O Corpo Co-Manda - Uma Reflexão sobre Genética, Linguagem e Cultura.

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    ISSN 1678-7730 N 86 FPOLIS, DEZEMBRO DE 2007.

    O CORPO CO-MANDA: UMA REFLEXO SOBREGENTICA, LINGUAGEM E CULTURA

    Jos Elizer Mikosz

    EditorProfa. Dra. Luzinete Simes Minella

    Conselho EditorialProf. Dr. Rafael Raffaelli

    Prof. Dr. Hctor Ricardo LeisProfa. Dra. Jlia Silvia Guivant

    Prof. Dr. Luiz Fernando ScheibeProfa. Dra. Miriam Grossi

    Prof. Dr. Selvino Jos Assmann

    Editores AssistentesCludia Hausman Silveira

    Jos Elizer MikoszSilmara Cimbalista

    Secretrio ExecutivoAngelo La Porta

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    O CORPO CO-MANDAUma Reflexo sobre gentica, linguagem e cultura.

    Jos Elizer Mikosz

    RESUMO

    Este artigo apresenta algumas questes relativas a influncia mtua entre gentica,

    linguagem e cultura, dando nfase ao corpo, sua biologia, como base na qual o

    comportamento humano se desenvolve.

    PALAVRAS-CHAVE: corpo, gentica, comportamento, linguagem, cultura.

    ABSTRACT

    This paper analyses some questions about the mutual influence between genetics,

    language, and culture, focusing the physical body and its biology, as the cornerstone upon

    which the human behavior develops.

    KEYWORDS: human boby, genetics, behaviour, language, culture.

    Concordo, afirmou a Duquesa; e esta a moral: seja o que voc parece ser. Ou sevoc no gostar desta frase, diga assim, mais simplesmente: nunca se imagine ser

    o que poderia parecer para os outros, o que voc foi ou deveria ter sido, para noparecer outra coisa seno o que voc deveria ter parecido aos outros para no ser

    outra coisa.

    LEWISCARROLL, Alice no Pas das maravilhas

    As coisas no so o que parecem ser. Nem so de outra maneira.

    LANKAVATARA SUTRA

    INTRODUO

    H muita discusso a respeito da influncia dos aspectos meramente fsicos,

    biolgicos e qumicos quanto a comandar, criar ou alterar comportamentos, a cultura em

    que vivemos e a forma como pensamos e percebemos o mundo ao nosso redor. Cada

    disciplina defende sua rea como a mais pertinente, a biologia, antropologia, lingstica,

    psicologia, etc, daro explicaes voltadas mais para as suas prprias pesquisas. Porm

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    estamos numa poca que essas fronteiras no podem mais ser mantidas. As novas

    descobertas cientficas esto se aproximando de algo que podemos chamar de

    conscincia do tomo que, alm de fascinante, s pode ser pesquisado de forma

    interdisciplinar. Este breve trabalho monogrfico pretende mostrar algumas questes

    sobre o assunto de forma muito sucinta, apenas para instigar maior pesquisa e reflexo

    sobre o tema.

    As guisas de ilustrao rudimentar, podem fazer um paralelo do ser humano com a

    informtica. O corpo como hardware, com sua capacidade de memria e aprendizado

    limitados a sua configurao atual como ser humano. A linguagem, informaes, cultura,

    como softwareque varia de acordo com as experincias e educao que programam o

    ser humano. No queremos com isso dizer que as pessoas so como mquinas, muito

    longe disso, pouco sabemos na verdade, mas serve como ponto de partida para nossa

    reflexo. Usaremos essa metfora software/hardware algumas vezes no texto que se

    segue.

    OS LIMITES DO CORPO

    No conheo a matria; adivinho imperfeitamente algumas de suas propriedades;ora, ignoro totalmente que a matria no possa pensar.

    VOLTAIRE, Cartas Inglesas

    Mesmo que imaginemos que o crebro no traz nenhuma informao prvia,

    nenhuma tendncia ou talento inato e que a gentica no influencie em nada o

    comportamento das pessoas, somos obrigados a admitir que ele recebe as informaes

    do mundo externo de um jeito bastante particular, com limites tpicos da raa humana

    atravs de seus cinco sentidos. Se tivermos a pretenso de conhecer a verdade, teremosque encarar o fato de que ela sempre nos chegar atravs da nossa experincia corporal

    nosso hardware- em um mundo material. Os insights, nossa criatividade e imaginao,

    nossas idias iluminadas, nossa espiritualidade, vm dessas experincias no mundo,

    mesmo que algumas delas nos paream inslitas ainda. Ser que o que percebemos

    pode ser processado internamente de forma superior, atravs da nossa inteligncia e

    informao e assim vermos a verdade alm das aparncias?

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    Algumas respostas dos organismos vivos em geral, mostram que temos, no mnimo,

    mecanismos automticos inatos para conseguir sobreviver. Uma bactria submetida a

    condies agressivas no seu meio ambiente, se contrair, dar sinais de desconforto,

    desenvolver ou utilizar meios para escapar de tal situao1. Esta mesma bactria em

    CNTP ficar relaxada e cumprir normalmente suas funes de alimentao e

    metabolismo. Qualquer animal responder melhor ao prazer do que a dor, da qual tentar

    se livrar. Ao admirarmos uma bela paisagem, ao sentirmos a atrao agradvel por uma

    pessoa, apenas estamos respondendo a mecanismos naturais que no somos livres para

    escolher, apenas fomos feitos para ser assim. Nosso hardwaretem essa predisposio.

    Mesmo que vrias linhas do pensamento humano no admitam determinismos, com boas

    razes geralmente, a base biolgica de nossos limites no pode ser desconsiderada.

    Verificamos que, em mdia, ouvimos freqncias sonoras entre 20Hz a 20KHz,

    nossa viso percebe um espectro de luz limitado. Ainda temos os sensores para as

    impresses tteis, as do paladar e do olfato. Didaticamente descrevemos, por exemplo,

    que nosso paladar identifica quatro sabores tpicos: doce, salgado, amargo e azedo/cido.

    Mas que sabor tem a pimenta? Doce ou salgado? Uma combinao dos sabores bsicos?

    E o picante uma excitao ttil das papilas filiformes? Se fossemos descrever todas as

    possibilidades de sabores experimentados, certamente o que descrito didaticamente

    no atenderia a nossa experincia. Da mesma forma nossa viso, mesmo limitada, v

    milhes de possveis combinaes coloridas. Sabemos que existem as cores bsicas

    como no arco-ris: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, ndigo e violeta. O ndigo j

    entra como uma variao do azul, mas quais outras cores existem? O preto, branco e

    cinza, so cores? A cor magenta, com sua tonalidade rosada? Com que combinao das

    cores do arco-ris se faz a cor fcsia? Quantos nomes existem para a cor azul e quantos

    desses nomes seriam entendidos de forma igual por pessoas de mesma cultura? Sim,pois de culturas diferentes, verde-limo talvez no faa sentido para os esquims, como

    tampouco os 24 nomes usados por eles para a cor branca, faa sentido para ns. O que

    um azul petrleo, azul piscina, azul cu, azul cobalto, azul phthalo, azul ultramar ou azul

    da Prssia? Para dar nomes para as cores, temos que enxerg-las primeiramente.

    Nossos sentidos recebem um fluxo desordenado de impresses e o crebro tem que dar

    1

    Como no caso da bactria E. Coli que desenvolve um flagelo sintetizando uma molcula de AMP cclicoque se liga ao DNA, permitindo que a bactria se locomova para um ambiente mais favorvel.

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    conta filtrando, selecionando, reduzindo a experincia, rotulando tudo, resolvendo ento

    o problema. E, com todos os limites naturais de nossos sentidos, nossa pretenso em

    conhecer a verdade, mais como uma criao de verdades temporrias adaptadas

    nossa capacidade humana de compreenso no momento.

    Os sentidos, diante das nossas idias, parecem to limitados, ser que estamos

    imersos e em contato com algo no to bvio como o mundo percebido pelos sentidos? O

    inconsciente coletivo junguiano e seus arqutipos universais e imutveis ou o

    inconsciente social de ERIC FROMM2, a incompreensvel mente coletiva estudada por

    FRANK NATALE3, so formas de contato com algo alm dos cinco sentidos? Ento nossa

    mente pode ser influenciada por essa imerso no coletivo? Hoje temos ainda as redes

    eletrnicas mundiais formando uma espcie de inteligncia coletiva4. Tudo isso

    influenciando o relacionamento entre os indivduos e desses com a biosfera?

    A FUNO DA LINGUAGEM

    BENJAMIN WHORF (inFAY, p. 78) defende a tese de que o que sentimos funo de

    um sistema lingstico dentro do qual ns operamos como seres cognitivos: E isto

    precisamente o que o sistema lingstico faz: ele fornece os princpios bsicos no qual osfluxos indiscriminados de estmulos so organizados em uma experincia de sentido

    verdadeiro. Dessa forma a linguagem cria significados recortando, filtrando a realidade.

    No prefcio do livro Portas da Percepo (HUXLEY), COSTA PINTO comenta:

    diferena de HEIDEGGER, porm, HUXLEY considera que tanto o esquecimento da totalidadedo ser quanto seu oposto a abertura da conscincia para a irrupo dos acontecimentos so umfenmeno do mundo biolgico. Para ele, o crebro e o sistema nervoso seriam uma vlvula redutora,

    2A diferena entre a expresso de JUNG, inconsciente coletivo, e o inconsciente social aqui empregada

    a seguinte: o inconsciente coletivo indica diretamente a psique universal, grande parte da qual no podenem mesmo tornar-se consciente. O conceito de inconsciente social parte da noo do carter repressivoda sociedade e se refere quela parte especfica da experincia humana que uma determinada sociedadeno permite que atinja a conscincia.

    3FRANKNATALE criador do The Natale Institute (TNI) que trabalha com desenvolvimento da conscincia

    criativa baseado em diversas pesquisas como Campos Morfogenticos (SHELDRAKE), Inconsciente Coletivo(JUNG ), Sincronia ou Srie (KAMMERER & PAUL BEING ), Cognio (MASLOW ), Iluminao (BUCKE ), Auto-lembrana (GURDJIEFF) e estudos das religies Budistas e Hindus.

    4 Coordenada por PIERRE LVY, pesquisa comunidades como sistemas cognitivos, aumentando a

    cooperao intelectual, principalmente as de natureza digital. Maiores informaeswww.collectiveintelligence.info.

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    que evita por meio do carter seletivo da memria e das restries impostas pela linguagem que ohomem seja esmagado pela torrente de informaes a que sua oniscincia potencial estaria sujeita.

    As cores no existem no mundo e sim, internamente em nosso crebro. So

    estmulos vibratrios luminosos que excitam clulas na retina do olho. No ser humano

    essas clulas esto divididas em dois grupos, os cones, responsveis pelas sensaes de

    cor e os bastonetes, responsveis pela sensibilidade luminosa. Os estmulos recebidos

    pelas clulas so enviados atravs de impulsos nervosos pelo nervo tico passando pelo

    quiasma ptico, trato ptico, terminand0 no corpo geniculado lateral e dali se estende em

    filamentos nervosos, chamados radiao ptica, pelo tubrculo quadrigmeo anterior. A

    rea visual no crebro, de todas as reas corticais, a que tem dado mais exatas e mais

    fecundas observaes experimentais no domnio de diagnstico e especulao. Ela

    apresenta nitidamente a zona de projeo ou de sensao, a zona de percepo e a de

    reconhecimento ou de gnosia (DELMAS, p. 193). Isso, por si s, no explica quem est

    observando dentro de ns ou o que a conscincia.

    Temos um corpo fsico altamente especializado, com funes vitais trabalhando

    independentemente de nossa interveno. Alm disso, reflexos puramente orgnicos

    como frear o carro numa emergncia, piscar antes de ser atingido por um cisco, girar a

    cabea em direo a um som alto repentino (encefalogiria), por exemplo, independem de

    nossa deciso, nem passam pelo crebro, muito menos teramos tempo de pensar, so

    reflexos de um observador atento e gil, o prprio corpo.

    Nossos sentidos nos trazem informaes que nosso crebro processa. A linguagem

    filtra essas informaes dando sentido a elas. Podemos dizer que nossa base epigentica

    que nos capacita a criar essa linguagem. Toda informao um recorte na realidade, a

    informao completa est no caos, incognoscvel para ns.

    EDUCAO E CULTURA

    Cultura um produto; histrica; inclui idias, padres e valores; seletiva; instruda; baseia-se em smbolos; e uma abstrao do comportamento e

    dos produtos do comportamento.

    ALFREDKROEBERe CLYDEKLUCKHOHN(in WILSONO. EDWARD)

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    No seu livro Conscincia pelo Movimento, FELDENKRAIS (p. 19) diz: Ns agimos de

    acordo com a nossa auto-imagem. Esta, que, por sua vez, governa todos os nossos atos

    condicionada em graus diferentes por trs fatores: hereditariedade, educao e auto-

    educao. No podemos fazer muito a respeito da hereditariedade e da educao que

    recebemos. Somos educados/programados dentro de uma cultura e dificilmente

    conseguiremos nos adaptar a uma outra muito diferente depois de adultos. Podemos ter

    hbitos que so desagradveis ou incompreensveis por outros. Podemos achar ridculas

    a moda, a esttica e as crenas de culturas diferentes e, se no formos rgidos demais,

    podemos admir-las mas sentindo que elas no fazem parte do nosso mundo particular.

    Somos diferentes hereditariamente e, nem sempre, em nome da igualdade, essas

    diferenas so respeitadas. Isso gera conflitos, muitas vezes suprimindo necessidades

    vitais do indivduo por causa das necessidades da sociedade e de sua cultura, gerando

    sentimentos de culpa, inadequao e, muitas vezes, a ponto de comprometer nossa

    sade fsica e mental. Esse o resultado negativo da educao e cultura, porm, h os

    elementos positivos que mantm a sociedade identificada com valores comuns a todos,

    que organiza, protege, etc.

    A cultura pode mudar hbitos naturais, criar vlvulas sublimadoras de instintos

    considerados pouco teis ou ameaadores para a sociedade, como os esportes e as artes

    por exemplo, mas s vezes usam mecanismos controladores, autoritrios e

    supersticiosos.

    Muitas terapias trabalham na integrao entre intelecto, emoo e o corpo5 por

    perceber a interdependncia entre eles. O ser ntegro o que convive em harmonia com

    essas partes, ou seja, essas partes integradas e no divididas como acontece

    comumente. Um dos terapeutas pioneiros que percebeu a enorme importncia de

    trabalhar com o corpo foi WILHELM REICH, introdutor da Bionergtica. Reich, discpulo de

    Freud, viu que diversos desvios da personalidade e neuroses, estavam relacionados a

    represses e a traumas. Reich descobriu que o organismo cria tenses para se conter ou

    se defender. Essas tenses criam diversas couraas como anis em torno de regies

    corporais especficas. O trabalho da bioenergtica dissolver essas couraas,

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    Essa diviso, tambm didtica, deixa de fora o que poderamos chamar do lado espiritual do ser humano,sua alma, apesar de ser a nfase das terapias atuais ditas de Nova Era.

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    devolvendo a individualidade natural e saudvel do paciente atravs de terapias

    corporais. Mesmo FREUD percebeu que seriam inevitveis terapias envolvendo o corpo:

    As enfermidades psquicas revelam apenas qualidades. Todavia, sempre parecem depender dos

    chamados fatores quantitativos, da resistncia e da fora, da catexia de energia, das experincias eaes psquicas. Em uma reunio do crculo mais ntimo de analistas, Freud uma vez aconselhou-nosa ser prudentes. Tnhamos, disse, que estar preparados para esperar perigosos desafios de umafutura organoterapia terapia psquica da neurose. (...) A psicanlise dever um dia estabelecer-sesobre uma base orgnica. Isso era uma verdadeira intuio freudiana! (REICH, p. 104).

    Fica a impresso de que um software inadequado s funes esperadas pela

    natureza, quanto ao funcionamento correto do hardware, pode prejudic-lo, ou for-lo a

    se alterar para adaptao. Certos discursos e sugestes tm poder de produzir crenas e

    f, persuaso, como no caso das religies, das terapias psicolgicas, e de integrarsocialmente o indivduo desorientado ou em sofrimento. Esses discursos no necessitam

    ter base alguma de verdade para serem efetivos, influenciam no comportamento, no bem

    estar geral e sade do indivduo.

    OS GENES

    Pode alguma forma de comportamento estar associada aos genes? Quem observou

    filhotes de ces ou gatos deve saber como so diferentes os seus comportamentos. Uns

    so mais calmos e dorminhocos, outros brincalhes, alguns mal-humorados e mais

    agressivos. Do mesmo modo, filhotes de animais humanos nascem com um tnus

    particular de temperamento, antes que algum tipo de influncia externa atue nesse

    sentido. O temperamento est associado como cada um se relaciona com os demais,

    com o ambiente e situaes em geral.

    Os animais possuem sistemas de comunicao s vezes impressionantemente

    sofisticados, mas no os inventam, nem os ensinam para os outros (...) so

    rigorosamente prescritos por genes e no podem ser alterados pelo aprendizado

    (WILSON, p. 124). O que leva a crer que no temos a mesma base no caso do ser

    humano?

    Lembrando de nossa metfora, a cultura chegar atravs de informaes software

    que sero processadas e guardadas na memria do crebro hardware, da forma

    como esse hardwarefor capaz de assim fazer, ligado a determinaes genticas, mesmo

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    que estas sejam extremamente flexveis, com infinitas possibilidades e que se alterem

    com o tempo numa co-evoluo gene-cultura como teorizado por EDWARD WILSON (p.

    129). Genes e cultura se complementam interagindo de forma criativa na experincia do

    indivduo.

    Portanto os genes esto ali, antes que a cultura, capacitando o ser humano a

    interagir com o mundo dentro de um cdigo especfico que varia de pessoa para pessoa.

    Segundo ANDREW SAYER (p. 15) uma criana aprende muito antes de adquirir uma

    linguagem (...) nem todos os nossos comportamentos sociais so adquiridos ou mediados

    pela linguagem (...). Talvez, brincando com a palavra, possamos dizer que no, que tudo

    est dentro da linguagem sim, incluindo a linguagem dos cdigos genticos.

    Os estudos sobre gentica comportamental esto apenas no incio. WILSON (p. 147)

    nos diz que: O principal ponto fraco da gentica comportamental humana e sociolgica

    humana contempornea que apenas um pequeno nmero de genes e regras

    epigenticas relevantes foram identificados. (...) A razo que a gentica comportamental

    humana tecnicamente muito difcil nesse nvel.

    O CENTSIMO MACACO E O CONCEITO DE ZEIGEIST

    Uma espcie de macaco japons Macaca Fuscata das ilhas do norte do Japo, foi

    observada em seu habitat natural durante 30 anos. Cientistas jogavam batatas doce na

    areia da praia para os macacos. Estes as comiam mesmo sujas de areia. Uma fmea de

    18 meses chamada Imo solucionou a questo lavando a batata num riacho perto e

    ensinou seu truque sua me. Outros macacos jovens, amigos da Imo, aprenderam

    tambm a se livrar da areia nas batatas, apenas alguns macacos mais velhos que no

    aprenderam o truque com seus filhos, continuavam comendo as batatas com areia. Essainovao cultural gradualmente se espalhou entre 1952 a 1958, sempre observada pelos

    cientistas.

    No outono de 1958 algo aconteceu. Numa das manhs um determinado nmero de

    macacos lavava suas batatas. Vamos supor que fossem 99 macacos. Ao final da manh,

    mais um aprendera, o centsimo macaco. Ento aconteceu! Nessa noite quase todos na

    tribo lavavam batatas doces antes de com-las. A energia adicionada deste centsimo

    macaco criou, de algum modo, uma quebra cultural. Macacos de outras ilhas

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    Takasakiyama comearam a lavar suas batatas doces. Assim, essa teoria diz que quando

    um determinado nmero crtico de seres consegue uma conscincia, esta conscincia

    nova pode ser comunicada aos demais6. Pode ser que a histria no seja verdadeira, ou

    que a observao desses cientistas no tenha sido correta. Quem sabe o mesmo

    fenmeno que aconteceu com a Imo se repetiu entre outros macacos jovens nas outras

    ilhas. De qualquer forma, temos na nossa sociedade alguns indcios de uma ressonncia

    de idias. Algumas invenes, manifestaes artsticas e culturais, moda, descobertas e

    invenes cientficas, entre outras idias criativas, podem acontecer em diversos lugares

    ao mesmo tempo e sem que exista comunicao entre os grupos ou pessoas envolvidas.

    Esse fenmeno tem sido chamado de zeitgeist, o esprito do tempo.

    Esses dois fenmenos foram descritos aqui para exemplificar uma idia dentro dos

    conceitos de inconsciente coletivode JUNG, e dos campos morfogenticosdos bilogos.

    CAMPOS MORFOGENTICOS

    Esses campos so uma teoria alm dos genes, apesar de ainda no sabermos o

    grau de interferncia dos genes no assunto que se segue, pois as pesquisas ainda esto

    sendo desenvolvidas. Todas as clulas vm de outras clulas, e todas as clulas herdamcampos de organizao. Os genes so parte desta organizao. Tm um papel essencial.

    Mas no explicam a prpria organizao. Graas biologia molecular, sabemos o que os

    genes fazem, como capacitar o organismo a produzir e sintetizar determinadas protenas.

    Muitos organismos so clulas livres, incluindo fungos, bactrias e amebas. Alguns

    do forma a esqueletos minerais complexos, como nas diatomceas (algas

    microscpicas) e nos radiolrios. Produzir protenas certas no tempo certo no explica os

    complexos esqueletos de tais estruturas sem que haja outras foras atuando no jogo.Essas foras so os campos morfogenticos. Esses campos esto relacionados, por

    exemplo, com o fato de certas estruturas microtubulares da clula solidificarem enquanto

    outras no.

    SHELDRAKE comenta que os hbitos dos organismos so de importncia central para

    o desenvolvimento biolgico, Eu acredito que a seleo natural dos hbitos tm papel

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    Informaes tiradas do site: http://www.wowzone.com/monkey.htm. H diversos estudos reais sobre oassunto, no necessariamente essa histria em particular.

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    quanto tememos a morte, evitando nos identificar com algo que sabemos ter um fim. Mas

    talvez nada morra, numa concepo lavoisieriana, nosso corpo apenas retornar para a

    natureza, da mesma forma que surgiu dela, e assim, talvez essas outras dimenses do

    nosso ser, tenham tambm seu papel e uma outra continuidade nesse universo.

    Somos deuses com nus, mas temos o consolo de carregarmos em nosso corpo os

    tomos que, a milhes e milhes de anos atrs, participaram do Big Bange das estrelas

    que se desenvolveram a partir dali. Carregamos em ns a histria e o mistrio desse

    universo.

    de se pensar, no deixa de ser um privilgio...

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    REFERNCIAS

    1. DELMAS, A. Vias e Centros Neurais. Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 1973.

    2. FAY, Brian. Contemporary Philosophy of Social Science. A Multicultural Approach.Blackwell. London, 1999.

    3. FELDENKRAIS, Morse. Conscincia pelo Movimento. Summus Editorial. So Paulo, 1977.

    4. FROMM, Erich. Meu Encontro com Marx e Freud. Zahar. Rio de Janeiro, 1979.

    5. HUXLEY, Aldous. As Portas da Percepo/Cu e Inferno. Editora Globo. Rio de Janeiro,2001.

    6. POPPER, Karl R. Cincia: Conjecturas e Refutaes. Editora Universidade de Braslia.Braslia, 1974.

    7. REICH, Wilhelm. A Funo do Orgasmo. Editora Brasiliense. So Paulo, 1983.

    8. SAYER, Andrew. Method in Social Science, A Reallistic Approuch. Routledge. London,1992.

    9. SLOTERDIJK, Peter. Regras para o Parque Humano. Uma Resposta a Carta de Heideggersobre o Humanismo. Estao Liberdade. So Paulo, 2000.

    10. WILSON, Edward O. A Unidade do Conhecimento. Consilincia. Editora Campus. SoPaulo, 2003.