista composta por 8 participantes que prestigiou o XXII Congresso Brasilei- ro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames), realizado de 4 a 7 de junho de 2008, na belíssima cida- de de Fortaleza, ficou muito surpresa e envaidecida quando foi sugerido que a regional de São Paulo da Sobrames organizasse, em 2009, a V Jornada Nacional da Sobrames, evento esse que já tinha sido bem realizado nas cidades em Salvador (2001), Belém (2003), Fortaleza (2005) e Curitiba (2007). (...) * Discurso proferido na condição de presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores do Estado de São Paulo (Sobrames – SP) por ocasião da abertura da V Jornada Nacional da Sobrames, X Jornada Médico-Literária Paulista e VI Sobramíada, even- tos realizados conjuntamente de 17 a 19 de setembro de 2009, no Green Place Flat, situado na Vila Mariana da capital paulista (Publicação parcial). De início surgiu um impasse: Qual cidade do interior seria mais propí- cia? Após muita pesquisa e discussão, chegou-se a um consenso de que este evento, por ter conotação nacional, deveria ser mesmo realizado na pau- liceia. Isso tudo decidido ainda em novembro do ano passado. Daí para frente, a comissão organi- zadora trabalhou árdua e ininterrupta- mente, desdobrando-se em múltiplas reuniões para que tudo acontecesse da melhor forma possível. (...) A cidade de São Paulo amedron- ta não somente aos que aqui vêm trabalhar, passear, divertir-se, mas também a nós que nascemos ou que nela vivemos. São Paulo assusta pela sua gran- deza: são 10,5 milhões de pessoas apenas no município e 19.616.000 na região metropolitana, cujo entorno é formado por 39 municípios interliga- dos – inextrincáveis geograficamente – que perfazem conjuntamente a grande São Paulo, tornando-a a sexta maior aglomeração urbana do mun- do (!), superada apenas por Tóquio, Cidade do México, Nova Iorque, Seul e Bombaim. Contudo, diferentemente dessas megalópoles, São Paulo possui a maior floresta urbana nativa do mun- do! – O Parque Estadual da Cantareira tem 7.916 hectares, que equivalem a 8 mil campos de futebol, onde se encontram três opções saudáveis de lazer. São Paulo também assusta pelo trânsito caótico e congestionado em decorrência dos seis milhões de carros que aqui trafegam e, como consequên- cia, pelo elevado número de acidentes que nele ocorre, particularmente com motoqueiros que dirigem alucinada- mente. Assusta pelo tempo em que se perde nos deslocamentos internos; (continua na última página)

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São Paulo dos Paulistas e dos Brasileiros*

Ano XVIII - no 203 - OutubrO de 2009Publicação Mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo - SOBRAMES-SP

O BandeiranteJornal

Helio Begliomini Médico urologista Presidente da SOBRAMES-SP (2009-2010).

“Non Ducor Duco – Não sou Conduzido, Conduzo”.(Divisa do município de São Paulo)

Confesso que a delegação paulista composta por 8 participantes que prestigiou o XXII Congresso Brasilei-ro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames), realizado de 4 a 7 de junho de 2008, na belíssima cida-de de Fortaleza, ficou muito surpresa e envaidecida quando foi sugerido que a regional de São Paulo da Sobrames organizasse, em 2009, a V Jornada Nacional da Sobrames, evento esse que já tinha sido bem realizado nas cidades em Salvador (2001), Belém (2003), Fortaleza (2005) e Curitiba (2007).

(...)

* Discurso proferido na condição de presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores do Estado de São Paulo (Sobrames – SP) por ocasião da abertura da V Jornada Nacional da Sobrames, X Jornada Médico-Literária Paulista e VI Sobramíada, even-tos realizados conjuntamente de 17 a 19 de setembro de 2009, no Green Place Flat, situado na Vila Mariana da capital paulista (Publicação parcial).

De início surgiu um impasse: Qual cidade do interior seria mais propí-cia? Após muita pesquisa e discussão, chegou-se a um consenso de que este evento, por ter conotação nacional, deveria ser mesmo realizado na pau-liceia. Isso tudo decidido ainda em novembro do ano passado.

Daí para frente, a comissão organi-zadora trabalhou árdua e ininterrupta-mente, desdobrando-se em múltiplas reuniões para que tudo acontecesse da melhor forma possível.

(...)A cidade de São Paulo amedron-

ta não somente aos que aqui vêm

trabalhar, passear, divertir-se, mas também a nós que nascemos ou que nela vivemos.

São Paulo assusta pela sua gran-deza: são 10,5 milhões de pessoas apenas no município e 19.616.000 na região metropolitana, cujo entorno é formado por 39 municípios interliga-dos – inextrincáveis geograficamente – que perfazem conjuntamente a grande São Paulo, tornando-a a sexta maior aglomeração urbana do mun-do (!), superada apenas por Tóquio, Cidade do México, Nova Iorque, Seul e Bombaim.

Contudo, diferentemente dessas megalópoles, São Paulo possui a maior floresta urbana nativa do mun-do! – O Parque Estadual da Cantareira tem 7.916 hectares, que equivalem a 8 mil campos de futebol, onde se encontram três opções saudáveis de lazer.

São Paulo também assusta pelo trânsito caótico e congestionado em decorrência dos seis milhões de carros que aqui trafegam e, como consequên-cia, pelo elevado número de acidentes que nele ocorre, particularmente com motoqueiros que dirigem alucinada-mente. Assusta pelo tempo em que se perde nos deslocamentos internos;

(continua na última página)

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2 O BANDEIRANTE - Outubro de 2009

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X Jornada Médico-Literária Paulista, V Jornada Nacional da Sobrames e VI Sobramíada

Realizaram-se, de 17 a 19 de setembro deste ano, no Green Place Flat, localizado na Vila Mariana, em São Paulo (SP) a X Jornada Médico-Literária Paulista, a V Jornada Nacional da Sobrames e a VI Sobramíada, tendo sido um sucesso de público e participação. Foram seis sessões literárias de duas horas cada uma, em que 40 escritores apresentaram um total de 113 trabalhos de variados gêneros literários: contos, crôni-cas e poesias. Além dos autores, também estiveram presentes 16 convidados, o que veio abrilhantar os eventos.

Desde o início, a Diretoria foi cumprimentada pela notável organização, exemplo disso, os Anais distribuídos logo na chegada dos participan-tes, junto com o material organizado em uma pasta conseguida pela sócia Maria do Céu Coutinho Louzã. Os Anais impressos e fornecidos também em CD no formato PDF, a emissão de Certificados e todo o suporte necessário para o bom andamento dos trabalhos deveu-se ao associado Marcos Gimenes Salun, que em conjunto com a Diretoria – cada um realizando o seu melhor –, contribuíram para a realização dos eventos e acolheram os participantes como anfitriões.

As Jornadas contaram com o apoio institucional de seis entidades: Academia Paulista de História, Associação Médica Brasileira, Academia Ribeirãopretana de Letras, Academia Paulista de Letras, Associação Paulista de Medicina e Mo-vimento Poético Nacional, tendo este último sido convidado e aceitado julgar os trabalhos para a premiação, que contou com 1o, 2o e 3o lugares e duas menções honrosas nas categorias poesia, conto e prosa, além de um prêmio oferecido pela Sobrames Nacional, a VI Sobramíada, para cada categoria.

Foi um momento único de congraçamento e enlevo, no qual pessoas de vários Estados (Minas Gerais, Bahia, Ceará, Alagoas, Santa Catarina, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo) e de outros países como Argentina e Angola brindaram os eventos com textos de excelente qualidade. Nesse encontro cultural em que pessoas de regiões tão diversas colocaram em comum sua arte, seu estilo e sua sensibilidade literária, fica a certeza de fazermos parte de um todo que vem crescendo, desenvolvendo-se e contribuindo para engrandecer a produção cultural de nosso Brasil.

Jornal O Bandeirante ANO XVIII - no 203 - Outubro 2009

Publicação mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional do Estado de São Paulo SOBRAMES-SP. Sede: Rua Alves Guimarães, 251 - CEP 05410-000 - Pinheiros - São Paulo - SP Telefax: (11) 3062-9887 / 3062-3604 Editor: Helio Begliomini. Jornalista Responsável e revisora: Ligia Terezinha Pezzuto (MTb 17.671 - SP). Colaboradores desta edição: Carlos Augusto Ferreira Galvão, Flerts Nebó, José Alberto Vieira, José Rodrigues Louzã, Ligia Terezinha Pezzuto, Luiz Jorge Ferreira, Sergio Perazzo.Tiragem desta edição: 300 exemplares (papel) e mais de 1.000 exemplares PDF enviados por e-mail.

Diretoria - Gestão 2009/2010 - Presidente: Helio Begliomini. Vice-Presidente: Josyanne Rita de Arruda Franco. Primeiro-Secretário: Ligia Terezinha Pezzuto. Segundo-Secretário: Maria do Céu Coutinho Louzã. Primeiro-Tesoureiro: Marcos Gimenes Salun. Segundo-Tesoureiro: Roberto Antonio Aniche. Conselho Fiscal Efetivos: Flerts Nebó, Carlos Augusto Ferreira Galvão, Luiz Jorge Ferreira. Conselho Fiscal Suplentes: Geovah Paulo da Cruz; Rodolpho Civile; Helmut Adolf Mataré.

Matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, a

opinião da Sobrames-SP

Editores de O Bandeirante

Flerts Nebó – novembro a dezembro de 1992Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1993-1994Carlos Luiz Campana e Hélio Celso Ferraz Najar – 1995-1996Flerts Nebó e Walter Whitton Harris – 1996-2000Flerts Nebó e Marcos Gimenes Salun – 2001 a abril de 2009Helio Begliomini – maio de 2009 -

Presidentes da Sobrames – SP

1o Flerts Nebó (1988-1990;1990-1992 e out/2005 a dez/2006)2o Helio Begliomini (1992-1994; 2007-2008 e 2009-2010) 3o Carlos Luiz Campana (1994-1996)4o Paulo Adolpho Leierer (1996-1998)5o Walter Whitton Harris (1999-2000)6o Carlos Augusto Ferreira Galvão (2001-2002)7o Luiz Giovani (2003-2004)8o Karin Schmidt Rodrigues Massaro (jan a out de 2005)

Editor: Helio BegliominiRevisão: Ligia Terezinha PezzutoDiagramação: Mateus Marins CardosoImpressão e Acabamento: Expressão e Arte Gráfi ca

Ligia Terezinha PezzutoJornalista e revisora em São Paulo

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O BANDEIRANTE - Outubro de 2009 3 SuPLEMENtO LItErÁrIO

Meditando

Poesia

À medida que passam os anose as inflorescências da existência são menos fecundas,tornam-se maiores as saudades e mais fortes as lembranças do tempo que passou.

Sentado calmamente na varanda,na cômoda cadeira de balanço,numa tarde quente de primaveraquando todas as flores do jardimexalam um perfume embriagador,penso!...recordo!...medito!...sonho!...

Sonho como o velho jangadeiro que, cansado da lida,agora só se aventura a enfrentar o mar,quando este é manso e calmo.Nos outros dias, fica a cismar balouçando tranquilamente na rede.Já está por completar-se a sua missão.Passou quase toda sua vida a lançar a rede ao mar.A buscar, nas águas sossegadas ou revoltas, o sustento para os seus.Fechando os olhos, o velho jangadeiro revê e novamente sente as emoções das procelas que teve que suportar,o medo que sentia nas ocasiões em que o mar parecia tragá-lo,a felicidade que experimentava ao rever sua família,esperando por ele temerosa, na praia, ao pôr do sol.E lembra-se dos seus primeiros amores...do calor daquele beijo quente, roubado às escondidas...e daquele abraço tão apertado... que ele ainda hoje sente.Como o velho jangadeiro... também sonho...também revivo ilusões... também relembro tristezas...também recordo as alegrias e a felicidade...

Mas é preciso despertar! A vida continua!Não se pode permanecer inerte!Enquanto vivemos, precisamos, e muito, ficar acordados...estar alerta para enfrentarmos o futuro...meditando sempre sobre o nosso porvir...

O que nos reservam os tempos que virão?As flores ficarão, certamente, cada vez mais raras e menos perfumadas,os obstáculos parecer-nos-ão cada vez maiores... intransponíveis...mas devemos manter sempre a esperançacomo farol aceso a aclarar o nosso futuro,a iluminar a nossa trajetória.

E quando para nós cerrar-se definitivamente a cortina da existência,iremos para um novo porvir, levando como única e rica bagagema certeza de termos seguido, com coragem, o nosso destino!

Poesia. Não vivamos sem elaA poesia está dentro de nossa almaE nos nutre.Com música então;É como morrer e Acordar no paraíso sem fim.O mundo sem poesiaÉ um deserto onde nada germina.Poesia é a ciência da almaQue a desnuda e por vezes a consola.Nos permite ser a criança que vive dentro de nós.Jamais deixemos que ela adormeça.Poeta é aquele que não tem vergonha de amar, de chorar,De errar, de beijar, de abraçarDe mostrar-se frágil.Poeta é a alma que desvenda a almaQue atormenta e incomodaEnaltece e desafia,Questiona mas não respondeSimula e por vezes dissimula.É o ser forte que se mostra fraco.Diz o que não pode ser dito,Não diz o que sente.E até quando o poeta finge ser o que não éMostra aquilo que os outros são.Poeta...poesia...Que será deste mundoSe um dia perecerem?

José Rodrigues LouzãMédico aposentado em São Paulo

José Alberto VieiraMédico anestesista em São Paulo

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4 O BANDEIRANTE - Outubro de 2009 SuPLEMENtO LItErÁrIO

O Forro e o Avesso

Ao que à primeira vista possa parecer, forro e avesso não são, aqui, sinônimos. Muito pelo contrário. Forro como estofo, substância, base, calor e acolhimento. Avesso, o outro lado, a questão e a crítica, a exposição nua da costura, do chuleio, o contraponto da bainha, da linha e do nó que sustentam a face oculta do botão que escancara a face oculta da lua, que a encaixa na casa reta fechando as duas metades da vestimenta. Avesso que revela o risco do bordado.

Sei não, forro e avesso apenas partes distintas do mesmo casaco que me agasalha e me protege do frio das convicções vazias e das palavras vãs que nada dizem do que eu vejo e do que eu sinto. Sinalização do nada. Placas enferrujadas de beira-estrada, apontando caminhos sem volta.

INCONCLUSÕES

A culpa é do Monteiro Lobato. Quando aprendi a ler, como todo mundo da minha geração, ganhei a coleção completa de seus livros infantis. Devorei todos, a ponto de repetir a leitura do começo ao fim, cinco vezes, de Reinações de Narizinho, O Minotauro e Os doze trabalhos de Hércules.

Passeava com a Emília, aquela contestadora que abria a todo mo-mento a sua torneirinha de asneiras, torneirinha da sua espontaneidade, entendi muito depois, pelo terreiro do Sítio do Pica-pau-amarelo, pelos anéis de Saturno, pelas ruínas gregas ou pelo País da Gramática. Só ela mesmo para apelidar Hércules de Lelé e de fazê-lo chorar na hora da despedida. Aquele brutamontes de coração de batata frita, que a tia Anastácia cozinhou para ele.

Tudo isso sob as vistas circunspectas do Visconde de Sabugosa, a erudição conservada naquele corpo rígido e duro de sabugo de milho, encimado por uma cartola formal e fora de época.

Não era à toa que, aos três anos de idade, sentado em uma cadeira de braços, eu apoiava a cabeça na mão direita e minha tia perguntava: O que você está fazendo, Serginho? E eu: Estou pensando na vida. A vida pra mim, desde cedo, já era uma questão. Ou repetição. Nascia ali o que existe em mim de pensador.

Não só de Monteiro Lobato eu me alimentava. Nem só de histórias vive o homem.Todo dia era dia de bicicleta e de futebol no meio da rua (quase não passava carro; quando passava, a gente parava segurando a bola com o pé).

No final da tarde, chegava o pai de todo mundo: Meninos, pra dentro. Depois da sobremesa, de novo na rua. Dessa vez com as meninas pra brincar de estátua, de pera, uva ou maçã, de batatinha-frita-um-dois-três, com as cigarras cantando o verão.

Foi nessa que senti bater no peito minhas primeiras paixões pla-tônicas. Primeiro a Regina, não sei que fim levou, depois a Silvinha, hoje avó e arquiteta.

O Mário seguiu carreira de açougueiro e até hoje vive cercado de contra-filés e alcatras, enquanto eu fui fazer medicina e me cerquei de pedaços formolizados de gente nas aulas de anatomia. Uma outra espécie de açougue.

O Marcinho, que ganhava todas no botão, perdeu-se no mundo. O Beto virou repórter, o irmão do Valtinho saiu por aí roubando tudo o que podia, afanando mesmo, acabou preso e alcoólatra, morrendo literalmente na sarjeta. O Tião, o craque do nosso time, que me ensinou a colocar a bola no ângulo, bem a salvo do goleiro, foi o mais coerente. Migrou pras Gerais e acabou ponta esquerda do Atlético Mineiro. Vi um dia na tevê o Tião fazer um gol de placa com camisa listrada preta e branca por cima do coração carioca.

E como era mesmo o nome daquele menino rico e entediado? Aquele que, por falta do que fazer, vivia estilhaçando os tomates-cerejas da horta da sua mãe, no fundo do quintal daquela casa enorme e super-moderna, cheia de tapetes, a mais nova da rua, com a sua espingarda de ar comprimido que nos fazia babar de inveja?

O Naldinho, irmão da Silvinha, menino estranho e calado, suicidou-se no fim da adolescência. Graças a Deus eu não morava mais lá, senão teria que encarar aquela casa em que eles moravam, no outro lado da

Sergio PerazzoMédico Psiquiatra em São Paulo

rua, bem em frente da casa da minha avó, aquela casa de pedra em estilo normando (por sinal, esperei a vida inteira para encaixar estilo normando no meio de uma frase e a oportunidade chegou aqui; na verdade, não sei qual é o estilo normando nem se esse estilo combina com uma casa de pedra ou de madeira, nem sei se uma casa é colonial, neoclássica ou pós-moderna, quero mesmo é que vocês acreditem que sou um especia-lista em estilos arquitetônicos, faz parte da minha realidade suplementar escancarando minha verdade psicodramática e poética).

E assim vivíamos na mesma rua, entre a Lagoa e o Corcovado, entre pipas, bolas de gude e piões, e eu transitava inteiramente à vontade entre as casinhas de fundos, assim como era a em que eu morava, mas com jardim e alguma flor, a casa de pedra e a do menino rico, e a casa de cômodos das famílias do Mário e do Valtinho, as mães eram lava-deiras, que fazia parede com a minha casa. Meu trânsito sociométrico dessa minha infância democrática, criança às vezes é democrática e às vezes ditadora, todo mundo de pé descalço no chão. Casa de avó com galinheiro e porão. Aliás Seu Joca era o rei desse porão. Tinha nele a sua oficina de sapateiro. Não tinha dia em que não carimbássemos uma visitinha ao sapateiro. Batíamos o ponto religiosamente. Não vão pensar que era pelas barbas do Seu Joca ou por alguma perversão, fetiche por salto alto ou chulé. Não. Era pelo calendário da Marilyn Monroe peladona, pendurado atrás do velho safado com a boca cheia de tachinhas e as mãos cheias de calos. O ano do calendário devia ser de dez anos antes. Quem teria coragem de tirar a Marilyn dali? Botar no lixo? Nem pensar.

Como contraponto desse compromisso com o descompromisso da vida que nos cercava, os dois loucos daquele pedaço de rua. Um, o Carlinhos, epilético com convulsão e tudo, já demenciado, sempre de cabeça raspada como os egressos do manicômio do Engenho de Dentro, uma estação distante e suburbana da Central do Brasil.

Provocávamos e caíamos na risada só pra vê-lo disparar atrás da gente, com todo o tipo de palavrão. Uma crueldade inofensiva que já fazia parte da paisagem diária. Tanto ele demonstrava gostar da gente apesar das risadas, afinal éramos o seu contato com o mundo, como a gente corria dele de mentirinha sem sentir medo de verdade.

A outra louca, seis casas depois, era a mãe do Pedrinho, coitado. Um menino triste que só podia ser triste. Um desastre no futebol que sempre sobrava pra goleiro. Vivia humilhado pelos surtos delirantes e alucinatórios da mãe. Ninguém queria estar na pele dele. O pai, um homem resignado. Era tudo. Tínhamos um certo medo, pra não dizer um medo danado de passar pela porta dela. Ninguém entrava na casa do Pedrinho. De repente, ela saía de lá berrando, doida varrida como a mãe do Anthony Perkins em Psicose do Hitchcock. Só faltava a faca e o sangue.

Era assim. A loucura também fazia parte da rua. Como todo o resto.

Foi nesse caldo de cultura que nasci e cresci. Gravitando entre pobres e ricos, entre a irreverência da Emília e a formalidade do Visconde. Sim, o que eu queria dizer é que tive mesmo uma infância muito, muito feliz, apesar dos inevitáveis acidentes de percurso.

A música entrava pelas frestas, meu pai e minha tia cantavam tan-gos pela sala. Gardel reverberava nas paredes. Não havia aniversário que não se dançasse ao som das big-bands dos anos 40. Glenn Miller. Tommy Dorsey. Duke Ellington. E a Rádio Nacional o dia inteiro na cozinha da minha avó.

Um pouco mais tarde, no colégio de elite onde passei a estudar (meu pai se matava em horas extras para pagar a mensalidade), tive como colegas o Edu Lobo, o Marcos e o Paulo Sergio Valle, o Cacá Diegues, o Nelsinho Motta, o Sidney Miller, o Francis Hime, o Arnaldo Jabor e o Pedro Malan. Antes de se revelarem as vocações artísticas, literárias e políticas, a gente queria mesmo era jogar futebol ou basquete. A fama veio depois.

Verdade é que o artista que sempre viveu em mim só deixei que viesse à tona depois dos meus papéis de obrigações.

(continua na próxima página)

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O BANDEIRANTE - Outubro de 2009 5 SuPLEMENtO LItErÁrIO

Idealismo Universal

Fazia algum tempo que nossos congressos e jornadas não contavam com a presença dos “hermanitos” argenti-nos. Sentíamos falta dos velhos conhecidos como o Victor José Fryc e suas hilárias crônicas, dos amigos que sempre trazia... Mas desta vez, em nossa última Jornada, os platinos vieram com tudo.

O trabalho de Victor Fryc sobre uma estátua é cósmico e provocará gargalhadas em quem conseguir um mínimo de entendimento do texto, em qualquer lugar do mundo. Nes-te contexto, afora a elegância glamorosa que os argentinos sempre emprestam a nossas jornadas, é um privilégio poder entendê-los, pois é comum nos brindarem com trabalhos literá-rios extraordinários, plenos de sensibilidade e sentimentos.

Um deles, o colega Miguel Angel Manzi, conquistou menção honrosa em conto e o 3o lugar em poesia, o que gerou duas consequências. A primeira é que tal premiação, por certo, estimulará a presença de mais colegas da nação irmã, quando um de seus filhos ganha um prêmio num congresso literário em uma nação de língua diferente. Não sei não... Acredito que seja algo inédito. De parabéns o colega e toda a nação argentina.

Carlos Augusto Ferreira GalvãoMédico psiquiatra em São Paulo

A segunda consequência é bem doméstica e tem a ver com a surpresa de alguns colegas sobre os critérios usados para a premiação de textos em língua estrangeira. Res-pondi para alguns que o critério passa a ser o conteúdo da obra, tendo como limite, óbvio, o entendimento do texto pelo julgador. Claro que se um colega alemão quisesse apresentar um texto em nossa Jornada, haveria espaço, educação em ouvir, mas nenhuma exigência para que os julgadores lessem alemão, e dificilmente seria premiado; convenhamos, no entanto, que a língua dos “hermanitos” é de bem mais fácil entendimento num país lusófono do que a língua germânica.

Somos médicos antes de sermos escritores, portanto de uma profissão que cuida do ser humano independente-mente de suas características de raça ou de outra qualquer, inclusive da língua em que se expressa. Acredito que faz parte dentre os ideais da SOBRAMES, e de entidades irmãs espalhadas pelo mundo, a ruptura das barreiras entre os seres humanos; o verdadeiro ideal da paz universal. Tratan-do como iguais os textos dos colegas argentinos, estamos fazendo a nossa parte.

Afinal de contas eu era o depositário das expectativas de duas famílias de emigrantes em que se misturavam argentinos, uruguaios, italianos, portugueses, franceses e negros, de modo que acabei sendo o primeiro de todo esse bando a entrar numa faculdade. Abri a porteira e segui em frente e uma fila de irmãos e de primos me seguiu depois.

Muito depois de formado e já em São Paulo, fui aos poucos me permitindo ser poeta, cronista, contista, músico e cantor. De vez em quando me perguntava o que seria se tivesse seguido alguma carreira artística, mas olhava para trás e sempre via tanta gente que ajudei nessa minha profissão (tempos de pronto-socorro e tempos de ma-ternidade em que ajudei a botar no mundo uns duzentos bebês) e me orgulhava de me sentir útil. Acabei achando espaço para as duas coisas. O psicodrama foi decisivo para que eu fizesse a síntese e abarcasse a minha própria dimensão humana. Daí esses retalhos de memórias que compartilho com vocês.

E se o Mário tivesse saído da casa de cômodos direto para os bancos da universidade? Seria mais feliz? E se o Naldinho tivesse encontrado uma Regina que gostasse dele, teria puxado o gatilho? E se ao irmão do Valtinho fosse dada uma oportunidade de sair da quase miséria social, teria roubado? Seria preso? Encheria o caneco? Morreria na sarjeta?

Tudo depende de escolhas, é verdade, mas as escolhas transcen-dem a simples vontade, pré-determinadas, em parte, pelas imposições socio-culturais. Um certo jogo de cartas marcadas nesse mundo repleto de desigualdades que não se acertam nunca.

Reconheço hoje que a minha verdade histórica naquele pedaço de meu átomo social que representava a minha rua, permitiu-me treinar papéis sociais sem saber que estava treinando.

Fui deixando fluir uma força vital que Moreno chamaria esponta-neidade, como diriam os Beatles, with a litlle help of my friends. O psico-drama foi decisivo em soltar minha criatividade em todas as direções. Em ser Deus sem quebrar o braço (qualquer psicodramatista entende isso) (*) Em incorporar conscientemente esse Deus, esse brilho, essa força, essa chama, essa centelha ou o que mais quisermos chamar.

Por tudo isso, que quero dizer? Que a ciência não alcança e jamais alcançará a criatividade. Este é o mais profundo legado de Moreno. A criatividade é sempre um vir-a-ser. É um resultado. É sempre aberta. É sempre para. É intraduzível. Não é sistematizável. Nem metodolo-gicamente enquadrável. Por isso a inconclusão.

Inconclusos nossos projetos dramáticos são.Inconclusos nossos projetos dramáticos estão.Escravos da nossa verdade histórica determinadora das conservas

ou libertos pela criação livre de uma realidade suplementar que restaure a nossa mais genuína verdade psicodramática e poética. Apoderar-se dela é o desafio a que nos lançamos.

Nós que somos produtos inconclusos de nós mesmos.

São Paulo, 25 de outubro de 2009(um domingo de primavera)

(*) O autor se refere a um episódio da vida de Moreno em que, ainda criança, brincando de ser Deus, despenca de uma pilha de cadeiras e quebra um braço.

(continuação da página anterior)

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6 O BANDEIRANTE - Outubro de 2009 SuPLEMENtO LItErÁrIO

E se acontecer da dor acontecerE se esta dor em mim só for vocêE se ela me fizer sangrarE se eu desmaiarE se acontecer de eu me esquecerE se você nunca se lembrarE se de repente eu não existirE me ferir e me embriagarE de manhã for eu quem não chegarE se eu espalhar demais os meus pedaçosE se você por Deus não os juntarE por acaso eu nunca mais estandoE acontecer em nós da dor voltarE finde o dia e a gente não perceba.E a vida fuja e a gente não esteja.- Como poderemos. - Ser feliz.E se nos perdermos nas esquinasE se nos escondermos entre nósE se dormirmos em noites diferentesE se for outro o nome de alguémE se fingirmos ter saudades.E se um chegar depoisE se desunirem as cidadesE se for frio na sala e o sol brilhar no hallE se envelhecermos no OutonoE se diminuirmos a visãoE se desaparecer o seu sorrisoE se o coração tiver razãoE se você vier vestidaE se houver água no marE se vier trazendo a vidaE se eu tiver ido banharE se dançarmos uma valsaE se o som vier do luarE eu sonhar que foi um sonho.

ValsinhaDizem que agostoÉ mês de desgosto.Também que é mêsDe cachorro louco

Não ligo... e até faço poucoMas eu... ...Fico a gosto.

Agosto é mês de desgosto;Pois nem sempre é assim,

Mas há quem diga que sim!Mas eu... ...Fico a gosto

Agosto tem dia dos pais,Tem também os dias dos “ais”...

Tudo isto em pleno mês de agostoMas eu... ...Fico a gosto

Em agosto, tem dia de Maria,Disto, todo mundo já sabia;

Mas agosto... ...é agosto.E eu... ...Fico bem a gosto!

Tem o dia do soldado,Tem também o dia do namorado

Tem dias que nem tem gostoMas eu... ...Fico bem a gosto.

Ele é o oitavo mês do anoE nele se sofre desengano.É ainda mês de vento louco

Mas eu... ...Fico sempre a gosto.

Vamos agora dar um fimA esta poesia chinfrim,Pois falamos de Agosto

Mas eu... ...Fico bem a gosto.

E tudo isto é...Tão somente

Para todo o vossoGrande... ...desgosto!

Pois tudo isto me deu,E porque não vou dizer,

Um grande prazerE mesmo até, muito gosto

Por ter enchidoVossa paciência

Em pleno mês de AGOSTOE eu... ...Fiquei bem a gosto!

AgostoPrêmio SuperPizza

Tema: Agosto, Mês de Desgosto

Flerts NebóMédico aposentado em São Paulo

Luiz Jorge FerreiraMédico Clínico em São Paulo

Page 7: O Bandeirante - n.203 - Outubro de 2009

O BANDEIRANTE - Outubro de 2009 7 SuPLEMENtO LItErÁrIO

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Gratidão da Sobrames à Empresa Implacil de Bortoli

Premiados nos concursos da V Jornada Nacional da Sobrames, X Jornada Médico-Literária Paulista e VI Sobramíada.

A Sobrames de São Paulo agradece à empresa de implantes dentários Implacil De Bortoli ao nos ter ofertado gentilmente canetas e blocos, muito úteis nos nossos eventos e que foram distribuídos nas pastas entregues aos participantes da X Jornada Médico-Literária Paulista, V Jornada Nacional da Sobrames e VI Sobramíada, eventos que se realizaram em São Paulo, nos dias 17 a 19 de setembro de 2009.

A Implacil De Bortoli é uma empresa que há mais de 20 anos se destaca por oferecer o melhor em implantes dentários, instrumentais cirúrgicos e componentes protéticos, e vem investindo em aprimoramento tecnológico em toda a sua linha de produtos. Situada à rua Vicente de Carvalho, 182, no Cambuci – telefone 3203-0991, tem o e-mail: [email protected].

À Implacil De Bortoli, mais uma vez, nossos agradecimentos e os melhores votos de muito sucesso.

Diretoria da Sobrames – SP

Conto:

1o – Maria do Céu Coutinho Louzã (São Paulo – SP)2o – Rodolpho Civile (São José dos Campos – SP)3o – Vilma Clóris de Carvalho (Recife – PE)Menções honrosas: Fátima Calife (Recife – PE) Miguel Angel Manzi (Buenos Aires – Argentina)

Prosa (não conto):

1o – Sebastião Abrão Salim (Belo Horizonte – MG)2o – José Warmuth Teixeira (Tubarão – SC)3o – José Warmuth Teixeira (Tubarão – SC)Menções honrosas: Nelson Jacintho (Ribeirão Preto – SP) Zilda Cormack (Rio de Janeiro – RJ)

Poesia:

1o – José Jucovsky (São Paulo – SP)2o – Josef Tock (São Paulo – SP)3o – Miguel Angel Manzi (Buenos Aires – Argentina)Menções honrosas: Josyanne Rita de Arruda Franco (Jundiaí – SP) Márcia Etelli (São Paulo – SP)

Prêmio VI Sobramíada

Conto: 1o – Josyanne Rita de Arruda Franco (Jundiaí – SP)Prosa: 2o – Marco Aurélio Baggio (Belo Horizonte – MG)Poesia: 3o – Nelson Jacintho (Ribeirão Preto – SP)

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8 O BANDEIRANTE - Outubro de 2009 SuPLEMENtO LItErÁrIO

São Paulo dos Paulistas e dos Brasileiros

pelo número de assaltos e mortes de-les decorridas; pela selva de pedras formada com seus inúmeros edifícios; pela obsessão de trabalhar de sua gen-te; pela maneira apressada do povo se deslocar nos logradouros, sendo por isso já chamada de “neurópolis”...

Por outro lado, São Paulo encanta pelo convívio de antigos e novos edifí-cios e pelo urbanismo de suas praças, parques e avenidas; extasia pela ousa-dia e vanguardismo de sua arquitetura contemporânea, bem como pelo triun-fo de ter vencido a gigantesca poluição visual há pouco ostentada em placas e outdoors de todos os matizes que, quando não emporcalhava, escondia seu contorno e sua beleza. São Paulo, outrossim, deleita por possuir uma das mais diversificadas e deliciosas gastronomias do planeta; maravilha pelo número, dimensões e variedade de seus museus, parques de diversão, centros de exposição e shopping cen-ters; surpreende pela sua significativa produção científica, tecnológica e pela pluralidade cultural; e espanta pela sua capacidade de realizar negócios e movimentar o comércio.

São Paulo é uma megalópole mul-ticultural e multiétnica, constituindo-se na maior cidade japonesa fora do Japão; na maior cidade portuguesa de além-mar; na maior cidade libanesa fora do Líbano e na terceira maior cidade italiana fora da Itália!

Dentre tantos marcos que carac-terizam este município sui generis têm-se o Pátio do Colégio, local de sua fundação; o Museu do Ipiranga, onde começou o Brasil independente; a Estação da Luz, onde abriga o inu-sitado Museu da Língua Portuguesa; o Parque do Ibirapuera, o Mercado Municipal, o Masp (Museu de Arte de São Paulo), o Terraço Itália, a Pinacoteca, o Teatro Municipal, o Me-morial da América Latina, a Catedral metropolitana, o fabuloso Museu do Futebol, o Mosteiro de São Bento; o Museu de Arte Sacra; a Santa Casa de Misericórdia; os túneis subaquáticos; os complexos viários, destacando-se a mais paulista das avenidas; a ponte Octávio Frias de Oliveira, a única

ponte estaiada no mundo com duas pistas em curva conectadas a um mes-mo mastro (!), dentre tantos outros símbolos e cimélios.

Faz-se mister abrir parêntesis: o lema da divisa da cidade (em epígrafe, non ducor duco) não sintetiza presun-ção, acinte, arrogância ou cabotina-gem de seus munícipes perante os demais brasileiros, mas explicita sua missão, assim como enaltece a inde-pendência e a liderança que a cidade galgou, fruto do trabalho de sua gente e de uma miríade de imigrantes de dentro e de fora do País.

A propósito, particularmente, esta metrópole fascina pela acolhida des-medida não somente a uma grande diversidade de irmãos de todos os Esta-dos da nação, como também de povos de etnias dos mais remotos rincões do planeta. Assim, São Paulo se orgulha por não ser provinciana, situação que privilegia a poucos que estão ligados direta ou indiretamente ao centro do poder em muitos municípios. Ao contrário, dá oportunidade a ambos os sexos: ao mais preparado, ao mais competente, ao mais oportuno, ao mais trabalhador e ao mais dedicado. Ainda que sempre existam influências polí-ticas e pessoais, naturalmente muito diluídas em seu oceano populacional, não se vê desbragada e acintosamente a discriminação a favor de seus conter-râneos em detrimento de outros brasi-leiros na disputa de empregos e cargos como ocorre em outras plagas.

Gostaria de citar alguns exemplos próximos a mim: No Hospital do Ser-vidor Público de Estado de São Paulo, hospital-escola a que muito me orgulho de pertencer – referência nacional no ensino e na especialização médica –, a grande maioria dos internos e resi-dentes que lá entram por meio de con-curso desprovido de favorecimento através de entrevistas, é formada por colegas forasteiros, muitos de longín-quas cidades e Estados. O serviço de urologia no qual sou o responsável pelo departamento de endourologia tem dois pernambucanos, sendo um deles o diretor. O chefe da enferma-ria é mineiro; há assistentes do Piauí,

assim como oriundos de cidades do interior do Estado de São Paulo.

Ah! Igualmente não posso me es-quecer de mencionar que muitos che-fes de serviços, assistentes, enfermei-ras e funcionários que lá trabalham são de diferentes rincões deste imenso país. Tenho colegas meus – contempo-râneos de residência médica – naturais da Bahia e de Minas Gerais que são da atual diretoria do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, em cujas últimas eleições participaram diversas chapas.

Não posso também me olvidar de mencionar que a nossa querida Sobrames do Estado de São Paulo é muitíssimo enriquecida pela presença de profícuos e destacados escritores oriundos do Pará, Bahia, Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Amapá e até do Equador e de Moçambique, que escolheram as terras bandeirantes para viver e con-tribuir com seu desenvolvimento.

Por fim, São Paulo também sur-preende pela sua imensa genero-sidade, quer no voluntariado exer-cido em igrejas, organizações não governamentais, clubes de serviço, quer no auxílio a vítimas de catás-trofes naturais que ultimamente, infelizmente, têm-se tornado muito frequentes em nosso país. Nesta terra viveram e trabalharam padre José de Anchieta (1534-1597), frei Antônio de Sant’Anna Galvão (1739-1822), madre Paulina (1865-1942), assim como uma miríade de santas e santos anônimos que em seus 455 anos de existência a tem fertilizado e tornado melhor com sua abnegação irrestrita, caridade produtiva e altruísmo não espalhafatoso.

Prezados amigos e amigas! Esta é a cidade que os acolhe de braços esten-didos e de coração aberto. Sejam todos muito bem-vindos a este encontro de literatura e de congraçamento frater-no. Sintam-se em casa, pois a pauli-ceia, também imortalizada na música “Sampa” do baianíssimo Caetano Ve-loso, gravada em 1975, não pertence apenas a nós, paulistanos e paulistas – Ela é de todos os brasileiros!

(continuação da primeira página)