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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Bruno Gabriel de Melo Rico O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de Integridade Brasileiro MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Bruno Gabriel de Melo Rico

O papel da Controladoria-Geral da União

no Sistema de Integridade Brasileiro

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO

2014

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BRUNO GABRIEL DE MELO RICO

O papel da Controladoria-Geral da União

no Sistema de Integridade Brasileiro

Mestrado em Ciências Sociais.

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência para a obtenção do título

de Mestre em Ciências Sociais, sob orientação do

Professor Dr. Edison Nunes.

São Paulo

2014

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Errata:  “O  Papel  da  Controladoria-­‐Geral  da  União  no  Sistema  de  Integridade  Brasileiro”      Página   Onde  se  lê   Deveria  ler-­‐se  4   Banda  Examinadora   Banca  Examinadora  5   Nesta exposição, além de

observar tais atividades  Nesta análise, além de observar tais atividades  

12   Na  expressão  de  Olivieri  (2010,  p.  112)  

Na  expressão  de  servidor  entrevistado  por  Olivieri  (2010,  p.  11)  

13   Ao longo desta exposição, seguiremos o seguinte roteiro  

Ao longo desta análise, seguiremos o seguinte roteiro  

13   Obs:      14   Jorge  Hage  Sobrinho,  

ministro-­‐chefe  da  CGU  (ao  vivo,  em  Brasília,  no  dia  01/10/13)  

Jorge  Hage  Sobrinho,  ministro-­‐chefe  da  CGU  (presencial,  em  Brasília,  no  dia  01/10/13)  

14   Mário  Spinelli,  ministro  da  Secretaria  de  Transparência  e  Prevenção  da  Corrupção  (ao  vivo,  em  São  Paulo,  no  dia  02/04/14)  

Mário  Spinelli,  ministro  da  Secretaria  de  Transparência  e  Prevenção  da  Corrupção  (presencial,  em  São  Paulo,  no  dia  02/04/14)  

14   Ronald  Balbe,  diretor  de  Planejamento  da  Secretaria  Federal  de  Controle  –  (ao  vivo,  em  Brasília,  dia  01/10/13);  

Ronald  Balbe,  diretor  de  Planejamento  da  Secretaria  Federal  de  Controle  –  (presencial,  em  Brasília,  dia  01/10/13);  

16   “o monopólio do uso da força”  

“o monopólio do uso legítimo da força”  

31   Ao longo desta exposição, faremos primeiramente uma abordagem  

Ao longo desta análise, faremos primeiramente uma abordagem  

52   “a visão de que o importante, com a democratização, era se conhecer os 8 milhões de metros quadrados [do Brasil].  

“a visão de que o importante, com a democratização, era se conhecer os 8 milhões de metros (sic) quadrados [do Brasil].  

120   A exposição do capítulo 3 procurou reconhecer como o controle interno foi instrumentalizado para tais fins  

A análise do capítulo 3 procurou reconhecer como o controle interno foi instrumentalizado para tais fins  

125     BRESSER-PEREIRA,

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Luiz Carlos. Prefácio. in:

LOUREIRO, M.;

ABRUCIO, Luiz

Fernando; PACHECO,

Regina S. V. M.;. (Org.).

Burocracia e política no

Brasil: Desafios para o

Estado Democrático no

século XXI. 1 ed. Rio de

Janeiro: Editora FGV,

2010.

                     

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BANCA EXAMINADORA

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Aos meus pais, Elizabeth Rico e Luiz Gabriel Rico

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5

AGRADECIMENTOS

A pesquisa que deu suporte a esta dissertação foi financiada pelo CNPQ

durante dois anos. Tal apoio, obviamente, foi fundamental para a execução deste

trabalho.

Diversas pessoas também contribuíram direta ou indiretamente. Entre elas,

meus amigos, com quem troquei informações e opiniões que me ajudaram a organizar

o raciocínio que apresento adiante.

Aos meus pais, que sempre quando precisei, me acolheram e me deram o

suporte necessário. Não apenas durante esta pesquisa.

Agradeço ao Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da Universidade de

São Paulo, que adotou esta pesquisa como parte de seu projeto “Brasil, 25 anos de

democracia - Balanço Crítico: Políticas Públicas, Instituições, Sociedade Civil e

Cultura Política - 1988/2013.”. O excelente nível acadêmico dos pesquisadores, a boa

vontade em ajudar e a seriedade nos trabalhos inspiraram esta investigação. Em

especial, agradeço ao coordenador do núcleo, José Álvaro Moisés, que inspira pela

história de vida e pelo rigor.

Agradeço àqueles que compõem a Banda Examinadora deste trabalho, Cecília

Olivieri, Miguel Chaia e Edison Nunes, por acreditarem nesta investigação, e pelas

críticas durante a Banca de Qualificação, que balizaram com precisão os ajustes

finais.

Agradeço a meu orientador, Edison Nunes, por sua honestidade intelectual,

seu compromisso com a qualidade acadêmica, e por sempre me receber afavelmente,

seja para assuntos acadêmicos, seja para conversas descompromissadas, durante estes

pouco mais de dois anos.

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RESUMO

Dado que o combate à corrupção em Estados Democráticos de Direito depende

profundamente da habilidade e da cooperação entre órgãos do próprio Estado para

prevenirem e responsabilizarem atos ilícitos, esta pesquisa foca uma destas

instituições sob a ótica dos “freios e contrapesos”, tentando compreender seu papel no

chamado Sistema de Integridade Brasileiro. Criada em 2003 enquanto órgão assessor

da Presidência da República e composta por servidores das carreiras de controle

interno, a Controladoria-Geral da União (CGU) emergiu com relativa rapidez no

cenário brasileiro como uma típica agência anticorrupção. Com competências para

trabalhos de prevenção da corrupção, promoção de responsabilizações

administrativas, ouvidoria e controle interno, este órgão teve participação direta ou

indireta em atividades de aprofundamento dos controles democráticos do Estado.

Entre os resultados atingidos, figuram um expressivo crescimento de sanções

administrativas no âmbito do Poder Executivo Federal, o estabelecimento de uma

sistemática cooperação com outras instituições de accountability horizontal, a

contribuição na elaboração de leis relacionadas, e a participação em fóruns

internacionais. Nesta exposição, além de observar tais atividades, pretendemos

compreender como e por quê tais resultados foram obtidos. Defendemos a

interpretação de que, para isso, a CGU catalisou dispositivos já anteriormente

existentes, sendo o principal deles o novo sistema de controle interno do Executivo

Federal, inaugurado com a criação da Secretaria Federal de Controle Interno (SFC)

em 1994. A CGU teria instrumentalizado parte desses trabalhos para o tema aqui

abordado, de modo que as auditorias do controle interno passariam a subsidiar o

aprimoramento da prevenção, sanções administrativas e também trabalhos

investigativos de outros órgãos de accountability horizontal. Nos dois últimos

capítulos, problematiza-se ainda o fato aparentemente incomum de um órgão

tipicamente de controle interno passar a exercer tão importante papel no cenário de

freios e contrapesos do Estado Brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Accountability, Accountability Horizontal, Controladoria-

Geral da União, Controle Interno, Corrupção

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ABSTRACT

Given that the fight against corruption in Democratic Law States depends greatly on

the ability and cooperation between organs of the state itself to prevent unlawful acts,

this research focuses on one of these institutions from the perspective of "checks and

balances", trying to understand their role in the Web of Accountability Institutions of

Brazil. Established in 2003 as an advisory body to the Presidency and composed of

servers of the careers in internal control, CGU emerged relatively quickly in the

Brazilian scene as a typical anti-corruption agency. With skills to prevent corruption,

promote administrative accountabilities, ombudsman (“ouvidorias”) and internal

control, this body had direct or indirect participation in deepening democratic control

of the state activities. Among them include a significant increase of administrative

sanctions under the federal executive branch, establishing systematic cooperation with

other institutions of horizontal accountability, the contribution in the development of

related laws, and participation in international forums. In this exhibition, apart from

finding the main results achieved, we intend to understand how and why those results

were obtained. We advocate the interpretation that, for this, CGU catalyzed

previously existing devices, the main one being the new internal control system of the

Federal Executive, which starts with the creation of the Federal Bureau of Internal

Control (SFC) in 1994. CGU would instrumental part of these works to the topic

discussed here, so that audits of internal control would subsidize the improvement of

prevention, of administrative penalties and also of the investigative work of other

bodies of horizontal accountability. In the last two chapters, we still problematize the

seemingly unusual fact of an organ of internal control exercising such an important

role in the role of checks and balances of the Brazilian State.

KEYWORDS: Accountability, Horizontal Accountability, Controladoria-Geral da

União, Internal Controls, Corruption

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SUMÁRIO

Introdução.................................................................................................. 10

1. Marcos Teóricos e Metodologia.................................................................15

1.1 O que é corrupção? ....................................................................................15

1.2 Exemplos de corrupção...............................................................................18

1.3 O impacto da corrupção nas democracias................................................20

1.4 O combate da corrupção nas democracias................................................23

1.5 Avanços e déficits do combate à corrupção no Brasil ............................29

1.6 Objeto, objetivo e metodologia...................................................................31

2 O que é e o que faz a Controladoria-Geral da União...............................34

2.1 O contexto de criação do órgão..................................................................34

2.2 Estrutura e recursos ...................................................................................35

2.3 O que é e o que faz a secretaria Federal de Controle Interno.................43

3 A instrumentalização do controle interno para o combate à corrupção..51

3.1 Paradoxos do controle interno......................................................................51

3.2 A instrumentalização do controle interno para o combate à corrupção..57

4 Responsabilização administrativa da corrupção........................................62

4.1 Tomadas de Contas Especiais (TCEs) ........................................................62

4.1.2 O papel da CGU na certificação de TCEs...................................................71

4.1.3 O (baixo) ressarcimento à União..................................................................76

4.2 Processos Administrativo-Disciplinares (PADs) ........................................77

4.2.1 O que punem os PADs? ................................................................................82

4.2.2 Reversões judiciais de PADs.........................................................................84

4.2.3 O papel da Corregedoria-Geral da União...................................................85

4.3 Casos relacionados.........................................................................................88

4.4 Conclusões do capítulo...................................................................................91

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5 Cooperação com outros órgãos.....................................................................92

6 CGU, agência anticorrupção......................................................................103

6.1 Dedesenvolvimento do tema.......................................................................103

6.2 O papel da vontade política........................................................................107

7 Conclusão.....................................................................................................120

8 Referências Bibliográficas..........................................................................124

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INTRODUÇÃO

Focado no tema do combate à corrupção, este trabalho se dedica ao estudo de

um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União

(CGU). Criada em 2001 enquanto Corregedoria-Geral da União e rebatizada dois

anos depois com o atual nome, trata-se de órgão assessor da Presidência da República,

portanto situado na esfera do Executivo Federal, que desenvolve atualmente

atividades de controle interno, prevenção da corrupção, promoção da

responsabilização e ouvidoria.

A partir da compreensão de que o combate à corrupção em Estados

Democráticos de Direito depende profundamente da habilidade e da cooperação entre

órgãos do próprio Estado para prevenirem e responsabilizarem atos ilícitos, buscamos

interpretar as atividades deste órgão em relação à dinâmica política no interior do

Estado brasileiro.

Em comparação com outros órgãos que também exercem atividades de

accountability horizontal, dispõe de burocracia reduzida. Tem menor orçamento e

menos servidores que, por exemplo, o Ministério Público, a Polícia Federal e o

Tribunal de Contas da União. Além disso, diferentemente destes órgãos, não está

prevista na Constituição, tendo sido criada por Medida Provisória (2001)1 e Lei

Ordinária (2003)2. Também é menos poderosa em termos coercitivos. Suas

competências para instaurar processos de responsabilização resumem-se à dimensão

administrativa.

A despeito destas condições e dos poucos mais de dez anos de existência, se

tornou uma típica agência anticorrupção, sendo a principal porta-voz do tema no país

interna e externamente. É especialmente conhecida por seus trabalhos de fiscalização

in loco da execução de políticas públicas e pela implementação no âmbito do

Executivo Federal das leis de Transparência3 e de Acesso à Informação

4.

Internacionalmente, é a principal representante do país nos Fóruns internacionais,

tendo celebrado acordos junto à Organização das Nações Unidas (ONU), à

Organização dos Estados Americanos (OEA), à Organização para Cooperação e

Desenvolvimento Econômico (OCDE) e à Open Government Partnership.

1 Medida Provisória n° 2.143-31

2 Lei nº 10.683

3 Lei Complementar 131/2009

4 Lei nº 12.527

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Entre os trabalhos de fiscalização, destaca-se o Programa de Sorteios, onde a

execução de recursos federais em Estados e Municípios é auditada in loco. Mas

também promove diversas outras auditorias através de sua Secretaria Federal de

Controle Interno, que congrega entre 70% e 80% dos servidores e do orçamento do

órgão. Nos dez anos analisados neste trabalho, entre 2003 e 2012, quase 120 mil

ordens de serviço relativas a auditorias foram processadas. Destas, 68% referem-se a

trabalhos majoritariamente in loco.

A despeito de suas competências para a promoção de responsabilização

resumirem-se à esfera administrativa, contribui diretamente nesta área. Entre 2003 e

2012, um total de R$ 9,17 bilhões em documentos foram encaminhados pelo

Executivo Federal ao Tribunal de Contas da União a título de pedidos de

ressarcimentos ao erário5, com participação decisiva da CGU. No mesmo período,

através de sindicâncias, fez crescer o número de expulsões de servidores a partir de

trabalho da sua Corregedoria-Geral. Ao todo, 4.125 foram demitidos

compulsoriamente da administração pública devido a irregularidades. Do total, 66%

relacionam-se a casos de corrupção.

Veremos ao logo deste trabalho que tais resultados não são fortuitos. A

principal contribuição da CGU para o combate à corrupção no Estado Brasileiro até

então parece ter sido a de catalisar estruturas e competências já existentes através da

articulação de secretarias e órgãos. Nesse sentido, dois movimentos especialmente

relevantes foram estudados. Em primeiro lugar, a articulação entre suas próprias

secretarias, em especial a Secretaria Federal de Controle Interno e a Corregedoria-

Geral da União. Em linhas gerais, auditorias da primeira passaram a subsidiar a

instauração de procedimentos de responsabilização pela segunda.

Em segundo lugar, estas mesmas auditorias passaram a contribuir com

trabalhos de outros órgãos de accountability horizontal, em especial do Ministério

Público e da Policia Federal, embora não exclusivamente. Em dez anos, a CGU

realizou 8.612 auditorias a pedido de ambos e incorporou-se a 122 operações

especiais, sempre a partir de seu expertise no controle de contas. Entre as

consequências destes trabalhos, há casos em que titulares de ministérios caíram após

5 Esses pedidos são processados através do mecanismo de Tomadas de Contas Especiais, que serão

analisados em detalhes no capítulo 4.

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irregularidades flagradas. Entre eles, Alfredo Nascimento (Transportes/2011)6, Carlos

Lupi (Trabalho/2011)7, Wagner Rossi (Agricultura/2011)

8, Pedro Novais

(Turismo/2011), Orlando Silva (Esporte/2011)9, fora o secretário-executivo Paulo

Roberto Pinto (Trabalho/2013)10

e alguns flagrados em irregularidades que não

caíram, como Romero Jucá (Previdência/2005)11

.

Tais constatações trazem alguns desafios interpretativos. Em primeiro lugar,

não é comum, nas experiências internacionais, o controle interno se articular tão

ativamente nos trabalhos de combate à corrupção. Em geral, o trabalho é

descentralizado, realizando-se dentro dos próprios ministérios e agências, de modo

que o staff de auditores costuma se reportar ao titular das instituições que controlam,

dispondo de pouca autonomia perante o objeto controlado. No âmbito do Executivo

Federal Brasileiro, o quadro é diferente. O sistema tornou-se centralizado em torno da

Presidência e os auditores têm competências para fiscalizar a execução de quaisquer

recursos federais com mais autonomia, reportando-se apenas aos ministro-chefe da

CGU e à Presidência. Na expressão de Olivieri (2010, p.112), deixaram de ser

“homens do ministro” para serem “fiscais do ministro”. Este desenho, além

aprofundar a accountability governamental, estabeleceu a estrutura necessária para a

instrumentalização de parte das atividades de controle interno para o combate à

corrupção.

No entanto, para que semelhante lógica seja efetiva, veremos, que fora

fundamental o aval da Presidência da República, dado que é o titular do Executivo

Federal quem nomeia o ministro-chefe do órgão (podendo removê-lo a qualquer

momento sem entraves institucionais) e que descobertas de irregularidades podem

6 Folha de S. Paulo. Ministro dos Transportes cai após ser abandonado por Dilma no auge da crise. Jul.

2011. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,ministro-dos-transportes-cai-apos-

ser-abandonado-por-dilma-no-auge-da-crise,741565,0.htm. Acesso em: 05 Dez. 2013 7 O Globo. Carlos Lupi pede demissão do Ministério do Trabalho. Dez. 2011. Disponível em:

http://oglobo.globo.com/pais/carlos-lupi-pede-demissao-do-ministerio-do-trabalho-3382364. Acesso

em: Acesso em: 05 Dez. 2013 8 Congresso em Foco. Cai mais um ministro: Wagner Rossi, da Agricultura. Ago. 2011. Disponível em:

http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/manchetes-anteriores/cai-mais-um-ministro-wagner-rossi/ .

Acesso em: 05 Dez. 2013 9 O globo. Orlando Silva cai, mas Ministério do Esporte continua com o PCdoB. Out. 2011. Disponível

em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/10/orlando-silva-cai-mas-ministerio-do-esporte-

continua-com-o-pcdob.html . Acesso em: 05 Dez. 2013 10

Folha de S. Paulo. Número 2 do Ministério do Trabalho cai após ação da PF. Set. 2013. Disponível

em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/128461-numero-2-do-ministerio-do-trabalho-cai-apos-

acao-da-pf.shtml. Acesso em: 05 Dez. 2013 11

Folha de S. Paulo. CGU apura gestão temerária e complica Jucá. Abr. 2011. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2604200508.htm. Acesso em: 05 Dez. 2013

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derrubar políticos da base aliada, como mencionado acima. A despeito deste fato,

apenas duas personalidades ocuparam o cargo desde a criação do órgão: Waldir Pires

e Jorge Hage Sobrinho, ambos com biografias marcadas pelo combate à corrupção e,

até o presente momento (2013), ilibadas. Durante três gestões consecutivas, a

Presidência da República optou por garantir a continuidade aos trabalhos, mesmo

quando estes revelaram irregularidades em grandes programas do governo, como o

Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida, entre outros. Assim, a pergunta é simples:

Por quê? Afinal, não fora justamente o Partido dos Trabalhadores que perdera o status

de “partido da ética” durante as gestões Lula? Quais foram então os ganhos políticos

em torno da promoção do combate à corrupção durante as três gestões?

Ao longo desta exposição, seguiremos o seguinte roteiro: na primeira parte,

analisaremos se de fato os trabalhos da CGU contribuíram com o aprimoramento do

combate à corrupção no Estado Brasileiro. Nesta etapa, observaremos alguns dos

principais resultados atingidos, observando quão eficazes se demonstraram, e

tentaremos compreender como foram atingidos, pautando-se pelo argumento da

instrumentalização do controle interno para o combate à corrupção.

Na segunda etapa, observaremos as consequências destes trabalhos para o

arranjo político brasileiro. Primeiramente, buscaremos compreender o papel da CGU

sob o ponto de vista da lógica dos “freios e contrapesos” do Estado, relacionando o

controle interno à prática de combate à corrupção. Em segundo lugar, a partir da

literatura que estuda a “vontade política”, abordaremos a relação da CGU com os

principais determinantes institucionais e fatos históricos relativos ao equilíbrio

político das gestões.

Obs: Esta pesquisa desenvolveu-se por cerca de dois anos no Programa de Pós-

Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP, com financiamento CNPQ e apoio

institucional do Núcleo de Pesquisas em políticas Públicas da USP (NUPPS), no qual

este autor figura como “pesquisador associado” (2012/ - ). Os dados e informações

obtidos são provenientes de relatórios de gestão, relatórios de auditoria, consultas aos

portais da CGU e da Transparência, pedidos através da Lei de Acesso à Informação, e

diversas entrevistas presenciais ou por telefone, incluindo: o ministro-chefe da CGU

(2006-2014), o ministro da Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção

(2010-2013), a Secretária Federal de Controle Interno - Adjunta, o Diretor de

Planejamento e Coordenação das Ações de Controle, o à época vice-Corregedor-Geral

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da União (03/2013), e um membro do Conselho de Transparência Pública e Combate

à Corrupção, presidido pela CGU 12

.

12

As entrevistas realizadas foram: Jorge Hage Sobrinho, ministro-chefe da CGU – (ao vivo, em

Brasília, no dia 01/10/13); Mário Spinelli, ministro da Secretaria de Transparência e Prevenção da

Corrupção (ao vivo, em São Paulo, no dia 02/04/14); Marlene Alves de Albuquerque, Secretária

Federal de Controle Interno – Adjunta (por telefone, em 03/2013); Ronald Balbe, diretor de

Planejamento da Secretaria Federal de Controle – (ao vivo, em Brasília, dia 01/10/13); Roberto Vieira

Medeiros, à época vice-Corregedor-Geral da União (por telefone, em 03/2013)); e Claudio Weber

Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil e membro do Conselho de Transparência Pública e

Combate à Corrupção

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1 MARCOS TEÓRICOS E METODOLOGIA

1.1 O QUE É CORRUPÇÃO?

A corrupção não pode significar outra coisa senão o assalto da coisa pública.

Esteja esta coisa pública na condição de dinheiro, esteja na condição de poder. Seja

ela a coisa assaltada, seja ela mesma o assalto.

Popularmente, a corrupção é sinônimo de desvio de recursos públicos para

fins privados. É o roubo do dinheiro do povo! Certamente. Mas esta definição, ainda

que correta, é limitada. Desde a Antiguidade, a teoria política relaciona o conceito a

um movimento mais amplo, não exclusivamente monetário, onde o próprio Estado se

corrompe, perde sua virtude, sua direção, sua racionalidade.

Filgueiras (2007) nos lembra que, para Aristóteles, haveriam seis tipos

possíveis de governos, sendo três deles as versões injustas, corrompidas, dos

originais. Degenerada, a monarquia travestir-se-ia em tirania, onde o rei oprime o

povo para atender aos seus caprichos pessoais; a aristocracia travestir-se-ia em

oligarquia, onde poucos expropriariam o bem comum em benefício privado; e a politia

transformar-se-ia em democracia corrompida, onde, como nos casos anteriores, o bem

comum é expropriado por alguns indivíduos desejosos de mais poder do que os

outros. Em todos os casos, o movimento é um só: “a sobreposição das vantagens

pessoais (desejos) à eudamonia (bem comum) torna o governo corrompido”

(FILGUERIAS, 2007, p. 6). Assim, sob esta ótica (sob essa ética), a corrupção é o

fracasso dos governos a partir da sobreposição das vantagens privadas sobre o bem

comum.

Fornazieri (2006), por exemplo, realiza uma leitura de Maquiavel onde

observa que o sucesso de um bom governo (“pressuposta a excelência do Estado

misto”) dependa centralmente da confrontação entre virtù e corrupção (e não entre

virtù e fortuna), de modo que a relação entre os dois “servirá de critério não só para

comparar as diversas formas de governo, mas também para comparar os diferentes

governos de uma mesma forma” (Fornazieri, 2006, p 14). Assim, ainda que em tese,

no raciocínio de Maquiavel, uma república seja melhor do que uma monarquia, uma

monarquia não corrupta pode ser melhor do que uma república corrompida. Um

monarca virtuoso poderia conduzir a fortuna de um povo ao bom governo, enquanto

governantes republicanos poderiam não ter a mesma sorte, se corrompidos. Nessa

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leitura, corrupção é antagonista de bom governo, ou, ainda, a versão tirânica dos

governos.

Mas, se a corrupção é a “sobreposição das vantagens privadas sobre o bem

comum” e o bom governo é aquele que realiza o bem comum, então o que é o bem

comum? Certamente este é terreno que não nos interessa adentrar sem que haja forte

motivação, dado que séculos da melhor filosofia dedicaram-se ao tema e não

queremos derrapar já nas primeiras páginas de um trabalho que tem um objeto de

pesquisa bastante específico. Mas o trato correto do assunto praticamente nos obriga a

ao menos depararmo-nos com o paradoxo que o tema impõe.

A definição de o que seja o bem comum passa necessariamente pela definição

de quais sejam as finalidades do Estado. Atualmente, o debate acerca da qualidade das

democracias apresenta o bom governo (“democracias de alta performance”) como

aquele que “provê aos cidadãos um alto nível de liberdade, igualdade política, e

controle popular sobre as políticas públicas e os dirigentes públicos (“policy makers”)

a partir de instituições legítimas e em acordo com a lei” (DIAMOND; MORLINO,

2005, p. xi)13

.

Nunes (2008) nos lembra que, em Maquiavel, o bem comum define-se por

uma temporalidade específica. Para o florentino, parte do bem comum seria a

obtenção da paz na região da Itália, condição possível para o desenvolvimento das

cidades e das virtudes dos homens naquele contexto. Mas nos lembra que o poder

político caracteriza-se “pela guerra e pelo domínio” (Nunes, 2008, p. 109), e cita

Agostinho, relativizando o significado desta paz: “sua vontade não é que não haja paz,

e sim que a paz seja segundo a sua vontade” (Idem).

No seu artigo “Política como vocação”, Max Weber afirma que

“sociologicamente, o Estado não pode ser definido em termos de seus fins” (1974, p.

97), donde, a partir de Trotski (“Todo Estado se fundamenta na força”), deriva sua

clássica definição: “o monopólio do uso da força”. Pois, qualquer definição de o que

seja um bom governo, pressupõe as finalidades éticas deste governo e, se focamos

aqui a corrupção também na sua dimensão política, entendida como a dispersão da

ação política para outras finalidades que não o bem comum, enfrentamos o problema

de compreender o que sejam estas finalidades.

13

Tradução livre do autor

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17

Weber, ao estudar a ação política e elaborar os conceitos de “ética das últimas

finalidades” e “ética da responsabilidade”, afirma que “não é certo que o bem só pode

vir do bem e o mal só pode vir do mal, mas que com freqüência ocorre o inverso.

Quem deixar de perceber isso é, na realidade, um ingênuo em política” (Weber, 1974,

p. 147). Traduzindo para o nosso tema, um ator político que vise o bem comum (e

responsabilize-se pelas conseqüências de suas ações) pode, eventualmente, agir em

contradição com aquilo que a sociedade entende como bem, e ainda assim pode

produzir efeitos positivos.

Quer isso dizer que eventuais atos corruptos possam contribuir com o bem

comum, caracterizando-se como éticos? Na literatura recente, Nye (1967), por

exemplo, avalia os “custos e benefícios” do impacto da corrupção sobre os governos,

e observa alguns ganhos. Afirma que a corrupção pode produzir desenvolvimento

econômico, integração nacional e capacidade governamental, embora reconheça que

também produza desperdício de recursos e que possa gerar instabilidade política e até

perda de capacidade governamental. Ou seja, a partir da concepção que Nye tem de

um bom governo ou de bem comum, corrupção e bons governos podem se

retroalimentar!

Diferentes autores podem ter diferentes concepções sobre o que seja bem

comum, e, por extensão, sobre o que seja corrupção, bom governo e ética. Este fato

expressa que o termo em questão varia de acordo com a interpretação dos autores, e,

ainda, de acordo com um dado povo, em um dado território e em um dado contexto.

Ainda assim, autores que marcadamente tiveram influência no desenho das

constituições republicanas atuais recorrentemente relacionam corrupção ao abuso de

poderes e à perda de liberdade de um governo. Ao debater o risco da tirania da

maioria sobre minorias, Montesquieu utiliza-se justamente do termo que debatemos

aqui:

“Corrompe-se o espírito da democracia não somente quando se perde o

espírito de igualdade, mas ainda quando se quer levar o espírito de

igualdade ao extremo, procurando cada um ser igual àquele que escolheu

para comandá-lo. Então o povo, não podendo suportar o próprio poder que

escolheu, quer fazer tudo por si só: deliberar pelo senado, executar pelos

magistrados e destituir todos os juízes” (MONTESQUIEU, 1748, pg. 113).

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18

Montesquieu relaciona, portanto, corrupção ao abuso de poder, seja de um, de

poucos ou de muitos. Relaciona-a à perda de liberdade, à tirania dos governos, onde

algum ou alguns sobrepõem as vantagens privadas ao bem comum. Aliás, não é

novidade para a Ciência Política que esta preocupação (contra a tirania) moldaria os

Estados Democráticos atuais. Atualmente, inúmeros são os dispositivos de “freios e

contrapesos” previstos nas mais variadas constituições contemporâneas. Afinal, como

postularam os federalistas norte-americanos, “como todo poder tende naturalmente a

estender-se, é preciso colocá-lo na impossibilidade de ultrapassar os limites que lhe

são prescritos” (MADISON, 2003, p. 305). O temor frente a corrupção está, pois, no

centro dos debates sobre o melhor desenho institucional.

Por hora, não precisamos nos estender mais. Dada a corrupção como a

sobreposição das vantagens privadas sobre o bem comum, acreditamos seguir pelo

caminho correto, sem restringir o conceito à noção de “roubo do dinheiro do povo”

mas também sem expandi-la para noções onde não pudéssemos articular.

1.2 EXEMPLOS DE CORRUPÇÃO

Antes de apresentarmos alguns exemplos de corrupção atuais, é importante

fazer uma breve reflexão. A despeito de compreendermos que o conceito de

corrupção possa variar de acordo com a interpretação que se tenha do que seja o bem

comum, e, ainda, de que esta compreensão refira-se a um contexto específico, desde a

criação do Direito Público leis foram elaboradas diferenciando o espaço público do

privado, estabelecendo limites à atuação do Estado frente os cidadãos (SUNDFELD,

2009). Pois é apenas a partir da definição positiva de o que sejam as esferas privada e

pública que potenciais casos de corrupção poderiam ser julgados como lícitos ou

ilícitos. Dado que o Brasil estrutura-se enquanto Estado de Direito14

e que não

pretendemos realizar o debate sobre o que seja (ou deva ser) o bem público,

adotamos as normas jurídicas vigentes como referência para a observância do

fenômeno da corrupção. Fazemos isso não apenas por objetivos práticos, mas também

por entendermos que o Estado Democrático de Direito Brasileiro disponha de um rol

suficiente para o devido combate à corrupção (salvo algumas exceções). Sendo assim,

14

O Estado de Direito é aquele em que, entre outros aspectos, vigora o chamado "império da lei", onde

as leis são criadas pelo próprio Estado através de seus representantes politicamente constituídos, e onde

o próprio Estado deve cumprir as regras e respeitar os limites por ele mesmo impostos (SUNDFELD,

2009).

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19

observamos que o Direito Brasileiro prevê punições quer seja para desvio de recursos

públicos, quer seja para práticas como “vantagens ou ganhos pecuniários”, suborno ou

peculato. Entre as leis mais importantes figuram aquelas que definem como ilícitas

práticas de peculato, corrupção passiva, corrupção ativa, apropriação indébita, gestão

fraudulenta, concussão, improbidade administrativa, e, relacionadas, formação de

quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Vejamos pois exemplos de como a corrupção se manifesta concretamente nos

dias atuais. Armstrong (2002) nos lembra que o caso mais comum é o de um

funcionário público aceitando ou solicitando suborno para a realização de uma ação

(ou para a não realização de uma ação) relacionada às suas competências. Este

suborno pode ter a forma de dinheiro, facilitação, presentes etc. Tais situações

costumam ocorrer nos casos de "grande corrupção", por exemplo durante a

privatização de áreas estatais ou durante a realização de grandes licitações. Mas

também fazem-se presentes em casos de "pequena corrupção", por exemplo na

facilitação de procedimentos burocráticos, no fornecimento de informações sigilosas

ou no arrefecimento dos procedimentos de controle e sanção, seja em uma abordagem

policial seja no julgamento de contas ou durante inquérito criminal. Juridicamente,

podem ser enquadrados através de leis como as de corrupção passiva e ativa, gestão

fraudulenta, concussão, improbidade administrativa e formação de quadrilha.

Mas a corrupção também pode fazer-se presente em atividades que não

envolvam diretamente desvio de recursos financeiros do Estado. Nos casos acima,

sem recursos financeiros, apenas através de trocas de favores, ter-se-ia corrupção.

Mas também podem se expressar através do nepotismo, do clientelismo, da cobrança

de taxas não autorizadas, da falsificação ou destruição de registros etc. Assim, em vez

de a burocracia e os políticos servirem ao interesse público, tornam-se eles mesmos

instrumentos de opressão e injustiça.

Além disso, práticas corruptas podem se manifestar também no Poder

Judiciário. Quando sentenças são influenciadas pelo pagamento de juízes é o próprio

Estado de Direito que entra em cheque, abalando a igualdade dos cidadãos (perante a

Justiça). Nestas situações, aqueles que pagam não são punidos, ao contrário daqueles

que não se dispõem ou não podem fazer o mesmo.

Sob Democracias, as campanhas eleitorais também são terreno fértil para a

prática de corrupção. De um lado, há situações em que empresas interessadas em

participações privilegiadas no governo fazem doações não declaradas aos partidos –

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20

prática conhecida como “caixa dois”. De outro, práticas como compra de votos e

fraude eleitoral também são entendidas como corrupção, a despeito de não

necessariamente envolverem desvios de recursos públicos.

1.3 O IMPACTO DA CORRUPÇÃO NAS DEMOCRACIAS

Certamente a corrupção não é um problema específico das democracias. É um

problema da relação entre súdito e soberano, onde as regras do jogo político figuram

desrespeitadas. Mas, sob democracias, onde “o poder emana do povo”, parece atingir

ainda mais dramaticamente a legitimidade do regime.

Para observar tal fenômeno, precisamos primeiramente definir o que

entendemos por democracia. A primeira característica de uma democracia política

atual (representativa) é que os cidadãos escolhem quem vai governá-los e podem

concorrer e expressar livremente suas opiniões e reivindicações. Tal regime pode ser

identificado a partir parâmetros definidos originalmente por Robert Dahl15

. Estes

aspectos fundamentais seriam: 1) autoridades eleitas; 2) eleições livres e justas; 3)

sufrágio inclusivo; 4) direito de se candidatar aos cargos eletivos; 5) Liberdade de

expressão; 6) Informação alternativa; e 7) Liberdade de associação. Dahl partiu do

princípio de que a democracia plena é um ideal a ser alcançado, mas não identificável

concretamente na História. Por isso, para diferenciá-los de regimes autoritários,

preferiu chamar os regimes que apresentam eleições, liberdade de expressão,

liberdade de associação, entre outros aspectos, de poliarquias.

Os Estados democráticos atuais equilibram-se, sob determinado ponto de vista

político (O‟DONNEL, 1996), sobre três fundamentos: o liberalismo, a democracia e o

republicanismo. Se, para a democracia, o demos é o centro do poder e deve poder

deliberar sobre qualquer coisa a partir do princípio majoritário, para o liberalismo o

centro do poder é o indivíduo, e nada, principalmente o Estado, deve ferir seus

direitos individuais. Para o republicanismo, a principal área de desenvolvimento

humano é pública. Mas, diferentemente da democracia, que acredita que qualquer

cidadão deva legitimamente ocupar funções públicas, o republicanismo entende que

estes cargos devam ser ocupados por homens virtuosos, superiores, ou seja, por uma

aristocracia.

15

DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005.

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Nas recentes décadas, estimulada pela emergência de novas democracias (ou

poliarquias) especialmente na America Latina, a Ciência Política deu ênfase ao

problema da corrupção, agora contextualizada no debate democrático. Importantes

autores como Diamond, Morlino e O‟Donnell observaram que grande parte dos países

do mundo já enquadravam-se nas características mínimas de uma democracia mas não

necessariamente correspondiam a boas democracias (ou, na correlata expressão dos

autores, a “democracias liberais”). Para O‟Donnell, a principal característica destas

democracias pouco desenvolvidas, “delegativas”, residiria na fragilidade dos

componentes liberal e republicano. “Alguns países continuam sob mandatos

autoritários e outros, mesmo tendo realizado eleições, não satisfazem as condições de

competição livre e justa estipulada pela definição de poliarquia” (O‟DONNELL,

1997, p. 27). Ou seja, mais uma vez, o problema do abuso do poder e a ausência de

freios - o déficit republicano – parecem atrasar o desenvolvimento dos Estados:

A existência da accountability vertical assegura que esses países

são democráticos, no sentido específico de que os cidadãos podem exercer

seu direito de participar da escolha de quem vai governá-los por um

determinado período e podem expressar livremente suas opiniões e

reivindicações. Mas a fragilidade da accountability horizontal significa que

os componentes liberais e republicanos de muitas novas poliarquias são

frágeis. (O‟DONNELL, 1997, p. 30)

Sob Estados de Direito, a corrupção afeta a igualdade política, uma vez que

desequilibra a relação entre os cidadãos que podem (ou se dispõem) pagar propinas e

aqueles que não podem (ou não se dispõem). Sob Democracias, abalam também a

competição política: aqueles que se valem de práticas ilícitas na disputa pelo poder

durante as eleições obtêm vantagem competitiva:

[...] este procedimento [a corrupção] afeta a igualdade, pois nem todos os

indivíduos têm como pagar subornos e daí estaríamos segregando os

indivíduos em duas classes, os da alta classe, que são privilegiados pelo

bem publico, pois teriam como „comprá-lo‟, e os da baixa classe, que se já

sofrem com a baixa renda, ainda seriam afetados também pela

impossibilidade de usufruir do bem publico. [...] podemos pensar que a

competição também estaria limitada, pois alguns grupos poderiam usar a

corrupção como uma forte vantagem comparativa, com relação a outros

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grupos e daí, a equidade na competição estaria abalada. (MIGNOZZETTI,

2008, p. 11)

Warren (2006) argumenta que, a despeito de a corrupção não ser o maior dos

problemas da política – não é tão perigosa como uma guerra, ou tão “urgente” como o

terrorismo -, torna-se uma das principais preocupações dos cidadãos especialmente

quando os regimes e governos não vão bem. Quando os índices de aprovação são

baixos, quando a confiança nas instituições é baixa, a corrupção costuma ganhar o

topo das preocupações do cidadão.

Sob democracias, o problema se torna mais dramático pois essencialmente o

“monopólio do uso da força” figura enquanto uma concessão dos cidadãos aos

governantes. “Você é meu funcionário”, costuma dizer o manifestante ao policial que

reprime um ato público. Se este monopólio é mau utilizado, se as finalidades que

movem a ação política corrompem-se, mais agitação e instabilidade é gerada. Afinal,

súditos de um senhor feudal não se viam no direito de questionar o poder

estabelecido, diferentemente dos contextos democráticos atuais. Além disso, fundados

na compreensão de que o poder emana do povo, e da conseqüente igualdade política,

tais regimes supõem que os cidadãos devam ter informações suficientes seja para

realizarem suas escolhas durante as eleições seja para controlarem aqueles que estão

no poder. Entre os princípios que regulam a vida pública em democracias figura por

exemplo, no Estado Democrático Brasileiro, o princípio da Publicidade, que

estabelece que nenhum ato público (salvo raras exceções) devam ser objeto de sigilo.

Assim, o cidadão atento simplesmente não aceita não saber o que o Estado faz, e

pressiona os governantes a prestarem contas.

Expressão desta condição, pelo extremo oposto, são os resultados de pesquisa

realizada por Moisés (2010), que aponta que a aceitação da corrupção diminui a

adesão ao regime, estimula a aceitação de escolhas autoritárias, influencia

negativamente a submissão à lei e a confiança interpessoal, e inibe tendências de

participação política.

Atualmente, no Brasil, 81% da população acredita que os partidos são

corruptos, 72% pensa o mesmo dos congressistas, 70% acredita que a polícia é

corrupta ou extremamente corrupta, sendo os números altos também para os serviços

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médicos e de saúde (55%) e para o Poder Judiciário (50%)16

. Ou seja, para a maior

parte dos brasileiros, as principais instituições reativas à representação política, à

segurança e à justiça não são confiáveis. O problema não poderia ser pior, tendo em

vista que segurança e justiça representam as primeiras promessas de qualquer Estado,

e representação política, a característica-primeira de qualquer democracia moderna.

Diamond e Morlino, sob clara inspiração do princípio de igualdade das

democracias, observam ainda um recorte de classe nos impactos da corrupção,

especialmente do ponto de vista da igualdade política:

quando o primado da lei é fraco, a participação dos pobres e

marginalizados é suprimida; Liberdades individuais tornam-se tênues e

frágeis; associações civis podem não conseguir se organizar e defender

seus interesses; ricos e bem relacionados têm acesso mais vasto à justiça e

ao Estado; [...] a competição política se torna distorcida e injusta [...].

(DIAMOND; MORLINO, 2005, p. xv)17

A literatura da “Qualidade da Democracia” destaca três dimensões através das

quais se pode estudar o regime: a) a qualidade de procedimentos, relacionada à

qualidade dos principais mecanismos institucionais através dos quais a democracia se

processa. Entre eles, por exemplo, as eleições; b) a qualidade do conteúdo, balizada

por sua relação com os princípios de igualdade e liberdade, onde, tendo em vista que

“liberdade” aproxima-se do conceito político liberal e “igualdade”, do democrático,

busca-se compreender se as liberdades e direitos relacionados a estes temas são

respeitados e figuram equilibrados; c) e a qualidade dos resultados, relacionada aos

outputs deste arranjo institucional, observando se são “responsivos” aos interesses e

preferências da população. Neste sentido, tratar do combate à corrupção é tratar

especialmente de um aspecto procedimental da democracia, onde a observância das

leis, e, mais especialmente, das regras do jogo político, são os melhores produtos

esperados.

1.4 COMBATE À CORRUPÇÃO EM DEMOCRACIAS

16

International Transparency Global Corruption Barometer. 2013. Disponível em:

http://www.transparency.org/gcb2013/country/?country=brazil. Acesso em: 03 Nov. 2013 17

Tradução livre do autor

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Na Ciência Política contemporânea, a literatura dá o nome de accountability

às atividades de prestação de contas, responsividade (“answerability”) e

responsabilização (“responsability”) de políticos e burocratas frente o soberano –

palavra sem tradução exata para o português.

Especialmente a partir da década de 1990, devido à emergência de países

democráticos, o conceito passou a ocupar o centro dos debates em torno da qualidade

das democracias. Isso porque, a despeito de ser originário de teorias da Economia, foi

reinterpretado a partir de significados políticos, passando a caracterizar a relação do

Estado e dos políticos com o cidadão. Basicamente, o conceito sugere que aqueles que

ocupam o poder devem prestar contas àqueles que os delegaram este mesmo poder.

Deste ponto de vista, a atividade-primeira das democracias, as eleições, passa

a ser interpretada como uma atividade de accountability, através da qual políticos

prestam contas do que fizeram e o eleitor os responsabiliza por tais atos, decidindo

quem serão seus governantes. Da mesma forma, quando um novo político se

apresenta, o povo julgará se concorda e confia nas suas promessas mediante o voto.

Mas, fora do período de eleições, o que controla ou constrange os políticos e

burocratas nos intervalos de quatro anos (no Brasil)? Fora o período de disputas por

votos (diga-se, fortemente influenciados pelo montante de dinheiro envolvido

(SPECK, 2012)), porque agentes públicos (políticos, dirigentes públicos e burocratas)

simplesmente não fazem o que querem, usurpando o poder, corrompendo as

finalidades do Estado?

Como já mencionado, a preocupação com a tirania dos governantes pautou

parte da literatura da Ciência Política durante séculos. A defesa da liberdade,

entendida como ausência de opressão, impulsionou o raciocínio em torno do melhor

desenho institucional, capaz de frear o abuso do poder, ou de “traçar de tal maneira a

construção do governo, que todas as suas diferentes partes possam reter-se umas às

outras nos seus lugares respectivos” (MADISON, 1993, p. 317). Um perspicaz

realismo, seja em Maquiavel, seja em Montesquieu, seja nos federalistas norte-

americanos, observaria, cada um à sua maneira, que o os homens não são anjos e que

estão suscetíveis à falta de virtude, e que portanto o poder requer freios para não se

corromper. Afinal, como nos lembra Nunes (2008), a política é o terreno do

contingente, do profano, da corrupção. Por isso, onde há poder público desprotegido e

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homens de “carne e osso” 18

, há risco de corrupção. “É desgraça inerente à natureza

humana a necessidade de tais meios”, afirmaria Madison:

“Se os homens fossem anjos, não haveria necessidade de governo; e se os

anjos governassem os homens, não haveria necessidade de meio algum

externo ou interno para regular a marcha do governo: mas quando o

governo é feito por homens e administrado por homens, o primeiro

problema é por o governo em estado de poder dirigir o procedimento dos

governados e o segundo obrigá-lo a cumprir suas obrigações. A

dependência em que o governo se acha do povo é certamente o seu

primeiro regulador, mas a insuficiência desse meio está demonstrada pela

experiência.”(MADISON, 1993, p. 318)

Imediatamente antes, no mesmo parágrafo, Madison escreveria um dos trechos

mais reproduzidos de seus artigos, quando praticamente postula a lógica dos “freios e

contrapesos” (“checks and balances”) dos Estados:

Mas o verdadeiro meio de embaraçar que os diferentes poderes não se vão

sucessivamente acumulando nas mesmas mãos, consiste em dar àqueles

que os exercitam meios suficientes e interesse pessoal para resistir às

usurpações. Nesse caso, como em todos os outros, os meios de defesa

devem ser proporcionados aos perigos do ataque; é preciso opor ambição à

ambição e travar de tal modo o interesse dos homens, com as obrigações

que lhes impõem os direitos constitucionais dos seus cargos, que não

possam ser ofendidas as últimas sem que os primeiros padeçam” (IDEM).

Atualmente, inúmeros são os dispositivos observáveis nos Estados

Democráticos que respondem à lógica proposta por Madison. Entre eles, por exemplo,

a existência de um Poder Judiciário autônomo com o poder de controle de

constitucionalidade das leis criadas pelo Legislativo, o controle do Poder Legislativo

sobre a gestão do Executivo, através, entre outros mecanismos, das atividades das

comissões parlamentares de inquérito, da aprovação ou não das contas presidenciais e

do assessoramento de Tribunais de Contas, e diversas outras instituições de controle

18

A expressão “homens de carne e osso” é de Tomás de Aquino, citada por: NUNES, Edison. A

política à meia luz: Ética, retórica e ação no pensamento de Maquiavel. São Paulo: EDUC, 2008, p. 37

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democrático, como Ministérios Públicos, Defensorias, Policias, órgãos de ombudsman

etc.

Ainda assim, poder-se-ia questionar se, sob democracias, o povo, através das

eleições, não poderia ser ele mesmo o principal controlador dos governos. No entanto,

grande parte da literatura da Ciência Política é cética quanto a esta hipótese. Bernard

Manin, Adam Przeworski e Susan C. Stokes (1999), por exemplo, afirmam que “as

eleições são inerentemente um instrumento nada acurado de controle: os eleitores têm

apenas uma decisão para fazer no que diz respeito a um pacote inteiro de políticas

governamentais (1999, p. 132). Com apenas um voto em mãos para cada cargo, o

cidadão tenderia a não definir seu voto apenas a partir de observações sobre a

corrupção. Mesmo agindo racionalmente, define-se em torno da observação das

gestões passadas, das promessas de campanha, do partido em que o político está, do

seguimento social que representa etc. Sob seu rol de informações, pode, inclusive,

preferir políticos que sabe que roubam, mas que acredita serem melhores19

.

Assim, para além das eleições, o desenho institucional das democracias

modernas prevê a existência de órgãos internos ao Estado que atuam para garantir que

as leis sejam respeitadas e que o poder não seja usurpado, garantindo justiça no pacto

firmado entre súdito e soberano. Nesse sentido, uma característica central destes

órgãos é disporem de mecanismos de punição de irregularidades (ou de provocação

para a punição das mesmas). Afinal, é o temor da punição que constrange os

indivíduos a agirem de acordo com a lei, ou, na clássica expressão de Hobbes, “os

pactos sem a espada não passam de palavras” (HOBBES, 1999, pg. 141). Assim, para

garantir a manutenção das regras do jogo, agentes (com “espadas”) distribuem-se nas

diferentes esferas do Estado, controlando as ações públicas.

Pois ao conjunto de leis e atores que protegem o bem público dá-se atualmente

o nome de web of accountability institutions (MAINWARING, 2003) ou Sistema de

Integridade (POPE, 2000).

O‟Donnell abordou o tema em 1988, indicando que o grupo de atores e

procedimentos relacionados à accountability poderia ser bem compreendido a partir

19

Entre os exemplos, impossível não mencionar o do ex-prefeito e ex-governador de São Paulo Paulo

Maluf, conhecido pelo slogan “rouba, mas faz”. Após inúmeras denúncias de corrupção, o político

candidatou-se e conquistou a terceira maior votação da História para o cargo de deputado federal em

2006 (com 739.827 votos, atrás apenas de Enéas Ferreira Carneiro (2002) e Tiririca (2010)). Outro

caso marcante é o da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006, cerca de um ano após

a deflagração do caso do “Mensalão”, que atingiria a cúpula de seu governo, condenando a pena de

reclusão inclusive o então chefe da Casa Civil, José Dirceu.

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da seguinte subdivisão: aqueles de incidência “vertical” (de fora para dentro do

Estado) - como as eleições, a mídia, ONGs e outras associações civis – e aqueles de

incidência “horizontal” (próprios do Estado). Essencialmente, a noção de

horizontalidade responde aos ensinamentos de Madison, opondo ambição à ambição,

remetendo ao fato de que os órgãos em questão desfrutam de status institucional

semelhante, de modo que um também controla as ações do outro. Nesse sentido,

O‟Donnell define accountability horizontal como:

“a existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que

estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a

supervisão de rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações

ou emissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser

qualificadas como delituosas” (O‟DONNELL, 1998, p. 40)

Importante notar que O‟Donnell frisa que tais trabalhos dedicam-se ao

controle de ações “qualificadas como delituosas”. Observando algumas ambiguidades

na literatura, o autor escreveu anos depois, em 2003, que “esta categoria (“controle

mutuo entre agências”) não é o que, de acordo com minha definição, refere-se a

accountability horizontal”. Ele esclareceria, então, que o controle entre poderes

através da dinâmica dos freios e contrapesos configuraria accountability horizontal

apenas quando o objeto controlado fosse algo ilícito. Em outros casos, por exemplo

como em uma derrubada de veto presidencial por parte do Legislativo, reconhece que

há “checks and balances” mas não accountability horizontal. Ou seja, “freios e

contrapesos” não é sinônimo de accounatbility horizontal – só o é quando incide

sobre ilicitudes. A confusão observada pelo autor talvez tenha ocorrido devido ao

duplo significado que a palavra corrupção carrega. Como já debatido, corrupção pode

significar, de um lado, desvio de recursos públicos, e de outro, abuso de poderes. No

primeiro caso, o combate restringe-se à garantia da legalidade. No segundo, dá-se por

meio do controle dos poderes, seja através do controle da legalidade, seja através do

controle da tirania. Naturalmente, há situações em que os dois fenômenos podem ser

observados conjuntamente - como por exemplo durante o caso do Mensalão do PT,

quando políticos foram acusados de terem pago parlamentares para aprovarem

projetos do governo. Nesse caso, a observância das normas legais contribuiu

diretamente para o controle do abuso de poder, e, portanto, atores da accountability

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horizontal passam a ser responsáveis, ao mesmo tempo, pelo controle da legalidade e

pelo equilíbrio de poderes, protegendo o Estado, de um lado, do desvio de recursos

públicos, e, de outro, do despotismo.

Este debate tem importância direta para esta investigação. Não apenas porque

incide sobre o tema da corrupção, mas também porque um dos argumentos que

conduzirá nossa argumentação é o de que a CGU teria tornado-se agente de

accountability horizontal ao instrumentalizar o controle interno para as atividades de

combate à corrupção. Ora, para isso, teria que ter poder para produzir

responsabilizações, competência que, em geral, não desfrutam auditores de controle

interno. Mainwaring (2003) dedicou-se a compreender a relação entre controle interno

e accountability horizontal, afirmando que ainda que seus trabalhos não produzam

diretamente responsabilização, se há a possibilidade da sanção ainda que indireta,

então tem-se um trabalho de accountability. Afinal, sem responsabilização, não há

accountability, afirma o autor. Neste trabalho, observaremos portanto se os trabalhos

de controle interno da CGU produzem (ainda que indiretamente) responsabilização,

de modo a bem compreender se este órgão pode ser considerado um agente de

accountability horizontal.

Na esfera federal do Estado brasileiro, algumas das principais instituições

relacionadas à accountability horizontal são:

- Ministério Público;

- Tribunal de Contas da União;

- Policia Federal;

- Poder Legislativo

- Poder Judiciário

- Controladoria Geral da União;

- Conselho Nacional de Justiça;

- Conselho de Controle de Atividades Financeiras;

Em comparação com os procedimentos de accountability vertical, estes órgãos

destacam-se por disporem de importantes competências para o controle e a

responsabilização, mas reforçamos: nenhum deles acumula todas as competências

para sozinhos conduzirem um ciclo completo de responsabilização. Isso porque o

desenho institucional brasileiro visa, em concordância com os teóricos apresentados,

Page 31: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

29

afastar o risco da tirania. Afinal, mesmo sob órgãos que controlam a vida pública, que

supostamente vivem sob o ethos republicano da ética e da idoneidade, políticos e

burocratas, “homens de carne e osso”, podem ver-se tentados a abusar do poder. Pois,

se é desejável que haja punição da corrupção – afinal, “pactos sem a espada não

passam de palavras” - também é desejável que aqueles que detém o poder de punição

não abusem deste mesmo poder. Assim, a título de exemplo, vemos que não basta que

o Ministério Público conclua que determinada pessoa é responsável por um crime.

Para que haja responsabilização, todo um ciclo deve ser percorrido, envolvendo a

identificação das irregularidades (possivelmente, através de auditorias ou inquéritos),

o inquérito (da Polícia), a persecução judicial (do Ministério Público), e o julgamento

do Poder Judiciário. O fato de haver a necessidade de que todos esses atores

convirjam torna os procedimentos de combate à corrupção mais lentos do que seriam

se todo o poder de investigação e punição estivesse concentrado em apenas um órgão,

mas, mais uma vez, o risco de este mesmo órgão se corromper tornar-se-ia maior,

senão incontornável.

Este fato também configura tais atores como veto players do Sistema de

Integridade – onde um não age conclusivamente sem o outro. Uma das conseqüências

deste estado de coisas é que as instituições relacionadas à accountability horizontal

precisam se articular e, eventualmente, cooperar. Por isso, a articulação da CGU com

outros órgãos do Sistema de Integridade brasileiro é questão de primeira importância

para o sucesso dos trabalhos e para a boa saúde da república brasileira, e será objeto

de estudo nos capítulos 6 e 7.

1.5 AVANÇOS E DÉFICITS DO COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL

A despeito de o Brasil dispor de um rol abrangente de leis para o combate à

corrupção, pouca punição é produzida, o que reforça a preocupação da literatura em

torno da dinâmica de accountability horizontal no Estado.

Ainda assim, a Ciência Política observa importantes avanços recentes no que

tange a tais atividades. Em primeiro lugar, a Constituição de 1988 fortaleceu os

poderes de órgãos relacionados ao controle, investigação, persecução e julgamento da

corrupção, como o Poder Legislativo, o Ministério Público (MP), além de criar

formalmente o Departamento da Policia Federal (PF), responsável por investigações

criminais.

Page 32: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

30

Importante marco deste processo foram os poderes persecutório e

investigativo adquiridos pelo Ministério Público para agir em proteção do interesse

social, coletivo e difuso (ARANTES, 1997). Na mesma linha, o Poder Judiciário,

entre outros aspectos, ampliou o seu acesso em relação à sociedade e a estes mesmos

direitos (VERÍSSIMO, 2008), bem como passou a ter certo protagonismo nas

decisões políticas (quando provocado).

A Polícia Federal, por sua vez, aprofundou a articulação de seus trabalhos com

outros órgãos do Sistema de Integridade, em especial com o Ministério Público, com

a Controladoria-Geral da União e com a Receita Federal, promovendo o aumento do

número de operações especiais relacionadas ao combate à corrupção, em grande

medida favorecida pelo crescimento de seu orçamento e quadro de funcionários na

última década, especialmente durante as gestões Lula (ARANTES, 2011).

Do ponto de vista do controle de contas, o Tribunal de Contas da União, órgão

de controle externo vinculado ao Poder Legislativo, estreitou seus laços com o

Congresso Nacional, especialmente através das comissões parlamentares, que teriam

passado a demandar mais intensas fiscalizações (LOUREIRO, 2012). Ainda assim, o

vínculo político de seus ministros, indicados pelo Congresso Nacional e pela

Presidência da República, parece reduzir o rigor do órgão. Entre os fatos sintomáticos,

figura o de que as contas prestadas pela Presidência da República nunca tenham sido

rejeitadas durante o recente período democrático (IDEM).

O controle interno, encabeçado atualmente pela Controladoria-Geral da União,

nosso objeto de estudo nesta dissertação, consolidou um novo sistema de controle,

através do qual realiza sistematicamente auditorias in loco, observando, além da

regularidade no uso dos gastos, a performance dos gestores durante a execução de

políticas públicas (OLIVIERI, 2010). Isso, como veremos adiante, tem implicâncias

diretas sobre o combate à corrupção, na medida em que, através do controle de gastos,

também previne-se desvios e irregularidades são reveladas.

Entre as principais deficiências do Sistema de Integridade brasileiro, Avritzer

(2011) e Speck (2012) apontam que o sistema eleitoral brasileiro é altamente

permissivo à corrupção, estabelecendo vínculos pouco democráticos entre políticos,

empresas e grupos de interesse. Entre os indicadores, Speck observa que mais da

metade (53%) dos recursos de campanha de 2010 foram provenientes de empresas

privadas, sendo a distribuição dos mesmos extremamente desigual.

Page 33: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

31

Corrêa (2011) observa que, apesar dos avanços, o Brasil ainda não consolidou

um verdadeiro Sistema de Integridade, e carece, entre outras medidas, de maior

articulação entre os órgãos. Vemos ainda que os maiores avanços parecem se

concentrar na esfera Federal, em detrimento dos Estados e municípios, onde os

controles são mais frágeis (OCDE, 2011).

Ainda assim, no nível federal, observa-se que as instituições “são fortes, ativas

e relativamente bem estruturadas (muitas são independentes e seus funcionários são

bem formados e remunerados), mas o resultado final é fraco, pois muitos casos só são

descobertos depois de grandes prejuízos ao erário, a punição demora ou não acontece,

e os casos de corrupção se repetem [...]” (OLIVIERI, 2011, p. 100).

Parte deste problema relaciona-se com o diagnóstico de Corrêa, quando esta

afirma que “o Brasil ainda é um dos países que fornecem as maiores possibilidades de

protelações das ações, o que, necessariamente, leva à sensação de impunidade”

(CORRÊA, 2011, p. 187). Tal estado de coisas leva ao seguinte paradoxo: “O

Controle no Brasil democrático aumentou; a sanção permanece baixa; e a corrupção

se reproduz e pauta negativamente a opinião pública” (FILGUEIRAS, 2011, p. 150).

1.6 OBJETO, OBJETIVO E METODOLOGIA

Este trabalho tem dois enfoques. O primeiro busca conhecer o desempenho da

Controladoria-Geral da União (CGU) nas atividades relacionadas ao combate à

corrupção no Estado Brasileiro. O segundo, busca interpretá-lo à luz da dinâmica de

“freios e contrapesos” do Estado.

Ao longo desta exposição, faremos primeiramente uma abordagem sobre a

estrutura da CGU, expressando o tamanho do órgão, seus recursos, seus servidores, e

as atividades que cada uma das suas quatro secretarias realizam. Afinal, para

analisarmos este órgão precisamos saber o que de fato ele tem condições de realizar.

Isto será feito no capítulo seguinte.

Na sequência, apresentaremos um dos argumentos que conduzem esta

exposição. Basicamente, observamos que os trabalhos da Secretaria federal de

Controle Interno, secretaria da CGU, foram determinantes para os trabalhos de

combate à corrupção. Foram especialmente as auditorias as responsáveis pela

identificação de irregularidades que posteriormente subsidiariam procedimentos

sancionadores. O movimento de instrumentalização do controle interno para o

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32

combate à corrupção será abordado observando a articulação desta secretaria com as

outras secretarias da CGU (capítulos 4 e 5) e também entre a própria CGU e outros

órgãos do Sistema de Integridade (capítulo 6).

No capítulo 5, dados relacionados à responsabilização administrativa da

corrupção serão abordados. Para estes casos, buscaremos acompanhar o que, na falta

de outro nome, chamamos de “ciclos completos de responsabilização”. O objetivo é

observar não apenas o que a CGU fez, mas também os efeitos de tais práticas,

identificando os desdobramentos de tais trabalhos nas dinâmicas de accountability

horizontal do Estado, atentos à eficácia dos trabalhos para a real responsabilização da

corrupção.

Ilustrativamente, um ciclo ideal de responsabilização começa e termina da

seguinte forma20

:

.

Os dados que serão analisados são relativos a:

- Sanções derivadas de sindicâncias administrativo-contraditórias no âmbito do

Executivo Federal

- Sanções derivadas de Tomadas de Contas Especiais (TCEs).

O segundo enfoque desta pesquisa retoma o título do trabalho, e desenvolve-se

nos capítulos 5 e 6. Objetiva-se compreender o papel da CGU no Sistema de

Integridade Brasileiro. Em primeiro lugar, no capítulo 5, recolhemos dados que nos

permitissem conhecer a intensidade da articulação da CGU junto a outros órgãos de

accountability horizontal do Estado Brasileiro e realizamos algumas entrevistas21

. Os

dados referem-se a:

20

Naturalmente, se se observa que não há irregularidade ou crime, então também faz parte do ciclo

ideal a absolvição dos suspeitos. 21

Como mencionado na Introdução, as entrevistas realizadas foram: Jorge Hage Sobrinho, ministro-

chefe da CGU – (ao vivo, em Brasília, no dia 01/10/13); Mário Spinelli, ministro da Secretaria de

Transparência e Prevenção da Corrupção (ao vivo, em São Paulo, no dia 02/04/14); Marlene Alves de

Albuquerque, Secretária Federal de Controle Interno – Adjunta (por telefone, em 03/2013); Ronald

Balbe, diretor de Planejamento da Secretaria Federal de Controle – (ao vivo, em Brasília, dia

01/10/13); Roberto Vieira Medeiros, à época vice-Corregedor-Geral da União (por telefone, em

03/2013)); e Claudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil e membro do Conselho de

Transparência Pública e Combate à Corrupção

Page 35: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

33

- Auditorias realizadas a partir de demandas externas;

- Acordos de cooperação com órgãos do Sistema de Integridade;

- Operações especiais junto à Policia Federal e ao Ministério Público.

Estas informações devem nos ajudar a interpretar os trabalhos da CGU à luz

da dinâmica de “freios e contrapesos” do Estado, relacionando uma articulação pouco

comum entre os trabalhos de controle interno a práticas de combate à corrupção.

No capítulo seguinte, realizaremos uma interpretação sobre como a CGU se

enquadra frente os principais paradigmas políticos do Estado Brasileiro.

Primeiramente, qual é a relação da CGU com a Presidência da República? E, em

segundo lugar, tendo em vista que muitos dos órgãos do Executivo Federal são

conduzidos por políticos da base aliada ou do próprio partido da Presidência, como os

trabalhos da CGU afetam ou podem afetar a relação da Presidência da República

junto à coalizão? Para esta abordagem, utilizaremos as entrevistas realizadas e,

naturalmente, a literatura especializada.

Na apresentação deste trabalho já foram expressas as entrevistas realizadas ao

longo da pesquisa. Mas vale reforçar. Os entrevistados foram: Jorge Hage Sobrinho,

ministro-chefe da CGU – (ao vivo, em Brasília, no dia 01/10/13); Mário Spinelli,

ministro da Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (ao vivo, em São

Paulo, no dia 02/04/14); Marlene Alves de Albuquerque, Secretária Federal de

Controle Interno – Adjunta (por telefone, em 03/2013); Ronald Balbe, diretor de

Planejamento da Secretaria Federal de Controle – (ao vivo, em Brasília, dia

01/10/13); Roberto Vieira Medeiros, à época vice-Corregedor-Geral da União (por

telefone, em 03/2013)); e Claudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência

Brasil e membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (ao

vivo, em São Paulo, em 09/2013).

Page 36: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

34

2 O QUE É E O QUE FAZ A CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO

2.1 O CONTEXTO DE CRIAÇÃO DO ÓRGÃO

Aparentemente, a criação da CGU em 2001, ainda enquanto Corregedoria-

Geral da União22

, respondeu mais a eventos conjunturais do que estratégicos. O

presidente Fernando Henrique Cardozo já estava há seis anos no comando do

Governo Federal quando criou o órgão. À época, havia acusações de desvio de verbas

na Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), na Sudene

(Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), na Telebrás, no Banpará (Banco

do Estado do Pará), no Ministério dos Transportes23

, entre outras instituições. E o

Governo era acusado de não reagir aos escândalos. De acordo com pesquisa

Datafolha, 56% da população achava que o Governo não estava combatendo

efetivamente a corrupção, e 84% eram a favor da criação de uma CPI para investigar

as denúncias24

.

A principal fonte das denúncias de corrupção fora o então senador Antônio

Carlos Magalhães (PFL-BA). Ele havia rompido com o governo após ser retirado da

presidência da Casa, em favor de Jader Barbalho (PMDB-PA), principal suspeito das

denúncias. Chegara a afirmar inclusive que a criação do órgão era apenas uma

resposta às suas investiduras25

.

Ironicamente, o partido dos Trabalhadores, que comandaria a chefia do

Executivo Federal nos doze anos seguintes e que ampliaria os poderes e recursos da

CGU, também creditaria a criação do órgão a fatores conjunturais. José Dirceu, então

presidente nacional do partido afirmou: “Por que criar uma Corregedoria se tem uma

Procuradoria que deveria apurar tudo? Uma das causas desse festival de denúncias é o

[Procurador-Geral da República, Geraldo] Brindeiro não investigar nada”26

. Dirceu

referia-se ao fato de Brindeiro ter se tornado famoso por “engavetar” inúmeras

denúncias ao longo da gestão FHC. A despeito de não ser o primeiro nome na lista

22

Medida Provisória n° 2.143-31 23

Portal Veja. Caso Sudam. Disponível em: http://veja.abril.com.br/infograficos/rede-escandalos/rede-

escandalos.shtml?governo=fhc&scrollto=39. Acesso em: 09 Abr. 2014 24

Folha de S. Paulo. FHC cria cargo de corregedor para apurar denúncias de corrupção. 02 Abr. 2001.

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u17936.shtml. Acesso em 08 Abr. 2014 25

Folha de S. Paulo. “ACM afirma ser causa de criação de órgão”. Pg A11. 03 Abril 2001. 26

Idem.

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35

dos procuradores27

, fora conduzido ao cargo quatro vezes seguidas pela Presidência

da República (com aval do Congresso Nacional), compondo os oito anos de governo

tucano. Entre outros fatos, Brindeiro foi responsável por ter arquivado a denúncia da

suspeita de compra de votos para a reeleição de FHC e algumas outras relacionadas às

privatizações do período28

.

De acordo com o jornalismo político da época, a ideia de criar a Corregedoria-

Geral fora do então Advogado-Geral da União, Gilmar Mendes29

. Mendes, que seria

empossado ministro do Supremo Tribunal Federal um ano depois, em 2002,

aparentemente não queria a criação de uma CPI. Entre outros fatos relacionados,

havia visitado a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil pedindo que não

apoiassem a criação da comissão.

Ao empossar Anadyr Rodrigues na titularidade do órgão, FHC afirmou que a

Corregedora-Geral teria carta branca para atuar com status de ministra “de forma que

o presidente não tenha de vir explicar o que já vem sendo feito e para que quem gosta

de fazer barulho não faça com o trabalho dos outros"30

.

2.2 ESTRUTURA E RECURSOS

A Corregedoria-Geral foi criada por Medida Provisória31

e recebeu

competências para “dar o devido andamento às representações ou denúncias

fundamentadas que receber, relativas a lesão, ou ameaça de lesão, ao patrimônio

público”32

. Sem poderes para abrir inquéritos, quebrar sigilos ou realizar a persecução

criminal dos casos, lhe coube a tarefa de “requisitar a instauração de sindicância,

procedimentos e processos administrativos outros [...] promovendo a aplicação da

penalidade administrativa cabível”.

27

Os procuradores sugerem o Procurador-Geral através de lista tríplice, mas é a Presidência quem

define a nomeação 28

De acordo com levantamento da imprensa, entre 1995 e 2001, o Procurador-Geral da República,

Geraldo Brindeiro, teria recebido 626 inquéritos. Deste total, 242 não teriam recebido nenhum parecer

do Procurador, enquanto 217 teriam sido arquivados e 88 haviam sido devolvidos à Justiça. Apenas 60

haviam sido denunciados e outros 19 figuravam em investigação. Além disso, em seis anos, apresentou

apenas seis contestações ao governo Federal. (O antecessor, Aristides Junqueira, durante os seis anos

de mandato de Fernando Collor e Itamar Franco, apresentou 56). FONTE: Revista VEJA. Quase

Parando. 06 Jun. 2001. Disponível em: http://veja.abril.com.br/060601/p_125.html. Acesso em 12 Abr.

2014. 29

Folha de S. Paulo. “Corregedoria a corrigir”. Pg. A3. 03 Abr. 2001. 30

IDEM. 31

Medida Provisória n° 2.143-31 32

Art. 14 da Medida Provisória n° 2.143-31

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36

Com os anos, o órgão cresceu, ampliou a estrutura e o número de servidores.

Menos de um ano após a criação da Corregedoria, ainda sob a gestão FHC, seria

integrada à estrutura a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC)33

, órgão cerca de

dez vezes maior que a Corregedoria em termos de servidores. Junto com ela, a

Corregedoria-Geral agregou também as competências de Ouvidoria-Geral, até então

vinculadas ao Ministério da Justiça.

Em 2003, na troca da gestão FHC para a gestão Lula, seria criada a

Controladoria-Geral da União, que incorporaria as funções da então Corregedoria-

Geral da União34

. Institucionalmente, não verificam-se grandes alterações frente o

legado anterior. O órgão ainda não parecia-se com aquele que hoje é caracterizado

como a principal agência anticorrupção brasileira.

De acordo com a lei de 200335

(alterada algumas vezes nos anos posteriores),

compete à CGU:

“[...] assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no

desempenho de suas atribuições quanto aos assuntos e providências que,

no âmbito do Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio

público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e

ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da

transparência da gestão no âmbito da administração pública federal [...]”

Completando o quadro, em 2006 criou-se a Secretaria de Prevenção da

Corrupção e Informações Estratégicas (SPCI), que, recentemente, em 2013, passaria a

ser chamada de Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC)36

,

ampliando a estrutura.

Eis o organograma atual da CGU (2014):

33

Decreto n° 4.177 34

Lei nº 10.683 35

Lei 10.683 36

Decreto nº 8.109, de 17 de setembro de 2013

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37

FIGURA: Organograma da Controladoria-Geral da União

Fonte: CGU/reprodução

Frente as competências adquiridas, é lógico deduzir a necessidade de um

mínimo de recursos e servidores, como destacam Diamond e Morlino:

[O escrutínio] requer diversos recursos: auditores, investigadores e

advogados treinados para saber como a riqueza é desviada, acumulada e

escondida, junto a especialistas em computação e uma equipe de suporte.

Não apenas uma comissão anti-corrupção precisa de uma equipe bem

treinada, mas também precisa pagá-los o suficiente para deter a tentação e

estabelecer um espírito de equipe (“esprit de corps”). (DIAMOND;

MORLINO, 2005, p.xxii)37

.

A CGU dispõe de 2.729 servidores ativos (em 2013)38

, dos quais 2.480 (cerca

de 90%) são provenientes das carreiras de finanças e controle (Técnicos e Analistas

de Finanças e Controle39

). Destes, a maior parte vinculam-se à Secretaria Federal de

Controle Interno. Estima-se que correspondam a “entre 70% e 80%” do total40

. Ou

37

Tradução livre do autor 38

Dados obtidos através da Lei de Acesso à Informação. Fonte: CGU 39

Decreto nº 4.321 40

Relato de auditor

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38

seja, cerca de 2.000. Destes, cerca de metade distribuem-se nas regionais dos Estados,

sendo o principal motivo disso as atividades de controle in loco (ainda que muitos

dediquem-se às atividades das outras secretarias).

GRÁFICO: Distribuição dos servidores ativos lotados na Controladoria-geral da

União41

Fonte: CGU / Lei de Acesso à Informação.

A princípio, desde 200242

, o órgão disporia de exatos 3.000 cargos de Analista

de Finanças e Controle e 2.000 mil de Técnico de Finanças e Controle. No entanto,

por falta de recursos, apenas metade das vagas (2.466) estão ocupadas43

. Os Técnicos

recebem de R$ 7.583,04 a R$ 9.780,92 e os Analistas, de R$ 17.335,39 a R$

21.391,1044

- salários que podem ser interpretados como atrativos, ou suficientes

“para deter a tentação e estabelecer um espírito de equipe (“esprit de corps”)”.

Em termos comparativos, o órgão tem tamanho próximo ao Tribunal de

Contas da União, órgão também de controle, porém externo, mas bem menor do que o

41

Dados relativos a 31 Dez. 2012. Fonte: CGU/Lei de Acesso à Informação. 42

Decreto nº 4.321/2002 43

Fonte: CGU/Lei de Acesso à Informação 44

Lei 11.890. Valores relativos a 1o de Janeiro de 2014.

51254 31

86

162

713

1162

GABINETE DO MINISTRO

SECRETARIA-EXECUTIVA

OUVIDORIA-GERAL

SECRETARIA DA PREV. ANT. CORRUP.

CORREGEDORIA-GERAL DA UNIÃO

SECRETARIA FEDERAL DE CONTROLE INTERNO

REGIONAIS

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39

Departamento de Policia Federal e o Ministério Público da União – o que parece

lógico.

GRÁFICO: Servidores ativos por órgão (Sistema de Integridade do Executivo

Federal)45

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados obtidos junto ao Ministério do Planejamento, da

controladoria-Geral da União, do Tribunal de Contas da União

Importante notar que a Controladoria-Geral da União conta com 404 cargos

em comissão, de livre nomeação (DAS)46

. Todavia, em respeito à Lei nº 10.180, os

ocupa preferencialmente com servidores efetivos da carreira de Finanças e Controle.

Há apenas 13 servidores comissionados sem qualquer vínculo com a Administração

Pública Federal. Entre eles, o atual ministro-chefe, Jorge Hage Sobrinho, juiz

aposentado. Isso quer dizer que os cargos da CGU não parecem ser utilizados como

moeda de troca política entre a Presidência e a base aliada, como ocorre com outros

ministérios e agências (em acordo com a lógica do “presidencialismo de coalizão”

45

Para o cálculo do total da lotação efetiva foram somados os cargos ocupados pelos servidores

estatutários (próprios e requisitados), com o total de cargos de livre provimento ocupados por

servidores em vínculo (pois os demais, que possuem cargo efetivo, já estão computados no primeiro

item) e o total de terceirizados

46

Decreto nº 5.683/2006, com alterações pelo Decreto nº 7.547, de 04.08.2011

2.729 2.657

13950

9.167

48

7468

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

16.000

CGU TCU DPF MPU (Servidores

federais)

COAF AGU

Page 42: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

40

(ABRANCHES, 1988; LIMONGI, 2007)). (Retomaremos o dado no último capítulo

desta pesquisa).

Para manter esta estrutura e realizar as atividades previstas, a CGU viu seu

orçamento crescer consideravelmente desde a sua criação, atingindo nos recentes três

anos uma média de cerca de R$ 650 milhões gastos por ano.

GRÁFICO: Gastos diretos por órgão executor por ano (Órgãos do Sistema de

Integridade do Executivo Federal)47

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados obtidos junto à Lei de Acesso à Informação, ao Ministério

do Planejamento e à Controladoria-Geral da União

Trata-se de orçamento cerca de seis vezes menor que o da Policia Federal e do

Ministério Público – número proporcional tendo em vista o quantitativo de servidores.

Ainda assim, diante das atribuições que tem, a CGU reclama enfaticamente, ano após

ano, da falta de recursos, como se observa no “Relatório de Atividades 2011”:

As principais dificuldades encontradas para a realização dos objetivos

traçados pela CGU para o exercício de 2011 decorreram da escassez

47

Legenda: CGU, gastos diretos por órgão executor/Portal da Transparência; DPF, gastos diretos por

órgão executor/Portal da Transparência; MPU, orçamento executado/PLOA; AGU gastos diretos por

órgão executor/Portal da Transparência

0

500.000.000

1.000.000.000

1.500.000.000

2.000.000.000

2.500.000.000

3.000.000.000

3.500.000.000

4.000.000.000

4.500.000.000

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

CGU

DPF

MPUAGU

Page 43: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

41

crônica de recursos humanos em face da perda de servidores e da reposição

insuficiente, assim como dos limites orçamentários e para despesas com

diárias e passagens impostos, fatores recorrentes em relação a exercícios

anteriores. (CGU, 2012)48

Fora a Secretaria Federal de Controle Interno (SFC), que será analisada em

detalhes abaixo, as outras três secretarias da CGU são a Corregedoria-Geral da União

(CRG), a Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC) e a

Ouvidoria-Geral da União.

A Corregedoria-Geral da União (CRG) responde pela coordenação das

atividades de correição administrativa no âmbito do Executivo Federal. Na sede, em

Brasília, dispõe de 162 servidores, fora outros nas regionais, para os quais não temos

dados. Entre suas atividades corretivas, promove especialmente as de sindicâncias.

Como mencionado, em dez anos, entre 2003 e 2012, 4.115 servidores foram expulsos

da administração através deste mecanismo. (Este e o outros dados serão analisados em

detalhes no capítulo 5).

A Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC) é

responsável por centralizar as ações de prevenção da corrupção. As atividades são

variadas. Envolvem desde a articulação com organizações internacionais, elaboração

de projetos de lei, criação e manutenção de portais de transparência até capacitação de

servidores e cidadãos para o controle social. Entre outros trabalhos, é a responsável

pela implementação da Lei de Acesso à Informação no âmbito do Executivo Federal e

pelo Portal da Transparência. Criado em 2004, disponibiliza em tempo real

informações sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios. No âmbito do Executivo Federal, atualmente, há

R$ 11,4 trilhões registrados em despesas, R$ 8,2 trilhões em receitas, e R$ 298

bilhões em convênios49

50

.

48

CONTROLADORIA-GERAL DA UNIAO. “Relatório Geral de atividades 2011”, p. 13. 2012. 49

Dados do Portal da Transparência. Disponível em: http://www.portaldatransparencia.gov.br/#.

Acesso em 12 Nov. 2013. 50

As informações do Portal da Transparência são extraídas do Sistema Integrado de Administração

Financeira do Governo Federal (SIAFI), da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), sendo a

responsabilidade pelos registros no sistema não da CGU, mas das unidades gestoras. A SIAFI foi

criado em 1987 e representa, nas palavras de Olivieri, “a morte da contabilidade artesanal” no

Executivo Federal (2010, p. 92).

Page 44: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

42

A Lei de Acesso à Informação51

representa um primeiro passo na direção da

chamada “transparência passiva” – quando o governo responde a pedidos do cidadão.

A lei regulamentou o acesso à informação pública, determinando prazos para a

resposta a pedidos do cidadão. Desde a sua vigência, o órgão ou entidade que recebe

um pedido deve respondê-lo em 20 dias (prorrogáveis por mais 10), sob pena de

responsabilidade. Se a informação solicitada existir e não for sigilosa52

, deverá ser

fornecida53

. O responsável pela resposta ao cidadão é o órgão ou entidade acionado,

de modo que, no âmbito do Executivo Federal, tem-se buscado mediá-los através das

ouvidorias, coordenadas pela Ouvidoria-Geral da União. Em um ano de vigência, a

partir de maio de 2012 até maio de 2013, recebeu 92.894 pedidos de informação

(média de 7145,7/mês).

Completa a estrutura da CGU a Ouvidoria-Geral da União, que é responsável

por receber, examinar e encaminhar denúncias, reclamações, elogios, sugestões e

pedidos de informação referentes a procedimentos e ações de agentes, órgãos e

entidades do Poder Executivo Federal. A secretaria também tem a competência de

coordenar tecnicamente o segmento de Ouvidorias do Poder Executivo Federal, bem

como de organizar e interpretar o conjunto das manifestações recebidas e produzir

indicativos quantificados do nível de satisfação dos usuários dos serviços públicos

prestados.

Importante observar que, diferentemente de outras experiências do mundo –

como, por exemplo, as de Suécia, Reino Unido e Peru –, as ouvidorias do Brasil não

dispõem de competências nem para a promoção e defesa dos direitos fundamentais,

nem para controle, investigação e persecução de irregularidades. Em verdade, nestes

51

Lei nº 12.527/11 52

Art. 23, da Lei nº 12.527/11: “São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do

Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito

possam: I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; II -

prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que

tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais; III - pôr em

risco a vida, a segurança ou a saúde da população; IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira,

econômica ou monetária do País; V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das

Forças Armadas; VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou

tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional; VII -

pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus

familiares; ou VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização

em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações”. Disponível em:

http://www.acessoainformacao.gov.br/acessoainformacaogov/acesso-informacao-brasil/legislacao-

integra-completa.asp#10 Acesso em 07 Nov. 2013 53

Se a informação não existir ou exigir trabalho específico para a produção, o órgão ou entidade fica

isento da responsabilidade

Page 45: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

43

países as ouvidorias caracterizam-se como órgãos de ombudsman: realizam o controle

externo da administração, em alguns casos com condições de promover ações

judiciais. No Brasil, a Constituição de 1988 reservou este papel ao Ministério Público

e, em parte, às defensorias. Assim, as ouvidorias no Brasil são entidades vinculadas à

administração pública, aproximando-se mais do papel de promoção do controle

interno, da transparência e do controle social, do que propriamente de ombudsman.

2.3 O QUE É E O QUE FAZ A SECRETARIA FEDERAL DE CONTROLE

INTERNO

A Secretaria Federal de Controle Interno representa o centro gravitacional dos

trabalhos da CGU. Como vimos, responde por cerca de 70% a 80% dos funcionários.

Seus Analistas e Técnicos de Finanças e Controle são responsáveis por preparar a

prestação de contas da Presidência da República ao Congresso Nacional e controlar a

execução de políticas públicas, comprovando a legalidade e avaliando os resultados

do ponto de vista da eficácia, eficiência e economicidade.

Qualquer gasto público do Executivo Federal pode ser objeto das auditorias da

SFC, inclusive aqueles derivados de convênio, contrato de repasse ou instrumento

congênere junto a Estados, municípios, autarquias, empresas públicas, fundações,

institutos, ONGs etc. Incidem por exemplo desde sobre as políticas públicas

promovidas pelo Governo Central, através de seus ministérios, até repasses para o

Bolsa Família, para o “Sistema S”54

, ou mesmo para bolsas de estudo, como a que

este autor recebe através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPQ), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Para se ter uma ideia, em 2012, os recursos arrecadados pelo Executivo

Federal somaram R$ 1,029 trilhão55

. Eis o espectro do controle da SFC. Sob o

federalismo brasileiro, ganham ainda maior relevância. Isso porque quase um quinto

do arrecadado é repassado a Estados e Municípios, e a SFC é a responsável por

controlar tais gastos. Em 2012, foram R$ 198 bilhões (19% do total).

54

O “Sistema S” abarca instituições como SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio)

e o SESI (Serviço Social da Indústria). 55

Reportagem de O Estado de S. Paulo, 23 de janeiro de 2013, disponível em:

http://economia.estadao.com.br/noticias/economia+geral,receita-federal-arrecada-r-1029-trilhao-em-

2012,141649,0.htm. Acesso em: 03 Nov. 2013

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44

Historicamente, o controle interno restringiu-se à verificação da legalidade e à

elaboração da prestação de contas para o controle externo (SPINELLI, 2008)56

,

realizando-se enquanto trabalho de escritório, com contadores e auditores analisando

documentos. No entanto, há cerca de 20 anos, um reordenamento do sistema, a partir

da criação da Secretaria Federal de Controle Interno, em 1994, permitiu ao Executivo

Federal iniciar um controle sistemático in loco da execução de políticas públicas,

observando a “materialidade terrestre”57

do trabalho dos ministérios e agências.

Este movimento não foi ocasional. Ocorreu em acordo com uma ampla

modificação no paradigma da gestão pública, que de “burocrática” passou a buscar ser

“gerencial”, especialmente partir dos anos 80 (BRESSER-PEREIRA, 2010), tendo

como objetivo municiar gestores com informações úteis ao aprimoramento das

gestões (OLIVIERI, 2010).

Do ponto de vista do combate à corrupção, interessa o respeito à legalidade58

.

Quer sejam auditorias de legalidade, quer sejam de “avaliação”, observam a

regularidade do uso do recurso público, identificando desvios e mal-usos. Ainda

assim, a auditoria in loco traz um diferencial: amplia o escopo do controle. Se, por

exemplo, um prefeito presta contas corretamente sobre a distribuição de remédios

prevista no repasse da União, mas na prática não entrega o serviço, só pode ser

efetivamente comprovado o dano mediante observação direta, nos postos de saúde

locais. O mesmo vale para uma empresa comprometida com a construção de uma

rodovia. Se de fato cumpriu o acordo, se a espessura do asfalto corresponde à

prometida, se há sinalização etc., só é possível comprovar mediante auditoria in loco.

A SFC classifica em três tipos as atividades de controle interno:

- Avaliação da Execução de Programas de Governo

- Avaliação da Gestão dos Administradores

- Ações Investigativas

56

Tecnicamente, na Administração Pública Federal, pode-se interpretar que o controle interno é

articulado em torno dos seguintes órgãos/atividades: Planejamento e orçamento: Ministério do

Planejamento; Administração Financeira e Contabilidade: Secretaria do Tesouro Federal; e

propriamente “controle interno” (auditorias e fiscalizações): Secretaria Federal de Controle. 57

Expressão de auditor durante entrevista a este autor. 58

Como as auditorias não visam avaliar o mérito das políticas, mas a qualidade da execução dos gastos,

fundamentam-se nos textos dos programas de governo e principalmente nos Planos Orçamentário

Plurianual (PPA) e Orçamentário Anual (POA).

Page 47: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

45

A Avaliação da Execução de Programas de Governo refere-se às auditorias in

loco. Em conjunto com as unidades regionais, a SFC realiza em todo o território

nacional verificações sobre a execução de recursos públicos federais, permitindo o

aprimoramento das gestões.

Entre as atividades, a mais publicizada é o Programa de Sorteios. De tempos

em tempos, a CGU sorteia, por meio das loterias da Caixa Econômica Federal,

Municípios e Estados que serão objeto de auditoria. Os recursos monitorados,

naturalmente, restringem-se àqueles provenientes do Executivo Federal – mas, como

vimos, trata-se de montante considerável. A fiscalização ocorre no período de uma

semana, focando em geral os recursos da área social. Criado em 2003, já auditou

1.965 cidades (35% dos municípios brasileiros), fiscalizando recursos totais da ordem

de R$ 18,4 bilhões59

.

Fatalmente, irregularidades são encontradas. Embora não tenhamos nos

debruçado sobre todos os quase 2 mil relatórios nos dez anos analisados, é

sintomático observar que em quase todos há problemas. Um exemplo recente refere-

se ao Programa Bolsa Família60

. Em 2013, a 36ª edição dos Sorteios apontou ao

menos 2,8 mil irregularidades no execução da política. Todos os 24 municípios

fiscalizados apresentaram pelo menos uma irregularidade, sendo o principal problema

a entrega do benefício a pessoas com renda superior à estabelecida61

. (No capítulo

seguinte, veremos quais desdobramentos podem ser adotados para a devida

responsabilização).

O segundo tipo de atividades do controle interno é a Avaliação da Gestão dos

Administradores, que aproxima-se do modelo clássico de auditorias, ocorrendo na

maior parte em através de análise de documentos, em escritório. Subdividem-se em

sete tipos:

- Auditorias Anuais de Contas

- Auditorias de Acompanhamento da Gestão

59

Fonte: CGU. 60

O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação

de pobreza (renda familiar per capita de R$ 70,01 a R$ 140,00) e de extrema pobreza (renda familiar

per capita de até R$ 70,00). Em 2012, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à

Fome (MDS), a transferência direta de renda alcançou 13,9 milhões de famílias 61

Contas Abertas. CGU aponta irregularidades no Bolsa Família de 24 municípios fiscalizados. Jan.

2013. Disponível em: http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/883. Acesso em: Abr. 2014.

Page 48: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

46

- Auditorias nos Contratos e Financiamentos Externos e nos Projetos de

Cooperação Técnica Internacional

- Tomadas de Contas Especiais

- Monitoramento dos Gastos de Pessoal

- Prestação de Contas do Presidente da República

- Relatório de Gestão Fiscal

As Auditorias Anuais de contas voltam-se em especial à instrução do processo

de prestação de contas dos ministérios que subsidiará o julgamento pelo Tribunal de

Contas da União. As Auditorias de Acompanhamento da Gestão objetivam manter um

acompanhamento contínuo e sistemático dos atos de gestão. Nas Auditorias nos

Contratos e Financiamentos Externos e nos Projetos de Cooperação Técnica

Internacional, a CGU realiza auditorias de avaliação de desempenho e conformidade

dos contratos de empréstimo e doação firmados com organismos internacionais de

financiamento, bem como de projetos de cooperação técnica internacional executados

por órgãos e entidades da administração pública federal em parceria com organismos

internacionais cooperantes.

Já as Tomadas de Contas Especiais são instrumento para obtenção de

ressarcimento frente eventuais prejuízos causados a partir de irregularidades e serão

analisadas no capítulo 5, quando nos debruçaremos sobre os trabalhos de

responsabilização da corrupção promovidos pela CGU.

O Monitoramento dos Gastos de Pessoal visa verificar a legalidade dos

pagamentos dos servidores públicos federais no âmbito do Poder Executivo. Como

destaca a CGU, “a despesa com pessoal representa o segundo maior dispêndio da

União, perdendo apenas para a Previdência Social, o que requer da CGU atenção

especial para a correta aplicação dos recursos públicos nesta área”62

.

Já a Prestação de Contas do Presidente da República é o documento que

apresenta o desempenho do Poder Executivo Federal ao Congresso Nacional, que,

após avaliação prévia do Tribunal de Contas da União, pode ser aprovado, rejeitado

ou aprovado com ressalvas pelos parlamentares federais.

62

Trecho reproduzido do portal da CGU. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/. Acesso em 07. Fev.

2014

Page 49: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

47

Por último, o Relatório de Gestão Fiscal, consolidado a cada quatro meses,

contém informações relativas à despesa total com pessoal, dívida consolidada,

concessão de garantias e operações de crédito63

.

O último tipo de auditorias, as Ações Investigativas, consistem em trabalhos

focados diretamente no efetivo combate à corrupção, e envolvem cooperação com

outros órgãos, tais como Polícia Federal, Ministério Público, Tribunal de Contas da

União, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), entre outros. São três

os tipos de Ações Investigativas:

- Auditorias Especiais

- Operações Especiais

- Demandas Externas

As Auditorias Especiais são realizadas, em geral, nos órgãos públicos federais.

“Os trabalhos têm origem nas solicitações de autoridades dentro do próprio governo

ou de decisão da própria CGU, tendo em conta as denúncias veiculadas na imprensa

ou a avaliação de risco desenvolvida pelo órgão central de Controle Interno do Poder

Executivo Federal”64

.

As operações especiais, por sua vez, são ações específicas em conjunto com o

Departamento da Polícia Federal (DPF/MJ) e o Ministério Público. Serão tratadas no

capítulo 5, junto com as Demandas Externas.

As Demandas Externas, por sua vez, representam as auditorias realizadas a

partir de pedidos ou denúncias encaminhadas à CGU. Por lei, é responsabilidade do

Controle Interno do Poder Executivo Federal dar o devido tratamento às

representações ou denúncias relativas à lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio

público recebidas65

. Atendem tanto a requisições de autoridades responsáveis por

órgãos da Administração Pública, como representantes de entidades e cidadãos. O

63

A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas

voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, exige, em seu art. 54, a emissão, ao final de cada

quadrimestre, pelos titulares dos Poderes e órgãos referidos no art. 20, do Relatório de Gestão Fiscal

assinado pelo respectivo Chefe e pelas autoridades responsáveis pela administração financeira e pelo

controle interno, bem como por outras autoridades que vierem a ser definidas por ato próprio de cada

Poder ou órgão 64

Trecho reproduzido do portal da CGU. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/. Acesso em 07. Fev.

2014 65

Lei n.º 10.683/2003

Page 50: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

48

produto destes trabalhos, o relatório das auditorias, são enviados ao Tribunal de

Contas da União e, ainda, se for o caso, à Polícia Federal e ao Ministério Público.

No gráfico abaixo, vemos a distribuição dos tipos de auditorias realizadas pela

CGU nos dez anos estudados.

GRÁFICO: Tipos de auditorias realizadas pela SFC, medidas por ordens de

serviço

Fonte: CGU

Primeiramente, antes de analisarmos os dados, uma ressalva deve ser feita.

Entrevistas junto a servidores do órgão apontam que a forma de mensuração das

auditorias, através de “ordens de serviço”, se alterou ao longo dos anos. De acordo

com os relatos, nos primeiros anos, a CGU emitia uma ordem de serviço para cada

ação específica. Nos anos seguintes, tais ordens teriam passado a condensar uma

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

14000

16000

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Ações Investigativas

Avaliação da Execução de programas de governo

Avaliação da Gestão dos Administradores

Auditorias nos Contratos e Financiamentos Externos

Programa de Sorteios em municípios

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49

quantidade maior de atividades, reduzindo o valor total mensurado. Essa mudança na

unidade de media parece causar distorções em alguns dados que analisaremos ao

longo desta dissertação. Infelizmente, não conseguimos precisar quando esta mudança

começou a ocorrer e nem exatamente quanto distorce os dados obtidos.

No gráfico, observa-se que a maioria das atividades correspondem a auditorias

in loco. Se somarmos o total das auditorias de “Avaliação da Execução de Programas

de Governo” e “Programa de Sorteios em Municípios”, teremos 81.491 auditorias

dentre um total de 119.152, ou pouco mais de 2/3. Por outro lado, vemos que nos

recentes anos essa porcentagem cai. Em 2012, de um total de 9.275 auditorias, cerca

de metade (4.619) correspondem às auditorias in loco, de modo que, a despeito da

queda, seguem representando parte considerável dos trabalhos. (Ainda assim, é

importante salientar que, entre as Ações Investigativas, também ocorrem fiscalizações

in loco, mas não temos os dados discriminados).

Interessante notar também que não há grandes variações ao longo dos dez

anos observados, à exceção dos dois tipos de auditorias in loco. Vemos que as

auditorias em programas do governo praticamente não existiam (fora no ano de 2003,

que parece um ponto fora da curva). Seu crescimento começa a ocorrer mais

aceleradamente entre 2006 e 2007, em movimento inverso ao das auditorias do

Programa de Sorteios (gráfico abaixo), que são reduzidas.

Gráfico: Número de municípios auditados pela SFC no Programa de Sorteios

Fonte: CGU

281

400

300

180 180

120

180 180

120

84

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

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50

Aparentemente, o governo passou a focar mais o controle sobre a própria

gestão em detrimento dos municípios e Estados. “Primeiro, tivemos uma entrada

maior do acompanhamento de programas de governo, com outra técnica, de

roteirização. [...] Fizemos outros tipos de fiscalizações, ordinárias, ou até por

demandas. E por questões operacionais. Como já estávamos operando em outras

frentes, a gente diminuiu o número de municípios fiscalizados”66

.

Neste cenário, a área mais segura parece ser a de pessoal. “Hoje é muito difícil

ter um pagamento com inconsistência. Fizemos um trabalho conjunto com o

Ministério de Planejamento”67

. Entre as menos cobertas, avalia-se que há “um

problema com as compras governamentais. Não existe hoje no executivo um sistema

de preço. Funciona por itens, não por atacado. [...] É lógico que tem gordura. Se as

compras fossem centralizadas, seria mais fácil. Mas cada órgão faz suas compras. É

impossível cobrir tudo isso”68

.

Tendo em vista este cenário, avaliaremos nos capítulos seguintes como este

sistema de controle interno pôde ser utilizado para o combate à corrupção.

66

Relato da Secretária de Controle Interno-adjunta, Marlene Alves Albuqerque, em 2013. 67

Idem. 68

Idem.

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51

3 A INSTRUMENTALIZAÇÃO DO CONTROLE INTERNO PARA O

COMBATE À CORRUPÇÃO

3.1 PARADOXOS DO CONTROLE INTERNO

Em apenas dez anos, a CGU se tornou reconhecida pelo seu papel no combate

à corrupção. Um certo ethos relacionado ao tema parece caracterizar a imagem desta

agência. O órgão tornou-se fonte obrigatória de jornalistas de política em busca de

casos de corrupção, seu ministro-chefe é praticamente um porta-voz nacional e

internacionalmente do tema, fora outros fatos já relatados, como a formalização de

acordos junto a órgãos internacionais e a participação direta na elaboração e

implementação das leis da Transparência e de Acesso à Informação. Mas é

sintomático observar que sua gênese remete a um paradigma mais amplo, de

democratização do Estado. Assim, a estruturação do novo sistema de controle interno,

que hoje a CGU coordena e que correspondem à maior parte dos trabalhos, objetivava

o aprofundamento da accountability governamental, através do incremento de seu

aspecto gerencial, e não o combate à corrupção.

Durante a década de 1990, observa-se o início da transição “de um lado, do

Estado do regime autoritário para o democrático, e, de outro, do aparelho do Estado

de uma administração pública burocrática para uma administração pública gerencial”

(BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 8). Neste movimento, o controle interno passou a

cumprir funções de accountability entre a burocracia e os gestores e também entre os

gestores e a chefia do Executivo Federal, controlando não apenas a regularidade no

uso dos recursos públicos, mas também a performance dos gestores na execução de

políticas públicas.

Neste sentido, quando Wood e Waterman (1991), citados por Olivieri (2006),

relacionam accountability a tais trabalhos, a accountability observada não é aquela

accountability horizontal de O‟Donnell (que debatemos no capítulo 1), mas a que

recai na relação entre políticos e burocratas e, mais especificamente, na possibilidade

de comando e controle por parte dos políticos eleitos sobre a máquina pública,

permitindo que as promessas de campanha transformem-se em políticas públicas.

Page 54: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

52

Certamente, uma das muitas virtudes deste novo paradigma é reconhecer que,

desde Max Weber, a burocracia configurara-se como “um dos grupos de poder mais

estratégicos do mundo contemporâneo” (LOUREIRO; ABRÚCIO; PACHECO, 2010,

P. 13). No caso brasileiro, onde a Administração Pública Federal direta e indireta

conta com cerca de um milhão de servidores ativos no Executivo Federal69

, como

pode o titular da Presidência da República mover a máquina em vista dos anseios do

eleitor? Se, neste caso, a Presidência não tem mecanismos para implementar as

políticas prometidas, então a burocracia o fará, isolada, “insulada” (NUNES. 1999),

sem responder e responsabilizar-se perante o cidadão. Ou seja, sem accountability.

Nesse sentido, a democratização do Estado e o aprofundamento da accountability

passam necessariamente pelo aprofundamento do controle da performance das

gestões.

Não vamos nos aprofundar no histórico do controle interno neste trabalho

(dado que não é o tema a que nos propomos), mas alguns processos relacionados são

importantes para a devida compreensão do objeto que estudamos. A literatura

evidencia que o reordenamento do controle interno do Executivo Federal respondeu

ao interesse do aprimoramento das gestões (BALBE, 2008; OLIVIERI, 2010). Houve

um movimento de centralização organizacional e descentralização geográfica dos

trabalhos com o objetivo principal de viabilizar o controle in loco, da “verdade

terrestre”, da “materialidade dos fatos”70

, relacionados à execução de políticas

públicas (BALBE, 2008). Este processo se deu em oposição ao modelo anterior, das

Cisets, onde o sistema se caracterizava pelos trabalhos de escritório, focados na

regularidade das contas, e por ser centralizado geograficamente e descentralizado

organizacionalmente.

Ao longo da década de 1990, um importante debate ocorreu entre os auditores

das ainda existentes Cisets e da SFC. De um lado, havia defensores da “auditoria”, e

de outro, da “fiscalização” (termos que atualmente não carregam diferenças). O

argumento daqueles que defendiam o modelo antigo, mais focado na verificação da

legalidade, era de que o controle poderia se desvirtuar e perder qualidade com as

novas tarefas. A outra parte, defendia “a visão de que o importante, com a

69

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Tabela 2.28 do “Boletim

Estatístico de pessoal”, Dezembro de 2012. Disponível em:

http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/servidor/publicacoes/boletim_estatistico_

pessoal/2012/Bol200_Dez2012.pdf

70

Expressões de servidores entrevistados

Page 55: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

53

democratização, era se conhecer os 8 milhões de metros quadrados [do Brasil]. Com o

processo de descentralização das políticas, de municipalização, o SUS estava

nascendo... era a visão de que o controle não deveria ser meramente formal,

meramente contábil”71

.

O produto deste debate foi a extinção das Cisets em 2000 e o fortalecimento

do controle in loco, voltado ao aprimoramento das gestões. Entre as conseqüências

deste movimento, vemos que o número de ações de controle se multiplicou72

e o papel

de assessoramento ao controle externo teve importância reduzida. Sob Estados

Republicanos, o Poder legislativo é a primeira e talvez a mais importante instituição

de controle do Poder Executivo. Além de sua participação na elaboração das políticas

públicas, dispõe de alguns mecanismos de verificação da legalidade dos atos da

administração, como as Comissões Parlamentares de Inquérito e o poder de aprovar

ou não as contas presidenciais. Pois “apoiar o controle externo no exercício de sua

missão institucional” é tarefa constitucional do controle interno do Executivo. O que

observa-se, no entanto, com a expansão das tarefas do controle interno para além do

controle de legalidade é, ao mesmo tempo, a manutenção deste assessoramento e, pela

primeira vez, o subsídio sistemático ao aprimoramento das gestões. “Com o

nascimento da Secretaria Federal de Controle, com a prevalência da atividade de

Avaliação de Programas, a atividade de apoio ao controle externo, que até então

ocupava talvez 90% da nossa atividade, deixou de ser a atividade prevalente”73

.

Assim, com a SFC, o controle interno passou a atender tanto a demandas do Poder

Legislativo como do Poder Executivo.

Como observa Olivieri (2010), ainda que simbolicamente, a Constituição

Federal já havia sugerido a mudança de enfoques ao trazer para o primeiro inciso do

artigo constitucional que trata do controle interno a avaliação da execução de

programas de governo, ao reforçar o enfoque na avaliação dos resultados

(mencionando o enfoque na “eficácia e eficiência”) e ao relegar o assessoramento ao

controle externo do 1o para o 4

o inciso:

71

Relato de auditor da SFC a este autor em 2013. 72

De acordo com Olivieri, “o volume total de ações de controle aumentou quase quatro vezes entre

1995 e 2000, passando de 5.199 ações de controle para 19.008 (SFC, 2000, p. C-284). Paralelamente

ao aumento quantitativo das ações de controle, ocorreu o aumento da quantidade de programas e do

volume de recursos fiscalizados. Entre 1995 e 2000 a quantidade de projetos e atividades fiscalizados

mais que dobrou (passando de 73 para 200 projetos), e o volume de recursos auditados mais que

decuplicou (passando de 11 para 118 bilhões de reais)” (OLIVIERI, 2010, p. 9). 73

Entrevista de Ronald Balbe, Diretor de Planejamento da SFC, a este autor, em Novembro de 2013.

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54

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de

forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a

execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e

eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e

entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos

públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem

como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

A título de comparação, na Constituição de 1967, o assessoramento ao

controle externo figurava em primeiro lugar, da seguinte forma:

Art 72 - O Poder Executivo manterá sistema de controle interno, visando a:

I - criar condições indispensáveis para eficácia do controle externo e

para assegurar regularidade à realização da receita e da despesa;

II - acompanhar a execução de programas de trabalho e do orçamento;

III - avaliar os resultados alcançados pelos administradores e verificar

a execução dos contratos.

Além deste, um outro importante debate de paradigmas se estabeleceu no

interior do órgão em 2002. Nesta data, como já exposto, a SFC foi transferida para o

interior da Corregedoria-Geral da União74

. Aparentemente, sob o calor de acusações

de corrupção, o governo FHC simplesmente submeteu um órgão que hoje tem cerca

de 2.000 servidores a um com cerca de 200, e os trabalhos de controle interno

passaram a conter a rubrica da “Corregedoria”.

À época, esta manobra não foi bem aceita por parte dos auditores. “A visão

daquele órgão era de que tinha o perfil punitivo, diferente do controle até então”75

.

Entendiam que, quando um auditor aproxima-se de qualquer instituição já com a

intenção de encontrar irregularidades e indicar procedimentos punitivos, não é bem

recebido. A tendência é que o órgão fiscalizado dificulte o acesso aos documentos e

74

Decreto n° 4.177 75

Relato de Ronald Balbe, Diretor de Planejamento da SFC (2013), e auditor da SFC desde 1996.

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55

setores, e que esta reação, além de atrapalhar os trabalhos de auditoria, inviabilizaria o

objetivo de contribuir com o aprimoramento das gestões.

Talvez se tratasse apenas de um problema de interpretação. “No preto branco,

essa dicotomia não é completamente verdadeira”76

. Afinal, quando um auditor da SFC

realiza seu trabalho, necessariamente observa tanto a eficácia e eficiência da execução

das políticas públicas como possíveis irregularidades. Em termos técnicos, não

necessariamente há um “trade-off” entre combate à corrupção e aprimoramento da

gestão durante os trabalhos dos auditores.

Apesar disso, o ex-Secretário de Prevenção da Corrupção da CGU, Mário

Spinelli, observa que, a despeito de os trabalhos poderem se referir aos dois objetivos,

a responsabilidade do auditor em discernir um caso do outro é fundamental:

PERGUNTA: Há um trade-off entre o aprimoramento da gestão e o

combate à corrupção [nos trabalhos de controle interno]?

Mário Spinelli: Não. Acho que o grande desafio de um órgão de controle é

saber separar o bom gestor – que eventualmente pode cometer falhas

menores, pontuais – do gestor que de fato se beneficia da corrupção. Essa

distinção é essencial [...] Ter uma postura incisiva frente o gestor que se

beneficia indevidamente dos recursos públicos daquele outro que tem boas

intenções e que precisa de um apoio. Ou seja, de um órgão que tem uma

atuação transversal que pode checar todo e qualquer ato de gestão.

PERGUNTA: Então cumpre um papel importante o discernimento do

auditor...

Mário Spinelli: Acho que tem que ter as duas formas de ação. Tem

momentos em que tem que ter de fato o que a gente chama de “auditor

farejador” [...], e tem momentos em que você tem que ter o auditor que é

uma pessoa mais moderada, mas sempre tendo a percepção de que se

detectar um caso de corrupção, ele tem que aprofundar. Acho que dá para

fazer muito bem as duas coisas. Um auditor com certa experiência, com

“felling”, já percebe se há má-fé. [...]

Por outro lado, um simples problema de interpretação talvez pudesse ensejar

um vício cultural no interior do Estado, de modo que órgãos fiscalizados rejeitassem

76

Idem.

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56

sistematicamente o trabalho da SFC. Para o primeiro Controlador-Geral da União,

esta confusão não era saudável. Não por outro motivo, na troca de gestões

Presidenciais em 2003, a SFC deixou de fazer parte da Corregedoria para fazer parte

da recém-criada Controladoria-Geral da União, e Pires assim se expressou em seu

discurso de posse:

Não gostava do titulo Corregedoria [...]. Penso, quem sabe?!, poderemos,

um pouco mais adiante, conseguir no Legislativo uma nomenclatura mais

explicitamente democrática, que encerre, nela mesma, a mensagem

valorosa da cidadania, da dignidade da condição humana, que é a essência

do Estado Democrático de Direito. Nesse caso, então, chegaríamos à idéia

do chefe da Controladoria chamar-se Ministro de Estado do Controle e da

Transparência. (trecho do Discurso de posse de Waldir Pires, reproduzido

de livro de Olivieri (2010, p. 169)).

No capítulo anterior, vimos que ao longo dos últimos dez anos houve o

crescimento do controle in loco sobre os programas de governo (“Avaliação da

Execução de Programadas de Governo”) em detrimento do controle sobre municípios

(“Programa de Sorteios”). Isso sugere (mas certamente não confirma) que nos últimos

dez anos a SFC passou a focar mais o aprimoramento da gestão do que o combate à

corrupção. Esse também é o discurso oficial do órgão. Ainda assim, uma

compreensão maior sobre a existência ou não de algum trade-off requereria um

trabalho mais aprofundado.

De qualquer forma, a aproximação entre a Corregedoria-Geral e a SFC traria

importantes consequências para o combate à corrupção. Ao mesmo tempo em que os

trabalhos da SFC contribuiriam objetivamente em muitas melhorias nas gestões, como

mostra em muitos exemplos Olivieri (2010), as irregularidades flagradas também

passariam a ensejar a instauração de procedimentos sancionadores e a contribuir com

investigações da Polícia Federal e do Ministério Público. Pois este expertise

instrumentalizado para o combate à corrupção seria a “moeda” da CGU ara tornar-se

um importante ator na dinâmica de accountability horizontal do Estado.

Neste momento, é importante fazer a seguinte distinção: o nosso tema, ainda

que volte sua atenção às mesmas atividades, não é o do aprimoramento da gestão.

Tratamos da integridade do Estado, ou seja, não de uma questão de governos e

preferências políticas, mas da qualidade da república brasileira. Tratamos de

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accountability horizontal. Mas eis o fato: não é coincidência que atualmente o

controle interno esteja desempenhando importante papel nas duas pontas. O

aprofundamento do controle interno nos moldes apresentados pode servir às duas

causas:

Combate à corrupção e controle interno são duas atividades diferentes, mas

que podem confluir na medida em sejam realizadas por um mesmo órgão,

ou que a auditoria verifique irregularidades que possam ser enquadradas

como ilícitos, ou seja, como atos de corrupção. No Brasil, a mesma

instituição, a CGU, realiza o controle interno e tem atribuições de combate

à corrupção. (OLIVIERI, 2011, p. 104)

3.2 A INSTRUMENTALIZAÇÃO DO CONTROLE INTERNO PARA O

COMBATE À CORRUPÇÃO

O que chamamos neste trabalho de instrumentalização do controle interno

para o combate à corrupção não é nada mais do que a utilização sistemática de

informações produzidas por auditorias do controle interno a respeito de

irregularidades flagradas para a instauração de processos sancionadores. Este

movimento se desenvolveu através de dois processos. O primeiro, dentro da própria

CGU, através da coordenação das quatro secretarias do órgão em torno dos trabalhos

de correição administrativa. O segundo, através da articulação da CGU com outros

órgãos do Sistema de Integridade brasileiro.

Em primeiro lugar, vemos que a Secretaria Federal de Controle Interno e a

Corregedoria-Geral da União estabeleceram padrões sistemáticos de trabalho. Com a

criação da CGU, os relatórios de auditorias passaram a buscar relacionar as

irregularidades flagradas às leis correlatas e aos autores, facilitando a produção de

conjuntos probatórios convincentes para a efetiva condução de processos

administrativos sancionadores. O ministro da CGU, Jorge Hage, nos descreveu o

processo:

O primeiro grande esforço nosso foi integrar essas duas áreas. Fazer com

que a produção da SFC, que basicamente são relatórios de auditorias e

fiscalizações, contendo constatações de irregularidades, fraudes, [fosse]

encaminhado para a Corregedoria, para que a partir dali ela instaurasse

Page 60: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

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sindicâncias e processos disciplinares [...] e punisse os responsáveis por

esses ilícitos.

Os dois procedimentos administrativos mais eficazes para o combate à

corrupção disponíveis no Direito Administrativo Brasileiro são os Processos

Administrativo-Disciplinares (PADs) e as Tomadas de Contas Especiais (TCEs). Os

primeiros indicam sanções disciplinares sobre servidores públicos envoltos em

irregularidades, podendo resultar até em expulsão com perda de aposentadoria. Os

segundos indicam sanções sobre irregularidades em contas, podendo resultar até em

pedidos de ressarcimento, multas ou declaração de inidoneidade. Ambos serão

abordados em detalhes no capítulo seguinte.

Como já relatado, o número de expulsões aplicadas a partir de PADs quase

dobrou entre 2003 e 2012, subindo de 272 em 2003 para 528 em 201277

. No caso das

TCEs, vemos crescimento ainda maior. A soma dos montantes relacionados aos

processos era de R$ 404 milhões em 2003 e passou para R$ 1,45 bilhão em 2012.

Além disso, entre 2005 e 2012, 684 pessoas passaram a ser consideradas inabilitadas

para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, e 466 empresas foram

declaradas inidôneas para licitar com a Administração Pública Federal78

.

Antes de recomendar a instauração dos procedimentos, a CGU afirma

privilegiar o saneamento do problema junto aos gestores. Assim, antes de serem

publicados os relatórios, os gestores são notificados sobre as irregularidades, de modo

que haja a real possibilidade de ajustes antes da publicação e que a justificativa possa

constar no documento. Nossa análise sobre os relatórios confirma que esta prática é

padrão. Não observamos um caso em que não figure ou a justificativa do gestor, ou já

o saneamento adotado ou, eventualmente, simplesmente a recusa em responder.

Em alguns casos, verificam-se apenas irregularidades formais, de modo que o

saneamento do problema antes mesmo da publicação do relatório pode evitar

constrangimentos maiores, contribuindo para a eficiência do Estado. Em outros,

irregularidades concretas são observadas, mas o dano observado é irrisório, de modo

77

Entende-se “pena capital” como “demissão”, “destituição” e cassação de aposentadoria” 78

O banco de dados de empresas declaradas inidôneas e de pessoas consideradas inabilitadas para o

exercício de cargo em comissão ou função de confiança está disponível no Portal da Transparência

(alimentado pela CGU) - http://www.portaldatransparencia.gov.br/ceis/Consulta.seam, e no portal do

TCU - http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/responsabilizacao/inidoneos.

Acesso em: 03 Nov. 2013

Page 61: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

59

que a instauração de procedimentos sancionadores poderia ser até antieconômica.

(Estima-se que a condução de um processo administrativo-disciplinar custe até R$

150 mil, devido ao deslocamento de ao menos três servidores para as funções de

comissão sindicante durante meses, fora os custos operacionais – abordaremos o caso

no capítulo 479

). Nestes casos, privilegia-se a sanção do problema junto à

administração, cientes de que o poder coercitivo pode servir inclusive como moeda de

negociação para que ajustes sejam realizados:

Antes da (criação da) Corregedoria, o Controle Interno recomendava e

ficava por isso mesmo. O gestor poderia dizer: “Não vou implementar”.

Como falei, nós não temos força para apenar. A criação da Corregedoria

veio dar conseqüências às ações de controle80

.

Ou seja, dependendo de como o mecanismo é operado, não apenas o controle

interno pode subsidiar o combate à corrupção, como o risco de punição pode forçar

ajustes na gestão pública, dando “dentes” às ações de controle e contribuindo com o

aprimoramento das gestões.

No entanto, quando a CGU desconfia que há conluio ou má-fé, pode

aprofundar a auditoria, cruzando outros dados. Se confirma a hipótese de corrupção,

requisita então a instauração de procedimentos administrativos e/ou convoca outros

órgãos do Sistema de Integridade para que instaurem inquéritos (Polícia Federal) e

realizem a persecução judicial dos casos (Ministério Público).

Sabemos que a CGU não tem poder para apreender documentos e

computadores, realizar prisões preventivas, pedir quebras de sigilos bancários, fiscais

ou telefônicos, inquirir testemunhas etc. Por isso, a interpretação sobre se determinada

irregularidade caracteriza-se como corrupção, e que portanto requer a instauração de

procedimentos sancionadores, envolve a observância de alguns indícios. Por

exemplo, se as mesmas irregularidades são regra da empresa que realizou as obras, eis

um indício. Se a empresa tem vínculos com familiares do administrador, eis outro

indício. Se o montante envolvido é muito alto, também desconfia-se.

Para a instauração de procedimentos administrativos, a partir do recebimento

dos relatórios, cabe a cada ministério tomar as medidas corretivas em sua área. Mas

79

Estimativa informal realizada por auditor da Corregedoria-Geral da União. 80

Relato de Marlene Alves de Albuquerque, Secretária Federal de Controle Interno – Adjunta, dada a

este autor em Marco de 2013.

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60

não fica totalmente a critério do gestor a decisão. A revelação da irregularidade e sua

notificação praticamente forçam a instauração dos procedimentos, sob pena de

responsabilidade solidária. Portanto, quando a CGU notifica o gestor, praticamente

instaura o procedimento.

Além disso, na ausência de reação, a Controladoria tem competência para

instaurar ela mesma os procedimentos. No caso dos PADs, foram 410 casos em dez

anos. Entre eles, por exemplo, um envolvendo a ex-chefe do Gabinete Regional da

Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, que estava

envolvida em irregularidades investigadas pela Operação Porto Seguro, da Polícia

Federal. À época, afirmou-se que era “amiga íntima” do então ex-presidente Lula81

.

Como ocupava cargo de livre nomeação, foi exonerada à época. Mas com o PAD sua

exoneração foi convertida em destituição de cargo público, pena que equivale à

demissão para servidores sem vínculo com o serviço público82

.

No caso das TCEs, como veremos no capítulo seguinte, as auditorias da SFC

são as principais responsáveis pela descoberta de irregularidades e pela posterior

instauração do procedimento. Além disso, pelo menos desde 2007 a CGU deve, por

lei83

, manifestar-se sobre a adequada apuração dos fatos antes da certificação ao

Tribunal de Contas da União, de modo que todos os processos desde então passaram

por ela. No período, a CGU analisou cerca de 9 mil processos.

As denúncias provenientes de cidadãos também passaram a ser processadas

através de um padrão sistemático. Uma vez recebidas pelas Ouvidorias da

Administração Pública Federal (ou, eventualmente, pelos canais de comunicação de

outras secretarias da CGU), são repassadas à Ouvidoria-Geral e avaliadas. Se há

mínima materialidade, repassa à SFC, que estuda sua consistência, de modo a

descartá-la ou somá-la à agenda de auditorias. Se é de natureza grave, dá prioridade.

Em dez anos, 3.347 auditorias foram realizadas a partir de denúncias do cidadão.

De acordo com a Secretária Federal de Controle Interno – Adjunta, tal

sistemática é produto dos trabalhos da CGU:

81

Folha de S. Paulo. Relação com Lula explica influência de ex-assessora. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/81121-relacao-com-lula-explica-influencia-de-ex-

assessora.shtml. Acesso em: Abr. 2014. 82

CGU. CGU aplica pena de destituição de cargo público a Rosemary Noronha. Disponível em:

http://www.cgu.gov.br/Imprensa/Noticias/2013/noticia11213.asp. Acesso em: Abr. 2014. 83

Instrução Normativa TCU 56/2007

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61

A questão de denúncias sempre existiu. Lógico que sem esse canal com o

cidadão. Não existia essa sistemática [...] Com a criação da CGU, quando

se estruturou da forma como é hoje, com a Ouvidoria-Geral, com a

Secretaria de Prevenção da Corrupção [...], essa relação ficou mais forte.

Finalmente, vemos que a CGU também aprofundou a cooperação junto a

outros órgãos, como Ministério Público e Policia Federal. Em dez anos, 4.526

auditorias foram realizadas a partir de demandas destes dois órgãos. Além disso, a

própria CGU, quando identifica irregularidades graves, as repassa para os órgãos

competentes para a devida investigação e persecução, muitas vezes cooperando em

operações especiais. Em dez anos, a CGU participou de 122 operações desta natureza.

De acordo com Hage,

[A articulação com outras instituições de defesa do Estado] foi uma das

diretrizes definidas por nós desde que chegamos. Articulação

interinstitucional. Isso está em todos os nossos planos de ação anuais. Ou

seja, partindo do entendimento de que nenhum instituição sozinha pode dar

conta do enfrentamento deste problema, de corrupção [...] Do mesmo

modo que o crime organizado, a bandidagem organizada, a fraude é

organizada, o conluio é uma combinação entre os fraudadores. Os órgãos

de defesa do Estado tem que se organizar também. Isso foi uma diretriz

explícita. E aí passamos a celebrar convenio com a Policia Federal e com

os Ministérios Públicos desde 2003, 2004.

Cada um desses processos será analisado em mais detalhes nos dois capítulos

seguintes. Acreditamos que devem reforçar o argumento da instrumentalização do

controle interno para o combate à corrupção 1) o crescimento de sanções

administrativas e os trabalhos realizados pela CGU em torno destes resultados

(capítulo 4); 2) o crescimento da participação do controle interno em trabalhos de

outros órgãos do Sistema de Integridade (capítulo 5); e 3) a deliberada vontade

política dos gestores em aprofundar esta instrumentalização (capítulo 6).

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62

4 RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DA CORRUPÇÃO

Desde a Redemocratização, como apontado na introdução, importantes

avanços têm sido atingidos no Brasil no que tange às atividades de “accountability

horizontal”, de modo que pode-se afirmar que o Sistema de Integridade que o Brasil

tem hoje é melhor do o que tinha logo após a promulgação da Carta de 1988. Por

outro lado, uma das pontas falhas do combate à corrupção reside na baixa

responsabilização dos casos. Não por outro motivo, o diagnóstico apresentado pela

literatura é paradoxal: “O Controle no Brasil democrático aumentou; a sanção

permanece baixa; e a corrupção se reproduz e pauta negativamente a opinião pública”

(FILGUEIRAS, 2011, p. 150).

Entre os motivos para este estado de coisas figura a baixa celeridade do Poder

Judiciário, que prevê inúmeros recursos e protelações – embora concorram também

questões pertinentes aos Códigos de Processo, à baixa transparência e a suspeitas de

altos índices de corrupção entre os magistrados. O problema é crônico e afeta não

apenas o combate à corrupção mas também o fundamento primeiro do Estado de

Direito: o primado da lei. Infelizmente, este contexto tende a favorecer ricos que

podem pagar por bons advogados, e prejudicar os pobres, que dependem dos serviços

públicos para se defenderem – reforçando o estigma onde a Justiça reprime mais

aqueles que já estão em condições desfavorecidas.

De acordo com o Balanço Anual do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),

havia “quase 90 milhões” de processos correndo na Justiça brasileira em 2012 (CNJ,

2012, P. 33). Quase um para cada dois cidadãos. Durante o ano de 2012, 28 milhões

de processos foram iniciados, enquanto 26 milhões foram baixados, sendo proferidas

23,7 milhões de sentenças e decisões84

. Ou seja, a Justiça brasileira está cada vez mais

congestionada. Em relação a 2010, o total de casos novos cresceu 8,8%85

.

Por isso, aprimorar a celeridade do Judiciário é tarefa secular e incontornável

da Democracia Brasileira, necessária inclusive para o combate à corrupção. Ainda

assim, complementar a esta demanda, o contexto reforça a importância também do

84

CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual CNJ 2012. Disponível em:

http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/relatorio2012.pdf. Acesso em: 03 Nov. 2013

85

IDEM.

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63

aprimoramento de outros procedimentos às vezes esquecidos que podem contribuir

com a responsabilização da corrupção. Entre eles, as responsabilizações por vias

administrativas.

De imediato, vale sublinhar: sob a perspectiva do Direito, responsabilizações

administrativas, cíveis e penais são coisas diferentes. Em seu “Manual de Processo

Administrativo Disciplinar”, a CGU indica as diferenças:

Falta do cumprimento dos deveres no exercício da função pública ou em

razão de transgressão de deveres ou proibições dão margem à

responsabilidade administrativa; danos patrimoniais causados à

Administração Pública ou a terceiros ensejam a responsabilidade civil; e a

prática de crimes funcionais e contravenções, a responsabilização penal.

(CGU, 2013, p. 21)

Para que as responsabilizações administrativas representem efetivo impacto

para o tema aqui tratado é necessário que prevejam sanções minimamente impactantes

e que sejam justas. Justas porque o desejo de punir corruptos não deve operar sem

freios, respeitando diretos individuais. E impactantes porque a pena deve tornar alto o

custo da corrupção perante os benefícios do risco.

Entre os procedimentos mais impactantes previstos no Direito Brasileiro

figuram os Processos Administrativo-Disciplinares (PADs) e as Tomadas de Contas

Especiais (TCEs). Além da cooperação com outros órgãos do Sistema de Integridade,

são esses os principais mecanismos utilizados pela CGU no período estudado que

garantiram o aprofundamento da responsabilização da corrupção no Estado.

Os primeiros podem resultar até em expulsão de servidores com perda de

aposentadoria. Os segundos, em pedidos de ressarcimento, multas, declaração de

inidoneidade etc. Nesse sentido, vale notar: ainda que declarações de inidoneidade

devam desagradar empresas que prestam serviços ao Estado, nem as TCEs nem os

PADs representam punições impactantes para empresários, doleiros ou mesmo altos

políticos. Servem antes para afastar as más práticas da administração.

Um dos aspectos positivos destes procedimentos é a celeridade. Os PADs

devem durar até 140 dias, e as TCEs devem ser instauradas em até 180 dias após a

entrega da prestação de contas anual.

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64

Enquanto a TCE visa à recomposição do erário, o PAD busca a correta

observância de normas de conduta, sendo que os elementos de um processo podem

inclusive subsidiar a análise do outro.

Se, por exemplo, uma prefeitura não usa adequadamente ou simplesmente

desvia os recursos repassados pela União, e este fato é identificado através do

controle interno, o gestor responsável (digamos, o titular do Ministério da Educação)

pode iniciar uma Tomada de Contas Especiais (TCE) em vista de recuperar o recurso.

Pode também, simultaneamente, instaurar um Processo Administrativo-Disciplinar

(PAD), em vista de responsabilizar disciplinarmente os servidores públicos federais

envolvidos.

4.1 TOMADA DE CONTAS ESPECIAIS

Tomada de Contas ou Prestação de Contas são procedimentos anuais

obrigatórios que têm o objetivo de demonstrar a movimentação dos bens e recursos

geridos pelos órgãos e entidades públicas. Entre as atividades desta natureza que a

SFC realiza, figuram a Auditoria Anual de Contas, a Prestação de Contas do

Presidente da República e os Relatórios de Gestão Fiscais.

A Tomada de Contas Especiais, por sua vez, objetiva apurar os fatos

específicos relativos a eventual prejuízo causado ao erário, identificar o(s)

responsável(is) e quantificar o dano. Qualquer unidade jurisdicionada, pessoa jurídica

ou civil, da Administração Direta ou Indireta, pode ser objeto de responsabilização

via TCE. No caso da Administração Pública Federal, envolvem desde ministérios até

municípios, OSCIPs, ONGs etc.

Os fatos motivadores de instauração de TCE são86

:

- Omissão no dever de prestar contas;

- Irregularidades na aplicação dos recursos;

- Não cumprimento do objeto conveniado;

86

De acordo com Enunciado de Súmula nº 187 do TCU, para ocorrer a responsabilização

necessariamente deve ser verificado que um agente público tenha agido em descumprimento à lei ou

que tenha deixado de atender ao interesse público, quando da omissão no dever de prestar contas, da

não comprovação da aplicação de recursos, da ocorrência de desfalque, alcance, desvio ou

desaparecimento de dinheiros, bens ou valores públicos, ou de prática de ato ilegal, ilegítimo ou

antieconômico de que resulte dano à administração pública federal.

Page 67: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

65

- Prejuízos causados por servidor ou empregado público;

- Não aprovação da prestação de contas.

As TCEs só são instauradas quando esgotadas as medidas administrativas

cabíveis. Objetivamente se, por exemplo, uma auditoria da CGU em determinado

município observa que os repasses federais para a obtenção de determinados

medicamentos não foram corretamente aplicadas, o gestor responsável – no caso, o

ministro da Saúde – contata o prefeito local cobrando explicações. Digamos que os

remédios foram adquiridos mas por alguma falha de gestão não estavam nas estantes

dos postos de saúde. Neste caso, o prefeito toma medidas administrativas para

disponibilizá-los à população, sanando o problema e dispensando a instauração de

TCE. O mesmo pode ocorrer, por exemplo, frente uma prestação de contas mal-

executada, uma obra inacabada que deveria estar pronta, ou junto à manutenção de

equipamentos. Nestes casos, quando não há dolo nem prejuízos substanciais, o

interesse expresso do controle interno é o “aprimoramento da gestão”:

O principal destinatário das ações de controle é o ministério gestor. O que

se espera é que produza melhorias ou, eventualmente, sanções

administrativas [...] O resultado nasce com a adoção das providências.

Todo o nosso foco tem sido voltado para isso. [...] As auditorias de

desempenho não tem o objetivo de multar, sancionar [...](BALBE,

ENTREVISTA)

Se, no entanto, observa-se que a irregularidade é grave, que houve desvios,

dolo e/ou não execução da atividade prevista, a autoridade competente deve

providenciar auditoria para caracterizar o dano e instaurar a Tomada de Contas

Especial87

, sob pena de responsabilidade solidária.

Mas a TCE também pode ser instaurada por recomendação dos órgãos de

controle interno88

ou por determinação do próprio Tribunal de Contas, nos casos de

omissão na prestação de contas ou inércia na instauração da TCE pelo gestor. A TCE

pode ser, ainda, oriunda de conversão de outros processos de controle externo, tais

87

Instrução Normativa/TCU n° 71, de 28/11/2012

88

Art. 50, III, da Lei 8.443/92

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66

como denúncia, representação, inspeção e processos de registro de atos de pessoal89

.

As TCEs só devem ser instauradas se o dano ao erário, atualizado

monetariamente, for de valor igual ou superior à quantia estabelecida pelo Tribunal,

atualmente fixada em R$ 23.000,0090

. Se o dano for de valor inferior, a autoridade

administrativa federal competente, além de buscar a execução de medidas

administrativas internas visando ao ressarcimento pretendido, deve providenciar a

inclusão do nome do responsável no Cadastro Informativo dos débitos não quitados

de órgãos e entidades federais (Cadin) e em outros cadastros afins91

.

No TCU, os processos poderão ser julgados regulares (dando quitação plena

aos responsáveis), regulares com ressalva (falhas formais) ou irregulares. Podem

ainda ser considerados iliquidáveis (trancamento das contas por impossibilidade de

julgamento) ou arquivados sem apreciação do mérito92

. Quando as contas são

julgadas irregulares, há sanções que podem ser aplicadas, decisão que tem eficácia de

título executivo extrajudicial93

. As possíveis penalidades são:

- Pedido de ressarcimento

- Multa;

- Declaração de inabilitação do responsável para o exercício de cargo em

comissão ou função de confiança na Administração Pública Federal (de cinco

a oito anos);

- Declaração de Inidoneidade de Licitante94

;

- Arresto de Bens95

;

- Registro no Cadastro de Contas Irregulares (Cadirreg)96

e /ou no Cadastro

Informativo dos Débitos não Quitados de Órgãos e Entidades Federais (Cadin)

89

Art. 47 da Lei 8.443/92 90

IN/TCU 56/2007, art. 11 91

Art. 1º, §3º, c/c art. 5º, §2º, da Instrução Normativa TCU 56/2007 92

Arts. 197 a 213 do Regimento Interno do TCU 93

Art. 71, § 3º, da CF/88 e art. 585, VII, do CPC 94

Verificada a ocorrência de fraude, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante para participar,

por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal.

95

O Tribunal não tem o poder de, por si, executar tal medida, que se dá em âmbito judicial. A

competência do Tribunal é a de requerer a medida à Advocacia-Geral da União ou a dirigentes de

entidades que lhes são subordinadas via Ministério Público. Uma vez decretada a medida, a liberação

dos bens arrestados depende de uma prévia autorização do Tribunal. Artigo 61 da Lei nº 8.443/92

96

O Cadirreg é o cadastro mantido pelo TCU daqueles que tiveram suas contas, ordinárias,

extraordinárias ou especiais, julgadas irregulares

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67

Após o julgamento, o responsável é notificado para, no prazo de quinze dias,

recolher o valor devido. Se não pagar, é formalizado um processo de cobrança

executiva, o qual é encaminhado ao Ministério Público para, por meio da Advocacia-

Geral da União (AGU) ou das unidades jurisdicionadas ao TCU, promover a cobrança

judicial da dívida ou o arresto de bens.

Além disso, o próprio julgamento das contas pela irregularidade já apresenta,

como conseqüência, a inclusão em cadastro a ser enviado à Justiça Eleitoral, a partir

do qual o responsável poderá figurar na lista de inelegíveis. Assim, seja através da

inclusão no Cadin, no Cadirreg ou entre a lista de não elegíveis, as TCEs contribuem

com o aprimoramento funcional da gestão, afastando mau-feitos.

As TCEs estão previstas em legislação pelo menos desde 196797

. Mas ao

menos desde 200798

, o controle interno, por meio da SFC, é responsável por produzir

um relatório e um certificado de auditoria sobre todas as TCEs, manifestando-se sobre

a adequada apuração dos fatos antes da certificação ao Tribunal de Contas da União.

Assim, ilustrativamente, um ciclo completo de responsabilização através de

TCE figuraria da seguinte forma:

97

Decreto-Lei n° 200

98

Instrução Normativa TCU 56/2007

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68

Fonte: Elaboração do autor.

No período estudado, entre 2003 e 2012, 9.339 TCEs foram notificadas pelo

Executivo Federal ao TCU, no valor total de R$ 9,17 bilhões, distribuídos da seguinte

forma:

GRÁFICO: CGU e TCU – Número de Tomadas de Contas Especiais (TCEs) por

ano e por etapa de tramitação

Page 71: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

69

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados apresentados pela CGU (baseados nos sistemas Ativa e

Novo Ativa) e dos Relatórios de Gestão do TCU

Embora o número de TCEs certificadas ao TCU não apresente crescimento

estável ao longo dos anos analisados, cresceram os montantes envolvidos (gráfico

abaixo). Em 2003, eram da ordem de R$ 404 milhões. Em 2012, saltaram para R$

1,45 bilhão. Cresceram também os montantes relativos aos pedidos de ressarcimento.

Em 2005, o TCU requereu R$ 348 milhões em ressarcimentos ao erário. Em 2012, R$

1,24 bilhão.

GRÁFICO: Valores totais anuais dos pedidos de ressarcimento e multas

determinados pelo TCU a partir de Tomadas de Contas Especiais (TCEs) (em

R$) x Retorno Potencial calculado pela CGU

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012CGU - TCEs analisadas CGU - Certificadas ao TCU Apreciados pelo TCU

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70

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados apresentados pela CGU (baseados nos sistemas Ativa e

Novo Ativa) e dos Relatórios de Gestão do TCU

Legenda: Não há dados relativos às atividades do TCU entre os anos de 2003 e 2004

O principal fato motivador de certificação de TCE por parte da CGU ao TCU

é a “omissão no dever de prestar contas” – evento não necessariamente relacionado ao

mal-uso do recurso público ou à corrupção (embora tal hipótese não esteja

descartada). No entanto, somadas, “Irregularidades na aplicação dos recursos”, “Não

cumprimento do objeto conveniado” e “Prejuízos causados por servidor ou

empregado público” representam quase metade do total (47%). Ou seja, havendo dolo

ou não, estes casos configuram claros prejuízos ao erário que estão sendo combatidos

através das TCEs.

GRÁFICO: Fatos motivadores de certificação de Tomadas de Contas Especiais

(TCEs) pelo Executivo Federal ao Tribunal de Contas da União (TCU) entre

2003 e 2012

0,00

200.000.000,00

400.000.000,00

600.000.000,00

800.000.000,00

1.000.000.000,00

1.200.000.000,00

1.400.000.000,00

1.600.000.000,00

1.800.000.000,00

2.000.000.000,00

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012Total do retorno potencial a partir de TCEs apresentadas pela CGU (Em R$)

Pedidos de ressarcimento realizados pelo TCU (total em R$)

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71

Fonte: Elaboração do autor a partir de dados apresentados pela CGU

A partir destes procedimentos, além das sanções pecuniárias, outras medidas

foram adotadas. Entre 2005 e 2012, 684 pessoas passaram a ser consideradas

inabilitadas para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, e 466

empresas foram declaradas inidôneas para licitar com a Administração Pública

Federal99

.

4.1.2 O PAPEL DA CGU NA CERTIFICAÇÃO DE TCES

Infelizmente, não dispomos de indicadores sobre a procedência das

identificações das irregularidades que redundaram em TCEs. Não sabemos, portanto,

quanto do total das TCEs certificadas pelo Executivo Federal ao TCU referem-se a

irregularidades flagradas a partir de auditorias da CGU.

No entanto, primeiramente, sabemos que a CGU teve ativo papel pelo menos

desde 2007 manifestando-se sobre a adequada apuração dos fatos antes da certificação

ao Tribunal de Contas da União100

.

99

O banco de dados de empresas declaradas inidôneas e de pessoas consideradas inabilitadas para o

exercício de cargo em comissão ou função de confiança está disponível no Portal da Transparência

(alimentado pela CGU) - http://www.portaldatransparencia.gov.br/ceis/Consulta.seam, e no portal do

TCU - http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/responsabilizacao/inidoneos.

Acesso em: 03 Nov. 2013

100

Instrução Normativa TCU 56/2007

4297

2956

2149

950

1168

478505

173 Omissão no dever de prestar contas

Irregularidades na aplicação dos recursos

Não cumprimento do objeto conveniado

Prejuízos causados por servidor ou empregado público

Não aprovação da prestação de contas

Irregularidade praticada por bolsista ou pesquisador

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72

Em segundo lugar, a origem das TCEs instauradas pelo Poder Executivo

podem nos dar uma pista. No período estudado, observa-se que mais da metade foram

instauradas pelos Ministérios da Saúde, da Educação e da Previdência Social,

principais focos do Programa de Sorteios.

Page 75: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

73

GRÁFICO: Distribuição das Tomadas de Contas Especiais por Ministério

instaurador - Entre 2003 e 2012.

FONTE: CGU

3.788

3.280

MS - Ministério da Saúde

MI - Ministério da Integração Nacional

MEC - Ministério da Educação

MF - Ministério da Fazenda

MTE - Ministério do Trabalho e Emprego

MP - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

MMA - Ministério do Meio Ambiente

MinC - Ministério da Cultura

MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia

MPS - Ministério da Previdência Social

MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MT - Ministério dos Transportes

MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário

ME - Ministério do Esporte

MJ - Ministério da Justiça

MCid - Ministério das Cidades

MTUR - Ministério do Turismo

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74

Se observarmos a mesma distribuição do ponto de vista do total dos montantes

envolvidos, a lógica também não se altera significativamente. Os ministérios mais

auditados pela SFC são os sobre os quais mais TCEs foram notificadas:

GRÁFICO: Distribuição dos montantes envolvidos nas Tomadas de Contas

Especiais certificadas pelos Ministérios instauradores - Entre 2003 e 2012.

Page 77: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

75

FONTE: CGU

MS - Ministério da Saúde

MI - Ministério da Integração Nacional

MEC - Ministério da Educação

MF - Ministério da Fazenda

MTE - Ministério do Trabalho e Emprego

MP - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.MMA - Ministério do Meio Ambiente

MinC - Ministério da Cultura

MCT - Ministério da Ciência e Tecnologia

MPS - Ministério da Previdência Social

MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à FomeMT - Ministério dos Transportes

MDA - Ministério do Desenvolvimento AgrárioME - Ministério do Esporte

MJ - Ministério da Justiça

MCid - Ministério das Cidades

MTUR - Ministério do Turismo

MC - Ministério das Comunicações

MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio ExteriorMET - Ministério do Esporte e Turismo

MPAS - Ministério da Previdência e Assistência SocialPR - Presidência da República

MME - Ministério das Minas e Energia

MPA - Ministério da Pesca e Aquicultura

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76

Desde o surgimento do programa de Sorteios, em substituição ao programa de

Fiscalização em Municípios, o foco dos trabalhos passou a ser a “área social”, em

especial saúde, educação e previdência social, como aponta Balbe:

Tínhamos, primeiro, que concentrar esforços onde os problemas eram mais

graves, onde era passível tomar decisões estruturantes. Passamos a

concentrar na área social. [...] Concentramos nos Ministérios da Saúde, da

Educação e da Previdência Social.

Portanto, ainda que não se possa afirmar com 100% de certeza que o

crescimento dos montantes relacionados às TCEs tenha sido causado pelo trabalho

das auditorias in loco da SFC, observa-se uma forte coincidência entre as áreas mais

frequentes que são objeto de TCEs e o foco dos trabalhos da CGU.

Por outro lado, curiosamente áreas onde é mais recorrente a “grande

corrupção” quase não aparecem no gráfico. Enquanto o Ministério da Saúde

representa 34% dos montantes relativos a TCEs no período, e Educação, 11%,

Cidades e Transportes não ultrapassam 1% cada um. Tentaremos tratar do assunto no

capítulo 6, mas antecipamos que nos faltam dados para compreender conclusivamente

o motivo de tais disparidades.

4.1.3 O (BAIXO) RESSARCIMENTO À UNIÃO

Responsável pela representação judicial da União, a Advocacia-Geral da

União (CGU) calcula que, enquanto os pedidos de ressarcimento de bens

determinados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2011 somaram R$ 2,14

bilhões, apenas R$ 330 milhões foram recuperados no mesmo período – ou seja,

15,3%101

.

O órgão tem, entre suas metas expressas, “garantir a recomposição e a

manutenção do patrimônio e das finanças públicas” e “aprimorar a coordenação e

101

Alem disso, R$ 338,63 milhões foram bloqueados ou penhorados, e R$ 30 milhões retornaram

através de acordos. ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Relatório de Gestão 2011. Disponível em:

http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=186877&id_site=9544&ordena

cao=1 Acesso em: 06 Nov 2013.

Page 79: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

77

especialização da atuação em questões patrimoniais e financeiras”102

. Apesar disso, a

AGU comemorara o índice, uma vez que nos anos anteriores fora bem menor:

GRÁFICO: Taxa de recuperação de recursos da União a partir de ações

promovidas pela Advocacia-Geral da União

Fonte: Relatório de Gestão de 2012 da Advocacia-Geral da União

A despeito das aparentes melhorias, fica evidente a baixa eficácia deste

mecanismo para o devido ressarcimento do patrimônio público. Por outro lado,

registros nas listas de inadimplentes e inelegíveis representam importantes medidas

para afastar más-práticas das gestões.

Após a exposição sobre os Processos Administrativo-Disciplinares,

exploraremos alguns casos concretos relacionados a ambos os procedimentos.

4.2 PROCESSOS ADMINISTRATIVO-DISCIPLINARES (PADs)

102

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO. Relatório de Gestão 2011. Disponível em:

http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=186877&id_site=9544&ordena

cao=1 Acesso em: 06 Nov 2013.

0,06%0,79%

1,64% 1,70%

6,28%

2,58%

6,93%

15,39%

0,00%

2,00%

4,00%

6,00%

8,00%

10,00%

12,00%

14,00%

16,00%

18,00%

1 2 3 4 5 6 7 8

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78

O procedimento mais eficaz para a responsabilização na esfera administrativa

do Executivo Federal parece ser o processo Administrativo-Disciplinar (PADs).

Previsto na Lei do Servidor Público (8.112/90), é um tipo de sindicância

administrativa (“contraditória”) que destina-se a responsabilizar disciplinarmente

servidores públicos envoltos em ilicitudes. As penalidades podem chegar à demissão

com cassação de aposentadoria, corriqueiramente tratadas na administração pública

como “penas capitais”, embora não sejam produto de ações penais.

As penalidades revistas são as seguintes:

I - advertência;

II - suspensão;

III - demissão;

IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade;

V - destituição de cargo em comissão;

VI - destituição de função comissionada.

Nesses casos, a demissão será aplicada mediante alguma das seguintes

verificações (art. 132):

I - crime contra a administração pública;

II - abandono de cargo;

III - inassiduidade habitual;

IV - improbidade administrativa;

V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;

VI - insubordinação grave em serviço;

VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima

defesa própria ou de outrem;

VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;

IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;

X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;

XI - corrupção103

;

103

Inciso XI do art. 117, da Lei 8.112/1990: “Atuar, como procurador ou intermediário, junto a

repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes

até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro”.

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79

XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

No caso de infração relativa aos incisos IX e XI do art. 117 (“revelação de

segredo” e “corrupção”), a demissão ou a destituição de cargo em comissão

incompatibiliza o ex-servidor para nova investidura em cargo público federal pelo

prazo de cinco anos. Nos outros casos, a tipicidade da infração é de natureza

gravíssima e o servidor, se demitido, não poderá retornar ao serviço público. Se for

identificado dano financeiro, o artigo 46 prevê formas de indenização na própria

esfera administrativa104

.

Como se nota, alguns dos incisos citados relacionam-se a outras leis, como,

por exemplo, “improbidade administrativa” (Lei 8.429/92), ou ainda “corrupção”.

Adiante, observaremos a que outras leis se relacionam e como são interpretadas no

julgamento dos PADs. Além disso, como se nota, o conteúdo de alguns dos incisos

não correspondem propriamente a corrupção. “Insubordinação” ou “ofensa física” são

exemplos. No item “O que punem os PADs?”, isolaremos os casos que nos

interessam. Por ora, vamos focar os detalhes do rito procedimental, fundamental para

a observância do respeito aos diretos do sindicado.

Os PADs são instaurados a partir de pedido da autoridade do órgão, agência

ou Poder no qual o servidor público105

está lotado, dando origem a um ciclo de

instauração, inquérito administrativo e julgamento106

. O processo dura, a princípio,

oitenta dias, não podendo passar de 140 dias, após os quais prescreve. São sessenta

dias para o prazo inicial, mais sessenta dias de prorrogação, mais 20 dias do

julgamento.

Na fase de instauração, uma “autoridade instauradora” – o ministro ou algum

gestor de cargo superior ao do sindicado - cria o processo e estabelece uma Comissão

Disciplinar. Esta comissão deverá ter dois ou mais servidores estáveis, sendo que no

caso dos PADs, recomenda-se que sejam compostas por no mínimo três. A autoridade

104

A indenização ocorre mediante desconto em folha de pagamento, podendo ser parcelada em até 60

dias, sendo que cada parcela não pode ser superior a 10% da remuneração do servidor . A não quitação

do débito no prazo previsto implica inscrição em dívida ativa para cobrança por meio de ação de

execução judicial, apresentada ao Judiciário, no caso do Poder Executivo Federal, pela Advocacia-geral

da União. Ainda assim, vencimentos, remunerações o proventos de servidores não podem ser objeto de

arresto, sequestro ou penhora. 105

De acordo com o Direito Administrativo, servidor público é “a pessoa legalmente investida em

cargo público”. 106

O rito sumario ocorre apenas em casos de abandono de cargo, inassiduidade habitual e acumulação

ilícita de cargos.

Page 82: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

80

instauradora indica, ainda, o presidente da comissão, que deve ter nível de

escolaridade igual ou superior ao do servidor sindicado. (Quando é a própria

Corregedoria-Geral que instaura o processo, a convocação para a composição da

Comissão Disciplinar é “irrecusável”).

Na fase seguinte, de inquérito administrativo, a Comissão Disciplinar colhe as

provas e formula a acusação, se for o caso, para julgamento. Em 2001, duas leis

complementares (104 e 105) estabeleceram ainda que, mediante decisão da comissão,

pode ser feito o pedido de quebra dos sigilos fiscal e bancário do sindicado. Tais

informações são protegidas, sendo utilizadas exclusivamente no processo, embora

sejam acessíveis em relatórios parciais e finais, aos quais o Ministério Público tem

acesso.

Como qualquer outro processo legal contraditório, de acordo com a

Constituição Federal, deve respeitar o direito da ampla defesa, do contraditório e da

presunção da não culpabilidade. Nesse sentido, fica assegurado ao servidor o direito

de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e

reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se

tratar de prova pericial.

Na fase de Julgamento, a Comissão Disciplinar, em seu relatório conclusivo,

sugere a aplicação da pena ou a absolvição, e a Autoridade Julgadora – que pode ser

composta pelos mesmos membros da Autoridade Instauradora – define o veredicto.

Em casos de suspensão de 90 dias, demissão ou cassação de aposentadoria, a decisão

deverá ser necessariamente referendada por um dos seguintes atores, de acordo com o

Poder onde ocorreu o processo: Presidente da República, Presidentes das Casas do

Poder Legislativo e dos Tribunais Federais, Procurador-Geral da República e

Presidente do Conselho Nacional de Justiça. No caso do Poder Executivo federal, a

Presidência da República autorizou, por meio de decreto107

, aos respectivos ministros

de Estado de cada pasta e ao Advogado-Geral da União as mesmas atribuições.

Assim, um ciclo completo de responsabilização através de PADs realiza-se da

seguinte forma:

107

Decreto nº 3.035/99

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81

Fonte: Elaboração do autor

Tais normatizações, apesar de preverem respeito aos direitos individuais,

revelam certa preponderância de uma das partes envolvidas, com prejuízo para o

sindicado. A mesma autoridade que define quem compõe a comissão sindicante

também pode julgar o processo. Embora o veredicto do PAD esteja sujeito a controle

externo do Judiciário, o tempo entre o final do processo e o julgamento jurídico bem

como possíveis danos à imagem do sindicado são potenciais consequências de um

processo administrativo contraditório enviesado. Ainda assim, em acordo com os

princípios do Direito Administrativo, tal prática objetiva primeiramente afastar más-

práticas da administração, sem redundar em condenações penais – motivo pelo qual

este desequilíbrio não nos parece exatamente injusto. Ainda assim, adiante,

observaremos um dado de controle: a porcentagem de reversões das punições no

Poder Judiciário.

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82

4.2.1 O QUE PUNEM OS PADs?

Como vimos, os PADs podem punir desde casos de “lesão aos cofres

públicos” até “agressão física”. Para validar o argumento apresentado na introdução

deste artigo – o de que os PADs representam uma forma eficaz de responsabilização

da corrupção -, é necessário que uma quantidade substantiva de “penas capitais”

sejam relativas a casos de corrupção.

Entre as leis que abarcam ilícitos relacionados à corrupção, figuram, por

exemplo, as de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro,

formação de quadrilha e improbidade administrativa. É a partir destas normas

jurídicas que os PADs tipificam os casos envoltos na palavra “corrupção” (inciso XI)

e na palavra “improbidade administrativa” (inciso IV). A principal delas são as leis

4.878/65, a lei 8.429/92 (“Improbidade Administrativa”) e, naturalmente, a Lei

8.112/90, do Servidor Público.

A Lei de Improbidade Administrativa é bastante completa e prevê inúmeras

situações passíveis de sanção. No caso da lei 4.878/65, o artigo 43, que dispõe sobre o

que são “transgressões disciplinares”, elenca 63 casos. Entre eles, figuram desde

“simular doença” até “receber propinas”. Enfrentamos, a partir de agora, portanto, o

problema de isolar o que seja responsabilização da corrupção de o que seja

responsabilização de outros casos de irregularidades. Felizmente, em trabalho com a

Corregedoria-Geral da União, realizamos esta tarefa, obtendo a determinação

normativa utilizada nos PADs na esfera do Executivo Federal. São considerados

corrupção os seguintes casos:

Lei 4.878, artigo 43, inciso IX: “Receber propinas, comissões, presentes ou

auferir vantagens e proveitos pessoais de qualquer espécie e, sob qualquer

pretexto, em razão das atribuições que exerce;

Lei 4.878, artigo 43, inciso LXI: “Cobrar carceragem, custas, emolumentos ou

qualquer outra despesa que não tenha apoio em lei”

Lei 8.112, artigo 117, inciso IX: “Valer-se do cargo para lograr proveito

pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”

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83

Lei 8.112, artigo 117, inciso XII: “Receber propina, comissão, presente ou

vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições;

Lei 8.112, artigo 117, inciso XIII: “Aceitar comissão, emprego ou pensão de

estado estrangeiro”;

Lei 8.112, artigo 117, inciso XVI: “Utilizar pessoal ou recursos materiais da

repartição em serviços ou atividades particulares”;

Lei 8.112, artigo 131, inciso X: “Lesão aos cofres públicos e dilapidação do

patrimônio nacional;

Lei 8.112, artigo 131, inciso XI: “Corrupção;

Lei 8.429 (“Lei de Improbidade Administrativa”) 108

No gráfico abaixo, todas as penas expulsivas aplicadas a partir de PADs na

Administração Pública Federal entre 2003 e 2012 estão reunidas, discriminadas pelo

tipo do ilícito flagrado. Se somarmos os casos relativos aos incisos acima destacados,

veremos que os PADs de fato incidem majoritariamente sobre a corrupção. São 2.714

casos em um total de 4.125, ou seja, 66%, ou 2/3 do total.

GRÁFICO: PADs: principal motivação para expulsão e cassação de

aposentadoria (2003-2012)109

108

As apurações da prática de atos de improbidade administrativa podem desenrolar-se

administrativamente por ensejarem conduta indisciplinar prevista no art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90.

Podem também desenrolar-se penalmente, quando implicar a prática de tipo criminal previsto na

legislação penal. E podem, também, desenrolar-se civilmente, nos moldes da própria Lei nº 8.429/92.

Enquanto a administrativa apura a falta funcional (ilícito administrativo) pela prática de ato de

improbidade administrativa, de um lado a instância civil vai apurar o mesmo ato e suas repercussões

civis, aplicando as sanções previstas na Lei nº 8.429/92, e do outro, a instância penal vai apurar a

eventual prática de crime, de acordo com o rito do processo penal. 109

Fora os casos já descritos, relativos à corrupção, o gráfico ilustra outros. Veja a legenda: Gerencia:

Art. 117, inciso X (participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não

personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário; Desídia:

servidor que age de forma desleixada, descuidado ou desatento (Art. 117, inciso XV);

Inassiduidade/abandono : Art. 132, inciso III (inassiduidade habitual). Tal infração caracteriza-se pela

ausência ao serviço por 60 ou mais dias, em um período de 12 meses, sem causa justificada. Tratam-se

de dias úteis, não incluindo fins de semana, feriados e dias de ponto facultativo intercalados entre os

dias de ausência; Acúmulo: Art. 132, inciso XII (acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções

públicas)

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84

FONTE: Controladoria-Geral da União

4.2.2 REVERSÕES JUDICIAIS DOS PADs

Como exposto, decisões tomadas nos PADs podem ser questionadas no Poder

Judiciário. Afinal, injustiças podem ser cometidas e o respeito aos direitos individuais

pede que haja alguma forma controle externo. Além disso, dados sobre reversões

judiciais também servem de indicador sobre a qualidade da fundamentação dos

processos. Se houver muitas reversões, reforça-se um indício de baixa eficiência e/ou

de abuso de poderes. Mas não é o que ocorre. De um total de 4.125 “penas capitais”

aplicadas em dez anos, houve, no mesmo período, 389 reversões no Judiciário –

pouco menos de 10%. (Não dispomos de dados das ações em curso):

GRÁFICO: PADs: Punições Expulsivas aplicadas x Reintegrações no Judiciário

926

2421

87

125 45293

227Abandono, Inassiduidade ou Acumulação

Corrupção (Leis 4878 e 8112)

Desconhecido

Desídia

Gerência

272

324289

374

445

378

438

519558

528

39 35 49 36 4626

4729 30

52

0

100

200

300

400

500

600

2003200420052006200720082009201020112012

Punições Expulsivas Aplicadas

Reintegrações no Judiciário

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85

Fonte: Corregedoria-Geral da União

Tais dados expressam, por um lado, que os inquéritos dos PADs parecem bem

realizados e, por outro, que existe a real possibilidade de reversão. Ou seja, o sistema

não parece viciado: se há ingerência contra indivíduos, parece ser empiricamente

baixa. E, nesses casos, se há punições injustas, um “contrapeso” consequente pode ser

provocado. Assim, apesar do desbalanceamento observado entre as partes em um

procedimento de PAD, este dado de controle reforça o relativo bom equilíbrio entre a

prática do processo e os princípios republicanos e liberais do Estado Democrático de

Direito brasileiro.

Mas como tais resultados foram atingidos? No ítem seguinte, faremos uma

inversão do enfoque Ciência Política/Direito para um enfoque Ciência

Política/Administração Pública.

4.2.3 O PAPEL DA CORREGEDORIA-GERAL DA UNIÃO

Observando ano a ano, vemos que o número de “penas capitais” aplicadas a

partir de PADs quase dobrou, subindo de 272 em 2003 para 528 em 2012110

. O

período coincide com a criação da Corregedoria-Geral da União, em 2001, e com a

criação da Controladoria-Geral da União, em 2003. Infelizmente, não há dados

anteriores a este ano. Não há informações também, diga-se, em relação à aplicação de

PADs nos poderes Legislativo e Judiciário111

. Ainda assim, a própria ausência de

dados e depoimentos de servidores ativos no controle interno e correição desde antes

de 2001 indicam que os PADs eram instaurados em quantidade menor:

Quero acreditar que antes da criação da CGU, o que havia é que o chefe ou

o gestor da área onde ocorria o fato buscava outras saídas que não

apuração e responsabilização, como prevê a lei, para resolver aquela

contenda. Deslocava o servidor, instaurava o procedimento para

recuperação do prejuízo, por exemplo uma TCE (Tomada de Contas

110

Entende-se “pena capital” como “demissão”, “destituição” e cassação de aposentadoria” 111

Dados dessa natureza foram requisitados aos Poderes Legislativo e Judiciário. No caso do Poder

Legislativo federal, apenas a Câmara dos Deputados apresentou informações, e mesmo assim,

incompletas. Não há dados sobre servidores expulsos através de PADs, apenas dos processos

instaurados. No período 2003-2012, foram 415 processos. No caso do Poder Judiciário, há apenas

dados dos PADs instaurados no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, e apenas para o período

2006-2012. Foram 77.

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86

Especiais), mas efetivamente não punia o servidor. Nos casos mais graves,

em que não tinha como se furtar a isso, aí sim, ele instaurava o

procedimento. Como o caso era grave e estava saltando aos olhos, no mais

das vezes o resultado teria sido a demissão112

.

A principal razão para o crescimento das responsabilizações através de PADs,

alem da revelação de irregularidades pelo controle interno, parece ter sido a

capacitação de funcionários para comporem a Comissão Disciplinar e a Comissão

Julgadora. Em 9 anos, entre 2004 e 2012, a Corregedoria-Geral da União capacitou

10.357 funcionários da administração direta e indireta através do “Manual de

Processo Administrativo Disciplinar”, elaborado pelo próprio órgão (gráfico abaixo).

GRÁFICO: Servidores capacitados pela CGU para a condução de PADs

FONTE: Controladoria-Geral da União

Este trabalho respondeu ao fato de que, antes das atividades de capacitação,

embora qualquer órgão do Poder Público já pudesse instaurar um PAD, havia poucos

funcionários com conhecimento suficiente para realizar esta tarefa. Além disso, não

havia disposição dos servidores e gestores em iniciar tais processos, pois, de acordo

com os relatos, os colegas de trabalho dos envolvidos em irregularidades tendiam a

112

Depoimento dado por servidor público da Corregedoria-Geral da União a este autor em Fevereiro de

2013.

845 833

1070

1258

1070

1439

1779

771

1292

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

2000

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

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não querer compor a comissão, constrangidos por possíveis represálias posteriores.

Depoimento de servidor da Corregedoria expressa a situação:

O órgão dizia o seguinte: apurar nossas atividades não é nossa atividade

fim. Por ser meio, nós não temos funcionários para conduzir essa apuração.

E se tivesse, eles não estariam capacitados para bem conduzir essas

atividades a ponto de ela não vir a ser anulada no Judiciário113

A solução criada pela CGU foi deslocar funcionários de outros órgãos para

compor as comissões. Com funcionários capacitados e cadastrados em um sistema

eletrônico (CGU-PAD), isso se tornou ainda mais fácil. Assim, quando a própria

CGU observa a existência de irregularidades, age para garantir a instauração do

processo. Um exemplo citado foi o seguinte: se há indícios de irregularidades, por

exemplo, no INSS, a CGU convoca servidores de outro órgão, por exemplo, da

Imprensa Nacional, de modo que possam realizar o trabalho sem constrangimentos

entre os funcionários. Vale observar que, esse movimento, além de viabilizar a

instauração dos processos, tende a dar maior imparcialidade para os julgamentos.

Um fator que concorre contra a instauração de PADs é o custo. Levantamento

da CGU calculou os valores: R$ 150 mil, em média. Isso porque são no mínimo três

funcionários deslocados, por um período que pode chegar a 140 dias, mais as

despesas de deslocamento dos membros da Comissão, do sindicado, das testemunhas

etc. Assim, se a irregularidade identificada tiver causado prejuízo pequeno, então o

processo tornar-se-á mais oneroso do que o próprio fato investigado. Em resposta a

esta situação pouco racional, criou-se o Termo Circunstanciado Administrativo

(TCA), exclusivamente para casos de extravio ou dano a bem público que impliquem

prejuízo igual ou inferior ao limite legal estabelecido como de licitação dispensável,

atualmente de R$ 8.000,00114

. Nesses casos, o responsável pela irregularidade, se

aceitar, assina o termo, paga o valor devido, e susta o débito com o Poder Público.

Caso contrario, instaura-se a sindicância.

Como afirmado, a CGU também pode conduzir PADs. Isso ocorre quando ela

mesma identifica irregularidades através das suas outras três secretarias ou a partir de

denúncias externas ou quando, reconhecendo irregularidades nas conduções, arrola

113

IDEM 114

Lei nº 8.666/93, art. 24, inc. II

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para si o processo. A prática, embora não expresse números robustos – foram 410 em

nove anos - incide às vezes sobre casos de repercussão.

Quando a CGU suspeita que um PAD não está sendo bem aplicado, quer seja

por desrespeitar fundamentos legais, quer seja por privilegiar alguma das partes,

realiza inspeções de legalidade. Em sete anos, foram 303.

Todo este trabalho não era realizado antes da criação da Corregedoria-Geral

da União. Embora não possamos afirmar com 100% de certeza que foi este trabalho o

único responsável pelo aumento do número de responsabilizações aplicadas,

certamente foi o principal protagonista.

4.3 CASOS RELACIONADOS

Dadas as proporções administrativas dos PADs e das TCEs, não se pode

esperar que tais procedimentos configurem punição efetiva para grandes casos de

corrupção. Como apontado, servem antes para afastar más-práticas da administração.

Ainda assim, e em acordo com a compreensão de que não substituem processos

penais, servem de complemento. De um lado, podem incidir sobre casos individuais,

de “pequena corrupção”, contribuindo com o aprimoramento funcional da

administração. De outro, podem complementar movimentos de responsabilização da

grande corrupção.

No capítulo anterior, citamos o caso da ex-chefe do Gabinete Regional da

Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, que fora

expulsa da administração através de PAD. Eis um caso de “grande corrupção”. De

acordo com a Polícia Federal, o esquema elaborava pareceres fraudulentos em favor

de interesses privados, com o aval de diretores de agências reguladoras. Além de

empresários e advogados, estavam envolvidos no esquema servidores da Agência

Nacional de Aviação Civil (Anac), Agência Nacional de Águas (ANA), Advocacia-

Geral da União (AGU) e Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Noronha teria

indicado ao cargo dois dos principais envolvidos no esquema: o advogado Rubens

Carlos Vieira, procurador da Fazenda Nacional e ex-corregedor da Anac (Agência

Nacional de Aviação Civil), que foi tomou posse como diretor na área de regulação

econômica da Anac; e seu irmão, Paulo Rodrigues Vieira, também advogado e ex-

ouvidor da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), que foi indicado

para uma diretoria da Ana (Agência Nacional de Águas). Ela foi acusada formalmente

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por formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção passiva. Mas, enquanto

não finalizasse o trânsito em julgado, poderia permanecer no cargo. Verdade que fora

exonerada, mas com o PAD, a exoneração foi convertida em destituição de cargo

público, pena que equivale à demissão para servidores sem vínculo com o serviço

público.

Outro caso que foi punido através de PADs relaciona-se ao estopim do

Mensalão do PT – outro caso de “grande corrupção” -, que, de acordo com a acusação

do Ministério Público, envolveu o pagamento de parlamentares para que votassem a

favor dos projetos do Governo Federal. Eduardo Medeiros de Morais, ex-diretor de

Tecnologia e Infra-estrutura da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos fora

flagrado, em 2005, por um vídeo quando Maurício Marinho cobrava propina de R$ 3

mil115

. De acordo com a CGU, ele foi punido porque determinou a “dispensa

indevida” de licitação e a “prorrogação ilegal” de contrato administrativo, o que teria

gerado lesão aos cofres públicos. Juridicamente, foi expulso por “improbidade

administrativa”.

Entre os muitos casos de corrupção revelados pelos trabalhos da SFC, figura

também o da chamada “Máfia das ambulâncias” ou “Máfia dos Sanguessugas”. O

esquema envolvia desvios de recurso provenientes de emendas parlamentares do

Orçamento Anual através de direcionamento de licitação, simulação e fraudes em

processos licitatórios, superfaturamento, falsificação de documentos fiscais, entre

outros fatos.

Através das fiscalizações, observou-se a repetição de um mesmo modus

operandi na compra de unidades móveis de saúde por parte de mesmo um grupo de

empresas para diversas prefeituras. Em 2004, a CGU a informou a Polícia Federal,

que, em maio de 2006, deflagrou a “Operação Sanguessuga”, prendendo 48 pessoas e

executando 53 mandados de busca e apreensão.

De acordo com estimativas feitas à época, o grupo teria movimentado R$ 110

milhões, causando prejuízo de pelo menos R$ 15,5 milhões aos cofres públicos.

Segundo a CGU, houve superfaturamento em 70% dos convênios analisados. No

Congresso, a operação policial resultou ainda na abertura da “CPI das Ambulâncias”.

72 deputados e senadores foram ouvidos, mas nenhum foi cassado.

115

O Estado de S. Paulo. 25 de Setembro, 2006. “CGU demite diretor dos Correrios por justa causa”.

Disponível em: http://www.estadao.com.br/arquivo/nacional/2006/not20060925p58949.htm

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90

Nossa pesquisa observou que em 2009 tramitavam 158 TCEs que

explicitamente citavam a “Operação Sanguessuga” no TCU116

. Salvo duas exceções,

todas haviam sido instauradas entre 2006 e 2009. Ou seja, realmente eram derivadas

do caso em questão. Deste total, apenas 55 estavam encerradas em 2009, sobrando

103 para julgamento. Resumo: nove anos após o ocorrido (ou seis anos após a

identificação das irregularidades), apenas um terço das TCEs haviam sido julgadas.

Primeiramente, o caso expressa a importância da CGU no caso. Foram as

auditorias in loco as responsáveis pela identificação das irregularidades, que, além de

motivarem a instauração de 158 TCEs, movimentaram grande parte do Sistema de

Integridade Brasileiro. Tanto Policia Federal atuou como o Congresso Nacional.

Por outro lado, é necessário constatar a demora na instauração dos processos.

Se a CGU identificou as irregularidades em 2003, por que apenas em 2006 o TCU as

computou? Teriam os gestores do Executivo evitado a instauração e, somente após a

operação da Polícia, constrangidos pela cobertura da imprensa, instaurado os

processos? Ou, ao contrário, teria o Executivo certificado os processos imediatamente

em 2003, e o TCU é que demorara para reconhecê-los?

Fato é que, ainda que sejam julgadas, um novo ciclo no Judiciário

provavelmente se iniciará. Se os responsabilizados se recusarem a pagar os

ressarcimentos e multas, Ministério Público ou Advocacia-Geral da União terão que

realizar a cobrança judicial117

. Quanto tempo isso demora? Claramente, as punições

impostas pelas TCEs não vão incidir sobre a gestão que as causou. Um auditor da

CGU entrevistado por nós chegou a afirmar inclusive que a punição “só deve incidir

na próxima geração, talvez sobre o filho do prefeito da época”.

Tal estado de coisas é extremamente problemático. Primeiro porque ou os

recursos não voltam à União ou, se voltam, voltam muito tarde, não permitindo

qualquer planejamento financeiro. Em segundo lugar, porque são injustos. Apesar de

punirem as empresas, punem também o gestor futuro, e não o verdadeiramente

responsável.

116

Dados obtidos através do portal do TCU. Disponível em:

http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/contas/tce/conheca_a_tce. Acesso em:

12. Fev. 2014 117

Após o julgamento, o responsável é notificado para, no prazo de quinze dias, recolher o valor

devido. Se não pagar, é formalizado um processo de cobrança executiva, o qual é encaminhado ao

Ministério Público para, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU) ou das unidades

jurisdicionadas ao TCU que detêm essa competência, promover a cobrança judicial da dívida ou o

arresto de bens.

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91

4.4 CONCLUSÕES DO CAPÍTULO

Acreditamos que os resultados apresentados reforçam a importância do

aprofundamento da responsabilização administrativa no interior do Poder Público

brasileiro, compreendendo-a como complemento aos processos judiciais.

Vimos que as Tomadas de Contas Especiais poderiam ser um importante

mecanismo de proteção do erário. Em dez anos, R$ 9,17 bilhões foram requeridos

pelo Executivo Federal ao TCU a título de ressarcimento. No mesmo período, o TCU

requereu R$ 7,5 bilhões. No entanto, parte destes títulos extrajudiciais não são pagos,

de modo que novos ciclos se iniciam no Poder Judiciário, tornando o mecanismo

lento e pouco eficaz.

Por outro lado, vimos que os Processos Administrativo-Disciplinares se

tornaram uma importante ferramenta de responsabilização da corrupção no nível

federal. Nada menos que 2.714 servidores foram expulsos por irregularidades

relacionadas à corrupção em processos céleres, que duram até 140 dias.

Observou-se também que o crescimento das sanções aplicadas não foi fortuito.

Concorreu diretamente o trabalho realizado pela Corregedoria-Geral, através do

programa de capacitações, das inspeções de legalidade e da condução direta de alguns

PADs. Isso, como vimos, contribuiu também para solucionar problemas internos,

como o constrangimento entre colegas de um mesmo órgão para compor as

comissões.

Além disso, a articulação dos trabalhos da Corregedoria com a Secretaria

Federal de Controle favoreceu a identificação de irregularidades e o fornecimento de

provas consistentes, de forma a instrumentalizar a correição. Indicador disto são os

relatos de funcionários e os baixos índices de reversão das decisões no poder

Judiciário.

Tais fatos evidenciam que ocorreu uma instrumentalização dos trabalhos de

controle interno para o combate à corrupção. No capítulo seguinte, veremos outro

aspecto desta instrumentalização. Veremos como o controle interno passou a se

articular com outros órgãos do Sistema de Integridade, impulsionando os trabalhos

dentro da dinâmica dos “freios e contrapesos” do Estado.

Page 94: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

92

5 COOPERAÇÃO COM OUTROS ÓRGÃOS

O desenvolvimento dos Sistemas de Integridade passa necessariamente pela

consolidação de eficazes processos punitivos que tornem alto o custo da corrupção e

baixo o retorno. No capítulo anterior, vimos que a responsabilização da corrupção por

vias administrativas está não apenas prevista no Direito Público brasileiro como vem

ocorrendo sistematicamente na Administração Pública Federal nos últimos dez anos.

No entanto, muitas dos casos de corrupção configuram irregularidades mais

graves, de tipo civil ou penal. Nestas situações, como a CGU não dispõe de

competências para persecutar e nem para realizar inquéritos, apenas a cooperação

com outros órgãos pode garantir que haja responsabilização judicial. Afinal, é apenas

a partir do enquadramento através de crimes como “peculato”, “prevaricação”,

“corrupção passiva”, “corrupção ativa”, ou correlatos, como “formação de quadrilha”

ou “lavagem de dinheiro”, que sanções mais graves podem ser impostas. Entre elas,

penas de reclusão. E, como a função da pena é desestimular o ato ilícito, interessa-nos

observar se os casos em que a CGU tem parte podem redundar em persecuções de tais

naturezas.

Além disso, como debatido no capítulo 2, a dinâmica dos órgãos de

accountability horizontal é termômetro da qualidade da república em questão. Se

estes órgãos são proativos, se cooperam, é sintoma que as leis e o poder estão

protegidos de abusos. Se o contrario ocorre, a despeito das boas qualidades

observadas no desenho institucional brasileiro, a probabilidade de a corrupção tornar-

se regra e de o poder tornar-se instrumento de opressão cresce.

Para que um evento de corrupção desdobre-se em processo judicial é

necessário que o Ministério Público realize a persecução do caso. Para isso, é

necessário que provas sejam coletadas, e, portanto, que as Polícias Civil ou Federal

atuem através dos inquéritos. Mas, como já sugerido, a CGU pode ter influência

nesses casos. Quando identifica irregularidades que lhes parecem crimes, deve

encaminhá-las ao Ministério Público. Ou, na outra ponta, pode servir aos trabalhos

investigativos através de seu expertise no controle de contas. Nessas situações, a CGU

atende não apenas às polícias e ao Ministério Público, mas também a demandas do

Congresso Nacional (a partir de pedidos das comissões) e dos Tribunais de Contas,

respeitando o seu dever constitucional de assessorar o controle externo.

Page 95: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

93

Além disso, as normas jurídicas brasileiras obrigam algumas articulações entre

os órgãos de accountability horizontal. Vimos por exemplo os casos das Tomadas de

Contas Especiais e dos Procedimentos Administrativo-Disciplinares. No primeiro, o

simples flagrante de irregularidade praticamente obriga o gestor, a SFC e o Tribunal

de Contas a agirem, sob o risco do crime de responsabilidade. E, uma vez realizado o

julgamento, se houver pedido de ressarcimento ou multa, a Advocacia-Geral da União

deve ser acionada. No caso dos PADs, se houver pena de expulsão, o processo deve

ser enviado ao Ministério Público.

No entanto, a maior parte destes procedimentos não prevêem prazos e

punições para quem não coopera. Entre uma etapa e outra, informações e ações

específicas (como auditorias, apreensão de bens, pedidos de quebra de sigilo etc.) são

solicitadas de um órgão para outro, de modo que não apenas a decisão em “adotar”

um caso ou responder a um pedido de informação como também a celeridade dos

procedimentos são determinantes para o sucesso dos trabalhos. Assim, além de

normas, vontade política parece ser um elemento relevante para o sucesso dos

trabalhos de combate à corrupção. Nesse sentido, mais uma vez, a articulação entre os

órgãos de accountability horizontal é termômetro da qualidade da República

brasileira.

Como aponta Arantes,

“de certo modo, nossa teia de instituições de accountability evoluiu muito

mais pela via da conquista de autonomia e de atribuições por parte de

instituições individuais (burocráticas, administrativas e judiciais) voltadas

para o papel do controle, que propriamente pela ideia de um sistema

integrado e racionalizado do ponto de vista de procedimentos e processos. O

que há de articulação entre elas, quase sempre, se deve ao voluntarismo de

seus integrantes” (ARANTES, 2011, p. 103).

Afinal, quando o Procurador-Geral da República recebe um inquérito das

polícias Federal ou Civis, cabe a ele mesmo, a partir de suas convicções, decidir se (e

quando) dará andamento à investigação e persecução do caso. Ou, no caso da CGU,

cabe à cúpula do órgão a decisão sobre realizar determinada auditoria demandada por

órgãos externos.

Em 2013, por exemplo, um grande caso de corrupção no Ministério do

Trabalho foi revelado pela CGU e culminou na queda do então secretário-executivo

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94

Paulo Roberto (PDT). Durante a Operação Esopo, deflagrada pela Policia Federal, ele

fora acusado de ter ajudado a tirar do cadastro de inadimplentes do governo o

Instituto Mundial do Desenvolvimento da Cidadania, entidade que teria desviado,

segundo a polícia, R$ 400 milhões nos cinco anos precedentes118

. Dadas as

características do “presidencialismo de coalizão”, onde, para obter governabilidade, a

Presidência da República distribui cargos aos partidos da base aliada, semelhante

situação poderia constranger o chefe do Poder Executivo, que, por sua vez, poderia

(mesmo que discretamente) pedir à CGU que abafasse o caso. Neste caso,

aparentemente, não foi o que ocorreu. Em entrevista a este autor, o ministro-chefe da

CGU, Jorge Hage Sobrinho, afirmou ter sido a CGU a responsável pela identificação

das irregularidades e pelo acionamento da Policia Federal. “Nossa regional de Minas

consultou o Delegado Superintendente da Policia Federal em Minas [para saber] se

tinha alguma coisa e pediu que, se não tivesse, que abrisse um inquérito. Foi daí que

nasceu [a operação]”. Roberto deixou o cargo alguns dias após a deflagração da

operação.

Neste e em outros casos, figuras como o Procurador-Geral da República, os

ministros do Tribunal de Contas da União, os ministros de Tribunais Superiores de

Justiça, os Delegados de polícia e mesmo o ministro-chefe da CGU ganham

importância política. Ou seja, há um campo extenso e importante de

discricionariedade por parte dos “homens de carne e osso” que ocupam as altas

hierarquias públicas dos órgãos de accountability horizontal. Trata-se de um ponto

fora da curva institucionalista onde a vontade política é determinante para a sorte dos

trabalhos de combate à corrupção.

A cooperação entre a CGU e outros órgãos pode ser dividida em três tipos:

uma primeira de natureza legal e constitucional, já mencionada. Por exemplo, quando

ocorre uma expulsão através de PADs, a Corregedoria-Geral da União deve

encaminhar a documentação relativa ao Ministério Público para que este observe se,

além da irregularidade administrativa, algum crime foi cometido. Algumas obrigações

dessa natureza caracterizam o Sistema de Integridade brasileiro; Uma segunda

118

Folha. Número 2 do Ministério do Trabalho cai após ação da PF. 11 Set. 2013. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/128461-numero-2-do-ministerio-do-trabalho-cai-apos-acao-

da-pf.shtml. Acesso em 01. Fev. 2014

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tipifica-se por ser mais de natureza formal, onde os órgãos estabelecem compromissos

de troca de documentos e informações, a partir em geral da articulação entre os

titulares das instituições em questão; e, ainda, uma terceira, de natureza mais prática,

quando os atores efetivamente trabalham articulados.

O segundo tipo, mais formal, geralmente indica intercâmbios de dados,

informações e tecnologia, além da promoção da capacitações de servidores, reuniões

regulares etc. Podem se dar desde junto a órgãos relacionados ao combate à

corrupção, ou a órgãos internacionais, ministérios, executivos estaduais e municipais,

universidades, organizações da sociedade civil etc. Em pouco mais de dez anos de

existência, a CGU firmou 216 acordos desta natureza, além de algumas dezenas de

convênios119

. Praticamente todos simplesmente reforçam a necessidade de

articulação, mas não determinam prazos ou sanções a possíveis descumprimentos.

Ainda assim, carregam importância. Expressam que os titulares destas instituições

debateram formas de aprofundar a articulação e reforçaram tais compromissos

formalizando o contato. Alem disso, facilitam a troca de documentos e informações –

questão fundamental para o rápido andamento dos procedimentos.

Dos 216 acordos, 26 foram junto a órgãos federais, 2 junto a órgãos

internacionais, 165 junto a órgãos Estaduais, 10 junto a ministérios e 13 junto a

instituições de ensino. O Convênio número 03/2004, entre a CGU e o Ministério

Público Federal, por exemplo, estabelece as “pretensões dos partícipes”. Entre elas,

por parte do MPF, a de requisitar documentos e informações, a de requisitar

diligências de caráter informativo, a de propor e acompanhar a instrução de

procedimentos sancionadores, e a de “apoiar, dentro de suas atribuições institucionais,

os auditores da secretaria Federal de Controle Interno e das unidades Regionais da

Controladoria nos Estados, na execução das ações de controle nos Municípios e nos

Estados”.

Ainda mais relevantes para o nosso tema, no entanto, são as cooperações em

torno de casos objetivos. Estas podem ocorrer em duas direções: mediante provocação

da CGU frente outros órgãos ou mediante pedidos externos. No primeiro caso, é a

CGU quem, a partir das irregularidades flagradas através dos trabalhos de controle

interno, convoca agências com competências para realizar inquéritos e persecuções

119

Todos os acordos de cooperação firmados foram enviados a este autor em 2013 mediante pedido

através da lei de Acesso à Informação. Já os convênios podem ser identificados nos Relatórios de

Gestão da CGU.

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96

judiciais nas esferas civil e criminal. No segundo caso, em geral, a partir de

investigações em andamento, órgãos externos pedem à CGU que realize auditorias

para reforçar os conjuntos probatórios e confirmar ou descartar suspeitas.

Nesses casos, a “moeda de troca” da CGU é seu expertise no controle interno

e sua capacidade de realizar verificações in loco. Os principais demandantes são o

Ministério Público e a Polícia Federal, mas a CGU também contribui com trabalhos

do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, da Advocacia-Geral da União, do

Congresso Nacional (a partir de pedidos das comissões parlamentares) e do Tribunal

de Contas da União.

Geralmente, de acordo com relatos, é requisitada a observar a regularidade de

processos licitatórios, conferir prestações de contas ou realizar auditorias in loco.

Eventualmente, também acompanha as Polícias Federal ou Civis em operações

ostensivas, quando, durante apreensões de bens, auditores selecionam os arquivos a

serem apreendidos – em geral, documentos e computadores120

. Em entrevista a este

autor, o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage Sobrinho, elenca alguns procedimentos

típicos, dando ênfase à cooperação com a Policia Federal:

A parceria com a Policia Federal não se traduz apenas em atender a pedidos.

Muitas vezes começa de uma auditoria nossa, onde nós mapeamos um

determinado tipo de ocorrência, que nos chamou a atenção pelo modus

operandi, por parecer que há alguma organização criminosa, porque se

repete [...] em diferentes municípios ou Estados, ou por alguma outra

peculiaridade das empresas envolvidas (com ligações societárias entre elas)

[...] Aí nós provocamos a Policia Federal, perguntamos se ela tem alguma

coisa sobre aquilo. Ou se não tem, perguntamos se ela quer abrir um

inquérito.

[...]

Tipicamente, o que depende de auditoria é mandado a nós. Analisar um

processo de licitação, ver se houve direcionamento, se houve restrição de

competitividade, distorções de qualquer tipo no edital e na execução da

concorrência ou do pregão presencial ou eletrônico. Outra: irregularidade no

contrato. Outra: verificação in loco de uma ocorrência de, digamos,

pagamento a uma empresa fantasma. (Claro que essa é uma investigação

120

Relato do ministro-chefe da CGU, Jorga Hage Sobrinho, a este autor em novembro de 2013.

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também típica da Polícia Federal. Também pode fazer. Muitas vezes a

Policia pede a nós porque a nós porque já temos uma unidade regional que já

estava atuando na área).

[...]

Outra coisa tipicamente solicitada a nós: quando já no final de um processo

investigativo, que começou aqui, depois teve o inquérito policial, e depois

vai fechar com uma operação ostensiva. [...] Neste momento, normalmente a

Polícia pede a colaboração da CGU para que um determinado número de

funcionários nossos acompanhem os policiais. Porque o nosso pessoal tem

mais expertise para identificar quais documentos são relevantes, para não

precisar levar aquele mundo de papelada de [por exemplo] um órgão de uma

prefeitura.

[...]

Outra atividade típica nossa: depois da operação, a Polícia nos pedir para

analisar o material recolhido.

Como apontado anteriormente, para que tais cooperações ocorram, uma

importante dose de vontade política é necessária. Para confirmar este fato,

perguntamos: quem determina se a CGU irá acatar pedidos externos por auditorias?

Na citada entrevista, o ministro Hage não deixa dúvidas: “o pedido só é acatado

depois de analisado [...] pelo órgão central”. Vejamos o trecho completo:

Não há um acordo formal aberto para cada caso. Preexiste o convênio de

cooperação. Em cada caso, os pedidos ou as provocações podem surgir de

nós para eles como deles para nós. Quando vem deles para nós, os canais

de entrada variam. Ás vezes o delegado pede à nossa unidade Regional, no

Estado. Às vezes pede diretamente aqui [na sede, em Brasília]. Ás vezes

vem diretamente a mim. Às vezes vai para o Secretário [de Controle

Interno]. Os caminhos podem ser os mais diversos.

Pergunta: Mas tem que ter algum status para acatar o pedido?

HAGE: Sim. O pedido só é acatado depois de analisado aqui, na SFC, ou

seja pelo órgão central.

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Felizmente, a CGU computa a parte que lhe cabe dos trabalhos de cooperação.

Quando é ela quem age a partir de demandas externas, as ordens de serviço

relacionadas são registradas no Sistema Novo Ativa, da Secretaria Federal de

Controle Interno.

Do total de 124.747 auditorias realizadas pela SFC (medidas por “ordens de

serviço”) nos dez anos estudados, 8.612 foram atendimentos a demandas desta

natureza. Ou seja, 6,9%121

. Vemos ainda, na Tabela 5, que os principais demandantes

atendidos foram Ministério Público, Polícia Federal e “cidadão” (através de denúncias

em ouvidorias). Os números são substantivos. Variam entre pouco menos de 200 e

pouco mais de 400 por ano para estes três atores.

GRÁFICO: Origem das demandas externas por ações de controle atendidas pela

secretaria Federal de Controle (por número de ordens de serviço executadas)

Fonte: Dados dos sistemas Ativa e Novo Ativa - 08/03/2013

Em primeiro lugar, o gráfico confirma que, sim, há cooperação entre a CGU e

outros órgãos, e que esta cooperação não é ocasional. Ocorre sistematicamente. Em

segundo lugar, o gráfico expressa que os principais e mais poderosos atores do

combate à corrupção na esfera federal do Estado – Ministério Público e Polícia

federal - são os mais atendidos.

121

Fonte: CGU/Dados dos sistemas Ativa e Novo Ativa - 08/03/2013

0

100

200

300

400

500

600

700

800

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

AGU Câmara dos Deputados Denúncia (Cidadão)

Investigação (DPF) Ministério Público TCU

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99

Apenas estes dois fatos já são de extrema relevância para o tema do combate à

corrupção no Brasil. Expressam que, sob a égide do Estado Democrático de Direito,

onde a lógica do freios e contrapesos e fundamentos liberais tornam mais sinuoso o

caminho para a responsabilização, a CGU criou, desde o seu surgimento, um padrão

sistemático de cooperação.

Em segundo lugar, o gráfico demonstra que as denúncias dos cidadãos,

captadas principalmente através das Ouvidorias, podem obter consequências,

desdobrando-se em auditorias. Somadas, em dez anos, totalizam 3.347 ordens de

serviço. Tendo em vista que a participação do cidadão no controle democrático dos

poderes e das leis é fenômeno de extrema relevância para o bom desenvolvimento de

uma democracia, os dados são positivos. No entanto, no mesmo período, a Ouvidoria-

Geral da União contabiliza um total de 69.649 manifestações recebidas classificadas

como denúncias122

. Ou seja, apenas 4,8% desdobram-se em auditorias. Será um

número baixo? Difícil interpretar, uma vez que, em primeiro lugar, podem haver

casos duplicados – onde várias denúncias apontam para o mesmo fato -, e, em

segundo lugar, de acordo com auditores entrevistados, muitas das denúncias têm

pouco ou nenhum fundamento. Por outro lado, no período, a CGU promoveu a

criação de Ouvidorias na Administração Pública Federal, fazendo saltar de 40 para

174 o total de unidades123

e o número de denúncias por ano cresceu de 4.617 para

6.424124

, mas, estranhamente, o número de ordens de serviço derivadas de denúncias

caiu. Talvez a resposta esteja, mais uma vez, na unidade de medida. Talvez

simplesmente a CGU não esteja dando conta de processar a quantidade de denúncias.

Não saberemos. Para tais casos, uma análise mais acurada seria necessária.

Além disso, o gráfico indica que, antes de 2006, não havia parceria entre a

CGU e a Policia Federal. Neste caso, não há dúvidas. O sistema não computou as

atividades. Há outros registros de operações conjuntas da CGU com a Policia Federal

entre 2003 e 2006, nas chamadas “Auditorias e operações especiais”. Entre 2003 e

2006, foram 17 operações desta natureza125

, e obviamente envolveram “ordens de

122

Dados do Sistema Novo Ativa/CGU, obtidos através de pedido através da Lei de Acesso à

Informação em 2013. 123

Fonte: CGU 124

Idem. 125

As operações Especiais realizadas entre 2003 e 2006 foram: Auditoria Especial Corpo de

Bombeiros Militar do Distrito Federal CEFET/PA; Auditorias Especiais FINAM e FINOR; Comission

Andina de Fomento (CAF); Operação Vampiro; Operação Gafanhoto; Operação Mamoré; Auditoria

Especial nos Correios; Operação Guabiru; Operação Pororoca; Operação Campus Limpo; Operação

Confraria; Fiscalização realizada no Município de Dourados (MS); Fiscalização realizada no

Page 102: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

100

serviço”. Entre elas, por exemplo, a Operação Gafanhoto, que, em parceria com a

Polícia Federal e o Ministério Público Federal, identificou um esquema envolvendo a

contratação de funcionários “fantasmas” com recursos federais.

Vemos ainda, no gráfico abaixo, que, ano a ano, tais parcerias tenderam a

crescer:

GRÁFICO: Operações Especiais realizadas pela CGU em conjunto com o

Departamento da Polícia Federal e o Ministério Público

Fonte: CGU

Infelizmente, não há dados compilados sobre as consequências judiciais das

operações especiais entre a CGU e a Polícia Federal. Em verdade, não há dados

compilados em geral sobre o trabalhos de combate à corrupção na esfera judicial no

Brasil (apesar de recentes esforços do Conselho Nacional de Justiça). Assim, embora

tais dinâmicas sejam determinantes para o sucesso dos trabalhos, pouco se conhece

empiricamente sobre sua efetividade.

De qualquer forma, quando a CGU incorpora-se a ações investigativas junto à

Polícia Federal, costuma noticiar os casos, ainda que de forma sintética. Citamos

abaixo dois casos. São de 2013, ou seja, não correspondem aos dados do gráfico

Município de Águas Belas (PE); Fiscalização realizada no Município de Itaíba (PE); Operação

Galiléia; e Operação Sanguessuga. Fonte: CGU. Disponível em:

http://www.cgu.gov.br/ControleInterno/AcoesInvestigativas/OperacoesEspeciais/2003_2006.asp.

Acesso em: 01 Fev. 2014.

17

9

1211

24 2425

0

5

10

15

20

25

30

2003 a 2006

2007 2008 2009 2010 2011 2012

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101

acima, mas acreditamos serem igualmente expressivos. Um deles foi resultante de

reportagem de 2013 do jornal O Globo126

, que revelou um esquema de fraudes no

programa Minha Casa, Minha Vida, o principal programa de moradia popular do

Governo Federal de então. Segundo a Polícia Federal esquema envolvia instituições

financeiras, correspondentes bancários, empresas de fachada e seus respectivos

responsáveis, e teria desviado recursos destinados à construção de casas em

municípios com menos de 50 mil habitantes. Haveria indícios de que ex-servidores do

Ministério das Cidades, valendo-se do conhecimento adquirido e da suposta

influência junto ao órgão, estariam atuando junto ao programa prestando serviços

inexistentes e, em alguns casos, recebendo uma espécie de “pedágio”, a partir da

cobrança de empresas contratadas para a construção das unidades habitacionais. A

CGU cooperou com dois servidores da CGU durante a execução de oito mandados de

busca e apreensão nas cidades de São Paulo/SP, Brasília/DF e Fortaleza/CE, todos

expedidos pela Justiça Federal.

Outra cooperação da CGU com a Polícia Federal ocorreiu durante a Operação

Teto de Vidro, no Mato Grosso do Sul, também em 2013. De acordo com a policia,

prefeituras do interior do Estado estariam praticando crimes de fraudes em licitações,

desvio de recursos públicos e corrupção. à época, havia duas investigações em curso,

e observou-se que uma empresa figurara em ambos os casos, o que ampliou as

suspeitas. De acordo com a CGU, ambas as investigações haviam sido iniciadas a

partir de auditorias do controle interno, que apontaram fraudes em licitações e

contratações. No caso, observou-se a “montagem de processos licitatórios sem que

houvesse real competição entre as empresas concorrentes”. Os fatos foram então

comunicados à Polícia Federal, que deu andamento às investigações. A operação

contou com oito servidores da CGU, dando cumprimento a 18 mandados de busca e

apreensão, cumpridos em seis cidades do Estado, inclusive na capital, Campo Grande.

Ao todo, no período estudado, houveram 122 casos, sendo desnecessário

relatá-los todos. Infelizmente, neste trabalho não tivemos fôlego suficiente para

analisá-los todos, de modo que pudéssemos observar que áreas foram mais cobertas e

obtiveram maior atenção por parte dos órgãos de accountability horizontal. Ainda

assim, vemos que mesmo áreas onde, no capítulo anterior, vimos que há pouca

126

O Globo. Ex-servidores do Ministério das Cidades fraudaram o Minha Casa. Abr. 2013. Disponível

em: http://oglobo.globo.com/brasil/ex-servidores-do-ministerio-das-cidades-fraudaram-minha-casa-

8107417#ixzz383sMC2YH/ . Acesso em: Abr 2014.

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102

incidência de auditorias ou mesmo de TCEs, como o Ministério das Cidades, observa-

se a existência de algum controle, com consequências relevantes. Trata-se de bom

sinal, embora inconclusivo.

Ainda assim, o objetivo traçado, de identificar se houve cooperação entre a

CGU e outros órgaos do Sistema de Integridade foi realizado. Além disso, como

vimos, um parte importante importante desta cooperação não teria ocorrido se não

houvesse disposição das altas cúpulas em “adotar” os casos, proceder com as

apurações e dar consequências às irregularidades flagradas, mesmo em áreas mais

delicadas para o Governo Federal. Esta constatação desemboca no tema do capítulo

seguinte, que completa este trabalho: afinal, quais foram e são as bases institucionais

e políticas que garantiram à CGU atuar proativamente no combate à corrupção no

Brasil?

Page 105: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

103

6 CGU, AGÊNCIA ANTICORRUPÇÃO

6.1 DESENVOLVIMENTO DO TEMA

A Controladoria-Geral da União foi criada sob o vácuo de uma agência

brasileira anticorrupção. Apesar de alguns inegáveis avanços terem ocorrido desde a

Constituição de 1988, não havia até então um órgão de fato disposto a promover e

articular as mais diversas atividades de prevenção, controle e responsabilização da

corrupção no âmbito do Executivo Federal.

Pope definiu, em 2000, uma típica agência anticorrupção a partir do modelo

de Honk Kong, onde uma instituição deste tipo “serve não apenas para aceitar e

investigar alegações de corrupção (mas não persecutar), mas também para executar

campanhas de sensibilização pública e para auditar os sistemas de departamentos

governamentais e agências individuais de gestão, a partir de uma perspectiva anti-

corrupção” (POPE, 2000, p. 95)127

. De acordo com Pope, para operar com sucesso,

uma agência anticorrupção deve ter:

- Apoio político do mais alto nível de governo;

- Recursos adequados para a sua missão;

- Independência política e operacional para investigar até mesmo os mais altos

níveis dos poderes públicos;

- Poderes adequados de acesso à documentação e para a inquirição de

testemunhas;

- Leis “faceis de manejar” (“user friendly”); e

- Liderança vista como da mais alta integridade

O autor defende o fato de que, além de agências com competências para a

investigação e a persecução, os Sistemas de Integridade devam ter um órgão disposto

a promover atividades de aprimoramento da integridade, catalizando os poderes dos

órgãos, capacitando servidores, e sensibilizando a sociedade civil para o tema da ética

e do combate à corrupção.

127

Tradução livre do autor.

Page 106: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

104

A partir desta definição, o órgão que mais se aproxima de uma agência

anticorrupção no Brasil é a CGU. Além dos dados referentes à investigação e

responsabilização da corrupção analisados ao longo deste trabalho, o órgão teve ativa

participação na promoção do controle social, na “sensibilização” de setores

empresariais e na articulação entre os órgãos do Sistema de Integridade.

Fora a articulação com outros órgãos, que observamos a partir de dados

quantitativos no capítulo anterior, vejamos algumas atividades e características da

CGU que convergem para as sugestões de Pope.

Em 2004, criou o Portal da Transparência, instrumentalizando o controle

social, através do qual qualquer cidadão tem acesso online à maior parte dos recursos

públicos federais movimentados desde então. Atualmente, há R$ 11,4 trilhões

registrados em despesas, R$ 8,2 trilhões em receitas, e R$ 298 bilhões em

convênios128

. Trata-se, nos termos da administração pública, da chamada

“transparência ativa” - quando o próprio governo divulga seus atos.

Na mesma perspectiva, recentemente, em 2011, regulamentou-se na esfera

federal também a chamada “transparência passiva”, através da lei de Acesso à

Informação129

– quando o cidadão é quem demanda informações específicas. O

embrião do projeto foi elaborado pelo seu Conselho de Transparência Pública e

Combate à Corrupção, a partir de sugestão da ONG Transparência Brasil130

. Entre

outros elementos, a norma determinou prazos para a resposta aos pedidos,

estabelecendo sanções administrativas a quem não cumpri-la. Em um ano de vigência,

a partir de 16 de maio de 2012 até 31 de Maio de 2013, recebeu 92.894 pedidos de

informação (média de 7145,7/mês)131

.

Além disso, a CGU iniciou um projeto de constituição de um “sistema federal

de ouvidorias”, com o objetivo de integrar os fluxos de trabalho e de banco de dados,

e de padronizar as informações através de “uma política de gestão da informação e do

conhecimento” (PAULINO, 2013, p. 5). O primeiro passo foi multiplicar o número de

ouvidorias na esfera do Executivo federal, fazendo-as saltar de 40 para 177. Este

movimento redundou no crescimento do número de manifestações apresentadas pelos

128

Dados do Portal da Transparência. Disponível em: http://www.portaldatransparencia.gov.br/#.

Acesso em 12 Nov. 2013. 129

Lei nº 12.527/11 130

Relato de Claudio Weber Abramo, presidente da ONG Transparência Brasil, a este autor. 131

Fonte: Ouvidoria-Geral da União.

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105

cidadãos, de 1.719 para 11.553, entre 2003 e 2012132

. Destas, a maior parte são

denúncias. Cresceram de 1.603 para 10.364. Apesar de já termos notado no capítulo

anterior que tais manifestações não resultaram necessariamente em mais auditorias e

mais responsabilização, expressam, ainda que embrionariamente, um movimento de

maior articulação entre sociedade civil e instituições do Estado em vistas da

integridade.

Desde 2003, o Programa Olho Vivo no Dinheiro Público, capacita cidadãos

para o monitoramento da aplicação dos recursos públicos. O foco são conselheiros

municipais, lideranças locais, agentes públicos municipais, professores e alunos, que

recebem orientações sobre transparência na administração pública, responsabilização

e cumprimento dos dispositivos legais. Entre as orientações, ensinam por exemplo

como o orçamento público é planejado, através do Plano Plurianual (PPA)133

, da Lei

de Diretrizes orçamentárias (LDO)134

e da Lei Orçamentária Anual (LOA)135

.

Ensinam também quais são as regras para que as despesas não se realizem

arbitrariamente136

. Em oito anos, entre 2004 e 2011, 44.515 cidadãos foram

capacitados137

.

A CGU também se tornou um ativo ator no cenário internacional, firmando

acordos juntpo à OGP (Parceria para Governo Aberto), à ONU (Organização das

132

IDEM. 133

O PPA representa o planejamento das políticas públicas e programas de governo para o período de

quatro anos (quadriênio). Também indica os meios para se atingir os objetivos de um programa,

podendo assumir a forma de projetos, atividades ou operações especiais (Ações). Projetos são trabalhos

específicos, com prazo e produto final. Atividades são operações de um trabalho continuado, a fim de

manter ações já desenvolvidas. Operações especiais são ações que, em tese, não contribuem para a

manutenção das ações do governo, como, por exemplo, o pagamento de servidores inativos (CGU,

2010). 134

A LDO orienta ano a ano como as políticas e programas devem ser realizados. Dispõe sobre as

metas e prioridades para a Administração Pública, os critérios para a elaboração da LOA, as alterações

da legislação tributária e as formas de financiamento do orçamento. Dispõe ainda sobre política salarial

e concursos públicos e estabelece os percentuais de recursos que serão descentralizados para os

Poderes e Administração Indireta, como fundações, autarquias e sociedades de economia mista. Elege,

a partir do PPA, os programas e metas físicas a serem executados, sempre no exercício seguinte ao de

sua elaboração (IDEM, 2010). 135

A LOA define a alocação dos recursos necessários anualmente para a concretização das metas

estabelecidas. A LOA se ocupa de definir as fontes de arrecadação, estimar as receitas e prever as

despesas para o ano seguinte ao de sua elaboração. É nela que o Programa de Trabalho do governo se

apresenta de forma mais detalhada e objetiva, a ponto de seu não encaminhamento ao Congresso

Nacional até 31 de agosto implicar em crime de responsabilidade do Presidente da República,

conforme previsto no inciso III do § 2º do art. 35 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

(ADCT), combinado com o art. 10 da Lei 1.079/50. Esses dispositivos também atingem os

governadores e prefeitos. (IDEM, 2010). 136

As principais leis relacionadas são a Lei das Finanças Públicas, a Lei nº 4.320/64, na Lei das

Licitações, a Lei nº 8.666/93 e na Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Complementar nº 101/2000. 137

Fonte: CGU

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106

Nações Unidas), à OEA (Organização dos Estados Americanos), e à OCDE

(Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos). Tais acordos

estabeleceram compromissos entre os Estados que, além de contribuirem para o

aperfeiçoamento da inteligência, muitas vezes servem de pressão sobre os

parlamentares em torno da aprovação de leis necessárias. Este foi o caso, por

exemplo, das aprovações das lei de Acesso à Informação138

e da Lei de

responsabilização jurídica por atos de corrupção empresarial139

.

Esta última fora elaborada conjuntamente pela CGU e pelo Ministério da

Justiça140

, propondo novas formas de punição para empresas envolvidas em

corrupção, como fraude em licitações, pagamento de propina a servidores públicos,

lavagem de dinheiro ou maquiagem de serviços e produtos fornecidos ao governo.

Entre as novas punições previstas para pessoas jurídicas figurou uma multa (de 1% a

30% do faturamento bruto), o impedimento de receber benefícios fiscais, e o

fechamento temporário ou mesmo extinção, dependendo da gravidade praticada. Até

então, a principal sanção aplicável às pessoas jurídicas era a declaração de

inidoneidade, mencionada no capítulo 4 como uma das consequências possíveis das

Tomadas de Contas Especiais. Questionado sobre os benefícios de o Brasil participar

de fóruns internacionais, o ministro Jorge-Hage assim se expressou:

Começo pela mais recente das leis: a Lei de responsabilização jurídica por

atos de corrupção empresarial. Na mobilização junto ao Congresso,

usamos muito fortemente o argumento da exigência da OCDE

[Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. A

cobrança que fazia ao país, com ameaça real de o Brasil levar uma nota

ruim na próxima avaliação [...] por falta desta lei. Que era a última lei que

faltava ao Brasil para atender plenamente às exigências da OCDE do ponto

de vista normativo. [...] O fato de que a OCDE nos cobrar essa lei nos

ajudou muito a obter a aprovação dela.

Para o caso da Lei da Acesso à Informação, Hage utiliza-se do mesmo

argumento: “Tinha lá um item, que era a LAI [Lei de Acesso à Informação], que o

Brasil não tinha: a regulamentação para o cidadão saber como pedir acesso a

138

Lei nº 12.527/2011 139

LEI Nº 12.846/2013. 140

Projeto de Lei 6826/2010

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107

documento especifico que ele quer e não só o que o país quer mostrar

espontaneamente. Mas o documento que eles [da Open Government Partnership]

queriam (com prazo) não tinha. E começamos a usar este argumento fortemente até

que conseguimos esse ganho também”.

Ou seja, no caso da proposta e aprovação de ambas as leis, a CGU teve

participação ativa, articulando diversos seguimentos da sociedade, inclusive

internacional, aproveitando-se de lideranças marcadas pela “alta integridade”.

Outra iniciativa importante é a criação do Sistema Eletrônico de Prevenção de

Conflitos de Interesses (SeCI). O sistema torna mais ágil o trabalho de recebimento,

trâmite e análise de “pedidos de autorização para exercício de atividade privada e de

consultas sobre existência de conflito de interesses de servidores e empregados

públicos federais”141

. Além disso, permite acompanhar as solicitações em andamento

e interpor recursos contra as decisões emitidas. Objetivamente, as consultas e pedidos

de autorização, que eram realizadas somente em papel, passam a ocorrer por meio

eletrônico. Com o sistema, os agentes públicos encaminham, via web, as solicitações

diretamente aos órgãos e entidades de exercício, que por sua vez fazem a análise

preliminar e podem encaminhar os pedidos eletronicamente à CGU.

Por estes e outros motivos, e em concordância com alguns autores da literatura

(CORREA, 2011, por exemplo), a CGU parece ter se consolidado como a principal

agência anticorrupção do país.

6.2 O PAPEL DA VONTADE POLÍTICA

O fato de a CGU ter se consolidado como a principal agência anticorrupção do

Brasil, no entanto, tende a contrastar com algumas outras característas mencionadas

por Pope. Entre elas, a exigência de que semelhante instituição tenha “independência

política e operacional para investigar até mesmo os mais altos níveis dos poderes

públicos”, e ainda que tivesse “poderes para acesso a documentações e para a

inquirição de testemunhas”. Por isso, nos questionamos: como um órgão tipicamente

de controle interno, que controla o mesmo Poder em que está situado, assessor da

141

Trecho reproduzido do portal da CGU. CGU lança sistema eletrônico de prevenção de conflito de

interesses. Jul 2014. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/Imprensa/Noticias/2014/noticia08814.asp.

Acesso em: Jul. 2014.

Page 110: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

108

Presidência da República, e não previsto constitucionalmente, pode se tornar a

principal agência anticorrupção do Brasil?

No seu clássico artigo “Accountability horizontal e novas poliarquias” (1997),

O‟Donnell apresenta “algumas sugestões modestas” para o aprimoramento da

accountability horizontal nas novas democracias, afirmando, no item dois, que

[...]não seria menos importante que as agências que desempenham um

papel essencialmente preventivo, tais como os Tribunais de Contas

(General Accounting Offices ou Controladorias), fossem altamente

profissionalizadas, dotadas de recursos tanto suficientes quanto

independentes dos caprichos do Executivo, e o mais isoladas que seja

possível do governo. (O‟DONNELL, 1997, p. 47)

Em se tratando de um órgão majoritariamente de controle interno e “assessor

da Presidência da República”, parece que, ou escolhemos a abordagem errada para

adotar a CGU como a principal agencia anticorrupção do país, ou escolhemos a

agência errada. Afinal, como um órgão situado no gabinete da presidência pode ser

“independente dos caprichos do Executivo”?

Sintomaticamente, experiências em outros países indicam que, dependendo de

outras características, o fato de uma agência anticorrupção figurar próxima ao

Governo pode até contribuir com o sucesso dos trabalhos. Em determinado momento

de seu famoso trabalho “Confronting Corruption: The elements of a national Integrity

System”, Pope (2000) se questiona: “onde deve estar situada a agência

[anticorrupção]? E cita os exemplos de Cingapura e Honk Kong, semelhantes ao

brasileiro:

O sucesso [da agência anticorrupção] em Cingapura se deve muito à

determinação de seu ex-Primeiro-Ministro e Chefe do Governo, Lee Kuan

Yew. Alguns escritores têm apontado para a colocação da agência no

gabinete do primeiro-ministro como sendo um fator importante para seu

sucesso. A localização da agência de Honk Kong também foi um fator-

chave, onde figura no gabinete do Governo, mas de onde, ao mesmo

tempo, se reporta ao Poder Legislativo, e sua separação do serviço público

Page 111: O papel da Controladoria-Geral da União no Sistema de … Gabriel de Melo Rico.pdf · um órgão relativamente recente do Estado brasileiro: a Controladoria-Geral da União (CGU).

109

e sua autonomia foram, e são, consagrados no direito e na prática. (POPE,

2000, p. 94, grifos nossos)142

.

O autor destaca que o fato de as agências anticorrupção de Cingapura e Honk

Kong estarem situadas no gabinete do primeiro-ministro e do governo é “fator-chave”

para o sucesso de ambas! No entanto, destaca que tal sucesso, no caso de Cingapura,

se deve muito à “determinação” de seu chefe do Governo, à existência concomitante

de “apropriados mecanismos de accountability” e ao controle do Legislativo de outros

tribunais:

No entanto, se esta característica particular é um modelo para outros

seguirem isso depende em grande medida se há apropriados mecanismos

de accountability vigentes. Uma agência deste tipo pode ser usada de

forma corrupta para atacar adversários políticos. A criação de qualquer

agência deve se proteger contra esta possibilidade. [...]. Os piores excessos

da "grande corrupção" podem ocorrer em torno do Gabinete do Presidente.

Uma agência anticorrupção situada em semelhante situação dificilmente

estará em posição de enfrentar as altas hierarquias a menos que seja

apoiada por outros mecanismos de accountability. Assim, a agência deve

responder ao Legislativo e aos tribunais, da mesma forma que uma

instituição de ombudsman. (POPE, 2000, p. 94, grifos nossos)143

.

Em acordo com Pope, Avritzer afirma que o combate à corrupção não deva ser

um “monopólio da burocracia”, mas sim uma questão de Estado:

é que é necessário discutir o problema do controle da corrupção no Brasil

não como uma questão administrativa, alicerçada no monopólio

burocrático. A questão do controle da corrupção no Brasil deve ser

pensada, precipuamente, como uma política de Estado, tendo em vista a

relação entre Estado e sociedade, de um lado, e a relação entre os três

poderes da República, de outro. Isto quer dizer que é fundamental pensar e

identificar as deficiências do controle, as dificuldades organizacionais, os

pontos de vulnerabilidade e as práticas institucionais relacionadas ao

controle da corrupção. Ou seja, é fundamental pensar a corrupção no Brasil

na discussão dos controles públicos como política de Estado e não na

142

Tradução livre do autor, do inglês para o português. 143

Tradução livre do autor, do inglês para o português.

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110

lógica do escândalo, como muitas vezes tem sido feita na experiência

brasileira. (AVRITZER, 2011, p. 23)

O caso brasileiro traz algumas semelhanças e algumas diferenças frente estas

características. A primeira semelhança é a já observada por nós. A CGU também se

situa no gabinete da Presidência da República, enquanto “órgão assessor”. Do ponto

de vista do controle, esta característica garante o status necessário para a agência

controlar quaisquer atos do Executivo Federal, em especial suas execuções

financeiras, embora também a performance das gestões. Afinal, é o próprio gabinete

quem, responsável pelo seu governo, promove o controle. Este fato foi analisado no

capítulo 3, quando abordamos a reestruturação do sistema de controle interno do

Executivo Federal, quando os auditores deixaram de ser “homens dos ministros” para

serem “fiscais dos ministros” (OLIVIERI, 2010, p. 112).

Outra semelhança frente os cenários de Cingapura e Honk Kong diz respeito à

existência de “apropriados mecanismos de accountability”. Como vimos no capítulo 1

deste trabalho, a despeito de sérias lacunas, o Sistema de Integridade que o Estado

brasileiro dispoe hoje, especialmente na esfera federal, é razoável e vem se

desenvolvendo constantemente. Citamos alguns exemplos do ponto de vista formal,

além de alguns dados sobre a estrutura dos órgãos. Mas, dadas as mínimas estruturas

e competências e um desenho institucional que respeite a lógica dos “freios e

contrapesos”, o melhor termômetro para este parâmetro só pode ser a observância

histórica de casos concretos. Isso porque entendemos que a “determinação” do chefe

do Governo é fundamental para que os mecanismos de accountability horizontal

operem de forma apropriada. Em verdade, como afirmado no capítulo anterior, a

importância de tal determinação não se restringe ao chefe do Poder Executivo, mas a

todas as altas hierarquias das principais agências de combate à corrupção, bem como

a alguns delegados, procuradores, juízes ou auditores. Nesses casos, onde “homens de

carne e osso” tomam decisões seja para acatar determinado caso, para incorporar-se a

operações de outros órgãos, ou para facilitar o acesso a determinadas informações, a

vontade política é aspecto determinante.

Ainda assim, especialmente a Presidência da República tem importantância

determinante, sob o desenho institucional brasileiro, para o sucesso dos trabalhos. Isso

ocorre por vários motivos, sendo o primeiro deles o fato de recair sobre o titular deste

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111

órgão o poder de indicar grande parte dos titulares das principais agências de

accountability horizontal do Estado brasileiro. No caso do Ministério Público, o art.

128 da Constituição Federal determina que o órgão

tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente

da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos,

após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do

Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.

No caso do Tribunal de Contas da União, o art. 73 estabelece que os ministros

serão escolhidos:

I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado

Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do

Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo

Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento;

II - dois terços pelo Congresso Nacional.

No caso dos ministros dos Tribunais Superiores de Justiça, o art. 84 estabelece

que

compete privativamente ao Presidente da República: [...] XIV - nomear,

após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal

Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o

Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco

central e outros servidores, quando determinado em lei;

Já o Departamento de Polícia Federal (DPF), enquanto subordinado ao

Ministério da Justiça, tem seu Diretor-Geral indicado pelo ministro – o que pode-se

traduzir por, indiretamente pela Presidência da República. E, diga-se, a mesma

estrutura se reproduz nos estados, recaindo sobre os governadores poder semelhante.

Nos casos dos Tribunais Superiores de Justiça e dos Tribunais de Contas, o

nomeado desfruta de estabilidade, o que garante maior independência, pois o indicado

não presta contas àquele que o indicou. Presta Contas à Constituição e às outras

normas jurídicas, controladas, do ponto de vista da legalidade, pelo Ministério

Público e, eventualmente, pela Policia Federal.

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112

No entanto, para a Policia Federal, o Ministério Público e a CGU o mesmo

não ocorre. No caso da CGU, já apontamos: a Presidência da República pode

substituir seu ministro-chefe sem entraves institucionais, à exemplo de qualquer

ministério. No caso da Policia Federal, pode fazê-lo por meio de seu Ministro da

Justiça. E no caso do Ministério Público, há estabilidade, porém apenas de dois anos

após a nomeação. Ou seja, após esse período, o Procurador-Geral da República sabe

que será mantido ou não no cargo de acordo com o desejo ou não da Presidência –

ainda que esta disponha de apenas três opções indicadas pelos “integrantes da

carreira”.

Além de a Presidência fazer valer sua vontade política no ato na nomeação,

este poder se faz presente também ao longo dos mandatos. Representa uma moeda de

troca, onde os indicados, cientes de que a estabilidade no cargo depende diretamente

do chefe do Poder Executivo, podem orientar o trabalho ao longo da gestão em acordo

com os interesses de seu superior. Naturalmente, qualquer ato público deve ser

balizado pelas leis, mas a celeridade e a proatividade dos mesmos dependem, mais

uma vez, de vontade política. Por isso, verificamos aqui, conjuntamente, a existência

de apropriados mecanismos de accountability horizontal e de determinação política

das altas cúpulas do poder, cientes de que o primeiro depende, na prática, ainda que

em parte, do segundo. Além disso, dada a proximidade da CGU com a Presidência da

República, interessa saber se há outros órgãos garantindo algum controle sobre esta

mesma Presidência da República, de modo que não recaia sobre a CGU tarefa

aparentemente irrealisável. E também porque, se não houvesse uma efetiva

accountability horizontal sobre a chefia do Executivo Federal, a própria CGU, sem

freios, poderia sofrer ingerência.

Durante entrevista com o ministro-chefe da CGU, Jorge Hage Sobrinho,

questionamos quais eram os entraves para a livre atuação do órgão. Ressaltamos que

entendíamos a posição da Presidência e as dificuldades inerentes à composição e

coordenação da base aliada (dadas as características do “presidencialismo de

coalizão”). O ministro respondeu:

A única coisa que é decisiva a meu ver... e que cabe... e que eu me

perguntei antes de aceitar esse cargo... e periodicamente me refaço a

pergunta para continuar nele é a seguinte: o presidente da República ou a

presidenta da Republica está disposta a bancar o que quer que seja que nós

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113

venhamos a constatar a identificar e a comunicar a ele? Se estiver e

enquanto estiver, eu aqui continuo acreditando que é possível fazer esse

trabalho. No momento em que eu tiver a menor dúvida de que não seguram

a onda, aí a porta está aberta para ir embora. Ou seja, tudo depende de uma

prévia definição e decisão política da autoridade maior. Se a autoridade

maior se dispõe a ter um órgão sério, a colocar pessoas que ela sabe que

não vão tergiversar, é porque querem enfrentar o que vier. Se não, não

adianta. Não adianta sonho, não adianta poesia de quem quer que seja

dizendo “eu sou o bom, eu faço, eu aconteço”. Não importa. Importa saber

quem está acima de você. O Presidente da República: ele vai aguentar a

parada ou não vai? Se não vai, por melhor que você seja, pode ir embora

porque não vai segurar. Porque o primeiro a ser tirado vai ser você.

O relato do ministro é ao mesmo tempo revelador e redundante. Redundante

porque replica o que já está previsto nas normas: a CGU não dispõe de autonomia

institucional, não é um órgão permanente, e, como um ministério qualquer, pode ter

seu titular retirado do cargo sem entraves institucionais. Além disso, foi criada

enquanto Corregedoria em 2001 através de Medida Provisória, e, dois anos depois,

convertida em Controladoria através de lei ordinária. Até o presente momento, não

dispoe de lei orgãnica.

Por outro lado, o relato é revelador simplesmente porque dá “carne e osso” a

um estado de coisas onde o aval da Presidência da República é determinante para o

sucesso dos trabalhos.

Entrevista junto ao atual Controlador-Geral do Município de São Paulo

(2014), ex-Secretário da Prevenção da Corrupção da CGU entre 2010 e 2013, Mário

Spinelli, reforça o argumento:

PERGUNTA: Os Tribunais de Contas teriam condições de fazer esse

controle (típico de uma agencia anticorrupção)?

Sim.

PERGUNTA: Então por que que teve que surgir um órgão como a CGU?

Porque para fazer isso você tem que ter vontade política. A CGU tinha um

corpo diretivo que identificou o que era importante para o pais. Jorge

Hage, [Luiz] Navarro [Secretário-Executivo, Secretário de Prevenção da

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114

Corrupção e Corregedor-Geral da CGU entre 2003 e 2012], enxergaram

que era importante. Viram que era isso que o mundo desenvolvido faz.

Como já mencionado, durante as três gestões presidenciais apenas duas

personalidades ocuparam o cargo de ministro-chefe da CGU, sendo que o primeiro,

Waldir Pires, deixou o posto apenas em 2006 para se aposentar, conduzindo seu

sucessor, Jorge Hage, à época secretário-executivo. É inegável, portanto, que para a

CGU se constituir enquanto uma agência anticorrupção houve vontade política das

gestões petistas na Presidência da República (2003 – 2014).

Reforçam nossa percepção alguns posicionamentos públicos do partido dos

Trabalhadores enquanto representante da Presidência da República. O programa de

governo da campanha de Lula em 2002 afirmava que “a criação da Corregedoria-

Geral da União revelou-se insuficiente para responder ao complexo desafio de

prevenir a corrupção na extensa máquina de governo federal”. Como resposta,

propunha “reestruturar e fortalecer a Corregedoria-Geral da União, dotando-a de

instrumental e competência para o pleno exercício de sua vocação”, bem como

“articular as ações da Receita Federal, da Polícia Federal, do Ministério Público, do

Banco Central, do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas da União e do Sistema de

Controle Interno do Poder Executivo. Este último deve ser reforçado em suas

competências e capacidade operacional”144

.

Em maio de 2003, meses após a troca de gestões, a CGU dera ainda mais

destaque às auditorias in loco ao criar o modelo de escolha dos municípios através de

sorteio através da Caixa Econômica Federal. Lula foi ao evento e fez discurso. Um

mês depois, foi ao IV Fórum Global de Combate à Corrupção. Em 2006, durante

discurso para o Dia Internacional contra a Corrupção, reforçou os papeis justamente

dos órgãos que mais diretamente lhe são vinculados:

No âmbito do Governo Federal Brasileiro, duas instituições assumem hoje

a liderança dessa frente de luta: a Controladoria-Geral da União e a Polícia

Federal. Ao longo dos últimos quatro anos, essas duas instituições

ganharam prestígio, nacional e internacional, e receberam meios e recursos

para travar uma luta tenaz contra a corrupção, empreendendo uma cruzada

incessante contra esse crime, de forma absolutamente impessoal e

144

Programa de Governo da Coligação Lula Presidente (PT/PCdoB/PL/PMN/PCB)

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115

republicana, sem qualquer interferência de caráter político-partidário que

pudesse comprometer sua atuação.

Como observado, o melhor termômetro para observar se as palavras de Lula

representam a realidade só pode ser a observância histórica de casos concretos. Nesse

sentido, os dados apresentados ao longo desta pesquisa são bons indicadores.

Apontam que, sim, a CGU assumiu alguma “liderança” nesta “luta tenaz contra a

corrupção”, seja contribuindo com prevenção e informação, seja promovendo

sanções.

Por alguma razão que desconhecemos, as gestões do partido dos

Trabalhadores durante os dois governos Lula (2003 – 2010) e Dilma (2010 – 1014)

parecem ter se comprometido não apenas com o fortalecimento da CGU, mas com o

Sistema de Integridade como um todo. O tema do combate à corrupção não parece ter

sido tratado como “resposta a escândalos” , mas como questão de Estado.

Arantes (2011) mostra, por exemplo, que a Policia Federal multiplicou o

número de operações especiais entre 2003 e 2009, fazendo-as saltar de 15 para 288.

Em grande medida, isso ocorreu mediante a quase duplicação de seu orçamento e

quadro de servidores promovidos pelo Poder Executivo. Em seu artigo, descreve a

profundidade que os trabalhos adquiriram, evidenciando que, em alguns casos, a

Policia Federal desfrutou de fato de “independência política e operacional para

investigar até mesmo os mais altos níveis dos poderes públicos”.:

Até as altas cúpulas da República estiveram na mira e nas escutas dos

federais: o irmão do presidente Lula esteve envolvido na operação Xeque-

Mate, ministros de Estado caíram por operações da Policia Federal, juízes do

Supremo Tribunal Federal tiveram conversas telefônicas grampeadas,

senadores e deputados viram-se enredados por diversas ações e até a Policia

Federal teve seu segundo homem na hierarquia preso na Operação Toque de

Midas. (ARANTES, 2011, p. 107)

Adiante, credita à vontade política da Presidência tais feitos:

Não cabe dúvida de que o fortalecimento recente da organizacão está na

raiz de seu maior ativismo dos últimos anos, mas, dado o baixo grau de

institucionalização prévio, tais avanços somente podem ser creditados à

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116

decisão política do Poder Executivo de realizar esse investimento.

(ARANTES, 2011, p. 116).

Neste caso, vale notar que a CGU, ainda que possa dar suporte aos trabalhos,

é, desde sempre, suspeita a ser convocada. Seu ministro-chefe é muito próximo à

Presidência, despachando recorrentemente com o próprio presidente e com ministros

influentes, como o chefe da Casa Civil e o ministro das Relações Institucionais145

.

Informações sigilosas da investigação poderiam ser trocadas, dificultando os trabalhos

da polícia. No caso da Operação Xeque-Mate, ocorrida ao longo de 2007, o ministro

Hage foi questionado por um jornalista se a CGU iria investigar o possível

envolvimento do irmão do presidente Lula, Genival Inácio da Silva, o Vavá, em casos

de tráfico de influência ligados ao governo federal. A investigação buscava

desarticular uma quadrilha que contrabandeava componentes eletrônicos para a

utilização em máquinas caça-níqueis e tráfico de drogas, além de pagar propina para

evitar fiscalizações policiais. Hage então reafirmou a "ampla liberdade" de

investigação da Polícia Federal na operação e disse que que poderiam atuar se fossem

chamados, mas que isso não teria acontecido até então. "Tráfico de influência é crime

tipificado no código penal brasileiro. Como todo crime, a investigação cabe à Polícia

Federal e ao Ministério Público Federal"146

, disse.

Ou seja, ainda que a CGU não desfrute ela mesma de “independência política

e operacional para investigar até mesmo os mais altos níveis dos poderes públicos”,

há pelo menos um órgão com tais competências e que de fato tem exercido esse papel

(ao menos em alguns casos). Este cenário não é de forma alguma contrstante com as

sugestões de Pope. Ao contrário. A lógica sugere ser melhor que tais características

residam em um órgão de controle externo, dada a proximidade da CGU com a

Presidência, garantindo o correto funcionamento da dinâmica de “freios e

contrapesos” do Estado.

No caso do Ministério Público, há poucas informações que nos permitam

observar a existência de vontade política em prol do combate à corrupção em suas

atividades. O fato de os procuradores disporem de ampla autonomia para trabalharem

145

Constatação do autor a partir de leitura da “agenda de atividades” do ministro-chefe da CGU.

Disponível em: http://www.cgu.gov.br/Agenda/Autoridades/index.asp. Acesso em Jul. 2014. 146

Diário Comercio, Indústria e Serviços. Jorge Hage reafirma ampla liberdade de investigação da

Polícia Federal. Jun 2007. Disponível em: http://www.dci.com.br/politica/jorge-hage-reafirma-ampla-

liberdade-de-investigacao-da-policia-federal-id110268.html. Acesso em Abr. 2014.

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117

dificulta a organização de dados, embora alguns pesquisadores simplesmente apontem

falta da transparência no órgão. De qualquer forma, alguns fatos indicam um

movimento republicano no interior do órgão. Entre eles, a persecução do chamado

“Mensalão do PT” durante a gestão Lula. A despeito de o caso ter vindo à tona a

partir de reportagens da imprensa (e não a partir de investigações dos órgãos de

accontability horizontal) – primeiro a partir da Revista Veja, no caso dos Correios, e

depois, pelo jornal Folha de São Paulo, no caso da denúncia do então deputado

federal Roberto Jefferson -, expressou evidente autonomia por parte do Ministério

Público e de seu Procurador-Geral da República, que elaboraram a acusação que

culminaria na condenação criminal de 25 dos 38 réus acusados, incluindo altos

dirigentes do PT, como o ex-chefe da casa Civil, José Dirceu. À época, Cláudio

Lemos Fonteles ocupava o posto de Procurador-Geral da República, a partir de

nomeação do Presidente da República, que, acatando a indicação da categoria,

conduzio-o ao cargo. Meses após a denúncia de Jefferson, Antonio Fernando Barros e

Silva de Souza seria conduzido à titularidade do Ministério Público, que figurara vago

após os dois anos previstos, também em respeito à indicação da categoria. Lula

poderia ter forçado a nomeação de alguma personalidade mais atrelada ao partido,

mas não foi o que ocorreu. E, a partir de 2009, Roberto Monteiro Gurgel Santos seria

o novo nomeado. Dado o fato que trata-se de cargo de indicação da Presidência (ainda

que dependa de referendo do Congresso Nacional), fortes suspeitas sobre a real

autonomia da instituição recaíram sobre o caso. Some-se ainda ao caso o fato de que,

durante o julgamento, oito dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal haviam

sido conduzidos ao posto ou pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou por Dilma

Rousseff, ambos do PT. Ou seja, ainda que não fosse de interesse do PT a condenação

de quadros do partido, o espírito republicano se impôs, e políticos foram condenados.

Ainda não está claro se o caso do Mensalão do PT é uma exceção esporádica

que por algum motivo que não pretendemos investigar teria ocorrido a despeito da

baixa probabilidade, ou se, ao contrário, é expressão de vontade política em favor de

um Sistema de Integridade cada vez mais forte e autônomo. De qualquer forma, trata-

se de indicador positivo para talvez a área mais delicada do combate à corrupção, o

“ponto cego”, a saber: o controle das altas hierarquias da política. Nesse sentido, a

real possibilidade de políticos poderosos serem condenados criminalmente pode ser

considerada como bom termômetro da existência ou não de “apropriados mecanismos

de accountability”.

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118

Outro caso que reforça a existência de autonomia entres os órgãos de controle

e as altas cúpulas do poder é o já mencionado caso da ex-chefe do Gabinete Regional

da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha. A despeito

das suspeitas de desfrutar de intimidade com o ex-presidente Lula, Noronha está

sendo acusada criminalmente e fora expulsa da Administração através de PAD

conduzido pela própria CGU. Neste caso, dada a alta publicidade do caso na

imprensa, a CGU apenas fez acontecer um procedimento administrativo que as leis

indicavam, sem grande proatividade. De qualquer forma, seja para proteger sua

reputação de “alta integridade”, seja constrangida pelas leis, operou como deveria.

Além disso, alguns casos, como o da Operação Teto de Vidro, no Ministério

das Cidades, citado no capítulo anterior, abalaram a imagem do principal programa

para habitação do Governo Federal, o Minha Casa, Minha Vida, com participação

decisiva da CGU. Fora a Controladoria-Geral quem descobrira as irregularidades,

encaminhando os indícios à Policia Federal, dando origem ao inquérito que culminou

com o cumprimento a 18 mandados de busca e apreensão.

No caso dos Tribunais de Contas, alguns fatos concorrem contra nosso

argumento. Consentino (2013) observa que os pareceres do TCU sobre as contas

Presidenciais sugeriram, desde o início da pesquisa, em 1995, a aprovação de todas

elas (embora a maioria “com reservas”). Já o Congresso Nacional, responsável por

dar a decisão final, deixou para 2002 a aprovação em bloco de todas as contas dos

oito anos de mandato de FHC. E, até 2010, não havia proferido nenhuma decisão

sobre as contas das duas gestões de Lula.

Além disso, relatório de 2014 da Transparência Brasil mostra que dos 238

conselheiros e ministros de todo o país, 47 (20%) têm ocorrências na Justiça ou nos

próprios Tribunais de Contas147

. Destes, 12 já foram condenados na Justiça ou nos

Tribunais de Contas, sendo um deles por homicídio e seis por improbidade

administrativa. Os dados coletados expressam também forte politização do órgão.

64% dos conselheiros ou ministros têm ou tiveram atividade política antes de serem

nomeados.

De qualquer forma, vemos que especialmente a Polícia Federal e o Ministério

Público são ativos atores da accountability horizontal e que, inclusive, controlam atos

147

Transparência Brasil. “Quem são os conselheiros dos Tribunais de Contas”. Disponível

em: http://www.excelencias.org.br/docs/tribunais_de_contas.pdf. Acesso em 10 Mai. 2014

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119

do Executivo Federal e da própria Presidência da República. Naturalmente,

compreender a profundidade deste controle requereria um novo trabalho, que

observasse historicamente, e com maior detalhamento, mais casos concretos. No

entanto, o cenário apresentado sugere ter havido condições institucionais e políticas

para a emergência de uma típica agência anticorrupção no interior do Gabinete

Presidencial, com decisiva vontade política da Presidência.

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120

7 CONCLUSÃO

Ao longo dos capítulos anteriores, tentamos interpretar o papel que a CGU

cumpre no Sistema de Integridade brasileiro. Em primeiro lugar, vimos que, através

da Secretaria Federal de Controle Interno, é a responsável pelo controle e prestação de

contas da Presidência da República. Mas não só. Controla também contas de

quaisquer gastos do Executivo Federal visando, além da legalidade dos gastos, o

aprimoramento das gestões. Como demonstra Olivieri (2010), tais trabalhos

contribuem enquanto mecanismo gerencial da Presidência para controlar ministérios e

agências governamentais. A CGU, por meio da SFC, funciona portanto, em primeiro

lugar, como um mecanismo de accountability governamental, entre os gestores e a

Presidência.

Mas o enfoque desta pesquisa deu-se sobre outro tipo de accountability, a

accountability horizontal (O‟DONNELL, 998). Neste sentido, vimos que as

atividades de controle interno cumpriram importante papel também para o combate à

corrupção.

A exposição do capítulo 3 procurou reconhecer como o controle interno foi

instrumentalizado para tais fins. Isso foi possível, em primeiro lugar, a partir da

reestruturação do sistema, iniciado com a criação da Secretaria Federal de Controle

Interno, em 1994. Entre as mudanças observadas entre o sistema anterior – das Cisets

– e o atual, figura o foco sistemático no “desempenho” das gestões, observando in

loco a execução de gastos públicos. Nos dez anos analisados, cerca de 120 mil ordens

de serviço foram executadas, sendo mais da metade referente a auditorias in loco.

Ainda assim, do ponto de vista do combate à corrupção, tais trabalhos só

passariam a ter maiores relevâncias quando integrados ao Sistema de Integridade

brasileiro. Em uma primeira escala, através das secretarias internas da própria CGU.

Em uma segunda, através da cooperação com outros órgãos do Sistema.

No primeiro caso, o controle interno serviu 1 - como fonte de descoberta de

irregularidades para a instauração de processos administrativos sancionadores, e 2 -

como expertise para o aprimoramento da prevenção (através, por exemplo, da

capacitação de agentes públicos e de cidadãos, da elaboração e implementação de leis

de transparência e combate à corrupção, e da criação de sistemas mais aperfeiçoados

de controle de contas).

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121

Deste ponto de vista, focamos mais em detalhes aquelas atividades

relacionadas à responsabilização da corrupção, analisando em especial dois

procedimentos administrativos: os Processos Administrativo-Disciplinares e as

Tomadas de Contas Especiais. Vimos que ambos cumprem importante papel de

responsabilização: o primeiro incidindo sobre o aspecto disciplinar de servidores

públicos federais e o segundo sobre a regularidade dos gastos públicos, podendo

redundar em pedidos de ressarcimento e multas. Especialmente os PADs

demonstraram-se uma importante ferramenta de garantia de alguma sanção, com mais

de 2.700 servidores expulsos em dez anos. As TCEs também vêm cumprindo

importante papel: são o mecanismo por excelência para a notificação ao controle

externo de irregularidades nos gastos, embora menos efetivos – devido à dificuldade

para a obtenção do ressarcimento.

Em uma segunda escala de abordagem, relacionada à articulação com outros

órgãos do arranjo de “freios e contrapesos” do Estado, o expertise em controle interno

figurou com a “moeda” da CGU para sua inserção nos trabalhos de accountability

horizontal. Lhe foram demandadas, com considerável regularidade, auditorias em

vistas da identificação de irregularidades. Ministério Público e Policia Federal foram

os principais demandantes atendidos, demonstrando o claro enfoque no combate à

corrupção. A CGU também cooperou em Operações Especiais da Polícia Federal, ora

durante os trabalhos ostensivos, ora na análise da documentação e das contas. E

firmou 216 acordos de cooperação com instituições das três esferas federais e dos três

poderes.

Os principais números em que a CGU teve participação direta ou indireta

entre 2003 e 2012 foram:

- Expulsão de 2700 servidores envolvidos em corrupção

- Pedidos de ressarcimento de mais de R$ 9 bilhões. No mesmo período, o TCU

aprovou o ressarcimento de cerca de R$ 7,5 bilhões.

- Realização de 8.612 ordens de serviço requeridas por órgãos de accountability

horizontal ou cidadãos;

- 122 operações especiais da Policia Federal, resultando, entre outros casos, na

queda de 7 ministros e um secretário-executivo.

- Instauração de 134 ouvidorias no Executivo Federal

- Elaboração e implementação da Lei de Acesso à Informação na esfera federal

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- Criação e manutenção do Portal da Transparência, onde o destino de cerca de

R$10 bilhões estão acessíveis online

- Capacitação de mais de 40 mil agentes públicos para o controle social dos

gastos públicos

Na abertura deste trabalho, nos questionamos sobre o significado da palavra

corrupção. Observamos que, para além da popular compreensão do fenômeno

enquanto “roubo do dinheiro do povo”, a palavra remete também ao desvirtuamento

do Estado, que dispersa-se de suas finalidades em prol de interesses particulares. Não

por outro motivo, Aristóteles dividira os tipos de governo entre aqueles corrompidos e

aqueles não corrompidos, virtuosos. No centro deste debate, figurara o problema da

usurpação do poder, que atingira uma das melhores soluções a partir dos principais

teóricos das repúblicas modernas, em especial Montesquieu e os federalistas norte-

americanos. Opor ambição à ambição. Eis o ensinamento apreendido. Nesse sentido,

procuramos observar não apenas os resultados atingidos pela CGU no período, mas

também a dinâmica de “freios e contrapesos” onde se insere, de modo a compreender

como a CGU pôde emergir enquanto principal agência anticorrupção do Estado

Brasileiro e, ainda, suas limitações.

Vimos que concorreu para isso a existência de “determinação” da Presidência

da República frente o tema do combate à corrupção. Afinal, “não adianta sonho, não

adianta poesia de quem quer que seja [...]. Importa saber quem está acima de você. O

Presidente da República: ele vai aguentar a parada ou não vai?”148

. Mas não apenas.

Vontade política mostrou-se aspecto determinante para o bom trabalho de todo o

mecanismo de accountability horizontal do Estado brasileiro. Este fato, embora

analisado superficialmente, nos pareceu necessário de ser observado pois, no

raciocínio de Pope (2000), para que uma agência anticorrupção tenha sucesso quando

situada no Gabinete do chefe do Poder Executivo, seriam necessários “apropriados

mecanismos de accountability horizontal”. No caso brasileiro, isso faz sentido

porque, sendo a CGU órgão assessor da Presidência, para que a própria Presidência

não figure descoberta de quaisquer controles, é desejável que haja instituições com

“independência política e operacional para investigar até mesmo os mais altos níveis

dos poderes públicos”. Isso responde, de um lado, à óbvia preocupação de haver

148

Trecho de entrevista junto ao ministro-chefe da CGU, Jorge Hage Sobrinho.

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123

controle sobre tão importante instância de poder e, de outro, para que a própria CGU

não seja objeto de ingerência por parte do Gabinete de Governo. Assim, em

concordância com a lógica dos “freios e contrapesos”, vimos que outros órgãos, em

especial Ministério Público e Policia Federal, “escoraram” a CGU para que emergisse

como típica agência anticorrupção.

Neste último parágrafo, vale notar que, se, por um lado, o quadro traçado em

torno da CGU é positivo, por outro, é também expressivo de uma fina ironia da

República Brasileira (e de muitas outras do mundo). Grande parte das atividades de

accountability horizontal, em especial aquelas que incidem sobre a “alta corrupção”,

que dependem do bom comando das altas hierarquias, e que correntemente se

confundem com as funções de “freios e contrapesos”, dependem largamente da boa

inclinação daqueles mesmos que sofrem o controle – seja para indicar os titulares dos

órgãos, seja para mantê-los. Dado que não é desejável que os titulares dos principais

órgãos que atuam no combate à corrupção sejam escolhidos por voto popular (devido

ao pouco conhecimento sobre o tema), um desconcertante paradoxo se impõe àqueles

que estudam a accountability horizontal. Após os federalistas norte-americanos, o

paradoxo deixou de ser “quem controla os controladores”, passando a ser: quem

indica, sustenta e garante recursos suficientes para os controladores? É saudável

depender tanto de vontade política em tais atividades? Sem saídas, deixamos o

problema em aberto.

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