o direito dos acionistas de participar nos lucros sociais

205
MARCELO TADEU COMETTI O DIREITO DOS ACIONISTAS DE PARTICIPAR NOS LUCROS SOCIAIS Mestrado em Direito PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO 2007

Transcript of o direito dos acionistas de participar nos lucros sociais

MARCELO TADEU COMETTI O DIREITO DOS ACIONISTAS DE PARTICIPAR NOS

LUCROS SOCIAIS

Mestrado em Direito

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO

2007

MARCELO TADEU COMETTI O DIREITO DOS ACIONISTAS DE PARTICIPAR NOS

LUCROS SOCIAIS

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO SÃO PAULO

2007

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em Direito – Sub Área de Direito Comercial sob a orientação da Prof. Dr. Fábio Ulhoa Coelho

COMETTI, Marcelo Tadeu

C732d O direito dos acionistas de participar nos lucros sociais. Marcelo Tadeu Cometti. – São Paulo, SP: [s.n], 2007.

204f.

Orientador: Profº Dr. Fábio Ulhoa Coelho Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo

1. Lucros sociais. 2. Direito dos acionistas. 3. Sociedades

Anônimas. I. Coelho, Fábio Ulhoa. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

CDD 346.81066

Banca Examinadora

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação. Assinatura:______________________Data e Local:_______________________

AGRADECIMENTOS

É imperioso expressar minha gratidão àqueles que muito contribuíram

para a realização desta dissertação de mestrado.

Agradeço assim, em primeiro lugar, ao meu orientador, professor Fábio

Ulhoa Coelho, exemplo a ser seguido por sua dedicação e brilhantismo no ensino do

Direito Empresarial e cujas valiosas lições e sugestões foram essenciais para o

aprimoramento deste trabalho.

Agradeço ao professor Marcus Elidius Michelli de Almeida pelas lições nos

primeiros passos do magistério e por ter despertado em mim, ainda durante a

graduação, o interesse pelo estudo do Direito Empresarial.

À minha querida companheira, Tatiana Neves Smolentzov, com quem,

desde os primeiros anos da Faculdade de Direito, tenho compartilhado e

desenvolvido idéias e ideais, agradeço por toda paciência, estimulo e carinho.

Agradeço também à Vera Maria N. Smolentzov e Vicente Gomes de

Oliveira Filho, sempre prontos e dispostos, pela valiosa ajuda prestada nos

momentos mais difíceis.

Agradeço ao meu pai e professor, Gerson Cometti, grande incentivador e

amigo, e à minha querida mãe, Marina Cometti, confidente de todas as horas e fã

incondicional, por todos os esforços, carinho e abdicação empregados na minha

formação. São a eles, meus queridos pais, a quem dedico este trabalho.

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo o estudo do direito dos acionistas de participar nos lucros sociais como um instrumento de estabilização nas relações de poder internas na companhia, sendo, para tanto, dividido em três capítulos.No primeiro capítulo são analisadas as regras estabelecidas na Lei 6.404/76 e posteriores alterações que irão determinar os critérios para a apuração e destinação dos lucros sociais. Busca-se assim determinar o conceito de lucro social, o período de sua apuração e os instrumentos contábeis elaborados para a sua determinação. Uma vez que nem todo o lucro auferido pela companhia é destinado aos acionistas a título de dividendos, realiza-se também neste capítulo o estudo da parte dos lucros sociais que é destinada ao pagamento das participações estatutárias, bem como à criação ou manutenção de reservas ou retenção de lucros.No segundo capítulo são apresentados os diversos grupos de acionistas que integram uma companhia e as relações de poder existentes entre eles, sendo neste contexto analisado os direitos essenciais e, conseqüentemente, o direito do acionista de participar nos lucros sociais. Neste capítulo também é analisada a natureza jurídica do direito de participar nos lucros sociais, bem como sua abrangência, uma vez que o direito de participar nos lucros sociais não se resume aos lucros distribuídos, mas abrange também a parcela dos lucros sociais que, muito embora retida na companhia, gera benefícios econômicos aos acionistas em razão do aumento no valor patrimonial de suas ações.No terceiro capítulo, o direito do acionista de participar dos lucros distribuídos é detidamente analisado, não apenas como um direito ao dividendo por deliberar, mas também como um direito ao pagamento do dividendo declarado. Neste último capítulo é analisada a natureza jurídica do dividendo a deliberar, do dividendo deliberado e dos juros pagos aos acionistas a título de remuneração sobre o capital próprio. São também estudados os dividendos obrigatórios (artigo 202 da Lei 6.404/76) e os dividendos preferenciais, em todas as suas modalidades (artigos 17 e 203 da Lei 6.404/76), bem como a titularidade destes direitos.

Palavras-chave: Lucros sociais. Direito dos acionistas. Sociedades Anônimas

ABSTRACT

The paper herein has the purpose to study the right of the shareholders to participate in the profits as a stabilization instrument of the relation of internal power in the companies. For this purpose, this paper will be divided in three chapters.The first chapter analyzes the rules set forth in Law 6,404/76 and further amendments, which will establish the criteria for the ascertaining and destination of profits. The concept of profit, the period whereby the profits are ascertained and the accounting instruments for their determination are tried to be determined herein. Considering the fact that not all of the profit ascertained by the company is destined to the shareholders as dividends, this referred chapter brings up the study of part of the profits which is destined to the payment of the statutory interest, as well as the creation or maintenance of reserves or profits retention. The second chapter presents the several groups of shareholders of a company and the relation of power existing among them. It is analyzed in this context the fundamental rights (direitos essenciais) and consequently the right of the shareholder to participate in the profits. It is also analyzed in this chapter the legal nature of the right to participate in the profits as well as its fulfillment, due to the fact that such right is not only referred to the distributed profits, but it also encloses part of the profit that engender economic benefits to the shareholders, due to the increase of the equity value of their shares, even though such profit is held back in the company.The third chapter deeply analyses the right of the shareholder to participate in the profits already distributed, not only as a right to dividend to be discussed, but also as a right to the payment of dividends already declared. This last chapter analyzes the legal nature of the dividend to be discussed, the dividends already declared and the interest on net equity paid to the shareholders. The mandatory dividends (section 202 of Law 6.404/76) and the preferred dividends in all of their modalities (sections 17 and 203 of Law 6.404/76) are also studied in this chapter, as well as the rights entitled to them.

Keywords: Profits. Right of the shareholders. Corporations.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 – APURAÇÃO E DESTINAÇÃO DOS LUCROS SOCIAIS.......... 15

1 Apuração do lucros sociais................................................................................ 15

1.1 Lucro social..................................................................................................... 16

1.1.1 Lucro operacional bruto............................................................................... 17

1.1.2 Lucro operacional líquido............................................................................. 18

1.1.3 Lucro antes do Imposto de Renda............................................................... 20

1.1.4 Lucro depois do Imposto de Renda............................................................. 22

1.5 Lucro líquido................................................................................................... 23

1.2 Exercício social............................................................................................... 25

1.3 Demonstrações financeiras............................................................................ 30

1.3.1 Balanço patrimonial..................................................................................... 31

1.3.2 Demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados................................... 38

1.3.3 Demonstração do resultado do exercício.................................................... 40

1.3.4 Demonstração das origens e aplicações de recursos................................. 41

1.4 Destinação dos lucros sociais........................................................................ 44

1.4.1 Resultado do exercício e sua destinação.................................................... 44

1.4.2 Participações estatutárias............................................................................ 47

1.4.3 Participação dos debenturistas.................................................................... 48

1.4.4 Participação dos administradores e empregados........................................ 52

1.4.5 Partes beneficiárias..................................................................................... 56

1.4.6 Reservas de lucro, de capital e de reavaliação........................................... 63

1.4.7 Reservas e retenção de lucro...................................................................... 64

1.4.8 Reserva legal............................................................................................... 66

1.4.9 Reservas estatutárias.................................................................................. 68

1.5 Reservas para contingências......................................................................... 70

1.5.1 Retenção de lucros...................................................................................... 72

1.5.2 Reserva de lucros a realizar........................................................................ 74

1.5.3 Reserva de capital....................................................................................... 76

1.5.4 Reserva de reavaliação............................................................................... 77

1.5.5 Dividendos................................................................................................... 78

CAPÍTULO 2 – DIREITO DE PARTICIPAR NOS LUCROS SOCIAS E AS RELAÇÕES DE PODER NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS................................

80

2.1 As relações de poder nas sociedades anônimas........................................... 80

2.1.1 O princípio da maioria nas deliberações sociais......................................... 83

2.1.2 Considerações sobre o acionista controlador e o poder de controle........... 85

2.1.3 Considerações sobre os instrumentos de proteção da minoria acionária... 91

2.2 Direitos essenciais como instrumento de estabilização das relações de poder.....................................................................................................................

96

2.2.1Direito de participar do acervo líquido.......................................................... 97

2.2.2 Direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais..................................... 99

2.2.3 Direito de preferência.................................................................................. 104

2.2.4 Direito de recesso........................................................................................ 108

2.2.4.1 Hipóteses de recesso previstas no artigo 137 da Lei 6.404/76................ 111

2.2.4.2 Outras hipóteses de recesso previstas na Lei 6.404/76........................... 117

2.2.4.3 Valor do reembolso................................................................................... 119

2.3 O direito de participar nos lucros como um direito essencial......................... 122

2.3.1 Considerações sobre a natureza do direito................................................. 122

2.3.2 Suspensão do direito de participar nos lucros sociais................................. 124

2.3.3 Direito de participar nos lucros sociais e direito do acionista ao dividendo. 128

CAPÍTULO 3 – DIREITO DO ACIONISTA AOS DIVIDENDOS........................... 133

3.1 Natureza jurídica dos dividendos.................................................................... 133

3.2 Titularidade do direito aos dividendos............................................................ 137

3.2.1 Titularidade Originária : ações ordinárias, preferenciais e de fruição.......... 138

3.2.2 Titularidade Derivada: usufruto. Fideicomisso, caução e penhor................ 145

3.2.2.1 Penhor e caução de ações....................................................................... 146

3.2.2.2 Usufruto e fideicomisso de ações............................................................. 150

3.2.2.3 Alienação fiduciária em garantia e outros ônus e gravames.................... 153

3.3 Modalidades de dividendos............................................................................ 154

3.3.1 Dividendos obrigatórios............................................................................... 154

3.3.2 Dividendo preferencial................................................................................. 166

3.3.2.1 Dividendo preferencial fixo....................................................................... 171

3.3.2.2 Dividendo preferencial mínimo................................................................. 173

3.3.2.3 Dividendo preferencial diferencial............................................................. 175

3.3.2.4 Dividendo cumulativo e não cumulativo................................................... 175

3.3.2.5 Dividendo preferencial no Mercado de Valores Mobiliários...................... 177

3.3.3 Dividendos intermediários e intercalares..................................................... 179

3.3.3.1 Dividendo versus juros sobre o capital..................................................... 181

3.4 Considerações sobre a distribuição irregular de dividendos.......................... 185

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 188

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................... 199

11

INTRODUÇÃO

A sociedade anônima tem na consecução de sua atividade, explorada

sempre com fins lucrativos, o elo de ligação dos interesses pessoais que motivaram

cada um de seus acionistas a ingressar na sociedade, mediante o aporte dos

recursos necessários para a realização do empreendimento. Portanto, nada mais

adequado do que assegurar a esses acionistas o direito de participar nos lucros

auferidos pela companhia. No entanto, quando a sociedade anônima atravessa

momentos de crise econômico-financeira e acaba não atingindo o seu principal

objetivo que é gerar lucro, as relações internas entre os diversos grupos de

acionistas que integram a companhia podem entrar em conflito, devendo existir

assim, em nosso ordenamento jurídico, certos instrumentos que visem a tutelar os

interesses dos acionistas minoritários frente ao poder do acionista controlador.

É neste contexto que se insere o tema desta dissertação de mestrado que

tem como propósito analisar o direito dos acionistas de participar nos lucros sociais

como um instrumento necessário para a estabilização das relações de poder

internas à companhia. A metodologia de pesquisa adotada neste trabalho se baseia

na análise das regras positivadas em nosso ordenamento jurídico, que disciplinam o

direito dos acionistas de participar nos lucros sociais, buscando, através de

exaustiva pesquisa bibliográfica, delimitar as possíveis interpretações que possam

ser dadas a partir dessas normas jurídicas, tendo como linha de pesquisa o

conhecimento tecnológico do direito. A principal dificuldade enfrentada na

elaboração desta dissertação de mestrado foi a escassez de decisões proferidas

pelos nossos tribunais superiores acerca das questões mais controvertidas

12

apresentadas e analisadas ao longo deste trabalho, razão pela qual se buscou nas

diversas correntes doutrinárias a interpretação mais adequada a essas questões.

O adequado estudo do direito de participação nos lucros sociais requer a

prévia análise das regras estabelecidas na Lei 6.404/76 e posteriores alterações que

irão determinar os critérios para a apuração e destinação dos lucros sociais. O

primeiro capítulo desta dissertação realiza a abordagem desses dois aspectos

fundamentais para a exata compreensão do tema. O primeiro aspecto consiste em

determinar os instrumentos e critérios para a apuração do lucro social, sendo

analisado ao longo do primeiro capítulo, o conceito de lucro social e as suas diversas

modalidades, bem como o período de sua apuração e os documentos contábeis

elaborados pelos administradores da companhia para sua determinação, as

chamadas demonstrações financeiras. O segundo aspecto consiste na análise das

regras estabelecidas pela lei para a destinação dos lucros sociais, uma vez que nem

todo o lucro auferido pela companhia poderá ser destinado aos acionistas a título de

dividendos. Parte dos lucros sociais também é destinada ao pagamento das

participações devidas aos debênturistas, administradores, empregados e titulares de

partes beneficiárias, bem como à criação ou manutenção de reservas ou retenção

de lucros.

Uma vez analisados os aspectos relacionados à apuração e destinação

dos lucros sociais, o segundo capítulo deste trabalho insere o direito do acionista de

participar nos lucros auferidos pela companhia dentro do contexto em que nos

propomos a estudá-lo. Partindo do estudo das relações existentes entre os diversos

grupos de acionistas que integram a companhia e a dissociação entre a propriedade

acionária e o poder de comando empresarial, são analisados os direitos individuais

dos acionistas, sobretudo os direitos essenciais (artigo 109 da Lei 6.404/76), que

13

surgem como valoroso instrumento na estabilização das relações de poder internas

na companhia. O prévio estudo das relações de poder existentes entre acionista

controlador e minoria acionária, bem como a análise detalhada dos direitos

essenciais dos acionistas, tornam-se, portanto, de extrema importância no estudo,

não apenas da natureza jurídica do direito do acionista de participar nos lucros

sociais, mas, sobretudo, da possibilidade de sua suspensão por deliberação da

assembléia geral nas hipóteses em que o acionista deixar de cumprir obrigação

imposta pela lei ou pelo estatuto social.

Ao longo do segundo capítulo, é também analisada a discussão existente

em nossa doutrina sobre a abrangência e o significado do direito de participar dos

lucros sociais. Isso porque, enquanto para alguns juristas, o direito de participar nos

lucros sociais se resume aos dividendos; para outros, esse direito é muito mais

amplo, abrangendo não apenas os dividendos, ou seja, os lucros distribuídos, como

também a parcela dos lucros sociais que, muito embora retida na companhia, gera

benefícios econômicos aos acionistas em razão do aumento no valor patrimonial de

suas ações. Ora, buscar uma interpretação adequada a essa questão também é um

dos objetivos do presente trabalho.

O terceiro capítulo destina-se ao estudo dos dividendos que são

analisados não apenas como um direito à distribuição de parte do lucro social, isto é,

um direito ao dividendo por deliberar, mas também como um direito ao pagamento

do dividendo declarado que constitui, consoante entendimento harmônico em nossa

doutrina, num verdadeiro direito de crédito, decorrente da decisão tomada pelo

órgão de administração e pela assembléia geral em distribuir aos acionistas parcela

dos lucros sociais auferidos pela companhia. É estudada a natureza jurídica do

dividendo a deliberar e do dividendo deliberado, bem como a titularidade deste

14

direito que, ora é do próprio proprietário da ação, ora é de terceiro, como no caso do

usufrutuário. Outro aspecto relevante sobre o tema, analisado ao longo do terceiro

capítulo, são os dividendos obrigatórios (artigo 202 da Lei 6.404/76) e os dividendos

preferenciais, fixos, mínimos ou diferenciais, cumulativos ou não cumulativos (artigos

17 e 203 da Lei 6.404/76). Sobre os dividendos preferenciais, com a reforma

realizada pela Lei 10.303, de 2001, tornou-se novamente relevante a questão acerca

da possibilidade do estatuto social não conferir vantagem patrimonial a essa espécie

de ação, sobretudo, quando não for conferido ao seu titular o direito de voto, ou

houver restrição ao exercício desse direito. Trata-se de assunto relevante no estudo

do direito dos acionistas de participar nos lucros sociais, detidamente analisado ao

longo do terceiro capítulo.

Muito embora o escopo dessa dissertação de mestrado não seja a análise

dos aspectos tributários da participação dos acionistas nos lucros sociais e,

conseqüentemente, dos dividendos distribuídos aos acionistas, a análise da

natureza jurídica dos juros pagos ou creditados aos acionistas a título de

remuneração sobre o capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio

líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros a Longo Prazo (Lei

9.249/95), também é objeto de nossas considerações no terceiro capítulo deste

trabalho.

O presente trabalho busca contribuir na interpretação das normas

jurídicas que disciplinam o direito dos acionistas de participar nos lucros sociais, não

se limitando apenas ao âmbito acadêmico, mas também ao profissional, auxiliando

assim os operadores do direito a enfrentarem os problemas práticos relacionados às

questões decorrentes do tema ora estudado.

15

CAPÍTULO 1- APURAÇÃO E DESTINAÇÃO DOS LUCROS SOCIAIS

1 Apuração dos lucros sociais

É inerente às sociedades anônimas a busca do lucro quando da

exploração de seu objeto. Assim, o acionista ao adquirir ou subscrever ações de

uma companhia espera que o investimento nela realizado lhe proporcione um

retorno satisfatório como resultado positivo da empresa explorada.

Em teoria, o lucro no investimento feito pelo acionista somente aparecerá

em caráter definitivo por ocasião da liquidação da sociedade. Lembra Luiz Gastão

Paes de Barros Leães (1969, p. 40) que:

a distribuição periódica aos sócios dos lucros resultantes do giro dos negócios, antes da liquidação final da empresa social, era, em outros tempos, ignorada, de vez que, dentro da perspectiva então vigente, os lucros e os prejuízos só deveriam reputar-se como tais quando, finda a aventura social e dissolvida a sociedade, ambos se revelassem definitivamente, do confronto dos aportes iniciais com o produto da liquidação.

Aos poucos, entretanto, os capitalistas passaram a perceber que as

companhias organizadas para uma única empresa não eram economicamente

eficazes, nem eram suficientemente compensadoras as inversões em bens de ativo

fixo que só se liquidavam à custa de vultosas perdas, de sorte que, gradualmente,

foram as sociedades adquirindo estabilidade e permanência (LEÃES, 1969, p. 41).

Na realidade econômica de nossos dias, a companhia adquiriu um caráter

bastante nítido de permanência no tempo, que torna excepcional a sua liquidação. A

perenidade da empresa, diferindo a apuração do lucro definitivo, implica na

necessidade de mensuração periódica dos resultados parciais e o julgamento,

também periódico, da gestão social (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 513).

16

Deste modo, capital e lucro começaram a ser tratados de forma

diferenciada e o lucro auferido na exploração de uma atividade empresarial passou a

ser apurado em períodos determinados. Para que a apuração periódica se torne

possível, a contabilidade registra, ao longo do tempo, as despesas e as receitas

decorrentes da empresa, até o instante em que se devam totalizar umas e outras,

comparar as primeiras com as segundas e apontar as diferenças verificadas,

positivas ou negativas.

A primeira parte desse Capítulo tem por finalidade analisar

detalhadamente as técnicas e instrumentos utilizados para a apuração dos lucros

sociais, cumprindo-nos, todavia, analisar previamente nos itens 1.1 e 1.2 os diversos

aspectos em que a palavra lucro pode ser empregada, bem como o conceito de

exercício social, noções fundamentais para a compreensão adequada do tema deste

trabalho.

1.1 Lucro social

A análise adequada dos instrumentos utilizados para a apuração dos

lucros auferidos por uma companhia requer a prévia compreensão do exato conceito

de lucro e dos diversos enfoques que lhe podem ser dados.

Pode-se, em um primeiro momento, conceituar lucro social como sendo o

resultado obtido pela sociedade no exercício de sua atividade empresarial que

represente um acréscimo em seu patrimônio. Portanto, haverá lucro quando a

receita auferida pela companhia na exploração de sua empresa for superior aos

custos e despesas por ela suportados.

17

No entanto, o lucro é uma terminologia bastante ampla. A análise apurada

das demonstrações financeiras de uma companhia, especificadamente das

demonstrações de resultado do exercício, fará com que se constate o emprego da

palavra lucro pela técnica contábil sob diversos aspectos, tais como lucro

operacional bruto, lucro operacional líquido, lucro antes do imposto de renda, lucro

depois do imposto de renda e o lucro líquido do exercício. Torna-se necessário o

adequado entendimento de cada um desses aspectos para que possamos

compreender com maior técnica o processo de apuração e posterior destinação dos

lucros sociais.

1.1.1 Lucro operacional bruto

A primeira modalidade de lucro apurada em uma demonstração de

resultado é a do Lucro Bruto. No entanto, para que se possa chegar ao exato

conceito de lucro bruto, é indispensável a análise de outros conceitos contábeis que

o precedem, tais como receita bruta, receita líquida e custo da atividade.

Os recursos obtidos pela companhia com a exploração de sua atividade

constituem sua receita bruta. Observa-se que na apuração da receita bruta de uma

companhia não são desconsideras eventuais devoluções ou cancelamentos

realizados, bem como abatimentos e descontos comerciais concedidos. Somente

depois de realizadas essas deduções, bem como as dos impostos diretos incidentes

sobre a atividade, é que será apurada a receita líquida da companhia.

Neste sentido, ensina José Carlos Marion (2003, p. 117) que:

a receita líquida, que serve de base para o cálculo do lucro bruto, é a receita real da empresa, com a exclusão dos impostos (que “engordam” a receita da companhia, mas são recursos que

18

pertencem ao governo), devoluções, abatimentos e descontos comerciais.

A precisa apuração do lucro bruto do exercício requer seja ainda abatido

da receita líquida da companhia os custos da atividade, que compreendem todos

aqueles gastos suportados pela companhia para a produção ou circulação de bens

ou serviços, conforme seu objeto social1.

Da receita auferida pela companhia com a exploração de sua atividade

empresarial (“receita bruta”), deduzidos os impostos diretos incidentes sobre a

atividade, bem como os cancelamentos de pedidos e abatimentos (“receita líquida”),

serão subtraídos os custos da atividade, sem considerar as despesas administravas,

financeiras e de vendas, apurando-se, assim, o Lucro Operacional Bruto, ou

simplesmente, Lucro Bruto.

1.1.2 Lucro operacional líquido

O Lucro Operacional Líquido, ou simplesmente Lucro Líquido é obtido por

meio da diferença entre o lucro bruto auferido e as despesas operacionais

suportadas pela companhia no exercício de sua atividade.

As despesas operacionais podem ser definidas como sendo os gastos

relacionados à venda dos bens e serviços produzidos ou circulados pela companhia,

também chamados de despesas de vendas, bem como aqueles decorrentes da

1 Os custos da atividade variam conforme a empresa explorada pela companhia. Assim, são custos da atividade de produção de bens aqueles relacionados à matéria prima, energia elétrica consumida, mão de obra empregada. Por sua vez, são custos da atividade de circulação de bens, aqueles relacionados ao preço da mercadoria adquirida para revenda. Já a mão de obra empregada para a execução do serviço e demais insumos consumidos no exercício direto da atividade, são os custos da atividade de prestação de serviços.

19

administração da empresa, ou seja, despesas administrativas, e os necessários ao

financiamento de suas operações, denominados despesas financeiras.

As despesas de vendas representam os gastos de promoção, colocação

e distribuição dos produtos ou serviços da empresa, bem como os riscos assumidos

pela venda, constando dessa categoria as despesas suportadas com o pessoal da

área de vendas, marketing e distribuição, comissões sobre as vendas e publicidade,

gastos estimados com a garantia dos produtos vendidos, perdas estimadas dos

valores a receber, dentre outros. (IUDÍCIBUS; MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 307).

Já as despesas administrativas são aquelas relacionadas aos gastos com

a gestão da empresa, como, por exemplo, remuneração dos administradores da

companhia, materiais de escritório, a depreciação dos móveis e utensílios de uso da

administração, salário e gratificação do pessoal da administração, dentre outros.

Para Sérgio Iudícibus (2000, p. 307) as despesas administrativas

representam os gastos suportados pela companhia para a direção ou gestão da

empresa, e constituem-se de várias atividades gerenciais que beneficiam todas as

fases do negócio ou objeto social. Conforme o citado professor, “constam dessa

categoria itens como honorários da administração (Diretoria e Conselho), salários e

encargos do pessoal administrativo, despesas legais e judiciais, material de

escritório, dentre outros”.

Já as despesas financeiras são os gastos suportados pela companhia

para o financiamento de suas operações, caracterizando-se, conforme José Carlos

Marion (2003, p. 119), “pelas remunerações aos capitais de terceiros, tais como

juros ou incorridos, comissões bancárias, descontos concedidos, juros de mora

pagos, dentre outros”.

20

Ressalte-se ainda que existem certas despesas operacionais que não se

enquadram em nenhuma das categorias acima mencionadas, mas também deverão

ser observadas na apuração do lucro operacional líquido. Pode-se citar como

exemplo de outras despesas operacionais os eventuais prejuízos oriundos de

aplicações em outras sociedades, bem como as despesas tributárias não

relacionadas diretamente à atividade da companhia, tais como IPVA, IPTU. Somente

após deduzidas todas essas despesas operacionais do lucro bruto da companhia, é

que se chega ao seu lucro operacional líquido do exercício.

1.1.3 Lucro antes do Imposto de Renda

Após a apuração do lucro operacional líquido da companhia, dele serão

deduzidas as despesas e acrescidas as receitas não operacionais, obtendo-se assim

o lucro antes do imposto de renda.

A Lei 6.404/76 não fornece detalhes do conteúdo das despesas e receitas

não operacionais. Todavia, em face do conteúdo dos resultados operacionais e

considerando os conceitos complementares contidos na legislação de imposto de

renda aceitos pela Contabilidade, em linhas gerais e exceto por um ou outro tipo

adicional de resultado, somente serão consideradas receitas e despesas não

operacionais, os ganhos e perdas na venda ou baixa de bens do ativo permanente

(IUDÍCIBUS; MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 315).

Neste sentido, para José Carlos Marion (2003, p. 121) as despesas e as

receitas não operacionais compreendem tanto os ganhos e as perdas na venda de

bens que integram o ativo permanente da companhia, tais como veículos, imóveis,

participação societária em outras sociedades, máquinas e equipamentos, como

21

também ganhos e perdas aleatórias, anormais, não orçáveis, tais como as perdas

com geadas e chuvas de granizo na agricultura.

Ressalte-se, entretanto, que a base de cálculo para o Imposto de Renda e

para a Contribuição Social não é exatamente o lucro antes do imposto de renda

(Lair) apurado pela contabilidade, mas o lucro ajustado às disposições da legislação

do Imposto de Renda, que será denominado Lucro Real.

Neste sentido, a legislação tributária, consolidada no Regulamento do

Imposto de Renda, Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, prevê que o Imposto

de Renda a pagar pelas pessoas jurídicas com obrigatoriedade de manter

escrituração contábil é calculado com base no Lucro Real2.

O Lucro Real é apurado no Livro de Apuração do Lucro Real, criado por

nossa legislação com a finalidade de separar a apuração do resultado fiscal da

contabilidade financeira (MARION, 2003, p. 122).

O Lucro Real tem como base o lucro antes do importo de renda (Lair)

acrescido dos custos, despesas, perdas e quaisquer outros valores deduzidos na

apuração do lucro contábil que, de acordo com a legislação do Imposto de Renda,

não são dedutíveis. Por sua vez, para a apuração do Lucro Real, serão também

realizadas as deduções permitidas pela legislação do Imposto de Renda que não

foram subtraídas do lucro contábil até o momento, como prejuízos em exercícios

anteriores, contribuições para instituições ou fundos de assistência ou previdência

de empregados, dentre outras.

2 Ressalta-se que a legislação fiscal atual admite o cálculo do Imposto de Renda a pagar com base no lucro real ou no lucro presumido. Como no lucro presumido a base de cálculo para o Imposto de Renda é fixada no faturamento e não no lucro da companhia, o presente trabalho irá se limitar à análise da apuração do lucro real.

22

1.1.4 Lucro depois do Imposto de Renda

Apurado o Lucro Real, base de cálculo do Imposto de Renda e da

Contribuição Social devidos pela companhia, serão deduzidas do Lucro antes do

Imposto de Renda as provisões para pagamento desses tributos, obtendo-se assim

o Lucro depois do Imposto de Renda.

Ressalte-se, entretanto, que o Lucro auferido após a provisão do imposto

de renda ainda não pode ser considerado como aquele que será colocado à

disposição dos acionistas, representando um verdadeiro acréscimo no patrimônio da

companhia de onde deverão ainda ser deduzidas as participações dos

debenturistas, empregados, administradores e titulares de partes beneficiárias, bem

como as contribuições para instituições ou fundos de assistência ou previdência de

empregados (artigo 187, inciso VI da Lei 6.404/76).

A participação dos debenturistas é uma espécie de despesa financeira

adicional, pois é parte variável da remuneração devida aos titulares desses títulos.

As participações de empregados ou administradores no lucro representam uma

espécie de complemento salarial cujo valor, todavia, é apurado com base no lucro,

não deixando de ser um custo adicional da prestação de serviço recebida pela

companhia. A participação atribuída aos titulares de partes beneficiárias também

representa uma espécie de remuneração por serviços prestados por terceiros.

Assim, nota-se que tais itens poderiam ser tratados como despesas operacionais

pela técnica contábil, mas a Lei das Sociedades por Ações não as classificou dessa

forma (IUDÍCIBUS; MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 317).

No caso das contribuições para instituições ou fundos de assistência ou

previdência de empregados, o texto da Lei 6.404/76 é genérico, podendo entender-

23

se que seriam registradas nessa conta todas as contribuições dessa natureza,

independentemente de seu valor ser ou não apurado em função do lucro do

exercício. Todavia, não teria sentido, nesse caso, estarem juntas com as

participações dos debenturistas, administradores, empregados e titulares de partes

beneficiárias. Por isso, devem ser aqui classificadas tais contribuições somente

quando apuradas por uma porcentagem do lucro, ou pelo menos se dependerem de

sua existência, sendo que as concedidas por valor fixo, por percentual da folha de

pagamento ou por outra forma, devem ser contabilizadas como despesas

operacionais (IUDÍCIBUS; MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 317).

Deste modo, deduzidas as referidas participações e contribuições do

Lucro depois do Imposto de Renda, chega-se finalmente ao Lucro Líquido da

companhia.

1.1.5 Lucro líquido

Trata-se da sobra líquida colocada à disposição dos acionistas que

representa um acréscimo efetivo no patrimônio da companhia. Conforme ensina

José Carlos Marion (2003, p. 126), “após deduzidas do resultado as participações e

contribuições, o que remanescer será o lucro líquido”.

É possível sintetizar a apuração do lucro líquido da companhia, desde a

receita bruta por ela auferida, conforme aqui analisado, no seguinte quadro que

ilustra a demonstração do resultado do exercício.

24

DEMONSTRAÇÃO DO RESULTADO DO EXERCÍCIO “NOME DA COMPANHIA”

DISCRIMINAÇÃO EXERCÍCIO DE [ANO]

RECEITA BRUTA (-)Vendas Canceladas/Abatimentos/Descontos

(-) Impostos Diretos (ISS, IPI, ICMS), PIS e

COFINS

RECEITA LÍQUIDA (-) Custo da Atividade

LUCRO BRUTO OPERACIONAL

(-) Despesas Operacionais

(Despesas de Vendas, Administrativas e

Financeiras)

LUCRO LÍQUIDO OPERACIONAL

(-) Despesas Não Operacionais

(+) Receitas Não Operacionais

LUCRO ANTES DO IMPOSTO DE RENDA - Lair(OU PREJUÍZO)

(-) Provisão para o Imposto de Renda

LUCRO DEPOIS DO IMPOSTO DE RENDA (OU PREJUÍZO)

(-) Participações de Debêntures

(-) Participações de Empregados

(-) Participações dos Administradores

(-) Participações de Partes Beneficiárias

(-) Contribuições e Doações

LUCRO LÍQUIDO DO EXERCÍCIO

LUCRO LÍQUIDO POR AÇÃO DO CAPITAL

Nota-se da análise do referido quadro que a demonstração de resultado

do exercício de uma companhia, nos termos do artigo 187 da Lei 6.404/76, deverá

conter ao final, obrigatoriamente, o Lucro Líquido por Ação do Capital Social obtido

pela divisão do Lucro Líquido auferido pela quantidade de ações em que está

dividido o capital da companhia.

25

Realizada a análise dos diversos aspectos em que a palavra lucro é

aplicada pela técnica contábil, chega-se ao conceito de lucro líquido cuja destinação

será objeto de estudo do presente capítulo.

1.2 Exercício social

Conforme já abordado no item 1.1 acima, muito embora, em teoria, o

retorno do investimento feito pelos acionistas na companhia somente deva aparecer

em caráter definitivo por ocasião da liquidação da sociedade, na prática,

considerando a atual característica das sociedades anônimas que surgem não para

um empreendimento específico, mas sim para a exploração de uma atividade por

período indeterminado, a liquidação da companhia se torna excepcional. Assim, da

necessidade de se definir a periodicidade de apuração do resultado do exercício e,

conseqüentemente, dos eventuais lucros a serem distribuídos aos acionistas da

companhia, surge a noção de exercício social que pode ser definido como sendo o

lapso temporal de um ano, cuja data de término é fixada no estatuto social da

companhia.

Em vista dessas circunstâncias, Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre

Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 513) entendem que:

a sistemática legislativa da generalidade dos povos consagrou o princípio da periodicidade na apuração dos resultados sociais, no julgamento da gestão social e na tributação da renda, tanto da própria sociedade, quanto de seus acionistas.

No entanto, conforme adverte Luiz Gastão Paes de Barros Leães (1969, p. 43):

26

mesmo assente o caráter convencional dessa periodicidade, não se deve reputar o exercício social, para efeito de balanço geral3, como um compartimento estanque. O chamado princípio da autonomia dos exercícios nada mais quer significar que cada exercício social constitui uma unidade contábil e jurídica, produzindo os efeitos que dele decorrem, sem fugir à necessária solidariedade para com os exercícios que o antecedem (e com os exercícios que lhe sucederão), já que sempre subsiste um nexo de ligação entre eles, decorrente do entrosamento das operações sociais e das sobreposições intercorrentes que se transmitem para os novos exercícios.

No Brasil, já em 1850, o nosso Código Comercial, em seu artigo 10, nº 4,

impunha a todos os comerciantes, a obrigação de levantar anualmente um balanço

geral do seu ativo e passivo, o qual deveria compreender todos os bens de raiz,

móveis e semoventes, mercadorias, dinheiro, papéis de crédito e qualquer outra

espécie de valores, bem como todas as dívidas e obrigações devidas. Surge assim a

noção de exercício social, como o período de tempo compreendido entre um e outro

balanço geral (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 514).

O Decreto Lei 2.627, de 1940, não estabelecia de modo expresso o

período de duração de um exercício social, exigindo, tão somente, em seu artigo 129

que, ao final de cada ano ou exercício social, fosse levantado um balanço geral para

a verificação dos lucros ou prejuízos da companhia. Assim, a análise sistemática do

artigo 129 do Decreto Lei 2.627/40 e das regras então vigentes do Código Comercial

de 1850, consolidou o entendimento de que o exercício social seria o período de

tempo compreendido entre um e outro balanço geral, ou seja, o período de 12

meses.

Neste sentido, ao comentar o artigo 129 do Decreto Lei 2.627/40, Trajano

de Miranda Valverde (1953, v. 2, p. 355) afirma que “o ano é o espaço de tempo ou

período máximo, fixado na lei, para a apuração, no seu termo, dos lucros ou 3 Em virtude da conceituada obra escrita pelo professor Luiz Gastão Paes de Barros Leães ter sido elaborada durante a vigência do revogado Decreto Lei 2.627/40, deve-se tomar balanço geral como as demonstrações financeiras do exercício previstas na atual Lei das Sociedades Anônimas.

27

prejuízos ocorridos na exploração do objeto social”. Isso porque, o artigo 10, nº 4 do

Código Comercial dispunha que todo o comerciante seria obrigado a formar

anualmente balanço geral de seu ativo e passivo, significando a palavra balanço

para o citado jurista, tanto sob o ponto de vista contábil, como sob o ponto de vista

jurídico, “o resultado da verificação dos valores ativos e passivos de um patrimônio,

em dado momento, sendo a demonstração clara e sincera da situação da

sociedade” (VALVERDE, 1953, v. 2, p. 355).

A atual Lei das Sociedades Anônimas, Lei 6.404/76, estabelece no artigo

175 que o exercício social terá duração de um ano e a data do término será fixada

no estatuto social. Para Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro

(1979, v. 2, p. 514):

a disposição em questão comporta dois preceitos. O primeiro preceito define a periodicidade das operações sociais, fixando-a em base anual, não se requerendo que o exercício social corresponda ao ano calendário. Já o segundo preceito firma o princípio de que a data do término do exercício deve ser objeto de previsão estatutária, o que significa que qualquer alteração nessa data importa em alteração dos atos constitutivos da companhia, o que é da exclusiva competência da Assembléia Geral.

Ressalta-se que o estatuto social fixará o término do exercício social em

data livremente escolhida pelos acionistas. Conforme Fabio Ulhoa Coelho “qualquer

período ânuo serve às finalidades societárias, mesmo que não coincida com o ano

civil4”. Segundo o citado jurista, “para uma sociedade anônima que explora comércio

varejista, como loja de departamento, o mais oportuno seria, muitas vezes, postergar

o término do exercício social para 31 de janeiro, dada a proximidade entre o Natal e

o fim do ano civil” (2002, v. 2, p. 324).

4 Observa-se que, ao contrário da legislação societária, o direito tributário determina ser o ano civil o período de apuração dos resultados da companhia. Logo, se a sociedade anônima fixar data de encerramento do exercício social diverso de 31.12, deverá levantar demonstrações financeiras em duas ocasiões distintas.

28

No entanto, conforme excetua Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 617):

a liberdade de escolha não prevalecerá nos casos de atividades que, por força de lei especial, estiverem obrigadas a encerrar o exercício social em data determinada, tal como ocorre com as instituições financeiras que encerrarão o exercício social a 31 de dezembro.

Não há vedação legal quanto à fixação do término do exercício social em

data móvel, tal como, o último dia do mês de fevereiro, ou o último dia útil do ano.

Todavia, como bem observa Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 617):

a fixação do termo do exercício social em data móvel só parece ser possível quando dela não resultar em exercício com duração de mais de um ano, visto que o parágrafo único do artigo 175 da Lei 6.404/76 só admite essa hipótese excepcional em caso de constituição de companhia ou de alteração estatutária.

Assim, prossegue o citado jurista:

não será lícito determinar que o encerramento do exercício ocorra, por exemplo, no último dia do mês subseqüente ao mês em que houver ocorrido o encerramento do exercício anterior, de tal modo que o primeiro exercício se encerraria, por exemplo, em 31 de janeiro, o segundo, em 28 de fevereiro, o terceiro, em 31 de março e assim por diante.

Entretanto, em certas circunstâncias excepcionais, admite-se que o

exercício social de uma companhia tenha duração diversa de um ano. Nos termos

do artigo 175, § único da Lei 6.404/76, o exercício social poderá ter duração diversa,

na constituição da companhia e nos casos de alteração estatutária.

Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 617), “na constituição da

companhia e nos casos de alteração estatutária para mudar o termo do exercício

social, a duração poderá, excepcionalmente, ser inferior ou superior a doze meses”.

Neste mesmo sentido, para José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 432)

“se admite o primeiro exercício social superior ou inferior a um ano, a fim de

29

adequar-se o exercício normal da sociedade ao período que se pretende, o mesmo

acontecendo quando o estatuto é alterado com objetivo de mudar o exercício”.

Logo, se uma companhia é constituída em 1º de maio e tem o término de

seu exercício social fixado em 31 de dezembro, o primeiro exercício social terá

duração de apenas 8 meses, sendo assim inferior ao período de 12 meses previsto

como regra geral no caput do artigo 175 da Lei 6.404/76. Por sua vez, o exercício

social de uma companhia poderá ser superior a 12 meses, se os acionistas, em

Assembléia Geral realizada em 30 de novembro, resolverem alterar o estatuto para

transferir de 31 de dezembro para 31 de julho termo do exercício social. Nesta

hipótese, no ano da alteração, o exercício social compreenderá o período de 18

meses, sendo assim superior ao período de 12 meses previsto como regra geral no

caput do artigo 175 da Lei 6.404/76.

O encerramento do exercício demonstrará a situação patrimonial e

financeira da companhia em uma determinada data, revelando como se comportou a

empresa durante o período decorrido desde o encerramento imediatamente anterior.

A fixação do termo do exercício social representa, conforme Egberto Lacerta

Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 515):

uma exigência de ordem prática, não devendo ser entendida como um estancamento dos negócios sociais, e sim, como um instante do giro da companhia, destinado a permitir que se acompanhe sua evolução patrimonial, sua capacidade lucrativa e a eficiência de sua administração.

Para tanto, cumpre a Diretoria elaborar, ao término de cada exercício

social, as demonstrações financeiras da companhia, exprimindo com clareza a

situação do patrimônio e as mutações ocorridas no exercício.

30

1.3 Demonstrações financeiras

Como próprio nome já indica, as demonstrações financeiras são

documentos contábeis que têm a finalidade de revelar, de demonstrar a vida

financeira da sociedade no período considerado. Assim, esses documentos

contábeis retratam a saúde econômica e patrimonial da sociedade a todos aqueles

que tenham interesses na companhia, sejam os seus acionistas, sejam terceiros

que transacionem ou que pretendam transacionar com a sociedade.

Logo, as demonstrações financeiras permitem uma avaliação bastante

circunstanciada da empresa tanto sob o aspecto patrimonial, quanto no que

concerne a índices de liquidez, nível de lucratividade e grau de endividamento

(BORBA, 2004, p. 433).

A divulgação das demonstrações financeiras ganhou importância com a

institucionalização do mercado de capitais. Isso porque é imprescindível que os

investidores em potencial conheçam, na extensão possível, as perspectivas que lhes

oferecem as companhias (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 516).

Muito embora os dispositivos contidos na Lei das Sociedades Anônimas

quanto às demonstrações financeiras se apliquem tanto às companhias de capital

fechado, como às companhias de capital aberto, essas últimas deverão ainda

observar regras específicas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários com o

escopo de assegurar o full disclousure ao público investidor em geral.

Neste sentido, afirmam Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares

Guerreiro (1979, v. 2, p. 516) que:

a especial atenção do legislador volta-se inegavelmente para as demonstrações financeiras das companhias abertas que, a par das normas constantes da lei, já bastante exigentes, deverão ainda observar preceitos especiais expedidos pela

31

CVM com o objetivo de propiciar a chamada full disclousure, ou seja, a abertura integral da realidade societária ao público investidor. A full discousure há de se operar sob as mais diversas modalidades e mediante variados dispositivos que objetivam trazer para a luz do dia os dados necessários à perfeita informação do mercado.

Nos termos do artigo 176 da LSA, são quatro as demonstrações

financeiras exigidas pela LSA: (a) balanço patrimonial; (b) demonstração do

resultado do exercício; (c) demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados; e (d)

demonstração das origens e aplicações dos recursos.

1.3.1 Balanço patrimonial

O balanço patrimonial pode ser conceituado como sendo um documento

contábil que tem por finalidade retratar a situação patrimonial da companhia em

determinado momento, mensurando e descrevendo o seu ativo (conjunto de bens e

direitos), passivo (conjunto de obrigações) e patrimônio líquido.

Trata-se da mais importante das demonstrações financeiras, pois funciona

como uma espécie de radiografia da sociedade (BORBA, 2004, p. 433). A relevância

de tal peça contábil é tamanha que tanto o Código Comercial (artigo 10, nº V), como

o Decreto Lei 2.627/40 (artigo 129), a ela já se referiam como Balanço Geral.

O balanço patrimonial, juntamente com as demais demonstrações

financeiras, deve ser levantado anualmente. Trata-se, essencialmente, de um

documento sintético, que demonstra a situação do patrimônio social de maneira

estática, ou seja, em um momento determinado. Daí, muitos entenderem, conforme

afirmam Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 257),

que “o balanço é um documento de expressão relativa, o que não deixa de ser

32

verdadeiro, sobretudo se for considerada uma série de fatores que dele podem

retirar o caráter de precisão absoluta”.

Neste sentido, ressalta Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 618) que, “ao

exigir um único balanço anual, a lei confere à posição demonstrada no balanço uma

presunção de imutabilidade que os valores ali apresentados efetivamente não têm”.

De fato, prossegue o citado jurista:

os elementos que compõem o patrimônio de uma empresa em pleno funcionamento estão em constante mutação: a matéria prima transforma-se em produto industrializado, este é substituído pelo crédito, o crédito é transformado em dinheiro, e assim por diante. A posição estática apresentada no balanço reflete o estado do patrimônio social num dado momento.

De qualquer modo, inegável é a relevância desse documento contábil que

deve compreender os elementos ativos e passivos da companhia, agrupados em

contas. Essas contas são classificadas segundo os elementos do patrimônio que

registrem, e agrupadas de modo a facilitar o conhecimento e a análise da situação

financeira da companhia, conforme disposto no artigo 178 da Lei 6.404/76.

As contas do ativo, dispostas em ordem decrescente de grau de liquidez

dos elementos nelas registrados (artigo 178, § 1º da Lei 6.404/76), retratam todos os

bens e direitos que integram o patrimônio de uma companhia. Com base nesse

critério, os grupos de contas do ativo são registrados no balanço patrimonial da

companhia na seguinte ordem: (a) ativo circulante; (b) ativo realizável a longo prazo;

e (c) ativo permanente, dividido em investimentos, imobilizado e diferido.

O ativo circulante representa o grupo de contas com maior liquidez,

compreendendo as disponibilidades imediatas, os direitos e créditos realizáveis até o

término do exercício seguinte e as aplicações de recursos em despesas do exercício

seguinte (artigo 179, inciso I da Lei 6.404/76).

33

Entende-se por disponibilidades tudo aquilo que a companhia pode lançar

mão imediatamente, como, por exemplo, dinheiro em caixa e em bancos, cheques e

outros títulos com livre movimentação para aplicação nas operações da companhia e

para os quais não haja restrições para o uso imediato.

Já os direitos realizáveis até o término do exercício seguinte

compreendem aqueles créditos que serão transformados em dinheiro ao longo do

ciclo operacional da companhia5, ressaltando-se que nas companhias em que o ciclo

operacional tiver duração maior que o exercício social, a classificação do crédito

como ativo circulante terá por base o prazo desse ciclo e não o período do exercício

social. Conforme exemplifica Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares

Guerreiro (1979, v. 2, p. 529):

Na fabricação de máquinas e equipamentos de grande porte, o ciclo operacional da empresa poderá exceder um exercício, considerado como o período completo de doze meses. Nessa hipótese, o término do exercício social poderá não servir de parâmetro para a classificação de elementos ativos no circulante ou no longo prazo.

Também são incluídas no ativo circulante as aplicações de recursos em

despesas do exercício seguinte. Trata-se de pagamentos realizados pela companhia

por despesas ainda não incorridas, gerando assim um crédito em favor da

sociedade.

O ativo realizável a longo prazo é o segundo grupo de contas com maior

liquidez registrado no balanço patrimonial da companhia, compreendendo os direitos

realizáveis após o término do exercício seguinte, à exceção da hipótese de

companhia cujo ciclo operacional seja maior que o exercício social, bem como os

5 Observa-se que a lei não define ciclo operacional. Assim, para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 661), “por ciclo operacional entende-se o período que decorre desde as aplicações iniciais de recursos, no processo de produção, até o retorno desses recursos mediante a cobrança do preço do produto vendido”.

34

derivados de vendas, adiantamentos ou empréstimos6, independentemente do

tempo de sua realização, a sociedades coligadas ou controladas, diretores,

acionistas ou participantes no lucro da companhia, desde que não decorram de

negócios usuais na exploração do objeto da companhia (artigo 179, inciso II da Lei

6.404/76).

Neste sentido, ensina Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 662) que a

classificação no ativo realizável a longo prazo obedece a dois fatores. O primeiro

fator é o tempo, classificando-se em tal grupo de contas os direitos que só serão

transformados em dinheiro após o término do exercício seguinte (período de 12

meses), ou após o ciclo operacional da companhia quando este ultrapassar 12

meses. O segundo fator está relacionado à condição do devedor, classificando-se

como realizável a longo prazo os créditos derivados de vendas, adiantamentos ou

empréstimos que não constituírem negócios usuais na exploração do objeto da

companhia, independentemente do prazo de realização, quando feitos a sociedades

coligadas ou controladas, diretores, acionistas ou participantes no lucro da

companhia.

Por fim, o ativo permanente é o último grupo de contas registrado no

balanço patrimonial da companhia, sendo dividido em: (a) investimentos, que

compreendem as participações permanentes da companhia em outras sociedades e

os direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo circulante e que não se

destinem a manutenção da atividade da empresa; (b) imobilizado, que compreende

os direitos que a companhia tem sobre bens destinados à manutenção das

atividades da empresa, ou exercido com essa finalidade, inclusive os direitos de

propriedade industrial; e (c) diferido, que compreende as aplicações de recursos em 6 Ressalta-se que, em se tratando de instituições financeiras, será vedado adiantamentos ou empréstimos a sociedades coligadas ou controladas, diretores, acionistas ou participantes no lucro da companhia, conforme artigo 34 da Lei 4.595/64.

35

despesas que contribuirão para a formação do resultado de mais de um exercício

social, tais como despesas com publicidade e propaganda da companhia.

As contas do passivo, dispostas em ordem decrescente de grau de

liquidez dos elementos nelas registrados (artigo 178, § 2º da Lei 6.404/76), retratam

todas as dívidas e obrigações que integram o patrimônio de uma companhia, seja

em relação a terceiros, seja em relação aos seus sócios. Com base nesse critério,

os grupos de contas do passivo são registrados no balanço patrimonial da

companhia na seguinte ordem: (a) passivo circulante; (b) passivo exigível a longo

prazo; (c) resultados de exercícios futuros; e (d) patrimônio líquido, dividido em

capital social, reservas de capital, reservas de reavaliação, reservas de lucros e

lucros ou prejuízos acumulados.

As obrigações da companhia junto a terceiros são demonstradas no

passivo exigível que é composto pelo grupo de contas que integram o passivo

circulante e o passivo exigível a longo prazo (artigo 180 da Lei 6.404/76).

O passivo circulante compreende as obrigações da companhia, inclusive

financiamentos para aquisição de direitos do ativo permanente, com vencimento até

o exercício social seguinte. Já o passivo exigível a longo prazo compreende as

obrigações da companhia com vencimento em prazo maior, à exceção da hipótese

de companhia cujo ciclo operacional seja maior que o exercício social. Infere-se do

exposto que a classificação das obrigações no passivo circulante e no passivo

exigível a longo prazo obedece aos mesmos critérios de classificação do ativo

relativos ao prazo de vencimento das obrigações, inclusive no que concerne ao ciclo

operacional da companhia.

De acordo com Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro

(1979, v. 2, p. 532), “o critério de distinção entre o passivo circulante e o passivo

36

exigível a longo prazo repousa no prazo de vencimento das obrigações da

companhia, conforme se dê no exercício seguinte ou em maior lapso de tempo”.

Trata-se, segundo os citados juristas, “da mesma idéia que norteou o legislador ao

traçar o limite entre o ativo circulante e o ativo realizável a longo prazo”.

Os resultados de exercício futuro também correspondem a um dos grupos

de conta do passivo registrado no balanço patrimonial da companhia. Trata-se de

receitas recebidas antecipadamente que, subtraídas dos custos e despesas a elas

correspondentes, contribuirão para o resultado de exercícios futuros. Assim, em

razão do princípio contábil da Realização da Receita, a companhia não pode

reconhecer receita antes da prestação do serviço correspondente, ou da entrega do

produto ou mercadoria objeto da venda. Entretanto, para José Carlos Marion (2003,

p. 373), “embora a receita recebida antecipadamente não contribua para o resultado

do atual exercício, há, paralelamente, uma apuração de resultado que contribuirá

para formação de resultado de futuros exercícios”.

O patrimônio líquido é o último grupo de contas do passivo registrado no

balanço patrimonial da companhia, compreendendo as seguintes contas: (a) capital

social; (b) reservas de capital; (c) reservas de reavaliação; (d) reservas de lucros; e

(e) lucros ou prejuízos acumulados.

O grupo de contas patrimônio líquido substitui, na atual sistemática

adotada pela Lei 6.404/76, o antigo passivo não exigível que por representar,

sobretudo, as obrigações da companhia junto aos seus sócios, recebeu tal

designação em contraposição ao passivo exigível que, conforme já analisado,

constitui um grupo de contas que ainda hoje representava as obrigações da

companhia perante terceiros.

37

A conta capital social discriminará o montante subscrito e, por dedução, a

parcela ainda não realizada. Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 671), “a conta

capital é a expressão monetária da contribuição que os acionistas se obrigam a

trazer para a formação do acervo necessário à realização do objeto social”. A conta

capital deverá demonstrar o montante do capital subscrito, a parcela ainda não

realizada e o montante do capital efetivamente integralizado.

A conta reserva de capital, analisada de modo mais detalhado na

segunda parte deste Capítulo (item 1.5.3 infra), distingue-se claramente das

reservas de lucro, muito embora os valores recebidos a esse título também

aumentem o patrimônio da companhia. A conta de reservas de capital será

composta: (a) pelo ágio decorrente da emissão e subscrição de ações, ou seja, pela

contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor nominal ou, na hipótese

de emissão de ações sem valor nominal, pela contribuição que ultrapassar a

importância destinada à formação do capital social, inclusive nos casos de

conversão em ações de debêntures ou partes beneficiárias; (b) pelo produto da

alienação de partes beneficiárias ou bônus de subscrição; (c) pelo prêmio recebido

na emissão de debêntures; e (d) pelas doações e subvenções7 para investimento.

A conta de reservas de reavaliação compreende a contrapartida

decorrente do acréscimo do valor dos bens incorporados ao patrimônio da

companhia, em razão de uma nova avaliação realizada por empresa especializada

ou por três peritos contábeis (item 1.5.4 infra). Observa-se que somente se for

realizado o valor da reavaliação é que o montante correspondente da reserva

poderá ser computado como lucro para efeito de distribuição de dividendo ou de

participações (artigo 187, §2º da Lei 6.404/76). 7 As subvenções para investimento são as ajudas ou auxílios pecuniários, concedidos pelo Estado, nos termos da legislações específica, em favor de companhias que prestam serviços ou realizam obras de interesse público (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 677).

38

Por fim, as reservas de lucros são contas do patrimônio líquido

constituídas pela apropriação de lucros da companhia. As reservas de lucro, grande

relevância para o presente trabalho, serão analisadas de modo detalhado na

segunda parte deste Capítulo (item 1.4.7 infra).

1.3.2 Demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados

Apenas uma parte do Lucro Líquido é distribuída para os acionistas da

companhia na forma de dividendos. A maior parte, em regra, é retida na companhia

e reinvestida na empresa explorada. O lucro retido na companhia pode ser utilizado

de várias maneiras. Pode ser utilizado para aumentar o capital social, ou ainda ser

destinado a algum fim específico, hipótese em que será tratado como uma Reserva

de Lucro (item 1.4.7 infra). Por sua vez, a parte do lucro não distribuída aos

acionistas e não utilizada para aumento de capital ou para a constituição de reservas

de lucro será acumulada em uma conta do patrimônio líquido denominada Lucros

Acumulados.

Em regra, os lucros acumulados são remanescentes de lucro sem fim

específico, sem destino certo, em suspenso. Portanto, os lucros acumulados

deverão ser adicionados ao lucro líquido do próximo exercício, para, em conjunto

com aquele, participar de uma nova distribuição. Daí a expressão Demonstração de

Lucros ou Prejuízos Acumulados significar o lucro líquido do exercício acrescido pelo

remanescente de lucro que não teve uma destinação específica no exercício

anterior. Da mesma forma, se a companhia, ao invés de lucro, estiver apresentando

prejuízos de outros exercícios, esses prejuízos serão acumulados e retratados na

Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados (MARION, 2003, p.158).

39

Neste sentido, para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2 p. 324) “a

demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados revela, partindo do saldo do início

do exercício, a parte do resultado positivo não distribuído aos acionistas, ou do

negativo não absorvido pela companhia”.

Ocorre que, muitas vezes, os lucros acumulados ao final de um exercício

social sofrem acréscimos ou deduções ao longo do exercício seguinte. Assim,

através das Demonstrações de Lucros ou Prejuízos Acumulados, os acionistas

poderão observar claramente os fatores responsáveis por essa variação. Para tanto,

as Demonstrações de Lucros ou Prejuízos Acumulados deverão discriminar os

seguintes elementos: (a) o saldo do início do período, os ajustes de exercícios

anteriores8 e a correção monetária do saldo inicial; (b) as reversões de reservas e o

lucro líquido do exercício; e (c) as transferências para reservas, os dividendos, a

parcela dos lucros incorporada ao capital e o saldo ao fim do período (artigo 186 da

Lei 6.404/76).

Note-se que o Decreto Lei 2.627/40 exigia apenas a demonstração do

resultado do ano, ou seja, o balanço geral; não pedia que se divulgassem

informações sobre o destino do lucro ou prejuízo acumulado no início do exercício

social. Deste modo, sendo o balanço a demonstração de uma posição estática, o

leitor ficava sem saber por que o valor do lucro ou prejuízo acumulado no início do

exercício (balanço do exercício anterior) era diferente do demonstrado ao final do

exercício. Não raro, o lucro acumulado era totalmente distribuído ou utilizado e

nenhuma informação era prestada pelas demonstrações financeiras

(CARVALHOSA, 2003, v. 3, p.727).

8 Nota-se que como ajustes de exercícios anteriores serão considerados apenas os decorrentes de efeitos de mudança de critério contábil, ou da retificação de erro imputável a determinado exercício anterior, e que não possam ser atribuídos a fatos subseqüentes.

40

Neste sentido, afirma Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares

Guerreiro (1979, v. 2, p. 541) que:

através dessas demonstrações financeiras, objetiva-se dar conhecimento dos eventos que mediaram entre o início e o fim do exercício social, tomando-se como ponto de referência os resultados de exercícios anteriores e seus efeitos sobre o período considerado. Com essa demonstração fica o acionista habilitado a analisar a evolução da vida da companhia durante o exercício, sem se limitar, entretanto, aos dados do balanço patrimonial, que se refere a uma posição estática, ao fim do mesmo exercício.

O parágrafo 6º do artigo 202, introduzido Lei 10.303, de 2001, determina

que os lucros não destinados à constituição de reservas, nos termos dos artigos 193

a 197, deverão ser distribuídos como dividendos. Tal dispositivo, conforme Modesto

Carvalhosa (2003, v. 3, p. 729), impede a reiterada prática por parte das companhias

de reter lucros injustificadamente, sob a conta usualmente denominada “lucros

acumulados”. Esse novo dispositivo acrescido pela lei de 2001, explica Modesto

Carvalhosa, veio consagrar o entendimento da Comissão de Valores Mobiliários,

obrigando a companhia a distribuir, como dividendo, todo o lucro que exceder às

retenções legalmente previstas. Trata-se de norma que visa a reforçar o direito do

acionista de receber dividendos, na medida em que toda e qualquer retenção de

lucros terá de ser adequadamente justificada na assembléia geral ordinária.

1.3.3 Demonstração do resultado do exercício

A demonstração do resultado do exercício, por sua vez, “destina-se a

apresentar o processo de formação do resultado, desde a receita bruta até o lucro

líquido final” (BORBA, 2004, p. 435) ou, no dizer de Américo Oswaldo Campligia

41

(1978, p.183), é “a medida do desempenho econômico” da companhia apurada

durante o exercício social.

Os principais elementos discriminados na demonstração de resultado do

exercício, tais como, receita bruta, receita líquida, custo da mercadoria e serviços

vendidos, lucro operacional bruto, lucro operacional líquido, lucro antes do imposto

de renda, lucro líquido do exercício, dentre outros, foram detidamente estudados

quando da análise do conceito de lucro social através dos diversos enfoques que lhe

podem ser atribuídos pela técnica contábil na apuração do resultado do exercício

(item 1.1 supra).

Pode-se concluir que essa demonstração financeira tem por escopo

apresentar, de modo detalhado, o processo de apuração do resultado da companhia

ao longo do exercício social.

1.3.4 Demonstração das origens e aplicações de recursos

Várias denominações têm sido atribuídas a esta demonstração financeira.

A mais usual é Demonstração Fluxo de Fundos (Funds Flow Statement), sobretudo,

nos Estados Unidos. Outra, menos comum, é Demonstração de Fontes e Usos de

Capital de Giro Líquido. Em certas situações é conhecida também como

Demonstração das Modificações na Posição Financeira. Todavia, com a Lei

6.404/76, consolidou-se o emprego da denominação Demonstração de Origens e

Aplicações de Recursos – Doar (MARION, 2003, p. 455).

A demonstração das origens e aplicações de recursos indica modificações

na posição financeira da companhia, mediante a análise da origem dos recursos que

42

financiaram o acréscimo do ativo circulante, ou através da verificação da destinação

dos recursos, na hipótese de redução do capital circulante.

As origens de recursos são representadas pelos aumentos no capital

circulante líquido da companhia, e as mais comuns são as decorrentes: (a) das

próprias operações da companhia, em razão do lucro do exercício, acrescido de

depreciação, amortização ou exaustão e ajustado pela variação nos resultados de

exercícios futuros; (b) dos acionistas, em razão da integralização do capital social, já

que tais recursos aumentam as disponibilidades da empresa e, conseqüentemente,

seu capital circulante líquido; e (c) de terceiros, por empréstimos obtidos pela

companhia, pagáveis a longo prazo, bem como por recursos oriundos da venda de

bens do ativo permanente, ou pela transformação do realizável a longo prazo em

ativo circulante.

Neste sentido, conforme José Carlos Marion (2003, p. 462), “entende-se

por Origem toda operação que aumente o Capital Circulante Líquido”. Assim,

prossegue o citado professor, “a obtenção de recursos por meio de financiamento a

longo prazo, o aumento do Capital em dinheiro e a venda de itens do ativo

permanente (investimento e imobilizado) são exemplos de origens de recursos”.

Por sua vez, as aplicações de recursos são representadas pelas

diminuições do capital circulante líquido da companhia, e as mais comuns são as

decorrentes de: (a) inversões permanentes derivadas da aquisição de bens do ativo

imobilizado, aquisição de novos investimentos permanentes em outras sociedades e

a aplicação de recursos no ativo diferido; (b) pagamento de empréstimos a longo

prazo, pois, assim como a obtenção de um novo financiamento representa uma

origem, sua liquidação significa uma aplicação; e (c) remuneração dos acionistas,

derivada dos dividendos distribuídos.

43

Observa-se que as demonstrações das origens e aplicações de recursos

deverão discriminar os saldos, no início e no fim do exercício, do ativo e do passivo

circulantes, o montante do capital circulante líquido e o seu aumento ou redução

durante o exercício (artigo 188, inciso IV da Lei 6.404/76).

Trata-se de um conjunto de informações de extrema relevância para o

acionista empreendedor, investidores e terceiros que transacionem com a

companhia, pois facilita a análise da situação financeira da companhia, permitindo a

verificação imediata do grau de endividamento da sociedade e de suas perspectivas

de liquidez.

A demonstração das origens e aplicações de recursos é um documento

contábil obrigatório para todas as sociedades anônimas de capital aberto e para as

sociedades anônimas de capital fechado com patrimônio líquido, na data do balanço,

superior a R$1.000.000,00 (um milhão de reais)9.

Ressalta-se, contudo, que o Brasil, seguindo uma tendência mundial,

deverá substituir em breve a Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos

pela Demonstração de Fluxos de Caixa – DFC, cujo objetivo primário é prover

informações relevantes sobre os pagamentos e recebimentos, em dinheiro, de uma

companhia, ocorridos durante um determinado período (IUDÍCIBUS; MARTINS;

GELBCKE, 2000, p. 337).

Uma vez elaboradas as demonstrações financeiras da companhia, os

administradores deverão colocá-las à disposição dos acionistas, juntamente com o

relatório da administração e, se houver, parecer dos auditores independentes e do

conselho fiscal. Esses documentos deverão ser disponibilizados aos acionistas com

antecedência de, pelo menos, 01 (um) mês da data de realização da assembléia

9 Trata-se limite previsto na artigo 176, §6º da Lei 6.404/76 que foi atualizado pela Lei 9.457, de 05/05/1997.

44

geral ordinária que sobre eles deliberará, devendo ainda, nos termos do artigo 133,

§3º da Lei 6.404/76, ser publicados na imprensa oficial nos 05 (cinco) dias anteriores

à data de realização da referida assembléia. Observadas essas formalidades legais,

os acionistas poderão se reunir em Assembléia Geral e, dentre outras assuntos,

deliberar sobre as demonstrações financeiras do exercício, bem como realizar a

destinação do resultado da companhia.

1.4 Destinação dos lucros sociais

1.4.1 Resultado do exercício e sua destinação

O desempenho econômico da companhia durante o exercício social é

apurado pelos administradores através da elaboração da demonstração dos

resultados do exercício. Trata-se, conforme analisado (item 1.3.3 supra), de

documento contábil em que os administradores, partindo da receita bruta obtida pela

companhia, detalham os lançamentos contábeis decorrentes da exploração da

atividade, tais como deduções, custos, despesas e receitas operacionais e não

operacionais, até chegar ao resultado do exercício que poderá ser positivo na

hipótese de lucro, ou negativo, quando verificado prejuízo pela companhia.

Para Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 2,

p. 557), “lucro corresponde ao resultado positivo da exploração da atividade

econômica pela sociedade, entendendo-se esse resultado positivo como a diferença

entre a receita gerada e as despesas incorridas na operação social”.

Observa-se, entretanto, que os bons resultados em determinado exercício

não significam necessariamente bons dividendos, pois, da apuração dos resultados

45

espelhados na demonstração de que trata o artigo 187 da Lei nº 6.404/76, até a

concreta distribuição de dividendos aos acionistas, desdobra-se um complexo

processo que envolve uma série de deduções até que se chegue ao conceito de

lucro líquido (item 1.1.5 supra) e uma série de considerações até que se chegue ao

momento da efetiva distribuição de dividendos.

Assim, do resultado do exercício, nenhuma participação ou reserva será

constituída, tampouco dividendos serão distribuídos aos acionistas, sem que se

realize a provisão para o pagamento do imposto de renda (“IRPJ”) e da contribuição

social sobre o lucro líquido (“CSLL”), devendo o saldo remanescente absorver

obrigatoriamente os prejuízos acumulados de exercícios anteriores. Para Modesto

Carvalhosa (2003, v. 3, p. 773):

é de todo ilegal a decisão de distribuir resultados positivamente apurados num exercício se houve resultados negativos acumulados nos anteriores, que se equivalham ou mesmo superem o lucro do exercício mais recente. A situação do lucro, ou da perda da companhia, não se fraciona nem se isola de exercício para exercício. Apenas por razões práticas existe uma verificação periódica dos lucros e das perdas. Porém, esse princípio da anualidade da verificação dos resultados sociais não prevalece para a distribuição de dividendos. Estes somente podem ser distribuídos se a situação acumulada dos diversos exercícios anteriores da companhia apresentarem resultado positivo em relação ao capital social.

A comparação entre a Demonstração do Resultado do Exercício e a

Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados “constituí o primeiro momento do

processo de determinação da lucratividade concreta da companhia do exercício

considerado” (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 560).

É evidente que essas deduções se darão apenas quando o resultado do

exercício social for positivo, ou seja, quando for apurado lucro pela companhia. Isso

porque, na hipótese de prejuízo, este será obrigatoriamente absorvido pelos lucros

46

acumulados, pelas reservas de lucros e pela reserva legal, nessa ordem (artigo 189,

parágrafo único, da Lei nº 6.404/76). Todos os valores positivos registrados pela

companhia em períodos precedentes, representativos de acréscimos patrimoniais

decorrentes da exploração de sua atividade empresarial, uma vez não distribuídos,

ou seja, retidos pela companhia, servirão para compensar os prejuízos verificados

em exercícios subseqüentes.

Entretanto, sendo positivo o resultado do exercício e realizadas as

deduções previstas no “caput” do artigo 189 da Lei nº 6.404/76, serão calculadas

sobre o saldo remanescente do lucro do exercício as participações dos

debenturistas, empregados, administradores e titulares de partes beneficiárias10

(artigo 190 da Lei nº 6.404/76). Trata-se de participações possíveis e não de

participações obrigatórias, somente se efetivando quando previstas nos estatutos e

sob as condições aí estabelecidas, respeitadas a ordem e a sucessividade

determinadas pela lei (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 560). Após a dedução

dessas participações, o saldo remanescente constituirá o lucro líquido do exercício

(artigo 191 da Lei nº 6.404/76).

Aos administradores cabe apresentar à Assembléia Geral Ordinária,

juntamente com as demonstrações financeiras do exercício, proposta sobre a

destinação do lucro líquido da companhia, observado o disposto nos artigos 193 a

203 da Lei 6.404/76. Tanto as demonstrações financeiras, como a proposta de

destinação do resultado, serão elaboradas presumindo-se a aprovação da

Assembléia Geral (artigo 176, §3º da Lei nº 6.404/76). Na hipótese da não

aprovação da proposta de destinação dos lucros, as modificações aprovadas pelos

10 Partes Beneficiárias são títulos negociáveis, sem valor nominal e estranhos ao capital social, emitidos pelas sociedades anônimas de capital fechado que conferem aos seus titulares direito de crédito eventual contra a companhia, consistente na participação nos lucros anuais.

47

acionistas constarão em ata (artigo 134, §4º da Lei nº 6.404/76), sendo nessa

hipótese dispensada nova publicação das demonstrações financeiras.

Ocorre que, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 326), “a

companhia não é inteiramente livre para decidir sobre a destinação de seu

resultado”. De um lado, está sujeita à observância das normas legais e estatutárias

que obrigam a distribuição de parte dos lucros sociais aos acionistas (dividendos

obrigatórios); de outro, submete-se às disposições legais e estatutárias que vedam a

distribuição aos acionistas de outra parte dos mesmos lucros (reservas). Logo, a

proposta da administração para destinação do lucro líquido do exercício deverá

observar as destinações obrigatórias previstas em lei e no estatuto, conforme

estabelecido no artigo 192 da Lei 6.404/76.

O estudo da destinação dos lucros sociais, seja através da constituição de

reservas, seja pela sua distribuição aos acionistas, requer a prévia análise das

participações estatutárias previstas no artigo 190 da Lei 6.404/76.

1.4.2 Participações estatutárias

Apurado o resultado do exercício, serão deduzidos os prejuízos

acumulados e a provisão para imposto sobre a renda. Sobre o lucro remanescente

será calculada e deduzida a participação dos empregados. O saldo remanescente

servirá de base para o cálculo da participação dos administradores, observada as

limitações previstas no artigo 152, § 2º da Lei 6.404/76. Sobre o lucro remanescente,

após deduzidas as participações estatutárias anteriores, será calculada a

participação das partes beneficiárias.

48

Trata-se da ordem de cálculo e pagamento das participações estatutárias

previstas no artigo 190 da Lei 6.404/76. Ressalta-se, todavia, que o citado

dispositivo legal não se refere à participação estatutária dos titulares de debêntures

que, no entanto, encontra previsão no artigo 187, item VI da Lei 6.404/76.

1.4.3 Participação dos debenturistas

A debênture é um instituto de origem inglesa, introduzida em nosso

ordenamento jurídico em 1882, com a Lei nº 3.150 e o Decreto nº 8.821. Até a Lei

6.404/76, a debênture encontrava-se disciplinada pelo Decreto nº 177-A, de 1893,

que passou a ser conhecido como a “Lei dos Empréstimos por Debêntures”, e pelo

Decreto Lei nº 781, de 1938, que dispunha sobre a comunhão de interesses entre os

portadores de debêntures.

Em 1965, a Lei nº 4.728 introduziu importantes inovações no regime das

debêntures, prevendo, ao lado das debêntures ao portador, as debêntures

nominativas endossáveis, com cláusula de correção monetária e as debêntures

conversíveis em ações, estas últimas objeto da Resolução nº 109, de 04 de fevereiro

de 1969, do Conselho Monetário Nacional, que também regulamentou a emissão,

registro e colocação das debêntures, sendo posteriormente modificada,

parcialmente, pela Resolução nº 378, de 1976.

A Lei nº 6.404, de 1976, em seus artigos 52 a 74, reformulou, com base

no regime trazido pela Lei nº 4.728/65, a disciplina das debêntures, revogando todas

as disposições de lei que, a partir de 1893, regulavam a matéria. Todavia, conforme

Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 564) “o conceito legal de debêntures é mantido,

49

na Lei 6.404/76, ou seja, mútuo contraído pela companhia nos termos obrigacionais

pré-estabelecidos na escritura de emissão”.

Considerando o escopo desta dissertação de mestrado, certos aspectos

de grande relevância no estudo das debêntures não serão aqui abordados, tais

como, questões relacionadas à emissão, registro e circulação, vencimento,

amortização e resgate, juros e prêmio de reembolso, conversibilidade em ações,

espécies, agente fiduciário e assembléia de debenturistas.

Todavia, antes de uma abordagem mais detalhada acerca do direito de

participação nos lucros sociais que essa espécie de valor mobiliário pode conferir ao

seu titular, é fundamental observar que, não obstante a existência de outras

posições e teorias sobre a natureza jurídica da causa de emissão de debêntures11,

prevalece na doutrina brasileira a teoria do contrato de mútuo, sendo o entendimento

da grande maioria de nossos juristas, conforme afirma Modesto Carvalhosa (2002,

v. 1, p.571):

que a emissão de debêntures constitui uma modalidade especial de mutuo, caracterizada pela divisão da quantia mutuada em frações, atribuídas a diversos titulares que se tornam credores, ligados entre si pelo vínculo comum de uma só operação, que dá nascimento às debêntures.

Neste sentido, de acordo com Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.140) “a

doutrina, ressaltando tratar-se a emissão de debêntures de uma operação de

empréstimo, costuma apresentá-las como parcelas de um contrato de mútuo, em

que a sociedade anônima emissora é a mutuaria e os debenturistas os mutuantes”.

Para o citado jurista, “o conceito doutrinal é, sob o ponto de vista didático,

11 O contrato de mútuo não é o único negócio de crédito que poderá ser a causa da emissão de debêntures, conforme posição defendida por Luiz Gastão Paes de Barros Leães (1980, p. 9) e Trajano de Miranda Valverde (1953, v. 2, p. 161).

50

extremamente útil e, ressalvado o caso das debêntures perpétuas, estabelece os

contornos básicos do instituto de forma correta”.

As debêntures podem ser conceituadas como sendo valores mobiliários

que conferem direito de crédito perante a sociedade anônima emissora, nas

condições constantes do certificado, se houver, e da escritura de emissão

(COELHO, 2002, v. 2, p. 141).

Nos termos do artigo 56 da Lei nº 6.404/76, a debênture poderá assegurar

ao seu titular, dentre outros direitos, a participação nos lucros da companhia. Trata-

se de uma remuneração adicional aos juros e correção monetária, atribuídos ao

titular dessa espécie de valor mobiliário.

Trata-se, conforme Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 652), de instituto

assimilável ao participating bonus do direito norte-americano, que concede, além dos

juros, a participação do debenturista nos lucros da companhia. Para o citado jurista:

a causa dessa dupla remuneração é óbvia, tanto aqui como lá, ou seja: visa atrair para a emissão dos títulos uma vantagem adicional, consistente na participação dos lucros sociais. Os participating bônus, com efeito, são a única modalidade que se pode admitir em nosso direito, em face do caráter oneroso e mercantil do empréstimo debenturístico, que não poderia sujeitar o tomador ao não recebimento de remuneração nos exercícios em que não houvesse lucro.

Ressalta-se que a possibilidade da debênture conferir ao seu titular o

direito de participar nos lucros da companhia, não descaracterizaria a natureza da

causa de sua emissão como contrato de mútuo, tampouco afastaria a liquidez do

título, requisito essencial à sua cobrança como título executivo extrajudicial. Isso

porque a remuneração via participação nos lucros não substitui os juros fixos

estabelecidos na escritura de emissão e devidos pela companhia tomadora do

51

crédito, sendo assim garantido a esses debenturistas, além dos juros, o direito de

participar nos lucros sociais.

Observa-se ainda que não se trata de direito eventual à participação nos

lucros, já que o direito incorporado à debênture permanece íntegro mesmo que no

período de duração do título ocorram exercícios em que o direito subjetivo não possa

ser exercido. O titular de tais debêntures com prêmio em lucros, não podendo

exercer a pretensão em determinados exercícios, mantém íntegro o seu direito ao

crédito nos exercícios seguintes (CARVALHOSA, 2002, v.1, p. 655).

A participação dos debenturistas nos lucros sociais não encontra previsão

no artigo 190 da Lei 6.404/76, mesmo porque tal participação nos lucros sociais não

representa necessariamente uma participação estatutária. Todavia, é consenso

entre os nossos doutrinadores que o seu cálculo e a sua dedução devem ser

realizados juntamente com as participações estatutárias previstas no citado artigo,

haja vista que as demonstrações de resultado do exercício deverão discriminar, após

o resultado deduzida a provisão para o imposto de renda (artigo 187, item V da Lei

6.404/76) e antes do lucro líquido do exercício (artigo 187, item VII da Lei 6.404/76),

as participações de debêntures, empregados, administradores e partes beneficiárias,

e as contribuições para instituições ou fundos de assistência ou previdência de

empregados (artigo 187, item VI da Lei 6.404/76). Neste sentido, Egberto Lacerda

Teixeira e Alexandre Tavares (1979, v. 2, p.563) entendem que “a omissão não

prejudica a participação das debêntures no lucro da companhia, antes do cálculo

das demais participações referidas”. Tal ponto de vista baseia-se precisamente, no

inciso VI do artigo 187, conjugado com o artigo 56.

Embora seja consenso que as participações dos debenturistas devam ser

calculadas e deduzidas antes da apuração do lucro líquido do exercício,

52

questionável é a ordem de seu cálculo frente às participações estatutárias

expressamente previstas no artigo 190 da Lei 6.404/76. Conforme Modesto

Carvalhosa (2003, v. 3, p.744), “para evitar dúvidas quanto à ordem de preferência

no cálculo será conveniente que o estatuto indique claramente a posição das

debêntures na ordem de cálculo do artigo 190”.

Note-se que a Lei 6.404/76 não estabelece nenhum limite quanto ao

percentual que poderá ser atribuído pela Assembléia Geral aos tomadores de

debêntures com direito de participar nos lucros sociais.

1.4.4 Participação dos administradores e empregados

O Decreto nº 434, de 1891, vinculado ao espírito nitidamente às

características das sociedades contratuais disciplinadas pelo Código Comercial até

então existentes, cujo cargo de administrador era uma atribuição inerente aos sócios

a quem cumpria o dever de dirigir a companhia, não disciplinava com maiores

detalhes a questão da remuneração dos administradores, prevendo inclusive a

possibilidade do exercício a título gratuito dessa função.

Essa concepção foi superada pelo Decreto Lei nº 2.627, de 1940, que,

adotando uma visão institucional da sociedade anônima, descartou a possibilidade

de exercício gratuito da administração societária. No entanto, para Modesto

Carvalhosa (2002, v. 1, p. 246):

essa evolução, no entanto, serviu para o exercício abusivo do direito que então se passava a reconhecer. Do voluntariado, os administradores passaram a perceber desmedidamente parte dos lucros, outorgando-se, via estatuto, altíssimos percentuais de gratificação de balanço. Passaram a se apropriar, dessa forma, de grande parte dos resultados que poderiam ser distribuídos aos acionistas como dividendos.

53

Muito embora o citado Decreto Lei nº 2.627/40 possuísse em seu artigo

134 dispositivo que vedasse a participação dos diretores nos lucros sociais,

enquanto não garantido o pagamento de dividendo mínimo aos acionistas de 6% ao

ano, calculado sobre o valor nominal das ações, não havia, uma vez realizado o

pagamento desse dividendo mínimo12, qualquer critério objetivo para a fixação do

percentual do lucro a ser atribuído aos administradores.

Exigiu-se assim, como umas das principais medidas moralizadoras da Lei

nº 6.404/76, a fixação de critérios eficazes para estabelecer o equilíbrio entre

acionistas e administradores na participação dos lucros sociais auferidos pela

companhia ao longo do exercício.

Neste sentido, os autores do Anteprojeto da Lei nº 6.404, de 1976,

justificam as inovações propostas, no que toca à remuneração dos administradores,

à necessidade de conciliar-se o interesse em mobilizar o bom técnico, que exige

remuneração adequada, com o objetivo de evitar notórios abusos de acionistas

majoritários, que se elegem para se atribuírem honorários sem proporção com os

serviços prestados, e que equivalem à distribuição de lucros. Assim, prosseguem os

autores do Anteprojeto na exposição justificativa das inovações propostas:

o artigo 153 do Projeto fixa alguns parâmetros que permitem à minoria prejudicada, ou à autoridade judicial que conhecer do caso, formar juízo sobre a existência ou não de abusos da maioria. São normas que, pela variedade das situações a que deverão aplicar-se, somente podem ser enunciadas com grau de generalidade que as aproxima dos meros padrões de referência para avaliação dos casos concretos. (LAMY; PEDREIRA, 1997, v.1, p. 242).

Nos termos do caput do artigo 152 da Lei nº 6.404/7613, a fixação da

remuneração dos administradores deverá observar certos parâmetros, tais como as 12 Conforme Modesto Carvalhosa (2003, v.1, p. 246), durante o período inflacionário, tornou-se irrisório o percentual mínimo de 6% do capital a ser pago aos acionistas como dividendos para que os administradores pudessem participar nos lucros sociais. 13 A redação do caput do artigo 152 da Lei nº 6.404/76 foi dada pela Lei nº 9.457/97.

54

suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e

reputação profissional e o valor dos seus serviços prestados no mercado. Esses

parâmetros poderão servir de base para a minoria acionária que venha a se sentir

prejudicada com a fixação da remuneração pela Assembléia Geral, possa impugnar

a deliberação tomada em evidente abuso de poder por parte dos acionistas

controladores da companhia.

Considerando o escopo dessa dissertação de mestrado ser a análise do

direito dos acionistas na participação dos lucros sociais, não cabe aqui uma análise

mais detalhada sobre a pertinência ou não dos critérios estabelecidos pela Lei

6.404/76 para fixação da remuneração fixa dos administradores da companhia,

sendo tão somente relevante para o aprofundamento desse trabalho a análise da

remuneração variável que poderá ser a eles atribuída pelo estatuto social. Assim,

muito embora a remuneração fixa represente uma despesa suportada pela

companhia que reduz, em última análise os lucros sociais, a remuneração variável

consiste em uma participação direta dos administradores nos lucros auferidos pela

companhia, apresentando grande relevância na destinação do resultado do exercício

e, conseqüentemente, na apuração do lucro líquido da companhia.

Torna-se assim, indispensável, a fixação de certos limites para a

atribuição de uma remuneração variável aos administradores que consista em uma

participação nos lucros sociais. Para tanto, a Lei nº 6.404/76 estabelece certos

requisitos para o pagamento dessa participação aos administradores, cujo principal

objetivo é tutelar os interesses das minorias acionárias face a eventuais abusos por

parte do acionista controlador.

Os administradores somente poderão participar nos lucros da companhia

quando o estatuto social fixar dividendo obrigatório em, pelo menos, 25% (vinte e

55

cinco por cento) do lucro líquido ajustado, não podendo essa participação

ultrapassar a remuneração anual a eles atribuída, ou um décimo dos lucros

auferidos pela companhia, prevalecendo o que for menor (artigo 152, §1º da Lei nº

6.404/76). Ademais, os administradores somente farão jus à participação nos lucros

do exercício social em que for atribuído aos acionistas o dividendo obrigatório (artigo

152, §2º da Lei nº 6.404/76).

Nota-se que, sobre esses requisitos previstos nos parágrafos 1º e 2º do

artigo 152 da Lei nº 6.404/76, entende o professor Modesto Carvalhosa, não se

destinarem à disciplina do pagamento da mesma remuneração variável, devendo ser

analisados isoladamente. Isso porque, para o citado jurista, existem duas

remunerações variáveis distintas que poderão ser atribuídas aos administradores da

companhia. A primeira remuneração variável, cujos limites estão fixados no artigo

152, §1º da Lei nº 6.404/76, consiste na participação estatutária dos administradores

nos lucros de balanço, que é direito de natureza contratual, inderrogável pela

assembléia geral, e que não poderá ultrapassar 10% com base nos lucros que

remanescerem depois de deduzidos os prejuízos acumulados e a provisão pára o

imposto de renda. Já a segunda remuneração variável, cujo limite está fixado no

artigo 152, §2º da Lei nº 6.404/76, consiste em uma participação voluntária,

originada da deliberação da Assembléia Geral, cujo montante cabe a ela determinar,

observado o princípio de eqüidade14 de participação dos acionistas nos mesmos

resultados (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 258).

Não parece ser esse o entendimento mais adequado, considerando ter os

citados dispositivos legais como principal escopo impedir o exercício do direito

14 O Princípio da Eqüidade a que se refere Modesto Carvalhosa condiciona a participação dos administradores nos lucros sociais à distribuição de dividendos obrigatórios aos acionistas equivalentes a 25% do lucro do exercício e dividendos diferenciados, nos termos do artigo 17 da Lei nº 6.404/76, aos preferencialistas (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 257).

56

abusivo por parte do acionista controlador que, exercendo a administração da

sociedade, poderia se apropriar da totalidade do saldo dos lucros remanescentes

obtido após o pagamento dos dividendos mínimos obrigatórios e dos dividendos

diferenciados previstos no artigo 17 da Lei nº 6.404/76, na hipótese da Assembléia

Geral poder determinar uma remuneração variável aos administradores observados

tão somente os limites estabelecidos pelo artigo 152, §2º da Lei nº 6.404/76.

Neste sentido, José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 401) também

contesta aqueles estudiosos que se posicionam no sentido de separar a regra do §1º

do artigo 152 da regra do §2º do mesmo artigo, por entenderem que uma cuida da

atribuição estatutária e a outra da atribuição assemblear da participação dos

administradores nos lucros sociais. Para tanto, o citado jurista fundamenta a sua

divergência em inúmeras razões, dentre elas que:

sem a fixação estatutária, a participação se transformaria em uma liberalidade; exigir o dividendo de 25% para a participação estatutária e não exigi-lo para a assemblear seria um ilogismo; o Capítulo XVI da Lei 6.404/76, que trata de “lucro, reservas e dividendos”, apenas se refere às participações estatutárias; se o §2º tivesse autonomia, os limites previstos no §1º a lê não se aplicariam, o que representaria uma conclusão aberrante.

1.4.5 Partes beneficiárias

As partes beneficiárias são títulos que poderão ser emitidos, a qualquer

tempo, pelas sociedades anônimas, conferindo aos seus titulares o direito de

participar nos lucros anuais eventualmente auferidos pela companhia. Apesar de

representar um valoroso instrumento para a implementação de certos negócios, a

57

utilização de partes beneficiárias, nos dias atuais, tem se mostrado cada vez menos

usual. As razões da não utilização com maior freqüência desse instrumento pelas

companhias, está na própria origem e evolução das partes beneficiárias no direito

brasileiro.

Trata-se de instituto originado no direito francês (“parts de fondateur”),

que foi introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 3.150, de 1882, ao

estabelecer a possibilidade de instituir ao fundador da companhia certa vantagem

consistente na atribuição de uma parcela nos lucros sociais. Conforme Modesto

Carvalhosa (2002, v.1, p. 455), referido diploma legal:

inaugurou a faculdade de se remunerar, por meio da participação nos lucros sociais, serviços prestados visando à constituição da companhia, revestindo, no entanto, de excepcionalidade esse sistema remunerativo.

Na mesma linha da Lei nº 3.150, de 1882, foi promulgado o Decreto nº

434, de 1890, que dispunha, em seu artigo 20, ser lícito, por deliberação da

Assembléia Geral, depois de constituída a companhia, estabelecer em favor dos

fundadores ou de terceiros que hajam concorrido com serviços para a formação da

companhia, qualquer vantagem consistente em uma parte dos lucros líquidos.

Observa-se que tal dispositivo legal não disciplinava claramente questões

de grande relevância acerca da criação e emissão de partes beneficiárias, tais como

prazo, mecanismo de resgate e amortização, bem como limites quanto à

participação desses beneficiados nos lucros sociais. Todavia, tais omissões foram

de extrema relevância para a construção jurisprudencial e doutrinária sobre do tema,

cujas discussões e conclusões foram aproveitadas nos anteprojetos de reforma da

lei societária que antecederam o projeto de Trajano Miranda Valverde, do qual

resultou o Decreto Lei nº 2.627, de 1940.

58

O projeto de Valverde refletiu as contribuições doutrinárias e

jurisprudenciais elaboradas ao longo dos cinqüenta anos anteriores e consolidadas

pelos projetos anteriores de Clodomiro Cardoso, de 1930, e Gudesteu Pires, de

1935, todos fundados em preceitos que procuravam evitar abuso dos fundadores e

terceiros na apropriação parasitária de parte dos lucros sociais (CARVALHOSA,

2002, v. 1, p. 459). Ademais, o projeto de Valverde foi responsável por uma das

principais evoluções na disciplina das partes beneficiárias ao transpor a mera noção

de remuneração pessoal dos fundadores e terceiros prestadores de serviços para a

de instrumento de captação de recursos junto àqueles que não desejariam se tornar

sócios da companhia.

A Lei nº 6.404/76 manteve, com pequenas modificações, a disciplina das

partes beneficiárias por sua utilidade na composição de interesses, sobretudo na

implementação de negócios cuja contribuição tenha natureza distinta daquelas

realizadas pelos acionistas na formação do capital social, especialmente quando se

tratar de negócios que envolvam conversão de dívidas, alavancagem de recursos e

cessões de direitos cujo valor somente seja realizado ao longo de sua utilização, tais

como as cessões de patentes, os contratos de transferência de tecnologia, dentre

outros.

Para Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 1,

p. 333), em boa hora o legislador de 1976 houve por bem manter, com os

necessários aprimoramentos, esses títulos de natureza peculiar que se prestam

admiravelmente a diversas finalidades, indo desde a pura e simples captação de

recursos financeiros até a disciplina de interesses insuscetíveis de composição

através de outros mecanismos societários.

59

Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 151) que uma das

funções das partes beneficiárias é a captação de recursos pela companhia que as

emite para aliená-las a interessados na rentabilidade proporcionada pela

participação nos seus resultados, recebendo, em contrapartida dos adquirentes, o

pagamento do preço a elas atribuído pela companhia. Ao lado dessa função, típica

dos valores mobiliários, as partes beneficiárias possuem ainda outras duas, a de

remuneração por prestação de serviços e a de atribuição gratuita.

Todavia, desde a sua promulgação, algumas importantes modificações

foram introduzidas na Lei nº 6.404/76, sendo uma das mais relevantes a realizada

pela Lei 10.303, de 2001, que proibiu as companhias abertas de emitirem partes

beneficiárias15.

Para Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 453):

por meio dessa vedação, o legislador de 2001, considerando a pouca utilização do instituto, e de forma preconceituosa, excluiu a possibilidade de existência nas companhias abertas desses títulos, que poderiam também aí ter grande utilidade para a composição de credores e a remuneração de serviços.

Com efeito, lamenta o citado jurista, “a importância das partes

beneficiárias não foi perfeitamente compreendida na prática societária brasileira e

teve pouco aproveitamento”.

A utilização inadequada do instituto, sobretudo, durante o período que

antecedeu a promulgação do Decreto Lei nº 2.627/40, em que as partes

beneficiárias muitas vezes serviam, em detrimento aos direitos de acionistas

minoritários, como um mecanismo de privilégio arbitrário e descabido a acionistas

15 Observa-se que as partes beneficiárias, antes mesmo da vedação trazida pela Lei 10.303, de 2001, já estavam excluídas do novo mercado da Bolsa de Valores do Estado de São Paulo, uma vez que as companhias integrantes desse novo mercado não poderiam ter partes beneficiárias em circulação e seus estatutos deveriam vedar expressamente a possibilidade de emissão desses títulos.

60

controladores, fundadores e terceiros, somada ao desconhecimento sobre o enorme

alcance desses títulos na composição de interesses, capazes de oferecer maior

flexibilidade às companhias em seus relacionamentos com terceiros, tem levado à

progressiva tendência de extinção das partes beneficiárias na prática societária

brasileira.

Todavia, por se tratar de um instrumento que ainda pode ser utilizado

pelas companhias de capital fechado, atribuindo ao seu titular uma participação nos

lucros sociais, imperioso é o estudo das partes beneficiárias para o desenvolvimento

dessa dissertação de mestrado. No entanto, considerando o escopo do presente

trabalho, não cabe aqui uma análise mais detalhada da discussão doutrinária16 que

se travou no passado acerca da natureza jurídica das partes beneficiárias. Mesmo

porque com o aperfeiçoamento e a disseminação do conceito de valor mobiliário,

sobretudo após as valiosas contribuições do professor Luiz Gastão Paes de Barros

Leães (1974, p. 41), as discussões sobre serem ou não as partes beneficiárias um

título de crédito perderam parte de seu valor.

Conforme define Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.152), “as partes

beneficiárias são valores mobiliários que asseguram ao seu titular direito de crédito

eventual perante a sociedade anônima emissora, consistente numa participação nos

lucros desta”. Observa-se, no entanto, que além das sociedades anônimas de capital

aberto (artigo 47, § único da Lei nº 6.404/76), as instituições financeiras também não

16 Para alguns doutrinadores, como Rubens Requião (1971, v. 2, p. 91), Alexandre Tavares Guerreiro e Egberto Lacerda Teixeira (1979, v. 1, p. 333), Trajano de Miranda Valverde (1953, v. 1, p. 217), as partes beneficiárias são verdadeiros títulos de crédito. Todavia, outros doutrinadores, como Cunha Peixoto (1972, v.1, p.361), entendem serem as partes beneficiárias títulos de natureza a parte que não se confundem com a ação ou com qualquer outro título de crédito, uma vez que o seu titular não seria credor enquanto não fossem apurados e distribuídos os lucros sociais. Modesto Carvalhosa (2003, v. 1, p. 480), apoiado no posicionamento de Pontes de Miranda sobre direito e pretensão (Teoria do Direito Subjetivo de Windscheid), define partes beneficiárias como sendo um título de crédito puro e simples que confere ao seu titular o direito de exigir da companhia a prestação nele especificada, qual seja, a participação nos lucros sociais.

61

poderão emitir partes beneficiárias, nos termos do artigo 35, inciso I da Lei 4.595, de

1964.

A participação dos titulares de partes beneficiárias se dará antes mesmo

da destinação do lucro líquido pelos acionistas, uma vez que o lucro líquido nada

mais é do que o resultado que remanescer depois de deduzidas as participações

dos debenturistas, empregados, administradores e titulares de partes beneficiárias

(artigo 187, inciso VI e artigo 190 da Lei nº 6.404/76).

No entanto, para coibir eventuais abusos de acionista controlador, a

participação atribuída aos titulares de partes beneficiárias não poderá ultrapassar a

10% dos lucros sociais, apurados com base no resultado do exercício, após

deduzidos os prejuízos de exercícios anteriores, a provisão para o imposto de renda

e as participações de debenturistas, empregados e administradores. Observa-se

assim que a participação das partes beneficiárias no lucro social, limitada a um

décimo deste, nunca poderá absorver integralmente o resultado, de sorte a

impossibilitar o pagamento de dividendos aos acionistas.

Todavia, cumpre-se ressaltar que não é requisito para o pagamento de

partes beneficiárias, a efetiva distribuição de dividendos aos acionistas. Isso porque

a Assembléia Geral Ordinária delibera, conforme proposta apresentada pelos órgãos

de administração, sobre a destinação do lucro líquido do exercício, já deduzido das

participações estatutárias previstas no artigo 190 da Lei nº 6.404/76. E, conforme

será analisado nos próximos itens, a decisão assemblear poderá aprovar a não

distribuição de dividendos em determinado exercício, retendo os respectivos lucros

em reserva especial (artigo 202, parágrafos 4º e 5º da Lei nº 6.404/76), muito

embora tenha a companhia realizado o pagamento das participações estatutárias

aos titulares de partes beneficiárias que se dá antes da apuração do lucro líquido.

62

Nos termos do artigo 48 da Lei nº 6.404/76, o estatuto fixará o prazo de

duração das partes beneficiárias17 e, sempre que estipular resgate, deverá criar

reserva especial para esse fim. Pode-se observar que as partes beneficiárias não

poderão pesar indefinidamente sobre a companhia, participando perpetuamente nos

lucros sociais. Ademais, o resgate será uma faculdade e, havendo tal previsão, o

estatuto deverá criar reserva especial para esse fim (item 1.2.3.1.2 infra).

Ressalta-se, conforme José Edwaldo Tavares Borba (2004, 308), que:

se a sociedade constituir uma reserva para resgate das partes beneficiárias, os recursos a tanto destinados também deverão estar compreendidos na mesma décima parte dos lucros18”. Trata-se, segundo o citado autor (2001, 412),” de uma reserva estatutária de lucros, criada pela Assembléia Geral, mediante norma estatutária que explicite a sua finalidade, critérios de atribuição de lucros à conta e o limite máximo de valor.

Neste sentido, Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 503), ao comentar

artigo 46 da Lei nº 6.404/76, afirma que:

o §2º da norma ora em estudo, ao estabelecer um teto de participação das partes beneficiárias nos lucros, nele incluída a eventual formação de reserva para resgate, traz a questão pertinente de se saber se tal reserva pode ser considerada ou não estatutária.

Após apresentar parecer CVM/SJU nº 84/8319, elaborado ainda quando as

companhias de capital aberto estavam autorizadas a emitir partes beneficiárias,

17 Ressalta-se que o prazo de duração de partes beneficiárias atribuídas gratuitamente, salvo as destinadas a sociedades ou fundações beneficentes dos empregados da companhia, não poderá ultrapassar 10 anos (artigo 48, §1º da Lei nº 6.404/76). 18 A Comissão de Valores Mobiliários, em seu Parecer CVM/SJU nº 109/83, opinou no sentido de que tanto a reserva para resgate de partes beneficiárias, como a reserva para conversão de partes beneficiárias em ações, estão abrangidas pelo limite de 10% nos lucros estabelecido no artigo 46, §2º da Lei nº 6.404/76 (Pareceres da Superintendência Jurídica, parte 3, p. 125 e s.) 19 A opinião da Comissão de Valores Mobiliários em seu Parecer CVM/SJU nº 84/83 em que, muito embora tenha sido inicialmente de que o fundo de reserva facultativa para resgate de partes beneficiárias não deva ser considerado como conta integrante do patrimônio líquido, não sendo assim considerado uma reserva estatutária, após revisão de Norma Janssen Parente, ficou estabelecido que a reserva para resgate de partes beneficiárias constitui efetivamente uma reserva de lucros, integrante do patrimônio líquido.

63

conclui o citado jurista “ser inquestionável a inclusão dessa reserva nas contas do

patrimônio líquido”, razão qual deve ser considerada uma reserva estatutária.

O lucro que remanescer depois de deduzidas as participações

estatutárias aqui analisadas; será considerado o lucro líquido do exercício (artigo

191 da Lei nº 6.404/76), cuja destinação será dada pela Assembléia Geral Ordinária,

conforme proposta apresentada pelos órgãos de administração da companhia,

observadas as regras sobre a constituição de reservas (artigos 193 a 199 da Lei nº

6.404/76) e distribuição de dividendos aos acionistas da companhia (artigos 201 a

205 da Lei nº 6.404/76).

1.4.6 Reservas de lucro, de capital e de reavaliação

As reservas previstas na Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, são: a) a

reserva de lucro (item 1.4.7 infra); b) a reserva de capital (item 1.5.3 infra), e c) a

reserva de reavaliação (item 1.5.4 infra).

Para Fran Martins (1978, v. 2, t. 2, p. 676):

o termo reserva tem muitas acepções e diversos significados, mesmo em linguagem jurídica”. Todavia, entende o citado jurista que, em qualquer aspecto, “o termo reserva implica na idéia de poupar, guardar, conservar, deixar de lado.

As reservas aumentam o valor do patrimônio, devendo ser computadas

quando da avaliação patrimonial da companhia. Ao se calcular o valor patrimonial da

ação de determinada companhia para, por exemplo, fixar o preço de emissão de

novas ações em razão de aumento do capital social (artigo 170, §1º da Lei nº

64

6.404/76), o valor do patrimônio líquido base para esse cálculo será composto

também pelos valores das reservas existentes, sejam elas de lucro, capital ou

reavaliação.

No que tange à destinação do resultado do exercício, mais

especificamente do lucro líquido apurado pela companhia, são as reservas de lucro

que despertam maior interesse do profissional e estudioso do direito, em razão da

possibilidade de sua utilização como instrumento de abuso contra a minoria

acionária.

1.4.7 Reservas e retenção de lucro

A sociedade anônima, ao deliberar em Assembléia Geral sobre a proposta

dos órgãos de administração para a destinação do lucro líquido auferido durante o

exercício social, deverá observar certas disposições legais e estatutárias que irão

estabelecer uma destinação obrigatória de parte desses lucros. Conforme Fábio

Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 348), “os resultados sociais podem ser classificados em

resultados de destinação forçada ou de destinação livre”.

A parcela dos lucros destinada à constituição de reservas ou ao

pagamento de dividendos obrigatórios integra o primeiro grupo da classificação

apresentada pelo citado jurista, isto é, faz parte dos resultados de destinação

forçada. Por sua vez, havendo saldo remanescente após a destinação forçada dos

lucros sociais, a companhia será livre para realizar sua destinação, podendo ampliar

os dividendos distribuídos aos acionistas, reforçar ou constituir as reservas, ou ainda

aumentar o capital social.

65

O presente item desta dissertação de mestrado tem por escopo o estudo

das reservas lucros que poderão ser constituídas tanto mediante o destaque de

determinadas parcelas do lucro líquido auferido pela companhia, nas condições

determinadas pela lei, ou pelo estatuto social - resultado de destinação forçada,

como também por deliberação da assembléia geral - resultado de destinação livre.

Trata-se, portanto, de valores positivos retidos pela companhia para o

atendimento de certos requisitos ou circunstâncias especiais, tornando-se assim

indisponíveis, pelo menos temporariamente, para efeito de distribuição de

dividendos. Com exceção da reserva legal (artigo 193 da Lei nº 6.404/76), que não

pode ser distribuída aos acionistas, uma vez que a própria lei lhe define as

destinações possíveis, as demais reservas de lucros podem ser revertidas, isto é,

podem retomar a sua primitiva condição de partes integrantes do lucro líquido da

companhia e, assim, serem partilhadas entre os acionistas (TEIXEIRA;

GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 567).

Ressalta-se, entretanto, que os acionistas não tem qualquer direito sobre

as reservas, senão em caso de distribuição. Isso porque, conforme Fran Martins

(1978, v. 2, t. 2, p. 685), “o titular das reservas é a companhia, sendo a posição dos

acionistas em relação às reservas idêntica à que têm em relação aos demais

haveres da sociedade”.

A constituição de uma reserva de lucro não implica na vinculação de bens

integrantes do ativo da companhia, já que este representa, indistintamente, capital,

reservas e créditos de terceiros e somente em casos especiais tais bens deverão ser

vinculados. Nesse sentido, Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro

(1979, v. 2, p. 569) esclarecem que:

66

não estabeleceu a lei, como princípio, a separação de bens do ativo para representar os valores consignados como reservas, muito embora a legislação especial possa exigir, de certas sociedades, atuando em setores específicos, que invistam importâncias equivalentes às suas reservas, em determinadas espécies de bens.

No patrimônio líquido da companhia poderão existir valores positivos

derivados, não do lucro social realizado, mas de outras fontes ou circunstâncias.

Tais valores configuram as reservas de capital (item 1.5.3 infra) e as reservas de

reavaliação (item 1.5.4 infra) que serão oportunamente estudas.

As reservas de lucro podem ser classificadas em 05 (cinco) categorias, a

saber: (a) reserva legal (artigo 193 da Lei nº 6.404/76); (b) reservas estatutárias

(artigo 194 da Lei nº 6.404/76); (c) reserva para contingências (artigo 195 da Lei nº

6.404/76); (d) retenção de lucros (artigo 196 da Lei nº 6.404/76); e (e) reservas de

lucros a realizar (artigo 197 da Lei nº 6.404/76).

1.4.8 Reserva legal

A reserva legal é reserva de lucro, de caráter obrigatório, cuja finalidade

legalmente prevista é assegurar a integridade do capital social. Nos termos do artigo

193, §2º da Lei nº 6.404/76, a reserva legal somente poderá ser utilizada para

compensar prejuízos ou aumentar o capital.

Nos termos do artigo 193 da Lei nº 6.404/76, do lucro líquido do exercício,

5% (cinco por cento) serão aplicados, antes de qualquer outra destinação, na

constituição da reserva legal, que não excederá de 20% (vinte por cento) do capital

social. Assim, os administradores da companhia deverão, ao elaborar a proposta de

destinação dos resultados do exercício, considerar a apropriação do referido

percentual na conta de reserva de lucro legal.

67

A Lei 6.404/76 estabeleceu expressamente um limite à constituição da

reserva legal, de tal sorte que, atingidos os 20% (vinte por cento) do capital social,

não poderá mais a companhia prosseguir deduzindo os 5% (cinco por cento) do

lucro líquido de cada exercício. Nota-se que a companhia ao infringir o limite

legalmente estabelecido poderá estar prejudicando o direito aos dividendos

obrigatórios devidos aos seus acionistas. Nessa hipótese, afirmam Egberto Lacerda

Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 572), “poderão os acionistas

impugnar a dedução que passa a prejudicar-lhe o montante a que têm direito como

dividendo obrigatório, nos termos do artigo 202”.

O revogado artigo 130 do Decreto Lei 2627/45 diversamente dispunha

sobre esse tema, estabelecendo que a dedução do lucro líquido para a constituição

da reserva legal deixaria de ser obrigatória quando seu fundo atingisse 20% (vinte

por cento) do capital social. Ora, deixar de ser obrigatória é diferente de não poder

exceder a determinado montante.

Observa-se ainda que a companhia poderá deixar de constituir a reserva

legal no exercício em que o saldo dessa reserva, acrescido dos montantes das

reservas de capital de que trata §1º do artigo 182, exceder de 30% (trinta por cento)

do capital social (artigo 193, §1º da Lei nº 6.404/76). Segundo Egberto Lacerda

Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 573), “não se tem aqui, como

no “caput” do artigo 193, limitação de observância imperativa, mas mera faculdade”.

Em outras palavras, se a soma do saldo da reserva legal e das reservas de capital

revelar-se superior a 30% (trinta por cento) do capital social, pode a sociedade

continuar a deduzir 5% (cinco por cento) do lucro líquido do exercício, até que a

reserva atinja a 20% (vinte por cento) do capital social. Enquanto não atingido esse

68

último percentual, a dedução será válida, mesmo que o saldo da reserva supere

30% (trinta por cento) do capital social.

A reserva legal, dentro do limite legalmente previsto, deverá ser

constituída ainda que em prejuízo da distribuição dos dividendos obrigatórios,

conforme disposto no artigo 198 da Lei nº 6.404/76.

Ao contrário das demais reservas de lucro, a reserva legal não pode ser

revertida, isto é, não pode retomar a sua primitiva condição de parte integrante do

lucro líquido da companhia e, assim, ser partilhada entre os acionistas. Isso porque a

reserva legal tem por finalidade assegurar a integridade do capital social (artigo 193,

§2º da Lei nº 6.404/76), devendo dar maior solidez ao patrimônio líquido da

companhia. Portanto, a reserva legal só pode ser utilizada para aumentar o capital

social, ou compensar prejuízos do exercício, desde que já absorvidos os lucros

acumulados e as reservas de lucros (artigo 192, § único da Lei nº 6.404/76).

1.4.9 Reservas estatutárias

O estatuto social poderá prever a constituição de reservas desde que,

para cada uma: a) indique de modo preciso e completo a sua finalidade; b) fixe os

critérios para determinar a parcela anual dos lucros líquidos que serão destinados à

sua constituição; e c) estabeleça o limite máximo da reserva.

Os estatutos sociais poderão prever a criação de determinada reserva

destinada ao resgate ou amortização de ações, bem como ao resgate de partes

beneficiárias (item 1.4.5 supra) ou ainda que permita a conversão de partes

beneficiárias em ações.

69

Nos termos do artigo 198 da Lei 6.404/76, a destinação dos lucros para

constituição de reservas estatutárias não poderá ser aprovada em prejuízo da

distribuição dos dividendos obrigatórios. Para Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre

Tavares Guerreiro (1979, v. 2, p. 575), “os fundos que a sociedade pode valer-se

para a alimentação de reservas criadas pelos estatutos, serão apenas os que

remanescerem após o cálculo dos dividendos obrigatórios”. Neste mesmo sentido,

Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 748) entende que:

o valor do dividendo obrigatório será determinado antes da apropriação de lucros para formar as reservas estatutárias, sendo expressamente vedada a destinação de lucros para a constituição de reserva estatutária em prejuízo do dividendo obrigatório (artigo 198).

Outro aspecto a ser considerado é que as companhias, muitas vezes,

criam em seus estatutos reservas cujas finalidades são as mesmas de outras

reservas de lucro já previstas pela Lei nº 6.404/76. Nesta hipótese, havendo mais de

uma reserva com a mesma finalidade, deverá prevalecer tão somente aquela cuja

finalidade seja tratada pela Lei das Sociedades por Ações. Assim, devem ser

registradas como reservas estatutárias somente aquelas definidas pelo estatuto

social e cuja finalidade já não tenha sido atribuída pela Lei nº 6.404/76 à outra

reserva de lucros (IUDÍCIBUS; MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 265).

Ressalta-se, por fim, que o saldo das reservas estatutárias, acrescido ao

valor da reserva legal (artigo 193 da Lei nº 6.404/76) e dos lucros retidos (artigo 196

da Lei nº 6.404/76), não poderá ultrapassar o capital social, conforme disposto no

artigo 199 da Lei nº 6.404/76.

1.5 Reserva para contingências

70

A assembléia geral poderá, por proposta dos órgãos da administração,

destinar parte do lucro líquido à formação de reserva com a finalidade de

compensar, em exercício futuro, a diminuição do lucro decorrente de perda julgada

provável, cujo valor possa ser estimado (artigo 195 da Lei nº 6.404/76). A proposta

dos órgãos de administração deverá indicar a causa da perda prevista e justificar,

com as razões de prudência que a recomendem, a constituição da reserva (artigo

195, § 1º da Lei nº 6.404/76).

As reservas para contingências a que se refere o artigo 195 da Lei nº

6.404/76 são reservas de lucro, com caráter facultativo. Não se constituem por

previsão estatutária, mas por decisão assemblear, em razão de proposta

fundamentada apresentada pelos órgãos da administração da companhia.

Diversamente das reservas estatutárias e dos lucros retidos, as reservas

para contingências poderão ser constituídas mesmo em prejuízo da distribuição dos

dividendos obrigatórios (artigo 198 da Lei nº 6.404/76). Ademais, ao contrário das

reservas de capital, estatutárias e de lucros retidos, o saldo das reservas para

contingências não está sujeito à limitação de que trata o artigo 199 da Lei nº

6.404/76.

Nota-se, entretanto, que a reserva para contingências não deve ser

utilizada para bloquear sistematicamente a distribuição dos lucros líquidos do

exercício aos acionistas da companhia. Na constituição dessa reserva, é necessário

que se levem em conta apenas as perdas efetivamente julgadas prováveis, com a

identificação da respectiva causa e com as justificações necessárias. Os excessos

verificados, longe de representarem cautelas, podem corresponder a abusos de

poder por parte dos controladores, em detrimento das expectativas e dos interesses

da minoria acionária (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 577).

71

Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 749), “os fundamentos da

proposta deverão ser objetivamente expostos, de modo a afastar qualquer decisão

subjetiva, baseada apenas em receios não fundados em fatos comprováveis, ou em

simples opiniões”. Os casos mais comuns de perdas prováveis decorrem de ações

judiciais. Nesses casos, prossegue o citado jurista, “a proposta de constituição de

reserva para contingências deveria vir acompanhada de parecer de jurista

especialista na matéria, que não fosse empregado da companhia”.

Em razão da confidencialidade das informações que possam constar da

proposta da administração, a companhia poderá lavrar e publicar a ata da

assembléia que aprovar a mencionada proposta em forma de sumário dos fatos

ocorridos, com a transcrição apenas das deliberações tomadas, nos termos do artigo

130, §1º da Lei nº 6.404/76.

A reserva será revertida no exercício em que ocorrer a perda que

justificou a sua constituição (artigo 195, §2º da Lei nº 6.404/76), isto é, verificando-se

a perda prevista pelos órgãos de administração da companhia, o prejuízo dela

decorrente será absorvido pelos recursos destinados à constituição da reserva para

contingências.

Por outro lado, caso deixem de existir as razões que justificaram a

constituição da reserva para contingências, os recursos nela existentes deverão ser

revertidos, cabendo à sociedade decidir sobre a destinação dos mesmos (COELHO,

2002, v. 2, p. 350). Neste sentido, esclarece Fran Martins (1978, v. 2, t. 2, p. 699)

que “não mais existindo os motivos que determinaram a cautela de constituir a

reserva, esta será revertida, isto é, considerada disponível como lucro a ser

distribuído ou incorporado ao capital”.

72

1.5.1 Retenção de lucros

A assembléia geral poderá, por proposta dos órgãos da administração,

deliberar reter parcela do lucro líquido do exercício prevista em orçamento de capital

por ela previamente aprovado (artigo 196 da Lei nº 6.404/76).

O autofinanciamento das empresas, mediante a reaplicação de seus

resultados positivos torna-se, a bem dizer, excepcional, no regime vigente e somente

se fará por referência a um orçamento de capital previamente aprovado pelos

acionistas. Nota-se, desde logo, que os fundos retidos pela sociedade com tal

propósito não se intitulam propriamente reservas. A lei criou a respeito figura nova,

denominada retenção de lucros, disciplinada no artigo 196 (TEIXEIRA;

GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 578).

Observa-se que a retenção dos lucros somente será válida quando

destinada a atender orçamento de capital previamente aprovado pela assembléia

geral. O orçamento de capital com a justificativa da retenção de lucros proposta

deverá compreender todas as fontes de recursos e aplicações de capital, fixo e

circulante, e poderá ter a duração de até cinco exercícios, salvo no caso de

execução, por prazo maior, de projeto de investimento (artigo 196, §1º da Lei nº

6.404/76). O orçamento poderá ser aprovado pela assembléia geral ordinária que

deliberar sobre o balanço do exercício e revisado anualmente, quando tiver duração

superior a um exercício social (artigo 196, §2º da Lei nº 6.404/76)20.

Conforme Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979,

v. 2, p. 579), “não define a lei o que seja orçamento de capital, mas é certo que se

20 Trata-se de uma inovação introduzida pela Lei 10.303, de 2001, cuja principal finalidade foi assegurar que a companhia não retenha de maneira indevida valores que poderiam ser distribuídos aos acionistas. Assim, conforme Modesto Carvalhosa, (2003, v. 3, p. 764), “com a revisão periódica do orçamento de capital, pode-se detectar a eventual existência de sobras orçamentárias, as quais, não constituindo mais fundamento para retenção do lucro, devem ser distribuídas aos acionistas”.

73

constitui ele de previsão de gastos e receitas para novos empreendimentos da

companhia, da ampliação ou modernização dos existentes”. Neste sentido, para

Fran Martins (1978, v. 2, t. 2, p.705):

o orçamento de investimento ou de capital, referido no artigo 196 da Lei nº 6.404/76, é a demonstração contábil de previsão da necessidade de recursos para a compra de equipamentos ou para a aplicação de capital, em razão do qual se propõe a retenção dos lucros.

Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 752):

o orçamento de capital, nos termos da lei, deverá compreender os recursos econômico-financeiros previstos para serem realizados pela companhia na aquisição, formação e construção de ativos imobilizados ou diferidos e em investimentos que contribuirão para a melhoria da gestão empresarial da sociedade.

Esse orçamento deverá ser elaborado com toda a fundamentação

econômico-financeira possível, com o objetivo de demonstrar inequivocamente que

os recursos correspondentes à parcela de lucro retida serão, de fato, aplicados como

previstos no orçamento de capital.

Observa-se que a retenção de lucros não poderá prejudicar a constituição

da reserva legal (artigo 193 da Lei nº 6.404/76), sendo ainda vedada a aprovação da

retenção de lucros em prejuízo da distribuição do dividendo obrigatório, conforme

artigo 198 da Lei nº 6.404/76, razão pela qual somente poderá ser apropriado o

saldo remanescente após a dedução do montante necessário para o pagamento

desses dividendos.

Segundo Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p.761), apurado o lucro líquido,

será constituída a reserva legal e, se for o caso, as reservas para contingências e de

lucros a realizar, observadas as reversões previstas no artigo 202. Do saldo

remanescente será deduzida a parcela necessária à distribuição do dividendo

74

obrigatório, depois da qual poderá ser constituída a reserva estatutária e

determinada a retenção de lucros.

1.5.2 Reserva de lucros a realizar

No exercício em que o montante do dividendo obrigatório, calculado nos

termos do estatuto ou do artigo 202 da Lei nº 6.404/76, ultrapassar a parcela

realizada do lucro líquido do exercício, a assembléia poderá, por proposta dos

órgãos da administração, destinar o excesso à constituição de reserva de lucros a

realizar.

Nos termos do artigo 197, § 1º da Lei nº 6.404/76, considera-se realizada

a parcela do lucro líquido do exercício que exceder da soma dos seguintes valores:

(i) o resultado líquido positivo da equivalência patrimonial (artigo 248 da Lei nº

6.404/76); e (ii) o lucro, ganho ou rendimento em operações cujo prazo de realização

financeira ocorra após o término do exercício seguinte.

Fabio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 350) esclarece que a reserva de lucros

a realizar está relacionada ao regime de competência para a escrituração mercantil,

de adoção obrigatória pelas sociedades anônimas (artigo 177 da Lei 6.404/76).

Segundo o citado jurista, há duas formas de se apropriarem, contabilmente, as

mutações patrimoniais do empresário: a) o regime de caixa (ou de gestão) em que

as mutações ao tempo em que o recurso entra na posse do empresário, ou dela sai;

e b) o regime de competência em a apropriação se realiza quando do surgimento do

direito do empresário ao recurso, ou do dever de o entregar.

No regime de competência, cuja adoção é obrigatória para as sociedades

anônimas, poderão ser apurados ao término do exercício social, resultados positivos

75

que não representem ingressos efetivos de numerário no patrimônio social da

companhia. A indisponibilidade dos lucros a realizar, que justifica e recomenda a

constituição da reserva de lucros a realizar, resulta da própria natureza desses

resultados, os quais, embora computados no exercício, somente se tornarão

passíveis de efetiva distribuição aos acionistas a partir do momento de sua

concretização, ou, em outras palavras, a partir de sua realização futura (TEIXEIRA;

GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 580). Neste sentido, Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p.

757) esclarece que a reserva de lucros a realizar foi o recurso contábil que permitiu

ao legislador fixar o dividendo obrigatório como percentagem do lucro do exercício,

sem risco de criar problemas financeiros para a sociedade, num sistema que

consagra o regime de competência como regra geral.

Ressalta-se que somente poderão ser destinados à reserva de lucros a

realizar os valores correspondentes ao montante do dividendo obrigatório que

exceder a parcela realizada do lucro líquido do exercício. Assim, somente se o

montante dos dividendos obrigatórios, calculado conforme o percentual fixado no

estatuto social ou, sendo este omisso, de acordo com o estabelecido em lei, for

superior à parcela realizada de lucros, poder-se-á constituir reserva de lucros a

realizar, reduzindo assim o montante do dividendo obrigatório a ser pago aos

acionistas.

A reserva de lucros a realizar somente poderá ser utilizada para

pagamento do dividendo obrigatório e, para efeito do inciso III do artigo 202, serão

considerados como integrantes da reserva os lucros a realizar de cada exercício que

forem os primeiros a serem realizados em dinheiro.

Por fim, valiosa observação faz Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 351) no

sentido de que a reserva de lucros a realizar deve ser descontada do valor do

76

patrimônio líquido da companhia, no cálculo do reembolso, para que o acionista em

retirada não se beneficie indevidamente da perspectiva de rentabilidade da empresa,

haja vista ser o recesso uma hipótese de desinvestimento.

1.5.3 Reserva de capital

As reservas de capital são constituídas com valores recebidos pela

companhia e que não transitam pelo resultado como receitas, por se referirem a

valores destinados ao reforço de seu capital. As reservas de capital serão

compostas pelos ágios recebidos dos subscritores de ações, inclusive nos casos de

conversão em ações de debêntures ou partes beneficiárias; pelo produto da

alienação de partes beneficiárias e bônus de subscrição; pelo prêmio recebido na

emissão de debêntures; e pelas doações e subvenções para investimento (artigo

182, §1º da Lei nº 6.404/76).

Nos termos da Instrução CVM nº 319, de 1999, também será considerada

uma reserva de capital a reserva especial de ágio na incorporação. Trata-se de

reserva de capital contabilizada na conta do patrimônio líquido da incorporadora e

constituída como contrapartida do montante do ágio resultante da aquisição do

controle da companhia aberta que incorporar sua controladora.

A reserva de capital somente poderá ter destinação entre aquelas

hipóteses previstas no artigo 200 da Lei nº 6.404/76, a saber: (i) absorção de

prejuízos que ultrapassarem os lucros acumulados e as reservas de lucros (artigo

189, parágrafo único); (ii) resgate, reembolso ou compra de ações; (iii) resgate de

partes beneficiárias; (iv) incorporação ao capital; e (v) pagamento de dividendos a

ações preferenciais, quando essa vantagem lhe for assegurada.

77

Nota-se que, ao contrário das reservas de lucro, o saldo das reservas de

capital podem atingir qualquer montante, não se sujeitando a nenhum limite legal ou

estatutário.

1.5.4 Reserva de reavaliação

As reservas de reavaliação correspondem a contrapartidas de aumentos

de valor atribuídos a elementos do ativo em virtude de novas avaliações com base

em laudo nos termos do artigo 8º, aprovado pela Assembléia Geral (artigo 182, § 3º

da Lei nº 6.404/76). Conforme Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares

Guerreiro (1979, v. 2, p. 571), as reservas de reavaliação “são verdadeiros ganhos

de capital ainda não realizados, decorrentes de novas avaliações de elementos do

ativo”.

As reservas de reavaliação devem estar segregadas em duas contas, a

saber: (i) reavaliação de ativos próprios; e (ii) reavaliação de ativos de coligadas e

controladas avaliadas ao método de equivalência patrimonial. Na primeira conta,

estão classificadas as reavaliações feitas pela companhia de seus próprios bens,

pela parcela da nova avaliação ao preço de mercado que exceder o valor líquido

contábil anterior desses bens. Já na segunda conta, estão registradas as

contrapartidas relativas aos débitos feitos na conta de investimento em coligadas e

controladas avaliados pelo método de equivalência patrimonial, quando tais débitos

forem oriundos de reavaliações feitas pelas coligadas e controladas (IUDÍCIBUS;

MARTINS; GELBCKE, 2000, p. 264).

78

Observa-se que, tal como as reservas de capital, as reservas de

reavaliação também não estão abrangidas pela limitação quantitativa a que se refere

o artigo 199 da Lei nº 6.404/76.

Encerrado o estudo das reservas de lucro que acarretam de certo modo

no aumento do patrimônio líquido da companhia e, conseqüentemente, em um

acréscimo no valor patrimonial das ações detidas pelos acionistas da companhia,

cumpre analisar agora os dividendos, principal instrumento de participação dos

acionistas nos lucros sociais.

1.5.5 Dividendos

Pode-se assim conceituar dividendo como a parcela dos lucros auferidos

pela companhia distribuíveis aos acionistas, em conformidade com a classe, espécie

e quantidade de ações que titularizam. Nesse sentido, Fábio Konder Comparato

(1981, p. 151) esclarece que “o dividendo, como a própria forma gerundiva indica, é

o lucro que deva ser dividido, isto é, repartido entre os acionistas”. Para Modesto

Carvalhosa (2003, v. 3, p. 777), “dividendo é a parcela do lucro relativa a cada ação”.

Entretanto, nem todo dividendo distribuído aos acionistas corresponde à

parcela dos lucros sociais. Trata-se da hipótese de pagamento de dividendos aos

titulares de ações preferências mediante a utilização de recursos constantes da

conta de reserva de capital da companhia (item 1.5.3 supra). Estabelece o artigo 201

da LSA que a companhia somente poderá pagar dividendos à conta de lucro líquido

do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de

capital, nos casos das ações preferenciais de que trata o §6º do artigo 17.

79

Nota-se que as distribuições de dividendos obedecem ao regime de

acumulação de resultados, que é critério legítimo para a distribuição ou não de

dividendos. Se há prejuízos acumulados anteriormente ao exercício próspero, não

pode haver distribuição de dividendos se esses prejuízos superam ou se equivalem

aos lucros auferidos. Todavia, se há lucros acumulados anteriormente ao exercício

em que se apurou prejuízo, pode haver distribuição de dividendos se os lucros

acumulados em exercícios anteriores superarem prejuízos verificados

(CARVALHOSA, 2003, v. 3, p.774).

Colocada a questão dos dividendos, voltaremos ao seu estudo no

próximo capítulo quando será abordado de maneira detalhada o direito de

participação dos acionistas nos lucros sociais.

80

CAPÍTULO 2 - DIREITO DE PARTICIPAR NOS LUCROS SOCIAIS E AS RELAÇÕES DE PODER NA SOCIEDADE ANÔNIMA

2.1 As Relações de poder21 nas sociedades anônimas

A despeito das diversas teorias22 que buscam explicar a natureza jurídica

dos atos constitutivos das sociedades empresárias23, é indiscutível que elas

resultam da união de esforços de pessoas que, muito embora possam ter as mais

diversas pretensões ao se associarem para a constituição da sociedade, buscam

através dela atingir o mesmo fim comum que consiste no lucro auferido pela pessoa

jurídica com a exploração da atividade que constituí o seu objeto social.

As pretensões diversas que os acionistas possuem ao se associarem, faz

com que se forme no interior da companhia dois grandes grupos de acionistas que

são, de um lado, os controladores ou empreendedores, responsáveis em definir as

diretrizes da sociedade, tendo nítido interesse na exploração da atividade econômica

pela companhia; e, de outro, os investidores ou minoritários, que encontram na

sociedade uma oportunidade de investimento, suprindo a companhia de boa parte

21 Para Max Weber, o conceito de poder perpassa todos os níveis da sociedade, não se limitando ao seu sentido estritamente político nem econômico, mas à “possibilidade de um homem ou de um grupo de homens realizar sua própria vontade numa ação comunal, mesmo contra a resistência de outros que participem da ação”. (Weber, 74, p. 61). 22 Considerando não ser o escopo dessa dissertação de mestrado, cumpre apenas observar que diversas teorias foram desenvolvidas nos séculos passados para explicar a natureza jurídica do ato constitutivo das sociedades, dentre as quais, destacam-se as Teorias Anticontratualistas do ato coletivo e do ato complexo, sustentadas, principalmente, por Lehmann, Alfredo Rocco e Francesco Messineo; a Teoria do Ato Corporativo, defendida por Von Gierke; a Teoria da Instituição, desenvolvida por Maurice Hauriou e, notadamente, utilizada pelo legislador brasileiro quando da elaboração da Lei das Sociedades por Ações; e as Teorias Contratualistas do contrato bilateral e do contrato plurilateral, tendo essa última como principal defensor o professor Túlio Ascarelli questão de extrema relevância para o estudo do direito societário (REQUIÃO, 1971, v.1, p. 339; VERÇOSA, 2006, v. 2, p. 55). 23 Conforme Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 332), adotou-se, em nossa legislação, de forma decisiva e franca para as sociedades anônimas a corrente institucionalista que se manifesta pela superposição do interesse público sobre o interesse societário, atribuindo-se aos controladores a missão de perseguir preferentemente os objetivos que beneficiem a comunidade e o próprio Estado.

81

do capital que necessita para a consecução de seu objeto social. Note-se que os

acionistas investidores das companhias de capital aberto poderão ser ainda

divididos em rendeiros e especuladores, conforme o prazo de retorno que buscam

no investimento realizado.

Dividem-se os acionistas, em virtude da estrutura estabelecida pela Lei

6.404/76, em controladores, rendeiros e especuladores. Aos controladores, também

chamados de empreendedores, cabe exercer a estratégia de poder, sem

necessidade de aporte substancial de investimento no capital da companhia. Já aos

acionistas rendeiros, em regra, preferencialistas, cumpre suprir a sociedade anônima

de capital próprio, encontrando nas ações uma alternativa de investimento com

perspectivas de retorno a longo prazo. Por fim, aos especuladores atribui-se o papel

de proporcionar aos rendeiros a necessária liquidez às ações, nas companhias

abertas, uma vez que atentos às cotações das bolsas, buscam maximizar ganhos

imediatos, procurando alternativas de liquidez e segurança para os seus

investimentos (CARVALHOSA, 2003, v. 2, p. 479; COELHO 2002, v. 2, p. 273). No

entanto, por mais diversa que seja a motivação pessoal de cada acionista ao se

associar, a consecução pela companhia de seu objeto social, propiciando o seu

crescimento e desenvolvimento, é o elo de ligação de todos esses interesses.

Ocorre que, em momentos de crise, as diferenças entre os interesses

particulares dos grupos de acionistas podem se aflorar. O acionista controlador pode

passar a aumentar as reservas de lucro visando garantir uma maior estabilidade

econômico-financeira para companhia. Assim, ao reter lucros de modo

desnecessário não remunera o acionista investidor como poderia. Por sua vez, o

acionista investidor passa a buscar maior ingerência na administração da

companhia, visando até mesmo, em certas situações, tomar o poder de controle

82

para si. Ora, em tais situações, é evidente a tensão que passa a existir entre esses

dois grupos, desequilibrando assim as relações de poder internas da companhia.

As relações de poder entre os acionistas representam, conforme Fábio

Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 274), “um importantíssimo tema da tecnologia jurídica

societária, na medida em que a equilibrada composição dos interesses em confronto

é condição para a companhia continuar contando com os recursos de todos os seus

integrantes”. Neste sentido, exemplifica o citado jurista:

se o controlador restringir ao mínimo os dividendos distribuídos, a sociedade poderá ter dificuldades de colocar novas ações no mercado. Por sua vez, se os acionistas minoritários, desconsiderando a natureza institucional das companhias, não forem discretos na defesa de seus interesses, poderão prejudicar os negócios sociais.

A Lei 6.404, de 1976, fundamenta-se, no que tange à estrutura de poder e

às relações entre acionistas e a companhia, na figura do acionista controlador, a

quem dá uma série de prerrogativas de mando que são auto-homologadas pela

assembléia geral, que, em última instância, delibera conforme a decisão tomada

pelos próprios controladores. Todavia, para contrabalançar essa forma oligárquica

de poder na companhia, a lei de 6.404/76 outorga aos minoritários uma série de

direitos específicos, como direitos de informação e de fiscalização (artigos 105, 133,

141, 157 e 161), bem como de ação em face dos administradores (artigo 159, § 4º) e

dos próprios controladores da companhia (artigo 117) (CARVALHOSA, 2003, v. 2, p.

473). Ademais, como instrumento para estabilizar as relações de poder internas da

companhia, a Lei da Sociedades por Ações irá assegurar a todos os acionistas da

companhia certos direitos essenciais (artigo 109) que não poderão ser deles

suprimidos, seja por previsão estatutária, seja por deliberação assemblear.

É neste contexto que se insere o direito de participação nos lucros sociais.

Trata-se de um direito essencial assegurado a todo o acionista, fundamental para a

83

estabilização das relações de poder internas da companhia, uma vez que impede

ou, ao menos limita, a tomada de decisões pelo acionista controlador que venham a

privar os demais acionistas de exercer um direito legítimo assegurado a quem

contribuiu para a consecução do objeto social e tem como principal, senão única

expectativa, um retorno satisfatório ao capital investido na companhia.

2.1.1 O princípio da maioria nas deliberações sociais

O adequado estudo do direito de participação nos lucros sociais

pressupõe uma prévia análise dos direitos essenciais dos acionistas. Todavia, essa

análise deve ser realizada dentro do contexto em que se insere o tema, ou seja,

como um instrumento de equilíbrio entre as relações de poder travadas internamente

na Assembléia Geral da companhia entre acionista controlador e minoria acionária.

A Assembléia Geral é órgão deliberativo supremo da companhia,

competente para decidir sobre qualquer matéria de interesse da sociedade. É nela

que os acionistas irão se encontrar para discutir assuntos de interesse social,

decidindo sobre os mesmos, conforme o princípio majoritário de votos reconhecido,

tanto pelo revogado Decreto Lei 2.627, de 1940, como pela Lei 6.404, de 1976,

atualmente vigente em nosso ordenamento jurídico. Nos termos do artigo 129 da Lei

6.404/76, que textualmente reproduziu o revogado artigo 94 do Decreto Lei

2.627/40, as deliberações da assembléia geral, ressalvadas as exceções previstas

em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando, para

tanto, os votos em branco.

O princípio majoritário nas deliberações sociais tomadas em assembléia

geral consiste na prevalência da decisão tomada pelos acionistas detentores da

84

maior quantidade de ações com direito de voto presente ao conclave e que, assim,

representam a vontade social. Nota-se que esse princípio é essencial na tomada das

deliberações sociais, pois dificilmente seriam obtidos a uniformidade e o consenso

de todos os acionistas no modo de pensar sobre determinada matéria posta em

votação em assembléia geral. Portanto, conforme Modesto Carvalhosa (2003, v. 2,

p. 738):

trata-se de princípio de ordem pública inderrogável pelo estatuto social ou pela assembléia geral, não podendo, por exemplo, o estatuto social instituir que caberá a determinada minoria na assembléia estabelecer a vontade social, ou, contrariamente, que certos assuntos, além daqueles prescritos em lei, somente poderão ser deliberados pelo voto unânime dos acionistas presentes.

O princípio majoritário ou da maioria acionária não está relacionado ao

número de sócios, tampouco à participação no capital social, mas sim limitado às

ações representativas do capital social que confiram ao seu titular, de modo

permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e seja

efetivamente exercido para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento

dos órgãos da companhia. Portanto, trata-se da maioria do capital votante, que

poderá estar concentrada nas mãos de um só acionista ou de um pequeno grupo de

acionistas, capaz de impor a sua vontade aos demais acionistas, influindo assim na

vontade social e, conseqüentemente, na condução dos negócios da companhia.

Neste sentido, para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 275):

quando se fala em maioria ou minoria, no contexto das relações entre acionistas, as expressões não dizem respeito à maior ou menor participação no capital social, mas, sim, à maior ou menor influência na condução dos negócios sociais.

Observa-se, assim, que a principal diferença entre esses dois grupos de

acionistas não reside apenas na maior ou menos quantidade de ações

85

representativas do capital social da companhia, mas sim no próprio animus do

acionista em ter ou não maior ingerência na direção dos negócios sociais.

A diversidade entre a maioria e a minoria acionária resulta das intenções

dos prestadores de capital, distinguindo-se assim aqueles que visam a comandar e

dirigir a empresa, orientando-a para fins pré-ordenados segundo um planejamento

próprio, daqueles que, confiando no empreendimento, nele realizam investimentos,

animados pela expectativa de um retorno satisfatório ao capital por eles aportado na

companhia. Ambos correm os riscos da empresa, contribuem com os recursos e

bens de que ela necessita e partilham seus resultados. Entretanto, assumem

posição jurídico-econômica diversa, no contexto da operação social, que exige como

condição de eficiência e continuidade, um comando unificado que somente se atinge

mediante a atuação concreta do princípio majoritário. A atuação desse princípio

evidencia a existência de um poder de controle que se coloca como pressuposto

indispensável da atividade corrente da sociedade e como condição especial para

que ela atinja suas finalidades, pode definição, lucrativas (TEIXEIRA; GUERREIRO

1979, v.1, p.292).

É neste contexto que surge a definição de poder de controle, sempre feita

em função da assembléia geral, pois é ela o órgão primário da sociedade anônima,

que investe todos os demais órgãos e constitui a última instância decisória

(COMPARATO, 2005, p. 51).

2.1.2 Considerações sobre o acionista controlador e o poder de controle

A dissociação entre o capital necessário para a exploração da atividade

empresarial pela companhia e o seu controle manifestado internamente pelas

86

deliberações tomadas em assembléia geral, é um fenômeno cada vez mais evidente

nas sociedades anônimas em nosso dia-a-dia. Neste sentido, para Fábio Konder

Comparato (2005, p. 51), “um dos fenômenos básicos da sociedade anônima

moderna é a possibilidade de dissociação entre a propriedade acionária e o poder

de comando empresarial”.

A dissociação entre a propriedade acionária e o poder de comando

empresarial foi largamente demonstrada, pela primeira vez, na célebre pesquisa dos

economistas Adolf A. Berle Jr. e Gardiner Means, elaborada com base em dados

estatísticos de 1929, tendo como objetivo de estudar as mudanças, então em curso,

na propriedade das grandes companhias norte-americanas. Segundo Adolf A. Berle

Jr. e Gardiner Means (1988, p. 85), o controle interno de uma companhia pode ser

classificado em cinco espécies, a saber: a) controle totalitário, modalidade em que a

titularidade da quase totalidade das ações emitidas pela companhia encontra-se

concentrada nas mãos de um único acionista; b) controle majoritário, modalidade em

que o poder de controle é exercido por quem é titular de mais da metade das ações

com direito a voto; c) controle obtido mediante expedientes legais (through a legal

device), modalidade que recebeu severas críticas e acabou não sendo reconhecida

por grande parte de nossos doutrinadores24 como uma modalidade própria de poder

de controle; d) controle minoritário, modalidade em que o acionista, muito embora

24 Conforme Fábio Konder Comparato (2005, p. 64):

muito discutível é essa espécie de controle na classificação de Berle e Means: aquele que se exerce mediante um expediente ou artifício legal. Dos exemplos assinalados pelos prestigiosos autores – o controle piramidal ou em cadeia num grupo societário, a existência de ações sem direito de voto, a emissão de ações com voto limitado e o voting trust – somente o último poderia, a rigor, ser distinguido das demais espécies de controle, pela própria peculiaridade do trust de dissociar direitos de vários titulares sobre uma mesma coisa. O trustee não pode ser assimilado a um proprietário (owner), e nesse sentido exerce o controle sem propriedade, mas, fundado, de qualquer modo, em direito próprio. A originalidade do instituto não permite a generalização dessa espécie particular de controle aos demais sistemas jurídicos.

87

seja titular de menos da metade das ações com direito a voto, dirige os negócios

sociais e elege a maioria dos administradores; e e) controle gerencial (management

control), modalidade em que o controle não está mais associado à participação

acionária, mas sim às prerrogativas dos administradores que, em razão do alto grau

de dispersão das ações emitidas pela companhia, assumem o controle empresarial

(COMPARATO, 2005, p. 51; COELHO, 2002, v. 2, p.279).

A Lei 6.404/76 introduziu em nosso ordenamento jurídico a figura do

acionista controlador. Trata-se, nos termos do artigo 116 da citada lei, de toda

pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou

sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de

modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o

poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente

seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da

companhia.

Portanto, o acionista para deter o poder de controle interno da companhia

deverá titularizar ações que lhe confiram, de modo permanente, a maioria dos votos

nas deliberações assembleares e o poder de eleger a maioria dos administradores

da companhia, usando assim efetivamente esse poder para dirigir os negócios

sociais. Neste sentido, para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 486), “controlar uma

companhia é o poder de impor a vontade nos atos sociais e, via de conseqüência,

de dirigir o processo empresarial, que é o seu objeto”.

A Lei 6.404, de 1976, ao estabelecer o requisito de permanência no poder

decisório nas deliberações da assembléia geral, afastou do conceito de controle o

voto decisivo que seja meramente eventual e episódico. A interpretação do conceito

de permanência não acarreta grandes controvérsias quando o poder de controle é

88

exercido por acionista detentor da maioria absoluta das ações votantes da

companhia. Todavia, nas hipóteses em que o controle passa a ser exercido por

acionistas que não detenham a maioria das ações representativas do capital votante

da companhia, exige-se uma interpretação administrativa e jurisprudencial para a

sua caracterização. Assim, o Conselho Monetário Nacional, através do item IV da

Resolução 401, de 1976, estabeleceu que na companhia cujo controle é exercido

por pessoa, ou grupo de pessoas que não seja titular de ações que assegurem a

maioria absoluta dos votos do capital social, considera-se acionista controlador, a

pessoa ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de acionistas, ou sob controle

comum, que seja titular de ações que assegurem a maioria absoluta dos votos dos

acionistas presentes nas três últimas assembléias gerias da companhia25. Esse é o

entendimento da grande maioria de nossos doutrinadores, como Fábio Ulhoa Coelho

(2002, v. 2, p. 280), Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 489), Egberto Lacerta

Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 1, p. 296)

Observa-se, assim, que o conceito de acionista controlador adotado pela

Lei 6.404, de 1976, abrange todas as modalidades de controle apresentadas por

Adolf A. Berle Jr. e Gardiner Means. Isso significa que o direito societário brasileiro

encontra-se preparado, no plano normativo, para acolher as evoluções no mercado

de capitais, decorrentes de maior dispersão de ações e de eventual mudança no

perfil do poder de controle totalitário que predomina atualmente na economia

brasileira (COELHO, 2002, v. 2, p. 279). Isso porque, diversamente do que ocorre

nos Estados Unidos, no Brasil é extrema a concentração acionária.

25 Nota-se que a citada Resolução nº 401, de 1976, tinha por objeto regulamentar a alienação do poder de controle das companhias abertas, a que se deveria proceder, mediante oferta pública para aquisição de ações, com prévia autorização da CVM, conforme dispunha o artigo 254 da Lei 6.404/76. Ocorre que, com a revogação do citado artigo pela Lei 9.457, de 05 de maio de 1997, a norma infralegal que o disciplinava perdeu a eficácia. No entanto, como bem observa Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 279), o critério para a caracterização do conceito de permanência continua pertinente.

89

Neste sentido, como bem observa Calixto Salomão Filho, na atualização

da obra O Poder de Controle na Sociedade Anônima, de Fábio Konder Comparato,

de acordo com dados constantes no White Paper on Corporate Governance in Latin

América, emitido pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento

Econômico (OCDE), em 2003, mais da metade das ações das 459 companhias de

capital aberto pesquisadas estão em mãos de um único acionista, sendo que 65%

das ações estão detidas pelos três maiores acionistas. Como indicado no estudo,

prossegue Calixto Salomão Filho, esses números certamente subestimam a real

concentração acionária existente no Brasil. Primeiro porque as companhias da

amostra tendem a ser menos concentradas que as companhias menores e segundo

porque muitas vezes os três maiores acionistas pertencem ao mesmo grupo

econômico (COMPARATO, 2005, p. 75).

Independentemente da modalidade de controle exercida internamente na

companhia, o acionista controlador deverá utilizar o seu poder com o escopo de

fazer com que a sociedade exerça o seu objeto social, atuando de forma a respeitar

e atender aos interesses dos demais acionistas, empregados e da comunidade em

que a companhia atua. Portanto, se por um lado, o poder de controle atribui ao

acionista o domínio absoluto da companhia, por outro lado, exige do acionista

controlador uma atuação voltada para a realização dos objetivos da companhia,

respondendo assim aos acionistas e empregados da companhia, bem como perante

o Estado e a coletividade em geral.

Neste sentido, para José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 337/338):

o acionista controlador deve conduzir-se de acordo com os padrões éticos e jurídicos que informam a atividade empresarial, desenvolvendo toda a sua ação no sentido de servir à sociedade e promover os interesses dos acionistas em geral, dos empregados e da comunidade em que atua a empresa.

90

É nesse contexto, em que se busca harmonizar os interesses da

companhia aos interesses de seus acionistas, prestadores de capital e participantes

da vida social, e da própria comunidade, que o poder de controle deve ser exercido,

sem desvios e sem abusos, sem favorecimento indevido de terceiros e sem implicar

no enriquecimento unilateral e exclusivo dos próprios controladores. Para tanto, o

artigo 117 da Lei 6.404, de 1976, estabelece que o acionista controlador responderá

pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder, passando a

descrever de modo não exaustivo26 certos atos que irão caracterizar o exercício

abusivo do poder de controle.

Ressalta-se que os prejudicados devem ser indenizados não apenas nas

situações descritas no § 1º do artigo 117, mas também sempre que se configurar o

exercício abusivo do poder de controle, caracterizado sempre que o acionista

controlador exercer o seu poder contrariamente ao interesse da companhia, dos

demais acionistas ou da coletividade, seja por lhes cercear o exercício de seus

direitos, seja por objetivar, com o abuso, o enriquecimento ilícito ou vantagem sem

justa causa. Nesses casos, o titular da indenização é sempre aquele que suportou o

dano efetivo patrimonialmente ressarcível, decorrente de ato abusivo praticado pelo

controlador da companhia. Logo, pode se enquadrar nessa situação, tanto a

companhia, como os seus acionistas minoritários, empregados e a própria

comunidade.

26 Como bem observa Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 503), a orientação da lei de 1976 foi sempre a de adotar padrões amplos (standards), permitindo ao juiz e às autoridades administrativas (CVM) incluir, nas enunciações que a lei traz, os atos lesivos efetivamente praticados pelos controladores. Portanto, conclui o citado jurista, cabe à Comissão de Valores Mobiliários, no âmbito de suas atribuições regulamentares, permanentemente apontar os atos, práticas e condutas dos controladores que se capitulam nas modalidades enunciadas na lei, desde que se enquadre nos standarts contidos no § 1º do artigo 117 da Lei 6.404/76.

91

O fato de existir uma coibição à prática de atos abusivos por parte do

acionista controlador, não significa que, inexistindo abuso, cuja prova muitas vezes é

de extrema complexidade e subjetividade, toda e qualquer decisão tomada pelo

acionista controlador prevalecerá em detrimento da minoria acionária.

Para resguardar os acionistas em geral contra a atuação dos

controladores, a Lei 6.404, de 1976, prevê que certos direitos deverão ser

considerados essenciais aos acionistas (item 1.4 infra), como, por exemplo, o direito

de participar dos lucros sociais, que jamais poderá ser suprimido do acionista, seja

por previsão estatutária, seja por deliberação assemblear. A citada lei também cria

certos instrumentos e mecanismos que garantem aos acionistas minoritários o direito

de atuar ou, ao menos, de fiscalizar de maneira mais próxima a gestão da

companhia.

2.1.3 Considerações sobre os instrumentos de proteção da minoria acionária

Na sistemática da Lei 6.404, de 1976, tal no Decreto Lei 2.627/40, os

direitos dos acionistas perante a companhia podem ser agrupados em certas

categorias, distinguindo-se uma das outras, sobretudo, por dois aspectos

fundamentais, a saber: a) sua origem; e b) a possibilidade de modificação e renúncia

do direito (TEIXEIRA, GUERREIRO 1979, v. 1, p. 278). A primeira categoria é a dos

direitos individuais que têm origem na lei e são comuns a todos os acionistas da

companhia, independentemente do número de ações que possuam. Os direitos

individuais são imutáveis e não podem ser derrogados nem pelo estatuto social, nem

por decisão da assembléia geral, não se admitindo também a sua renúncia pelos

acionistas da companhia. Dentro desta categoria se encontram os direitos essenciais

92

e os direitos da minoria, sendo esses últimos considerados uma categoria própria

para alguns doutrinadores, como Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 335), para

quem, ao contrário dos direitos individuais, “os direitos da minoria pressupõem a

titularidade de um número mínimo de ações e que o acionista não seja controlador,

nem faça parte do grupo controlador da companhia”. Todavia, tal como os direitos

individuais, os direitos da minoria têm origem na lei e não podem ser derrogados

nem pelo estatuto social, nem por decisão da assembléia geral, não se admitindo

também a sua renúncia pelos acionistas da companhia. A segunda categoria é a dos

direitos sociais ou coletivos que têm origem nos estatutos da companhia, podendo

ser modificados, mediante reforma estatutária realizada por deliberação assemblear,

submetendo-se, assim, ao princípio majoritário e, conseqüentemente, a vontade dos

acionistas controladores da companhia.

Os direitos individuais surgem como valoroso instrumento na proteção da

minoria acionária, estabilizando as relações de poder internas na companhia, uma

vez que a decisão majoritária do acionista controlador não prevalecerá quando

contrária às prerrogativas individuais dos demais acionistas. Trata-se de limite

imposto ao poder de controle, não eliminável pelo estatuto social, nem por

deliberação da assembléia geral. Portanto, ainda que prevaleça o princípio da

maioria na sociedade anônima, esse não será absoluto, uma vez que não poderá

modificar as regras que protejam os direitos individuais dos acionistas da

companhia.

Os direitos essenciais dos acionistas, considerados direitos individuais a

eles assegurados pela Lei 6.404/76, são, conseqüentemente, inderrogáveis,

irrenunciáveis, indisponíveis e imutáveis. São inderrogáveis, pois o acionista jamais

poderá ter um direito essencial suprimido, seja por deliberação da assembléia geral,

93

seja por previsão estatutária. Não poderá o acionista, por sua vez, dispor e renunciar

os direitos essenciais declarados por lei, podendo, todavia, deixar de exercê-lo em

determinadas situações. Por fim, os direitos essenciais são imutáveis, não podendo

ser modificados por deliberação da assembléia geral, ou pelo estatuto social.

No que tange à renúncia, valorosa distinção faz Modesto Carvalhosa

(2003, v. 2, p. 337) entre ela e o não exercício do direito, cuja confusão é encontrada

freqüentemente na interpretação da matéria. Para o citado jurista, “não pode o

acionista, com efeito, dispor e renunciar em abstrato e a priori os direitos essenciais

declarados na lei”. Pode, entretanto, deixar, em determinados momentos, de

concretamente exercê-los, como é o caso, do direito de preferência. O fato de não

haver o exercício da prerrogativa, conclui Modesto Carvalhosa, “não implica renúncia

ou disposição, nem pode ser entendido como um consentimento tácito à derrogação

do direito, que permanecerá sempre intangível”. Nota-se, entretanto, que certos

direitos essenciais são de caráter passivo, como, por exemplo, o direito de participar

dos lucros sociais e o de participar do acervo líquido da companhia em caso de

dissolução. Portanto, o exercício desses direitos independem da própria vontade dos

acionistas, razão pela qual, além de irrenunciáveis e indisponíveis, são

automaticamente atribuíveis ao acionista, não havendo como deixar de exercê-los

(CARVALHOSA, 2003, v. 2, p. 338).

Antes da analise mais detalhada dos direitos essenciais previstos no

artigo 109 da Lei 6.404/76, cumpre-nos observar que existem outros direitos

individuais de caráter intangível, inderrogável, imutável, indisponível e irrenunciável.

Esses direitos individuais encontram-se previstos em artigos esparsos na citada Lei

6.404/76, a saber: a) o direito do acionista poder negociar livremente suas ações,

não podendo as eventuais limitações estatutárias da companhia fechada impedi-lo

94

de exercer esse direito (artigo 36); b) o direito de convocar a assembléia geral

quando os administradores retardarem por mais de sessenta dias a convocação

prevista em lei ou no estatuto social (artigo 123, § único, “b”); c) o direito de

participar das assembléias e nelas discutir os assuntos da pauta (artigo 125); d) o

direito de exigir a autenticação de cópia ou exemplar das propostas, proposições,

protestos e declarações de voto oferecidos em assembléia geral cuja ata seja

lavrada de forma sumária (artigo 130, §1º, “b”); e) o direito de requerer a redução a

escrito, autenticada pela mesa da assembléia e fornecida por cópia ao solicitante,

dos esclarecimentos prestados pelos administradores de companhia aberta, ao

firmar o termo de posse, sobre o número de ações, bônus de subscrição, opções de

compra de ações e debêntures conversíveis em ações, de emissão da companhia e

de sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular (artigo 157, §2º);

f) direito de propor ação de responsabilidade contra administradores, por

substituição processual da companhia (artigo 159, §3º); e g) direito de propor ação

de anulação dos atos constitutivos da companhia (artigo 206, inciso II, “a”).

Os acionistas minoritários também terão assegurados certos direitos que,

muito embora tenham também sua origem na lei e sejam inderrogáveis, imutáveis,

irrenunciáveis e indisponíveis, exigem, ao contrário dos direitos individuais, a

titularidade de um número mínimo de ações e que o acionista não seja controlador,

nem faça parte do grupo controlador da companhia. Trata-se dos direitos dos

acionistas minoritários, que juntamente com os direitos individuais, constituem

valoroso instrumento de proteção dos interesses desse grupo de acionistas. São

eles: a) para os acionistas titulares de ações representativas de, no mínimo, 0,5% do

capital social, o direito de requerer aos administradores a relação de endereços dos

acionistas, para os fins previstos no §1º do artigo 126 da Lei 6.404/76; b) para os

95

acionistas titulares de 5%, no mínimo, do capital social, o direito de requerer em

juízo a exibição integral dos livros da companhia (artigo 105 da Lei 6.404/76); o

direito de convocar assembléia geral, quando os administradores não atenderem, no

prazo de 08 dias, a pedido de convocação de assembléia devidamente

fundamentado, com a indicação das matérias a serem tratadas (artigo 123, §único,

“c” da Lei 6.404/76); o direito de solicitar, por escrito, à companhia de capital fechado

que sua convocação para a assembléia geral se dê por carta ou telegrama (artigo

124, §3º da Lei 6.404/76); o direito de solicitar à companhia que lhe remeta cópia

dos documentos que se acham à disposição dos acionistas, na sede social,

pertinentes à realização da assembléia geral ordinária (artigo 133, §2º da Lei

6.404/76); o direito de solicitar aos administradores de companhia de capital aberto

que revelem à assembléia geral ordinária as opções de compra de ações que

tiverem contratado ou exercido e o número dos valores mobiliários de emissão da

companhia ou de sociedades controladas, ou do mesmo grupo, que tiverem

adquirido ou alienado, diretamente, ou através de outras pessoas no exercício

anterior, bem como os benefícios ou vantagens, indiretas ou complementares, que

tenham recebido ou estejam recebendo da companhia e de sociedades coligadas,

controladas ou do mesmo grupo (artigo 157, §1º da Lei 6.404/76); e o direito de

propor ação de responsabilidade contra os administradores, se a assembléia geral

deliberar a não propositura da ação (artigo 159, §4º da Lei 6.404/76); c) para os

acionistas titulares de 5%, no mínimo, das ações com direito a voto, ou 5%, no

mínimo, das ações sem direito a voto, o direito de convocar assembléia geral,

quando os administradores não atenderem, no prazo de 08 dias, a pedido de

convocação de assembléia para instalação de conselho fiscal (artigo 123, §único, “d”

da Lei 6.404/76); d) para os acionistas titulares de 5%, no mínimo, das ações sem

96

direito a voto, o direito de requerer a instalação do Conselho Fiscal (artigo 161, §2º

da Lei 6.404/76); e) para os acionistas titulares de 10%, no mínimo, das ações com

direito a voto, o direito de requerer a adoção do processo de voto múltiplo para a

eleição dos membros do conselho de administração (artigo 141 da Lei 6.404/76); o

direito de requerer a instalação do Conselho Fiscal (artigo 161, §2º da Lei 6.404/76)

e eleger, em votação em separado, um membro e respectivo suplente desse órgão

de fiscalização (artigo 161, §4º da Lei 6.404/76).

Considerando o escopo dessa dissertação de mestrado, não iremos nos

aprofundar na análise dos instrumentos de proteção da minoria acionária, ou seja,

dos direitos das minorias, acima apresentados, limitando o nosso estudo ao direito

de participar dos lucros sociais, um dos direitos essenciais previstos no artigo 109 da

Lei 6.404/76, que constitui mecanismo fundamental para a estabilização das

relações de poder internas na companhia.

2.2 Os direitos essenciais como instrumento de estabilização das relações de poder

O adequado estudo do direito de participar dos lucros sociais, requer a

prévia análise do contexto em que esse direito individual, essencial e imutável se

insere em nosso ordenamento jurídico. Trata-se, juntamente ao demais direitos

essenciais previstos no artigo 109 da Lei 6.404/76, de importante instrumento que

visa a garantir a estabilização nas relações de poder internas à companhia, razão

pela qual não poderá ser suprimido do acionista, seja por previsão estatutária, seja

por deliberação da assembléia geral.

Observa-se que os direitos essenciais consistem em direito individual de

todo acionista e não apenas dos acionistas minoritários que não integram o bloco de

97

controle da companhia. Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 289)

ensina que:

não se devem considerar os direitos essenciais apenas pela perspectiva da tutela dos minoritários, porque eles, em certo sentido, também asseguram a conservação do poder de controle, como no caso do direito de preferência na subscrição de novas ações.

Além do direito de participar dos lucros sociais que, considerando o

escopo dessa dissertação de mestrado, será estudado em separado e de forma

mais aprofundada posteriormente (2.3 infra), o artigo 109 da Lei 6.404/76 apresenta

os seguintes direitos como sendo essenciais: a) direito de participar do acervo da

companhia em caso de liquidação (inciso II); b) direito de fiscalizar os atos de gestão

praticados pelos administradores da companhia, nos termos da lei (inciso III); c)

direito de preferência na subscrição de novas ações, de bônus de subscrição e de

outros valores mobiliários conversíveis em ações (inciso IV); e d) o direito de retirar-

se da companhia, nas hipóteses previstas em lei (inciso V).

2.2.1 Direito de participar do acervo líquido

Nos termos do artigo 109, inciso II da Lei 6.404, de 15 de dezembro de

1976, é direito essencial do acionista participar do acervo da companhia, em caso de

liquidação. Observa-se, portanto, que o direito de participação no acervo da

companhia somente ocorre quando de sua liquidação, que é uma das etapas do

processo de dissolução da pessoa jurídica. Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho

(2002, v. 2, p. 291) afirma que é pressuposto para o exercício desse direito essencial

a dissolução da sociedade anônima.

98

O direito de participação no acervo da companhia é um direito

condicional, uma vez que não se efetivará senão quando verificada a sua condição,

qual seja, a liquidação da companhia. Nota-se, entretanto, que mesmo nesta

hipótese, o acionista poderá não participar do acervo da companhia, caso não seja

apurado saldo residual após o pagamento dos credores da sociedade e dos titulares

de partes beneficiárias. Neste sentido, Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 350)

ensina que para esse direito individual se tornar certo, há necessidade da

instauração do estado de liquidação da companhia e apuração de saldo patrimonial

positivo final atribuível aos acionistas.

Uma vez realizado o pagamento dos credores da companhia, poderá o

liquidante dividir o patrimônio líquido remanescente entre os acionistas. Para tanto,

será pago a cada ação o valor patrimonial correspondente que, segundo Fábio

Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 291), resulta da divisão do dinheiro em caixa,

decorrente da realização do ativo e satisfação do passivo, pelo número de ações

emitidas pela companhia, independentemente de espécie ou classe.

Cumpre ressaltar, no entanto, que a referida fórmula geral para a

participação igualitária dos acionistas no acervo líquido da companhia não é

absoluta, podendo ser excetuada em duas hipóteses: a) previsão estatutária de

vantagem conferida às ações preferenciais no momento da partilha (artigo 17, inciso

II da Lei 6.404/76); b) atribuição de bens aos sócios (artigo 215, § 1º da Lei

6.404/76).

Em relação à primeira hipótese, a companhia, ao emitir ações

preferenciais, pode atribuir a elas a vantagem de assegurar ao seu titular prioridade

no reembolso do capital no momento da partilha, possibilitando a esse

preferencialista, por igual quantidade de ações, receber quantia superior àquela

99

paga ao titular de ações ordinárias. Assim, se determinada companhia estabelece

em seu estatuto social que a ação preferencial atribuirá ao seu titular, na hipótese de

liquidação da companhia, o direito de receber reembolso 5% superior ao valor pago

ao titular de ação ordinária, a observância dessa disposição acarretará na

desproporção entre o patrimônio líquido e o número de ações emitidas.

Quanto à segunda hipótese, observa-se que, nos termos do mencionado

artigo 215, § 1º da Lei 6.404/76, a assembléia geral da companhia liquidanda poderá

aprovar a partilha pela atribuição de bens aos sócios, desde que tal matéria seja

aprovada por acionistas titulares de 90% das ações emitidas pela companhia e não

haja prejuízo aos acionistas minoritários. Assim, ao invés de vender os bens

integrantes do ativo da companhia, estes são transferidos aos acionistas pelo valor

contábil ou por aquele fixado na referida assembléia.

2.2.2 Direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais

O acionista não poderá ser privado, nem pelo estatuto social, nem pela

assembléia geral, do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, na forma

prevista na Lei 6.404/76. Trata-se de direito extremamente relevante para a proteção

dos interesses do acionista, permitindo-lhe acompanhar o desenrolar das atividades

empresariais, através dos instrumentos legalmente previstos.

Ressalta-se, entretanto, que o direito de fiscalização nas sociedades

anônimas não possui a mesma amplitude do revogado artigo 290 do Código

Comercial, que, em linhas gerais, assegurava aos sócios de associações mercantis

o direito de examinar todos os livros, documentos, escrituração, correspondências e

caixa da sociedade, sempre que assim o requeresse.

100

O direito de fiscalização nas sociedades anônimas não é irrestrito, uma

vez que a Lei das Sociedades Anônimas determina os instrumentos a serem

utilizados pelos acionistas para o exercício desse direito essencial. Logo, conforme

Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 292):

o acionista não pode, a pretexto de exercer seu direito essencial de fiscalização, pretender assistir às reuniões de diretoria, ser informado das balizas das negociações em que está envolvida a sociedade, inspecionar o estabelecimento empresarial, fazer o controle físico do estoque, ou outras ações que, mesmo reputadas relevantes por ele, não estão especificadamente mencionadas na lei como instrumento ao seu alcance.

O direito de fiscalização pode ser exercido diretamente pelo acionista,

através do acesso aos livros societários (artigo 105 da Lei 6.404/76), ou da

participação em assembléias gerais e, nelas, discutindo as matérias postas em

votação, tais como o relatório da administração sobre os negócios sociais, a

prestação de contas dos administradores, as demonstrações financeiras do exercício

(artigos 132, inciso I e 133 da Lei 6.404/76), como também indiretamente, através do

conselho fiscal (artigo 161 da Lei 6.404/76) e da auditoria independente, obrigatória

nas companhias abertas (artigo 177, §3º da Lei 6.404/76).

O acesso aos livros societários é um instrumento de fiscalização posto a

disposição de acionista, ou de grupo de acionistas, que será ordenada judicialmente

quando forem atendidas as seguintes condições: a) ser o acionista ou o grupo de

acionistas titular de, pelo menos, 5% (cinco por cento) do capital social; e b) serem

apontados atos violadores da lei ou do estatuto, ou ser manifestada suspeita de

graves irregularidades praticadas por qualquer órgão da companhia. Para Fábio

Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 294), “esse instrumento de exercício do direito de

fiscalização é bastante improfícuo, porque raramente a escrituração da companhia

dará ensejo à produção de prova inequívoca de violação à lei ou estatuto, ou de

101

grave irregularidade”. A fiscalização direta dos administradores também poderá ser

realizada através da verificação do relatório da administração sobre os negócios

sociais, bem como da análise das demonstrações financeiras que deverão ser

postos à disposição dos acionistas, até um mês antes da data marcada para a

realização da assembléia geral ordinária (artigo 133 da Lei 6.404/76), ocasião em

que todos acionistas, independentemente da espécie ou classe de ação de que seja

titular, poderão discutir as matérias postas em votação, tais como os referidos

documentos elaborados pelos administradores da companhia (artigo 125, parágrafo

único da Lei 6.404/76). Ressalta-se que, nos termos do artigo 134, §3º da LeI

6.404/76, somente a aprovação, sem reserva, pelos acionistas titulares de ações

com direito a voto, das demonstrações financeiras e das contas, exonera de

responsabilidade os administradores da companhia.

Quanto à fiscalização indireta dos atos de gestão dos negócios sociais, o

principal instrumento posto à disposição dos acionistas é o Conselho Fiscal, órgão

de assessoramento da assembléia geral na fiscalização dos atos praticados pelos

administradores da companhia. Conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.228), o

conselho fiscal é órgão de assessoramento da assembléia geral, na apreciação das

contas dos administradores e na votação das demonstrações financeiras da

sociedade anônima, sendo de existência obrigatória, mas de funcionamento

facultativo27.

Assim, uma vez em funcionamento, o conselho fiscal torna-se relevante

instrumento de fiscalização dos atos de gestão dos negócios da companhia, pois a

27 Na hipótese do conselho fiscal não estar em funcionamento, acionista ou grupo de acionistas titular de, no mínimo, 5% do capital votante ou, pelo menos, 5% do capital não votante, poderá convocar assembléia geral para a sua instalação, se os administradores não atenderem, no prazo de 08 dias, a pedido para a convocação da assembléia geral. Ademais, o conselho fiscal poderá ser instalado em qualquer assembléia geral, a pedido de acionistas que representem, no mínimo, 10% das ações votantes, ou, pelo menos, 5% das ações não votantes.

102

esse órgão compete: a) fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos

administradores e verificar o cumprimento de seus deveres legais (artigo 163, inciso

I da Lei 6.404/76); b) opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo

constar do se parecer as informações complementares que julgar necessárias ou

úteis à deliberação da assembléia geral (artigo 163, inciso II da Lei 6.404/76); c)

opinar sobre as propostas dos órgãos da administração, a serem submetidos à

assembléia geral, relativas a modificação do capital social, emissão de debêntures

ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos de capital,

distribuição de dividendos, transformação, incorporação, fusão ou cisão (artigo 163,

inciso III da Lei 6.404/76); d) denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos

de administração e, se estes não tomarem as providências necessárias para a

proteção dos interesses da companhia, à assembléia geral, os erros, fraudes, ou

crimes que descobrirem, e sugerir providencias úteis à companhia (artigo 163, inciso

IV da Lei 6.404/76); e e) analisar o balancete e demais demonstrações financeiras

da companhia, cabendo aos órgãos de administração colocar à disposição dos

membros do conselho fiscal, dentro do prazo legal, cópias das atas de suas

reuniões, balancetes e demais demonstrações financeiras e, quando houver, dos

relatórios de execução de orçamentos da companhia, prestando, ainda, sempre que

solicitados pelos conselheiros fiscais, todas as informações e esclarecimentos

solicitados (artigo 163, inciso VI, §1º e §2º da Lei 6.404/76).

Outro instrumento de fiscalização indireta dos atos de gestão dos

negócios sociais é a auditoria independente, obrigatória para as companhias

abertas, nos termos do artigo 177, §3º da Lei 6.404/76. Conforme Fábio Ulhoa

Coelho (2002, v. 2, p. 294):

103

a auditoria independente consiste num conjunto de procedimentos de verificação da regularidade da escrituração mercantil e das demonstrações contábeis da sociedade anônima, e é procedida por empresas especializadas, que devem ser registradas na Comissão de Valores Mobiliários, para prestarem serviços a companhias abertas.

Após a análise dos principais instrumentos postos à disposição dos

acionistas para a fiscalização dos administradores das sociedades anônimas, é

relevante ressaltar que o direito essencial de fiscalização pressupõe o conhecimento

exato dos negócios da sociedade e dos atos praticados pelos administradores. Por

isso, torna-se impossível imaginar o exercício do direito de fiscalização dissociado

do direito à informação, que apesar de não ter sido expressamente previsto no artigo

109 da Lei 6.404/76, como sendo um direito essencial, deve ser considerado como

tal, dada a sua importância. Neste sentido, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2,

p. 206), “o direito à informação é indissociável do direito de fiscalização e, assim,

embora não relacionado especificamente na lei, deve ser tido como essencial, no

sentido de que não pode ser suprimido nem pelo estatuto, nem pela assembléia”.

Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 352), os direitos de informação,

de fiscalização e de inspeção, e correspondentes direitos de ação, exercidos pelos

acionistas individualmente ou na qualidade de minoritários, fundam-se no princípio

da verificação da legalidade e da legitimidade (abuso e desvio de poder) dos atos

praticados pelos órgãos da companhia e pelos controladores, podendo, qualquer

cerceamento ou impedimento ao exercício desses direitos, ser objeto de medida

judicial ou arbitral de anulação do ato ilegal praticado, e de reparação por perdas e

danos cabíveis.

104

2.2.3 Direito de preferência

É direito essencial de qualquer acionista a preferência para a subscrição

de ações, de partes beneficiárias conversíveis em ações, de debêntures

conversíveis em ações e de bônus de subscrição, observado o disposto nos artigos

171 e 172 da Lei 6.404/76 (artigo 109, inciso IV da Lei 6.404/76). Trata-se de um

direito essencial, na medida em que tem por finalidade assegurar a manutenção da

relação de poder estabelecida entre os acionistas nos aumentos de capital social,

beneficiando tanto o acionista controlador, como o acionista minoritário.

Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 353), a conservação do

percentual do capital que os acionistas inicialmente subscreveram na companhia

não tem apenas sentido patrimonial, pois também repercute nos direitos de natureza

pessoal do acionista, notadamente porque a lei exige porcentagem mínima de ações

para o exercício de determinados direitos. O acionista minoritário que possui ações

representativas de, pelo menos, 10% (dez por cento) do capital votante tem, por

exemplo, o direito de requerer a adoção do processo de voto múltiplo na eleição dos

membros do conselho de administração (artigo 141, “caput” da Lei 6.404/76), bem

como solicitar a instalação do conselho fiscal (artigo 161, §2º da Lei 6.404/76) (item

1.1.1.2 supra). Logo, se fosse aprovado o aumento de capital social da companhia e

não fosse assegurado ao acionista o direito de preferência de subscrição de novas

ações, na mesma proporção daquelas por ele detidas, esse acionista poderia perder

o seu direito de requerer a adoção do processo de voto múltiplo e de solicitar a

instalação do conselho fiscal.

É importante ressaltar, conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2,

p. 297), que a definição da preferência como direito essencial atende à condição

105

jurídica de preservação das posições acionárias, mas, para que realmente não

ocorra nenhuma variação nas relações de poder, o minoritário deve dispor do

dinheiro necessário à integralização do montante por ele subscrito. Assim, para

evitar a indevida utilização do aumento de capital, como forma de isolar minorias, a

lei considera ato abusivo de poder a emissão de valores mobiliários que não tenham

por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários

(artigo 117, §1º, alínea “c”).

Conforme Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 559), o exercício do direito

de preferência é oneroso, facultativo, renunciável e cedível. A renúncia, entretanto,

somente pode ser eficaz, quando exercida em cada caso, ou seja, após a

deliberação do aumento. Isso porque, conforme já analisado no item 1.1.1.2 supra, a

renúncia universal, ou a priori, de um direito essencial é nula. A renúncia deverá ser

específica para cada aumento deliberado, podendo ser dada tacitamente,

evidenciada pelo não exercício da prerrogativa, ou de maneira expressa.

Em regra, assegura-se ao acionista, na proporção das ações de que é

titular, em cada classe, direito de preferência na subscrição de ações da mesma

classe, ou de partes beneficiárias conversíveis em ações, de debêntures

conversíveis em ações, ou ainda de bônus de subscrição (BATALHA, 1977, v. 2, p.

544).

No entanto, pode ocorrer de existirem ações de diversas espécies e

classes em uma mesma companhia. Nessa hipótese, observa-se as seguintes

regras: a) no caso de aumento de capital, na mesma proporção, do número de

ações de todas as espécies e classes existentes, cada acionista exercerá o direito

de preferência sobre ações idênticas às de que for possuidor (artigo 171, § 1º, alínea

“a” da Lei 6.404/76); b) se as ações emitidas forem de espécie e classes existentes,

106

mas importarem alteração das respectivas proporções no capital social, a

preferência será exercida sobre ações de espécies e classes idênticas às de que os

acionistas forem possuidores, somente se estendendo às demais se aquelas forem

insuficientes para lhes assegurar, no capital aumentado, a mesma proporção que

tinham no capital antes do aumento (artigo 171, § 1º, alínea “b” da Lei 6.404/76); ou

c) se houver emissão de ações de espécie ou classe diversa das existentes, cada

acionista exercerá a preferência, na proporção do número de ações que possuir,

sobre ações de todas as espécies e classes do aumento (artigo 171, § 1º, alínea “c”

da Lei 6.404/76).

O prazo de decadência para o exercício do direito de preferência deverá

ser fixado no estatuto social ou, sendo esse omisso, pela assembléia geral ou pelo

conselho de administração, quando a este competir deliberar sobre o aumento, e

não poderá ser inferior a 30 (trinta) dias (artigo 171, §4º da Lei 6.404/76). Ressalta-

se que, nos casos de usufruto ou de fideicomisso, o direito de preferência poderá ser

exercido pelo usufrutuário ou fideicomissário, quando não o for pelo acionista até 10

(dez) dias antes da decadência (artigo 171, §5º da Lei 6.404/76).

Conforme José Edwaldo Tavares Borba (2001, p. 427), “durante o prazo

para o exercício do direito de preferência, poderão os acionistas subscrever

diretamente as ações ou ceder os seus direitos a terceiro28”. Uma vez exaurido o

prazo para o exercício do direito de preferência sem que o mesmo tenha sido

exercido pelo acionista ou, conforme o caso, pelo usufrutuário, fideicomissário ou

cessionário, a companhia deverá ratear as ações não subscritas entre os acionistas

28 Em relação à cessão do direito de preferência, ensina Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 357) tratar-se de direito individual do acionista, que não pode ser impedido pelo estatuto ou pela assembléia geral. Entretanto, pondera o citado jurista, se, na companhia fechada, o estatuto adotar pacto parassocial limitando a circulação as ações nominativas (artigo 36 da Lei 6.404/76), há necessidade de conciliar o direito de cessão da preferência com as restrições estatutárias, não afetando as ações cujos titulares não tenha expressamente concordado com esse pacto parassocial estatutário ex vi do parágrafo único do artigo 36 da Lei 6.404/76.

107

que haviam solicitado, oportunamente, reserva de sobras (artigo 171, § 7º, alínea “b”

e § 8º da Lei 6.404/76). Note-se que, sendo a companhia aberta, terá ela ainda

como alternativa mandar vender em bolsa as sobras (artigo 171, § 7º, alínea “b” da

Lei 6.404/76); no entanto, sendo ela fechada, restando ainda saldo de ações não

subscritas mesmo após o atendimento aos pedidos de reserva de sobras, a

companhia estará liberada para oferecer as ações à subscrição de terceiros

(COELHO, 2002, v. 2, p.298).

Embora seja um direito essencial, a preferência na subscrição de ações,

bônus de subscrição e outros valores mobiliários conversíveis em ações poderá ser

excluída pelo estatuto social de companhia aberta, com capital autorizado, quando

esses valores mobiliários forem emitidos para venda em Bolsa de Valores ou

subscrição pública, ou ainda para permuta em oferta pública de aquisição de poder

de controle (artigo 172 da Lei.404/76). Note-se que somente as companhias abertas

que adotarem o regime de capital autorizado poderão excluir estatutariamente o

direito de preferência. Para tanto, é imprescindível que a colocação dos valores

mobiliários seja feita em bolsa ou por subscrição pública, ou então sejam tais valores

objeto de permuta por ações, em oferta pública de aquisição de controle

(CARVALHOSA, 2003, v. 2, p.355).

Em relação à exclusão do direito de preferência para a subscrição de

ações, a Lei das Sociedades Anônimas estabelece ainda que, tanto o estatuto social

da companhia de capital aberto, como o da companhia de capital fechado, poderá

prevê-la, nos termos de lei especial sobre incentivos fiscais.

108

Em regra, esclarece Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 582),

tais ações são emitidas sem direito de voto, e a exclusão do direito de preferência, na espécie, é coerente com o sistema de captação e distribuição de tais ações, que atende mais ao desenvolvimento econômico regional do que propriamente aos objetivos específicos de cada empresa.

Outra hipótese de exclusão do direito de preferência para a subscrição de

ações, verifica-se quando esses valores mobiliários forem emitidos para o

atendimento de opção de compra de ações, outorgada geralmente em benefício de

administradores da companhia, no limite do capital autorizado e atendido o Plano de

Concessão aprovado por Assembléia Geral (artigo 168, § 3º e artigo 171 § 3º da Lei

6.404/76).

Cumpre-se ressaltar que as mencionadas hipóteses de exclusão do

direito de preferência não constituem ofensa ao disposto no “caput” do artigo 109 da

Lei 6.404/76. Isso porque não se trata de exclusão estabelecida pelo estatuto ou

pela assembléia geral per se, mas de exceção admitida pela própria legislação

vigente, ou seja, a direito de preferência não fica ao arbítrio decisório das maiorias,

que não podem ignorá-lo, limitá-lo ou elidi-lo sob nenhum pretexto, a não ser quando

os próprios textos legais o permitam (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 1, p. 285).

2.2.4 Direito de recesso

Nos termos do artigo 109, inciso V da Lei 6.404/76, nem o estatuto social

nem a assembléia geral poderá privar o acionista do direito de retirar-se da

companhia nos casos previstos na referida lei. Trata-se do direito de retirada,

também chamado de direito de recesso ou dissidência.

109

Na sociedade anônima, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 301),

“o direito de retirada decorre da dissidência do acionista quanto à deliberação

adotada pela assembléia na apreciação de determinadas matérias, especificamente

definidas na lei”. Segundo Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p.357), o direito de

recesso tem seu fundamento no interesse individual do acionista que resolve não

permanecer vinculado a uma companhia cujas transformações institucionais

operadas por decisão coletiva não logram alcançar a sua concordância. Trata-se,

portanto, de um remédio à regra geral da decisão majoritária, no tocante às

modificações institucionais da companhia.

Neste sentido, Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro

(1979, v. 1, p. 285) entendem que o recesso constitui instrumento destinado a

equilibrar as conveniências das minorias dissidentes e o interesse geral da

companhia, constituindo fórmula capaz de harmonizar os direitos dos vencidos com

o princípio majoritário, que forçosamente há de governar os destinos da sociedade

anônima.

Deste modo, através do direito de recesso, a Lei das Sociedades

Anônimas estabiliza as relações de poder entre os acionistas controlador e

minoritário. Isso porque se, por um lado, permite ao acionista controlador promover

alterações que modifiquem sensivelmente a estrutura da companhia, tais como, a

redução do dividendo mínimo obrigatório (artigo 136, inciso III da Lei 6.404/76), ou a

alteração do objeto social (artigo 136, inciso VI da Lei 6.404/76); por outro lado,

assegura ao acionista contrário a essas modificações um outro instrumento de

desligamento da companhia que não seja a alienação de participação societária.

Neste sentido, afirma Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 358) que o

recesso possibilita ao acionista o direito de liquidar a sua participação na companhia

110

sem precisar procurar um eventual comprador de suas ações no mercado acionário,

se companhia aberta, ou diretamente entre particulares, se fechada.

Para a correta compreensão do tema, cumpre-nos verificar, antes de uma

análise mais detalhada sobre cada uma das hipóteses de recesso, alguns aspectos

significativos relacionados aos meios que o acionista possui para desligar-se de uma

companhia.

Conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 299), o acionista pode

desligar-se da companhia, por vontade própria, através da alienação de sua

participação societária, ou por meio do exercício do direito de retirada. Esses meios

apresentam diferenças significativas quanto à natureza do ato e à estrutura da

relação jurídica correspondente. Em relação à natureza do ato, enquanto a

alienação da participação societária é um acordo, onde as partes compõem seus

interesses livremente, o exercício do direito de retirada é uma declaração unilateral

de vontade imposta à companhia pelo acionista dissidente, não havendo qualquer

negociação, na medida em que a sociedade submete-se à vontade do acionista

dissidente. Já em relação à estrutura do ato, nota-se que, enquanto na alienação da

participação societária, a companhia não é parte do negócio, uma vez que lhe é, em

regra, vedado negociar com as próprias ações (artigo 30 da Lei 6.404/76), no

exercício do direito de retirada são partes o acionista dissidente e a companhia a

qual é imposta o dever de reembolsá-lo.

Dessas diferenças derivam relevantes conseqüências acerca do valor a

ser pago ao acionista interessado em desligar-se da companhia, a saber: a) na

alienação da participação societária, o valor pago pelo adquirente das ações ao

acionista alienante é o de negociação; b) na retirada, o valor pago pela companhia

ao acionista dissidente é o patrimonial.

111

Posto isso, observa-se que o direito de recesso, uma vez exercido pelo

acionista dissidente, representa para a companhia um desinvestimento, podendo,

muitas vezes, colocar em risco a própria exploração da atividade empresarial. Dessa

forma, as causas que autorizam o exercício desse direito devem ser taxativas,

revestindo-se do caráter de numerus clausus a enumeração das hipóteses que dão

ensejo a esse direito e não se permitindo a extensão do recesso a circunstâncias

outras, não incluídas no mencionado elenco (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 1, p.

286).

A Lei 6.404, de 1976, prevê exaustivamente as hipóteses em que os

acionistas dissidentes de deliberação assemblear podem exercer o seu direito de

retirada. Logo, o direito de recesso não é gerado pela divergência do acionista em

relação à aprovação de qualquer matéria. Ao contrário, conforme Fábio Ulhoa

Coelho (2002, v. 2, p. 300), “somente nas hipóteses específica e expressamente

contempladas na lei a discordância do acionista em relação ao deliberado pela

maioria votante gera o direito de retirada”.

As causas que dão ensejo ao exercício do direito de retirada por parte do

acionista dissidente de deliberação assemblear estão previstas nos artigos 137, 221,

223, 236, parágrafo único e 252 da Lei 6.404/76.

2.2.4.1 Hipóteses de recesso previstas no artigo 137 da Lei 6.404/76

Nos termos do “caput” do artigo 137 da Lei 6.404/76, a aprovação das

seguintes matérias dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia: a)

criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais

existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferências

112

(artigo 136, inciso I da Lei 6.404/76); b) alteração nas preferências, vantagens e

condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações

preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida (artigo 136, inciso II da Lei

6.404/76); c) redução do dividendo obrigatório (artigo 136, inciso III da Lei 6.404/76);

d) fusão da companhia ou sua incorporação em outra (artigo 136, inciso IV da Lei

6.404/76); e) participação em grupo de sociedades (artigo 136, inciso V da Lei

6.404/76); f) mudança do objeto da companhia (artigo 136, inciso V da Lei 6.404/76);

e g) cisão da companhia (artigo 136, inciso VI da Lei 6.404/76). Apresentada

sucintamente as hipóteses previstas no artigo 137 da Lei 6.404/76, cumpre-se agora

analisá-las de maneira mais detalhada.

A primeira hipótese de recesso prevista no artigo 137, “caput” da Lei

6.404/76 consiste na criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações

preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações

preferências, salvo se já previsto ou autorizado no estatuto (artigo 136, inciso I da

Lei 6.404/76). Observa-se, entretanto, que, para o exercício do direito de recesso, é

imprescindível ao acionista contrário à aprovação dessa matéria, ser titular de ações

de espécie ou classe prejudicadas com tal deliberação (artigo 137, inciso I da Lei

6.404/76).

Conforme Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p.847), possuem o direito de

recesso tanto os titulares de ações preferenciais como os titulares de ações

ordinárias, desde que seu prejuízo, em virtude da deliberação, possa ser

evidenciado. A propósito, prossegue o citado jurista, deve-se entender amplamente

o termo “prejuízo”, ou seja, no sentido de diminuição de direitos patrimoniais que

determinada espécie ou classe de ações venha a sofrer em decorrência da

deliberação da assembléia geral. Assim, quando a companhia resolve emitir uma

113

nova espécie de ação, criando, por exemplo, ações preferenciais (artigo 136, inciso

I) visando captar recursos, os acionistas titulares de ações ordinárias têm os seus

interesses prejudicados, na medida em que a vantagem pecuniária a ser conferida

aos titulares dessa nova espécie de ações consumirá recursos que seriam, de outro

modo, destinados ao pagamento de dividendos dos titulares de ações ordinárias

(COELHO, 2002, v. 2, p. 301). Nota-se, entretanto, que havendo previsão estatutária

para a criação ou para aumento de classe de ações preferenciais, a lei presume que

os acionistas, ao aderirem ao estatuto social, já sabiam dessa possibilidade, razão

pela qual o direito de retirada não terá cabimento nessa hipótese.

A segunda hipótese de recesso prevista no citado artigo 137, consiste na

alteração das preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de

uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais

favorecida (artigo 136, inciso II da Lei 6.404/76).

O estatuto social da companhia declarará as vantagens ou preferências

atribuídas às ações preferenciais, bem como poderá prever as condições de resgate

ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais (artigo 19 da Lei

6.404/76). Assim, sempre que, por deliberação da assembléia geral, a maioria dos

acionistas aprovarem alterar esses dispositivos estatutários, poderá o acionista

dissidente prejudicado com essa deliberação retirar-se da sociedade. Evidentemente

que a modificação nas preferências ou vantagens, ou ainda nas condições de

resgate ou amortização de uma ou mais classes dessas ações irá interferir, ou nos

direitos patrimoniais dos acionistas titulares destas ações ou, então, nos interesses

dos titulares de ações ordinárias (CARVALHOSA, 2003, v. 2, p. 854). No entanto,

em qualquer hipótese, o acionista deve demonstrar que a deliberação da assembléia

geral causou-lhe redução das perspectivas de retorno do investimento; esse efeito,

114

conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 301), é condição para o exercício do

direito de retirada.

A redução do dividendo obrigatório (artigo 136, inciso III da Lei 6.404/76)

é outra hipótese de recesso prevista no artigo 137, “caput” da Lei 6.404/76. É

evidente que essa decisão, uma vez aprovada na assembléia geral, causará

prejuízos a todos os acionistas da companhia, independentemente da espécie ou

classe de ação que titularizem. Logo, uma vez contrário à aprovação dessa matéria,

o acionista dissidente poderá retirar-se da companhia. Cumpre-se observar que,

para o exercício do direito de recesso com fundamento na redução do dividendo

obrigatório, o acionista dissidente sequer necessita demonstrar à companhia a

redução das perspectivas de retorno de seus investimentos (COELHO, 2002, v. 2, p.

302).

São também hipóteses de recesso previstas no “caput” do artigo 137 da

Lei 6.404/76, a fusão da companhia, a sua incorporação por outra sociedade (artigo

136, inciso IV da Lei 6.404/76), ou ainda a sua participação em grupo de

sociedades29 (artigo 136, inciso V da Lei 6.404/76). Logo, sendo aprovada pela

assembléia geral qualquer uma dessas matérias, o acionista dissidente terá o direito

de retirar-se da sociedade, exceto se a companhia for de capital aberto e as suas

ações tiverem liquidez e dispersão no mercado de capitais. A lei obsta a retirada do

titular de ações que possua as seguintes características: a) liquidez, ou seja, quando

a cotação da espécie ou classe de ações do acionista dissidente integre índice geral

representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado

de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior (artigo 137, inciso II, alínea “a” da Lei

6.404/76); e b) dispersão, isto é, quando menos da metade da espécie ou classe das 29 Grupo de sociedades constitui uma técnica de concentração empresarial mediante a qual duas ou mais sociedades, sendo uma dominante e as demais dominadas, unem-se sob uma mesma direção para alcançar objetivos comuns (CARVALHOSA, 2003, v. 2, p. 887).

115

ações do acionista dissidente forem de titularidade do acionista controlador (artigo

137, inciso II, alínea “b” da Lei 6.404/76).

Neste sentido, afirma Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 879) que

somente poderá ser negado o direito de recesso, ex vi do novo inciso II do artigo

137, se em determinada espécie ou classe de ação, se verificar conjuntamente a

ocorrência da liquidez e dispersão. Assim, prossegue o citado jurista, determinadas

ações de uma mesma companhia podem conferir o direito de recesso e outras não:

por exemplo, na companhia X, se as ações preferenciais classe A apresentam

dispersão e liquidez, pode a companhia legitimamente negar o direito de recesso; se

as ações ordinárias e preferenciais classe B apresentam somente liquidez, mas não

dispersão, os seus titulares têm o direito de recesso.

Observa-se que, sendo a companhia de capital fechado, ou mesmo de

capital aberto, mas não tendo suas ações liquidez ou dispersão, o acionista

dissidente terá sempre o direito de retirar-se da companhia, na hipótese de

aprovação das referidas matérias constantes do artigo 136, incisos IV e V da Lei

6.404/76.

Outra hipótese de recesso prevista no “caput” do artigo 137 é a mudança

do objeto da companhia (artigo 136, inciso VI da Lei 6.404/76). Conforme Modesto

Carvalhosa (2003, v. 2, p. 855), o objeto social representa o limite da atividade

societária, que não poderá ultrapassar os seus precisos termos. A definição precisa

e completa do objeto social importa a limitação da área de discricionariedade dos

administradores e acionistas controladores. Logo, conclui o citado jurista:

o objeto social define a espécie de empresa que será desenvolvida pela companhia, ou seja, a atividade econômica em razão da qual se constitui a sociedade e em torno da qual a vida societária realiza-se e se desenvolve.

116

A definição do objeto social é de extrema relevância para o sucesso ou

fracasso de uma companhia, na medida em que é através de sua exploração que a

sociedade irá buscar a sua finalidade última, qual seja, a geração de lucros e,

conseqüentemente, dividendos para os seus acionistas. Por isso, a aprovação pela

assembléia geral da alteração do objeto social gera ao acionista dissidente,

independentemente da demonstração de prejuízo, o direito de retirar-se da

companhia.

Entretanto, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 302), não haverá

direito de recesso na hipótese de mudanças realizadas no objeto social para a

adequação da sociedade anônima às novas condições de concorrência,

principalmente as relacionadas à evolução tecnológica ou hábitos de consumo,

desde que não comprometam o objeto essencial previsto no estatuto.

A última hipótese de recesso prevista no artigo 137, acima mencionada, é

a cisão da companhia (artigo 136, inciso IX da Lei 6.404/76). Entretanto, a cisão

somente enseja o direito de recesso ao acionista da companhia cindida e dissidente

da deliberação assemblear quando, da operação resultar: a) mudança do objeto

social (artigo 137, inciso III, alínea “a” da Lei 6.404/76); b) redução do dividendo

obrigatório (artigo 137, inciso III, alínea “b” da Lei 6.404/76); ou c) participação em

grupo de sociedades (artigo 137, inciso III, alínea “c” da Lei 6.404/76)30.

Analisadas as hipóteses de recesso previstas no artigo 137 da Lei

6.404/76, cumpre-se verificar agora os outros artigos da referida lei que também

prevêem ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia.

30 Ressalte-se que, conforme observa Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 302), deve-se considerar, a partir de interpretação sistemática e teleológica da lei, que, na cisão de que resulte a participação em grupo de sociedade não integrado pela companhia cindida, o acionista dissidente não terá direito de recesso, quando as ações que passar a titularizar forem facilmente negociáveis no mercado por apresentarem dispersão e liquidez (artigo 137, inciso II da Lei 6.404/76).

117

2.2.4.2 Outras hipóteses de recesso previstas na Lei 6.404/76

O artigo 221 da Lei 6.404/76 prevê a possibilidade do exercício do direito

de recesso na hipótese da transformação da sociedade anônima em outro tipo

societário. Na verdade, em regra, a companhia somente poderá ser transformada

em outro tipo societário se houver o consentimento unânime de todos os acionistas.

Neste sentido, segundo Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 303), “a lei condiciona a

operação de transformação à concordância de todos os acionistas, de modo que,

em princípio não há lugar para divergência”. Entretanto, havendo previsão

estatutária que autorize essa operação, a unanimidade não será necessária, tendo,

portanto, o sócio contrário à transformação da companhia o direito de dela se retirar.

Outra hipótese de recesso poderá ser verificada nas operações

societárias de incorporação, fusão e cisão que acarretem no fechamento do capital

de companhia aberta, conforme disposto no artigo 223, §4º da Lei 6.404/76. Assim,

ocorrendo qualquer uma dessas operações societárias envolvendo companhia

aberta, as sociedades que a sucederem serão necessariamente de capital aberto,

devendo, para tanto, obter o respectivo registro e, se for o caso, promover a

admissão de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo

de 120 (cento e vinte) dias, contado da data da assembléia geral que aprovou a

operação (artigo 223, §3º da Lei 6.404/76). Caso a sociedade não obtenha seu

registro junto à Comissão de Valores Mobiliários e, conseqüentemente, não tenha

suas ações admitidas à negociação no mercado, os acionistas poderão retirar-se da

companhia, através do exercício do direito de recesso.

A transferência do controle acionário para o poder público é outra

hipótese que dá aos acionistas da companhia o direito de recesso (artigo 236,

118

parágrafo único da Lei 6.404/76). Ademais, para Fábio Ulhoa Coelho, essa é a única

hipótese legal de recesso não relacionada à divergência do acionista quanto à

deliberação assemblear, mas sim à mudança da condição da companhia. Assim, se

pessoa jurídica de direito público adquirir, por desapropriação, o controle de

companhia, que não esteja sob o controle, direto ou indireto, de outra pessoa

jurídica de direito público, os acionistas dessa companhia terão direito de retirada a

ser exercido no prazo máximo de 60 dias, contado da data de publicação da primeira

ata da assembléia geral, realizada após a aquisição do controle.

A última hipótese de recesso prevista na Lei das Sociedades Anônimas é

a da incorporação de ações (artigo 252 da Lei 6.404/76). Trata-se da operação pela

qual uma sociedade anônima se torna subsidiária integral31 de outra. Conforme

Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 303), a incorporação de ações viabiliza-se pelo

aumento do capital social da incorporada, com emissão de novas ações, que serão

subscritas em nome dos acionistas da futura subsidiária (a sociedade cujas ações

são incorporadas), ao mesmo tempo em que se transfere à sociedade incorporadora

toda a participação societária representativa do capital social desta última. Uma vez

aprovada a operação de incorporação de ações, tanto os acionistas dissidentes da

companhia incorporadora, como os da companhia cujas ações houverem sido

incorporadas (subsidiária integral), poderão exercer o direito de retirada, desde que

as ações da sociedade incorporadora não possuam boa liquidez ou dispersão (artigo

252, §1º e §2º da Lei 6.404/76).

Neste sentido, afirma José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 380) que, na

incorporação de ações, o direito de retirada somente terá cabimento às companhias

fechadas e às companhias abertas que não figurem em “índices de futuros”

31 Pode-se conceituar subsidiária integral como sendo a companhia que tenha como acionista único acionista sociedade brasileira (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 723)

119

(liquidez), ou que não mantenham em circulação no mercado, no mínimo, metade

das ações emitidas (dispersão).

2.2.4.3 Valor do reembolso

Nos termos do artigo 45 da Lei 6.404/76, o reembolso é a operação pela

qual, nos casos previstos em lei, a companhia paga aos acionistas dissidentes da

assembléia geral o valor de suas ações ou, no dizer de Modesto Carvalhosa (2002,

v. 1, p. 435), “é a operação através da qual, nos casos previstos em lei, a companhia

é obrigada a pagar aos acionistas dissidentes o valor de suas ações”. Apesar do

conceito de reembolso ser aparentemente claro, a definição de seu valor não o é,

razão pela qual muita há controvérsia em nossa doutrina quanto ao valor a ser pago

pelas ações do acionista dissidente de deliberação assemblear que enseje o

exercício do direito de recesso.

A lei estabelece que o estatuto da companhia poderá estabelecer normas

para a determinação do valor do reembolso, que, entretanto, somente poderá ser

inferior ao valor de patrimônio líquido constante do último balanço aprovado pela

assembléia geral, se estipulado com base no valor econômico da companhia, a ser

apurado em avaliação (artigo 45, §1º da Lei 6.404/76). Trata-se de inovação

introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Lei 9.457/97, no sentido de

possibilitar o pagamento de valor inferior ao patrimonial, através da fixação do valor

econômico pelo estatuto social, como critério para determinação do valor de

reembolso das ações do acionista dissidente. A adoção do critério do valor

econômico para pagamento aos acionistas dissidentes seria, em princípio,

plenamente possível.

120

Para Francisco Müssnich (2002, p. 288), a adoção de tal critério nada

mais é do que a permissão para que a companhia pague ao acionista, em caso de

retirada, o seu verdadeiro valor, apurado por uma empresa especializada ou por três

peritos, podendo ser utilizado ainda que o valor econômico da ação resulte inferior

ao valor patrimonial. Aliás, para o citado jurista, esse critério é o mais adequado por

ser absolutamente costumeiro, já que no momento de se adquirir ações de uma

companhia, o critério patrimonial jamais é utilizado.

Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 432) entende que, não havendo

expressa previsão estatutária que adote o valor econômico, prevalece a regra geral

que determina dever o cálculo do reembolso ter por base o patrimônio líquido da

companhia. No entanto, uma vez adotado o critério do valor econômico, este

prevalecerá sempre, independentemente de ser, a cada passo, superior ou inferior

àquele outro critério.

Ainda pela possibilidade da utilização do valor econômico como critério

para o cálculo do reembolso, Nelson Eizirik (1997, p. 78) entende que a redação

dada ao §1º do artigo 45 da Lei 6.404/76, permitiu ao estatuto da companhia

estipular o preço de reembolso com base no valor econômico, que corresponde à

perspectiva de rentabilidade da companhia, ou seja, ao seu fluxo de caixa

descontado, nos próximos anos.

Observa-se que o valor econômico está diretamente ligado às

perspectivas de rentabilidade da companhia. Logo, ao se adquirir ou alienar ações

de determinada companhia, as partes envolvidas no negócio irão considerar,

indubitavelmente, na fixação do preço dessas ações, a rentabilidade da companhia

nos próximos anos. Isso porque a operação de operação de compra e venda de

ações representa para as partes envolvidas um investimento, tanto para o

121

adquirente que espera, através da aquisição das ações, um retorno superior a outras

opções que encontra no mercado, como para o alienante que projeta nas

perspectivas de rentabilidade da companhia o retorno provável sobre o capital

investido para fixação do preço de suas ações.

Situação diversa se verifica no exercício do direito de recesso pelo

acionista dissidente. Isso porque, no direito de recesso, ao contrário da alienação de

ações, não existe negociação entre as partes. Pelo contrário, sendo o recesso um

direito do acionista dissidente de determinadas deliberações aprovadas em

assembléia geral, o dever de pagar o valor de reembolso de suas ações se verificará

pela simples declaração unilateral de vontade do acionista.

Conforme mencionado (item 1.1.2.4 supra), o direito de recesso, uma vez

exercido pelo acionista dissidente, representa para a companhia um

desinvestimento, podendo, muitas vezes, colocar em risco a própria exploração da

atividade empresarial. Logo, no cálculo do reembolso, não podem ser incluídas as

perspectivas de rentabilidade da companhia, porque estas decorrem do

investimento, e a retirada é o inverso, ou seja, um desinvestimento. Como o

reembolso importa redução do patrimônio da sociedade anônima, a retirada altera as

suas perspectivas de rentabilidade, e pode, até mesmo, comprometê-las. Deste

modo, compartilhamos com Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 306) o entendimento

de que o valor de é sempre o patrimonial, descontando-se a reserva de lucros a

realizar.

122

2.3 O direito de participar nos lucros como um direito essencial

2.3.1 Considerações sobre a natureza do direito

O revogado artigo 288 do Código Comercial de 185032, já estabelecia ser

nula a sociedade ou companhia que tivesse qualquer dos sócios excluído do direito

de participar dos lucros sociais. Nessa mesma linha, o artigo 109, inciso I da Lei

6.404/76, repetindo o revogado artigo 78, alínea “a” do Decreto 2.627/40, estabelece

expressamente que “nem os estatutos sociais, nem a assembléia geral poderão

privar qualquer acionista do direito de participar dos lucros sociais”.

O direito de participar dos lucros sociais decorre da própria natureza das

sociedades anônimas que, nos termos do artigo 2º da Lei 6.404/76, poderá ter como

objeto qualquer atividade com fim lucrativo33. Portanto, ao subscrever ou adquirir

ações de uma sociedade anônima, espera o acionista participar dos ganhos

decorrentes da exploração da empresa pela companhia. Segundo Fran Martins

(1984, p. 223), “a sociedade anônima é uma instituição que reúne capitais com a

finalidade de obter ganhos nas suas atividades sociais, destinando-se esses ganhos,

na sua fase final, aos que contribuíram ou participaram do capital social”.

É neste contexto que se insere o direito do acionista de participar dos

lucros sociais, considerado pelo nosso ordenamento jurídico um direito essencial

que jamais poderá ser suprimido do acionista, seja por previsão estatutária, seja por

deliberação assemblear. Trata-se, portanto, de um direito essencial assegurado a

todos os acionistas da companhia, respeitados os diferentes regimes de distribuição

32 Os artigos 1º a 456 do Código Comercial foram revogados pela Lei 10.406/02 – Código Civil. 33 Para Modesto Carvalhosa, o expresso fim lucrativo da companhia (art. 2º) dá ao acionista o reconhecido direito de participar dos lucros sociais (art. 109). À obrigação da companhia de perseguir um fim lucrativo corresponde o direito do acionista aos lucros da empresa (2003, v. 3, p. 796).

123

de dividendos previstos no estatuto para cada espécie ou classe de ações. Neste

sentido, como bem observa Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 328), “cada acionista

irá participar dos lucros sociais de acordo com a espécie, classe e quantidade de

ações que titulariza”.

O direito de participar dos lucros sociais, como um direito essencial, é

considerado uma prerrogativa individual comum a todos os acionistas da companhia,

independentemente da espécie ou do número de ações que possuam (itens 1.3 e 2

supra). Trata-se, portanto, de um direito que tem sua origem na lei, imutável,

inderrogável, irrenunciável e indisponível. É um direito imutável e inderrogável, pois

o acionista jamais poderá ter o seu direito de participar dos lucros sociais modificado

ou suprimido, seja por deliberação da assembléia geral, seja por disposição

estatutária. É ainda um direito irrenunciável e indisponível, pois, sendo uma matéria

de ordem pública, não poderá o acionista dele abrir mão.

Observa-se, todavia, que o direito de participar dos lucros sociais não se

confunde com o seu exercício, que depende de um fato jurídico que pode não

ocorrer em determinadas épocas, qual seja, a apuração regular e, portanto, real de

um lucro societário. Assim, há que distinguir o direito de participar dos lucros sociais,

que é permanente e certo, do seu exercício cuja pretensão se estabelece a cada

exercício social. A despeito de seu exercício depender, em cada período, da

apuração de lucros pela companhia, o direito de participação nos lucros sociais não

pode ser considerado um direito condicional ou eventual, pois não se extingue pela

não apuração de lucros em determinado exercício, permanecendo intangível e

podendo ser exercido em exercícios seguintes quando o lucro for verificado pela

companhia. Neste sentido, para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 343),

”inexistindo lucro líquido, não haverá pretensão ao seu exercício suspenso naquele

124

período, permanecendo, no entanto, íntegro esse direito quanto aos resultados

positivos da companhia que vierem a ocorrer nos anos seguintes”.

Portanto, o direito de participar dos lucros sociais é um direito

permanente, adquirido por todo aquele que se torna acionista da companhia, seja

através da subscrição de ações realizado junto à sociedade anônima, seja pela

aquisição de ações junto a quem já é acionista da companhia. Todavia, o exercício

desse direito se subordina a um pressuposto de ordem fática, qual seja, a apuração

de lucros pela companhia.

2.3.2 Suspensão do direito de participar nos lucros sociais

O direito de participar dos lucros sociais, como analisado nos itens 1.3. e

3.1 supra, é um direito essencial assegurado a todos os acionistas da companhia,

respeitados os diferentes regimes de distribuição de dividendos previstos no estatuto

para cada espécie ou classe de ações. Trata-se, portanto, de uma prerrogativa

individual comum a todos os acionistas da companhia, que jamais poderá ser deles

suprimido, seja por deliberação assemblear. Trata-se, portanto, de um direito que

tem sua origem na lei, imutável, inderrogável, irrenunciável e indisponível.

No entanto, não podemos deixar de analisar essa questão sob o enfoque

do acionista remisso, constituído em mora, de pleno direito, por não cumprir com a

sua obrigação de contribuir para a formação do capital social nas condições

previstas no estatuto social ou no boletim de subscrição. Sendo o acionista remisso,

poderá a companhia promover ação de execução para cobrar as importâncias

devidas (artigo 107, inciso I da Lei 6.404/76); ou determinar a venda das ações por

ele subscritas em bolsa de valores, por conta e risco do acionista (artigo 107, inciso

125

II da Lei 6.404/76); ou ainda, não logrando êxito nas duas primeiras alternativas,

declarar as ações caducas, desde que possua lucros ou reservas, exceto a reserva

legal, equivalentes ao montante devido pelo acionista remisso(artigo 107, § 4º da Lei

6.404/76). Observa-se que com a declaração da caducidade das ações, ocorre a

reversão, em favor da sociedade, das eventuais entradas que o acionista remisso

tenha realizado, tornando-se a própria companhia emissora titular dessas ações que

serão mantidas em tesouraria, para posterior alienação (artigo 30, §1º, alínea “b”).

Todavia, caso a companhia não tenha lucros ou reservas suficientes para

integralizar as ações do acionista remisso, terá o prazo de 01 ano para declará-las

caídas em comisso, mediante deliberação assemblear que deverá aprovar a

conseqüente redução do capital social mediante o cancelamento das ações não

integralizadas.

Uma vez colocada a questão, cumpre-nos analisar a possibilidade da

suspensão dos direitos essenciais do acionista remisso, sobretudo, o de participar

nos lucros sociais, considerando o disposto no artigo 120 da Lei 6.404/76, que

permite à assembléia geral suspender o exercício dos direitos do acionista que

deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto social. Ressalta-se que

a lei permite a suspensão do exercício dos direitos do acionista que deixar de

cumprir qualquer obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto social, não se limitando

apenas à hipótese do acionista remisso. Todavia, considerando a relevância dessa

obrigação, tomaremos ela como exemplo para a análise da questão.

Para Modesto Carvalhosa a suspensão imposta pela assembléia geral

poderá atingir todos os direitos assegurados ao acionista pela lei ou pelo estatuto,

inclusive os direitos essenciais previstos no artigo 109 da Lei 6.404/76 e os próprios

dos minoritários. Todavia, observa o citado jurista que a assembléia geral deverá

126

declarar quais os direitos terão o seu exercício suspenso, não podendo fazê-lo

genericamente. Para Modesto Carvalhosa, certos direitos não poderão ser

suspensos, como o direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais e o de utilizar

os meios, processos ou ações que a lei confere aos acionistas para assegurar os

seus direitos (2003, v. 2, p. 580).

Trajano de Miranda Valverde (1953, v. 2, p.75), ao comentar o artigo 85

do Decreto Lei 2.425, de 1940, também entende que a pena de suspensão poderá

abranger o exercício de todos os direitos que a lei ou os estatutos outorgam ao

acionista, inclusive o exercício dos direitos essenciais. No entanto, o citado tratadista

não entende que a suspensão deva ser específica, tal como Modesto Carvalhosa,

podendo a assembléia declarar a suspensão do exercício de todos os direitos, ou

somente de alguns deles, como o de voto e o de receber dividendos. José Edwaldo

Tavares Borba (2004, p. 322), após classificar os direitos dos acionistas como

modificáveis e essenciais, conclui que a suspensão abrangerá não apenas os

direitos modificáveis, como igualmente os essenciais, pois suspender não significa

privar, tanto que o acionista, uma vez cumprida a obrigação, recupera, como efeitos

ex tunc, os direitos que estavam suspensos.

Por sua vez, Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 290), apoiado em Fran

Martins (1978, v. 2, t. 1, p. 134), não compartilha com o entendimento dos citados

juristas no que tange à possibilidade da suspensão do exercício dos direitos

essenciais, na medida em que esses direitos são instrumentos para a estabilização

das relações de poder no interior da sociedade anônima, não se incluindo entre

aqueles suscetíveis de suspensão.

Os direitos essenciais são evidentemente instrumentos indispensáveis à

estabilização das relações de poder internas à companhia (Capítulo 2, itens 1.3 e 2),

127

não sendo admitido que os acionistas possam ter esses direitos suprimidos, seja por

previsão estatutária, seja por deliberação assemblear. Todavia, o artigo 120 da Lei

6.404/76 não prevê a possibilidade de supressão dos direitos essenciais, mas sim a

suspensão temporária do exercício dos mesmos, cessando tão logo cumprida a

obrigação.

Ora, o direito essencial de participar dos lucros sociais, tema desta

dissertação de mestrado, não pode ser suprimido do acionista. Trata-se de direito

irrevogável, imutável, infungível e inderrogável, não se limitando apenas aos

dividendos por distribuir, mas incluindo também a participação do acionista em todos

os benefícios econômicos gerados pelos lucros auferidos pela companhia, ainda que

não distribuídos (item 1.5.3 infra). Negar ao acionista esse direito seria atribuir ao

acionista controlador uma prerrogativa que poderia desestabilizar definitivamente as

relações de poder internas na sociedade anônima. Todavia, não é isso que propõe o

artigo 120 da Lei 6.404/76. Busca-se através do citado dispositivo legal suspender

temporariamente o exercício do direito, que não se confunde com o próprio direito34.

Note-se que, em relação ao direito essencial de participar nos lucros

sociais, o que se permite, nos termos do artigo 120 da Lei 6.404/76, é suspender o

exercício do direito expectado de participar dos lucros sociais, ou seja, o direito ao

recebimento dos dividendos distribuídos pela companhia (Capítulo 3, item 3.3.1).

Ainda assim, ressalta-se tratar de suspensão e não supressão do direito expectado.

Portanto, uma vez cumprida a obrigação pelo acionista remisso, ele recupera os

direitos que estavam suspensos, com efeitos ex tunc, devendo receber da

companhia os dividendos até então distribuídos, mas que foram retidos pela

sociedade em razão da mora do acionista remisso.

34 Neste sentido, mesmo para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 580), a lei prevê a suspensão do exercício do direito do acionista e não a suspensão de determinados direitos ligados à ação.

128

Vale ressaltar que a suspensão deve abranger todos os acionistas em

idênticas condições. Não pode ser discriminatória, alcançando determinados

acionistas inadimplentes e excluindo, por conseguinte, os demais que se encontram

na mesma situação irregular. Se isso ocorrer, a suspensão será nula por representar

típico abuso de direito e de poder dos acionistas que assim deliberaram, conforme

lições de Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p.582).

2.3.3 Direito de participar nos lucros sociais e direito do acionista ao dividendo

Os lucros sociais, conforme apresentado no Capítulo 1, item 1.4.1 supra,

não são, em regra, totalmente distribuídos aos acionistas, pois parcela desses lucros

deve ser retida em reservas obrigatórias por lei ou pelo estatuto, ou ainda distribuída

prioritariamente aos titulares de participações estatutárias. Neste sentido, Fábio

Konder Comparato (1981, p. 151) classifica os lucros sociais como: a) distribuíveis,

tais como os dividendos e as participações estatutárias dos debenturistas,

empregados, administradores e titulares de partes beneficiárias; e b) não

distribuíveis, quando objetivam o reforço do patrimônio líquido da companhia, tais

como as reserva de lucros.

Observa-se, portanto, que nem todo lucro auferido pela companhia é

distribuído aos acionistas para pagamento de dividendos. Surge, então, importante

discussão em nossa doutrina sobre eventual diferença existente entre o direito ao

lucro e o direito ao dividendo. Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 347), muito

embora existam autores que vejam nessas prerrogativas certas diferenças, sendo

para eles o direito de participar dos lucros uma declaração programática de um

princípio abstrato e o direito ao dividendo uma feição mais concreta e definida do

129

direito de participar dos lucros, não se pode encontrar a apontada diversidade entre

uma e outra prerrogativa, sendo ambas equivalentes. Isso porque, explica o citado

jurista, “dividendo é a parte dos lucros líquidos fracionada de maneira uniforme entre

todas as ações, distribuído aos acionistas, conforme a parcela que cada um possui

no capital social”.

No mesmo sentido, também contrário à distinção entre o direito de

participação nos lucros sociais e o direito ao dividendo, está o professor Barros

Leães (1969, p. 309) que, em brilhante monografia sobre a matéria, se opõe a essa

distinção afirmando que:

cogitar um direito ao lucro diverso do direito ao dividendo já nos parece exagerado (e mesmo nocivo), pois o que a lei do anonimato assegura de maneira taxativa é o direito de qualquer acionista de participar dos lucros sociais, vale dizer, o direito do acionista ao dividendo. Pois se dá o nome de dividendo à parte dos lucros líquidos, partilhada aos acionistas sobre cada uma das ações de que é proprietário.

Logo, conclui o citado jurista, “absurdo fora falar em direito ao lucro

distinto do direito ao dividendo, pois o que existe é direito ao lucro por dividir, ou

direito ao dividendo por deliberar, contraposto ao conceito de direito ao dividendo

deliberado”.

É evidente que o dividendo pressupõe a existência de lucro, uma vez que

o conceito de dividendo está diretamente ligado à parcela do lucro líquido auferido

pela companhia que é distribuído aos seus acionistas. Todavia, reduzir o direito de

participar dos lucros sociais ao direito de dividendo, seria negar ao acionista o direito

de participar dos lucros não distribuídos pela companhia. Ora, ao reter parcela dos

lucros auferidos na companhia, seja através da constituição ou do aumento das

reservas de lucros, seja pela incorporação dos lucros auferidos ao capital social, ou

ainda pela sua utilização na absorção de prejuízos, ocorre um evidente aumento no

130

valor do patrimônio líquido da sociedade anônima e, conseqüentemente, um

aumento no valor patrimonial das ações detidas por cada um dos acionistas da

companhia. A participação nesses lucros não distribuídos que, tal como os

dividendos distribuídos, também traz benefício econômico aos acionistas, é direito

essencial que não se limita ao direito ao dividendo, mas o abrange e o engloba.

Neste sentido, Fábio Konder Comparato (1981, p.152) afirma que:

o acionista não tem apenas um direito ao dividendo, mas também um direito aos lucros sociais, de modo geral”. Vale dizer, prossegue o citado jurista, que “o texto legal consagrou, elipticamente, um direito do acionista de participar dos lucros sociais, segundo as diferentes formas que essa participação assume, na lei.

De fato, a participação do acionista no lucro da sociedade não se realiza,

apenas, sob a forma de percepção de dividendo, mas de outras maneiras, segundo

a sistemática legal de destinação dos lucros (Capítulo 1, item 1.2. supra). Conforme

lições de Fábio Konder Comparato (1981, p.152):

o direito genérico do acionista consiste em não ser privado do benefício econômico gerado pela apuração de lucros no patrimônio social. Tal benefício econômico, no patrimônio individual dos acionistas, traduz-se, também, pelo aumento do valor patrimonial das ações de que são titulares, ainda que não aumentado o capital social com a conseqüente distribuição gratuita de ações, que a prática anglo-saxônica denomina, sugestivamente, stock dividends.

Inegável, portanto, que o direito de participar dos lucros sociais não se

limita aos dividendos, incluindo também a participação do acionista em todos os

benefícios econômicos gerados pelos lucros auferidos pela companhia, ainda que

não distribuídos. Ao serem retidos os lucros sociais, seja para a constituição ou

aumento das reservas de lucros, seja para a incorporação dos lucros auferidos ao

capital social, ocorre um evidente aumento no patrimônio da companhia que se

reflete no valor patrimonial das ações detidas por cada um dos acionistas.

131

O valor patrimonial das ações é de extrema relevância para diversas

operações realizadas pela companhia. Assim, seja na partilha do acervo líquido da

companhia em caso de dissolução, seja na amortização de ações, o montante a ser

pago aos acionistas35 será calculado com base no valor patrimonial das ações

emitidas pela companhia. O mesmo se verifica, com maior ou menor intensidade,

quando o acionista se retira da companhia, seja pelo exercício do direito de recesso

(item 2.2.4 supra), seja pela alienação de sua participação societária a terceiro.

Assim, exercendo o direito de recesso, o valor de reembolso de suas ações será

calculado, em regra, com base no valor patrimonial de suas ações apurado no último

balanço aprovado, ou em balanço especialmente levantado (item 2.2.4.3 supra). Por

sua vez, sendo alienada as ações a terceiro, muito embora o valor atribuído à ação

seja o de negociação, isto é, aquele em que as partes estão dispostas a pagar e

receber para a realização do negócio, o valor patrimonial também terá a sua

importância, mesmo não sendo o fator decisivo.

Observa-se em todas essas situações a relevância do valor patrimonial

das ações e, conseqüentemente, o benefício econômico gerado ao acionista em lhe

reconhecer o direito de participar dos lucros sociais ainda que não distribuídos e

retidos em reserva de lucros ou incorporados ao capital social da companhia.

Portanto, pode-se afirmar, conforme Fábio Konder Comparto (1981,

p.153), que o acionista tem, genericamente, um direito aos lucros sociais,

consistente em ver rigorosamente observadas as normas legais de apuração e

destinação dos lucros sociais. Além disso, prossegue o citado jurista, tem o

acionista, também, um direito ao dividendo; não só à distribuição de parte do lucro

(dividendo obrigatório), como igualmente ao pagamento do dividendo declarado.

35 Nos termos do artigo 44 da Lei 6.404, de 1976, a amortização de ações é a operação pela qual se antecipa ao cionista, no todo ou em parte, o quanto ele receberia caso a sociedade fosse dissolvida.

132

Analisada a natureza jurídica do direito essencial de participar dos lucros

sociais e sua amplitude, não se limitando aos dividendos, mas compreendendo

também os lucros não distribuídos, passemos ao estudo mais detalhado do direito

dos acionistas aos lucros distribuídos, ou seja, do direito ao dividendo.

133

CAPÍTULO 3 - DIREITO DO ACIONISTA AOS DIVIDENDOS

3.1 Natureza jurídica dos dividendos

Como já apresentado, o dividendo nada mais é do que a parcela dos

lucros sociais auferidos pela companhia que deva ser distribuído aos acionistas, em

conformidade com a classe, espécie e quantidade de ações que titularizam (Capítulo

1, item 1.2.4 supra). Portanto, o direito do acionista ao dividendo nada mais é do que

um dos reflexos decorrente do direito essencial de participar nos lucros sociais

assegurado a todo acionista, nos termos do artigo 109 da Lei 6.404/76 (Capítulo 2,

item 1.1.3 supra).

No entanto, o direito ao dividendo deve ser analisado não apenas como

um direito à distribuição de parte do lucro social, isto é, um direito ao dividendo por

deliberar, mas também um direito ao pagamento do dividendo declarado que

constituí, consoante entendimento harmônico em nossa doutrina, num verdadeiro

direito de crédito, decorrente da decisão tomada pelo órgão de administração e pela

assembléia geral em distribuir aos acionistas parcela dos lucros sociais auferidos

pela companhia.

O direito ao dividendo por deliberar é, portanto, aquele que para muitos

autores, como Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 347), deve ser tomado como

sinônimo de direito de participar dos lucros sociais. Ora, não podemos limitar o

direito essencial do acionista de participar nos lucros sociais ao direito ao dividendo

por deliberar, sendo aquele muito mais amplo que este, pois abrange também os

benefícios econômicos gerados aos acionistas pelos lucros não distribuídos e retidos

na companhia (Capítulo 2, item 1.1.3.3).

134

Como um dos reflexos do direito de participar dos lucros sociais, o direito

ao dividendo por deliberar encontra seu fundamento na própria natureza das

sociedades anônimas que, tendo por objeto qualquer atividade com fim lucrativo,

está obrigada a distribuir parte dos lucros auferidos aos seus membros, quais sejam,

os acionistas da companhia. Para tanto, a Lei 6.404, de 1976 assegura a todo o

acionista o direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a

parcela dos lucros estabelecida no estatuto social ou, se este for omisso, a

importância determinada de acordo com as regras constantes no inciso I do artigo

202 da citada lei.

Neste sentido, afirma Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 343) que, sendo

o fim indeclinável da companhia proporcionar lucros, surge para ela à obrigação de

distribuir parte desses lucros aos seus acionistas (artigos 17 e 202 da Lei 6.404, de

1976). Logo, mesmo na vigência do Decreto 2.627, de 1940, em que não havia

qualquer previsão acerca do dividendo obrigatório, vigorando a inteira liberdade na

regulação da matéria, Trajano de Miranda Valverde (1953, v. 2, p. 379) chegou a

sustentar que, no silêncio dos estatutos, o acionista teria o direito de exigir a

repartição total dos lucros auferidos pela companhia, não sendo admitida qualquer

decisão assemblear que viesse reformar os estatutos sociais com a finalidade de

relegar para o termo de expiração da companhia a divisão dos lucros auferidos.

Muito antes da Lei 6.404, de 1976, assegurar aos acionistas o dividendo

mínimo obrigatório, e do próprio Decreto Lei 2.627, de 1940, estabelecer como

direito essencial do acionista a participação nos lucros sociais, o Tribunal de

Michigan, nos Estados Unidos, em 1919, julgou ação proposta pelos irmãos Dodge

em face da companhia de que eram acionistas minoritários, a Ford Motor Company,

tornando-se o litígio um caso de referência no estudo da distribuição de lucros

135

sociais e abuso do poder de controle. Conforme síntese realizada por Fábio Ulhoa

Coelho (2002, v. 2, p. 328) sobre a decisão da Corte de Michigan:

a política da Ford consistia na distribuição, entre os acionistas, de dividendos regulares na ordem de 1,2 milhões de dólares, e de “dividendos especiais” de 10 milhões de dólares por ano. O controlador da companhia, Henry Ford, contudo, deliberou não pagar essa última parcela num exercício em que a contabilidade registrava o resultado positivo de 60 milhões de dólares e lucros acumulados de 112 milhões. Questionada em juízo, a sociedade se defendeu alegando a necessidade de construir uma nova fábrica, e a vontade de não a custear com os frutos de futuras vendas, porque considerava ser seu dever reduzir os preços dos automóveis. A Corte rejeitou a defesa, fundada no argumento de que o objetivo principal das empresas é a geração de lucros para os seus sócios e o poder discricionário da administração deve ser exercido com vistas à realização desse objetivo36. Determinou, então, a declaração de dividendos.

Do dever da companhia, inerente à sua própria natureza, em distribuir aos

acionistas parte dos lucros por ela auferidos, surge nitidamente o conflito de

interesses entre os acionistas controladores, que procuram reter na companhia a

maior parte dos lucros líquidos, constituindo ou ampliando suas reservas, e as

minorias acionárias que buscam maximizar a sua participação nos lucros

distribuídos. Daí a relevância dos direitos individuais assegurados pela Lei 6.404/76,

tais como o direito essencial do acionista de participar dos lucros sociais (artigo 109,

I) e o direito a um dividendo mínimo obrigatório (artigo 202), instrumentos

indispensáveis para o equilíbrio e para a estabilização das relações de poderes

internas à companhia (Capítulo 2, item 1.1.1.2 supra).

O direito ao dividendo por deliberar é, portanto, um direito individual do

acionista, irrenunciável e indisponível, criado por lei e que não pode ser derrogado

36 Conforme reprodução do texto original realizado por Willian L. Cary (1969, p. 1583):

A business corporation is organized and carried on primarity for the profit of the stockholders. The powers of the directors is to be exercised in the choice of means to attain that end and does not extend to a change in the end itself, to the reduction of profits or to the nondistribution of profits among stockholders in order to devote them to other purposes.

136

ou modificado, seja por previsão estatutária, seja por deliberação assemblear. Trata-

se de uma prerrogativa individual do acionista, decorrente da própria natureza

contratual da companhia, que antecede e não se confunde com o direito de crédito

que advém da decisão do órgão de administração e da assembléia geral.

Conforme lições de Barros Leães (1969, p. 312), em Do Direito do

Acionista ao Dividendo, elaborada durante a vigência do Decreto Lei 2.627, de 1940:

o direito do acionista ao dividendo é direito expectativo (“spes debitum ire”): em havendo lucro, fixando pelo balanço do exercício, e determinado a assembléia geral o “quantum” e a maneira de sua distribuição (caso os estatutos já não o tenham feito), deixa de haver direito expectativo para nascer o direito expectado ao dividendo.

A classificação do direito do acionista ao dividendo apresentada por

Barros Leães encontra seu fundamento nas lições de Pontes de Miranda (1970, v. 5,

p. 281) para quem:

o direito expectativo é um direito a adquirir direito cuja aquisição depende de elemento em que não entra a vontade do titular. Assim, o titular do direito expectativo é pré-titular do direito expectado. A segurança em que o fato se dê apenas torna mais provável a aquisição do direito expectado. São, portanto, direitos expectativos os direitos a direitos (futuros) para cujo nascimento falte elemento do suporte fático (os chamados “créditos futuros”), que são, em verdade, direitos expectados, porque antes deles estão direitos a suportes fáticos completos e é a eles, e não a esses, que falta algo para que nasçam.

Para Pontes de Miranda (1970, v. 5, p. 439):

o direito ao dividendo é direito expectativo (...). Se há lucros que tenham de ser distribuídos aos acionistas, deixou de haver direito expectativo, há (nasceu) o direito expectado. Se os lucros só se hão de distribuir como dividendos se a assembléia geral ordinária o determinar, a vontade coletiva é (outro) elemento para que nasça o direito expectado (...).

137

Portanto, o direito do acionista aos dividendos por deliberar seria,

consoante lições dos ilustres juristas acima citados, um direito expectativo. Por sua

vez, sendo apurado lucro pela companhia e deliberado a sua distribuição, nasce

para os acionistas o direito expectado, que consiste no recebimento dos dividendos

distribuídos. Uma vez apurados os lucros pela companhia e aprovada a sua

distribuição aos acionistas, de acordo com a espécie, classe e quantidade de ações

que titularizam, surgirá para eles um direito de crédito contra a companhia. O direito

ao pagamento dos dividendos deliberados constitui, segundo Barros Leães (1969, p.

312), em um verdadeiro direito expectado que, ao contrário do direito ao dividendo

por deliberar (direito expectativo), poderá o acionista dele dispor e, até mesmo,

renunciar.

3.2 Titularidade do direito aos dividendos

O direito do acionista ao dividendo, como um dos reflexos do direito

genérico do acionista de participar nos lucros sociais, surge no momento em que ele

adquire a condição de sócio da companhia, seja através da subscrição de ações

emitidas pela sociedade anônima, seja pela aquisição de ações titularizadas por

outro acionista.

Todavia, a questão da titularidade do direito aos dividendos deve ser

analisada sobre dois aspectos distintos. O primeiro deles é o da titularidade primária

(item 2.1. infra), em que o próprio acionista proprietário da ação será o titular do

direito ao dividendo. O segundo aspecto é o da titularidade derivada (item 3.2.2.

infra), como no caso do usufruto, em que o titular do direito ao dividendo será o

usufrutuário.

138

3.2.1 Titularidade Originária: ações ordinárias, preferenciais e de fruição

Em regra, o direito de participar dos lucros auferidos por uma sociedade

anônima está ligado à condição de sócio da companhia, adquirida por aquele que

titularizar ações que representem parcela de seu capital social. A ação confere ao

seu titular, conforme Barros Leães (1969, p. 315), “o “status socci”, de onde deriva

uma série de direitos e obrigações, dentre os quais se alinha o direito ao dividendo”.

A ação é, portanto, a espécie de valor mobiliário, emitida por companhias

de capital aberto e fechado, com ou sem valor nominal fixado no estatuto social,

representativo de uma parcela do capital social da sociedade anônima emissora,

que confere ao seu titular direitos de sócio da companhia, sendo o de participar dos

dividendos distribuídos um desses direitos. As ações, conforme a natureza dos

direitos ou vantagens que confiram a seus titulares, são classificadas quanto a sua

espécie em ordinárias, preferenciais ou de fruição.

A ação da espécie ordinária é a que confere ao seu titular os direitos de

um sócio comum, ou seja, não possui nenhuma vantagem, nem se sujeita a

qualquer tipo de restrição, relativamente aos direitos que normalmente são

atribuídos aos sócios de uma sociedade (COELHO, 2002, v. 2, p. 98). Neste sentido,

para Barros Leães (1969, p. 315), “as ações ordinárias são aquelas que incorporam

os direitos e obrigações inerentes à qualidade de sócio em sua plenitude,

desprovidas de quaisquer restrições e não estando dotadas de quaisquer

privilégios”. Portanto, os titulares dessa espécie de ação jamais poderão ser

privados, seja pelo estatuto social, seja pela assembléia geral, de participar dos

139

lucros distribuídos, observada a igualdade de tratamento para todos os acionistas

dessa mesma categoria.

O titular do direito ao dividendo é, pois, o proprietário da ação ordinária.

Ocorre que, se a ação pertencer a mais de uma pessoa, os direitos por ela

conferidos serão exercidos pelo representante do condomínio, uma vez que, nos

termos do artigo 28 da Lei 6.404/76, a ação é indivisível em relação à companhia.

Conforme Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 282), no caso da ação pertencer a

diversas pessoas, todos os co-proprietários são titulares da ação, mas a legitimidade

para o exercício dos respectivos direitos só caberá àquele que estiver legitimado,

qual seja, o representante do condomínio. Observa-se que, conforme o citado

doutrinador, o representante pode ser condômino ou terceiro, isto é, o representante

não precisa ser acionista, desde que preencha os requisitos de mandato societário,

previstos no artigo 126 da Lei 6.404/76.

Por sua vez, a ação da espécie preferencial é a que atribui ao seu titular

vantagens ou restrições em relação aos direitos comuns conferidos aos demais

acionistas da companhia, conforme estabelecido no estatuto social. Em regra, as

vantagens conferidas ao titular de uma ação preferencial são de natureza

pecuniária, como, por exemplo, a prioridade na distribuição de dividendos, fixo ou

mínimo, a prioridade no reembolso do capital, com ou sem prêmio, dentre outras

preferências ou vantagens que deverão estar previstas no estatuto social (artigo 17

da Lei 6.404/76). As ações preferências também poderão conferir vantagens de

natureza política, como o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais

membros dos órgãos de administração (artigo 18 da Lei 6.404/76), ou ainda, o

direito de votar, em assembléia especial, determinadas matérias que impliquem em

modificação do estatuto social (artigo 18, §único da Lei 6.404/76). Considerando o

140

escopo dessa dissertação de mestrado, a análise das vantagens ou preferências

atribuídas às ações preferenciais será limitada à situação privilegiada que poderá ser

atribuída aos seus titulares na distribuição dos lucros auferidos pela companhia.

Trata-se dos dividendos preferenciais ou prioritários, do qual são modalidades o

dividendo fixo, o dividendo mínimo e o dividendo diferencial (item 3.3 infra).

O dividendo fixo é modalidade de dividendo prioritário que assegura ao

titular de ação preferencial uma remuneração certa e determinada, não participando,

após o pagamento do valor fixado, de eventual saldo remanescente dos lucros

auferidos pela companhia. Assim, sendo atribuídas aos acionistas da companhia

ações preferenciais que lhes garantam um dividendo prioritário fixo, caso a

companhia, em determinado exercício, delibere distribuir parte dos lucros sociais aos

seus acionistas, deverá, prioritariamente, atribuir aos titulares dessas ações

preferenciais, o dividendo fixo a eles devido, conforme estabelecido no estatuto

social. Após o pagamento desses acionistas, havendo saldo remanescente a

distribuir, a companhia procederá ao pagamento dos acionistas titulares de ações

ordinárias. Se, todavia, após realizado o pagamento dos acionistas ordinarialistas,

ainda houver lucros por distribuir, somente esses últimos poderão participar do

rateio, uma vez que, os titulares de ações preferenciais, após o pagamento do valor

fixado, não participam em mais nada.

O dividendo mínimo, por sua vez, é a modalidade de dividendo prioritário

que assegura ao titular da ação preferencial uma remuneração mínima,

determinada, em regra, pelo estatuto social, garantindo-lhe, ainda, o direito de

participar, após o pagamento dos acionistas titulares de ações ordinárias, da

distribuição de eventual saldo remanescente a ser distribuído pela companhia. Deste

modo, sendo atribuídas aos acionistas da companhia ações preferenciais que lhes

141

garantam um dividendo prioritário mínimo, caso a sociedade, em determinado

exercício, delibere distribuir parte dos lucros sociais aos seus acionistas, deverá,

prioritariamente, atribuir aos titulares dessas ações preferenciais, o dividendo

mínimo a eles devido. Após o pagamento desses acionistas, caso ainda haja lucros

por distribuir, a companhia procederá ao pagamento dos acionistas titulares de

ações ordinárias. Depois de realizado o pagamento desses acionistas, havendo

ainda lucros a distribuir, eles serão repartidos igualmente entre todos. Portanto, ao

contrário dos dividendos prioritários fixos, os dividendos prioritários mínimos jamais

poderão ser inferiores aos dividendos atribuídos às ações ordinárias.

A última modalidade de dividendo prioritário é a do dividendo diferencial

que assegura ao titular da ação preferencial uma remuneração superior àquela

distribuída aos acionistas titulares de ações ordinárias, conforme percentual

diferencial estabelecido por lei ou pelo estatuto social. A Lei 9.457, de 1997, havia

realizado importante alteração no artigo 17 da Lei 6.404/76, ao estabelecer que não

sendo fixada no estatuto social nenhuma vantagem ao acionista preferencialista, ou

não sendo a vantagem estabelecida a garantia de um dividendo fixo ou mínimo,

então, a companhia deveria pagar aos titulares de ações preferenciais montante,

pelo menos, 10% superior ao dividendos atribuído aos titulares de ações ordinárias.

Desta forma, a reforma realizada em 1997, ao introduzir em nosso ordenamento

jurídico o dividendo diferencial como vantagem mínima a ser atribuída aos

preferencialistas, pôs fim à distorção até então verificada nas ações preferenciais

que, ao serem emitidas, poderiam não conferir qualquer vantagem ao seu titular.

Ocorre que, em 2001, com a nova reforma da Lei 6.404/76 realizada pela Lei

10.303, a redação do artigo 17 foi novamente alterada, sendo dele excluída a figura

do dividendo diferencial para as companhias que não tenham as suas ações

142

admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários. Portanto, passou a ser

admitida novamente a possibilidade de emissão de ações preferenciais nas

companhias de capital fechado que não confiram qualquer vantagem ao seu titular.

Observa-se, entretanto, que sendo a companhia de capital aberto,

independentemente do direito de receber ou não o valor de reembolso do capital,

com ou sem prêmio, as ações preferenciais sem direito de voto ou com restrição ao

exercício deste direito, somente serão admitidas à negociação no mercado de

valores mobiliários, se a elas for atribuída uma das seguintes preferências ou

vantagens: a) garantia de distribuição prioritária de dividendos obrigatórios de, pelo

menos, 25% do lucro líquido ajustado, correspondente a, no mínimo, 3% do

patrimônio líquido da ação; b) dividendo diferencial de, pelo menos, 10% acima do

pago às ações ordinárias; ou c) direito à saída conjunta, nos termos do artigo 254-A

da LSA, acrescido do direito a dividendo, pelo menos, igual ao das ordinárias (item

3.3.2.5 infra).

Observa-se ainda que, se assim previsto no estatuto social, o dividendo

prioritário poderá ser cumulativo, ou seja, quando não pago em determinado

exercício, acrescer-se-á ao dividendo correspondente ao exercício seguinte, e assim

por diante, até o pagamento do total acumulado.

Nas ações preferenciais, o titular do direito ao dividendo será, tal como

ocorre nas ações ordinárias, o proprietário da ação e, caso a ação pertença a mais

de uma pessoa, os direitos por ela conferidos serão exercidos pelo representante do

condomínio.

A última espécie de ação a ser analisada é a de fruição, atribuída ao

acionista cuja ação ordinária ou preferencial foi integralmente amortizada. A

143

amortização consiste na antecipação aos acionistas, sem redução do capital social,

do valor que eles poderiam receber na hipótese de liquidação da companhia.

As ações integralmente amortizadas poderão, então, ser substituídas por

ações de fruição, com as restrições fixadas pelo estatuto ou pela assembléia geral

que deliberar a amortização. Observa-se que as restrições aos direitos dos

acionistas titulares de ações de fruição são definidas pelo estatuto social da

companhia, ou pela assembléia geral que deliberar a amortização.

Para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 106), há, contudo, três hipóteses

de limitação dos direitos societários dos acionistas com ações de fruição que não

dependem de previsão estatutária ou deliberação assemblear, ou seja, restrições

que alcançam todos os acionistas com ações integralmente amortizadas. A primeira

hipótese consiste no direito do acionista em participar do acervo líquido da

companhia, em caso de liquidação. Isso porque os titulares de ações amortizadas já

participaram, por antecipação, do acervo líquido da companhia. Portanto, eles só

poderão concorrer ao acervo líquido depois de assegurado aos titulares de ações

não amortizadas valor igual ao da amortização, corrigido monetariamente. A

segunda hipótese consiste na compensação do valor de reembolso das ações, na

hipótese do exercício do direito de recesso (item 2.2.4 supra). Caso o acionista

dissidente exerça o seu direito de recesso, deve-se abater do valor de reembolso o

montante que lhe foi antecipado na amortização de suas ações, devidamente

atualizado. Trata-se, segundo o citado jurista de uma aplicação analógica ao

disposto no artigo 44, §5º da Lei 6.404/76. A terceira e última hipótese de limitação

aos direitos do acionista titular de ações de fruição que independe de previsão

estatutária ou deliberação assemblear é o direito ao recebimento de juros sobre o

capital próprio (item 3.3.3.1 infra). Conforme o citado jurista, os juros remuneram a

144

indisponibilidade do dinheiro, ou seja, retribuem o acionista pelo emprego na

sociedade de numerário que possuía, não havendo sentido pagá-los aos que

tiveram suas ações amortizadas, pois a amortização restabelece a disponibilidade

desse numerário em mãos do acionista titular das ações de fruição.

A Lei 6.404, de 1976, não repetiu o preceito contido no artigo 18 do

Decreto Lei 2.627, de 1940, que reconheci às ações de fruição os direitos essenciais

dos acionistas. Todavia, considerando que os direitos essenciais jamais poderão ser

suprimidos dos acionistas, seja por previsão estatutária, seja por deliberação

assemblear, compartilhamos com Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p.426) o

entendimento de que:

está implícito na lei vigente que esses direitos não podem ser suprimidos por alteração estatutária decorrente da amoritização nem pela norma estatutária que previamente estabeleceu os critérios para a amortização de ações e respectiva criação de ações de fruição.

Neste mesmo sentido, Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 107), ao

comentar as hipóteses de limitação de direitos relacionadas às ações de fruição,

acima mencionadas, esclarece que:

a compensação do valor atualizado da amortização, tanto na participação no acervo social em caso de liquidação como no cálculo do reembolso, não importa a subtração de direito essencial, por disposição estatutária ou deliberação da assembléia geral, que, por certo, se encontra vedado na lei (artigo 109 da Lei 6.404/76).

É também este o entendimento de José Edwaldo Tavares Borba (2004,

p.229), para quem:

145

as ações inteiramente amortizadas poderão ser substituídas pelas chamadas ações de fruição, as quais, ressalvadas as restrições estatutárias, terão todos os direitos atinentes às ações de que derivaram. As restrições a serem importas pelo estatuto não poderão afetar os chamados direitos essenciais dos acionistas.

Portanto, conclui-se que o acionista detentor das ações de fruição

continua tendo assegurado o direito de participar dos lucros sociais, sendo a

distribuição de dividendos uma das formas de participar dos lucros distribuídos,

igualmente a ele assegurada pelo nosso ordenamento jurídico. Neste sentido,

Barros Leães (1969, p. 325), ao dissertar, na vigência do Decreto Lei 2.627/40,

sobre o direito do acionista ao dividendo, afirma que “o portador de ação de fruição

permanece o acionista titular de um intangível direito ao dividendo”.

3.2.2 Titularidade Derivada: usufruto, fideicomisso, caução e penhor

O acionista, proprietário da ação, é titular de um direito complexo

composto por um feixe de direitos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar,

dispor e reivindicar a coisa (artigo 1.228 do Código Civil). Ressalvada a faculdade de

dispor do bem, as demais prerrogativas poderão ser desmembradas do direito de

propriedade, atribuindo os poderes de usar e gozar da coisa a quem não seja

proprietário. É por essa razão que as ações emitidas pelas sociedades anônimas

poderão ser objeto das mais variadas operações, nas quais o direito de propriedade

se fragmenta, distribuindo as diversas prerrogativas dele decorrentes entre titulares

distintos. Surge então a necessidade de analisarmos nessas hipóteses a quem

incumbe a titularidade do direito aos dividendos.

146

3.2.2.1 Penhor e caução de ações

As ações emitidas por uma companhia podem ser objeto de penhor ou

caução para garantir obrigação assumida por acionista junto a terceiro, mediante

averbação do respectivo instrumento no livro de registro de ações nominativas

arquivado na sede social, ou sendo as ações escriturais, através da averbação do

respectivo instrumento nos livros da instituição financeira responsável pela custódia

das ações emitidas pela companhia (artigo 39 da Lei 6.404/76). Observa-se que a

averbação do penhor ou caução é formalidade indispensável para à constituição da

garantia e não apenas para a sua eficácia perante à companhia.

O penhor e a caução são expressões equivalentes que representam a

mesma garantia real. Conforme Trajano de Miranda Valverde (1953, v. 1, p. 202), a

disjuntiva “ou” empregada, tanto pelo decreto lei de 1940, como pela lei 1976, ao se

referir aos institutos do “penhor” e da “caução”, estabelece uma ligação de

comparação ou escolha entre eles, resultante da diversidade de nomes que as leis

dão à mesma garantia real.

Por se tratar de um bem incorpóreo37, no penhor de ações nominativas, a

tradição do bem é substituída pela averbação do ato de constituição da garantia no

livro de registro de ações nominativas; já no penhor de ações escriturais, a tradição

do bem é substituída pela averbação dos instrumentos de penhor nos livros da

instituição financeira responsável pela custódia das ações, passando a constar no

extrato da conta de depósito fornecida ao acionista. Em ambos os casos, o acionista

não necessita da concordância da companhia emissora, nem dos demais acionistas.

37 Conforme Silvio de Salvo Venosa (2006, v. 5, p. 545), “o penhor sobre ações de sociedade anônima classifica-se como caução de direito incorpóreo em geral e não de título de crédito, pois a ação não o é, mas sim mera fração do capital social”.

147

Neste sentido, para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 134):

a garantia real sobre a ação nominativa apenas está validamente constituída se a companhia averba o ato no livro de registro de ações nominativas; e sobre a ação escritural, se a instituição financeira depositária faz a mesma averbação nos seus assentamentos”. Sem essa formalidade, conclui o citado jurista, “a ação não está caucionada ou empenhada, ou seja, não se constitui o direito real de garantia sobre ela.

Também para Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p.368):

sem a averbação no livro próprio ou o lançamento pela instituição custodiante, o penhor não tem validade, nem mesmo entre as partes. O documento pelo qual se celebrou o penhor presta-se, tão somente, a legitimar o pedido de averbação ou lançamento”. Portanto, conclui o citado jurista com base no entendimento de Trajano Miranda Valverde (1953, 1:203), “a averbação no livro próprio ou lançamento constitui ato necessário para o reconhecimento do penhor de ações, tanto entre as próprias partes, como perante terceiros.

O penhor sobre a ação não transfere ao credor pignoratício o direito de

voto e demais direitos decorrentes da condição de acionista da companhia,

permanecendo com o devedor pignoratício as prerrogativas de uso, gozo e

disposição decorrentes do direito de propriedade. No entanto, é licito estabelecer, no

instrumento de penhor, que o exercício de certos direitos, como o de voto nas

deliberações assembleares, deverão ser exercidos pelo acionista devedor, mediante

prévio consentimento do credor pignoratício.

Neste sentido, Modesto Carvalhosa afirma que o penhor sobre a ação

não transfere, em princípio, ao credor pignoratício o direito de voto, nem o de

receber dividendos e demais vantagens patrimoniais ou pessoais decorrentes da

qualidade de sócio, presumindo-se que tais prerrogativas serão exercidas pelo

devedor, titular da ação empenhada. No entanto, o exercício de um ou mais direitos

pode ser convencionalmente transferido ao credor pignoratício (artigo 113).

148

Efetivamente o artigo 113 da Lei 6.404, de 1976, estabelece que o penhor

da ação não impede o acionista de exercer o direito de voto, sendo lícito, todavia,

estabelecer, no contrato, que o acionista não poderá, sem consentimento do credor

pignoratício, votar em certas deliberações. Ressalta-se que, em se tratando do

direito de voto, o seu exercício se dará necessariamente pelo devedor pignoratício,

acionista da companhia, não podendo o seu exercício ser transferido ao credor

pignoratício. Isso porque o direito de voto é de natureza pessoal, não patrimonial,

que só poderá ser exercido por quem seja acionista da companhia. Todavia, em se

tratando de direitos de natureza patrimonial, poderá o acionista, no exercício de suas

prerrogativas de proprietário da ação gravada com o ônus real, transferir ao credor

pignoratício certos direitos dela decorrentes, tais como, o direito aos dividendos por

deliberar. Para tanto, as respectivas cláusulas de transferência de direitos deverão

constar da averbação no livro próprio, ou dos lançamentos junto à instituição

financeira custodiante. Neste sentido, conforme Barros Leães (1969, p. 334):

ao contrário do direito a voto, que, por ser um direito não patrimonial, só ao acionista cumpre exercer, nada impede que o acionista atribua o exercício do direito ao dividendo ao credor pignoratício, podendo inclusive transmitir ao caucionário a totalidade ou parte dos dividendos produzidos pelas ações durante a vigência da operação.

Cumpre ressaltar ainda que, sendo convencionado a transferência de

certos direitos de natureza patrimonial ao credor pignoratício, esse deverá empregar

toda a diligência na preservação de tais direitos, devolvendo ao devedor, uma vez

paga a dívida, todos os frutos daí decorrentes, notadamente os dividendos e

bonificações recebidos (Carvalhosa 2002, v. 1, p. 371).

Portanto, a titularidade do direito aos dividendos de ações empenhadas

ou caucionadas é, em regra do acionista da companhia, o devedor pignoratício. No

entanto, se assim estabelecido no instrumento de penhor, certos direitos poderão ser

149

transferidos ao credor pignoratício que deverá, uma vez extinto o penhor pelo

pagamento da dívida, devolver ao devedor todos os frutos deles decorrentes, tais

como eventuais dividendos distribuídos pela companhia.

Uma vez extinto o penhor pelo pagamento da dívida, o credor deverá

assinar termo declaratório da quitação que deverá ser averbado no livro de registro

de ações nominativas arquivado na sede social, ou sendo as ações escriturais, nos

livros da instituição financeira responsável pela custódia das ações emitidas pela

companhia.

3.2.2.2 Usufruto e fideicomisso de ações

O usufruto é o direito real temporário de desfrutar um bem alheio como se

fora próprio, sem alterar, contudo, sua substância. Esse direito é exercido na coisa

alheia, de modo que o titular, chamado de usufrutuário, não tem sua propriedade

que pertence a outra pessoa, o chamado nu-proprietário (GOMES, 2000, p. 295). No

usufruto, as prerrogativas de uso e gozo da coisa, decorrentes do direito de

propriedade, são transferidos ao usufrutuário, remanescendo ao nu-proprietário a

prerrogativa de dispor da coisa.

O acionista poderá constituir usufruto38 sobre as ações nominativas de

que é proprietário, mediante a averbação do respectivo instrumento no livro de

registro de ações nominativas da companhia. Por sua vez, sendo as ações

escriturais, deverá proceder à averbação do usufruto nos livros da instituição

financeira responsável pela custódia das ações, que o anotará no extrato da conta

38 O aumento do capital social mediante capitalização de lucros ou de reservas importará alteração do valor nominal das ações ou distribuição de novas ações, correspondentes ao aumento, entre os acionistas, na proporção do número de ações que possuírem, hipótese em que, salvo cláusula em contrário, o usufruto constituído sobre determinadas ações se estenderá às novas ações que delas se derivarem (artigo 169, §2º da Lei 6.404/76).

150

de depósito fornecido ao acionista. Portanto, conforme Modesto Carvalhosa (2002,

v. 1, p. 374), para a eficácia do usufruto perante a companhia e terceiros não basta a

celebração entre as partes do instrumento para a constituição de direitos e gravames

sobre as ações, sendo também indispensável a sua averbação nos livros próprios de

registro da companhia emissora ou da instituição financeira contratada para tais

serviços. Se não for efetuada a competente averbação, conclui o citado jurista,

“consideram-se as ações livres e desembaraçadas”.

Neste sentido, segundo Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.134) “a

averbação nos livros da sociedade emissora (para ações nominativas) ou nos

assentamentos da instituição depositária (para as escriturais) não é requisito de

existência do ato, mas de sua eficácia perante a sociedade anônima emissora”.

Deste modo, se é instituído usufruto sobre ações de uma determinada companhia,

mas o ato não é averbado nos termos do artigo 40 da Lei 6.404/76, a sociedade não

pagará os dividendos diretamente ao usufrutuário, mas sim ao acionista, nu-

proprietário. Este, entretanto, ressalva Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 135), tem o

dever de repassar os dividendos recebidos ao beneficiário do usufruto,

independentemente da averbação, “porque a formalidade não é elemento

constitutivo do ônus ou requisito de sua validade; é, unicamente, condição de

eficácia em relação à companhia”.

Em relação ao direito ao dividendo, objeto de estudo desta dissertação de

mestrado, entende-se que, estando as ações gravadas com usufruto, a titularidade

do direito aos dividendos passa a ser do usufrutuário. Neste sentido, para Barros

Leães (1969, p. 330), “no usufruto de ações cabe ao usufrutuário a titularidade do

dividendo, em razão de ser este o fruto da coisa usufruída”. Para tanto, estabelece

expressamente o artigo 205 da Lei 6.404/76 que a companhia pagará o dividendo de

151

ações nominativas à pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver

inscrita como proprietária ou usufrutuária da ação.

Note-se ainda que, conforme Silvio de Salvo Venosa (2006, v. 5, p. 476),

“a nua-propriedade não fica fora do comércio”. Pode ser alienada, gravada, sem que

com isso se altere o direito do usufrutuário. Assim, ainda que se alienem as ações

gravadas, o direito ao dividendo continuará com o usufrutuário, estando os

sucessivos adquirentes da nua-propriedade obrigados a permitir o gozo da coisa por

parte do titular do usufruto.

Outro ônus que poderá gravar as ações emitidas pela companhia é o

fideicomisso que resulta, conforme Orlando Gomes (2000, p. 295), de uma

disposição pela qual alguém, o chamado fideicomitente, institui herdeiros ou

legatários, impondo a um deles, o fiduciário, a obrigação de, sob termo ou condição,

transmitir ao outro, chamado de fideicomissário, a herança ou o legado. Portanto, no

fideicomisso existe disposição testamentária complexa, por meio da qual o testado

institui alguém, o fiduciário, por certo tempo ou sob certa condição, seu herdeiro ou

legatário, o qual recebe bens em propriedade resolúvel, para que, com o implemento

da condição ou advento do termo, os transfira ao outro nomeado sucessivo, o

fideicomissário. Tanto o fiduciário como o fideicomissário recebem os bens

diretamente do fideicomitente, que poderá ser, conforme Silvio de Salvo Venosa

(2006, v. 5, p. 464), “o testador, se especificamente decorrente de ato de última

vontade; o doador, se por ato entre vivos; ou ainda o alienante de forma geral”.

Note-se que no fideicomisso de ações, tal como no usufruto, a averbação

do respectivo instrumento nos livros da sociedade emissora, em se tratando de

ações nominativas, ou nos assentamentos da instituição depositária, sendo as ações

escriturais, é requisito para a eficácia do ato perante a sociedade anônima emissora.

152

Ao contrário do usufruto, no fideicomisso, fiduciário e fideicomissário

recebem a propriedade das ações do fideicomitente de forma integral, porém

sucessiva, ou seja, o fiduciário recebe a propriedade das ações e até o implemento

da condição ou advento do termo, poderá exercer todas as prerrogativas

decorrentes do direito de propriedade (uso, gozo e disposição); verificada a

condição, a propriedade, com todos os direitos que a compõem, é transferida ao

fideicomissário. Durante o fideicomisso, o direito de preferência para subscrição de

ações39 poderá ser exercido pelo fiduciário, que, em assim procedendo, pagará o

preço de emissão e receberá ações que se integrarão, livres de quaisquer ônus, ao

seu patrimônio. No entanto, não exercido o direito de preferência em até 10 dias

antes do término do prazo, poderá o fideicomissário subscrevê-las para si, nos

termos do artigo 171, §5º da Lei 6.404/76.

Em relação ao exercício do direito aos dividendos, a titularidade será do

fiduciário, enquanto não verificada a condição que põe termo final ao seu direito

sobre as ações, ocasião em que a propriedade passará ao fideicomitente, que se

tornará o novo proprietário das ações e, conseqüentemente, do direito aos

dividendos que vierem a ser auferidos pela companhia. Neste sentido, para José

Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 256):

enquanto não ocorrida a substituição, o fiduciário exercerá o voto, receberá dividendos, que serão seus definitivamente, e auferirá bonificações, que se integrarão no lote de ações para futura transferência ao fideicomissário.

39 Assim como no usufruto, o fideicomisso constituído sobre determinadas ações se estenderá às novas ações que delas se derivarem, salvo cláusula contratual em contrário, na hipótese de ser deliberado o aumento do capital social mediante capitalização de lucros ou de reservas com a distribuição de novas ações entre os acionistas, na proporção do número de ações que possuírem (artigo 169, §2º da Lei 6.404/76).

153

3.2.2.3 Alienação fiduciária em garantia e outros ônus e gravames

A alienação fiduciária em garantia é o negócio em que o devedor,

chamado de fiduciante, aliena em garantia determinado bem de sua propriedade ao

fiduciário, que se obriga a lhe restituir a coisa quando verificada a condição

estabelecida no contrato. O devedor fiduciário permanece na posse do bem,

mantendo-se no exercício dos direitos que dela decorrem.

Neste sentido, o artigo 113 da Lei 6.404/76 estabelece que o direito de

voto não é transferido ao credor fiduciante, podendo ser exercido tão somente pelo

devedor fiduciário, nos termos do contrato. Para José Edwaldo Tavares Borba (2004,

257), o mesmo se dá em relação aos demais direitos, como a percepção aos

dividendos e a preferência para a subscrição que, por força da posse direta das

ações, também permanecem com o devedor fiduciário.

Em relação ao direito aos dividendos, Modesto Carvalhosa (2002, v. 1,

p.377) também entende que, na alienação fiduciária em garantia, salvo convenção

em contrário, receberá o dividendo o devedor fiduciário. Do mesmo entendimento

compartilham Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 1,

p.249), “para quem ao acionista devedor cabe o direito ao dividendo, não se

despojando de seu status socii em virtude de alienação”.

Registra-se que para a eficácia perante a companhia e terceiros da

alienação fiduciária em garantia, bem como quaisquer outras cláusulas ou ônus que

gravem a ação, é indispensável a averbação dos respectivos instrumentos nos livros

da sociedade emissora, em se tratando de ações nominativas, ou nos

assentamentos da instituição depositária, sendo as ações escriturais.

154

3.3 Modalidades de dividendos

Após o estudo realizado sobre a natureza jurídica do direito ao dividendo

(item 1 supra), bem como sobre a sua titularidade (item 2 supra), é relevante para a

adequada compreensão do tema dessa dissertação de mestrado, a análise das

modalidades de dividendos previstas pela Lei 6.404, de 1976, a saber: a) os

dividendos obrigatórios (artigo 202 da Lei 6.404/76); e b) os dividendos

preferenciais, também chamados de prioritários, cumulativos ou não (artigo 17 e 203

da Lei 6.404/76). Trata-se de verdadeiras prerrogativas individuais asseguradas pela

lei aos acionistas que representam valorosos instrumentos na estabilização das

relações de poder internas à companhia (Capítulo 2, item 2.1.1).

3.3.1 Dividendos Obrigatórios

O Decreto Lei 2.627, de 1940, não previa a distribuição de dividendos

obrigatórios aos acionistas das companhias. Estabelecia tão somente em seu artigo

131 que “se os estatutos não fixarem o dividendo que deve ser distribuído pelos

acionistas ou a maneira de se distribuírem os lucros líquidos, a Assembléia Geral,

por proposta da Diretoria e ouvido o Conselho Fiscal, determinará o respectivo

montante”. A ocorrência de lucros, de per si, embora criasse a expectativa do

dividendo, não era suficiente para determinar, na vigência do revogado Decreto Lei,

sua necessária distribuição. Isso porque, sendo omisso o estatuto social, a atribuição

de deliberar sobre a partilha ou não dos lucros do exercício era de competência

exclusiva da Assembléia Geral, não havendo nenhum dispositivo legal que a

obrigasse a distribuir qualquer dividendo aos acionistas da companhia.

155

Observa-se, entretanto, que a interpretação do mencionado artigo 131

devia ser realizada de forma sistemática com o disposto no artigo 78 do Decreto Lei

2.627/40, que consagrava como essencial o direito dos acionistas em participar dos

lucros sociais, sendo vedado aos estatutos sociais e às assembléias gerais privá-los

do direito de participar dos lucros sociais e, conseqüentemente, dos dividendos por

deliberar. Assim, mesmo na omissão do estatuto social, a assembléia geral não

podia negar-se a distribuir dividendos aos acionistas, uma vez verificados os lucros

líquidos do exercício social auferidos pela companhia. Trajano de Miranda Valverde

(1953, v. 2, p. 379), ao comentar o revogado artigo 131 do referido Decreto Lei,

afirma que “no silêncio dos estatutos, vige a regra de que todos os lucros do

exercício, anualmente apurados, devem ser divididos pelos acionistas”.

Embora Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 786) entenda ser ortodoxo o

mencionado posicionamento de Miranda Valverde, fruto da escola liberal presente

num período em que ainda não havia surgido a demanda insaciável de capitais

decorrente da economia de escala, afirma ter prevalecido em nosso ordenamento

jurídico, durante a vigência do Decreto Lei 2.627/40, o costume de que, havendo

lucro, deveria a companhia distribuí-lo aos acionistas da companhia, observado o

quantum fixado pela Assembléia Geral, quando omisso o estatuto social.

Contudo, observa-se que, durante a vigência do Decreto 2.627/40, não

havia qualquer limite à discricionariedade dos acionistas majoritários quanto à

fixação do quantum a ser distribuído a título de dividendos aos acionistas da

companhia. Dessa forma, os acionistas minoritários encontravam-se completamente

submetidos à vontade discricionária dos acionistas majoritários, no tocante à parcela

dos lucros passível de distribuição como dividendo. Para remediar essa situação,

tornando praticamente automática a distribuição de pelo menos parte do lucro, a Lei

156

6.404/76 introduziu o regime dos dividendos obrigatórios em nosso ordenamento

jurídico, deixando de ser atribuição da assembléia geral a fixação do quantum a ser

distribuído aos acionistas.

No entanto, a fixação da obrigatoriedade de pagamento de um dividendo

mínimo aos acionistas foi objeto de amplos debates ao longo da aprovação do

projeto que resultou na Lei 6.404, de 1976. Esclarece André Martins de Andrade

(1982, p. 63), ao analisar os debates que precederam à promulgação da atual lei

societária, que, inicialmente, o anteprojeto de reforma da lei das sociedades

anônimas buscava no dividendo obrigatório um instrumento capaz de restaurar a

ação como título de renda variável, propiciando o desenvolvimento de um mercado

primário como fonte de recursos de risco para a capitalização da atividade privada.

Assim, tanto no primeiro, como no segundo texto do ante-projeto, o dividendo

obrigatório assegurava ao acionista o direito de receber, no mínimo, metade do lucro

líquido do exercício, deduzido da importância necessária à formação de reservas

para atender a obrigações contingentes. Todavia, inúmeras foram as críticas

realizadas acerca da nova sistemática legal, chegando muitos a identificar no

dividendo obrigatório uma tutela propiciadora de uma ditadura da minoria, com

negativas repercussões bolsísticas. Para Waldirio Bulgarelli (1978, v. 4, p. 63), “o

que realmente despertou alarme e desconfianças, provocando críticas, foi a

obrigatoriedade contida no texto dos anteprojetos iniciais, de distribuição de metade

dos lucros”. Temia-se, segundo o citado professor, o enfraquecimento da empresa,

julgando-se excessiva a proteção dispensada ao acionista, sobretudo, minoritário.

Em conseqüência da oposição suscitada pela proposta do novo regime

legal de distribuição dos lucros, o terceiro texto do anteprojeto apresentou uma

solução intermediária, finalmente adotada pela Lei 6.404/76. A tentativa de buscar

157

uma posição intermediária entre os debates travados à época, pode ser observada

na exposição justificativa apresentada pelos os autores do anteprojeto da Lei nº

6.404, de 1976, para quem, se por um lado, a idéia da obrigatoriedade legal de

dividendo mínimo decorre da necessidade de restaurar a ação como título de renda

variável, através da qual o acionista participa dos lucros na companhia, não é, por

outro lado, possível generalizar preceitos e estendê-los a companhias com

estruturas diversas de capitalização, de nível de rentabilidade, e de estágio de

desenvolvimento. Por essa razão, justificam os autores do citado anteprojeto, o

projeto fugiu de posições radicais, procurando medida justa para o dividendo

obrigatório, protegendo o acionista até o limite em que, no seu próprio interesse, e

de toda a comunidade, seja compatível com a necessidade de preservar a

sobrevivência da empresa. O projeto deixa ao estatuto da companhia margem para

fixar a política de dividendos que melhor se ajuste às suas peculiaridades, desde

que o faça de modo preciso, pois sendo omisso o estatuto social sobre a matéria,

prevalecerá a regra legal supletiva da obrigatoriedade de distribuição de metade do

lucro líquido, com os ajustes previstos no artigo 203 da Lei 6.404/76.

Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 795), a Lei 6.404/76, ao

introduzir em nosso ordenamento jurídico a figura dos dividendos obrigatórios,

adotou o sistema dos mandatory dividends do direito norte-americano, com algumas

adaptações ao nosso modelo jurídico. De fato, os tribunais norte-americados têm,

desde o início do século passado, analisado casos relacionados ao pagamento de

dividendos aos acionistas e, a partir desses casos, vêm desenvolvendo os conceitos

de mandatory dividends e discretionary dividends40. De fato, um desses casos, já

40 Nos Estados Unidos, na maior parte dos casos, é da competência do Conselho de Administração (board) a distribuição dos dividendos. Na prática, os acionistas recebem dividendos quando e como declarado pelo board (discretionary dividends) ou, eventualmente, nos termos previstos no estatuto

158

comentado no início deste capítulo (item 3.1 supra), foi a demanda promovida pelos

irmãos Dodge contra a Ford Motor Company, julgada em 1919, pela Corte de

Michigan, nos Estados Unidos.

Entretanto, para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 330), os dividendos

obrigatórios introduzidos em nosso ordenamento jurídico pela Lei 6.404/76 e os

mandatory dividends do direito norte-americano são institutos jurídicos distintos. Isso

porque, enquanto no Brasil a competência para declarar os dividendos é da

assembléia geral ordinária (arts. 122, III e 132, II da LSA), cabendo aos órgãos da

administração apresentar apenas uma proposta, nos Estados Unidos, ao revés, o

assunto é da competência do board of directors, pois se considera a destinação do

lucro social um tema de natureza administrativa, servindo os mandatory dividends

como instrumento de coibição de abusos na gestão da companhia. Observa-se

assim que, ao contrário dos mandatory dividends, o objetivo dos dividendos

obrigatórios é tutelar os minoritários, impedindo que o controlador retenha, na

sociedade, a totalidade dos lucros sociais. Neste sentido, Rubens Requião (1977, v.

2, p. 208) ao tratar dos dividendos obrigatórios, também afirma não existir nenhum

precedente no direito comparado sobre esse instituto de caráter compulsório.

Deste modo, como instrumento estabilizador das relações de poder entre

acionistas controlador e minoritário, o dividendo obrigatório é assegurado a todos os

acionistas da companhia que têm direito de receber, em cada exercício, a parcela

dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância

determinada de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 202, incisos I, II e III

da Lei 6.404/76, ou seja, 50% (cinqüenta por cento) do lucro líquido do exercício que

poderá ser reduzido pelos seguintes valores: a) importância destinada à constituição

(mandatory dividends), sendo o board, em ambos os casos, órgão competente para declarar os dividendos (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 793).

159

da reserva legal (art. 193) e reserva para contingências (art. 195); e b) lucros a

realizar transferidos para a respectiva reserva (art. 197); ou acrescido dos valores

decorrentes: a) da reversão dos lucros destinados à formação da reserva para

contingências (art. 195, §2º); e b) da realização dos lucros registrados na reserva de

lucros a realizar (art. 197, §2º).

O estatuto poderá estabelecer o dividendo obrigatório como porcentagem

do lucro ou do capital social, ou ainda fixar critérios para determiná-lo, desde que

sejam esses critérios regulados com precisão e não sujeitem os acionistas

minoritários ao arbítrio dos órgãos da administração (artigo 202, §1º da Lei

6.404/76). Ressalta-se que sendo o estatuto social claro, preciso e minucioso na

fixação do dividendo obrigatório prevalece o que a respeito dispuser, pouco

importando se o percentual atribuído for pequeno. Conforme Fran Martins (1978, v.

2, t. 2, p.733), a fixação do dividendo mínimo poderá ser realizada em percentual

sobre o lucro ou sobre o capital social, admitida a adoção de outro critério, desde

que seja estabelecido com precisão no estatuto, sem possibilidade de interferência

da administração ou da decisão assemblear na sua determinação. Conclui o citado

jurista que “não impõe a lei um critério específico na fixação do dividendo mínimo”.

Nota-se que a liberdade atribuída à companhia para fixar os critérios de

determinação do dividendo obrigatório no estatuto social, não retira a principal

função deste direito que é a de servir como instrumento para tutela dos interesses da

minoria acionária frente a eventuais abusos por parte do acionista controlador. Isso

porque, ao ingressar na companhia, aportando os recursos de que ela necessita

para sua capitalização, o acionista sabe de antemão o valor mínimo que lhe será

obrigatoriamente pago a título de dividendo, ou porque os critérios para sua

determinação estão estabelecidos no estatuto social, ou porque, sendo omisso o

160

estatuto, a lei obriga a companhia a pagar ao acionista metade do lucro líquido do

exercício ajustado de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 202, incisos I,

II e III da Lei 6.404/76, acima expostos. Portanto, os acionistas minoritários não

estão mais sujeitos à decisão arbitrária do acionista controlador a quem cabia, em

última análise, durante a vigência do Decreto Lei 2.627/40, fixar o quantum a ser

distribuído a título de dividendos na assembléia geral da companhia. Observa-se

que mesmo na hipótese do estatuto social ser omisso e assembléia geral deliberar

alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá

ser inferior a 25% do lucro líquido do exercício ajustado, conforme os critérios

estabelecidos no artigo 202, inciso I da Lei 6.404/76.

Neste sentido, para Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares

Guerreiro (1979, v. 2, p. 593), havendo previsão no estatuto social dos critérios para

a fixação dos dividendos obrigatórios, “os interessados na subscrição ou aquisição

de suas ações estarão prevenidos de antemão sobre a remuneração mínima devida

ao investimento acionário”. Ao subscrevem ou adquirem as ações de emissão da

companhia, deve-se presumir que esses acionistas concordaram com os níveis

remuneratórios fixados no estatuto social. Por sua vez, sendo o estatuto social

omisso, metade do lucro líquido ajustado do exercício deve ser distribuído aos

acionistas como dividendo obrigatório. Trata-se de providência tomada pela lei que

se destina, basicamente, à proteção das minorias, à medida que reduz

consideravelmente a discricionariedade e o verdadeiro arbítrio das maiorias

controladoras. A omissão do estatuto é, entretanto, sanável pela Assembléia Geral

que pode alterá-lo para introduzir normas sobre o dividendo obrigatório. Com essa

providência, fica a sociedade desobrigada de distribuir anualmente metade do lucro

161

líquido ajustado do exercício, mas, em tal hipótese, o dividendo obrigatório não

poderá ser inferior a 25% do lucro líquido ajustado.

Observa-se ainda que, caso o acionista ingresse na companhia cujo

estatuto social fixe os critérios para a determinação do dividendo obrigatório e,

posteriormente, a assembléia geral aprove a modificação do estatuto para a redução

do percentual fixado, é assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da

companhia, exercendo o seu direito de recesso, nos termos do artigo 137, caput, da

Lei 6.404/76 (Capítulo 2, item 2.2.4 supra). Neste sentido, para Fran Martins (1978,

v. 2, t. 2, p. 734), muito embora possa a assembléia geral reformar o estatuto social

(artigo 122 da Lei 6.404/76), a deliberação que resulte na alteração do dividendo

obrigatório exige quorum qualificado correspondente a metade das ações com

direito a voto (artigo 136, inciso IV da Lei 6.404/76), e sua aprovação dá ao acionista

dissidente o direito de retirada, com o reembolso do valor de suas ações (artigo 137

da Lei 6.404/76).

A assembléia geral pode, desde que não haja oposição de qualquer

acionista presente, deliberar a distribuição de dividendos inferior ao obrigatório, ou a

retenção de todo o lucro líquido, nas seguintes sociedades: a) companhias abertas

exclusivamente para a captação de recursos por debêntures não conversíveis em

ações (artigo 202, §3º, inciso I da Lei 6.404/76); ou b) companhias fechadas, exceto

nas controladas por companhias abertas que não se enquadrem na condição

prevista no inciso I (artigo 202, §3º, inciso II da Lei 6.404/76). Trata-se de exceção à

regra do dividendo obrigatório, uma vez que a assembléia geral poderá deliberar o

pagamento de dividendo em montante inferior ao obrigatório, ou mesmo a retenção

de todo o lucro do exercício. Para tanto, é necessário que não haja oposição de

qualquer acionista presente. Nota-se que a lei não exige o consentimento de todos

162

os acionistas da sociedade, mas apenas daqueles presentes à assembléia, sejam

eles detentores de ações com direito de voto ou não.

Essa faculdade é atribuída apenas às companhias abertas que abriram

seu capital exclusivamente para a captação de recursos por meio de emissão de

debêntures não conversíveis em ações; e às companhias fechadas, desde que não

controladas por companhias abertas cujas ações ou valores mobiliários conversíveis

em ações estejam negociados no mercado.

Para Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 799):

a competência da assembléia geral das companhias fechadas de deliberar, por unanimidade e sem oposição, a não distribuição parcial ou total do dividendo obrigatório não se inclui entre os seus poderes discricionários.

Ao fazê-lo, a assembléia estará retirando um direito contratual do

acionista, razão pela qual a companhia não poderá legitimamente deliberar a não

distribuição parcial ou total dos dividendos obrigatórios sem que haja, para tanto,

motivo relevante. Na visão do citado jurista, esse motivo não poderá ser outro senão

a da situação financeira desfavorável da companhia que somente poderá ser

desconsiderado, na hipótese de todos os acionistas, com e sem direito a voto,

estarem presentes à assembléia e por unanimidade concordarem com a não

distribuição.

Nos termos do artigo 202, §4º da LSA, o dividendo não será obrigatório no

exercício social em que os órgãos da administração informarem à assembléia geral

ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da companhia. O Conselho

Fiscal, se em funcionamento, deverá dar parecer sobre essa informação e, na

companhia aberta, seus administradores encaminharão à Comissão de Valores

163

Mobiliários, dentro de 5 dias da realização da assembléia, exposição justificativa da

informação transmitida à assembléia.

Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 797) entende que tanto nas

companhias abertas como nas fechadas, a lei atribui competência aos órgãos da

administração para decidir pela não distribuição de dividendos obrigatórios,

simplesmente informando à assembléia geral da incompatibilidade da situação

financeira com tal distribuição. Se isso ocorrer, não tem a assembléia competência

para deliberar em contrário. Cabe-lhe apenas homologar a decisão da

administração. Por outro lado, não se opondo os administradores à distribuição de

dividendos, cabe à assembléia geral tão somente declarar a distribuição dos

dividendos obrigatórios, aplicando o percentual estabelecido no próprio estatuto ou

supletivamente na lei. Do ato declaratório da assembléia a respeito do dividendo

obrigatório decorre direito constituído de crédito do acionista.

Ressalta-se, entretanto, não parecer ser este o posicionamento mais

adequado, pois, conforme já mencionado, a Lei 6.404/76 atribuiu competência à

assembléia geral de acionistas e, não aos órgãos de administração da companhia,

para declarar dividendos (LSA arts. 122, III e 132, II). Ademais, não ser obrigatório o

dividendo no exercício social em que os órgãos da administração informarem à

assembléia geral ser ele incompatível com a situação financeira da companhia, não

significa estar a assembléia proibida de declará-los. Assim, o artigo 202, §4º da Lei

6.404/76 cria apenas uma faculdade que poderá ou não ser exercida a critério da

assembléia geral de acionistas. Para Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 330), “a

assembléia geral, mesmo diante da informação, pode entender em sentido contrário

e declarar os dividendos no percentual obrigatório”.

164

Neste mesmo sentido, Egberto Lacerda Teixeira e Alexandre Tavares

Guerreiro (1979, v. 2, p. 598) afirmam que, conquanto o §4º do art. 202 declare que,

na espécie, apenas deva haver uma informação à Assembléia, esta tem a

inafastável prerrogativa de contrariar o ponto de vista da administração, decidindo

pela distribuição de dividendos. Realmente, nos termos do artigo 132, inciso II da Lei

6.404/76, a Assembléia Geral Ordinária é competente para deliberar sobre a

destinação do lucro líquido do exercício e, conseqüentemente, sobre a distribuição

de dividendos. Daí ter a Assembléia Geral poderes para alterar e não apenas para

homologar a decisão da administração da companhia, prevalecendo sua deliberação

sobre a do board.

Nota-se ainda que, em relação às companhias abertas, caberá à

Comissão de Valores Mobiliários examinar as razões do não-pagamento do

dividendo, podendo impor aos administradores as penalidades cabíveis (art. 11 da

Lei 6.385/76), faltando-lhe, entretanto, o poder de compelir a sociedade à

distribuição do dividendo obrigatório.

Nos termos do artigo 202, §5º da Lei 6.404/76, os lucros que deixarem de

ser distribuídos em razão da informação prestada pelos órgãos da administração à

assembléia geral de acionistas, nos termos do artigo 202, §4º da Lei 6.404/76, serão

registrados como reserva especial e, se não absorvidos por prejuízos em exercícios

subseqüentes, deverão ser pagos como dividendos assim que o permitir a situação

financeira da companhia.

165

Em consonância ao entendimento da Comissão de Valores Mobiliários41,

a Lei 10.303, de 31 de outubro de 2001, acrescentou o §6º ao artigo 202 da Lei

6.404/76, estabelecendo que deverá ser distribuído aos acionistas como dividendo,

o lucro não destinado à constituição das reservas previstas nos artigos 193 a 197 da

Lei 6.404/76. Esse novo dispositivo legal tem por objetivo impedir a reiterada prática

por parte das companhias de reter lucros injustificadamente, sob a conta usualmente

denominada “lucros acumulados”.

Os lucros acumulados consistem na sobra do lucro líquido do exercício

não distribuído aos acionistas, nem destinado à constituição de reservas de lucros.

No entendimento de Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 774):

essas sobras visam a regularizar a taxa dos dividendos dos anos a seguir; em princípio, não se transformam em capital nem são aplicáveis na consecução do objetivo social da empresa, permanecendo como resultados não empregados.

Como se verifica, trata-se de norma que visa a reforçar o direito do

acionista de receber dividendos, uma vez que toda e qualquer retenção de lucros

terá de ser adequadamente justificada na assembléia geral ordinária. Em vista disso,

as companhias que não pretendam ver-se obrigadas a distribuir integralmente os

lucros auferidos ao longo do exercício, o que, em muitos casos, pode levar a sua

descapitalização, em detrimento dos próprios minoritários, terão de criar, em seus

estatutos, reservas de lucros, na forma prevista no artigo 194 da Lei 6.404/76, bem

41 A Comissão de Valores Mobiliários entendia que, dada a omissão da lei societária sobre a conta “lucros acumulados”, a parcela do lucro do exercício que excedesse ao dividendo obrigatório e não pudesse ser enquadrada em nenhuma das reservas de lucro previstas nos artigos 193 a 197 da Lei 6.404/76, fosse distribuída aos acionistas a título de dividendos. Entretanto, conforme observa Modesto Carvalhosa, grande número de companhias distribuía aos acionistas apenas o dividendo obrigatório, ainda que as reservas previstas na lei de 1976 e no estatuto social não absorvessem todo o montante do lucro do exercício, retendo o excesso na referida conta “lucros acumulados” (2003, v. 3, p. 790).

166

como elaborar, com mais regularidade, orçamentos de capital que possibilitem a

retenção de lucros (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 790).

Excetua-se a regra desse dispositivo legal, os lucros não distribuídos em

razão de deliberação unânime dos acionistas presentes à assembléia geral, nos

termos do artigo 202, §3º da Lei 6.404/76. Nessa hipótese, os lucros líquidos não

distribuídos deverão ser capitalizados como “lucros acumulados”.

3.3.2 Dividendo preferencial

As ações preferenciais, como já analisado no item 3.2.1 supra, são

aquelas que atribuem aos seus titulares vantagens ou restrições, conforme

estabelecido no estatuto social, em relação aos direitos comuns conferidos aos

demais acionistas da companhia. Muito embora as ações preferenciais também

possam conferir vantagens de natureza política, como, por exemplo, o direito de

eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de

administração (artigo 18 da Lei 6.404/76), em regra, essa espécie de ação confere

ao seu titular vantagens de natureza patrimonial. Neste contexto, em que são

conferidas aos acionistas preferencialistas certas vantagens pecuniárias em relação

aos demais acionistas da companhia, se inserem os dividendos preferenciais,

também chamados de prioritários.

O dividendo preferencial é, portanto, o dispositivo estatutário que delimita

a vantagem atribuída particularmente a uma ou mais classes de ações preferenciais

no exercício do direito de participação nos lucros da sociedade (COELHO, 2002, v.

2, p. 331). O dividendo preferencial, ou prioritário, possui 03 (três) modalidades com

características próprias, a saber: a) o dividendo fixo, cumulativo ou não (itens 3.2.1 e

167

3.2.4); b) o dividendo mínimo, cumulativo ou não (itens 3.2.2 e 3.2.4); e c) o

dividendo diferencial (item 3.3.2.3).

A prioridade na distribuição de dividendo fixo ou mínimo, ou seja, a

vantagem dos dividendos preferenciais (ou prioritários), não pode ser confundida

com os dividendos obrigatórios. Conforme analisado no item 3.3.1 supra, o dividendo

obrigatório é um direito individual assegurado a todos os acionistas da companhia

que têm o direito de receber, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida

no estatuto ou, se este for omisso, metade do lucro líquido ajustado conforme

estabelecidos no artigo 202, incisos I, II e III da Lei 6.404/76, Trata-se, portanto, de

um valoroso instrumento estabilizador das relações de poder entre acionistas

controlador e minoritário. O dividendo preferencial, por sua vez, é um direito social,

também chamado de coletivo, que tem origem nos estatutos da companhia,

podendo ser modificado, mediante reforma estatutária realizada por deliberação

assemblear, submetendo-se, assim, ao princípio majoritário e, conseqüentemente, a

vontade dos acionistas controladores da companhia (Capítulo 2, item 2.1.3 supra).

Trata-se, como mencionado, de dispositivo estatutário que delimita uma das

inúmeras vantagens que poderão ser conferidas aos titulares de ações preferenciais

emitidas pela companhia, podendo, inclusive, não existir. Segundo Fábio Ulhoa

Coelho (2002, v. 2, p. 332),

se a cláusula estatutária delimitadora dos direitos conferidos pelas ações preferenciais aos seus titulares refere-se à garantia de “dividendos mínimos obrigatórios”, a única interpretação admissível é a de que o estatuto, a rigor, não prevê nenhuma vantagem econômica particular a essa espécie de ação.

A possibilidade do estatuto social não conferir nenhuma vantagem

patrimonial ao acionista titular de ações preferenciais é tema de grande relevância

no estudo da matéria. Isso porque, até 1997, os estatutos sociais das companhias,

168

em regra, não estabeleciam qualquer vantagem aos titulares dessa espécie de ação

ou, quando muito, fixavam uma simples prioridade no tempo de pagamento dos

dividendos, em decorrência de uma interpretação inadequada da expressão

“prioridade na distribuição de dividendos” contida na lei de 1976. Todavia, com a

reforma realizada pela Lei 9.457, de 1997, foram introduzidas no texto legal

importantes inovações, sobretudo, a figura do dividendo diferencial, através do qual,

sendo omisso o estatuto social quanto à vantagem conferida às ações preferenciais,

ou não sendo a vantagem prevista pelo estatuto a garantia de um dividendo

prioritário fixo ou mínimo, a companhia deveria pagar aos preferencialistas dividendo

superior àquele atribuído aos titulares de ações ordinárias em, no mínimo, 10% (dez

porcento).

Conforme Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 194):

a redação dada ao artigo 17 da Lei 9.457, de 1997, trouxe inovações moralizadoras da distorcida prática fundada na ambígua redação contida no diploma de 1976, quando falava em “prioridade na distribuição de dividendos.

Essa redação, prossegue o citado jurista, “é que deu vazão à insidiosa

interpretação de que prioridade se referia ao tempo de pagamento e não ao valor do

dividendo, para, assim, suprimir o voto dos preferencialistas, sem lhes atribuir

qualquer vantagem econômica”.

Ocorre que, em 2001, a Lei 10.303 alterou novamente o regime de

vantagens e preferências conferidas aos titulares de ações preferenciais, mantendo

os dividendos diferenciais apenas como uma de três vantagens possíveis que

deverão ser atribuídas pelas companhias que pretendam ter as suas ações

preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, admitidas à negociação no

mercado de valores mobiliários. Para as demais ações preferenciais, cabe ao

169

estatuto social fixar suas vantagens ou preferências que, nos termos do artigo 17 da

Lei 6.404/76, podem consistir em: a) prioridade na distribuição de dividendos, fixo ou

mínimo; b) prioridade no reembolso do capital, com ou sem prêmio; ou c) prioridade

no reembolso do capital, cumulado com a prioridade no recebimento de dividendos.

Observa-se que a nova redação dada ao artigo 17 da Lei 6.404/76 não assegura

mais a esses acionistas preferencialistas o dividendo diferencial na hipótese do

estatuto social da companhia não lhes conferir nenhuma vantagem ou preferência.

Trata-se, portanto, de questão a ser resolvida pelas próprias forças do

mercado, pois, muito embora a lei não assegure mais ao acionista preferencialista o

direito de dividendos diferenciais, se determinada sociedade anônima busca atrair

investidores capazes de lhe propiciar o autofinanciamento de sua atividade, é

evidente que, negando a eles vantagens mínimas ofertadas por outras companhias

em condições similares, a sociedade anônima não conseguirá tornar a sua ação um

título suficientemente atrativo e, conseqüentemente, não será capaz de despertar o

interesse desses investidores. Neste sentido, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v.

2, p. 102), a vantagem estatutária do dividendo preferencial fixo, mínimo ou

diferencial é elemento de concorrência entre as empresas atrás do capital disponível

no mercado.

Ressalta-se, entretanto, ser diverso o entendimento de nossa doutrina,

sobretudo, quando a ação preferencial suprimir de seu titular o direito de voto.

Segundo Nelson Eizirik (1997, p. 41), para que o estatuto suprima legitimamente o

direito de voto do acionista preferencialista, deve declarar expressamente quais as

vantagens patrimoniais reais que lhes são em contrapartida outorgadas, uma vez

que a inexistência de vantagens patrimoniais efetivas colocaria o titular da ação

preferencial, particularmente de companhia fechada, em situação de total

170

dependência do acionista controlador: sem voto; sem vantagem patrimonial; e sem

possibilidade de alienar suas ações, pela inexistência de liquidez, provida pelo

mercado de capitais. Portanto, conclui Nelson Eizirik (1997, p. 43):

o estatuto social não pode privar as ações preferenciais do direito de voto sem que lhe haja uma adequada compensação pecuniária que as torne mais atrativas, quanto às vantagens patrimoniais, do que as ações ordinárias, enquanto alternativa de investimento.

Compartilha do mesmo entendimento Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p.

217), segundo o qual “ao suprimir o direito de voto, único direito que lhes pode ser

negado, o estatuto deverá estabelecer uma vantagem patrimonial correlativa para os

titulares de ações preferenciais”. Assim, conclui o citado jurista, “a ausência do

direito de voto é compensada, necessariamente, por um benefício de ordem

econômica” (Carvalhosa, 2002, v. 1, p. 218).

Uma vez prevista a vantagem de dividendos prioritários aos acionistas

titulares de ações preferenciais, o disposto nos artigos 194 a 197, e 202, não poderá

prejudicar o direito dos preferencialistas de receber os dividendos fixos ou mínimos a

que tenham prioridade, inclusive os atrasados, se cumulativos (artigo 203 da Lei

6.404/76). Portanto, a companhia não poderá, enquanto não pagos os dividendos

prioritários fixados pelo estatuto social, destinar parcela dos lucros sociais para a

constituição ou aumento de reservas de lucro (itens 2.3.1.2, 2.3.1.3 e 2.3.1.5 supra),

exceto a reserva legal (item 1.4.8 supra), tampouco reter parcela do lucro líquido do

exercício, objetivando suprir recursos orçamentários de investimento previamente

aprovados pela assembléia geral (item 2.3.1.4). Observa-se, ainda, que enquanto

não pagos os preferencialistas, os titulares de ações ordinárias não poderão

participar da distribuição de qualquer quantia a título de dividendos.

171

O estatuto social poderá prever que as ações preferenciais com prioridade

na distribuição de dividendo cumulativo, fixo ou mínimo, possam recebê-lo à conta

das reservas de capital no exercício em que o lucro for insuficiente. No entanto, para

que haja essa distribuição excepcional, o estatuto social deverá conferir

expressamente a essas ações preferenciais o direito de receber dividendos à conta

das reservas de capital, bem como os lucros auferidos no exercício deverão ser

insuficientes para o pagamento desses dividendos. Se não forem observados esses

dois requisitos, a distribuição de dividendos por conta da reserva de capital à referida

classe de preferenciais será ilegal.

3.3.2.1 Dividendo preferencial fixo

O dividendo fixo é modalidade de dividendo preferencial que assegura ao

titular de ação preferencial uma remuneração certa e determinada. Para tanto, o

dividendo fixo não deve ser previsto em percentual incidente sobre o lucro líquido da

companhia, haja vista que este é aleatório, variável, circunstância incompatível com

o seu conceito.

Neste sentido, para Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 198), o dividendo

fixo deve ter como base um valor certo em reais por ação preferencial, ou um

determinado percentual sobre o valor nominal da ação preferencial, ou ainda, caso

as ações não tenham valor nominal, sobre o próprio capital social correspondente à

classe de ações preferenciais em questão. Do mesmo entendimento compartilha

José Edwaldo Tavares Borba (2004, p. 223), para quem:

o dividendo fixo, devidamente quantificado nos estatutos sociais, constitui-se: a) de uma importância certa em reais por ação; b) de um percentual sobre o valor nominal, patrimonial, ou de referência da ação.

172

Vale ressaltar, entretanto, não ser esse entendimento unânime em nossa

doutrina. Para alguns juristas, o dividendo fixo poderia ser fixado com base em um

percentual sobre o lucro líquido do exercício, variando assim de ano para ano.

Assim, para Egberto Lacerta Teixeira e Alexandre Tavares Guerreiro (1979, v. 1, p.

194):

os estatutos devem prever o privilégio pecuniário, a título de dividendo fixo, quer determinando um percentual sobre o valor nominal das ações, sobre o lucro ou sobre o capital social, quer prefixando uma importância determinada em moeda corrente.

Neste sentido, Fran Martins (1978, v. 2, t. 2, p. 738) também afirma que

“dividendo fixo é aquele estabelecido sob uma forma de percentagem sobre o valor

do lucro líquido, do capital social, ou em valor determinado em dinheiro”. Ora, como

já mencionado, não nos parece ser o mais adequado fixar o percentual sobre o qual

serão calculados os dividendos fixos em evento futuro e aleatório, como a apuração

dos lucros sociais. Isso porque os dividendos fixos se assemelham a um juro pré-

fixado que é assegurado aos acionistas sobre o capital por eles investido

(CARVALHOSA; EIZIRIK, 2002, p. 88).

A companhia não poderá atribuir qualquer dividendo aos acionistas

ordinarialistas enquanto não atender, por completo, o direito dos titulares de ações

preferenciais que gozem dessa vantagem. Afirma Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.

334) que “a companhia não pode atribuir nem um centavo aos acionistas com ação

ordinária enquanto não atender, por completo, o direito dos titulares de ações

preferenciais”.

Os dividendos fixos, ao contrário dos dividendos mínimos (item 3.3.2.2

infra), não participam dos lucros remanescentes, ou seja, se o lucro líquido do

173

exercício bastar para o pagamento dos preferencialistas e ordinarialistas e ainda

remanescer lucro a ser partilhado, os titulares de ações preferências que

apresentem a vantagem do dividendo fixo não participaram desse rateio, sendo

esses lucros remanescentes distribuídos aos demais acionistas (artigo 17, §3º da Lei

6.404/76). Isto quer dizer que, segundo Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 198):

uma vez calculados os dividendos fixos atribuídos às ações preferenciais de uma determinada classe, o saldo remanescente dos lucros será integralmente distribuído às ações preferenciais de outras classes eventualmente existentes e às ações ordinárias.

Observa-se ainda que o estatuto social da companhia poderá excluir ou

restringir o direito dos titulares de ações preferenciais com dividendo fixo de

participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou

lucros (artigo 17, §5º da Lei 6.404/76). Portanto, esses acionistas estarão sujeitos a

uma diluição legalmente permitida de suas participações, se assim estiver

expressamente previsto no estatuto social.

3.3.2.2 Dividendo preferencial mínimo

O dividendo mínimo, tal como o dividendo fixo, é modalidade de dividendo

preferencial que tem o direito de receber prioritariamente uma parcela do lucro

líquido da companhia, conforme determinado no estatuto social. Diferenciam-se,

entretanto, as duas espécies pois, enquanto os dividendos mínimos jamais poderão

ser inferiores aos dividendos atribuídos às ações ordinárias, os dividendos fixos,

como já apresentado, poderão não participar dos lucros remanescentes, limitando-se

ao valor ou percentual fixado no estatuto. Uma vez pagos aos acionistas titulares de

ações preferenciais e ordinárias os dividendos a eles devidos, a sociedade poderá,

174

com o objetivo de fortalecer a sua ação como alternativa de investimento, ampliar a

participação dos acionistas em seus lucros para além dos dividendos obrigatórios,

distribuindo dividendos superiores, desde que iguais para cada ação (COELHO,

2002, v. 2, p. 336).

Neste sentido, conforme lições de Modesto Carvalhosa (2002, v. 1,

p.198), as ações preferenciais com dividendo mínimo, tal como as ações

preferenciais com dividendo fixo, têm o direito de receber prioritariamente uma

parcela do lucro, conforme determinado no estatuto social. Portanto, ambas têm a

garantia de que somente depois de lhes serem assegurados os dividendos

prioritários, mínimos ou fixos, é que eventual saldo remanescente será destinado ao

pagamento dos dividendos das ações ordinárias. Todavia, dividendos mínimos e

fixos não se confundem, pois sendo pagos os acionistas ordinarialistas e, ainda

havendo saldo de lucro a distribuir, somente aqueles acionistas preferencialistas que

tiverem como vantagem o recebimento de dividendos mínimos poderão participar do

rateio do saldo com os acionistas titulares de ações ordinárias. É o que estabelece o

artigo 17, §4º da Lei 6.404/76.

Conforme estabelecido no estatuto social, o dividendo mínimo poderá, tal

como o dividendo fixo, consistir em uma importância certa em reais por ação, ou em

um percentual sobre o valor nominal da ação ou, inexistindo valor nominal, em um

percentual sobre a parcela do capital que correspondente às ações preferenciais em

questão. Todavia, por não se assemelharem a um juro pré-fixado, tal como ocorre

com os dividendos fixos (item 3.3.2.1 supra), os dividendos mínimos poderão atribuir

ao titular da ação preferencial uma remuneração mínima fixada com base em um

percentual calculado sobre os lucros sociais.

175

3.3.2.3 Dividendo preferencial diferencial

Como já estudado (item 3.3.1 supra), o dividendo diferencial, modalidade

de dividendo prioritário introduzido em nosso ordenamento jurídico com a reforma

realizada pela Lei 9.457/97, passou a assegurar uma vantagem efetiva aos titulares

de ações preferenciais sem direito de voto ou com direito de voto restrito. Essa

vantagem consistia em atribuir um dividendo diferencial de, no mínimo, dez por

cento superior àquele atribuído às ações ordinárias, sempre que omisso o estatuto

social quanto à vantagem conferida às ações preferenciais, ou sempre que a

vantagem prevista pelo estatuto não fosse a garantia de um dividendo prioritário fixo

ou mínimo.

Ocorre que, com a nova reforma realizada pela Lei 10.303, de 2001,

alterou-se novamente o regime de vantagens e preferências conferidas aos titulares

de ações preferenciais, mantendo os dividendos diferenciais apenas como uma de

três vantagens possíveis que deverão ser atribuídas pelas companhias que

pretendam ter as suas ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito,

admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários (item 3.3.2.5 infra).

3.3.2.4 Dividendo cumulativo e não cumulativo

Os dividendos preferenciais poderão ser cumulativos ou não. No primeiro

caso, para Fabio Ulhoa Coelho, a cumulatividade assegura ao acionista titular de

ações preferenciais o recebimento, em exercício, ou exercícios futuros, do valor

176

eventualmente não pago pela companhia, por não dispor de meios (resultados ou

eventualmente, reserva de capital) para honrar o compromisso dos dividendos

prioritários. A não cumulatividade, por sua vez, é o inverso: se a companhia não

paga o dividendo preferencial em determinado exercício, o preferencialista não terá

direito ao seu recebimento nos próximos (2002, v. 2, p. 336).

A cumulatividade tem que ser expressamente prevista no estatuto, pois,

na sua omissão, vigorará a regra da não cumulatividade, ou seja, se a companhia

em um determinado exercício, não pagar os dividendos preferenciais aos acionistas

titulares dessa vantagem, esses não terão direito de recebê-los nos próximos

exercícios.

Nos termos do artigo 111, §1º da LSA, os titulares de ações preferenciais

sem direito a voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo

previsto no estatuto, não superior a 03 (três) exercícios consecutivos, deixar de

pagar dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o

pagamento, inclusive dos atrasados, se forem cumulativos.

O estatuto social da companhia deve, portanto, estabelecer o prazo em

que os titulares de ações preferenciais sem direito de voto, ou com direito de voto

restrito, adquirirão esse direito por ausência no pagamento de dividendos. Sendo o

estatuto omisso, o acionista adquire o direito de voto de imediato, ou seja, a partir do

primeiro exercício social em que não lhe for pago os dividendos devidos. Neste

sentido, para Modesto Carvalhosa (2003, v. 2, p. 414):

o prazo de três anos aventado no diploma legal é o máximo que o estatuto poderá estabelecer para a aquisição do direito. Se não o fizer nesse prazo ou em menor, entende-se que se adquire o direito de voto a partir do seu fato gerador, no próprio exercício em que se verificou.

177

Observa-se que o exercício do direito de voto por ausência no pagamento

de dividendos preferenciais, fixos ou mínimos, será temporário, pois uma vez

realizado o pagamento dos dividendos devidos, cessará o direito de voto conferido

aos respectivos acionistas. No entanto, para a adequada compreensão desta

questão passa a ser indispensável a verificação da cumulatividade ou não dos

dividendos preferenciais. Isso porque, sendo os dividendos cumulativos em razão de

expressa previsão estatutária, o direito de voto apenas cessará após o integral

pagamento das importâncias em atraso. Por sua vez, sendo os dividendos

preferenciais, fixos ou mínimos, não cumulativos, o direito de voto cessará com o

pagamento da importância devida no respectivo exercício.

Como bem observa Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.103), se a

preferência conferida ao acionista não é o direito a dividendo mínimo ou fixo, mas

alguma outra vantagem, como, por exemplo, prioridade na amortização ou

reembolso de ações, tratamento privilegiado na partilha, dentre outras, não existe na

lei nenhuma previsão expressa de aquisição de direito de voto.

3.3.2.5 Dividendo preferencial no Mercado de Valores Mobiliários

A Lei 10.303, de 31 de outubro de 2001, deu nova redação ao §1º do

artigo 17 da Lei 6.404/76, criando um tratamento diferenciado para as ações

preferenciais sem direito a voto, ou com restrição ao exercício deste direito,

admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários. Trata-se da

obrigatoriedade de serem conferidas a elas certas preferências ou vantagens

mínimas estabelecidas pelo estatuto social da companhia emissora, a fim de que

possam ser admitidas à negociação no mercado de capitais.

178

Para tanto, nos termos do artigo 17, §1º da Lei 6.404/76, essas ações

preferenciais deverão conferir aos seus titulares, independentemente do direito de

receber ou não o valor de reembolso do capital com ou sem prêmio, pelo menos

uma das seguintes preferências ou vantagens: a) garantia de distribuição de

dividendos obrigatórios de, no mínimo, 25% do lucro líquido ajustado, sendo

assegurado ao seu titular um dividendo mínimo correspondente a 3% do patrimônio

líquido da ação; b) dividendo diferencial de, pelo menos, 10% acima do pago às

ações ordinárias; ou c) direito à saída conjunta, nos termos do artigo 254-A da Lei

6.404/76, acrescido do direito a dividendo, pelo menos, igual ao das ordinárias.

Ressalte-se que tais exigências são apenas para a negociação de ações

preferenciais que não confiram ao seu titular o direito de voto, ou atribuam alguma

restrição ao exercício deste direito. Conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p.

340), se a ação preferencial emitida pela sociedade anônima de capital aberto

confere o direito de voto ao seu titular, nenhuma restrição será exigida para a sua

admissão à negociação no mercado de valores mobiliários.

Observa-se que as exigências de vantagens mínimas previstas no citado

artigo 17, §1º da Lei 6.404/76, se aplicam apenas às companhias que desejam ter as

suas ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, admitidas à

negociação no mercado de valores mobiliários, não abrangendo assim toda e

qualquer espécie de companhia aberta. Conforme observa Modesto Carvalhosa

(2002, v. 1, p. 200):

no caso de companhia que seja aberta apenas em razão de emissão pública de debêntures, por exemplo (novo §3º do art. 4º) não será obrigatória a observância de privilégios mínimos para as ações preferenciais sem voto estabelecidos pelo § 1º do novo art. 17, já que estas não são negociadas no MVM.

179

Por sua vez, caso a companhia que deseje ter as suas ações

preferenciais sem direito de voto, ou com voto restrito, admitidas à negociação no

mercado de valores mobiliários, deverá estabelecer em seu estatuto social uma das

vantagens previstas no citado artigo 17, §1º da Lei 6.404/76. Note-se que as

companhias também poderão atribuir outras vantagens adicionais a essas ações

preferenciais sem direito de voto, ou com voto restrito, desde que especificadas com

precisão e minúcia pelo estatuto social, tornando assim as ações de sua emissão

mais atrativas junto aos investidores que buscam, no mercado de valores

mobiliários, opções para aplicar seus recursos financeiros.

3.3.3 Dividendos intermediários e intercalares

Os dividendos intermediários são aqueles pagos pela companhia ao longo

do exercício social por conta de lucros acumulados ou reservas de lucros apurados

em exercícios anteriores, constantes do último balanço anual ou semestral já

aprovado pela assembléia geral. Os dividendos intermediários só poderão ser

distribuídos se houver expressa previsão estatutária que autorize os órgãos de

administração da companhia a declará-los (artigo 204, §2º da Lei 6.404/76).

Os dividendos intercalares, por sua vez, são aqueles pagos pela

companhia com base em balanços levantados ao longo do exercício social sem que

tenha ocorrido ainda a aprovação das demonstrações financeiras e,

conseqüentemente, do respectivo balanço pela assembléia geral. Portanto, a

distribuição de dividendos intercalares será lícita se resultar de lucros apurados em

balanço do exercício, regularmente levantado, independentemente da aprovação

das respectivas demonstrações financeiras pelos acionistas em assembléia geral.

180

Observa-se ainda que os dividendos intercalares, tal como os dividendos

intermediários, só poderão ser distribuídos se houver expressa previsão estatutária

que autorize os órgãos de administração da companhia a declará-los.

Neste sentido, afirma Modesto Carvalhosa (2003, v. 3, p. 810) que tanto

para os dividendos intercalares como para os intermediários, deve haver previsão

estatutária, sendo a distribuição de competência dos órgãos de administração da

companhia. Todavia, observa o citado jurista, para a distribuição dos dividendos

intercalares, não será necessária a previa aprovação do respectivo balanço pela

assembléia geral, enquanto que para a distribuição dos dividendos intermediários,

essa aprovação prévia é exigida.

A distribuição de dividendos pressupõe, portanto, a existência de lucro

líquido e realizado pela companhia, apurado em balanço anual, semestral, ou ainda

em períodos inferiores, desde que fixados em lei, ou no estatuto social da

companhia. A companhia que, por força de lei ou de disposição estatutária, levantar

balanço semestral 42, poderá declarar, por deliberação dos órgãos de administração,

se autorizados pelo estatuto, dividendo à conta do lucro apurado nesse balanço,

conforme previsto no artigo 204, caput da Lei 6.404/76. A companhia poderá ainda,

se previsto no estatuto social, levantar balanço e distribuir dividendos em períodos

menores, desde que o total dos dividendos pagos a cada semestre do exercício

social não exceda o montante das reservas de capital de que trata o artigo 182, § 1º

da Lei 6.404/76

42 Muito embora a Lei 6.404/76 adote o regime da anualidade das demonstrações financeiras (artigo 176), existem leis especiais que estabelecem outros prazos para que determinadas companhias levantem seus balanços patrimoniais. É o caso das instituições financeiras que deverão, obrigatoriamente, levantar balanços gerais ao término de cada semestre (artigo 31 da Lei 4.595/64).

181

3.3.3.1 Dividendos versus juros sobre o capital

A sociedade anônima poderá, para efeitos da apuração do lucro real,

deduzir os juros pagos ou creditados aos acionistas a título de remuneração sobre o

capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à

variação, pro rata dia, da TJLP - Taxa de Juros a Longo Prazo (artigo 9º da Lei

9.249/95). Nota-se que o efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à

existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros

acumulados e reservas de lucros, em montante igual a, pelo menos, o dobro dos

juros a serem pagos ou creditados. Ademais, o seu recebimento pelo acionista está

sujeito à incidência do imposto sobre a renda na fonte, pela alíquota de 15%.

A questão de maior relevância sobre os juros pagos aos acionistas a título

de remuneração sobre o capital próprio encontra-se, considerando o escopo desta

dissertação de mestrado, na natureza jurídica do instituto que, para alguns juristas,

como Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 215), deve ser considerado uma espécie

de dividendo; já para outros, como Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 342), não tem

a natureza de dividendo.

Para Modesto Carvalhosa (2002, v. 1, p. 217), “os juros calculados sobre

o capital próprio pagos ou creditados ao acionista constituem inequivocadamente

distribuição de resultado, integrando o valor total pago como dividendos”. Trata-se,

segundo o citado jurista, de uma modalidade de dividendos com duas funções

principais: a) beneficiar as companhias com uma parcela de dividendos dedutível do

Imposto de Renda, no limite anula da Taxa de Juros de Longo Prazo; e b)

compensar a extinção da correção monetária do patrimônio líquido, instituída pela

própria Lei 9.249, de 1995.

182

Diverso é o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 342),

para quem os juros sobre capital próprio não podem ser considerados como espécie

de dividendos. Para o citado jurista, “enquanto aqueles remuneram os acionistas

pela indisponibilidade do dinheiro investido na companhia, esses últimos remuneram

os acionistas pelo sucesso da empresa explorada”.

Fábio Ulhoa Coelho (2002, v. 2, p. 341) fundamenta a sua posição em

duas razões que evidenciam claramente a diferença existente entre a natureza dos

dividendos e dos juros sobre capital próprio. A primeira razão está relacionada ao

fato de existir previsão na Lei 9.249/95 (artigo 9º, §7º) que autoriza a imputação dos

juros sobre capital próprio aos dividendos obrigatórios, demonstrando assim que o

legislador atribui natureza diversa a esses institutos. Isso porque, esclarece o citado

jurista, “se os juros sobre o capital fossem espécie de dividendos, não haveria

necessidade do dispositivo em questão; eles já estariam, por definição, incluídos

entre os obrigatórios”. A segunda razão está nas diferenças existentes no regime

tributário previsto na mesma lei para esses dois institutos. Enquanto o dividendo é

isento de tributação, nos termos do artigo 10 da Lei 9.249/95, os juros sobre capital

são tributados à alíquota de 15%, conforme artigo 9º, § 2º da Lei 9.249/95.

Considerando o princípio constitucional da isonomia, não é possível considerar juros

sobre capital próprio e dividendos, como sendo pagamentos do mesmo tipo, pois

não se pode tratar de modo diferente, sob o ponto de vista tributário, duas situações

idênticas.

Os argumentos apresentados por Fábio Ulhoa Coelho esclarecem com

propriedade a distinção entre os institutos, ora em análise. Não se pode, portanto,

atribuir aos juros sobre capital próprio a mesma natureza jurídica dos dividendos, já

que ambos possuem finalidades nitidamente distintas. Enquanto o dividendo é

183

resultado da distribuição aos acionistas dos frutos auferidos pela companhia em

razão do sucesso na exploração do empreendimento; os juros sobre o capital próprio

remuneram o investidor pela indisponibilidade dos recursos que foram por eles

aportados na companhia, tendo sido instituídos pela Lei 9.249/95 para compensar a

extinção da correção monetária do patrimônio líquido, como é entendimento do

próprio Modesto Carvalhosa, acima exposto.

Ressalta-se, ainda, que outras diferenças fundamentais existem entre os

dois institutos. Uma delas está na sua própria base de cálculo. Enquanto a base de

cálculo dos juros sobre capital próprio são as contas do patrimônio líquido da

companhia, os dividendos são calculados sobre o lucro líquido do exercício.

Todavia, parece não ser esse o entendimento da Comissão de Valores

Mobiliários que, nos termos da Deliberação CVM nº 207, de 13 de dezembro de

1996, entende ser a remuneração do capital próprio, paga ou creditada aos

acionistas, distribuição de resultado e não despesa, haja vista a interpretação dada

pela referida autarquia ao artigo 9º, § 7º da Lei 9.249, de 1995, que permite a

imputação desses juros ao valor do dividendo obrigatório estabelecido no artigo 202

da Lei 6.404/76. A interpretação dada pela Comissão de Valores Mobiliários parece

ter introduzido uma ambigüidade na definição da natureza dos juros sobre capital

próprio, pois, conforme Fábio Ulhoa Coelho (2002, p. 347):

para a lei tributária, eles correspondem a despesa da sociedade anônima, tendo em vista a dedutibilidade dos juros da base do lucro real, mas, para a CVM, devem ser entendidos como parte do resultado.

Ora, ainda que a Comissão de Valores Mobiliários tenha buscado, através

da Deliberação CVM nº 207, suprir certas omissões da Lei 9.249/95, decorrentes da

184

imputação dos juros sobre capital próprio aos dividendos43, não pode adotar

conceitos contrários àqueles estabelecidos na própria lei. Neste sentido, afirma

Fábio Ulhoa Coelho (2002, 2:348) que os atos da Comissão de Valores Mobiliários,

por sua posição na hierarquia de normas, não podem adotar, no tratamento de

matéria alguma, conceito incompatível com o decorrente da lei, sob pena de incorrer

em ilegalidade, com base na qual acionistas de companhia aberta podem questionar

a extensão de parte dos pagamentos realizados em favor de terceiros participantes

do resultado, tais como, empregados, administradores, dentro outros.

Não obstante às ponderações realizadas sobre a divergência conceitual

existente acerca dos juros sobre capital próprio, observa-se que o fato da Comissão

de Valores Mobiliários considerá-los como parte integrante do faturamento da

companhia, não os torna espécie de dividendos. Isso porque, como já analisado ao

longo dessa dissertação de mestrado (Capítulo 1, item 1.4; Capítulo 2, item 2.3),

nem todo o resultado auferido pela sociedade consiste em lucro a ser distribuído

entre os acionistas da companhia, ou seja, dividendos.

Observa-se que a imputação dos juros aos dividendos obrigatórios não

depende de previsão estatutária, uma vez que a lei expressamente a autoriza. No

entanto, a imputação dos juros aos dividendos preferenciais depende de previsão

estatutária, haja vista a lacuna legal sobre essa matéria e mais o fato de ser o

estatuto social da companhia o instrumento próprio para a delimitação da vantagem

do acionista titular de ações preferenciais (COELHO, 2002, v. 2, p. 346).

43 Em razão das omissões da Lei 9.249/95, a Comissão de Valores Mobiliários, no item V da Deliberação CVM nº 207/96, estabelece que os juros pagos ou creditados somente poderão ser imputados ao dividendo mínimo, previsto no artigo 202 da Lei 6.404/76, pelo seu valor líquido do imposto de renda na fonte. Trata-se de preceito fundamental na proteção dos direitos dos acionistas de companhias abertas ao dividendo mínimo obrigatório.

185

3.4 Considerações sobre a distribuição irregular de dividendos

Os administradores e os membros do Conselho Fiscal são solidariamente

responsáveis pela distribuição ilegal de dividendos aos acionistas. Para Modesto

Carvalhosa, “a irregularidade ocorre quando forem distribuídos dividendos na

ausência de lucros no exercício, ou de lucros acumulados ou de reserva de lucros”.

Entende o citado jurista que “será também irregular a distribuição de dividendos com

base em lucros do exercício quando houver prejuízos anteriormente apurados iguais

ou superiores ao último resultado positivo” (2003, v. 3, p. 778). São ainda

responsáveis os administradores e fiscais se distribuírem dividendos às ações

preferenciais à conta de reserva de capital, havendo lucros suficientes para essa

mesma distribuição.

A responsabilidade dos administradores e fiscais pelo pagamento de

dividendos irregulares ou fictícios é tanto civil quanto criminal. Obrigam-se eles,

solidariamente, a repor à caixa social a importância distribuída. Tal reparação é de

caráter civil. Por outro lado, constitui grave infração penal a distribuição de

dividendos que não correspondam, efetivamente, a um surplus entre o ativo e o

passivo da sociedade. Com efeito, “o Código Penal de 1940 tipifica como fraude o

fato de o diretor ou gerente da sociedade, em falta de balanço, ou em desacordo

com este, ou ainda mediante balanço falso, distribuir lucros ou dividendos fictícios

(art. 177, VI)” (TEIXEIRA; GUERREIRO, 1979, v. 2, p. 585). Trata-se de crime de

ação pública, com prescrição em 08 anos, conforme disposto no artigo 109, inciso IV

do Código Penal.

Pode o administrador vencido ou excluído da decisão colegiada de

distribuir dividendos irregularmente eximir-se da responsabilidade e, portanto, da

186

solidariedade, se comunicar o fato à assembléia geral ou aos demais órgãos da

companhia (art. 158 da Lei 6.404/76). Nesse mesmo sentido, o membro do Conselho

Fiscal que consignar em ata a sua divergência à distribuição ilegal de dividendos,

comunicando-a aos órgãos da administração e à assembléia geral (art. 165 da Lei

6.404/76), também estará eximido da responsabilidade solidária de que trata o §1º

do artigo 201 da Lei 6.404/76 (CARVALHOSA, 2003, v. 3, p. 779).

Compete à companhia propor ação de responsabilidade civil, nos termos

do artigo 159 da Lei 6.404/76. Se a companhia não propuser a ação de

responsabilidade civil em face dos administradores no prazo máximo de três meses

da data da assembléia geral que aprovou o ajuizamento da demanda, qualquer

acionista, independentemente de sua participação no capital social, poderá, por

substituição processual, propor a referida ação. Se porventura a assembléia

deliberar pelo não ajuizamento da ação de responsabilidade, os acionistas

detentores de, pelo menos, 5% do capital social terão legitimidade para ajuizá-la.

Nota-se ainda que os acionistas não são obrigados a restituir os

dividendos que em boa-fé tenham recebido. Porém, os acionistas que receberam de

má-fé dividendos ilegalmente distribuídos deverão devolvê-los à companhia. Neles

se incluem tanto os titulares de ações ordinárias como preferenciais. Presume-se a

má-fé quando os dividendos forem distribuídos sem o levantamento do balanço ou

em desacordo com os resultados deste.

O prazo prescricional para propositura da ação em face dos acionistas

que receberam de má-fé dividendos ilegalmente distribuídos é de 03 (três) anos,

prazo esse contado da data de publicação da ata da Assembléia Geral Ordinária do

exercício em que os dividendos tenham sido declarados (art. 287, II, alínea “c” da Lei

6.404/76). Para que se caracterize a má-fé, não será necessário que o acionista

187

tenha direta ou indiretamente concorrido para o ato ilegal de que redundou a sua

apropriação ilegítima de dividendos. Pode ele, por exemplo, estar ausente da

assembléia geral que declarou esses dividendos ou conhecer da ilegalidade após tê-

los recebido. A omissão pode também caracterizar a má-fé (CARVALHOSA, 2003, v.

3, p. 781).

188

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da análise do direito dos acionistas de participar nos lucros sociais,

realizada ao longo desta dissertação de mestrado, seguem as nossas considerações

finais:

1. O lucro social é o resultado obtido pela sociedade no exercício de sua

atividade empresarial que representa um acréscimo em seu patrimônio. Muito

embora, em teoria, o retorno do investimento feito pelos acionistas somente deva

aparecer em caráter definitivo por ocasião da liquidação da sociedade, considerando

a atual característica das sociedades anônimas que surgem para a exploração de

uma atividade por período indeterminado, a liquidação da companhia se torna

excepcional, exigindo-se assim a fixação do exercício social, ou seja, um lapso

temporal de 12 meses cuja data de término é estabelecida pelo estatuto social da

companhia.

2. Ao término de cada exercício social, caberá aos administradores

elaborar as demonstrações financeiras da companhia que têm a finalidade de

revelar a vida financeira da sociedade no período considerado, retratando os

resultados auferidos ao longo do exercício social e a saúde econômica e patrimonial

da sociedade. Observa-se que bons resultados em determinado exercício não

significam necessariamente bons dividendos. Isso porque o lucro líquido do exercício

a ser destinado pela assembléia geral da companhia, conforme proposta

apresentada pelos órgãos de administração da companhia, será apurado somente

depois de realizada a provisão para o pagamento do imposto de renda e da

contribuição social sobre o lucro líquido, absorvidos os prejuízos acumulados de

189

exercícios anteriores e, havendo ainda saldo remanescente, pagas as participações

dos debenturistas, empregados, administradores e titulares de partes beneficiárias.

Portanto, somente depois de realizadas todas essas deduções é que se

chegará ao lucro líquido do exercício, não sendo, contudo, a companhia inteiramente

livre para decidir sobre a destinação dos lucros líquidos por ela auferidos. Isso

porque parte deles será necessariamente retido na companhia para constituição ou

aumento de reservas, enquanto outra parte deverá ser obrigatoriamente distribuída

aos acionistas, a título de dividendos obrigatórios e prioritários, conforme

disposições legais e estatutárias. Essas regras que delimitam o poder do acionista

controlador em decidir sobre a destinação dos lucros sociais constituem relevantes

instrumentos no equilíbrio das relações existentes entre os diversos grupos de

acionistas que integram à companhia.

3. Como instrumento para estabilizar as relações de poder internas da

companhia, a Lei das Sociedades por Ações irá assegurar a todos os acionistas da

companhia certos direitos essenciais (artigo 109), que não poderão ser deles

suprimidos, seja por previsão estatutária, seja por deliberação assemblear. É neste

contexto que se insere o direito de participação nos lucros sociais. Trata-se de um

direito essencial assegurado a todo o acionista, fundamental para a estabilização

das relações de poder internas da companhia, uma vez que impede ou, ao menos

limita, a tomada de decisões pelo acionista controlador que venham a privar os

demais acionistas de exercer um direito legítimo assegurado a quem contribuiu para

a consecução do objeto social e tem como principal, senão única expectativa, um

retorno satisfatório ao capital investido na companhia.

4. O direito do acionista de participar dos lucros sociais decorre da própria

natureza das sociedades anônimas que poderá ter como objeto qualquer atividade

190

com fim lucrativo. O direito de participar dos lucros sociais, como um direito

essencial, é considerado uma prerrogativa individual comum a todos os acionistas

da companhia, independentemente da espécie ou do número de ações que

possuam. Trata-se, portanto, de um direito que tem sua origem na lei, imutável,

inderrogável, irrenunciável e indisponível. É um direito imutável e inderrogável, pois

o acionista jamais poderá ter o seu direito de participar dos lucros sociais modificado

ou suprimido, seja por deliberação da assembléia geral, seja por disposição

estatutária. É ainda um direito irrenunciável e indisponível, pois, sendo uma matéria

de ordem pública, não poderá o acionista dele abrir mão.

Observa-se, todavia, que o direito de participar dos lucros sociais não se

confunde com o seu exercício, que depende de um fato jurídico que pode não

ocorrer em determinadas épocas, qual seja, a apuração regular e, portanto, real de

um lucro societário. Assim, há que distinguir o direito de participar dos lucros sociais,

que é permanente e certo, do seu exercício cuja pretensão se estabelece a cada

exercício social. A despeito de seu exercício depender, em cada período, da

apuração de lucros pela companhia, o direito de participação nos lucros sociais não

pode ser considerado um direito condicional ou eventual, pois não se extingue pela

não apuração de lucros em determinado exercício, permanecendo intangível e

podendo ser exercido em exercícios seguintes quando o lucro for verificado pela

companhia. Portanto, o direito de participar dos lucros sociais é um direito

permanente, adquirido por todo aquele que se torna acionista da companhia, seja

através da subscrição de ações realizado junto à sociedade anônima, seja pela

aquisição de ações junto a quem já é acionista da companhia. Todavia, o exercício

desse direito se subordina a um pressuposto de ordem fática, qual seja, a apuração

de lucros pela companhia.

191

5. O direito essencial de participar dos lucros sociais não pode ser

suprimido do acionista, seja por previsão estatutária, seja por deliberação

assemblear. Trata-se de direito irrevogável, imutável, infungível e inderrogável, não

se limitando apenas aos dividendos por distribuir, mas incluindo também a

participação do acionista em todos os benefícios econômicos gerados pelos lucros

auferidos pela companhia, ainda que não distribuídos. Negar ao acionista esse

direito seria atribuir ao acionista controlador uma prerrogativa que poderia

desestabilizar definitivamente as relações de poder internas na sociedade anônima.

Todavia não é isso que propõe o artigo 120 da Lei 6.404/76. Busca-se através do

citado dispositivo legal suspender temporariamente o exercício do direito, que não se

confunde com o próprio direito.

Note-se que, em relação ao direito essencial de participar nos lucros

sociais, o que se permite, nos termos do artigo 120 da Lei 6.404/76, é suspender o

exercício do direito expectado de participar dos lucros sociais, ou seja, o direito ao

recebimento dos dividendos distribuídos pela companhia. Ainda assim, ressalta-se

tratar de suspensão e não supressão do direito expectado. Portanto, uma vez

cumprida a obrigação pelo acionista remisso, ele recupera os direitos que estavam

suspensos, com efeitos ex tunc, devendo receber da companhia os dividendos até

então distribuídos, mas que foram retidos pela sociedade em razão da mora do

acionista remisso.

6. Observa-se pelos estudos realizados nesta dissertação de mestrado

que nem todo lucro auferido pela companhia é distribuído aos acionistas para

pagamento de dividendos. Surge, então, importante discussão em nossa doutrina

sobre eventual diferença existente entre o direito ao lucro e o direito ao dividendo.

192

É evidente que o dividendo pressupõe a existência de lucro, uma vez que

o conceito de dividendo está diretamente ligado à parcela do lucro líquido auferido

pela companhia que é distribuído aos seus acionistas. Todavia, reduzir o direito de

participar dos lucros sociais ao direito de dividendo, seria negar ao acionista o direito

de participar dos lucros não distribuídos pela companhia. Ora, ao reter parcela dos

lucros auferidos na companhia, seja através da constituição ou do aumento das

reservas de lucros, seja pela incorporação dos lucros auferidos ao capital social, ou

ainda pela sua utilização na absorção de prejuízos, ocorre um evidente aumento no

valor do patrimônio líquido da sociedade anônima e, conseqüentemente, um

aumento no valor patrimonial das ações detidas por cada um dos acionistas da

companhia. Assim, a participação nesses lucros não distribuídos que, tal como os

dividendos distribuídos, também trazem benefício econômico aos acionistas, é

direito essencial que não se limita ao direito ao dividendo, mas o abrange e o

engloba.

7. O dividendo, em regra geral, nada mais é do que a parcela dos lucros

sociais auferidos pela companhia que deve ser distribuído aos acionistas, em

conformidade com a classe, espécie e quantidade de ações que titularizam.

Portanto, o direito do acionista ao dividendo nada mais é do que um dos reflexos

decorrente do direito essencial de participar nos lucros sociais assegurado a todo

acionista.

No entanto, o direito ao dividendo deve ser analisado não apenas como

um direito à distribuição de parte do lucro social, isto é, um direito ao dividendo por

deliberar, mas também um direito ao pagamento do dividendo declarado que

constituí num verdadeiro direito de crédito. Como um dos reflexos do direito de

participar dos lucros sociais, o direito ao dividendo por deliberar encontra seu

193

fundamento na própria natureza das sociedades anônimas que, tendo por objeto

qualquer atividade com fim lucrativo, está obrigada a distribuir parte dos lucros

auferidos aos seus membros, quais sejam, os acionistas da companhia. Para tanto,

a Lei 6.404, de 1976 assegura a todo o acionista o direito de receber como

dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no

estatuto social ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as

regras constantes no inciso I do artigo 202 da citada lei.

Do dever da companhia, inerente à sua própria natureza em distribuir aos

acionistas parte dos lucros por ela auferidos, surge nitidamente o conflito de

interesses entre os acionistas controladores, que procuram reter na companhia a

maior parte dos lucros líquidos, constituindo ou ampliando suas reservas, e as

minorias acionárias que buscam maximizar a sua participação nos lucros

distribuídos. Daí a relevância dos direitos individuais assegurados pela Lei 6.404/76,

tais como o direito essencial do acionista de participar dos lucros sociais (artigo 109,

I) e o direito a um dividendo mínimo obrigatório (artigo 202), instrumentos

indispensáveis para o equilíbrio e para a estabilização das relações de poderes

internas à companhia.

O direito ao dividendo por deliberar é, portanto, um direito individual do

acionista, irrenunciável e indisponível, criado por lei e que não pode ser derrogado

ou modificado, seja por previsão estatutária, seja por deliberação assemblear. Trata-

se de uma prerrogativa individual do acionista, decorrente da própria natureza

contratual da companhia, que antecede e não se confunde com o direito de crédito

que advém da decisão do órgão de administração e da assembléia geral.

8. Em regra, o direito de participar dos lucros auferidos por uma

sociedade anônima está ligado à condição de sócio da companhia, adquirida por

194

aquele que titularizar ações que representem parcela de seu capital social. Ainda

que a ação titularizada pelo acionista esteja totalmente amortizada, entende-se que

ele, acionista titular da ação de fruição, continua tendo assegurado o direito de

participar dos lucros sociais, sendo a distribuição de dividendos uma das formas de

participar dos lucros distribuídos.

As ações emitidas por uma companhia podem ser objeto de penhor ou

caução, hipótese em que a titularidade do direito aos dividendos de ações

empenhadas ou caucionadas é, em regra do acionista da companhia, o devedor

pignoratício, salvo se, no instrumento de penhor, forem transferidos certos direitos

ao credor pignoratício que deverá, uma vez extinto o penhor, devolver ao devedor

todos os frutos deles decorrentes, tais como eventuais dividendos distribuídos pela

companhia. O acionista pode ainda constituir usufruto sobre as ações nominativas

de que é proprietário, hipótese em que a titularidade do direito aos dividendos passa

a ser do usufrutuário. Note-se que, tanto no penhor ou caução de ações, como no

usufruto, o respectivo instrumento deverá estar averbado no livro de registro de

ações nominativas para que produza os seus efeitos perante terceiros, inclusive a

companhia. Sendo as ações escriturais, deve-se proceder à averbação do

instrumento nos livros da instituição financeira responsável pela custódia das ações,

que o anotará no extrato da conta de depósito fornecido ao acionista.

No fideicomisso, o direito aos dividendos é do fiduciário, enquanto não

verificada a condição que põe termo final ao seu direito sobre as ações, ocasião em

que a propriedade passará ao fideicomitente, que se tornará o novo titular do direito

aos dividendos que vierem a ser auferidos pela companhia.

195

Na alienação fiduciária em garantia, salvo convenção em contrário,

receberá o dividendo o devedor fiduciário, uma vez que não se despoja de seu

status socii em virtude de alienação.

9. Como instrumento estabilizador das relações de poder entre acionistas

controlador e minoritário, o dividendo obrigatório é assegurado a todos os acionistas

da companhia que têm direito de receber, em cada exercício, a parcela dos lucros

estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de

acordo com os critérios estabelecidos no artigo 202, incisos I, II e III da Lei 6.404/76.

Nota-se que a liberdade atribuída à companhia para fixar os critérios de

determinação do dividendo obrigatório no estatuto social, não retira a principal

função deste direito que é a de servir como instrumento para tutela dos interesses da

minoria acionária frente a eventuais abusos por parte do acionista controlador. Isso

porque, ao ingressar na companhia, aportando os recursos de que ela necessita

para sua capitalização, o acionista sabe de antemão o valor mínimo que lhe será

obrigatoriamente pago a título de dividendo, ou porque os critérios para sua

determinação estão estabelecidos no estatuto social, ou porque, sendo omisso o

estatuto, a lei obriga a companhia a pagar ao acionista metade do lucro líquido do

exercício ajustado. Portanto, os acionistas minoritários não estão mais sujeitos à

decisão arbitrária do acionista controlador a quem cabia, em última análise, durante

a vigência do Decreto Lei 2.627/40, fixar o quantum a ser distribuído a título de

dividendos na assembléia geral da companhia.

10. O dividendo preferencial é o dispositivo estatutário que delimita

vantagem conferida particularmente a uma ou mais classes de ações preferenciais

no exercício do direito de participação nos lucros da sociedade. A prioridade na

distribuição de dividendo fixo ou mínimo, ou seja, a vantagem dos dividendos

196

preferenciais (ou prioritários), não pode ser confundida com os dividendos

obrigatórios. Enquanto o dividendo obrigatório é um direito individual assegurado a

todos os acionistas da companhia que têm o direito de receber, em cada exercício, a

parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, metade do lucro

líquido ajustado conforme estabelecidos no artigo 202, incisos I, II e III da Lei

6.404/76; o dividendo preferencial, por sua vez, é um direito social, também

chamado de coletivo, que tem origem nos estatutos da companhia, podendo ser

modificado, mediante reforma estatutária realizada por deliberação assemblear,

submetendo-se, assim, ao princípio majoritário e, conseqüentemente, a vontade dos

acionistas controladores da companhia.

11. A possibilidade do estatuto social não conferir nenhuma vantagem

patrimonial ao acionista titular de ações preferenciais é tema de grande relevância

no estudo da matéria. Observa-se que a nova redação dada ao artigo 17 da Lei

6.404/76 não assegura mais a esses acionistas preferencialistas o dividendo

diferencial na hipótese do estatuto social da companhia não lhes conferir nenhuma

vantagem ou preferência. Trata-se, portanto, de questão a ser resolvida pelas

próprias forças do mercado, pois, muito embora a lei não assegure mais ao acionista

preferencialista o direito de dividendos diferenciais, se determinada sociedade

anônima busca atrair investidores capazes de lhe propiciar o autofinanciamento de

sua atividade, é evidente que, negando a eles vantagens mínimas ofertadas por

outras companhias em condições similares, a sociedade anônima não conseguirá

tornar a sua ação um título suficientemente atrativo e, conseqüentemente, não será

capaz de despertar o interesse desses investidores.

12. Não se pode confundir dividendos intermediários com dividendos

intercalares, conforme demonstrado ao longo deste trabalho. Os dividendos

197

intermediários são aqueles pagos pela companhia ao longo do exercício social por

conta de lucros acumulados ou reservas de lucros apurados em exercícios

anteriores, constantes do último balanço anual ou semestral já aprovado pela

assembléia geral. Os dividendos intercalares, por sua vez, são aqueles pagos pela

companhia com base em balanços levantados ao longo do exercício social sem que

tenha ocorrido ainda a aprovação das demonstrações financeiras e,

conseqüentemente, do respectivo balanço pela assembléia geral. Portanto, a

distribuição de dividendos intercalares será lícita se resultar de lucros apurados em

balanço do exercício, regularmente levantado, independentemente da aprovação

das respectivas demonstrações financeiras pelos acionistas em assembléia geral.

13. A sociedade anônima poderá, para efeitos da apuração do lucro real,

deduzir os juros pagos ou creditados aos acionistas a título de remuneração sobre o

capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à

variação, pro rata dia, da TJLP - Taxa de Juros a Longo Prazo (artigo 9º da Lei

9.249/95). Não se pode, entretanto, atribuir aos juros sobre capital próprio a mesma

natureza jurídica dos dividendos, já que ambos possuem finalidades nitidamente

distintas. Enquanto o dividendo é resultado da distribuição aos acionistas dos frutos

auferidos pela companhia em razão do sucesso na exploração do empreendimento;

os juros sobre o capital próprio remuneram o investidor pela indisponibilidade dos

recursos que foram por eles aportados na companhia, tendo sido instituídos pela Lei

9.249/95 para compensar a extinção da correção monetária do patrimônio líquido.

Em vista do exposto, esperamos ter logrado o nosso intento e, de alguma forma, ter

contribuído para a melhor compreensão das regras que disciplinam o tema desta

dissertação de mestrado, auxiliando assim os operadores do direito a enfrentarem os

198

problemas relacionados às questões decorrentes do direito dos acionistas de

participar nos lucros sociais.

199

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, André Martins de. O direito do acionista à participação nos lucros sociais e o dividendo obrigatório. 1982. 104f. São Paulo. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982. ASCARELLI, Túlio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1969. BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes. Sociedade anônima atual: comentários e anotações às inovações trazidas pela Lei 10.303/01 ao texto da Lei 6.404/76. São Paulo: Atlas, 2004. BASTOS, Aurélio Walder; EIZIRIK, Nelson Laks. O poder judiciário e a jurisprudência sobre sociedade anônimas e instituições financeiras. Rio de Janeiro: IBMEC, 1980. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei das sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 1977. 3. v. BERLE JUNIOR, Adolf; MEANS, Gardiner. The modern corporation and private property. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. BETES e SASOT, Miguel A. Sociedades anônimas: los dividendos. Buenos Aires: Editorial Depalma, 1977. BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Renovar, 2004. BRUNETTI, Antonio. Trattato del diritto delle società. Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1946. 2 v. BULGARELLI, Waldirio. A proteção às minorias na sociedade anônima. São Paulo: Pioneira, 1977. ______. Comentários à Lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1978. 4. v.

200

______. Manual das sociedades anônimas. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2001. ______. Questões atuais de direito empresarial. São Paulo: Malheiros, 1995. CAMPIGLIA, Américo Oswaldo. Comentários à Lei das Sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1978. CARY, William L. Corporations – Cases and Materials. 4. ed. University Casebook Series, 1969 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de sociedades anônimas. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1. ______. Comentários à Lei de sociedades anônimas. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 2. ______. Comentários à Lei de sociedades anônimas. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3. CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson Laks. A nova Lei das S/A. São Paulo: Saraiva, 2002. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. 2 v. ______. A sociedade limitada no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. COMPARATO, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981. ______.Direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1995. COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO (Filho), Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. COSTA, Philomeno J. As partes beneficiárias. São Paulo: Saraiva, 1965.

201

EIZIRIK, Nelson Laks. Reforma das S.A. e do mercado de capitais. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. ESTRELLA, Hernani. Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: Konfino, 1973. FERREIRA, Waldemar. Tratado de sociedades mercantis. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961. v. 3. ______. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1961. v. 4. FRONTINI, Paulo Salvador. Sociedade anônima – direito de retirada – recesso de dissidente – Lei Lobão: um precedente judicial. Revista do Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 86, p. 71-77, 1992. GALGANO, Francesco. Diritto commerciale: le società. Bolonha: Zanichelli Editore, 2003. GUIMARÃES, Ruy Carneiro. Comentários à Lei das sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 1960. v. 3. GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Sociedade Anônima: Poder e Dominação. Revista do Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 53, p. 72-80, 1984. GOMES, Orlando. Direitos reais. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. HAURIOU, Maurice. Teoria dell´Instituzione e della Fondazione. Milão: Giuffrè Editore, 1967. HENDRIKSEN, Eldon S.; BREDA, Michael F. Van. Teoria da contabilidade. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999. IUDICIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu; GELBCKE, Ernesto Rubens. Manual de contabilidade das sociedades por ações. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

202

LACERDA, J. C. Sampaio de. Comentários à Lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1978. LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S. A. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. 2 v. LEÃES. Luiz Gastão Paes de Barros. Do direito do acionista ao dividendo. São Paulo: Obelisco, 1969. ______.Comentários à Lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1980 ______. Estudos e pareceres sobre sociedades anônimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. ______.O conceito de “Securities” no direito norte-americano e o conceito análogo no direito brasileiro. Revista do Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 14, p. 41-60, 1974. LOBO, Jorge (Coord.) Reforma da Lei das sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002. MARION, José Carlos. Contabilidade empresarial. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2003. MARTINS, Fran. Comentários à Lei das sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 1978. v. 2. t. 2. ______.Direito societário: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1984. MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. Campinas: Bookseller, 2001. v. 2. t. 2. ______. Tratado de direito comercial brasileiro. Campinas: Bookseller, 2001. v. 2. t. 3. MENDONÇA, Fernando. Debêntures. São Paulo: Saraiva, 1988.

203

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1970. v. 5. MÜSSNICH, Francisco Antunes Maciel. Reflexões sobre o direito de recesso na Lei das sociedades por ações. In: LOBO, Jorge (Org.). Reforma da Lei das sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 285-306. PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. Sociedade por ações. São Paulo: Saraiva, 1972. v.1. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 2 ______. Comentários à Lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva. 1980. ROSSI, Guido. Utili di balancio: riserve e dividendo. Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1957. SUSSINI, Miguel. Los dividendos e las sociedades anônimas. Buenos Aires: Editorial Depalma, 1951. SZTAJN, Rachel. O direito de recesso nas sociedades comerciais. Revista do Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 71, p. 50-54, 1988. TEIXEIRA, Egberto Lacerda; GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Das sociedades anônimas no direito brasileiro. São Paulo: Editora Jurídica José Bushatsky, 1979. 2 v. VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades por ações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953. 3 v. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Altas, 2006. v. 5. VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. São Paulo: Malheiros, 2006. v. 2.

204

VIDIGAL, Geraldo de Camargo; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Lei das sociedades por ações. São Paulo: Forense Universitária, 1999. VIVANTE, Cesare. Trattato di diritto commerciale. Milano: Casa Editrice, D. F. Vallardi, 1935. v. 2. WEBER, Max. Classe, status, partido. In: VELHO, Otávio Guilherme C. A.; PALMEIRA, Moacir G. S.; BERTELLI, Antonio R. (Orgs.). Estrutura de classes e estratificação social. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 61.