O DILEMA DA AUTORIA - Notícias - Portal IMPRENSA · Debate sobre Direitos autorais no país...

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IMPRENSA | SETEMBRO 2012 51 DIREITOS AUTORAIS Stock.XCHNG O DILEMA DA AUTORIA DEBATE SOBRE DIREITOS AUTORAIS NO PAÍS DEPENDE DE REVISÃO DA LEGISLAÇÃO PARA BUSCAR EQUILÍBRIO ENTRE RESPEITO À ATIVIDADE CRIATIVA E LIVRE DIFUSÃO DA CULTURA NA ERA DO COMPARTILHAMENTO POR GUILHERME SARDAS* DA REPORTAGEM

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Debate sobre Direitos autorais no país DepenDe De revisão Da

legislação para buscar equilíbrio entre respeito à ativiDaDe criativa

e livre Difusão Da cultura na era Do compartilhamento

por guilherme sarDas* Da reportagem

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Entre políticos, especialistas do Direito e autores das mais variadas modalida-des – escritores, artistas, jornalistas e profissionais da área acadêmica –, é flagrante a desatualização da legislação

brasileira referente aos direitos autorais (a lei nº 9.610). Criada em 1998, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, já são quase 15 anos de atraso que têm se revelado verdadeira eternidade dian-te do teor das mudanças ocorridas no período.

De lá para cá, o mundo testemunhou o cresci-mento vertiginoso da internet e uma revolução digital que vêm transformando a comunicação e os modos de difusão da informação e, por efeito, de todo tipo de obra autoral. Como adequar a nova realidade – sobretudo, ao que se refere à irrefreável “cultura do compartilhamento” – às leis que protegem o direito desses autores é um desafio que ainda precisa ser superado no país.

Foi o que apontou pesquisa realizada ainda no início de 2011 pela Consumers International, federação internacional que reúne 115 países e 220 entidades de defesa do consumidor, que posicionou a lei brasileira como a quarta pior do mundo. Segundo o estudo, a rigidez de nossas regras prejudica o uso das obras na educação e no acesso à cultura. A burocracia para revisão também agrava o quadro, já que, mesmo em franca discussão nos últimos anos, a nova lei ainda não saiu do papel.

Defendido pelos ex-ministros da Cultura, Gilberto Gil e Juca Ferreira, o anteprojeto de revi-são da lei foi submetido à consulta pública em 2010, concluída em outubro de 2011. Em junho deste ano, a ministra Ana de Hollanda atribuiu o atraso na formatação do projeto, entre outros pontos, à complexidade do tema, que, conforme declarou, envolve a afinação de interesses de

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vários ministérios. Enquanto isso, esforços para-lelos têm sido aventados para buscar equacionar o caos jurídico que engloba a questão.

Desafios e Descompassos Na esfera legislativa, o Projeto de Lei nº

3.133/12, do deputado federal Nazareno Fonteles (PT-PI), tenta abreviar o atraso do Executivo. “Alteramos, sobretudo, o artigo 46, que faz restrições para liberar as cópias e o comparti-lhamento sem interesse comercial. Muitas ten-dências judiciais injustas estão acontecendo por conta da desatualização dessa lei”, comen-ta. A reforma do Código Penal brasileiro, que data de 1940, também é vista como caminho para calcar mudanças vistas como imprescindí-veis (veja entrevista na pág. 57).

Uma das fontes da polêmica é o fato de que qualquer autor de uma obra literária, artística ou científica detém os direitos exclusivos sobre ela. Assim, a legislação visa delimitar o direito não só de propriedade mas também de personalidade. “Fazer, por exemplo, uma mesa sem um design pessoal não é a mesma coisa que escrever um livro, um roteiro de um filme ou compor uma música. Essa obra tem um componente pessoal, de personalidade. Não há nada de errado que a lei trabalhe com essa regra. Mas a grande questão hoje é a dificulda-de do controle de quem está reproduzindo sem autorização, pela escala de obras disponi-bilizadas, sobretudo pela internet”, explica Juliana Abrusio, advogada e sócia da Opice Blum Advogados Associados.

Hoje, no Brasil, um aluno ou professor que escanear e imprimir a totalidade de um livro sem pedir autorização ao autor, mesmo que para fins pessoais, incorre em violação da lei. Quando se tratam de obras esgotadas ou de difícil acesso em bibliotecas, compromete-se o fluxo do conhecimento. “É prejudicial tanto para aluno quanto para professores. Quando há função estritamente pedagógica, isso não pre-judica materialmente ninguém”, comenta o advogado especialista em direito digital, Diego Perez Martin de Almeida.

Para ele, o texto da lei vigente é vago em relação à permissão de cópia parcial de uma

entre os setores afetados pela discussão dos direitos autorais na internet, o mercado fonográfico é um dos que mais têm suscitado

controvérsias. o compartilhamento e o download livre de músicas trans-formaram o setor na última década. “este mercado foi a primeira vítima fatal da revolução digital e ainda não encontrou seu rumo depois de um período terrível marcado pela proliferação de portais como o pirate Bay e o Limewire, que reduziram a pó o valor de muitos de seus inves-timentos”, comenta o advogado cláudio Lins de Vasconcelos.

a dificuldade para se achar uma solução jurídica que satisfaça tanto defensores quanto adversários do download livre tem sido a grande marca da discussão também no Brasil. em junho deste ano, um grupo de músicos, entre eles os compositores carlos colla, paulinho Rezende e João Roberto Kelly, lançou o “manifesto dos artistas da música” pela “defesa do direito autoral” e, portanto, contra a “flexibilização dos direitos autorais”, posição majoritária entre os ativistas da liberdade na rede.

apoiando o escritório central de arrecadação e Distribuição (ecad), o grupo rejeita a ideia de que a entidade deva ser submetida à fiscalização estatal, uma possibilidade com a nova Lei dos Direitos autorais. Do outro lado, desde 2009, cantores como Léo Jaime, Leoni e andré abujamra compõem o movimento mpB (“música para Baixar”), defendendo que “novos tempos necessitam de novos valo-res”. o manifesto assevera ainda: “Quem baixa música não é pirata, é divulgador! semeia gratuitamente projetos musicais”.

enquanto a nova lei brasileira não esclarece os rumos do embate no país, o próprio mercado de músicas na internet tem sinalizado fórmulas que vêm contribuindo para se vislumbrar possíveis saídas. “o número de downloads ilegais de música nos eUa vem caindo consistentemente há algum tempo, enquanto aumentam as vendas de downloads legais e outras formas legítimas de acesso às músicas, via streaming”, comenta Vasconcelos.

para a advogada Juliana abrusio, o modelo do iTunes – a loja virtual de música da apple que, portanto, já trazem embutidos os direitos do autor na venda – é um bom exemplo de que “muitas vezes, não é o direito que traz a solução”. “os direitos autorais sempre estiveram em guerra com a tecnologia. mas, com a ferramenta [iTunes], o steve Jobs não criou um conhecimento jurídico, nem ficou tentando apertar a lei existente, mas conseguiu construir um novo modelo de negócios”.

DIvULgAçãO OU PIRATARIA?

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Assim, o “uso justo” ampliaria o rol de exce-ções, com base em três critérios fundamentais: que a reprodução da obra não seja o objetivo principal da obra nova; que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida; e que não cause um prejuízo injustificado aos legíti-mos interesses dos autores. “Hoje, a lei não prevê essa possibilidade, o que permitiria que um juiz verificasse se é ou não um caso de uso justo. Assim, a lei proíbe tanto, mas tanto, que você tem um quadro de violação generalizada”, comenta Juliana.

Outro ponto em debate é o longo período de validade dos direitos exclusivos do autor. No país, os direitos legados aos sucessores são de 70 anos após sua morte. “Esses 70 anos de vali-dade estão fundamentados em um acordo com a OMC [Organização Mundial do Comércio]. É um absurdo. É preciso mexer nos tratados in-ternacionais. Afinal, o que o autor fez foi uma pequena adaptação sobre o que era dos outros, escreveu história sobre a realidade dos outros, usou a língua que já é dos outros, às vezes até

obra, já que fala apenas que a reprodução do texto original não pode conter sua essência, com a intenção de não prejudicar a comerciali-zação do produto. “Muitas pessoas perguntam quanto é permitido copiar. O ideal é que você disponibilize de 25% a 30% de uma obra, mas também é preciso ter bom senso. Não adianta, por exemplo, você disponibilizar 25% de um livro como do ‘Harry Porter’, mas copiar o últi-mo capítulo do último livro, onde está o grande suspense”, comenta.

Com possibilidade de ser incluída na nova lei, uma das saídas para o impasse é a doutrina de fair use – ou “uso justo”. O conceito, já aplicado nos EUA, define os critérios que con-firmam a relevância social da reprodução de uma obra. Apesar de a lei atual já prever situa-ções em que não há necessidade de pedido de autorização da obra, ainda se limitam a situa-ções específicas, como, por exemplo, a conver-são de uma obra para o sistema Braile ou uma representação teatral ou execução de músicas realizadas em ambiente doméstico.

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A advogada Silvia Neli dos Anjos Kyriakou é uma das fundadoras da Associação Brasileira da Propriedade

Intelectual dos Jornalistas (Apijor), entidade fun-dada em 2000, por membros da gestão do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo da época. “Nasceu dali a necessidade de se criar uma associação de autores específica do direito autoral que não misturasse com direitos trabalhistas dos jornalis-tas”, relata Silvia, que concedeu entrevista à Revista IMPRENSA sobre as principais ocorrências jurídicas relacionadas a direitos autorais no Brasil.

imprensa - NA iNterNet, Até que poNto pode exis-tir compArtilhAmeNto de iNformAção sem ter cAráter ilícito?Silvia Neli - Se um blog copia, está violando os direitos autorais. Mesmo citando a fonte, ele estaria alimentado de conteúdo que não é dele. Toda aquela matéria de outros veículos de comunicação teve um investimento e tra-balho intelectual do jornalista. O que a lei permite é transcrever pequenos trechos. Fazer um comentário ou tese sobre outra matéria, apenas ilustrando com pequenas citações é lícito, já que as citações não seriam o produto principal, mas, sim, o seu texto. Para citar o conteúdo completo, o dono do domínio tem que indicar o link para que o leitor acesse sua fonte original.

quAl é A queixA mAis comum?Publicação sem o crédito autoral. O que mais recebemos de reclamação é o uso da fotografia ou até do texto sem colocar o nome do fotógrafo ou do jornalista que fez a matéria. Pode gerar indenização de direitos autorais de cunho moral, que está no artigo 24 da Lei de Direitos Autorais. É muito comum os jornais colocarem “divulgação” como crédito, e não o nome do fotógrafo. Nós já ganhamos ação dessa natureza.

o que pode ser coNsiderAdo um coNtrAto Abusivo?O que a gente percebe hoje é que as empresas fazem uma sessão plena de direitos autorais e inclui tudo lá, justamente para publicar o que ela quiser com o material produzido pelo jornalista. A lei diz que no contrato entre jornalista e veículo de comunicação deve constar em que território vai circular sua notícia, em quais veículos de comunicação vão ser publicadas as matérias e o tempo de uso. Quando o contrato foge disto e se torna absoluto, está sendo abusivo.

como deve ser guArdAdo o direito de AssiNAr A própriA mAtériA?Nós somos contra qualquer veículo que força o jornalista a não assinar a matéria. O jornalista tem o direito ao crédito. Ao mesmo tempo, não perde o direito sobre o que não assinou, já que existem mecanismos de provar que foi feito por ele. [Por Luiz Vassallo]

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estudou na universidade pública. Como é que ele vai se apropriar disso durante tanto tempo?”, questiona Fonteles.

Lei anaLógica, ambiente digitaLÉ praticamente unânime entre os especialistas

a percepção de que, no Brasil, são aplicadas regras analógicas em um ambiente digital. Em 2010, um dos autores do blog “Caligraffiti” recebeu uma fatura do Ecad [Escritório Central de Arrecadação e Distribuição], cobrando os direitos autorais por reprodução de conteúdo do YouTube.

“Era um valor perto de 350 reais por mês, simplesmente porque a gente postava vídeos. Eles alegaram que o YouTube é um transmissor de vídeo e nós, retransmissores. Por isso, tínhamos que pagar também”, comenta Uno de Oliveira, um dos fundadores do blog. Orientado por seu advogado, Oliveira rejeitou a cobrança, manteve o blog no ar e passou a divulgar o caso na internet. A repercussão na imprensa, segun-do ele, levou a entidade a recuar. “O Ecad segue uma lei que é altamente defasada. Ele não está

fora da lei, mas age de má-fé ao tentar ganhar dinheiro de uma forma descabida. Depois de um tempo, eles disseram que foi um erro de cobrança”, comenta.

Em resposta, a entidade declara não possuir estratégia de cobrança de direitos autorais vol-tada a vídeos embedados ou blogs. Sobre o caso do blog “Caligraffiti”, alega que a notificação “decorreu de um erro de interpretação opera-cional, mas que representa fato isolado no uni-verso representado pelo segmento”. Acrescenta ainda que “não é nem nunca foi intenção do Ecad cercear a liberdade na internet, reconheci-damente um espaço voltado à informação, à difusão de músicas e demais obras criativas e à propagação de ideias”.

Proposta que tem gerado controvérsias na revisão da lei, a inclusão do conceito de “notice and takedown”, que permite a empresas notifica-das pelas entidades – como o Google, proprietá-rio do YouTube – remover conteúdos comparti-lhados livremente sem qualquer recurso judicial (veja box sobre as principais mudanças da lei em

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discussão na pág. 58). Segundo especialistas, o problema mais grave se dá, no entanto, quando o uso do conteúdo é utilizado para fins predatórios comercialmente, como no caso da pirataria.

Para o advogado Cláudio Lins de Vasconcelos, autor do livro “Mídia e Propriedade Intelectual: a Crônica de um Modelo em Transformação”, os crimes que tendem a ser mais preocupantes são os que atingem uma escala relevante e se inte-gram a uma cadeia mais ampla e normalmente organizada. “Quando falamos em crimes de direito autoral, não estamos nos referindo àque-le arquivo MP3 que o namorado mandou para a namorada por e-mail, mesmo sem pagar royal-ties para a gravadora. Estamos falando de orga-nizações que exploram em escala industrial produtos que também estão à venda no comér-cio regular, mas sem pagar nada a quem criou e produziu o conteúdo”, afirma.

Jornalistas e autores

Já no campo jornalístico, não é incomum que a falta de consciência dos profissionais sobre seus direitos os leve a situações desvantajosas no mercado de trabalho. Há cerca de sete anos, a jornalista e escritora Marleine Cohen foi con-vidada por uma grande editora do país para produzir uma biografia. Ignorou, no entanto, os detalhes sobre concessão de seus direitos como autora. “Fiquei tão feliz com a oportunidade que não procurei saber se ia ganhar direito autoral ou não. Recebi um ‘x’ pelo trabalho e nada mais, e o livro teve uma ótima vendagem. Obviamente, a minha interlocutora conhecia todos os meandros da questão. Como não falei nada, ficou por isso mesmo”, diz.

O problema persistiu quando a empresa lhe encomendou uma série de outras obras. A par-tir da terceira edição de um dos volumes, seu nome deixou de figurar como autora. A alega-ção da empresa foi que, assim, não haveria a necessidade de se pagar os direitos. Marlene optou, porém, por não processar a empresa. “Guardo isso como ensinamento pessoal. O grande erro é que a gente confunde a oportuni-dade com a questão do dinheiro. A gente acaba pensando que os direitos autorais são para os grandes escritores e não é.”

Marco antonio Marques da silva, desembargador do tribunal de Justiça de são Paulo, membro da Comissão de Juristas do

senado para reforma do Código Penal.

imprensa - Qual é o grande ProbleMa do Código Penal bra-sileiro eM relação aos direitos autorais?Marco Antonio - Como nosso atual código atual é de 72 anos atrás, época em que a comunicação praticamente nem existia, então ele está defasado e possui diversas lacunas na proteção à propriedade material, ao direito do autor, à proteção de obras coletivas e de reprodução de obras. Não atende à realidade do avanço científico e tecnológico da nossa sociedade.

o Que a reforMa do Código Pretende ModifiCar na lei dos direitos autorais?Uma punição a quem fizer uso da internet ou qualquer outro meio que permita ao usuário selecionar a obra ou a produção para rece-bê-la em tempo e em lugar determinado, sem autorização do titu-lar do direito autoral. Estamos falando de pena de prisão de seis meses a dois anos. Uma violação qualificada, a pena seria de um a quatro anos. Mas é para quem oferece, para quem faz esse tipo de fraude, não para quem recebe, compra ou utiliza.

a Justiça brasileira ainda é Muito lenta Para lidar CoM Casos de direitos autorais?A lentidão é em razão da grande demanda que nós temos de pro-cessos. O brasileiro ainda tem a cultura de que tudo vem do juiz. Ele tem que acostumar a procurar os chamados modos alternativos, composição, transação, mediação, os juizados especiais.

Qual é o grande benefíCio desse ProCesso?A grande questão é que a população possa se utilizar disso de forma organizada, de forma efetiva, sem que ninguém seja preju-dicado, enganado ou até lesado. [Jéssica Oliveira]

REFORMA do código penal

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Desde 2000, no entanto, jornalistas podem contar com o auxílio jurídico da Apijor (veja entrevista na pág. 55), entidade que auxiliou o fotógrafo Marco Antonio Sá em três processos que moveu contra uma empresa de assessoria de comunicação e um jornal paulista. Um conjunto de fotos que produziu para um catálogo acabou sendo publicado no diário, sem, no entanto, con-ter o crédito de autor. Sá ganhou os três proces-sos, além de duas indenizações por danos morais – uma de 25 mil reais, outra de 3 mil reais. No terceiro caso, fez um acordo que não acarretou despesas para a ré. Dos episódios, ficaram lições.

“Basicamente, você precisa saber que tem dois direitos, o moral e o patrimonial. O patrimonial é o que você cede para uso da foto, mas o moral é o que você tem de ser reconhecido como autor da foto. Mesmo que você tenha vendido a foto, é obrigado que em toda publicação conste seu nome”, comenta. O fotógrafo comenta que o auxílio da Apijor foi essencial para que ele se inteirasse sobre os meandros de uma disputa judicial do gênero. “No caso dos catálogos, que têm uma finalidade comercial mais forte, você cobra um valor maior”, exemplifica.

Em 2005, a jornalista Ana Claudia Sniesko era responsável pela edição de algumas publi-cações de uma editora, entre elas, a revista Jóias e Design. Após deixar o emprego, encontrou, através de sites de busca, textos de sua autoria reproduzidos em um site de uma joalheria. “Meus textos estavam todos lá com um rodapé onde estava escrito ‘texto cedido gentilmente pela revista Jóias e Design’. Não sei se eles tive-ram algum tipo de tratativa com a editora, mas o fato é que a editora não tinha nenhum tipo de documento que deixava claro a cessão de direi-tos autorais a eles.”

Como no caso de Sá, Ana recorreu à Apijor, entrando com processo em 2007. “Foi julgado em 2009, ganhei em primeira instância, sem caber recurso. Demorei muito para ser indenizada, mas posso te dizer que eu recebi dez vezes o salário que eu recebia na época. Foi uma coisa importan-te para eu ter o controle sobre meu nome e sobre as coisas que eram publicadas”, finaliza.

*Com Jéssica Oliveira e Luiz Vassallo.

Veja algumas mudanças que podem aparecer na futura legislação de direitos autorais do país.

A dOutrinA dO “usO JustO”Já em aplicação nos EUA, o fair use é calca-do em três pontos que servem para legitimar se há ou não abuso ou violação dos direitos autorais. 1. Que a reprodução da obra não seja o objetivo principal da obra nova. 2. Que não prejudique a exploração normal da obra. 3. Que não cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

Notice aNd take dowNHá a probabilidade de o conceito de “Notificação e Retirada” constar na nova Lei de Direitos Autorais em finalização no Executivo. O meca-nismo serve para que detentores de direitos autorais tirem conteúdos piratas do ar sem a necessidade de ordem judicial.

COntrOLe sObre As entidAdes de ArreCAdAçãO Atualmente, órgãos de arrecadação e dis-tribuição de direitos autorais como o Ecad não contam com nenhuma fiscalização de órgãos estatais. Há grande possibilidade de a Controladoria Geral da União (CGU) – em auxí-lio ao Ministério da Cultura (MinC) – assumir esta função com a nova lei.

registrO CentrAL de ObrAsEstá entre as intenções do MinC a criação de um registro central de obras, uma plataforma que centralizaria dados sobre tudo o que é pro-duzido de cultura no país. Para que um autor possa pleitear os direitos autorais, a obra teria que estar devidamente registrada no sistema.

tENDêNCiAS da lei

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