O PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO ELIZETE DIVINA XAVIER O PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: IMPLICAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR GOIÂNIA 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

CENTRO DE ENSINO E PESQUISA APLICADA À EDUCAÇÃO

ELIZETE DIVINA XAVIER

O PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA:

IMPLICAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS NA FORMAÇÃO DO

PROFESSOR ALFABETIZADOR

GOIÂNIA

2017

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ELIZETE DIVINA XAVIER

O PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA:

IMPLICAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS NA FORMAÇÃO DO

PROFESSOR ALFABETIZADOR

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Ensino na Educação

Básica do Centro de Ensino e Pesquisa

Aplicada à Educação da Universidade

Federal de Goiás, para obtenção do

título de Mestre em Ensino na Educação

Básica.

Área de Concentração: Ensino na

Educação Básica

Linha de Pesquisa: Práticas Escolares e

Aplicação do Conhecimento

Orientadora: Dra. Maria Alice Carvalho

Rocha.

GOIÂNIA

2017

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AGRADECIMENTOS

À minha Santa protetora que conduz e abençoa todo meu percurso profissional!

À minha orientadora, professora Maria Alice, pelas leituras cuidadosas e pontuais,

sempre muito paciente! Minha sincera gratidão!

Aos professores Divino José Pinto e Silvana Matias Freire, pelas valiosas

contribuições na banca de qualificação e por aceitarem participar da banca de defesa. Meus

sinceros agradecimentos!

Ao meu companheiro de vida, Leonam Ribeiro, pelo ombro amigo nas horas de

angústia e incentivo à conclusão deste trabalho! Minha eterna admiração e meu amor!

Aos meus filhos: Rívian, Marina e Renan para quem sempre procurei ser exemplo, às

vezes errando mais do que acertando, porém deixando a mensagem de que nunca é tarde para

a realização dos sonhos, basta seguir em frente e acreditar!

Aos meus amigos e familiares pela compreensão nas ausências!

À minha querida mãe, dona Maria, que sempre apostou em mim e minha irmã

Elisvanete, que assumiu minhas tarefas domésticas para que eu pudesse me dedicar aos

estudos, sem esta ajuda preciosa minha missão teria sido muito mais difícil!

Agradeço às companheiras da Gerência de Tutoria Pedagógica da SEE, Adolfa, Maria

Helena, Marlene Faria, Marlene Souza, Mírian... que me incentivaram a prosseguir nos

estudos, em especial a Vera Lúcia Paganini pela disponibilidade em corrigir minhas

produções escritas, sei que dei trabalho!

Aos colegas de caminhada acadêmica da 3ª turma de mestrado do CEPAE pelas trocas

de experiências, companheirismo e amizade! Obrigada, companheiros!

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Dedico este trabalho aos alfabetizadores

brasileiros que apresentam às crianças o

mundo mágico da leitura e da escrita,

colorindo e encantando a vida de cada uma

delas!

Os verdadeiros mestres são vocês!

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RESUMO

XAVIER, Elizete Divina. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: implicações

teórico-metodológicas na formação do professor alfabetizador. 66f. Dissertação (Mestrado em

Ensino na Educação Básica) - Programa de Pós-Graduação em Ensino na Educação Básica do

Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás, Goiânia,

2017.

O Programa do Ministério da Educação e Cultura (MEC) intitulado Pacto Nacional pela

Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), tem como meta alfabetizar todas as crianças, sem

exceção e no momento certo, até o final do terceiro ano escolar. Assim como outros estados e

municípios, a Secretaria Estadual de Educação de Goiás aderiu a esse Programa. Este trabalho

versasobre ele, principalmente ao ter como objetivo discutir suas concepções teórico-

metodológicas para o ensino da leitura e da escrita na alfabetização e suas implicações na

formação do professor alfabetizador. A hipótese inicial sugere que nos Cadernos de

Linguagem, objeto do estudo, os conceitos de sujeito, linguagem e língua, por exemplo, são

abordados numa perspectiva psicologizante, sem dar realce às questões linguísticas e sem

considerar a subjetividade da criança e do professor em relação ao saber, hipótese esta

confirmada ao longo da pesquisa. Esta dissertação foi de natureza qualitativa, de caráter

bibliográfico documental e se fundamentou nos referenciais da Linguística e da Psicanálise,

discutindo as concepções de linguagem, língua e sujeito. O Capítulo I aborda o surgimento do

PNAIC em nível nacional e seu desenvolvimento no estado de Goiás, relacionando os

documentos que o fundamentam legalmente e sua estrutura organizacional. O Capítulo II

apresenta os Cadernos de Linguagem do PNAIC e o que trazem como concepções de

linguagem, língua e sujeito. O Capítulo III discute a necessidade de o professor produzir

experiências escolares de leitura e escrita na alfabetização adotando uma perspectiva de

elaboração; e para isso apresenta uma proposta de curso de formação com o intuito de

contribuir na formação continuada dos professores alfabetizadores do Estado de Goiás.

Palavras-chave: Alfabetização. Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Formação

de professores.

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ABSTRACT

XAVIER, Elizete Divina. The National Pact for Literacy in the Proper Age: theoretical-

methodological implications in teacher literacy training.66f. Dissertation (Master's Degree

Teaching Basic Education) - Graduate Program in Teaching Basic Education of the Center for

Education and Research Applied to Education of the Federal University of Goiás, Goiânia,

2017.

The Ministry of Education and Culture (MEC) program titled National Pact for Literacy in the

Proper Age (PNAIC), which aims to alphabetize all children, without exception and at the

right time: by the end of third grade. Like others states and counties, Goiás State Secretary

Department of Education had joined the program. This work is based on it, especially in order

to discuss what is proposed as theoretical and methodological concepts in literacy to teach

reading and writing and its implications in literacy teachers. The initial hypothesis suggested

that in Language's Notebooks, this study object, the subject's concepts, communication and

language, for example, were saw in a psychologizing perspective, without giving emphasis to

language's issues and without considering children's and teacher's subjectivity related to

knowledge, hypothesis confirmed throughout this research. This study has a qualitative and

documental bibliographic nature and was based on Linguistics and Psychoanalysis studies

references, discussing languages concepts, language and subject. Chapter 1 approaches

PNAIC beginning on national leveland and its development on Goiás State relating the

documents that establish it legally and its organizational structure. Chapter 2 presents PNAIC

notebook's language, and what they bring as communication, lenguage and subject's

conceptions. Chapter 3 presents a discussion about the need where teachers must produce

reading and writing experiences in literacy by having an elaboration perspective and therefore

presents a proposal of a training course which aims to contribute to the continuing education

of literacy teachers in Goiás State.

Keywords: Literacy. National Pact for Literacy in the Proper Age. Teacher's training.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANA - Avaliação Nacional de Alfabetização

CEE - Conselho Estadual de Educação

IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística

IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INAF - Indicador de Alfabetismo Funcional

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

GESTAR - Programa de Gestão da Aprendizagem Escolar

LDB - Lei de Diretrizes e Bases

MEC - Ministério da Educação e Cultura

PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais

PNAIC - Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

PNBE - Programa Nacional Biblioteca da Escola

PNLD - Programa Nacional do Livro Didático

PRALER - Programa de Apoio a Leitura e a Escrita

PROFA - Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

PROLETRAMENTO - Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/Séries

Iniciais do Ensino Fundamental

RE - Rede Estadual

RME - Rede Municipal de Educação

SEA - Sistema de Escrita Alfabética

SEB - Secretaria de Educação Básica

SEDUCE - Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Esporte

SISPACTO - Sistema de Monitoramento do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

ZDP - Zona de Desenvolvimento Proximal

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Amostra de escrita .................................................................................................... 34

Figura 2: Amostra de escrita ................................................................................................... 34

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Escrita – Brasil ....................................................................................................... 15

Gráfico 2: Leitura – Brasil ....................................................................................................... 15

Gráfico 3: Porcentagem de crianças do 3º ano do Ensino Fundamental com aprendizagem

adequada em leitura e escrita .................................................................................................... 16

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Evolução do indicador de alfabetismo da população de 15 a 64 anos (2001-2002 a 2011) .. 13

Tabela 2: Temáticas das Unidades de Estudo ......................................................................... 21

Tabela 3: Indicador de Adequação da Formação Docente – Anos Iniciais (2014) ................. 23

Tabela 4: Eixos de Leitura ....................................................................................................... 37

Tabela 5: Eixos de Produção de textos escritos ....................................................................... 38

Tabela 6: Eixos de Oralidade ................................................................................................... 38

Tabela 7: Análise Linguística: discursividade, textualidade e normatividade ........................ 39

Tabela 8: Análise Linguística: apropriação do Sistema de Escrita Alfabética ........................ 40

Tabela 9: Quadro de rotina ...................................................................................................... 46

Tabela 10: Princípios que constituem o SEA .......................................................................... 48

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13

CAPÍTULO I - PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA – PNAIC .. 19

1.1 O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa ........................................................ 19

1.2 O PNAIC em Goiás ............................................................................................................. 23

CAPÍTULO II - CADERNOS DE LINGUAGEM E ALFABETIZAÇÃO: QUESTÕES

TEÓRICO-METODOLÓGICAS ............................................................................................. 27

2.1 O Caderno do Ano 01, Unidade 01 .................................................................................... 27

2.2 O Caderno do Ano 01, Unidade 02 .................................................................................... 41

2.3 O Caderno do Ano 01, Unidade 03 .................................................................................... 45

2.4 O Caderno do Ano 02, Unidade 02 .................................................................................... 46

2.5 O Caderno do Ano 03, Unidade 02 .................................................................................... 47

2.6 O Caderno do Ano 03, Unidade 03 .................................................................................... 49

CAPÍTULO III - O TRABALHO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR: A

APROPRIAÇÃO DA ESCRITA COMO PROCESSO DE ELABORAÇÃO ......................... 51

3.1 Proposta de Curso de Formação Continuada para os Professores Alfabetizadores ........... 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 60

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 63

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INTRODUÇÃO

O Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), em parceria com a

Organização Não Governamental Ação Educativa, mensura o nível de alfabetismo funcional

da população brasileira entre 15 e 64 anos, avaliando suas habilidades e práticas de leitura, de

escrita e de realização de cálculos aplicada ao cotidiano, estabelecendo o Indicador de

Alfabetismo Funcional (Inaf)1.

De acordo com essa pesquisa, na tabela 1 divulgada a seguir, aproximadamente 91%

da população brasileira com dez anos ou mais de idade são alfabetizadas, o que significa que

está diminuindo o número de analfabetismo entre os brasileiros, apresentando um indicador

de 6%. Entretanto, se observarmos com atenção a tabela publicada, veremos que o índice de

alfabetização está distribuído entre os níveis rudimentar, básico e pleno. Os primeiros

perfazem um total de 68% e vem aumentando gradativamente com o passar dos anos e que

apenas 26% estão categorizados como alfabetizados plenamente2.

Tabela 1: Evolução do indicador de alfabetismo da população de 15 a 64 anos (2001-2002 a

2011)

Disponível em: http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/educacao.html. Acesso em

01/11/2015 às 21h56min

1De acordo com o descrito no site do Inaf, seu principal objetivo é oferecer informações qualificadas sobre as

habilidades e práticas mensuradas, de modo a fomentar o debate público, estimular iniciativas da sociedade civil,

subsidiar a formulação de políticas públicas nas áreas de educação e cultura, além de colaborar para o

monitoramento do desempenho das mesmas. O PNAIC, programa que será discutido nesse projeto, utiliza-se

desses dados. 2Para a sistematização dos dados o Inaf considera os seguintes níveis de alfabetismo funcional:

Analfabeto: aqueles que não realizam leitura de palavras e frases simples.

Rudimentar: aqueles que localizam informações simples em textos curtos e familiares.

Básico: aqueles que leem e compreendem textos de média extensão.

Pleno: aqueles que compreendem e interpretam textos em situações usuais.

INAF BRASIL. Indicador deAlfabetismo Funcional. Principais resultados.Disponivel em:

http://www.ipm.org.br/download/informe_resultados_inaf2011_versao%20final_ 12072012b.pdf.

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Igualmente, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

– (INEP/MEC) vem avaliando os alunos brasileiros do ensino básico afim de revelar

informações sobre a educação. Dentre as ações avaliativas realizadas por esse instituto,

encontra-se a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), em cumprimento ao Decreto

6.094, de 24/4/2007, que define no inciso II do art. 2o, a responsabilidade dos entes

governamentais de “alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos de idade, aferindo os

resultados por exame periódico específico”.

Para mensurar esse resultado a ANA estabeleceu para a leitura os seguintes níveis:

Nível 1 - ler palavras com estrutura silabica canonica e nao canonica. Nível 2 - Localizar

informacões explicitas em textos curtos e em textos de maior extensao, quando a informacao

esta localizada na primeira linha do texto. Reconhecer a finalidade de texto com ou sem apoio

de imagem. Nível 3 - Localizar informacao explicita em textos de maior extensao quando a

informacao esta localizada no meio ou ao final do texto. Inferir relacao de causa e

consequencia em textos. Nível 4 - Alem das habilidades descritas nos niveis anteriores, os

estudantes provavelmente seriam capazes de reconhecer a relacao de tempo em texto verbal e

os participantes de um dialogo em uma entrevista ficcional.

A escala de escrita também classifica os alunos de acordo com as habilidades

alcançadas nos níveis. Sendo o nível 1 - os estudantes que se encontram neste nivel nao

escrevem as palavras ou estabelecem algumas correspondencias entre as letras grafadas e a

pauta sonora, porem ainda nao escrevem palavras alfabeticamente. Nível 2 - escrevem

alfabeticamente palavras com trocas ou omissao de letras, alteracoes na ordem das letras e

outros desvios ortograficos. Já no nível 3 - escrevem ortograficamente palavras com estrutura

silabica consoante-vogal, apresentando alguns desvios ortograficos em palavras com

estruturas silabicas mais complexas. No nível 4 - escrevem ortograficamente palavras com

diferentes estruturas silabicas. Em relacao a producao de textos, provavelmente atendem a

proposta de dar continuidade a uma narrativa, embora possam nao contemplar todos os

elementos da narrativa e/ou partes da historia a ser contada. Finalmente, no nível 5- os alunos

escrevem ortograficamente palavras com diferentes estruturas silabicas. Em relacao a

producao de textos, provavelmente atendem a proposta de dar continuidade a uma narrativa,

evidenciando uma situacao central e final. Articulam as partes do texto com conectivos,

recursos de substituicao lexical e outros articuladores textuais. Segmentam e escrevem as

palavras corretamente, embora o texto possa apresentar alguns desvios ortograficos e de

pontuacao que nao comprometem a compreensao.

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Os gráficos 1, 2 e 3, a seguir, mostram que os resultados da apropriação da escrita

pelas crianças do terceiro ano no Brasil está aquém do desejado, pois a soma das crianças que

se encontram nos níveis 1, 2 e 3, considerados insatisfatórios é de 34,46% do total. Com

relação à leitura, houve pequena diminuição do nível 1 e aumento do nível 4, entretanto,

persiste o grande número de alunos nos níveis 2 e 3. Dessa forma, constata-se, mais uma vez,

que ainda é grande o número de crianças não alfabetizadas plenamente e que não está sendo

possível alfabetizar todas as crianças até os oito anos de idade, conforme o estabelecido no

decreto anteriormente citado.

Gráfico 1: Escrita – Brasil

Fonte: Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=21091-

apresen tacao-ana-15-pdf&category_slug=setembro-2015-pdf&Itemid=30192. Acessado em 02/04/2016

as 10h 05min

Gráfico 2: Leitura – Brasil

Disponívelem:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=21091-

apresentacao-ana-15-pdf&category_slug=setembro-2015-pdf&Itemid=30192. Acessado em 02/04/2016

as 10h 05min

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Assim, em consonância com os níveis citados anteriormente, o painel a seguir mostra

o percentual de crianças brasileiras consideradas alfabetizadas, lendo e escrevendo, de acordo

com os resultados de 2014 (em 2015 a Avaliação Nacional da Alfabetização não foi aplicada)

e a meta a ser alcançada até o ano de 2024.

Gráfico 3: Porcentagem de crianças do 3º ano do Ensino Fundamental com aprendizagem

adequada em leitura e escrita

Disponível em:http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/5-alfabetizacao acessado em 25/03/2016 as 9h

Em Goiás, os resultados também não alcançaram o quantitativo desejado, pois em

leitura obtivemos um percentual de: nível 1 - 10,90 %, nível 2 - 30,59 %, nível 3 - 43,23 %,

nível 4 - 25,28 %. Em escrita os resultados foram os seguintes: nível 1 - 5,74%, nível 2 - 8,06

%, nível 3 - 6,66 %, nível 4 - 71,45 % e nível 5 - 8,09 %. Esses dados comprovam que a

incidência maior de crianças se encontra nos níveis intermediários, sendo estes de níveis

rudimentares e não totalmente alfabetizados.

Ainda que esses dados não consigam revelar o que se passa na educação brasileira em

relação à sua qualidade, pois são análises parciais e efetivamente não conseguem dar

visibilidade ao que acontece cotidianamente na escola, muitos programas são implementados

em função dessas informações. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC),

objeto de estudo desta dissertação, é um deles e, de acordo com o seu Caderno de

Apresentação (2012), surgiu como uma proposta para garantir o direito de alfabetização plena

aos meninos e meninas até o terceiro ano do ciclo de alfabetização, estabelecendo para a

criança a idade de oito anos para completar esse processo.

Para atingir tal objetivo, o PNAIC propõe ações apoiadas em quatro eixos de atuação,

que são: a formação continuada presencial dos professores alfabetizadores e seus orientadores

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de estudo; os materiais didáticos (obras literárias, obras de apoio pedagógico, jogos e

tecnologias educacionais), avaliações sistemáticas, à gestão, controle social e mobilização.

Em Goiás, o Programa está em curso desde 2013 e já foi realizada a primeira etapa que

consistia na formação em alfabetização e linguagem. Como participei desta etapa como

supervisora, pude acompanhar alguns professores e orientadores que em situações informais

relatavam certa fragilidade em relação às orientações teórico-metodológicas, o que me

chamou bastante atenção, pois questionavam a perspectiva de interpretação da escrita das

crianças. As categorias usadas nem sempre revelavam e/ou interpretavam o que era

apresentado nas produções delas. Essas observações não foram exclusivas de Goiás, nos

excertos do relatório de uma orientadora de estudo da cidade de Florianópolis, publicado no

site do próprio Programa, encontramos também o seguinte depoimento:

…Porém nao houve avanços teoricos consistentes. Na minha opiniao o curso

poderia ser mais aprofundado.

…Como grande parte de nossos professores da rede municipal ja participam de

cursos de formacao continuada ha muitos anos, incluindo o curso do Pro-

Letramento, o conteudo trazido nos cadernos do PNAIC nao foi exatamente uma

novidade. Muitos desses professores ate reclamavam que este material e muito fraco.

Daniela GuseWeber.

Disponívelem:1940http://diariodebordopnaic.weebly.com/uploads/1/9/4/0/

19404823/ relato_anual_daniela_weber_avanos_e_desafios_do curso_2013.pdf -

Acesso em 16/08/2015 as 19h31min)

Como se pode observar, esses relatos apontam a necessidade de uma análise mais

aprofundada do programa, tendo em vista que o mesmo tem como objetivo contribuir para a

melhoria da alfabetização no Brasil. Ao participar do projeto “Arte, psicanálise e educação:

os procedimentos estéticos do cinema e as vicissitudes da infância"3como aluna do mestrado

em Educação Básica do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade

Federal de Goiás, tive a oportunidade de estudar alguns conceitos do campo da linguística e

da psicanálise que questiona a predominância de um discurso sobre a criança em que esta é

vista como um sujeito epistêmico, sem que se considere que ele é afetado pela linguagem e

esta, assim como outras dimensões, constitui o aparelho psíquico que, na perspectiva

psicanalítica é determinado pelo Inconsciente.

Nos estudos sobre a aquisição de linguagem realizados pela linguísta brasileira

Cláudia Thereza Guimarães de Lemos (1998), essa compreensão se faz presente e ela diz:

3Projeto integrado à coordenação do Departamento de Pedagogia do CEPAE-UFG

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[...] não se parte da interação sujeito-e-objeto, mas da linguagem. Isso significa que

não se chega a um sujeito que se apropria do objeto a um certo ponto de seu

percurso, que faz dele um conhecimento, um saber estável que se esgota. A cada

ato/acontecimento de leitura/escrita pode-se refazer essa relação nesse

funcionamento (LEMOS,1998 p.21).

Essa compreensão tem como efeito admitir que um sujeito não tem domínio de si

mesmo e a criança que se encontra em um estado de estruturação muito menos, o que permite

questionar a centralidade de uma cognição possível de controlar porque está submetido aos

efeitos do Inconsciente. Tanto a criança quanto o professor estão submetidos a seu

funcionamento, o que significa reconhecer na relação sujeito e objeto uma indeterminação.

Ao levar isso em consideração, um programa de alfabetização, tal como este, o

PNAIC, deve problematizar as questões teórico-metodológicas envolvidas sobre sujeito,

linguagem e língua, pois são elas que apoiariam todo o trabalho a ser desenvolvido junto aos

professores e também às crianças. Tomando como objeto de estudo o PNAIC, pude formular

as seguintes questões nesta dissertação: que concepções teórico-metodológicas sobre sujeito,

linguagem e língua ancoram o Programa? Desta questão surgiram outras, como, por exemplo,

em que contexto surgiu esse projeto? Como propõe o trabalho com a leitura e escrita? O

Programa contribui com a formação do professor de modo a promover sua autonomia? Há

uma idade certa para se alfabetizar?

Espero responder essas questões apoiada no referencial teórico da psicanálise e da

linguística, tal como proposto nos trabalhos dos pesquisadores brasileiros: Cláudia de Lemos

(1998), Sônia Borges (2006), Cristóvão Giovani Burgarelli (2012), Maria Alice de Sousa

Carvalho (2011) e de autores que se aproximam desses estudos. Dessa forma, espero

contribuir na discussão sobre alfabetização e fomentar a formação dos professores visando à

qualidade do ensino, principalmente em Goiás.

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CAPÍTULO I - PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA -

PNAIC

O intuito deste capítulo é apresentar o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade

Certa - PNAIC, explicar seu surgimento em nível nacional e seu desenvolvimento no estado

de Goiás, relacionando os documentos que o fundamentam legalmente e sua estrutura

organizacional.

1.1 Pacto Nacional pela alfabetização na Idade Certa

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC é um Programa de

formação continuada, oferecido pelo Ministério da Educação e Cultura destinado aos

professores alfabetizadores dos estados e municípios da federação brasileira. Ele surgiu para

materializar um compromisso do Plano de Desenvolvimento da Educação, o PDE de 2007,

firmado por todos os estados e municípios com o Governo Federal e tem como desafio "o

compromisso de alfabetizar todas as crianças, sem exceção, e no momento certo: até o final

do terceiro ano do ensino fundamental, quando completam oito anos de idade" (PNAIC.

Caderno de Apresentação, p.05).

Tem por slogan do governo federal: “Alfabetização na Idade Certa: um Pacto do

Brasil com as crianças brasileiras” e foi instituído pela Portaria nº 867 de 4 de julho de 2012

do Ministério da Educação e Cultura - MEC, Medida Provisória 586/2012 e Lei nº 12.801 de

24 de abril de 2013. As ações do Pacto se apoiam em quatro eixos de atuação, conforme

descrito no Caderno de Apresentação: a) a formação continuada presencial para os

professores alfabetizadores e seus orientadores de estudo; b) oferta de materiais didáticos,

obras literárias, obras de apoio pedagógico, jogos e tecnologias educacionais; c) aplicação de

avaliações sistemáticas e d) gerenciamento, controle social e mobilização.

O Programa disponibilizou, via MEC, vários materiais didáticos, tanto para as escolas

quanto para os participantes do curso. Destacam-se, os jogos de alfabetização, Cadernos da

Provinha Brasil, livros didáticos e literários, o portal do professor alfabetizador, coleções de

obras pedagógicas produzidas pelo MEC, dentre outros, além dos Cadernos de Estudo das

Unidades do Curso dividido em quatro (para os professores que atuam no primeiro ano,

segundo, terceiro e nas classes multisseriadas), cada ano com oito Cadernos, correspondentes

às oito unidades de estudo.

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Há ainda os Cadernos de Apresentação, o Caderno de Formação de Professores e o

Caderno de Educação Especial. A carga horária prevista para o primeiro ano de

funcionamento do Programa era de 120h para o professor alfabetizador e 200h para o

orientador de estudo dos municípios, formador da Instituição Superior responsável nos

Estados e demais componentes do corpo administrativo (supervisor, coordenador geral,

coordenador adjunto e coordenador local). Em Goiás, a Coordenação Geral do PNAIC está a

cargo da professora Drª Edna Silva Faria da Faculdade de Letras da Universidade Federal de

Goiás. Houve o pagamento de bolsa para os participantes do Programa, por etapas, inclusive

para os professores alfabetizadores que recebem um valor de R$ 200,00 (duzentos reais)

durante o período efetivo de realização da formação, num total de dez bolsas. Já o Orientador

de Estudo recebe onze bolsas no valor de R$ 765,00 (setecentos e sessenta e cinco reais). O

Coordenador Local do município recebe dez bolsas também no valor de R$ 765,00

(setecentos e sessenta e cinco reais). O Formador da Instituição de Ensino Superior recebe

doze bolsas no valor de R$ 1.100,00 (mil e cem reais). O Supervisor da Instituição de Ensino

Superior recebe doze bolsas no valor de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais). O Coordenador-

adjunto da Instituição de Ensino Superior recebe doze bolsas no valor de R$ 1.400,00 (mil e

quatrocentos reais) e o Coordenado-geral da Instituição de Ensino Superior recebe doze

bolsas no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Cada integrante do Programa avalia seus subordinados e é avaliado no SISPACTO,

uma ferramenta de monitoramento online mantida pela Secretaria de Educação Básica - SEB

via MEC, esta avaliação determina o recebimento ou não da bolsa, pois não a recebe quem

não alcança uma média igual ou superior a sete pontos.

Os Cadernos do PNAIC devem ser entendidos como o conjunto de materiais didáticos

elaborados, exclusivamente, para o estudo do cursista no decorrer da formação oferecida pela

Instituição parceira do Ministério da Educação nos estados e/ou municípios. Eles estão

organizados em unidades para os professores que atuam no primeiro ano, segundo, terceiro e

nas classes multisseriadas, cada turma com Cadernos das mesmas unidades, porém com

temáticas similares, mas com focos de aprofundamento distintos.

Cada Caderno possui um número determinado de horas a serem cumpridas em seu

estudo e cada um traz um tema a ser estudado. Nele, constam as orientações de trabalho, de

acordo com a concepção defendida pela equipe elaboradora do material. Há também o

Caderno de Educação Especial: A alfabetização de crianças com deficiência: uma proposta

inclusiva, que apresenta a discussão sobre a educação especial, a perspectiva de educação

inclusiva e a alfabetização de crianças com deficiência motora, cognitiva e sensorial. Foi

ainda disponibilizado o Caderno de Apresentação e de Formação. As temáticas gerais de cada

unidade estão explicitadas no Caderno de Apresentação e são:

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Tabela 2: Temáticas das Unidades de Estudo

Unidade 01

12h de estudo

Ementa: Concepções de alfabetização; currículo no ciclo de

alfabetização; interdisplinaridade; avaliação da alfabetização; inclusão

como princípio fundamental do processo educativo.

Unidade 02

08h de estudo

Ementa: Planejamento do ensino na alfabetização; rotina da

alfabetização na perspectiva do letramento, integrando diferentes

componentes curriculares (Matemática, Ciências, História, Geografia,

Arte); a importância de diferentes recursos didáticos na alfabetização:

livros de literatura do PNBE e PNBE Especial, livro didático aprovado

no PNLD, obras complementares distribuídas no PNLD, jogos

distribuídos pelo MEC, jornais, materiais publicitários, televisão,

computador, dentre outros.

Unidade 03

08h de estudo

Ementa: O funcionamento do Sistema de Escrita Alfabética; reflexão

sobre os processos de apropriação do Sistema de Escrita Alfabética e

suas relações com a consciência fonológica; planejamento de situações

didáticas destinadas ao ensino do Sistema de Escrita Alfabética.

Unidade 04

12h para estudo

Ementa: A sala de aula como ambiente alfabetizador: a exposição e

organização de materiais que favorecem o trabalho com a

alfabetização; os diferentes agrupamentos em sala de aula; atividades

diversificadas em sala de aula para atendimento às diferentes

necessidades das crianças: jogos e brincadeiras no processo de

apropriação do Sistema de Escrita Alfabética e sistema numérico

decimal; atividades em grande grupo para aprendizagens diversas: a

exploração da literatura como atividade permanente; estratégias de

inclusão de crianças com deficiência visual, auditiva, motora e

intelectual, bem como crianças com distúrbios de aprendizagem nas

atividades planejadas.

Unidade 05

12h para estudo

Ementa: Os diferentes textos em salas de alfabetização: os textos de

tradição oral; os textos que ajudam a organizar o dia-a-dia; os textos

do jornal; as cartas e os textos dos gibis.

Unidade 06

12h para estudo

Ementa: Projetos didáticos e sequências didáticas na alfabetização,

integrando diferentes componentes curriculares (Matemática, Ciências,

História, Geografia, Arte); o papel da oralidade, da leitura e da escrita

na apropriação de conhecimentos de diferentes áreas do saber escolar.

Unidade 07

08h para estudo

Ementa: Avaliação; planejamento de estratégias de atendimento das

crianças que não estejam progredindo conforme as definições dos

conceitos e habilidades a serem dominados pelas crianças (direitos de

aprendizagem); a inclusão das crianças com dificuldades de

aprendizagem e crianças com necessidades educacionais especiais.

Unidade 08

08h para estudo

Ementa: Avaliação final; registro de aprendizagens; direitos de

aprendizagem; avaliação do trabalho docente; organização de arquivos

para uso no cotidiano da sala de aula.

Fonte: (PNAIC. Caderno de Apresentação, página 33)

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A maioria dos textos dos Cadernos do Programa são escritos por profissionais da

Universidade de Pernambuco, com a participação de inúmeros professores, tanto nos textos de

aprofundamento quanto nos relatos de experiências, assim como também na elaboração dos

direitos de aprendizagens de cada componente curricular e na revisão, dentre eles: Eliana

Borges Correia de Albuquerque, Artur Gomes de Morais, Tânia Maria S. B. Rios Leite,

Telma Ferraz Leal, Ivane Pedrosa de Souza, Juliana de Melo Lima, Andréa Tereza Brito

Ferreira, Margareth Brainer, Rosinalda Teles, Tícia Cassiany Ferro Cavalcante, entre outros.

Esse grupo de autores trabalha com a alfabetização na perspectiva do letramento e se

consideram sócio interacionistas. Além disso, se apoiam no Programa Alfabetização na Idade

Certa, do estado do Ceará, que defende o ensino sistemático do Sistema de Escrita Alfabética

- SEA, alegando que para a criança avançar em suas hipóteses é necessário o ensino pontual

da relação letra-som. O PNAIC foi inspirado no Programa pela Alfabetização na Idade Certa

implantado em Sobral no Ceará que chamou a atenção do Ministério da Educação e Cultura

pelo rápido salto no índice do IDEB do estado, de 3,2 em 2005 para 4,9 em 2011.

O PNAIC pode ser inserido junto a tantos outros projetos de formação continuada

oferecidos pelo MEC e disponibilizados para a rede pública de ensino brasileiro, como o

PROLETRAMENTO, PRA LER, PROFA. Entretanto, conforme o professor brasileiro e

especialista em avaliação, Luiz Carlos de Freitas, no texto "Contra o Ideb na escola: para além

da comunidade-cliente" (2011), publicado no site Último Segundo4, esses projetos têm como

preocupação central apenas aumentar os índices das avaliações externas e, consequentemente,

melhorar a classificação no IDEB. Não há de fato uma preocupação com a formação dos

professores e nem com o aprendizado do aluno, mas dar visibilidade a resultados positivos

com a intenção de atrair investimentos multinacionais.

Essa análise de Freitas (2011) é também compartilhada pelo educador e filósofo

brasileiro, Ildeu Moreira Coêlho, que diz:

…ao ensinar, preocupada em preparar os alunos para o sucesso no trabalho e na

vida, em atender às exigências do Estado e às expectativas da sociedade, e em se

tornar eficiente e produtiva, alcançar bons resultados nas avaliações, a escola

geralmente se perde na emparia, no pragmático, no insignificante, em meio aos

interesses do Estado e dos grupos. Sem se interessar por sua natureza, limites e

possibilidades, nem pelos pressupostos e implicações de suas ideias e ações, passa a

valorizar e contabilizar produtos, conquistas e sucesso. (COÊLHO. 2013, p. 61)

4Site "Último Segundo", disponível em: ultimosegundo.ig.com.br. Acessado em 30/11/2016, às 9h.

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Para além de resultados em ranking nacional, um programa de formação de

professores deve possibilitar que os seus participantes possam cultivar a interrogação, o saber

e a crítica (COÊLHO, 2013) e desse modo contribuir para construir uma escola

comprometida em buscar a igualdade, a autonomia e a justiça.

1.2 O PNAIC em Goiás

São muitos os fatores que interferem no desempenho dos alunos nas instituições

escolares, um deles, no entendimento da SEE, pode ser a formação do professor alfabetizador;

o que justifica também a sua inclusão no PNAIC, visto que a atual gestão do estado de Goiás

tem a formação continuada dos professores como uma de suas metas. O Governo de Goiás

alega que esta é uma das premissas para o alcance de índices satisfatórios nas avaliações

externas. Em Goiás, por exemplo, conforme o indicador de adequação da formação docente

dos anos iniciais, 28% dos professores que atuam na educação básica não têm a devida

formação, inicial ou continuada, para o exercício da função.

Tabela 3: Indicador de Adequação da Formação Docente – Anos Iniciais (2014)

Disponível em:http://ana.inep.gov.br/ANA/ acessado em 01/11/2015 as 22h35min

Em relação à formação dos professores, a LDB 9.394 de 1996 no seu artigo 62

determina:

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A formação dos docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior,

em cursos de licenciatura de graduação plena, em universidades e institutos

superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício no

magistério na educação infantil e primeiras séries do Ensino Fundamental a

oferecida em nível de ensino médio, na modalidade Normal.

(Brasil, LDB, 2016, p. 20).

Após uma década dessa lei, a quase totalidade dos docentes já fizeram curso superior,

e concomitante a esta formação inicial se dá a formação continuada como preconiza o Art.

67º, inciso II (Brasil, LDB, 2016). O Ministério da Educação e as Secretarias estaduais e

municipais de educação têm feito investimento nesta área, principalmente para o ensino

fundamental. A “formação continuada5 [...] é necessidade intrínseca para os profissionais da

educação escolar e faz parte de um processo permanente de desenvolvimento profissional que

deve ser garantido a todos” (MEC, 1999, p.27).

Assim, a Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Esporte de Goiás, promoveu e

aderiu a diversos projetos de formação continuada, tais como os Parâmetros Curriculares

Nacionais - PCN em AÇÃO (2001), Programa de Formação de Professores Alfabetizadores -

PROFA (2001), Programa de Apoio a Leitura e a Escrita - PRALER (2004), Programa de

Gestão da Aprendizagem Escolar - GESTAR (2008), Programa de Formação Continuada de

Professores dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental - PROLETRAMENTO (2008) e

atualmente ao PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA -

PNAIC (2012).

Em Goiás, os professores alfabetizadores receberam a formação em Alfabetização e

Linguagem, no ano de 2013, pela Instituição de Educação Superior responsável pela formação

em Goiás que está a cargo da Universidade Federal de Goiás e em 2014 receberam a

formação em Alfabetização Matemática, visto que o PNAIC prevê a alfabetização em

linguagem, matemática e nas demais áreas do conhecimento. Em 2015, houve a continuidade

do Programa nas demais disciplinas do currículo básico e em 2016, a retomada dos encontros

de formação só aconteceu na segunda semana de dezembro, devendo continuar em 2017.

O Programa tem desenvolvido as ações de desdobramentos dentro dos quatro eixos e

princípios descritos e embora nem todas as ações tenham sido encerradas, alguns problemas

têm surgido, tanto de ordem administrativa, quanto operacional e gerencial, como por

exemplo: atraso no recebimento de bolsas, extravios e atrasos de materiais didáticos e

pedagógicos, substituição de professores e/ou orientadores que já estavam participando dos

5

BRASIL, Ministério da Educação. Repensando a atuação profissional e a formação de professores, in:

Referenciais para formação de professores. Brasília:Secretaria de Ensino Fundamental/MEC, 1999, p.27.

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encontros presenciais por razões nem sempre explicitadas, dificuldades de operação no

sistema online, além de questionamentos por parte de professores sobre os aspectos teórico-

metodológicas dos Cadernos.

O Programa conta com os seguintes materiais disponíveis para os encontros de

formação: Caderno de Apresentação do Programa incluindo textos com sugestões para

organização do ciclo de alfabetização; Caderno sobre a formação de professores (para os

orientadores de estudo); Caderno de Educação Especial, oito Cadernos para cada curso (oito

unidades: são oito cadernos para os professores de 1º ano e demais anos e turmas

multisseriadas, perfazendo um total de 32 Cadernos); jogos de alfabetização, acervos do

Programa Nacional Biblioteca da Escola-PNBE, acervos do Programa Nacional do Livro

Didático-PNLD, livros didáticos, livros complementares, livro do professor distribuídos às

escolas, DVD da TV Brasil e de outros programas, textos disponíveis pelo Portal do MEC e

textos disponíveis pelas universidades.

Os Cadernos para a formação dos professores estão organizados em quatro seções,

assim denominadas: Iniciando a conversa (contém uma introdução geral da temática a ser

estudada), Aprofundando (contém os textos de estudo e discussões teóricas sobre a temática);

Compartilhando (apresenta os direitos de aprendizagem das diferentes áreas do ensino e

indicações de materiais didáticos) e Aprendendo mais (compartilha sugestões de leitura de

teóricos, resenhas de livros e sugestões de atividades e estratégias formativas).

A organização sugerida para a realização dos encontros segue geralmente a seguinte

estrutura: leitura deleite; tarefa para casa e escola e retomada do encontro anterior; estudo

dirigido de textos; planejamento de atividades a serem realizadas nas aulas seguintes ao

encontro; socialização de memórias, vídeo em debate, análise de situações de sala de aula

filmadas ou registradas, análise de atividades de alunos, análise de relatos de rotinas,

sequências didáticas, projetos didáticos e de planejamento de aulas; análise de recursos

didáticos; exposição dialogada; elaboração de instrumentos de avaliação e discussão de seus

resultados; avaliação da formação. No final do curso os participantes são certificados pela

Instituição de Ensino Superior-IES responsável pela formação nos estados e municípios.

Esse Programa, tal como organizado, determina para o professor o passo a passo do

planejamento, da metodologia a ser aplicada e o que deve ser ensinado. Nesse caso, não há

espaço para que o professor exerça sua autonomia, ele se reduz a um executor de tarefas sem

se sentir corresponsável pelo processo ensino aprendizagem. De acordo com Coêlho (2012,

p.98), “formar professores não é, então, prepará-los para atender às necessidades do Estado,

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das escolas e das empresas, nem oferecer-lhes o receituário para superar as dificuldades

encontradas no exercício da docência”.

Ademais, formar professores vai muito além do treino de métodos, técnicas,

estratégias midiáticas que são produzidos pelos interesses econômicos e políticos. É preciso

fomentar discussões sobre os aspectos fundamentais dos processos formativos, pois não se

pode trabalhar em educação sem se perguntar sobre o sujeito, os valores sociais a transmitir

(autonomia, igualdade, justiça, ética, etc), a cultura e tantos outros aspectos essenciais para o

aprendizado e o cultivo do pensamento, tão necessários para a transcendência do imediatismo

e para a significação da sociedade e da humanidade.

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CAPÍTULO II - CADERNOS DE LINGUAGEM E ALFABETIZAÇÃO: QUESTÕES

TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Neste capítulo, apresentaremos os Cadernos de Linguagem do PNAIC, o que trazem

como concepções de linguagem, língua e sujeito. Conforme explicitado, os Cadernos de

Linguagem para estudo pelos cursistas no PNAIC somam-se vinte e quatro, pois são oito para

cada ano do ciclo de alfabetização que corresponde a três anos; cada um será analisado;

entretanto, como as temáticas se repetem, será registrado o que há de relevante neles e que

contribuem com a discussão proposta no que tange ao conceito de sujeito, língua e linguagem.

2.1 O Caderno do Ano 01, Unidade 01

O Caderno do Ano 01, na Unidade 01, intitulado: Currículo na alfabetização:

concepções e princípios, aborda os temas teórico-metodológicos para serem refletidos entre

os professores. Os principais textos para estudo foram escritos pela professora Eliana Borges

Correia de Albuquerque que se fundamentou nos estudos de Antônio Flávio Moreira e Vera

Candau (2007) sobre currículo. Assim como eles, a autora do Caderno defende uma prática

curricular que rompa com o “daltonismo cultural”, ou seja, incentiva os professores a

enxergarem as distintas manifestações culturais presentes em toda sala de aula. O

aconselhamento de Albuquerque é o de que;

…um currículo multicultural implica em propostas curriculares inclusivas que

compreendem as diferenças e valorizam os alunos em suas especificidades, seja

cultural, linguística, ética ou de gênero, o que amplia o acesso à alfabetização a um

número de crianças, além de respeitar os seus direitos de aprendizagem.

(PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 01, página 14)

Neste mesmo Caderno há um texto voltado para a preocupação do que deve ser

ensinado no ciclo de alfabetização e as teorias psicogenéticas das pesquisadoras argentinas

Emília Ferreiro e Ana Teberosky são ressaltadas. Porém com a ressalva de que as práticas

letradas sobressairam às práticas da faceta linguística do sistema de escrita. Com base nos

estudos da pesquisadora brasileira Magda Soares, sobre alfabetização e letramento, a autora

defende o trabalho específico de ensino do Sistema de Escrita Alfabética - SEA, inserindo

práticas de letramento, o que é chamado de alfabetizar letrando. Sobre isso, o Caderno

orienta:

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Nessa perspectiva, defendemos que as crianças possam vivenciar, desde cedo,

atividades que as levem a pensar sobre as características do nosso sistema de escrita,

de forma reflexiva, lúdica, inseridas em atividades de leitura e escrita de diferentes

textos. É importante considerar, no entanto, que a apropriação da escrita alfabética

não significa que o sujeito esteja alfabetizado. Essa é uma característica

fundamental, mas para que os indivíduos possam ler e produzir textos com

autonomia é necessário que eles consolidem as correspondências grafofônicas, ao

mesmo tempo em que vivenciem atividades de leitura e produção de textos.

(PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 01, página 22)

Assim não haveria um privilégio por parte do professor de trabalhar só com a

alfabetização ou só com o letramento já que ambos são importantes para o aprendizado da

criança. Entretanto, os Cadernos, privilegiam o SEA, principalmente as fases da escrita

conforme os estudos de Emília Ferreiro e Teberosky (1990). Como se sabe, nos anos de 1980,

foi introduzido no Brasil, o pensamento construtivista sobre a alfabetização, resultado das

pesquisas dessas autoras e de seus colaboradores (Mortatti, 2000).

Esses estudos, conhecidos como a Psicogênese da Língua Escrita, deslocou o eixo das

discussões sobre a alfabetização, atribuindo importância ao processo de aprendizagem da

criança e não ao método de ensino. Essa abordagem é considerada uma "revolução

conceitual", em que a aprendizagem não se dá pela memorização e sim pela reflexão sobre o

SEA. Se contrapondo aos métodos tradicionais descritos, Ferreiro e Teberosky (1990),

criticam ainda o papel dominante do professor que dirige a aprendizagem do aluno. Segundo

elas, a criança não chega "vazia" ao ambiente escolar e necessita de atividades que a levem a

pensar sobre o SEA e possa construir suas hipóteses em relação à escrita. Essa é a

compreensão assumida no Caderno 1:

Quando acompanhamos, cuidadosamente, a evolução da escrita espontânea das

crianças, vemos que elas elaboram hipóteses semelhantes, descobertas por Ferreiro e

Teberosky (1986). Sim, é preciso deixar as crianças escreverem como sabem (e não

só copiarem palavras escritas corretamente pela professora), para podermos detectar

em que nível de compreensão de nosso sistema alfabético o menino ou a menina se

encontram.Conforme a teoria da psicogênese da escrita, elaborada por Ferreiro e

Teberosky, os aprendizes passam por quatro períodos nos quais têm diferentes

hipóteses ou explicações para como a escrita alfabética funciona: pré-silábico,

silábico, silábico-alfabético e alfabético.

(PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 03, página 11)

Essa psicogênese da escrita, defendida por Ferreiro e colaboradores, surgiu baseada

em pensadores como o epistemólogo suíco Jean Piaget, pelo psicólogo americano James

Mark Baldwin e pelo pensador francês Henri Paul Hyacinthe Walon. Esses autores, em seus

estudos, contrapõem-se ao inatismo e ao empirismo que dominavam a cena das explicações

cognitivas que vigorava na época de suas investigações, inaugurando a valorização do agir de

quem aprende como elemento central para se compreender algo.

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Ferreiro, orientanda do psicólogo e biólogo suíço Jean Piaget, juntamente com

Teberosky, se apropriaram dos estudos sobre os estágios do desenvolvimento infantil deste

autor e registraram as fases pelas quais as crianças atravessam para se apropriarem da escrita.

Entretanto, atestam que nem todas as crianças passam pelas mesmas fases na mesma idade

cronológica.

No campo da ação pedagógico-metodológica construtivista da psicogênese da escrita

há exigências claras e definidas para que se possa afirmar se o professor está ou não adotando

tal postura, uma delas é o respeito à psicogênese que o caracteriza. Assim, faz-se

imprescindível que o professor conheça as fases do desenvolvimento descritas pelas autoras e

promova atividades que façam a criança pensar sobre a escrita para conseguir evoluir nos

estágios.

Para Ferreiro e Teberosky (1990), as fases de evolução da escrita pelas quais os

alfabetizandos passam são categorizadas por níveis. No nível, chamado pré-silábico,

escrever é reproduzir os traços típicos da escrita que a criança identifica como a

forma básica da escrita. Se esta forma básica é a escrita de imprensa, teremos

grafismos separados entre si, compostos de linhas curvas e retas ou de combinações

entre ambas. Se a forma básica é cursiva, teremos grafismos ligados entre si com

uma linha ondulada como forma de base, na qual se inserem curvas fechadas ou

semi-fechadas.

(FERREIRO & TEBEROSKY. 1990, p.183)

Para as autoras, estão nesse nível todas as crianças que registram garatujas, desenhos,

ou seja, escrevem símbolos e pseudoletras, letras e números misturados. Na fase pré-silábica,

a criança começa a diferenciar letras de números, desenhos ou símbolos e reconhece o papel

das letras na escrita, sabem que as letras servem para escrever, mas não sabem como isso

ocorre. Nessa fase, de acordo com as autoras, é comum a criança dizer que para escrever a

palavra boi ela vai precisar de muitas letras porque o boi é um animal grande e para escrever

formiguinha ela vai precisar de poucas letras porque formiga é pequena.

No nível 2, intitulado intermediário II

A hipótese central desse nível é a seguinte: para poder ler coisas diferentes (isto é,

atribuir significados diferentes) deve haver uma diferença objetiva nas escritas. O

progresso gráfico mais evidente é que a forma dos grafismos é mais definida, mais

próxima à das letras.(FERREIRO & TEBEROSKY. 1990, p.189)

Ainda conforme essas autoras, nesse nível a criança tem ligação difusa entre pronúncia

e escrita. Ela já conhece e usa alguns valores sonoros convencionais, além de alguns trechos

da palavra. Ao ser solicitada a escrever elefante, por exemplo, ela escreve EXTATEUXE. Já é

capaz de justificar que a palavra começa com E e termina com E. Entretanto ela ainda não

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consegue estabelecer um quantitativo de letras. Na prática, as crianças que apresentam as

características descritas neste nível continuam sendo classificadas como pré-silábica.

No nível 3, chamado de hipótese silábica, as autoras o consideram como a fase mais

importante do processo de aquisição da escrita, pois as características do aprendiz nesta fase

demonstram que ele evoluiu psicologicamente, compreendendo que para cada som

pronunciado será preciso colocar um signo. Elas dizem:

Este nível está caracterizado pela tentativa de dar valor sonoro a cada uma das letras

que compõem uma escrita. Nesta tentativa, a criança passa por um período da maior

importância evolutiva: cada letra vale por uma sílaba. Com esta hipótese, a criança

dá um salto qualitativo com respeito aos níveis precedentes.

(FERREIRO & TEBEROSKY. 1990, p.193)

Conforme salientado, a hipótese silábica constitui um grande avanço e se traduz num

dos mais importantes esquemas construídos pela criança durante o seu desenvolvimento, pois

pela primeira vez ela trabalha com a ideia de que a escrita representa partes sonoras da fala.

Assim, ela limita cada letra a uma pauta sonora, estas letras podem fazer parte da sílaba da

palavra ou não. Por exemplo, para escrever a palavra sapo a criança pode representar das

seguintes formas: AO, SP, ou duas outras letras quaisquer. Já a palavra boneca poderá

aparecer assim: OEA, BNA, OEK ou outras três letras quaisquer, pois a criança ainda está se

apropriando do SEA. Se a criança usa mais vogais ou consoantes é dito que a criança está na

fase silábica com valor sonoro nas vogais ou nas consoantes. Se ela usar letras aleatórias, diz-

se que está na fase silábica sem valor sonoro.

No nível 4, nomeado hipótese silábica-alfabética, a criança

abandona a hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma análise que vá “mais além” da sílaba pelo conflito entre a hipótese silábica e a exigência de

quantidade mínima de grafias (ambas exigências puramente internas, no sentido de

serem hipóteses originais da criança) e o conflito entre as formas gráficas que o

meio lhe propõe e a leitura dessas formas em termos de hipótese silábica (conflito

entre uma exigência interna e uma realidade exterior ao próprio sujeito)”.

(FERREIRO & TEBEROSKY. 1990, p.196 e 209)

Esta fase é vista como uma transição entre a anterior, silábica, e a posterior, alfabética.

Diante dos conflitos da hipótese silábica, a criança sente a necessidade de fazer uma análise

que vai além da sílaba. Ela descobre que o esquema de uma letra para cada sílaba parece não

funcionar, parece faltar mais letras para constituir a sílaba e assim procura acrescentar letras à

escrita da fase anterior. Começa então a grafar algumas sílabas completas, embora ainda

permaneçam sílabas representadas por uma letra só. Exemplo: cavalo - CAVO, boneca -

BOEA. Ferreiro e Teberosky (1990) lembram que um adulto mal informado poderá, nessa

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fase, achar que a criança está omitindo letras, o que na verdade, ela estará acrescentando

letras, trata-se de uma progressão e não de um retrocesso.

No nível 5, encontra-se a hipótese alfabética,

a escrita alfabética constitui o final desta evolução. Ao chegar a este nível, a criança

já franqueou a “barreira do código”, compreendeu que cada um dos caracteres da

escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba e realiza

sistematicamente uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever.

Isto não quer dizer que todas as dificuldades tenham sido superadas: a partir desse

momento a criança se defrontará com as dificuldades próprias da ortografia, mas não

terá problemas de escrita, no sentido estrito. Parece-nos importante fazer esta

distinção, já que amiúde se confundem as dificuldades ortográficas com as

dificuldades de compreensão do sistema de escrita.

(FERREIRO & TEBEROSKY. 1990, p. 213)

De acordo com as autoras, nessa fase a criança escreve foneticamente, isto é, faz a

relação entre som e letra, mas não ortograficamente. O desafio agora é caminhar em direção à

convencionalidade, em direção à forma padrão do modelo ortográfico e gramatical. Nessa

fase, a criança pode escrever a palavra casa com z - CAZA, pois o que ainda lhe falta é o

domínio das regras ortográficas e gramaticais, foneticamente ela já é capaz de grafá-la.

Ferreiro e Teberosky (1990) em suas pesquisas sobre o processo de construção da

escrita constatou um engano na abordagem pedagógica tradicional ligada à alfabetização.

Essa abordagem vem enxergando a leitura e a escrita como um código de transcrição gráfica,

ou seja, o aluno deve aprender a fazer a conversão das unidades sonoras (fonemas) em

unidades gráficas (grafemas), transformando a aprendizagem na aquisição de uma técnica. Tal

enfoque privilegia o ponto de vista do adulto, com base na sua intuição e não o da criança que

aprende de acordo com a gênese da evolução.

As autoras também explicitam que leitura e escrita constituem um sistema notacional

de representação da linguagem, convertendo sua aquisição numa aprendizagem conceitual.

Esse fato, de acordo com a base construtivista, muda radicalmente a abordagem escolar,

impondo a necessidade de maior conhecimento por parte do professor e respeito à criança,

considerando-a um ser ativo e capaz que possui ideias originais sobre o assunto.

Para permitir que a evolução se processe de forma coerente com o ponto de vista do

sujeito que aprende, a escola deverá propiciar o convívio da criança com um farto e variado

material que envolva a leitura e a escrita. Além disso, procura permitir que a criança produza

escritas espontâneas, do jeito que ela pensa que deve ser escrito, com ausência de censura

quanto ao “certo” e “errado”, ao invés de se prender apenas no que o professor escreve, pois

dessa forma estará incentivando a criança a escrever de acordo com suas hipóteses. Se a

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criança apenas copiar, ela passará a pensar que só o professor sabe, podendo ocorrer o

bloqueio e ela se negar a escrever do seu jeito achando que nada sabe.

Os Cadernos de Linguagem do PNAIC deixam explícita a visão psicologizante do

processo de aquisição da leitura e da escrita. Na visão construtivista, a criança precisa

reconstruir em sua mente as propriedades do SEA e não queimar as etapas, pois um

conhecimento novo surge a partir da transformação de um anterior. As habilidades de

consciência fonológica não aparecem com a maturação biológica como parte do

desenvolvimento corporal, elas dependem de oportunidades.

Para Ferreiro e Teberosky (1990), suas descobertas afirmam que as crianças

interpretam o ensino que recebem, transformando a escrita convencional dos adultos, assim

sendo, produzem escritas diferentes e estranhas do ponto de vista do adulto. O professor

ensina, por exemplo, a palavra GATO e alguns alunos escrevem GO ou AO ou GT. Essas

pesquisadoras afirmam desvendar esse mistério mostrando as razões destas transformações e

a lógica utilizada pela criança ou os processos psicológicos que produzem tais condutas. A

escrita produzida é fruto da aplicação de esquemas de assimilação ao objeto de aprendizagem

(a escrita), formas utilizadas pelo sujeito para interpretar e compreender o objeto.

Essas transformações descritas por Ferreiro e Teberosky (1990) são exemplos claros

dos esquemas de assimilação piagetianos registrados com base em pesquisas de laboratório e

explicita que o conhecimento é resultado de construções sucessivas com elaborações

constantes de estruturas novas devido ao processo de equilibrações da evolução do

desenvolvimento do organismo.

A interpretação do acesso ao conhecimento da escrita acentua a existência de um

processo evolutivo ao longo do desenvolvimento infantil, cuja gênese precisa ser explicada.

Em nota preliminar da terceira edição da Psicogênese da língua escrita, Ferreiro e Teberosky

(1990) declaram a perspectiva sob a qual a investigação se realiza:

Pretendemos demonstrar que a aprendizagem da leitura, entendida como o

questionamento a respeito da natureza, função e valor desse objeto cultural que é a

escrita, inicia-se muito antes do que a escola imagina, transcorrendo por

insuspeitados caminhos. Que, além dos métodos, dos manuais, dos recursos

didáticos, existe um sujeito que busca a aquisição de conhecimento, que se propõe

problemas e trata de solucioná-los, segundo sua própria metodologia…Insistiremos

sobre o que se segue: trata-se de um sujeito que procura adquirir conhecimento, e

não simplesmente de um sujeito disposto ou mal disposto a adquirir uma técnica

particular. Um sujeito que a psicologia da lecto-escrita esqueceu.

(FERREIRO & TEBEROSKY. 1990, p. 11).

O trecho registrado pelas autoras deixa clara a ideia de que há um sujeito ativo,

atuante que tem o domínio do processo de aquisição da leitura e da escrita. No entanto essa

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visão é questionada por outros educadores, autores de outras concepções e que acompanharam

crianças na fase inicial da escrita dentro da sala de aula, no ambiente escolar e não em

pesquisas de consultório. Como por exemplo Borges (2006) que acompanhou uma sala de

alfabetização por dois anos e apresenta uma discussão que se contrapõe a piscogênese da

escrita, tal como entende Ferreiro e Teberosky (1990).

Quando se coloca a aquisição da escrita relativa ao sujeito epistêmico, como descrito

por Ferreiro e Teberosky (1990), se exclui a possibilidade de ele ser afetado pela língua,

conforme explicita Borges (2006):

Conceber a escrita como representação da linguagem oral, ou de significados de que

ela seria veículo, implica o não-reconhecimento dos efeitos da língua - no sentido

saussureano do termo - nesse processo. Em consequência disso, conforme se

observa, a descrição da alfabetização tem ficado restrita a relação dual

oralidade/escrita, retendo-se para isso, somente os seus aspectos fônicos e os

gráficos, respectivamente. (BORGES. 2006, p. 80)

Borges (2006) ressalta que a aquisição da língua escrita deve ser concebida como uma

tríade: oralidade/escrita/língua, pois as escritas das crianças trazem fragmentos da escrita ou

leitura do Outro6,entendido pela autora como o representante de todos os discursos orais e

escritos, presentes nos vários contextos por onde a criança circula. Essa autora, ao se

apropriar desse termo Outro, usado pelo psicanalista francês Jacques-Marie Émile Lacan

(2008) em vários de seus seminários como o tesouro dos significantes, quis realçar que a

criança vai reformulando sua escrita a partir dos significados dados pelos seus pares, por seus

professores, seus familiares, por aqueles que a cercam e, nessa busca de significar suas

elaborações, vai recalcando aqueles signos que não foram significados e, ao mesmo tempo,

revelando aqueles submersos, deixando aparecer as marcas de sua subjetividade, tal como

Lacan entende o Inconsciente.

A aquisição da escrita deve ser analisada entendendo que o Outro deixa marcas

efetivas no discurso do sujeito, pois é ele, o Outro, quem o insere no simbólico e reconhece,

além de nomear aquilo que até então era irreconhecível ou disperso para ele. Nesse sentido, o

Outro é considerado como lugar de funcionamento linguístico-discursivo, que interpreta a

escrita da criança, permitindo que esta se transforme. Conforme Borges

…letras, pseudo-palavras, pseudo-frases, unidades de toda natureza - que não têm

valor em si mesmas - assumem, ainda que provisoriamente, valores e lugares

estruturais. Estes são determinados pelas posições que lhes são abertas os discursos

orais e escritos do Outro, ou seja, daqueles que circulam na sala de aula. O estatuto

6Termo utilizado por Lacan, em Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais em psicanálise, para

designar o efeito da Linguagem.

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de “significante" das unidades em jogo lhes confere essa virtualidade (BORGES.

2006, p. 148)

Semelhante ao que ocorre quando uma criança nasce, em que a mesma é falada pelas

pessoas e seus primeiros balbucios são interpretados pelo seu cuidador ou sua mãe que dá

significado a cada choro e a cada som emitido, ocorre o processo de escrita. Cada traço

elaborado quer dizer algo que precisa ser interpretado e de algum modo inserido no mundo da

linguagem.

Nos Cadernos do PNAIC são apresentados vários relatos de experiências de

professores com atividades que foram realizadas em sala de aula e que foram consideradas

bem sucedidas. Entretanto, se observar atentamente, apesar de a análise avaliativa da

professora com relação à escrita ser descrita conforme as fases de Ferreiro e Teberosky

(1990), ela dá significado à escrita da criança, embora não reconheça isso. Ela, ao escrever

ortograficamente o que a criança se propunha a escrever, dá sentido à escrita da criança, dá

significado à sua elaboração, ela é o grande Outro, conforme comprovação nos quadros dos

Cadernos do Ano 01 e Ano 03:

Figura 1: Amostra de escrita

Fonte: (PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 03, página 17)

Figura 2: Amostra de escrita

(PNAIC. Caderno Ano 03, Unidade 03, página 23)

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Conforme se observa, a professora dá significado ao escrito pela criança e é essa ação

que possibilita a transformação dessa mesma escrita. A criança coloca no papel os discursos

circulados em sala procurando significá-los, no entanto, é o ato da professora de ler, escrever,

interrogar, conversar e se inteirar com a criança que a insere no jogo simbólico da escrita, no

movimento linguístico-discursivo, conforme dito por Borges (2006), pois nesse momento o

sujeito sofre os efeitos estruturantes do encontro com a escrita da criança, permitindo que esta

se transforme.

Também a professora Deusmaura Vieira Leão (2011) em sua investigação sobre a

aquisição da língua escrita, com crianças de quatro a seis anos de idade, nas salas de aula dos

primeiros anos de escolarização, na cidade de Rio Verde no interior de Goiás, observou que

A professora, ao solicitar à criança que leia as frases, ou que nomeie o que ela

produziu, põe em cheque as semelhanças e as diferenças, que não são consideradas

como construção da criança, como propõe Ferreiro, mas como efeito da relação da

criança com o Outro e os efeitos da língua. Com isso, evidencia-se o fato de que o

movimento do outro ao ler e escrever os escritos para o aluno é que vai fornecer a

medida da relação do aluno com a escrita e desvendar sua dependência da

interpretação desse outro, como instância do Outro, abrindo a possibilidade de a

criança constituir sua própria escrita. (LEÃO. 2011, p. 72)

Pensar a escrita na perspectiva de Ferreiro e Teberosky, em níveis lineares de

evolução, significa negar os efeitos metafóricos e metonímicos da língua7e desconsiderar que

o processo de alfabetização consiste no transitar pelas representações do Outro. Quando se

pensa em fases de escrita é possível que o professor, na tentativa de auxiliar os alunos a

avançarem em seus estágios, utilize a metodologia de criar grupos de acordo com essas fases,

o que não diferencia de quando, na perspectiva empirista, os alunos eram classificados em

"fortes" e “fracos”, chegando a sentar em filas rotuladas.

Conforme Borges, as produções escritas das crianças:

…são efeitos de um "jogo” entre os níveis fonéticos-fonológicos, gráfico, sintático,

morfológico e semântico. Para descrever essas transformações, ou a constituição da

escrita, não é possível separar esses níveis. Os processos que determinam esse jogo -

metafórico e metonímico - são sempre os mesmos; não passam por transformações

que alterariam o seu funcionamento. O que muda, ou que se transforma, são os seus

efeitos, não sendo possível, portanto, falar de estágios nos processos de aquisição da

linguagem, ao longo da alfabetização.(BORGES. 2006, p. 209)

7Processos descritos pelo linguísta russo Roman Jakobson e pesquisados por Lemos(1997): processo metafórico

- substituição de elementos da língua, seja em cadeias manifestantes e/ou latentes e processo metonímico -

combinação destes elementos.

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Reconhecendo-se esses efeitos, a autora concebe a língua contendo um funcionamento

que captura a criança. Quando o alfabetizador não leva isso em consideração fica angustiado

com as cadeias de escritas produzidas pelas crianças, visto que tais formas de escritas não se

encaixam nas fases descritas pela psicogênese, pois são efeitos do Outro. Nos Cadernos do

PNAIC, o sujeito descrito é o psicológico, dono de seus desejos e vontades, caminhando na

contramão do sujeito considerado pela psicanálise que submetido ao Outro não tem controle e

nem é previsível. Sendo assim, é impossível estabelecer uma idade "certa" para o aluno ser

alfabetizado. Também Soares (2016) considera que não há como definir o início e nem o

término da alfabetização.

Os Cadernos apresentam os Direitos de Aprendizagem do Ciclo de Alfabetização para

o ensino da Língua Portuguesa, os direitos elencados são:

Direitos gerais de aprendizagem: Língua Portuguesa:

Compreender e produzir textos orais e escritos de diferentes gêneros, veiculados em

suportes textuais diversos, e para atender a diferentes propósitos comunicativos,

considerando as condições em que os discursos são criados e recebidos.

Apreciar e compreender textos do universo literário (contos, fábulas, crônicas,

poemas, dentre outros), levando-se em conta os fenômenos de fruição estética, de

imaginação e de lirismo, assim como os múltiplos sentidos que o leitor pode

produzir durante a leitura.

Apreciar e usar em situações significativas os gêneros literários do patrimônio

cultural da infância, como parlendas, cantigas, trava línguas.

Compreender e produzir textos destinados à organização também e socialização do

saber escolar/científico (textos didáticos, notas de enciclopédia, verbetes, resumos,

resenhas, dentre outros) e à organização do cotidiano escolar e não escolar (agendas,

calendários, cadernos de notas, cronogramas...).

Participar de situações de leitura/escuta e produção oral e escrita de textos

destinados à reflexão e discussão acerca de temas sociais relevantes (notícias,

reportagens, artigos de opinião, cartas de leitores, debates, documentários...).

Produzir e compreender textos orais e escritos com finalidades voltadas para a

reflexão sobre valores e comportamentos sociais, planejando e participando de

situações de combate aos preconceitos e atitudes discriminatórias (preconceito

racial, de gênero, preconceito a grupos sexuais, preconceito linguístico, dentre

outros).

(Caderno do PNAIC ano 01, unidade 01, página 32)

Os eixos para o trabalho com a Língua Portuguesa são esmiuçados em tabelas de

acordo com o necessário de ser trabalhado, introduzido, aprofundado ou consolidado em cada

ano e são:

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Tabela 4: Eixos de Leitura

Fonte: (PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 01, página 33)

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Tabela 5: Eixos de Produção de textos escritos

Fonte: (PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 01, página 34)

Tabela 6: Eixos de Oralidade

Fonte: (PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 01, página 35)

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Tabela 7: Análise Linguística: discursividade, textualidade e normatividade

Fonte: (PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 01, página 36)

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Tabela 8: Análise Linguística: apropriação do Sistema de Escrita Alfabética

Fonte: (PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 01, página 37)

Como se pôde observar, para cada componente curricular há o registro nos Cadernos

do PNAIC dos direitos de aprendizagem para o ciclo de alfabetização, de forma que o que

deve ser trabalhado em cada ano, desde a introdução até a consolidação de cada conteúdo, é

determinado pelo Programa. O conhecimento da língua é sistematizado levando em

consideração a psicogênese da escrita e esse conteúdo é o objeto a ser dominado pelo aluno e

é descrito em categorias fixas e transparentes.

Essa concepção que aparece na sistematização dos conteúdos, de acordo com Borges

(2006) pode naturalizar uma relação complexa, propagar a ideia de que se tem acesso direto à

língua e que as elaborações que as crianças farão vão num crescente e se aproximam cada vez

mais do objeto a ser conhecido.

Também Carvalho (2011) ao analisar a escrita inicial das crianças chamou atenção

para o fato de que mesmo que compareçam marcas do Outro, isto é, os textos orais e escritos

capturados, há nelas construções que beiram ao equívoco, assinalando o caráter imprevisível

de sua produção. No encontro da criança com a língua se constituem singularidades que não

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são passíveis de classificação e extrapolam os níveis selecionados pela psicogênese da escrita

de Ferreiro e Teberosky (1990).

Muitos alfabetizadores nos encontros de formação relataram que algumas escritas das

crianças não estão representadas nos níveis psicogenéticos e demonstraram angústia em

relação a isso. Entretanto, o PNAIC aponta como questão apenas a reflexão sobre o SEA. Ele

propõe o trabalho sistemático da consciência fonológica, entendendo esta como um vasto

conjunto de habilidades que permitirão aos alunos distinguir as partes sonoras das palavras,

transmitindo uma concepção de língua como pura representação oral e função comunicativa,

por isso a exploração e o incentivo de atividades metacognitivas.

Essa metacognição pode ser questionada considerando o que Saussure diz sobre a

língua "o significante linguístico, este não é de modo algum fônico, ele é incorpóreo,

constituído, não, por sua substância material, mas somente pelas diferenças que separam sua

imagem acústica de todas as outras" (SAUSSURE, 1974, p. 138). Segundo essa concepção, o

significante acaba ganhando valor na relação, por isso, se pode questionar o papel de uma

suposta metacognição, pois sua construção é via associações e das mais diversas ordens.

Ter em vista essa dimensão significante dos elementos linguísticos implica por um

lado reconhecer o caráter de alteridade que a língua porta e por outro a impossibilidade de

controlar e prever o jogo estabelecido entre a criança e a língua.

2.2 O Caderno do Ano 01, Unidade 02

Neste fascículo, que tem como tema Planejamento Escolar: Alfabetização e Ensino da

Língua Portuguesa, são ressaltados os eixos de ensino da língua como norteadores do

planejamento escolar e ainda os direcionamentos da organização do trabalho do professor

alfabetizador. Na citação abaixo fica explícita a metodologia sugerida para o trabalho com a

língua:

De acordo com as abordagens construtivistas e sócio-interacionistas de ensino-

aprendizagem, é preciso que o professor saiba os conteúdos e procedimentos de

ensino e conheça seus alunos, e o que eles sabem sobre determinados conteúdos,

para que possa planejar atividades que os façam evoluir em suas aprendizagens, na

interação com o docente e com os pares em sala de aula. Nessas perspectivas, a

organização do trabalho pedagógico precisa envolver um conjunto de procedimentos

que, intencionalmente, devem ser planejados para serem executados durante certo

período de tempo, tomando como referência as práticas sociais/culturais dos sujeitos

envolvidos, suas experiências e conhecimentos.

(PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 02, página 19)

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O Programa parte da perspectiva de um ensino que propicie aoaluno fazer uso da

língua considerando os diferentes contextos de uso da mesma. Tem por base a abordagem

construtivista e sócio-interacionista e, nestas perspectivas, os eixos centrais do ensino da

língua materna são a compreensão e a produção de texto, conforme comprova a passagem:

a língua se configura como uma forma de ação social, situada num contexto

histórico, representando algo do mundo real. O texto, portanto, não é uma

construção fixa e abstrata, mas sim, palco de negociações e produções de múltiplos

sentidos. Os textos são produzidos em situações marcadas pela cultura e assumem

formas e estilos próprios, também historicamente marcados. Diferentes textos

assemelham-se, como diz Bakhtin (1997), porque se configuram segundo

características dos gêneros textuais que estão disponíveis nas interações sociais.

(PNAIC. Caderno Ano 02, Unidade 05, página 06)

O PNAIC defende o ensino através dos diversos gêneros que circulam na sociedade. O

Programa salienta que as crianças chegam à escola produzindo enunciados na linguagem,

sustenta a teoria do psicólogo bielorrusso Lev Semenovitch Vygotsky (1991) de que

aprendemos na interação com outros sujeitos. Para os autores do Programa, é por meio da

interação com os usos e funções da língua escrita que a aprendizagem ocorre, ressaltando

ainda o rompimento da concepção de língua escrita como código para uma concepção de

língua como sistema de notação alfabética. Os Cadernos propõem o estudo dos eixos da

língua: leitura, produção de texto, oralidade e análise linguística, enfatizando a importância do

trabalho com os diferentes textos em uma perspectiva de integração entre os componentes

curriculares.

Nos Cadernos, a escrita é vista como resultado do pensamento elaborado; conforme a

psicogênese e para que haja o processo evolutivo, é importante garantir que as crianças

produzam textos de diferentes gêneros, atendendo a diferentes finalidades; da forma que acha

que deve ser para revelar a fase em que se encontra, os alunos precisam vivenciar atividades

escolares organizadas de maneira sistemática em torno do gênero.

Assim, de acordo com o Programa, o acesso precoce aos gêneros discursivos de

circulação social se faz necessário. Com quais finalidades? Refletir sobre o sistema de escrita

alfabética? Apropriação dos conteúdos dos diversos componentes curriculares? Haveria

outros interesses camuflados nessa orientação? Qual seria o verdadeiro motivo da presença do

texto em sala de aula?

O linguista brasileiro, João Wanderley Geraldi (2015) nos alerta para o fato de que o

texto não pode ficar fora do ambiente escolar, visto que este reproduz a sociedade vigente e

para esta reprodução os indivíduos precisam ser atravessados pelos discursos ideológicos que

naturalizam as relações, camuflando o jogo do poder e assujeitando os indivíduos. As

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concepções e valores da classe dominante se dão através dos discursos, assim ele enfatiza que

no ensino da língua materna, o texto há que estar presente. Para ele,

o processo de fixação de valores demanda o convívio com discursos materializados

nos textos; os valores e as concepções circulam através dos textos e sem eles a

escola não cumpriria uma de suas funções mais sofisticadas: a reprodução de valores

com que compreender o mundo, os homens e suas ações. (GERALDI, 2015, p.140)

Geraldi (2015) também salienta que na escola houve uma junção entre a leitura e a

escrita, de modo que uma se tornou fim da outra, isto é, se lê para escrever o que já foi dito,

para reproduzir, para responder às questões, às provas, sabatinas, exercícios mecânicos de

interpretação e cumprir ordens. O processo de escrita como elaboração do próprio sujeito,

como busca de algo novo a ser feito, a ser construído, a ser relatado, não é uma prática de

todos os educadores dentro do ambiente educativo. A lógica do sistema escolar imposto exige

um ensino que possa ser medido, busca-se a comparação de uma escola com a outra, de um

aluno com o outro e para isso há de se determinar o que precisa ser ensinado em cada etapa

para que possa ser cobrado, deixando o processo de elaboração intelectual totalmente

incompatível com esse sistema.

Dessa forma, o ambiente de criação, de autoria, tomada de decisão e interação para o

despertar do letramento, do pensamento descontextualizado, estaria comprometido. Assim

sendo, em que direção o trabalho com o texto em sala de aula poderia seguir? Para Geraldi,

a presença do texto na sala de aula implica desistir de um ensino como transmissão

de um conhecimento pronto e acabado; tratar-se-ia de não mais perguntar "ensinar o

que”, mas “ensinar para que”, pois do processo de ensino não se esperaria uma

aprendizagem que devolveria o que foi ensinado, mas uma aprendizagem que se

lastraria na experiência de produzir algo sempre nunca antes produzido - uma leitura

ou um texto manuseando os instrumentos tornados disponíveis pelas produções

anteriores. (GERALDI, 2015, p.144)

A escrita de um texto é um ato de criação e nela é necessário que o indivíduo se

mostre, se deixe conhecer, que sua singularidade seja percebida e para que isso ocorra é

necessário que haja a vontade de escrever do próprio escritor, o desejo de se colocar na

escrita, que haja razões para fazê-lo. De acordo com Geraldi (2015) no texto se encontram os

rastros da subjetividade, das posições ideológicas e das vontades políticas em constantes

atritos. No processo de produção do texto é que o sujeito expõe suas contradições, suas

posições, seus pensamentos, demonstrando sua subjetividade e, assim, seu interior emerge nos

rastros deixados em seus manuscritos. Para Geraldi,

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o professor somente ensina a escrever se assume os processos de escrever do aluno,

tornando-se dele um co-enunciador, um leitor privilegiado e atento, um colaborador

capaz de encorajar o outro a continuar buscando a melhor forma de dizer o que quer

dizer para quem está dizendo pelas razões que o levam a dizer o que diz.

(GERALDI, 2015, p. 98)

Tais observações não se aplicam somente a professores de turmas avançadas, com

alunos que já dominam a escrita, pelo contrário, o aluno no início da aquisição do processo de

escrita necessita de um professor que o encoraje a escrever, que seja o leitor atento de suas

produções, que o incentive a ter razões para escrever, a se mostrar em seus textos como

autores, sujeitos agentes de suas produções. O discurso deve se dar em função de

desnaturalizar o que a ideologia dominante prega nas relações de poder, de forma que cada

aula, como momento inédito de letramento, serviria para que a criança pudesse agir no mundo

através do discurso, da sua escrita, da sua fala, dos seus gestos e da sua interação com os

outros, buscando a manifestação da subjetividade singularizada e seu lugar no espaço social.

Ainda que Geraldi (2015) reconheça uma subjetividade na escrita e o texto é portador

dela, é necessário também, chamar atenção para uma outra subjetividade discutida nos

trabalhos que serviram de orientação para a análise do PNAIC, ou seja, àquela balizada pelo

Inconsciente.

Na pesquisa de Carvalho (2011), por exemplo, a autora discute o advento da escrita,

considerando a articulação e/ou encadeamento entre corpo e linguagem. Ou seja, ela, a partir

das leituras de Freud e Lacan, relaciona a inserção da criança no mundo escrito, como um dos

efeitos do trabalho de elaboração do sujeito tendo em vistas os impasses existenciais, assim

como qualquer produção cultural da humanidade. Em suas palavras, o ato de escrever, pode

ser relacionado à falta, à tentativa de elaborar algo que exceda ao corpo e que o significante

não tem como formalizar (CARVALHO, 2011, p. 81).

Esse entendimento entrevê um processo de subjetivação para além de questões sociais

e ideológicas, pois indica a necessidade de problematizar a noção de sujeito que vigora no

PNAIC, isto é, o sujeito sem dimensão sexual, como se a criança, no momento de se inserir na

escrita não tivesse que lidar com questões existenciais e não estivesse mesmo num tempo de

estruturação, que historicamente, tem sido nomeado como infância.

Carvalho (2011), ao acompanhar crianças em seu processo de aquisição da escrita,

ressalta que esta se desencadeia como consequência da falta

Como consequência da falta, desencadeia-se o processo de aquisição da escrita,

relação que não é da ordem do desenvolvimento, do significado, mas da ordem de

uma elaboração, vinculado às ordens do real, do simbólico e do imaginário. Os

efeitos que apresentam nos textos das crianças demonstram essa singularidade; eles

vazam por se constituírem nesse enodamento e resistem a uma classificação e/ou a

uma ordenação que permitiria uma identificação precisa e completa. Afinal, está ligada à tiquê, à condição de tentar dar conta de algo impossível de ser escrito e de

ser transmitido e que, fundamentalmente, está relacionado à sexualidade, ao

Inconsciente.

(CARVALHO, 2011, p. 14)

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A pesquisa apresenta o reconhecimento de que na medida em que a criança começa a

escrever com seus traços não identificados ela vai mostrando as marcas do Inconsciente, na

perspectiva de uma elaboração.

2.3 O Caderno do Ano 01, Unidade 03

O tema de estudo do Caderno Ano 01, Unidade 03 é A aprendizagem do Sistema de

Escrita Alfabética e nele as fases são novamente reforçadas e com exemplos de escrita de

crianças. A concepção construtivista é ressaltada conforme o trecho a seguir:

Lembramos que, numa visão construtivista, a criança precisa reconstruir em sua

mente as propriedades do SEA (vimos na seção anterior) e que, em tal percurso, não

é possível “queimar etapas”, já que um conhecimento novo só pode surgir a partir da

transformação de um conhecimento anterior. Mesmo que a criança não revele certas

subetapas (por exemplo, a hipótese silábica “sem valor sonoro” ou “qualitativa”),

não podem ocorrer saltos enormes, sem as mudanças, no modo de compreender o

SEA, que levariam mais e mais a uma escrita como as dos indivíduos já alfabetizados.

(PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 03, página 17)

Como se percebe o SEA é de novo ressaltado e se afirma o quanto ele é complexo e

possui regras próprias de funcionamento, exigindo de seus usuários conhecimentos de

natureza linguística e estruturais. Assim, se invoca a necessidade de a criança desenvolver a

"Consciência Fonológica" para que possa vir a refletir sobre as partes sonoras das palavras.

Para desenvolver mais rapidamente essa consciência é preciso que o professor proponha

brincadeiras com a língua, tais como adedonha, forca, palavras cruzadas, jogos em geral de

montar e desmontar palavras, trava-língua, parlendas entre outras. É preciso que a criança

assuma diante das palavras a atitude metacognitiva refletindo sobre a dimensão sonora das

palavras.

Os demais Cadernos do Ano 01 trazem a reflexão sobre o ensino na diversidade, isto

é, sugere um trabalho que atenda a todos nas diferentes fases de escrita em que se encontram,

apresentando como exemplo, relatos de experiências de professores da região nordeste, em

especial de Pernambuco, projetos didáticos e sequências realizadas por esses professores.

Em sua maioria, as atividades apresentadas, trazem uma concepção subjacente a do

sujeito ativo que domina o próprio sistema linguístico e raciocina sobre ele, tendo a

capacidade de manipulá-lo de acordo com sua vontade; o que contraria os estudos de Saussure

(1974, p.81) sobre a arbitrariedade do signo, conforme explicitado na passagem, "O laço que

une o significante ao significado é arbitrário ou então, visto que entendemos por signo o total

resultante da associação de um significante com um significado, podemos dizer mais

simplesmente: o signo linguístico é arbitrário."

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Diante dessa consideração de que o signo é arbitrário, a criança para se apropriar da

escrita precisa ter acesso aos conhecimentos já consolidados sobre a língua e nessa lógica vai

produzindo sua escrita.

2.4 O Caderno do Ano 02, Unidade 02

Este caderno explicita o planejamento de forma mais aprofundada. Ele indica a

necessidade de o professor estabelecer um quadro de rotina para a organização do tempo

pedagógico para garantir o trabalho com cada eixo de ensino, conforme o exemplo a seguir:

Tabela 9: Quadro de rotina

Fonte: (PNAIC. Caderno Ano 02, Unidade 02, página 14)

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Conforme se observa, o Caderno ressalta a importância de o professor adotar quadros

de rotinas considerando os objetivos didáticos, os diversos tipos de organização do trabalho,

as características e interação do grupo. Essa rotina é estruturada dessa forma, pois em uma

perspectiva sociointeracionista, os eixos centrais do ensino da língua materna são a

compreensão e a produção de textos. Nessas atividades, convergem de forma

indissociável fatores linguísticos, sociais e culturais. Nelas, os interlocutores são

participantes de um processo de interação, e, para isso, precisam ter domínio da

mesma língua e compartilharem as situações e as formas como os discursos se

organizam, considerando seus propósitos de usos e os diversos contextos sociais e

culturais em que estão inseridos.(PNAIC. Caderno Ano 02, Unidade 05, página 06)

Nota-se mais uma vez, a defesa de uma perspectiva que concebe a linguagem como

transparente, esquecendo mesmo de problematizar a suposta interação entre interlocutores. De

novo, transmitem a ideia de uma transparência significante, como se numa interlocução fosse

possível cercear os vários discursos que estão em jogo.

Os demais Cadernos do Ano 02 retomam os temas descritos nos Cadernos do Ano 01,

revelando o conceito de avaliação para o Programa, explicado do seguinte modo

A concepção de avaliação que adotamos parte da defesa de não repetência,

considerando o processo avaliativo não como instrumento de exclusão, mas

caracterizando-o como contínuo, inclusivo, regulador, prognóstico, diagnóstico,

emancipatório, mediador, qualitativo, dialético, dialógico, informativo, formativo-

regulador. (PNAIC. Caderno Ano 02, Unidade 01, página 19)

A concepção de avaliação adotada pelo PNAIC não é o foco de reflexão deste

trabalho, assim não nos deteremos na explicitação do que o Caderno traz sobre o que se

entende por cada caracterização.

Os demais Cadernos do Ano 2 apresentam mais relatos de experiências, sugestões de

jogos e de livros literários a serem utilizados pelo professor alfabetizador, além de vários

projetos, sequências didáticas e demais atividades realizadas por professores de Pernambuco.

São contribuições interessantes que podem auxiliar os professores na reflexão de sua própria

prática, mas ainda assim nota-se o quanto estão submetidas às ideias da psicogênese da escrita

e suas implicações em relação às concepções de sujeito, linguagem e língua descritas nos

cadernos anteriores.

2.5 Caderno do Ano 03, Unidade 02

Neste caderno há orientações para o trabalho em sala de aula. Apresenta uma rotina e

lista algumas dimensões do ensino a que os professores devem ficar atentos, como por

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exemplo, o domínio dos conhecimentos linguísticos sobre o SEA, as convenções ortográficas

e também aos dispositivos de coesão textual, pontuação, paragrafação e concordância. No que

se refere à análise linguística, se ressalta a caracterização e reflexão sobre gêneros e suportes

linguísticos para a constituição de efeitos de sentido em textos orais e escritos.

O Caderno Ano 03, Unidade 03, mais uma vez traz alguns princípios que constituem o

SEA e que, de acordo com os autores, necessitam ser compreendidos/dominados pelas

crianças para que elas se apropriem da escrita.

Tabela 10: Princípios que constituem o SEA

Fonte: (PNAIC. Caderno Ano 03, Unidade 03, página 08)

Como nos Cadernos anteriores, reforça o pressuposto de que para ler e escrever uma

criança precisa desenvolver a consciência fonológica. Novamente reforça o trabalho com as

atividades metalinguísticas que são as atividades de reflexão sobre a linguagem e seu uso.

Para justificar esse entendimento, busca apoio teórico nos trabalhos realizados pela linguista

brasileira Stella Maris Bortoni-Ricardo (2004). Nesses estudos há um entendimento de que a

língua cumpre uma função na interação social e que os indivíduos envolvidos participam

ativamente, elaborando enunciados para atender suas finalidades comunicativas.

Conforme explicitado na citação do Caderno, o que cabe à escola é facilitar a

ampliação da competência comunicativa dos alunos, permitindo-lhes apropriarem-se dos

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recursos comunicativos necessários para se desempenharem bem, e com segurança, nas mais

distintas tarefas linguísticas. (PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 02, página 11).

No entanto, tal postura de concepção linguística salientada pelo PNAIC, demonstra o

peso da tradição logofonocêntrica, de acordo com Borges (2006), que se fundamenta na noção

de representação, noção esta que requer um retorno ao Curso de Linguística Geral para sua

desconstrução, quando Saussure (1974, p. 24) esclarece que ao valor do signo linguístico onde

à escrita, reabilitada, é atribuído um lugar entre outros sistemas, ao lado do alfabeto dos

surdos-mudos, dos ritos simbólicos, das formas de polidez, dos signos militares, etc.

2.6 O Caderno do Ano 03, Unidade 03

Este Caderno traz sugestões de trabalho para o ensino da ortografia, mostrando

projetos e sequências didáticas desenvolvidas por professores e que foram consideradas bem

sucedidas para o aprendizado das regularidades e irregularidades das regras ortográficas, pois

para conseguir ler com autonomia, as crianças necessitam dominar as relações letra-som, ou

seja, desenvolver um automatismo tanto na leitura como na escrita de palavras, frases e

textos. (PNAIC, Caderno Ano 03, Unidade 03, página 10). Para o alcance do domínio do

SEA, são sugeridas a realização pelo professor de atividades, de acordo com o orientado

Outras atividades podem ajudar os alunos a pensarem na sequência de letras que

serão utilizadas, como por exemplo, atividades de cruzadinha, caça-palavras,

exploração da ordem alfabética, escrita de palavras com uso do alfabeto móvel ou

silabário e de textos que permitam a reflexão de uma determinada letra ou sílaba

(trava-línguas, parlendas, cantigas); jogos envolvendo leitura e escrita de palavras.

(PNAIC. Caderno Ano 03, Unidade 03, página 10)

Mais uma vez, nota-se a defesa de uma perspectiva de sujeito ativo, sem considerar as

estruturas linguísticas. Além das atividades de relação letra-som, apresenta sugestões de

trabalho com os diferentes gêneros. É necessário um trabalho progressivo e aprofundado com

os gêneros textuais orais e escritos, envolvendo situações em que essa extrapolação faça

sentido. (PNAIC. Caderno Ano 03, Unidade 05, página 07).

O Caderno afirma que as práticas de linguagem são mediadas por instrumentos

culturais e históricos, ou seja, por gêneros textuais e se a escola investe no ensino dos gêneros

estará facilitando a apropriação dos usos da língua. A defesa é a de que em todas as etapas da

escolaridade, sejam realizados estudos sistemáticos dos gêneros, organizados em onze grupos:

textos literários ficcionais; textos do patrimônio oral, poemas e letras de músicas; textos com

a finalidade de registrar e analisar as ações humanas individuais e coletivas e contribuir para

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que as experiências sejam guardadas na memória das pessoas; textos com a finalidade de

construir e fazer circular entre as pessoas o conhecimento escolar/científico; textos com a

finalidade de debater temas que suscitam pontos de vista diferentes, buscando o

convencimento do outro; textos com a finalidade de divulgar produtos e/ou serviços - e

promover campanhas educativas no setor da publicidade; textos com a finalidade de orientar e

prescrever formas de realizar atividades diversas ou formas de agir em determinados eventos;

textos com a finalidade de orientar a organização do tempo e do espaço nas atividades

individuais e coletivas necessárias à vida em sociedade; textos com a finalidade de mediar as

ações institucionais; textos epistolares utilizados para as mais diversas finalidades e textos não

verbais.

Os demais Cadernos desse ano discutem a importância do brincar para que a criança

aprenda em um ambiente lúdico e por isso indica a necessidade da diversificação das

atividades. O lúdico é bastante defendido, conforme o trecho a seguir:

Do ponto de vista físico, cognitivo e social as brincadeiras trazem grandes

benefícios para a criança. Como benefício físico, o lúdico satisfaz as necessidades

de crescimento da criança, de desenvolvimento das habilidades motoras, de

expressão corporal. No que diz respeito aos benefícios cognitivos, brincar contribui

para a desinibição, produzindo uma excitação intelectual altamente estimulante,

desenvolve habilidades perceptuais, como atenção, desenvolve habilidades de

memória, dentre outras. Em relação aos benefícios sociais, a criança, por meio do

lúdico, representa situações que simbolizam uma realidade que ainda não pode

alcançar e aprendem a interagir com as pessoas, compartilhando, cedendo às

vontades dos colegas, recebendo e dispensando atenção aos seus pares. Aprendem

ainda a respeitar e a serem respeitadas. Do ponto de vista didático, as brincadeiras

promovem situações em que as crianças aprendem conceitos, atitudes e

desenvolvem habilidades diversas, integrando aspectos cognitivos, sociais e físicos.

Podem motivar as crianças para se envolverem nas atividades e despertam seu

interesse pelos conteúdos curriculares.

(PNAIC. Caderno Ano 01, Unidade 04, página 07)

De fato, a atividade lúdica produz efeitos nos sujeitos e nas suas relações com o

mundo e, nesse sentido, é bastante produtivo pensar em situações de leitura e escrita em que

este componente esteja presente. Para Carvalho (2011), as brincadeiras e os jogos são

abordados de uma outra perspectiva,

a fala, a brincadeira, o jogo e até mesmo a escrita podem oferecer possibilidade de

elaboração de uma posição subjetiva na articulação entre o real, o simbólico e o

imaginário, pois para a psicanálise, a ordenação dessas dimensões produz efeitos

tanto no sujeito quanto nas relações com o mundo.(CARVALHO, 2011, p.09)

Portanto, o brincar com seus pares no ambiente escolar, possibilita o sujeito a

constituir-se em sua subjetividade.

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CAPÍTULO III - O TRABALHO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR: A

APROPRIAÇÃO DA ESCRITA COMO PROCESSO DE ELABORAÇÃO

Seria possível o trabalho com a alfabetização com a pretensão de apropriação do

sistema de escrita pelos alunos através de um processo elaborativo? Ler e escrever acontece

de forma natural? Como o professor poderia auxiliar o aluno nesse processo? Sílvio Donizetti

de Oliveira Gallo - pedagogo e filósofo brasileiro - (2006), entende que é possível uma prática

educativa diferenciada se o professor se arriscar a tal. Pondera esse autor que,

se as instituições escolares modernas foram construídas como espaços de

subjetivação pela sujeição, é nas práticas desviantes daqueles que escolhem correr os

riscos de produzir experiências de liberdade no cotidiano da escola, inventando uma

prática educativa que toma como princípio ético a estetização da existência, que

reside a possibilidade de resistência e criação. (GALLO, 2006, p.188)

Pensando numa prática educativa que não se sujeita a projetos de governos marcados

por práticas de assujeitamentos e que privilegiem a relação de reciprocidade entre professor e

estudantes, em conformidade com Gallo, será necessário o enfrentamento dos problemas dos

saberes atravessados nas relações de poder e na condução do fazer pedagógico da sala de aula.

Em relação ao papel do professor no processo de aquisição da escrita, Burgarelli

(2012) afirma que,

…mais do que ensinar, a sua função é endereçar à criança o seu desejo, desejo do

Outro, desejo de que ela deseje aprender. Para essa função, há, no entanto, um

limite, e é imprescindível que este entre na conta: de nada adiantarão suas

demonstrações, suas exigências, suas correções, seus encadeamentos discursivos, se

esses não forem tomados como questões pelo próprio sujeito, que, embora tenha

como única opção dirigir-se a um saber que vem do Outro, só poderá deslanchar se o

tomar como percurso singular. Algo lhe é demandado, mas essa demanda tem que

ser subjetivamente interpretada. Aí sim haverá a possibilidade de advir um estilo,

isto é, a marca do sujeito no texto. (BURGARELLI. 2012, p. 24)

O professor pode e deve criar situações que contribua para instaurar um processo de

criação, de autoria e elaboração, pois penetrar no mundo simbólico da escrita não é um

processo natural, demanda esforço singular na relação com o Outro na busca de produção de

significados, conforme explicitado na citação anterior. Para que o processo de elaboração

aconteça, o transitar pelos diferentes tipos de experiências com a leitura e a escrita é fator

essencial para a inserção da criança em seus simbolismos.

O PNAIC prevê a aquisição da escrita como um direito do aluno e propõe o trabalho

pedagógico em sala de aula voltado para o estudo dos diversos conteúdos curriculares através

dos gêneros textuais. Conforme explicado nos Cadernos do Programa:

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É preciso entender as práticas culturais, ser capaz de construir conhecimentos e

participar de modo ativo nos diferentes espaços de interlocução, defendendo

princípios e valores. Desde cedo, o acesso aos diferentes gêneros discursivos

contribui para que os estudantes possam se perceber como sujeitos políticos

possuidores de cultura, e, como tais, sejam agentes de intervenção social,

responsáveis pelas suas ações e dos que compõem seus grupos de referência. Desse

modo, o ensino da leitura, da escrita e da oralidade precisa ser realizado de modo

integrado aos diferentes componentes curriculares: Língua Portuguesa, Arte,

Educação Física, História, Geografia, Matemática, Ciências. (PNAIC. Caderno de

Apresentação, 2012, p.26)

Há uma demonstração, na citação anterior, de preocupação com a integração das

diferentes áreas do conhecimento, orientando que o uso do texto deve propiciar a

interdisciplinaridade, interligando os conteúdos a serem estudados nos diversos componentes

curriculares através de uma temática buscando o despertar de um sujeito crítico, reflexivo e

politizado, tomando como ponto de partida os textos.

Os documentos do PNAIC evidenciam ainda que os temas estudados, além de

interdisciplinar, devem ser o ponto de partida para o ensino do sistema de escrita alfabética,

relembrando que o SEA é visto como um sistema notacional, que precisa ser refletido pelo

aprendiz para ser internalizado, revelando um sujeito cognoscente que age sobre o objeto de

conhecimento. Para isso, o Programa almeja um ambiente escolar com os pressupostos de que

a escola:

É um espaço de apropriação dos conhecimentos sobre o mundo físico e social; é uma esfera de interlocução que, ao mesmo tempo que tem por finalidade gerar

situações que favoreçam os processos de ensino e aprendizagem dos conceitos

construídos pelo mundo da ciência, se constitui como lócus de desenvolvimento

pessoal e social, em que se difundem valores e princípios de convivência; é um

ambiente em que se pensa sobre as relações com a natureza, com o outro e consigo

mesmo; é uma instituição que promove a socialização dos instrumentos de

compreensão e de transformação da realidade.

(PNAIC. Ano 1, Unidade 8, 2012, p. 07)

Há nesta citação, de forma explicita, uma das funções da escola: difundir valores e

princípios de convivência, porém, quais valores seriam? Aqueles mantenedores da ordem

social vigente? Como construir um programa de curso que daria condições de participação

efetiva dos professores? Seria convocando-os para uma formação que problematize seu

próprio exercício de docência?

Entendendo que assim como as crianças devem ter os direitos de aprendizagens

assegurados, o professor também tem o direito de aprender, desta forma, é direito do professor

ter acesso aos conhecimentos das novas pesquisas publicadas na sua área de atuação, assim

como é seu direito ter acesso aos referenciais bibliográficos e de participar de formação

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continuada junto a seus pares, pois desta forma poderá ele próprio se tornar um professor

investigador, pesquisador e com propriedade para exercer a sua função. Nesta perspectiva é

que sugerimos neste trabalho uma proposta de formação continuada para a Rede Estadual de

Ensino do Estado de Goiás, possível de ser executada.

3.1 Proposta de Curso de Formação Continuada para os Professores Alfabetizadores

Ao pensar em uma proposta de curso de formação continuada para os professores

alfabetizadores de Goiás, o intuito é o de apresentar teorias e pesquisas pouco divulgadas

pelas instituições de ensino superior, mídia e pelo MEC. Ao longo de trinta e dois anos

atuando na Rede Estadual, como professora alfabetizadora e participante da maioria dos

cursos de formação continuada oferecidos pelo MEC e Governo Estadual, geralmente como

formadora na maioria deles, não tive a oportunidade de conhecer os trabalhos que focassem

questões teórico-metodológicas sobre sujeito, linguagem e língua e ao mesmo tempo

incentivassem professores a buscarem autonomia na experiência docente.

Conforme Magda Soares (2016), não há um único método para alfabetizar, a questão

não é metodológica e sim conceitual, daí a importância de um curso que abranja outras teorias

que não apenas a da psicogênese do processo de aquisição da língua escrita, pois é direito do

professor conhecer as várias vertentes de pesquisas para se posicionar e construir sua

docência.

Os professores alfabetizadores atuantes em sala de aula, geralmente não dispõem de

tempo para se dedicarem à pesquisa como gostariam, ficando à margem dos resultados de

pesquisas divulgados em sua área de atuação. Isso não significa que eles não se preocupam

com a sua formação intelectual, ao contrário, tanto se preocupam que se inscrevem e

participam dos cursos de formação continuada oferecidos pelos órgãos competentes. Embora

ainda em número insuficiente, há muitos professores cursando mestrado e cursos que

oferecem uma perspectiva diferenciada de formação que não seja tão redutora e amplie as

discussões que privilegiam o conhecimento em suas mais variadas visões.

Diante do exposto, propomos o curso que será apresentado a seguir; a ideia é investir

na capacidade de o professor buscar seu próprio caminho, a partir de uma reflexão sobre a

alfabetização e o que ela implica, por meio de autores e pesquisas que problematizam a

escola, o sujeito, a linguagem e o conhecimento. Questões que na maioria dos cursos de

formação não aparecem, prevalecendo mais o treinamento de material apostilado com vistas

no bom rendimento dos alunos nas avaliações externas. Esta proposta porém, prima pelo

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investimento na compreensão autônoma do professor alfabetizador, para que este possa ser o

verdadeiro autor de sua prática pedagógica.

CURSO: FORMAÇÃO DO PROFESSOR E ALFABETIZAÇÃO

EIXO: Formação Continuada dos Professores Alfabetizadores

EXECUÇÃO: Governo de Goiás - Secretaria Estadual de Educação

COORDENAÇÃO: Escola de Formação da SEDUCE - Secretaria Estadual de Educação e

Cultura

PERÍODO: Será designado pela Escola de Formação, após aprovação pelo CEE - Conselho

Estadual de Educação e conforme estipulação do período pelo Superintendente de Inteligência

e Formação da SEDUCE.

CUSTOS: Será calculado de acordo com o quantitativo de professores a serem atendidos.

CARGA HORÁRIA: 64 horas

EMENTA: Formação de professores: Sentido(s) da escola e problematização da experiência

docente. O estatuto do sujeito e sua relação com o saber. A escrita e suas implicações de

alteridade. Experiências formativas de leitura e escrita.

JUSTIFICATIVA: Pesquisas e sistemas de avaliação que têm procurado aferir os níveis de

desempenho dos alunos na escola brasileira vêm indicando que, no caso do ensino

fundamental, a escola não tem cumprido adequadamente sua tarefa de promover a

aprendizagem dos alunos. Focalizando a aprendizagem nas séries iniciais, essas pesquisas e

avaliações têm revelado também que a instituição escolar não tem conseguido ensinar

efetivamente os alunos a ler e a escrever. Dados oficiais reforçam essa evidência ao constatar

que aproximadamente metade das crianças que entra na primeira série do ensino fundamental

não é aprovada, no final do ano, para a série seguinte.

Diante dessa realidade, a última década dos anos 90 foi marcada pela preocupação

com a superação desse problema, em particular com as condições necessárias para assegurar o

direito de crianças às aprendizagens necessárias ao desenvolvimento de suas capacidades.

No que se refere à política de formação de professores, tem ficado cada vez mais clara

a necessidade de se aliar a uma formação inicial sólida, a implementação de uma nova política

de formação continuada. Nessa perspectiva, entre outras ações, faz-se necessária a oferta, por

parte do Governo Estadual, de um curso que problematize questões sobre a escola, o sujeito, a

linguagem e o conhecimento na alfabetização afim de contribuir na formação de professores

alfabetizadores do Estado de Goiás, visto que nem sempre os cursos oferecem essa discussão.

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Assim será apresentado ao Governo Estadual, por meio da Escola de Formação da

Secretaria de Educação de Goiás, o curso FORMAÇÃO DE PROFESSORES E

ALFABETIZAÇÃO na aposta de que ele contribuirá no desenvolvimento profissional dos

professores alfabetizadores. O Programa será destinado prioritariamente a professores que

atuam na educação infantil, coordenadores pedagógicos, professores do 1º ao 5º ano e também

extensivo, caso haja vaga, para os professores que atuam (ou desejam atuar) com classes de

alfabetização.

A implementação do Curso no Estado ficará sob a responsabilidade de uma equipe

composta por Técnicos e Professores Formadores da Escola de Formação do Estado de Goiás,

após aprovado pelo Superintendente de Inteligência Pedagógica e Formação, por ser este o

responsável pelas ações da Escola de Formação da SEDUCE. O Programa será desenvolvido

em regime de parceria entre SEDUCE e municípios parceiros, pois a ideia é a de formação em

Rede, isto é, os primeiros cursistas formados serão disseminadores em seus municípios.

O Programa é composto por módulos, com previsão de horas de trabalho presencial e

horas destinadas a trabalho pessoal. Será desenvolvido em 17 semanas com quatro horas

semanais de atividades. A proposta consiste em realizar encontros presenciais semanais de

três horas de duração e uma hora de trabalho pessoal, totalizando quatro horas de encontro,

durante 17 semanas.

O curso totaliza 64 horas, distribuídas em quatro módulos, com 75% do tempo

destinado à formação em grupo e 25% do tempo destinado ao trabalho pessoal: estudo e

produção de textos e materiais que serão socializados no grupo ou entregues ao coordenador,

tendo em vista a avaliação. Ao término do curso, os participantes com frequência adequada e

que tiverem realizado todas as tarefas propostas receberão um certificado emitido pela

Secretaria Estadual de Educação, registrado com o número da Resolução do Conselho

Estadual de Educação, ao qual essa proposta será submetida para ser aprovada e os

certificados assegurados.

Os professores formadores e responsáveis pela coordenação geral do curso

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E ALFABETIZAÇÃO receberão o certificado,

considerando que estarão desenvolvendo as atividades de estudo previstas no Curso, sendo:

certificado de Professor Formador e certificado de Coordenador Geral. Será observado para

expedição dos certificados a presença dos professores, nas etapas desenvolvidas. O certificado

será de acordo com a carga horária do participante, considerando 75% de frequência e

conceito de aproveitamento.

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A metodologia utilizada no curso será a de desenvolver atividades de formação a partir

de unidades que se orientam por duas finalidades básicas: a ampliação do universo de

conhecimento dos professores cursistas sobre alfabetização e a reflexão sobre a prática

profissional. Do ponto de vista metodológico, apoiam-se fundamentalmente em estratégias de

resolução de situações-problema: análise de produções de alunos, simulação, como também,

planejamento de situações didáticas, análise da adequação de uma dada atividade

considerando um grupo específico de alunos, comparação de atividades em relação aos

objetivos e discussão das implicações pedagógicas dos textos teóricos estudados.

OBJETIVOS:

Geral: Implementar uma política de desenvolvimento profissional para os professores

que trabalham nas classes de alfabetização do Estado de Goiás para contribuir na qualidade do

ensino.

Específicos: Constituir grupos de formação permanente de professores alfabetizadores

de crianças afim de favorecer uma rede de troca de experiência profissional. Propiciar

encontros de aprofundamento de conteúdo e procedimentos didáticos para professores

alfabetizadores, através da vivência dos módulos propostos em estudos em grupo e em

trabalhos individuais.

CONTEÚDOS:

• Formação de professores: Sentido(s) da escola e problematização da experiência

docente.

• O estatuto do sujeito e sua relação com o saber.

• A escrita e suas implicações de alteridade.

• Experiências formativas de leitura e escrita.

MÓDULOS:

Módulo 1:

• Tema 1: Formação de professores: Sentido(s) da escola e problematização da

experiência docente.

Módulo 2:

• Tema 1: O estatuto do sujeito e sua relação com o saber.

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Módulo 3:

• Tema 1: A escrita e suas implicações de alteridade.

Módulo 4:

• Tema 1: Experiências formativas de leitura e escrita.

METODOLOGIA DA FORMAÇÃO:

• Exposição dialogada de textos com o uso de slides.

• Apreciação e análise de vídeos e imagens.

• Atividades em grupo.

• Estudo de caso.

• Debates.

• Registros escritos de análises e sínteses das discussões.

• Problematização na busca coletiva de soluções, a teoria como fonte de informação

para interpretar e reconstruir a prática pedagógica de alfabetização.

• Proposta de leituras orientadas.

ESTRUTURA DOS ENCONTROS:

De modo geral, as atividades propostas variam, mas têm como orientação

metodológica geral a tematização da prática dos professores, o planejamento, o intercâmbio a

partir do conhecimento experiencial que possuem, a discussão das necessidades/dificuldades

que enfrentam no trabalho pedagógico e principalmente, a leitura de textos para conhecimento

e apropriação das discussões teórico-metodológicas abordadas na bibliografia indicada.

AVALIAÇÃO:

A avaliação proposta no curso é processual e será centrada nos questionamentos

elaborados pelos professores alfabetizadores a partir da bibliografia estudada. A avaliação

será feita especialmente por meio da análise da participação e do envolvimento do professor

durante o curso, na realização das tarefas propostas ao longo da unidade, no trabalho pessoal e

na discussão feita sobre essas tarefas no momento da rede de ideias.

No final do curso haverá o Seminário de Encerramento em que os cursistas farão

apresentações temáticas com as questões teórico-metodológicas apresentadas durante o

processo. É importante salientar que os textos teóricos que embasam o curso serão retirados

dos livros listados nas referências bibliográficas e o entendimento dos mesmos é que servirão

de critérios avaliativos.

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CARGA HORÁRIA DO CURSO:

PROGRAMAÇÃO CARGA HORÁRIA

Módulo 1: Formação de professores: Sentido(s) da escola e

problematização da experiência docente

16h

Módulo 2: O estatuto do sujeito e sua relação com o saber. 16h

Módulo 3: A escrita e suas implicações de alteridade. 16h

Módulo 4: Experiências formativas de leitura e escrita. 16h

Seminário de Avaliação e troca de experiências 4h

REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS DO CURSO

BORGES, Sônia. O quebra-cabeça: a alfabetização depois de Lacan. Goiânia. Ed. da UCG,

2006.

BURGARELLI, Giovani Cristóvão. Linguagem e Escrita: por uma concepção que inclua o

corpo. Goiânia: Ed. da UCG, 2005.

CARVALHO, M.A.S. Escrita, repetição e elaboração. Tese(Doutorado em Educação)

Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás, Goiânia. 2011.

COÊLHO, Ildeu Moreira. (organizador) Escritos sobre o sentido da escola. Campinas, SP.

Mercado das Letras, 2012.

GERALDI, João Wanderley. A aula como acontecimento. In A aula como acontecimento.

São Carlos, Pedro & João Editores, 2015.

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Revista da Faculdade de Educação da UFG, Goiânia, v.37, p.37-50, jan - junho. 2012.

LEMOS, Cláudia T. G. Os processos metafóricos e metonímicos como mecanismo de

mudança. Sustratum, Porto Alegre, v.l, n.3, 1997.

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Alfabetização e Letramento: Perspectivas Linguísticas. Campinas, São Paulo. Mercado

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MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfabetização: (São Paulo/1876-

1994). São Paulo, UNESP, 2000.

SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. 6. ed.São Paulo, Cultrix, 1974.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste estudo foi realizada uma reflexão teórico-metodológica sobre os

Cadernos do PNAIC e suas implicações para a prática do professor alfabetizador. As

concepções de alfabetização foram revisitadas e uma abordagem teórica que permitiu uma

análise mais acurada do Programa foi salientada ao longo dos capítulos. Ou seja, tentou-se

salientar estudos que procuram tirar implicações dos campos da psicanálise lacaniana e da

linguística, já que discutem questões fundamentais para o exercício de uma docência ética e

responsável.

O PNAIC, conforme a análise realizada nesta dissertação, apresenta uma proposta de

didatização da alfabetização a partir da interação, de jogos e atividades que despertem a

consciência fonológica por meio da dinamização/sistematização do sistema de escrita

alfabético. De acordo com Morais (2012, p.181): Ensinar de forma cuidadosa e explícita o

sistema de escrita alfabética se coloca hoje como uma medida urgente para reinventarmos as

metodologias de alfabetização que usamos em nosso país. Entretanto, essa abordagem não

observa o funcionamento da língua, que em sua materialidade é complexa, pois seus

elementos não são possíveis de serem positivados, já que como diz Saussure (1974, p.139) na

língua só existem diferenças, ela é pura diferença, sem termos positivos. Seus elementos não

são transparentes e seu funcionamento precede o sujeito. Assim, há de se considerar que o

trabalho com a língua se pauta na imersão dos discursos em circulação, entretanto não há

garantia de apropriação. O fato de assegurar o domínio do SEA não significaria ler e escrever

plenamente, como defende os Cadernos de linguagem.

Nos Cadernos, a apropriação da leitura e da escrita é colocada como um dos direitos

prioritários da criança e obrigação da escola, assim como as habilidades mínimas dos

componentes curriculares, com base no Artigo 32 da Lei 9.394/96, Art. 32. Também explicita

que o ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola

pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do

cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006) I - o desenvolvimento da

capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do

cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,

das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da

capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a

formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de

solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

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Os direitos registrados no Programa são, de fato, direitos das crianças, não podendo a

escola se negar a aplicá-los, porém os aspectos teóricos conceituais que são orientados para o

trabalho do professor precisam ser revistos, pois como defende Carvalho,

está em jogo, no processo de alfabetização, não só uma questão de ensino-

aprendizagem, mas a própria existência do sujeito, a condição de construir uma

subjetividade. Se há particularidades na escrita das crianças elas decorrem da

alteridade em construção, não dependem de maturação e ou mesmo do

desenvolvimento de um sistema psíquico autônomo, perspectiva ainda dominante.

(CARVALHO, 2011, p.33)

Os pacotes fechados de programas enviados pelos governantes com o intuito de

subsidiar o professor, na verdade produz um efeito de direcionamento, induz o trabalho de

acordo com os interesses políticos vigentes, retirando do professor sua autonomia e fazendo

dele um tarefeiro. O PNAIC, conforme nossa análise, poderia ser incluído como exemplo,

pois está organizado como tal e reduz as questões da alfabetização à metodologia. Ao tratar a

alfabetização desse modo, não se diferencia muito das discussões do século passado em que

os grandes educadores enxergavam o processo de aprendizagem da língua escrita como uma

questão do melhor método aplicado pelo educador, conforme estudo da pesquisadora

brasileira Maria do Rosário Longo Mortatti (2000)8.

Além disso, ao propagar uma visão psicologizante da criança, afirmando que a mesma

depende de fases de desenvolvimento para poder apreender determinado conhecimento não

questiona o papel da linguagem no Inconsciente. Ademais, privilegia apenas uma linha de

investigação sobre a alfabetização, essa linha de estudo, não abre o leque de informações para

que os professores conheçam os diversos estudos e as visões diferentes acerca do modo como

a alfabetização se processa.

Os objetivos e intencionalidades lidos nas entrelinhas do Programa é de uma

implementação cognitivista do processo de apropriação da língua escrita, pois os elaboradores

dos Cadernos têm como base teórica os cognitivistas Piaget, Vygotsky, Emília Ferreiro, Ana

Teberosky, Telma Ferraz, Artur Gomes Morais e demais professores da Universidade de

Pernambuco que defendem essa linha de pensamento.

Os trabalhos desenvolvidos por Borges (2006), Burgarelli (2012), Carvalho (2011),

dentre outros, mostram outro olhar sobre o processo de aquisição da linguagem oral e da

8Mortatti (2000) divide a história da alfabetização e, conseqüentemente, dos métodos de alfabetização em

momentos: no século XIX, o que predominava era o método sintético, já no final do século XIX e início do

século XX, o método analítico apresentava uma nova maneira de ensinar a leitura. Nos anos 1980 foi introduzido

o pensamento construtivista com base na psicogênese de Ferreiro e Teberosky.

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linguagem escrita, apontando diversas implicações que precisariam ser discutidas para se

constituir uma prática docente que colaborasse com o acesso ao mundo letrado de milhões de

crianças brasileiras.

Espera-se que a proposta de curso em que este estudo culminou possa ser aproveitada

pelos dirigentes que estão no comando da Secretaria de Educação de Goiás e partilhada entre

os professores alfabetizadores para a ampliação do olhar sobre (sob) a escrita dos alunos em

seu processo elaborativo, bem como permitir ao professor a autenticidade de criação e

também sua responsabilização pelo processo educativo.

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REFERÊNCIAS

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Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Brasília. MEC/SEF, 2012.

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: formação do professor alfabetizador:

caderno de apresentação/Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,

Diretoria de apoio à Gestão Educacional. Brasília. MEC/SEB, 2012.

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: Currículo na alfabetização: concepções e

princípios: ano 01: unidade: 01 / Ministério da Educação, Secretaria de Educação

Básica, Diretoria de apoio à Gestão Educacional. Brasília. MEC/SEB, 2012.

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: planejamento escolar: alfabetização e

ensino da língua portuguesa: ano 01: unidade: 02 / Ministério da Educação, Secretaria

de Educação Básica, Diretoria de apoio à Gestão Educacional. Brasília. MEC/SEB, 2012.

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: a aprendizagem do sistema de escrita

alfabética: ano 01: unidade: 03 / Ministério da Educação, Secretaria de Educação

Básica, Diretoria de apoio à Gestão Educacional. Brasília. MEC/SEB, 2012.

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional.Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: organização do trabalho docente para

promoção da aprendizagem: ano 01, unidade 08. Ministério da Educação. Brasília:

MEC/SEB, 2012.

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: a organização do planejamento e da rotina

no ciclo de alfabetização na perspectiva do letramento: ano 02, unidade 02. Ministério da

Educação. Brasília: MEC/SEB, 2012.

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto

Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: o último ano do ciclo de alfabetização:

consolidando conhecimentos: ano 03, unidade 03. Ministério da Educação. Brasília:

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BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:

introdução aos parâmetros curriculares nacionais/Secretaria de Educação

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