O PARAPLÉGICO NO MERCADO DE TRABALHO – A PERCEPÇÃO...

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UFRJ O PARAPLÉGICO NO MERCADO DE TRABALHO – A PERCEPÇÃO DOS TRABALHADORES SEM DEFICIÊNCIA MOTORA: Contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar Rachel Ferreira Savary Figueiró Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem. Orientadora: Profª. Drª. Regina Célia Gollner Zeitoune Rio de Janeiro Outubro/2007

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O PARAPLÉGICO NO MERCADO DE TRABALHO – A PERCEPÇÃO

DOS TRABALHADORES SEM DEFICIÊNCIA MOTORA:

Contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar

Rachel Ferreira Savary Figueiró

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.

Orientadora:

Profª. Drª. Regina Célia Gollner Zeitoune

Rio de Janeiro Outubro/2007

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O PARAPLÉGICO NO MERCADO DE TRABALHO – A PERCEPÇÃO DOS

TRABALHADORES SEM DEFICIÊNCIA MOTORA:

Contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar

Rachel Ferreira Savary Figueiró

Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de

Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.

Aprovada por:

______________________________________ Presidente, Profª. Drª. Regina Célia Gollner Zeitoune

__________________________________________________

1º examinador, Prof. Dr. André Laino __________________________________________________ 2º examinador, Profª. Drª. Rosana Glat __________________________________________________ 3º examinador, Profª. Drª. Maria Yvone Chaves Mauro __________________________________________________ 4º examinador, Profª. Drª. Márcia Tereza Luz Lisboa __________________________________________________ Suplente, Dr. Sérgio Lima __________________________________________________ Suplente, Profª. Drª. Sheila Nascimento Pereira de Farias

Rio de Janeiro Outubro /2007

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Figueiró, Rachel Ferreira Savary.

O paraplégico no mercado de trabalho – a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora: Contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar

/ Rachel Ferreira Savary Figueiró. - Rio de Janeiro: UFRJ/ EEAN, 2007. 185 f. il.; 31 cm. Orientador: Regina Célia Gollner Zeitoune Tese (doutorado) – UFRJ/Escola de Enfermagem Anna Nery/ Programa

de pós-graduação em enfermagem, 2007. Referências Bibliográficas: f. 173-181.

1. Trabalhador. 2. Cadeirante. 3. Deficiência. 4. Estigma. I. Zeitoune,

Regina Célia Gollner. II. Universidade Federal do Rio Janeiro, EEAN, Programa de Pós-graduação em Enfermagem. III. Título.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha Famíliaminha Famíliaminha Famíliaminha Família.

Aos meus filhosmeus filhosmeus filhosmeus filhos, ArturArturArturArtur, PedroPedroPedroPedro e

MiguelMiguelMiguelMiguel que me ensinaram o verdadeiro

sentido da palavra “prioridade” e com sua

generosidade, me deram carinho, sorrisos e

colo quando eu precisei. Quem mais, se não

vocês, a dar sentido à minha vida?

Ao meu queridomeu queridomeu queridomeu querido Esposo Rogério FigueiróEsposo Rogério FigueiróEsposo Rogério FigueiróEsposo Rogério Figueiró,

agradeço pelo seu amor, sua paciência, generosidade,

carinho e esforço constantes para tornar esse processo

menos turbulento e mais produtivo possível. Sua

compreensão e tolerância nos meus momentos de cansaço e

de humor pouco amigável foram fundamentais para que

eu pudesse perseguir meu objetivo de terminar este

trabalho. Foi com você que reforcei, durante estes últimos

anos, minha crença na união, esperança, e serenidade nas

adversidades. Você é uma pessoa muito especial! Esse

trabalho é seu também. Amo você e nossa Família!

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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

Devo agradecer a DeusDeusDeusDeus em primeiro lugar. Foi com Seu auxílio concreto e presença

constante que consegui chegar até aqui. E também à Nossa Senhora que me amparou em

vários momentos nesta jornada.

Á minha Mãe Lina queMãe Lina queMãe Lina queMãe Lina que sempre se antecipou às minhas necessidades de conciliar meu

tempo entre tese, casa, filhos e marido. Sua disponibilidade incondicional foi imprescindível

para a conclusão do meu trabalho. Minha mãe, fonte inesgotável de amor!

Ao meu Pai AlcestePai AlcestePai AlcestePai Alceste que contribuiu com estímulo constante, apoio logístico e

compreensão pelos vários dias sem a companhia de minha mãe em casa. A vocês dois,

referências na minha vida no que se refere aos valores que hoje eu tenho e cultivo, o meu

sincero agradecimento.

Valeu o incentivo de minha irmã Lianeirmã Lianeirmã Lianeirmã Liane, que, em função do seu trabalho, não tinha

como participar de maneira mais próxima desta etapa da minha vida profissional, mas mesmo

de longe, sei que irradiava pensamentos positivos para que terminasse com sucesso esta

empreitada.

Vovó ConceiçãoVovó ConceiçãoVovó ConceiçãoVovó Conceição, Vovô AlbertinoVovô AlbertinoVovô AlbertinoVovô Albertino e Tia AlicTia AlicTia AlicTia Aliceeee... Dedico este meu trabalho também a

vocês porque tenho plena certeza que, mesmo aí no Céu, vocês torceram e ainda torcem por

mim. Meu Deus, quanta saudade!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço muitíssimo à minha OrientadoraOrientadoraOrientadoraOrientadora Profª. Drª. Regina Célia GollProfª. Drª. Regina Célia GollProfª. Drª. Regina Célia GollProfª. Drª. Regina Célia GollnerZeitounenerZeitounenerZeitounenerZeitoune,

que quase teve sua reserva de paciência esgotada! Apesar das dificuldades inerentes à

construção de um estudo deste porte, penso que valeu a pena. Ouso até dizer que nós duas

aprendemos muita coisa neste período. Acabei sendo privilegiada, pela bagagem de

conhecimento que tanto ela me proporcionou como o curso em si, e também pelos laços que, se

antes eram fortes, agora ficaram mais estreitos. Obrigada pela confiança que depositou em

mim, pela competência com que conduziu as orientações durante todo o curso, pela

cumplicidade na defesa da idéia da tese e pela compreensão infindável nos momentos

complicados. Espero ter feito jus à sua dedicação e competência como Orientadora.

Aos Professores DoutoresProfessores DoutoresProfessores DoutoresProfessores Doutores que me honraram com sua anuência em participar da minha

Banca ExaminadoraBanca ExaminadoraBanca ExaminadoraBanca Examinadora.

À amigaamigaamigaamiga Profª. Drª. Ângela AbreuProfª. Drª. Ângela AbreuProfª. Drª. Ângela AbreuProfª. Drª. Ângela Abreu, que me iniciou no mundo da Lesão medular e que

acabou sendo tão responsável pela minha paixão pelo tema. Não vou me esquecer nunca das

palavras de incentivo ao meu esforço, dos elogios e apoio na consecução da minha tese.

À ChefiaChefiaChefiaChefia do DESPDESPDESPDESP pela confiança e apoio nas pessoas das Professoras Drªs

Elisabete PimentaElisabete PimentaElisabete PimentaElisabete Pimenta e Rosane GrieppRosane GrieppRosane GrieppRosane Griepp.

A todas minhas colegascolegascolegascolegas do Departamento de Enfermagem de Saúde PúblicaDepartamento de Enfermagem de Saúde PúblicaDepartamento de Enfermagem de Saúde PúblicaDepartamento de Enfermagem de Saúde Pública que

torceram pelo êxito do meu trabalho, o meu agradecimento.

À Sônia Maria XavierSônia Maria XavierSônia Maria XavierSônia Maria Xavier, secretária do Programa de Ensino de Pós Graduação e

Pesquisa da EEAN/UFRJ, pelo atendimento às minhas solicitações durante a realização do

curso.

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Às empresasempresasempresasempresas que abriram suas portas, franqueando seus departamentos e autorizando

as entrevistas para que eu pudesse coletar os dados e construir esta tese.

Aos trabalhadorestrabalhadorestrabalhadorestrabalhadores, sujeitos do meu estudo, obrigada pela compreensão e colaboração.

Muito obrigada!

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[...] um homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida E a vida é trabalho

E sem o seu trabalho Um homem não tem honra

E sem a sua honra Se morre, se mata

Não dá pra ser feliz Não dá pra ser feliz

Gonzaga Jr.

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RESUMO

O PARAPLÉGICO NO MERCADO DE TRABALHO – A PERCEPÇÃO DOS

TRABALHADORES SEM DEFICIÊNCIA MOTORA: Contribuições da enfermagem para

a equipe multidisciplinar

Rachel Ferreira Savary Figueiró

Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro -

UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.

Estudo sobre a percepção do trabalhador sem deficiência motora acerca do paraplégico no

contexto de trabalho. Objetivos: descrever a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora acerca do trabalhador paraplégico no trabalho; analisar, na percepção dos sujeitos do estudo, atitudes que denotassem uma postura estigmatizante frente ao deficiente cadeirante no contexto do trabalho; discutir as implicações da percepção dos trabalhadores sem deficiência motora acerca da inclusão do paraplégico no contexto ocupacional, na perspectiva da Saúde do Trabalhador. O referencial teórico se apoiou, dentre outros, em Erving Goffman (1988, 2005) e Carolyn Vash (1988). Abordagem qualitativa, norteada pelos pressupostos da dialética. Os dados foram captados através de entrevista semi-estruturada no local de trabalho dos sujeitos. Os resultados revelaram que: estes percebem a deficiência como um atributo do indivíduo deficiente e não como uma condição construída socialmente que transforma dificuldade em incapacidade; a família e o tratamento de reabilitação foram apontados como ferramentas para que o cadeirante se instrumentalizasse para ingressar e permanecer no mercado de trabalho; que a noção estigmatizante do deficiente é, de fato, uma realidade no ambiente ocupacional, mais expressiva nas faixas etárias jovens, independendo do nível de escolaridade; não guardando coerência com as reais limitações do cadeirante. Tal comportamento vai repercutir negativamente na saúde do trabalhador cadeirante que não se sente valorizado pelo grupo onde trabalha. Não vendo seu esforço reconhecido e sentindo-se preterido em função da sua deficiência, sofre profundo prejuízo em sua auto-estima que pode, cedo ou tarde, resultar em afastamento por depressão ou por acidentes de trabalho.

Palavras-chave: Trabalhador; Cadeirante; Deficiência; Estigma.

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ABSTRACT

THE WHEEL CHAIR BOUND INDIVIDUAL IN THE WORK MARKET – THE

PERCEPTION OF WORKERS WHO ARE NOT MOTOR DISABLED:

Nursing subsidy for multiprofessional team

Rachel Ferreira Savary Figueiró

Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro -

UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.

Study on the worker’s perception who does not suffer from motor disability towards the wheel chair bound individual in the work context. Objectives: to describe the perception such workers have about the wheel chair bound individual at work; to analyse, in the subjects’s perception, attitudes that might represent a stigmatising posture towards the wheel chair bound individual in the work context; to discuss the implications of such perception vis-a-vis the inclusion of the wheel chair bound individual in the occupational context, in the light of the Worker’s Health. The theoretical support has based itself, among others, on Erving Goffman (1988,2005) and Carolyn Vash (1988), Qualitative approach, guided by the dialetic principles. The data was gathered through semi-structured interviews at the subjects’s place of work. The results have revealed that the subjects perceive the disability as a feature of the disabled individual and not as a condition socially constructed, which transforms difficulty in lack of ability; the family, as well as the rehabilitation treatment have been shown as tools so that the wheel chair bound individual could acquire the necessary skills in order to join and remain in the work market; that the stigmatising notion of the disabled individual constitutes, indeed, a reality which is part of the occupational environment, more expressive among younger age groups, regardless their school background; it bears no coherence with the real limitations of the wheel chair bound individual. Such behaviour will have a negative repercussion upon the wheel chair bound worker’s health, who does not feel valued by the group he/she works with. Feeling his/her effort neglected and feeling ostracized due to his/her physical disability, his/her self-esteem is shattered, which, sooner or later, provokes the need of taking leaves or triggers accidents at work. Key-words: Worker; Wheel chair bound individual, Disability; Stigma.

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RESUMEN

EL PARAPLÉJICO EN EL MERCADO – LA PERCEPCIÓN DE LOS

TRABAJADORES SIN DEFICIENCIA MOTORA: contribuiciones de la enfermeria

para la equipo de salud interdisciplinario

Rachel Ferreira Savary Figueiró

Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune

Resumen da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em

Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro -

UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.

Estudio sobre la percepción del trabajador sin deficiencia motora acerca del parapléjico en

el contexto de trabajo. Objetivos: describir la percepción de los trabajadores sin deficiencia motora acerca del trabajador parapléjico en el trabajo; analizar, en la percepción de los sujetos de estudio, actitudes que denoten una postura estigmatizadora frente al discapacitado motor en el contexto del trabajo; discutir las implicaciones de la percepción de los trabajadores sin deficiencia motora acerca de la inclusión del parapléjico en el contexto ocupacional, en la perspectiva de la salud del trabajador. El referencial teórico ha sido apoyado, entre otros, en Irving Goffman (1988, 2005) e Carolyn Vash (1988). Abordaje cualitativo, guiado por los presupuestos de la dialéctica. Los datos han sido captados a través de entrevistas semiestructuradas en el local de trabajo de los sujetos. Los resultados han revelado que: éstos perciben la deficiencia como un atributo del individuo deficiente y no como una condición construida socialmente que trasforma dificultad en incapacidad; la familia y el tratamiento de rehabilitación, han sido apuntados como las herramientas fundamentales que le permitirán, al discapacitado motor, ingresar y permanecer en el mercado de trabajo; que la noción estigmatizadora del deficiente es, de hecho, una realidad en el ambiente ocupacional, más expresivas en la etapa juvenil, independiente del nivel de escolaridad y que no guarda coherencia con las limitaciones reales del discapacitado motor. Por otra parte, tal comportamiento irá a repercutir negativamente en la salud del trabajador discapacitado que no se siente valorizado por el grupo donde trabaja y no ve su esfuerzo reconocido, por lo que se ve relegado, en función de su deficiencia motora. Esta actitud le acarrea un profundo perjuicio en su autoestima que puede llevarlo, más tarde o más temprano a apartarse del ámbito laboral por depresión o por accidente de trabajo. Palabras claves: Trabajador; Discapacitado motor; Deficiencia; Estigma.

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SUMÁRIO

CAPÍTULOS

I CONSIDERAÇÕES INICIAIS 14

1.1 Contextualização do Objeto de Estudo e a Problemática 14

1.2 Questões Norteadoras 24

1.3 Objetivos 25

1.4 Justificativa do Estudo 25

1.5 Relevância do Estudo 28

1.5 A Tese 30

II REFERENCIAL TEÓRICO 31

2.1

Lesão Medular – definição, causas e complicações mais restritivas ao retorno à vida social

32

2.2 Processo de Reabilitação do Lesado Medular – conceito, fatores envolvidos na reabilitação e fases da reabilitação

42

2.3 Reações das Pessoas frente à Deficiência – a construção histórica do lidar com a pessoa deficiente - estigma, preconceito, discriminação

48

2.4 Inclusão Socioeconômica e Psicológica do Lesado Medular – aspectos legais e outros fatores que apontam para a inclusão

66

2.5

Inclusão do Lesado Medular no Contexto Ocupacional e a Saúde do Trabalhador – saúde do trabalhador, reabilitação profissional

69

III METODOLOGIA 77

3.1 Tipo do Estudo 77

3.2 Local do Estudo 75

3.3 Sujeitos do Estudo 79

3.4 Instrumento de Coleta de Dados 82

3.5 Coleta de Dados 84

3.6 Tratamento, Análise e Discussão dos Dados 85

3.7 Aspectos Éticos 86

IV ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 87

4.1 A compreensão sobre a deficiência – a deficiência nas palavras dos andantes 89

4.2 O deficiente cadeirante no ambiente Ocupacional: a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora

100

4.3 Cadeirantes no ambiente de trabalho: como a deficiência sobressai aos olhos dos andantes

114

4.4 O trabalho do cadeirante na ótica dos trabalhadores andantes 128

4.5 Trabalhadores cadeirantes e os trabalhadores andantes: comportamento preconceituoso no ambiente de trabalho?

143

V CONSIDERAÇÕES FINAIS 164

REFERÊNCIAS 175

APÊNDICES Apêndice A - Roteiro de Entrevista 184

Apêndice B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 185

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Apêndice C - Carta de Autorização para Coleta de Dados 186

ANEXO

Anexo A – Carta de Aprovação no CEP 187

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CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

1.1 Contextualização do Objeto de Estudo e a Problemática

O estudo teve como objeto a percepção do trabalhador sem deficiência motora

acerca do paraplégico no contexto de trabalho. Com vistas ao objeto, cabe inicialmente

esclarecer quais concepções foram adotadas no estudo sobre os termos percepção e

paraplégico.

Em psicologia, neurociência e ciências cognitivas, percepção é a função cerebral que

atribui significado a estímulos sensoriais, a partir de histórico de vivências passadas. Através

da percepção, um indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir

significado ao seu meio. Consiste na aquisição, interpretação, seleção e organização das

informações obtidas pelos sentidos. A percepção pode ser estudada do ponto de vista

estritamente biológico ou fisiológico, envolvendo estímulos elétricos evocados pelos

estímulos nos órgãos dos sentidos. Do ponto de vista psicológico ou cognitivo, a percepção

envolve também os processos mentais, a memória e outros aspectos que podem influenciar na

interpretação dos dados percebidos (WIKIPEDIA, 2007).

O conceito de percepção, no sentido mais amplo, é caracterizado por um processo de

cognição em que os procedimentos mentais se realizam mediante o interesse ou a necessidade

de estruturar a nossa interface com a realidade e o mundo, selecionando as informações

percebidas, armazenando-as e conferindo-lhes significado. Trata-se a percepção como uma

situação objetiva baseada em sensações, acompanhada de avaliação e freqüentemente de

juízos (NASCIMENTO; RIO; OLIVEIRA, 1996).

Com vistas às considerações, entender-se-á por percepção, o

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ato de perceber, ação de formar mentalmente representações dos objetos externos a partir dos dados sensoriais. Todas as percepções da mente humana se incluem em dois tipos distintos: impressões (sensações, paixões e emoções) e idéias (pensamento e raciocínio). A diferença consiste no grau de força e vivacidade segundo os quais atingem a mente, chegando até o pensamento e a consciência. (JAPIASSU e MARCONDES, 1999, p. 22)

E por paraplégico aquele que é portador de paraplegia, ou seja:

[...] paralisia que afeta apenas os membros inferiores, podendo ser causa resultante de uma lesão medular torácica ou lombar, ou ainda por causas não traumáticas como tumores e infecções. Este trauma ou doença altera a função medular, produz como conseqüências, além de déficits sensitivos e motores, alterações viscerais e sexuais. (LIANZA, 2001, p 103)

Nos aspectos legais, o Decreto nº 3.298 de dezembro de 1999 (BRASIL, 1999)

categoriza a paraplegia como uma deficiência física, sendo esta definida como

alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia [...], exceto as deformações estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções [...].

Cabe ainda esclarecer que, no estudo, foram utilizados, com o mesmo significado da

palavra paraplégico, os termos: portador de necessidades especiais (PNE), cadeirante,

deficiente físico (DF) e deficiente motor (DM). Para nomear o indivíduo sem deficiência

motora, utilizou-se também o termo andante que é usado pelos cadeirantes quando se referem

àqueles não portadores de deficiência motora dos membros inferiores.

Assim, na perspectiva de contextualizar o objeto a ser investigado na trajetória da

autora do estudo, vale dizer que a inquietação teve início na carreira de docente de

enfermagem em uma Universidade Pública Federal no Estado do Rio de Janeiro em 1997,

atuando em um programa curricular do curso de graduação que tem como eixo central a

reabilitação, onde passou a ter contato com pessoas vítimas de traumatismo raquimedular

(TRM) pela violência urbana que eram atendidas no cenário de prática dos alunos sob sua

supervisão.

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Essa clientela com seqüelas de paraplegia ou tetraplegia, ou seja, paralisia dos

membros inferiores e superiores tinha que reaprender a lidar com seu corpo, agora tão

diferente com limitações severas impostas pela lesão.

Portanto, a autora iniciou alguns estudos nesta área buscando compreender não só o

fenômeno neurológico em si e suas complicações, mas, também, as implicações daquela lesão

nos aspectos socioeconômico e psíquico, bem como nos contextos familiar e de lazer do

indivíduo portador de necessidades especiais.

Isto porque, como professora, tinha de instrumentalizar os alunos para a assistência

direta ao deficiente motor desde o momento de instalação da lesão até a fase de reabilitação e

seu ajustamento.

Cabe ressaltar que essa instrumentalização não se restringe apenas aos aspectos

relacionados à mera execução de técnicas invasivas e não invasivas, mas à visão do cliente

como um todo, valorizando aquilo que não foi comprometido pela lesão medular e que será

elemento chave no tratamento de reabilitação.

No entanto, nós, docentes, nos deparamos com uma barreira que obstaculiza a

tentativa de transformação das atitudes dos alunos frente ao deficiente motor, pois, conforme

Costa, Filgueiras e Da Mata. (1999), os alunos se mostram pouco à vontade diante do novo,

do diferente. Suas reações diante dos clientes variam desde pena, medo, tristeza à impotência.

Essas reações e sentimentos que os discentes verbalizam podem, sem que eles percebam,

dificultar a interação com os pacientes.

Foi então que me deparei com o fato de que é muito difícil para o aluno, durante o

tempo que ele passa nesse cenário, compreender e acreditar que se devem investir esforços

nas “capacidades” residuais daquele indivíduo não concentrando exageradamente ou

exclusivamente o foco de atenção naquilo que foi “perdido” com o trauma.

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Capacidade residual é todo o potencial sensitivo e motor que foi preservado após a

lesão e que pode ser transformado, por meio de um tratamento de reabilitação em capacidade

funcional, ou seja, trabalhar com outras estruturas funcionais do organismo que

permaneceram, total ou parcialmente, intactas após a lesão.

Em outras palavras, quando uma lesão medular não atinge todos os feixes de fibras

nervosas, o que se caracteriza por uma lesão incompleta, tem-se um quadro clínico muito

variável, uma vez que as fibras nervosas íntegras e aquelas parcialmente atingidas servem,

ainda, como ponte para a transmissão de impulsos elétricos.

O’ Sullivan e Schmitz (1993) esclarecem que, após a lesão raquimedular, o paciente

reaverá suas capacidades motoras e sensitivas totalmente ou parcialmente que foram

prejudicadas, abaixo do nível da lesão. Isso dependerá do quão extenso foi o dano causado na

medula espinhal.

Contudo, no processo de reabilitação, há de se valorizar a capacidade residual

tornando-a o mais funcional possível, com vistas ao retorno desse indivíduo para o convívio

familiar, de lazer e laborativo, com o máximo de sua potencialidade funcional.

Assim, o processo ensino-aprendizagem referido objetiva preparar os alunos não só

com relação aos procedimentos técnicos, mas também tem o compromisso de levá-los à

reflexão sobre o significado do termo deficiência, sobre quais são as reais limitações que a

lesão traz ao indivíduo.

Cabe aqui apresentar alguns conceitos de deficiência e apontar aquele que norteará as

discussões do estudo.

De acordo com a Enciclopédia e Dicionário Koogan/Houaiss (1993, p. 253), o

vocábulo “deficiência” deriva do Latim Deficientiae e significa “falta; imperfeição;

insuficiência”. No domínio da saúde, deficiência representa qualquer perda ou anormalidade

da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica (OPAS/OMS, 2003).

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Dizer que um indivíduo tem uma deficiência não implica, portanto, que ele tenha uma

doença nem que tenha de ser encarado como “doente”. Já o Decreto nº 3.298/99 (BRASIL,

1999) considera que as deficiências podem ser parte ou uma expressão de uma condição de

saúde, mas não indicam necessariamente a presença de uma doença ou que o indivíduo deva

ser considerado doente. Completa, informando que as deficiências podem ser temporárias ou

permanentes, progressivas, regressivas ou estáveis, intermitentes ou contínuas.

Retomando a linha de raciocínio, o que se percebia nas colocações dos alunos era uma

preocupação desproporcional com determinadas complicações do TRM em detrimento da

valorização do potencial do cliente.

Este, muitas vezes, pelo efeito do trauma ou por não ter tido um suporte adequado para

um tratamento direcionado na área de reabilitação, tem esse potencial mascarado ou

embotado; por vezes, diminuído, é verdade, mas por uma procura ou acesso tardio ao

tratamento.

A percepção do aluno passa também a inquietar quando, apesar de todo conteúdo

teórico e prático oferecido durante o desenvolvimento do programa curricular, ainda tem

dificuldade de “enxergar” num paraplégico o que está por traz daquele corpo aparentemente

inerte.

Por outro lado, mesmo com os docentes que dominam a temática, esse entendimento

nem sempre fica completamente estabelecido; talvez em função da carga de preconceitos que

cada um de nós carrega.

Dessa forma, vem a reflexão: o que se pode esperar da população em geral, que

interage em diferentes contextos, com indivíduos deficientes, inclusive no ambiente de

trabalho e que não tem o conhecimento e essa preocupação ou inquietação? Assim, começa a

delinear a problemática de que o portador de deficiência, apesar de reabilitado, tem

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dificuldade de retornar ou, às vezes, se manter nas atividades laborais pela discriminação

imposta pelos ditos “normais”.

E é esse, se não o maior, um dos maiores entraves para o lesado medular: o de

enfrentar sérias dificuldades para retornar, de forma digna, ao contexto social.

Durante o atendimento a essa clientela, essa queixa é a que mais aparece. Muitos,

inclusive, não querem continuar o tratamento de reabilitação por dois motivos: o fato de que

não voltarão mais a andar com suas pernas e o segundo é que, mesmo fazendo uso de órteses

ou próteses, não conseguem suportar a discriminação ou compaixão das pessoas não

portadoras de deficiência física. Sabem que não vão competir em bases iguais com os

supostamente sãos, melhor dizendo, sem deficiência aparente.

De fato, é comum se observar no dia-a-dia, pessoas não deficientes adotando atitudes

que variam desde a compaixão até ao deboche, passando pela indiferença por uma dificuldade

de não saber como lidar com o diferente.

Há não só a fala dos clientes, mas inclusive a dos alunos que demonstram, como citado

anteriormente, certa dificuldade em lidar com esses indivíduos. Para eles, é como se a idéia

da reabilitação fosse como algo parcial, pela metade. Como o evento “cura” não acontece (no

sentido de que o lesado medular vai ter limitações motoras e sensitivas importantes) é difícil

para eles, vislumbrarem uma possibilidade de viver com qualidade, mesmo com um corpo

diferente.

Provavelmente, o fator idade interfira bastante nessa compreensão. Os alunos estão

numa fase onde tudo é muito intenso, as transformações são rápidas e todos nós somos

impelidos a buscar sempre resultados imediatos. Aliás, independente da idade, vivemos numa

era onde a eficácia e a eficiência são fomentadas ao extremo. Além disso, nosso

comportamento é resultante de um arcabouço de valores e crenças que formamos desde nossa

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infância. Despojarmo-nos de tudo, inclusive dos preconceitos que temos, para interagir com

pessoas “diferentes” não é fácil.

Sobre isso, Vianna (1997, p. 72) traz em seu estudo uma fala ilustrativa sobre o

comportamento dos profissionais de saúde: “é muito mais difícil e muito mais caro fazer as

pessoas desaprenderem o que elas já sabem do que aprender coisas novas. Esse processo de

transformação dos profissionais que trabalham na área da saúde é o maior entrave”.

Na perspectiva dos deficientes, Esteves e Savary (2003, p. 18), em seu estudo sobre as

facilidades e dificuldades de inserção no mercado de trabalho dos portadores de lesão

medular, ilustram bem a percepção desses clientes com os seguintes depoimentos:

[...] Tudo é difícil na vida. A pessoa (sem deficiência) quando olha para o deficiente, já olha com pena. Não... vendo que ele tem capacidade. Mas, às vezes o deficiente... quer mostrar que tem capacidade como outra pessoa qualquer. A pessoa (sem deficiência) não pode olhar para o deficiente como digno de pena se ele não é digno de pena. Porque encostar ele e dar um salário mínimo, isso é fácil. Porque muitas vezes ele está com a cabeça boa, a mão boa... pode mexer num computador...tem muitas coisas que um deficiente pode fazer. E o deficiente precisa trabalhar, porque quando não trabalha, a tendência é ficar cabisbaixo, não tem mais ânimo pra nada. Só fica ali, comendo, engordando... Não vive muito não.

Santos (2000, p. 85) também demonstra o sentimento do portador de lesão medular

frente aos olhares dos “normais”:

Alguns olhares me incomodam. Porque vai depender do ambiente em que estou. Se ficam me olhando como um coitado, eu nem vou mais lá. Eu vou dizer para vocês que não saio na rua de cadeira. Eu vou na casa de pessoas conhecidas, gosto de festa [...] não saio nem na área de casa, eu não me sinto bem... só vou para casa de parentes.

Elman (2002) também ressalta semelhante dificuldade enfrentada pelos deficientes

mentais que desejam ingressar e se manter no mercado de trabalho.

Os relatos são bastante ilustrativos no que se refere à dificuldade desses indivíduos em

retornarem à vida social. Ficou claro que não basta apenas reabilitar o corpo daquele

indivíduo deficiente. Provavelmente a cabeça/mente/consciência daqueles que se acham

“normais” precisaria de mais atenção.

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Por outro lado, alguns estudiosos como Goffman (1988) colocam outro elemento para

reflexão que ofusca um pouco a possibilidade de credulidade cega nestes argumentos dados

pelos deficientes. Segundo este autor, uma pessoa estigmatizada pode responder de formas

variadas à situação de “desprestígio” que enfrenta diante dos outros indivíduos “normais”.

Uma destas formas pode ser chamada de “efeito cabide”. Em outras palavras, o

estigmatizado “pendura” na sua deficiência, toda sua insuficiência, todas as suas insatisfações,

todas as protelações e todas as obrigações desagradáveis da vida social que trazem, a reboque,

toda a responsabilidade social. Ou seja, caso o deficiente, intimamente, não deseje trabalhar,

ele pode usar sua deficiência como uma “desculpa” socialmente aceitável para não fazê-lo.

Uma vez que encarar o dia-a-dia do trabalho possa ser, por vezes, enfadonho e penoso,

o deficiente ao se deparar com esta realidade, que é comum a todos, inclusive àqueles que não

têm deficiência, assume uma postura de vítima das circunstâncias. Daí, seu argumento de que

não consegue entrar e se manter no mercado de trabalho em função da discriminação e

preconceito por parte da sociedade dita “normal” acaba, no mínimo, merecendo

questionamentos.

Ainda com relação ao acesso do deficiente no mercado de trabalho, é sabido que há

um amparo legal para a pessoa portadora de necessidades especiais, que será posteriormente

apresentado com todo o detalhamento, bem como há atuação de Organizações

Governamentais como o Centro Integrado de Apoio ao Deficiente (CIAD) no Rio de Janeiro e

as Não Governamentais como o Centro de Vida Independente (CVI), mas, apesar disto, o

deficiente tem trazido, na prática, que estes não têm sido suficientes para que sejam garantidos

os seus direitos.

Ou seja, a população de um modo geral que necessita de reabilitação ainda não tem

seu direito plenamente atendido no que se refere não somente ao tratamento em si, mas no que

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diz respeito ao seu futuro como cidadão, ao seu papel dentro do seu grupo social, membro

efetivo de uma comunidade, com direitos e deveres.

Há de se dizer que a deficiência1 depende do ponto de vista das pessoas. Que um

paraplégico apresente limitações motoras e sensitivas, isso já se sabe; contudo, o

desconhecimento e o despreparo das pessoas ditas “normais” para lidar com a deficiência “do

outro’ os levam a um comportamento de preconceito, trazendo prejuízos à PPNE. Preconceito

este entendido como

julgamento prévio rígido e negativo sobre um indivíduo ou grupo. No uso moderno assume conotações diversas, porém à maioria delas, persistem as noções de julgamento prévio desfavorável, efetuado antes de um exame ponderado e completo e mantido rigidamente, mesmo em face de provas que o contradigam. (WILLIAN, 1993, p. 53)

Dando continuidade às inquietações sobre o objeto de investigação, a realidade de ser

professora e ter despertado para estas questões, fez a autora do estudo retomar, na memória,

uma situação vivida na área da Enfermagem do Trabalho no ano de 1998, quando atuou em

uma empresa de grande porte, que não contemplava em seu quadro de funcionários, à época, a

presença de pessoas portadoras de deficiência motora, conforme preconiza a Lei nº 8.213 de

1991 (BRASIL, 1991). Hoje se pensa que isso pode ser atribuído, talvez, pelo fato de a

legislação direcionada para a PPNE ser, neste caso, relativamente nova, apesar de já estar em

vigor naquela data.

Ainda na perspectiva de apresentar a magnitude da problemática do estudo, há os

dados estatísticos que retratam a dimensão a ser investigada. Nesta linha de raciocínio,

segundo dados do IBGE do Censo 2000, estima-se a população do Brasil em 169.799.170

sendo que desta, 955.287 são pessoas com deficiências físicas do tipo paraplegia, tetraplegia

ou hemiplegia permanente.

Deste universo de deficientes físicos, 790.153 residem em região urbana, sendo

435.712 do sexo masculino, com uma concentração de 411.547 na Região Sudeste e, como

1 Grifo da autora

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conseqüência das lesões medulares, as paraplegias foram responsáveis por 60,5% do total de

casos, enquanto as tetraplegias por 39,5% dos casos.

Dentre esses deficientes físicos, há aqueles que foram vítimas por disparos de arma de

fogo, permitindo inferir que a maior parte dos portadores de lesão medular traumática têm

sido vítimas da violência social. É importante observar que a grande maioria das vítimas da

violência urbana é de jovens do sexo masculino com idade entre 10 a 29 anos, faixa etária

correspondente ao período de maior investimento intelectual e ao ingresso no mercado de

trabalho.

No Rio de Janeiro, cidade conhecida pelo crescimento da violência urbana, a

população de deficientes com tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente é de 77.837

(IBGE, 2000), ficando a partir da lesão e durante o processo de reabilitação inicial,

impossibilitadas de assumir integralmente as atividades das quais faziam parte.

Infelizmente, esta dificuldade de inclusão social não ocorre apenas devido à limitação

física imposta pelo trauma, mas também pelas limitações de um Estado que tem dificuldades

em viabilizar sua estrutura física e social para integrar essa parcela da população no contexto

social. Esta realidade também é vista em outros estados e países.

Mas, ainda que fossem observadas todas as leis que dão suporte à questão da PPNE no

Brasil, no sentido de garantir-lhe a gratuidade no transporte, remoção de barreiras

arquitetônicas, garantia de vagas em escolas e nas inscrições em concursos públicos, educação

especial àqueles com déficit de aprendizagem, abatimento em alguns impostos e atendimento

de reabilitação adequado à sua necessidade, esta enfrentaria outro tipo de obstáculo: o estigma

da sociedade relacionado à condição de deficiência do outro; principalmente se for visível,

como é o caso das pessoas que se locomovem em cadeiras de rodas (GLAT, 2004).

Quando ainda compreendido como “algo” que não funciona mais, marginalizado pela

sociedade e pelo Poder Público, o portador de lesão medular pode entrar em um processo de

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deterioração social e conseqüentemente assumir a categoria de vida que está lhe sendo

imposta pelas limitações e não a que pode ser alcançada através de um trabalho de

reabilitação.

A reabilitação, em seu conceito amplo, compreende os seguintes aspectos: reabilitação

física, que cuida da recuperação física e orgânica; reabilitação psicológica que opera na esfera

psíquica do cliente, atuando de forma a levá-lo a compreender melhor a si mesmo e sua

relação com o meio ambiente; reabilitação profissional, que integra o homem ao seu trabalho

anterior ou a outro compatível com sua deficiência funcional restituindo-lhe o sentimento de

independência e de auto-suficiência; e a reabilitação social, que decorre das precedentes

reintegrando o homem na sociedade (TALIBERTI, 1997).

Diante do exposto, a inquietação da pesquisadora está especificamente na questão da

inclusão no mercado de trabalho da pessoa paraplégica, sob o olhar do trabalhador sem

deficiência motora. Isto porque, sendo a maior parte dos portadores de lesão integrantes da

população economicamente ativa e visto que a reabilitação se compromete em restabelecer,

em seu maior grau de potencialidade, as atividades funcionais do indivíduo em níveis físico e

social, é através da inclusão desse indivíduo no mercado de trabalho que a reabilitação se

concretizará.

1.2 Questões Norteadoras

À luz do objeto do estudo, das inquietações da autora e problemática, traçou-se como

questões norteadoras:

- Qual é a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora, acerca do

trabalhador paraplégico no trabalho?

- A percepção dos não portadores de deficiência motora tem coerência com as

limitações de fato impostas pela lesão medular?

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- A percepção da pessoa não portadora de deficiência motora se mostra como

uma compreensão estigmatizante sobre os paraplégicos?

- Quais as implicações da percepção dos trabalhadores sem deficiência motora

acerca do paraplégico e a inclusão deste no contexto ocupacional?

1.3 Objetivos do Estudo

Com vistas às questões norteadoras propostas no estudo, têm-se como objetivos:

- Descrever a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora acerca do

trabalhador paraplégico no trabalho;

- Analisar, na percepção dos sujeitos do estudo, atitudes que denotem uma postura

estigmatizante frente ao deficiente cadeirante no contexto do trabalho;

- Discutir as implicações da percepção dos trabalhadores sem deficiência motora

acerca da inclusão do paraplégico no contexto ocupacional, na perspectiva da

Saúde do Trabalhador.

1.4 Justificativa do Estudo

Dando seguimento às questões do estudo, cabe apresentar a justificativa da pesquisa,

sendo esta apoiada na problemática inicialmente apontada baseada na inquietação da autora

bem como pela estatística que mostra o elevado número de pessoas portadoras de paraplegia

na faixa etária produtiva e, conseqüentemente, sujeitas à exclusão do trabalho. Como

justificativa tem-se ainda a insuficiência de produção de conhecimento sobre o objeto em tela.

Neste sentido, buscar-se-á apresentar o que há de investigado sobre o assunto.

Pode-se dizer, então, que a temática “pessoa portadora de deficiência motora”, neste

caso em particular, se apresenta para a autora deste estudo sob diferentes dimensões quando se

refere à produção de conhecimento.

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São conhecidas investigações na vertente do portador de deficiência sobre as

complicações de ser deficiente físico conforme apontam Pereira, Ávila e Santana (2000),

Machado (2003), Batista et al. (2000), Andrade et al. (2003) e de discentes na posição de

cuidadores desta clientela, de acordo com os estudos de Rangel (2002), Filgueiras (1998),

Souza e Motta (1996) e Moraes et al. (2006).

Há ainda os que discutem a legislação como Silva e Heidemann (2002), Barbosa

(2007) e Pastore (2000), Epidemiologia e Estatística (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO,

2007) relacionada à deficiência de um modo geral. Apresentar esta produção permite

visualizar a lacuna no conhecimento sobre a temática, reafirmando a importância de buscar

respostas para questões ainda não investigadas. Estas estão apresentadas com a finalidade de

mostrar a importância de avançar nas investigações ampliando a compreensão do objeto de

estudo.

Assim, têm-se índices estatísticos que são preocupantes. Pelos dados de 2000 do

Censo Demográfico do IBGE, estimava-se que 19.253.901 fosse o número de pessoas

economicamente ativas no país em agosto do mesmo ano. No Rio de Janeiro/Brasil esta

população chegava a 4.549.609 indivíduos no mesmo mês. Outros dados de 1991 indicavam

que o número de homens entre 15 a 29 anos, no mesmo estado, que se enquadrava como

chefes de domicílio era de aproximadamente 409.179, enquanto as mulheres correspondiam a

58.517.

Esta proporção de homens e mulheres no cenário do mercado de trabalho se torna

interessante na medida em que se retoma os dados epidemiológicos referentes à população

mais atingida pelo traumatismo raquimedular, que são os homens. Então, numa relação entre

as informações epidemiológicas com os dados do IBGE, há um panorama pouco confortável

no que se refere à estabilidade econômica destas famílias cujo principal mantenedor é o

homem. Muitas famílias perdem sua sustentabilidade financeira em função do seu

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afastamento do contexto do trabalho, mas que deverá criar estratégias para continuar a dar

suporte às despesas domésticas e, ainda, aos custos do seu tratamento de reabilitação.

Se pensarmos em termos de proporção, a quantidade de pessoas deficientes no Brasil é

pequena em relação ao todo. Numericamente falando, estes deficientes são “abafados” pelo

contingente dos “normais” que também têm seus problemas e vivem suas agruras do dia-a-

dia.

Todavia, há que se lembrar que cada ser humano é único e como tal tem o direito a

tratamento digno como qualquer cidadão. Por isso, a quantidade expressa em números da

população deficiente não deve ser analisada e considerada de forma isolada, mas sim como

um direito de todos tornando-se, assim, expressiva perto do todo.

Nesta linha de raciocínio, para os próprios deficientes, seus familiares, cuidadores e

sociedade envolvida com sua causa, o número é mais do que expressivo. É gritante.

Verificando, então, que as causas dos traumas que acarretam lesões medulares fazem

parte de um contexto atual que se torna cada vez maior e significativo na sociedade e de que a

parcela da população atingida é, em sua grande maioria, composta por jovens ativos, que em

muitos casos exercem papel de mantenedores de suas famílias, é oportuno que se estude as

possibilidades de reintegração dessa população no mercado de trabalho. Não apenas para

reduzir o ônus do Estado com essa população, mas para que cada indivíduo possa atingir os

objetivos da reabilitação e retomar o espaço perdido temporariamente dentro de suas próprias

vidas.

Desta forma, foi encontrada a produção de conhecimento sobre algumas dimensões

das questões que envolvem a pessoa paraplégica. Contudo, aquilo que se refere ao “olhar” do

não portador de deficiência para o portador e este no contexto do trabalho não foi identificada

produção acerca deste objeto, vindo reafirmar a justificativa do presente estudo.

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1.5 Relevância do Estudo

Ao se referir à relevância da pesquisa, ao concluí-la, entende-se que houve

contribuições para a assistência de enfermagem à pessoa portadora de necessidades especiais;

para a formação do profissional que deverá estar preparado para atender esta clientela nos

diversos contextos em que ela se encontre, inclusive no trabalho e ainda resgatou a

contribuição para novas pesquisas.

Para entender o impacto na assistência, deve-se lembrar que a população atingida pelo

TRM, caracterizada por ser jovem e economicamente ativa, é atendida em setores de

emergência inicialmente, momento no qual os profissionais devem estar preparados e

capacitados para atender e entender o tipo de assistência que deve ser dispensada ao portador

de lesão medular e sua família.

A partir desse momento, o portador de lesão e sua família não devem ser tratados de

maneira diferenciada e sim com o comprometimento de profissionais que conheçam o

problema do qual estão tratando, para que possam atingir de forma mais plena os objetivos da

reabilitação física, psíquica, profissional e social.

Logo, o estudo trouxe contribuições com subsídios aos profissionais que assistem o

portador de lesão durante o processo de reabilitação para que o atendimento seja direcionado à

realidade a ser vivida pelo deficiente físico, buscando sua reinserção nas esferas bio-psico-

social.

Em outras palavras, pensa-se que divulgando e fomentando a idéia de que uma pessoa

portadora de deficiência motora, uma vez reabilitada, terá condições de se inserir novamente

na sociedade, poder-se-á mudar um pouco a idéia estática e limitada das pessoas, inclusive de

muitos profissionais de saúde, que imaginam que uma lesão medular colocou um ponto final

na vida do indivíduo.

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Ou seja, os profissionais da área de saúde, particularmente o enfermeiro, por ser ele,

na maioria das vezes, o responsável pelos cuidados a esse cliente, poderão ser muito mais

eficazes em sua assistência, tendo respostas às questões apresentadas no estudo sobre

situações vivenciadas pelo indivíduo portador de alguma deficiência motora ao tentar retornar

ao mercado de trabalho e, por outro lado, com subsídios para preparar e treinar os não

cadeirantes a lidar com o deficiente no contexto do trabalho, a exemplo o profissional da área

da saúde do trabalhador, no contexto das empresas que tem o cadeirante como trabalhador.

Vale aqui dizer que, muitas vezes, o profissional não consegue atender às expectativas

desse cliente porque não teve, em sua formação, essas questões discutidas. Portanto, esta

também é uma contribuição do estudo.

Conhecendo como o trabalhador sem deficiência motora percebe o deficiente, tem-se

subsídios para formarmos enfermeiros trazendo em sua bagagem também este conhecimento

que auxiliará nas discussões com o indivíduo portador de deficiência motora, quando a

questão for inclusão ocupacional.

Esses enfermeiros, ao conhecerem alguns dos aspectos que envolvem as dificuldades e

expectativas apresentadas pela maioria das pessoas livres de deficiência motora em lidarem ou

aceitarem ou trabalharem com uma pessoa em cadeira de rodas, por exemplo, poderão criar e

lançar mão de estratégias em conjunto com os demais profissionais da área da saúde e afins

para minimizar este impacto e tentar, dessa forma, serem agentes facilitadores dessa

integração, contribuindo para a inclusão na atividade laboral desse indivíduo.

E, por fim, para a pesquisa, o projeto está inserido no Núcleo de Pesquisa

Enfermagem e Saúde do Trabalhador – NUPENST, do Departamento de Enfermagem de

Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ, na linha de pesquisa Enfermagem

e a Saúde do Trabalhador. Esta abordagem dada ao estudo veio ampliar as discussões e

possibilidades de outras pesquisas nesta vertente.

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Com base na exposição do assunto em tela, a tese defendida foi que os trabalhadores

sem deficiência motora têm uma percepção estigmatizante em relação aos trabalhadores

cadeirantes no contexto laboral.

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CAPÍTULO II

REFERENCIAL TEÓRICO

Este capítulo está delineado de forma a mostrar as interfaces e balizar as discussões

das questões que envolvem a inclusão do paraplégico no contexto de trabalho.

Como os objetivos mostram, buscou-se o olhar daquele trabalhador sem deficiência

motora de tal forma que se fez necessário buscar o referencial que trata não só deste aspecto,

mas do fenômeno paraplegia e suas implicações como um todo.

A paraplegia é uma seqüela que tem diferentes causas: traumáticas e não traumáticas.

No entanto, este referencial teórico se ocupou de focar a lesão medular como principal agente

desencadeador desta condição que atinge uma população com perfil jovem em franco

desenvolvimento intelectual e de ingresso no mercado de trabalho.

Nesta perspectiva, o capítulo está assim estruturado:

2.1 Lesão Medular - definição, causas e complicações mais restritivas ao retorno à vida

social

Aqui, mostrou-se a dimensão do problema que é a lesão medular e seus prejuízos no

organismo do indivíduo que vão muito além da perda da sensibilidade e motricidade.

2.2 Processo de Reabilitação do Lesado Medular – conceito, fatores envolvidos na

reabilitação e tipos de reabilitação.

2.3 Reações das Pessoas frente à Deficiência - estigma, preconceito, discriminação

Neste item, foi abordado o processo de construção do estigma e discutido as questões

relativas ao preconceito e à discriminação que, no caso do deficiente motor que usa a

cadeira de rodas, é muito mais acentuado pela visibilidade2 da deficiência.

2.4 Inclusão Socioeconômica e Psicológica do Lesado Medular – aspectos legais e outros

fatores que apontam para a inclusão. 2 Grifo da autora

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2.5 Inclusão do Lesado Medular no Contexto Ocupacional e a Saúde do Trabalhador –

saúde do trabalhador, reabilitação profissional

Política de Inclusão do deficiente no mercado de trabalho, reabilitação profissional. Este

item traz o suporte legal que ampara o deficiente na luta pela sua inclusão ocupacional.

2.1 Lesão Medular - definição, causas e complicações mais restritivas ao retorno à vida

social

Para estabelecer uma ponte entre a lesão medular e os comprometimentos que esta

significa para uma pessoa, faz-se necessário abordar, ainda que de forma breve, alguns tópicos

que tratam da anatomia e fisiologia humana. Estes itens são relevantes para que se possa

dimensionar alguns comprometimentos no contexto biológico de um indivíduo, mas que têm

estreita relação com sua inclusão seja esta no contexto familiar, ocupacional ou de lazer.

Definição:

Para melhor compreender a definição de lesão medular e visualizar o impacto desta na

vida de um indivíduo cabe, primeiramente, estabelecer a importância da medula espinhal para

o organismo humano. A medula espinhal, que está situada dentro do canal vertebral, não é

apenas uma via de comunicação entre as diversas partes do corpo e o cérebro, mas também

um centro regulador que controla importantes funções como a respiração, circulação, a

bexiga, o intestino, o controle térmico e a função sexual.

A Figura 1 ilustra bem a estrutura óssea que comporta e protege a medula espinhal

bem como sua relação com a inervação com as diferentes partes do organismo.

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Figura 1 - Estrutura das Vértebras e sua relação com os nervos

cranianos.

Portanto, lesão medular pode ser definida como qualquer trauma ou doença que altere

a função medular produzindo, como conseqüência, além de prejuízos motores e sensitivos,

alterações viscerais, sexuais e tróficas. Quanto mais alto for o nível da lesão, mais alterações

ela trará para seu portador (LIANZA, 2001; VENTURA et al., 1996).

Causas:

No que se refere às causas da lesão medular, existem as de origem traumática e as de

origem não traumática. As primeiras representam aproximadamente 80% dos casos, dado

principalmente pelo problema da violência urbana nas grandes metrópoles.

A lesão traumática da medula espinhal ocorre com maior freqüência nos grupos etários

mais jovens; 80% estão abaixo dos 45 anos de idade, sendo que 50% das lesões ocorrem no

grupo de 15 a 25 anos de idade (KOTTKE; LEHMANN, 1994).

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Dos casos admitidos nos centros especializados em lesão medular, cerca de metade das

lesões traumáticas envolve a medula cervical. A maioria dos casos de trauma apresenta

fratura/deslocamento; menos de 25% apresentam somente fratura e um número muito

pequeno apresenta envolvimento da medula espinhal sem dano ósseo óbvio da coluna

vertebral.

Os acidentes com veículos motorizados constituem a principal causa de traumatismos

da coluna cervical, com os acidentes de mergulho sendo a principal causa nas lesões

esportivas (KOTTKE; LEHMANN, 1994).

Deve-se destacar que, também, estão inclusos na categoria dos acidentes por

mergulho, não apenas as modalidades esportivas. Os mergulhos em águas rasas,

especialmente durante o verão e férias, com conseqüentes lesões medulares também não são

incomuns.

No contexto da violência urbana, as lesões traumáticas causadas pelas armas de fogo

têm apresentado uma característica peculiar. Nesta panorâmica, a prática tem mostrado que o

quadro que existe hoje em relação aos baleados se modificou um pouco. Devido ao calibre das

armas que são usadas atualmente, é muito difícil que um indivíduo que foi baleado no tronco

ou pescoço, sobreviva.

A conseqüência é que não temos tido muitos baleados com lesão medular para

atendimento em Serviços de Reabilitação, pois eles morrem no local ou durante o processo de

hospitalização devido à severidade e extensão das lesões causadas pelas armas de grosso

calibre tão amplamente usadas nas “guerras urbanas” que presenciamos nas grandes cidades.

Em contrapartida, o número de casos de quedas cresceu, sendo uma das causas do

TRM. Assim, pode-se dizer que sendo, em sua totalidade, causas que poderiam ser evitadas

através de ações educativas para população, devendo-se estar como aliados a esta questão não

apenas o fator terapêutico, mas, também, o preventivo.

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Ainda sobre as causas traumáticas, os locais mais comuns de lesões com fratura-

luxação são as junções C5-6, C6-7, T12-L1. Certas partes da coluna são relativamente

protegidas de lesões, como as regiões torácica superior e lombar inferior.

As fraturas da coluna torácica podem resultar de um golpe direto como ocorre no

colapso de uma flexão violenta na posição sentada ou de um projétil penetrante. As fraturas-

luxações e toracolombares são mais comuns na porção T12-L1 e se seguem à flexão violenta

como ocorre em uma queda de certa altura (KOTTKE; LEHMANN, 1994).

Os casos não traumáticos são, principalmente, o resultado de mielite transversa,

tumores e acidentes vasculares. Trombose ou hemorragia da artéria vertebral causam isquemia

da medula com paralisia resultante.

Não parece haver relação absoluta entre a severidade do dano à coluna vertebral e

aquela da medula espinhal e raízes nervosas. Um paciente pode sofrer uma severa

fratura/luxação e, ainda assim, a medula espinhal pode não ser afetada ou pode apenas sofrer

um dano parcial. Um outro pode não exibir uma lesão vertebral óbvia aos raios X e, contudo,

ter sofrido uma tetraplegia completa irreversível (BROMLEY, 1997).

O Quadro 1, a seguir, resume as diferentes situações que provocam a lesão na medula

de acordo com a etiologia.

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Quadro 1 - Etiologia da Lesão Medular

LESÕES TRAUMÁTICAS

Fraturas-luxações

Acidentes de trânsito Esportes Quedas Acidentes de trabalho

Ferimentos Armas de fogo Armas brancas

LESÕES NÃO-TRAUMÁTICAS

Tumorais Extradurais: tumor ósseo primário ou matetástases Intradurais: - extramedulares

- intramedulares

infecciosas Inespecíficas: abscessos, mielites Específicas: TBC, LUES

Vasculares Trombose e embolia

Degenerativas Espondilose

Malformações mielomeningocele

Outros Hérnias de disco, estenose do canal medular, siringomielia

Quadro clínico da Lesão Medular

As manifestações clínicas conseqüentes à lesão medular dependem dos efeitos

fisiopatológicos que esta lesão provocou na medula. O dano da medula espinhal, resultando

quer de uma injúria, quer de uma doença, pode produzir tetraplegia ou paraplegia,

dependendo do nível em que ocorreu o dano (BROMLEY, 1997).

Mas estes efeitos vão depender de alguns fatores como:

• Nível da lesão – quanto mais próxima da cabeça for a lesão, mais

comprometimentos ela trará ao indivíduo.

• Extensão da lesão (grau da lesão medular nos planos horizontal e transversal) –

quanto mais extensa for a lesão mais grave ela é. Ou seja, o prejuízo ao organismo é

diretamente proporcional ao número de feixes e fibras nervosas acometidas pela

lesão.

• Tempo de instalação da lesão – as lesão instaladas de forma brusca, como é o caso

das traumáticas, são as mais graves, pois nestes eventos o organismo não tem tempo

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de se adaptar às mudanças ocorridas em seu meio interno. Já naquelas lesões que se

instalam, de forma progressiva, o comprometimento vai se agravando aos poucos,

permitindo ao indivíduo a possibilidade de se organizar interna e externamente, na

busca de condições para se ajustar.

O quadro clínico abordado, neste estudo, refere-se àquele conseqüente a uma lesão

traumática e obedece três estágios distintos, a saber:

• Fase de choque medular

o Caracterizada por uma paralisia flácida, anestesia superficial e profunda,

alterações esfincterianas (arreflexia vesical e atonia intestinal), alterações na

função sexual e alterações do sistema nervoso autônomo. Todas essas disfunções

são observadas abaixo do nível da lesão.

• Fase de retorno das atividades medulares reflexas

o Caracterizada pela reorganização funcional das estruturas medulares localizadas

abaixo do nível da lesão. Clinicamente, o indivíduo apresenta ainda paralisia e

anestesia caso a lesão tenha acometido toda a medula no sentido transversal

(lesão completa). Se a lesão comprometeu apenas parte da medula, o quadro

clínico será variável, mas as alterações sensitivas e motoras estarão presentes,

em maior ou menor grau.

• Fase de ajustamento

o Corresponde à fase de ajuste do indivíduo à sua nova condição de tetra ou

paraplégico. É nesta fase que se consegue domínio sobre todas as funções,

mesmo que elas não respondam ao controle voluntário. Isto constitui condição

básica para poder iniciar o desenvolvimento de toda sua capacidade como ser-

humano na sociedade.

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A paraplegia é a paralisia dos membros inferiores e todo ou uma porção do tronco.

Quando os membros superiores também estão envolvidos, usa-se o termo tetraplegia para

descrever a deficiência (KOTTKE; LEHMANN, 1994).

Em relação às paralisias provocadas por lesão medular, é importante ressaltar que a

lesão física na medula pode se apresentar de várias formas, de acordo com a causa da lesão.

Em alguns casos, pode haver a formação de cicatriz no local lesionado; já em outras situações

ocorre apenas uma desmielinização das fibras nervosas, ou seja, causas diferentes que terão o

mesmo efeito, que é a perda da capacidade da medula em conduzir os estímulos nervosos

através da região lesionada e por fim, a paralisia.

Após a lesão da medula, as alterações vasculares e biológicas levam ao completo

infarto e necrose do segmento lesado. O mecanismo de redução do fluxo sangüíneo na medula

espinhal, após o trauma, não é bem compreendido. No momento da lesão, não ocorre somente

uma lesão direta dos axônios e vasos sangüíneos, mas ocorre, também, uma cadeia secundária

de eventos resultando em hipóxia edema e infarto.

O fator crítico para a função recuperável é o tempo desde o traumatismo até a

instituição de qualquer terapia (HARRISON’S, 1997).

Segundo Bromley (1997), o edema e a hemorragia que ocorrem no interior da medula

podem realmente causar uma ascensão do nível da lesão de um ou mais segmentos dentro dos

primeiros dias após a injúria, mas isto é quase sempre temporário e a lesão neurológica final

provável será a mesma ou até mesmo inferior que aquela observada imediatamente após a

injúria.

O cuidado agudo do indivíduo, com lesão medular, é direcionado à estabilização da

condição clínica e tratamento das lesões associadas quando presentes e apropriadas

imobilizações.

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Como dito, o quadro clínico, após uma LM, pode ser variável, mas de toda forma

sempre trará limitações importantes e, às vezes, irreversíveis para o indivíduo. Por isso, o

tratamento de reabilitação deve ser imediato para que possa potencializar ao máximo as

capacidades residuais desta pessoa, vislumbrando seu retorno breve à sociedade.

Em linhas gerais, isto é muito mais difícil para uma pessoa tetraplégica, uma vez que

as estruturas comprometidas representam um obstáculo na comunicação de grande parte da

medula com o cérebro. Já para uma pessoa paraplégica, com a preservação dos movimentos e

sensibilidade membros superiores, as chances de retorno ao convívio social são mais

concretas.

A titulo de ilustração segue o Quadro 2, que representa, de forma resumida, os níveis

críticos da função da medula espinhal.

Quadro 2 – Correlação entre os níveis da lesão medular e comprometimento muscular correspondente

C4 Diafragma, extensores e flexores da cervical média.

C5 Força parcial de todos os movimentos do ombro e flexão do cotovelo

C6 Força normal de todos os movimentos do ombro e flexão do cotovelo; extensão do punho, a qual indiretamente permite a garra grosseira dos dedos.

C7 Extensão do cotovelo, flexão e extensão dos dedos.

T1 Braços e mãos totalmente normais

T6 Extensores da coluna torácica, músculos intercostais superiores.

T12 Todos os músculos do tórax, abdômen e coluna lombar.

L4 Flexão do quadril, extensão do joelho.

L5 Força parcial de todos os movimentos do Quadril com flexão normal, força parcial da flexão do joelho, força parcial do movimento do tornozelo e pé

Complicações da Lesão Medular

É comum que as pessoas, ao ouvirem que alguém sofreu uma lesão medular,

relacionem este fato à perda da capacidade de se movimentar, imaginando apenas que estas

não poderão mais andar ou movimentar os braços.

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Mas a lesão medular não compromete somente o movimento como muitas pessoas

podem supor. Outras complicações surgem e estabelecem na vida do PLM uma necessidade

de adaptação e cuidados básicos indispensáveis para manutenção de sua qualidade de vida e

saúde.

Uma série de complicações pode decorrer do traumatismo medular e, em sua grande

maioria, se constitui por dificuldades na adaptação do indivíduo, não apenas na parte clínica

da reabilitação, mas também para que possa conviver socialmente.

Dentre as complicações mais expressivas listadas por Kottke e Lehmann (1994),

confirmadas por Lianza (2001) e Ventura et al. (1996), estão a disfunção vesical e intestinal

pós-trauma neurológico, conhecidos por bexiga neurogênica e intestino neurogênico,

respectivamente.

Tais disfunções podem tomar uma dimensão tal na vida do indivíduo lesado medular

que dificultarão, ou até mesmo ceifarão, as possibilidades de retorno ao convívio social, sendo

também um agente complicador na inclusão do LM no contexto ocupacional.

A seguir, estão descritas, de forma pontual e resumida, as complicações supra citadas,

no intuito de ampliar a noção sobre estas perdas a que está exposto o LM.

Complicações Advindas da Lesão Medular – Bexiga Neurogênica

� Disfunção Vesical

A disfunção vesical vem exemplificar exatamente como existe um comprometimento

clínico e social para o PLM. A lesão medular, independente do nível ou do grau, leva ao que

chamamos de bexiga neurogênica, onde a disfunção vesico-esfincteriana tem como origem

uma causa neurológica congênita ou adquirida. O que ocorre é um comprometimento dos

impulsos nervosos que comandam o esvaziamento vesical, levando a bexiga a perder a

capacidade de contrair-se ou até apresentar contrações a pequenos volumes de urina

armazenada, levando o indivíduo, por exemplo, à perda incontrolável de urina.

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As bexigas neurogênicas podem ser classificadas, resumidamente, com base em seu

comprometimento neuronal em: bexiga neurogênica hiperreflexa ou bexiga neurogênica

arreflexa.

Nesses casos, se não houver uma intervenção precoce, outras complicações poderão

aparecer como a ruptura do Detrusor (músculo da Bexiga), intoxicação renal e sepse em

função do retorno da urina, através dos ureteres, para o trato urinário superior, infecções

urinárias de repetição, traumatismo da uretra e fibrose da bexiga, causados pela permanência

indefinida de cateteres vesicais no indivíduo.

Além das complicações de ordem fisiológica, o indivíduo convive com

constrangimentos causados pelo descontrole voluntário da micção que o prejudicam em suas

relações sociais, inclusive no que diz respeito do retorno ao ambiente de trabalho. Uma bexiga

neurogênica não cuidada resulta numa maior dificuldade do PLM restabelecer as atividades

cotidianas que incluem o exercício profissional.

Nesses casos, a reeducação vesical é mister para o processo de reabilitação do

indivíduo que deixará de ser “refém” do funcionamento aleatório da sua bexiga, passando a

controlá-la. Este controle nem sempre é voluntário, mas existem estratégias de treinamento

vesical e disciplina nos hábitos de saúde do PLM que vão ser significativos para sua

reabilitação, facilitando pois, seu retorno ao meio social.

� Disfunção Gastrointestinal – Intestino Neurogênico

As disfunções gastrointestinais também são relevantes para o PLM. Não raro é

encontrada a úlcera péptica que pode ter fundo de estresse e intestino neurogênico. Chama a

atenção este último por ser causa comum da disreflexia autonômica hipertensiva que, como

relatado anteriormente, pode causar danos sérios à saúde do indivíduo, levando-o inclusive à

morte.

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No intestino neurogênico, o lesado medular perde total ou parcialmente, a capacidade

de controlar seu reflexo da evacuação. A conseqüência prática, na maioria dos casos, é uma

impactação fecal, já que alguns indivíduos ficam até 12 dias ou mais sem evacuar,

experimentando um enorme desconforto, calafrios, tremores, cefaléia intensa havendo a

necessidade de, em alguns casos, fazer retirada cirúrgica do bolo fecal.

Pensemos, então, na outra possibilidade de funcionamento intestinal, também

ocasionada pela lesão medular, onde o PLM perde o controle sobre suas eliminações

intestinais. Assim, como no caso da bexiga neurogênica, ele fica refém das “vontades”

aleatórias do seu organismo, ainda não reeducado.

Isso provoca um nível de estresse e constrangimento tamanho que é muito comum

indivíduos PLM recusarem-se a participar de algum tratamento de reabilitação ou de saírem

de casa para um passeio ou compromisso para não serem “pegos de surpresa”.

A saída, neste caso, é a reeducação intestinal que tem como filosofia a disciplina,

criação de novos hábitos de saúde e algumas manobras não invasivas que podem ser

facilmente realizadas pelo PLM ou, em caso de comprometimento grave, pelo seu cuidador.

Reconquistando o controle sobre seu corpo e suas funções, o PLM aumentará sua auto-

estima, sentirá maior segurança e poderá, enfim, buscar outros desafios como é, por exemplo,

o de retornar ao seio social.

2.2 Processo de Reabilitação do Lesado Medular - conceito, fatores envolvidos na

reabilitação e fases da reabilitação

Quando se fala em reabilitação, normalmente a primeira idéia que surge é a de uma

pessoa com limitações locomotoras sérias realizando exercícios para reaver seus movimentos

e voltar a andar. Mas o conceito de reabilitação, atualmente, extrapola esta concepção.

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Ela se amplia para a esfera bio-psico-social que tem como maior objetivo tornar o

indivíduo o mais independente possível, de forma que este atinja o mais alto nível de reajuste

às atividades antes desenvolvidas e ensinando-lhe alternativas de como viver com as

limitações das funções que não apresentam reminiscência.

É importante ressaltar, portanto, que a idéia de reabilitação que está sendo abordada

neste trabalho, concorda com a transcendência do conceito meramente físico onde a

preocupação é a de que o indivíduo apenas readquira seus movimentos.

A reabilitação tanto como um campo, como um processo já há muito reconheceu a

unidade corpo e mente. Inerentes à natureza dos comprometimentos, tratados pelos

especialistas em reabilitação, estão seus profundos efeitos sobre as múltiplas áreas da função.

Por exemplo, em um tetraplégico por lesão da medula espinhal pode faltar mais do que

o movimento voluntário e a sensação dos membros, o controle urinário e intestinal e uma

gama de outros comportamentos adquiridos na infância e que, em nossa sociedade, são

considerados necessários no processo de socialização e civilização.

Para clientes de serviços de reabilitação, a disfunção orgânica tem impacto sobre a

função social e emocional, e não se pode mais separar um cliente dos contextos familiar,

cultural e social tanto quanto não podemos separar o corpo da mente.

Assim, concorda-se com Kottke e Lehmann (1994) quando inferem que a Reabilitação

pode ser entendida como a restauração a termo de uma pessoa ora incapacitada ou com

dificuldades de readaptação ao seu meio, para sua capacidade máxima física, emocional, e

vocacional. Estes acrescentam ainda que a reabilitação precisa ser iniciada na ocasião mais

precoce possível para assegurar os melhores resultados.

Pensando na essência do processo de reabilitação, constata-se que sua natureza é de

aprendizagem e não de tratamento; isto é, o especialista desta área deve trabalhar com pessoas

e não nelas.

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Este modelo separa a reabilitação de muitas outras especialidades médicas, uma vez

que, neste contexto, a cura não é uma opção para a maioria dos comprometimentos; os

objetivos finais envolvem ensinar pessoas com prejuízos funcionais a viver com e apesar dos

comprometimentos através do controle e maximização do desempenho funcional e das

habilidades sociais e emocionais de tal forma, que eles possam reassumir algum grau de

controle sobre seus corpos, mentes e ambientes (KOTTKE; LEHMANN, 1994).

Não gera dúvidas o fato de que o indivíduo, com lesão medular, passa por uma fase

inicial na qual é totalmente dependente, onde a sua atuação é praticamente nula como diz

Bromley (1997, p. 1): “os pacientes com lesão medular espinhal são, de início, totalmente

dependentes daqueles que estão em torno e necessitam de cuidados especializados e

treinamento para que se tornem independentes novamente”.

A equipe de reabilitação

Qualquer situação que cause desequilíbrio na manutenção do estado de saúde de uma

pessoa exige o trabalho especializado de uma equipe que busque, dentro das medidas cabíveis,

a restauração do padrão ora perdido. Isso exige conhecimento técnico científico atualizado,

envolvimento e uma constante revisão e renovação das atitudes e comportamentos frente ao

indivíduo que está sob os cuidados da equipe de saúde.

Com relação ao pessoal que atua diretamente na reabilitação, cuidando de pessoas

“especiais”, não é diferente.

No processo de reabilitação estão envolvidos vários profissionais, onde cada um, de

acordo com sua formação, será responsável por prestar sua assistência ao cliente que não deve

ser de forma isolada, mas sim integrada, onde todos tenham conhecimento do cliente de forma

globalizada, visando à assistência integral.

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O que não deve ser ignorado, por estes profissionais, é que a reabilitação, tanto a física

como também os cuidados referentes ao estado emocional que este indivíduo desenvolverá ao

deparar com a nova realidade que se apresenta, deve ser iniciada o mais rápido possível.

O indivíduo após a lesão na medula espinhal experimenta uma fase de ajustamento a

qual, de acordo com Kottke e Lehmann (1994), citando uma observação de Treischman exige,

geralmente, um tempo considerável que pode variar entre 18 a 24 meses. Este dado assume

grande importância, pois o aspecto de reabilitação física pode ser prejudicado por períodos

muito longos de depressão ou negação.

Os profissionais de saúde precisam estar atentos a como o paciente e a família

respondem ao prognóstico. O envolvimento da família e amigos é importante para que eles

não prejudiquem o tratamento ou reforcem a negação.

Após adquirir uma lesão medular e dependendo do quanto esta tenha afetado seu

funcionamento orgânico, o PLM terá que adquirir novos hábitos relativos à sua saúde, que vão

desde manter os ganhos da reabilitação até prevenir potenciais complicações. Sobre este

assunto, Kottke e Lehmann (1994, p.734) expõem:

Uma vida inteira de cuidados após a alta hospitalar. Os objetivos incluem a refinamento dos ganhos físicos já alcançados, manutenção da capacidade funcional e ajustamentos alcançados, e identificação de problemas em potencial ou já desenvolvidos. Esses cuidados incluem reavaliação ambulatorial regular.

Todo o processo faz parte da reabilitação do paciente. À medida que este se torna mais

independente, o profissional de saúde deve também saber quando e como, gradualmente,

retirar seu suporte.

Ou seja, na reabilitação, pretende-se que o indivíduo reaprenda determinadas funções

que exercia antes e que aprenda a lidar, da maneira mais saudável possível, com a rejeição, a

exclusão e a indiferença que a sociedade oferece, não se deixando intimidar e buscando e

garantindo seus direitos.

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O profissional de saúde deve sempre estimular e encorajar o indivíduo dentro de suas

reais possibilidades, porém nunca iludi-lo. Dessa forma, estará ajudando-o a reorganizar e

readquirir seu equilíbrio psicofísico.

Outro aspecto que tem fundamental importância no correto desempenho da equipe é a

atitude frente ao indivíduo, estimulando sempre a sua identidade e fazendo com que se sinta

ativo dentro do grupo; um simples exemplo disto é a importância de identificar o paciente por

seu nome desde as primeiras etapas e nunca se referir a ele através de um rótulo que o

identifique.

Uma das tarefas essenciais do enfermeiro é facilitar o processo explicando

detalhadamente a realidade da lesão ao paciente e à família.

O enfermeiro, assim como outros profissionais, precisa ser sensível a como o paciente

e a família respondem ao prognóstico. Pode ser que eles não sejam capazes de “ouvir” o

prognóstico até que possam controlar a ansiedade.

Reforça-se aqui a importância do conhecimento e envolvimento que a equipe de

reabilitação deve ter para auxiliar o indivíduo e sua família a superarem todas as fases deste

processo, minimizando as conseqüências tanto físicas quanto psicológicas que a instalação de

uma lesão medular traz ao sujeito.

Castilhos et al. (2003) reforçam que todo o processo de reabilitação deve tomar início

o mais brevemente possível, uma vez que os ganhos funcionais que o indivíduo pode ter estão

diretamente relacionados à brevidade com que o seu corpo e mente são estimulados

positivamente, tão logo o evento incapacitante tenha ocorrido. Caso contrário, contraturas,

vícios posturais e outras complicações orgânicas tomarão dimensões cuja reversão nem

sempre será viável.

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Retomando agora o objeto do estudo, julgou-se necessário apresentar as fases em que a

Reabilitação está inserida dentro dos níveis de assistência à saúde, facilitando a visibilidade

das possibilidades do cliente o que irá contribuir na inserção do mesmo no contexto de

trabalho, de forma a este ser adequado à realidade do cadeirante, neste caso específico.

Fases da Reabilitação

Pode-se dizer que o espectro total de assistência à saúde é classificado dentro de três

níveis de prevenção: primário, secundário e terciário. A prevenção primária é aplicável

durante os períodos de pré-patogênese ou saúde ótima. Os outros dois níveis cobrem o período

de patogênese e o período de reabilitação (KOTTKE; LEHMANN, 1994)

No estudo em questão, prevenção primária que, segundo Potter e Perry (1999),

consiste em uma prevenção real que precede a doença ou disfunção e aplica-se aos clientes

considerados física e emocionalmente saudáveis, deveria estar voltada para a educação à

saúde. Deveriam atuar com campanhas que visassem à redução das principais causas do

traumatismo medular como os acidentes automobilísticos, mergulhos em águas rasas, entre

outros, explicando as conseqüências destes.

Em seu segundo nível, a prevenção secundária, ainda de acordo com Potter e Perry

(1999), enfoca os indivíduos que estão vivenciando problemas de saúde ou doenças e que se

encontram em risco para desenvolvimento de complicações ou piora de suas condições. Neste

nível se enquadra o diagnóstico e reconhecimento da situação de risco e são mobilizados os

meios necessários para evitar as complicações.

A prevenção terciária, por sua vez, é descrita por Potter e Perry (1999) como o estado

em que a lesão ou invalidez é irreversível e envolve a minimização dos efeitos da doença ou

invalidez por intervenções diretas, visando prevenir complicações e a deterioração do quadro.

As atividades são direcionadas para a reabilitação e tratamento.

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O trabalho de reabilitação no caso de instalação de lesões traumáticas da medula é

iniciado durante a prevenção secundária e tem continuidade na prevenção terciária, não

podendo nenhuma das fases ser descartada ou de maior ou menor importância que a outra.

Na esfera da enfermagem de reabilitação, esta se baseia em consistentes fundamentos

teóricos e científicos na medida em que se trabalha com os indivíduos para definir objetivos

para níveis máximos de interdependência funcional e atividades de vida diária, promover o

autocuidado, prevenir complicações e posterior deficiência, reforçar comportamentos de

adaptação positiva e assegurar a acessibilidade e continuidade de serviços e cuidados entre

outros (HOEMAN, 2000).

Durante esse processo, o cliente deve estar esclarecido sobre sua situação e do seu

prognóstico; mesmo que a aceitação não ocorra de maneira favorável, este não deve ser

enganado.

A assimilação dessas informações, pelo indivíduo, permite que o trabalho de

reabilitação transcorra de forma mais segura, onde o profissional conhece o limite do seu

cliente e este se propõe a atingir o que lhe é possível.

É importante que o cliente se torne consciente não apenas de seu potencial de

realização no aspecto físico como também das limitações impostas por sua deficiência.

Somente então irá desenvolver uma atitude realista e estará apto a atingir o máximo de sua

reabilitação e de suas habilidades, e de retornar as responsabilidades do lar, da vida em

família e em comunidade (BROMLEY, 1997).

2.3 Reações das Pessoas frente à Deficiência – a construção histórica do lidar com a

pessoa deficiente - estigma, preconceito, discriminação

Entende-se aqui que, para falar da reação do “outro” em relação a uma PPNE, faz-se

necessário compreender como o próprio indivíduo PNE reage frente à sua deficiência,

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percebendo que esta pode, de alguma forma, vir a influenciar na percepção daquele indivíduo

sem lesão medular com relação ao indivíduo cadeirante.

Desta forma, apresentar-se-á este aspecto a seguir.

� A aquisição da deficiência física/motora

Postulando-se que o indivíduo lesionado na medula espinhal sofreu uma das lesões

físicas e socialmente mais catastróficas, e considerando-se que esta pessoa tenha fisicamente

voltado à “lactância” em termos de precisar de assistência para realizar as atividades da vida

diária, há grandes ajustamentos a fazer nas semanas, meses, e até anos subseqüentes à lesão.

O naipe de reações psicológicas que se seguem às lesões traumáticas é extremamente

abrangente, tornando qualquer tentativa de sistematização ou generalização potencialmente

falha. Manifestações psicológicas adversas parecem ocorrer com maior freqüência quando há

alterações permanentes na estrutura do corpo ou algum déficit funcional significativo.

Segundo Lianza (2001), as reações podem ser mais intensas se a lesão que ocorre

como resultado do trauma envolve uma parte ou função do corpo dotada de maior

investimento emocional, ou se dela resulta deformidade visível.

Lesões traumáticas graves nas extremidades e na face costumam produzir reações

psicológicas bastantes significativas, principalmente quando resultam em desfiguramento e

incapacidade funcional permanente.

Vários fatores estão associados a uma vulnerabilidade maior ao evento traumático, tais

como: transtorno de personalidade prévio, mudanças de vida recentes e estressantes, apoio

sócio-familiar deficiente, presença de um trauma de infância. O suporte, real ou imaginário,

de relacionamentos primordiais pode mediar as respostas comportamentais ou emocionais do

trauma.

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Ao adquirir uma deficiência como a provocada pela lesão medular, a pessoa vai passar

por algumas etapas que envolvem aspectos emocionais e físicos importantes e que vão

auxiliar na construção do seu mecanismo para lidar com sua nova condição, seu novo corpo.

� Fases de Comportamento do Indivíduo diante da aquisição da deficiência

De uma forma geral, ao adquirir uma deficiência, o indivíduo passará por algumas

fases que, independente da natureza da sua deficiência, terão basicamente as mesmas

características que serão apresentadas a seguir. Cabe lembrar que tais reações se aplicam à

diferentes situações onde há algum tipo de perda, como câncer, HIV/AIDs e não apenas se

restringem ao contexto da aquisição de uma deficiência.

Mas, como o enfoque deste estudo está voltado para as pessoas paraplégicas, vítimas

de lesão medular, o olhar foi direcionado para esta clientela, o que também não significa dizer

que todas as pessoas vítimas de TRM passaram ou sempre passarão por todas as fases

descritas. O que existe é uma espécie de padrão de comportamento esperado após um evento

deste porte, onde as pessoas podem se encaixar de forma mais estreita ou não.

Segundo Kottke e Lehmann (1994), de uma forma global, o modelo de comportamento

do indivíduo portador de lesão medular pode ser dividido em quatro fases bem definidas. São

elas:

Fase de Choque: frente à súbita transformação provocada pela lesão medular, a pessoa entra

em um estado de confusão no qual não consegue perceber a magnitude do acontecido. Nesta

fase, ela interrompe seu vínculo com o mundo exterior, numa tentativa inconsciente de

proteger a sua imagem corporal, mantendo-a íntegra.

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Fase de Negação: o lesado medular que, na fase inicial, tinha interrompido seu vínculo com o

mundo exterior, começa a perceber sua situação, porém de uma forma distorcida, por não ter

condições de aceitá-la, tentando manter, assim, sua antiga imagem.

Esta fuga da situação evita que entre em ansiedade e/ou depressão e comumente, nesta

fase, ele reage de forma regressiva, sem iniciativa.

Durante estas duas primeiras fases a equipe desempenha a parte mais ativa dentro do

processo de reabilitação, devendo tomar decisões firmes, já que, dadas as condições do

indivíduo, este não pode reagir de forma dinâmica por não existir motivação alguma.

Fase de Reconhecimento: a persistência do quadro provocado pela lesão medular e o contato

com outras pessoas portadoras de limitações físicas semelhantes fazem com que o lesado

medular comece a tomar consciência de sua real situação.

A evidência da paralisia, a perda do controle esfincteriano, o temor de tornar-se uma

carga para seus familiares e as possíveis restrições sociais lhe provocam um forte sentimento

de desamparo e intensa ansiedade, levando-o a um estado de depressão.

Esta, comumente se traduz mediante queixas físicas contínuas e, se não for combatida

na fase inicial, pode transformar-se num obstáculo difícil de ser superado. Outras vezes essa

sensação de desvalorização pessoal é tão forte que podem surgir idéias suicidas.

É aqui que o recém-deficiente começa a experimentar as mudanças de sua própria

imagem. Já não pode ocultar-se dentro da fase defensiva de negação, vendo-se forçado a

recompor sua auto-imagem de forma mais realista.

É justamente nesta fase de reconhecimento que a participação ativa do lesado medular

deve ser altamente estimulada. Agora ele está em condições de ser motivado pela equipe para

começar a desenvolver ao máximo todo o seu potencial residual.

O bom relacionamento cliente-equipe facilitará o diálogo, permitindo uma real

conscientização sobre suas possibilidades e suas limitações.

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Destaca-se a importância de ir estabelecendo, durante o programa de reabilitação,

metas claras e realistas.

Cada meta atingida constitui-se num grande estímulo para continuar o processo de

reabilitação, enquanto metas irreais ou opiniões divergentes dos integrantes da equipe só

levarão a frustrações e desconfiança por parte do indivíduo com a conseguinte regressão a

fases anteriores.

Fase de Adaptação: nesta fase, o indivíduo portador de lesão medular começa a sentir-se

recompensado por seus esforços. Ele está na sua capacidade máxima para agir ativamente no

processo de reabilitação, é realista e, portanto, coopera para atingir as metas estabelecidas.

Reconhece a importância do programa de reabilitação, já que este lhe está devolvendo

a possibilidade de uma reintegração social e uma auto-eficiência dentro de suas limitações.

Logicamente, este quadro apresentado é esquemático e nem todos as pessoas superarão

da mesma forma estas diferentes etapas, porém todos os membros da equipe de reabilitação

que trabalham com pacientes portadores de lesão medular sabem a importância da superação

de cada uma destas fases na obtenção de uma verdadeira reabilitação.

A fixação do lesado medular nas fases iniciais ou a regressão a estas por uma

condução inadequada da equipe, incluindo nesta a família, pode estacionar gravemente o

processo de reabilitação.

Uma das reações psíquicas mais negativas que podem ser notadas é a indiferença

frente à lesão medular; é o paciente que não se deprime nem se mostra agressivo,

apresentando-se passivo, desmotivado, sem iniciativa, conduta que reflete grave perturbação

psíquica, devendo ser corretamente tratada antes de se iniciar o programa de reabilitação.

Freqüentemente, é observada esta conduta em pacientes que passam inativos, por

períodos prolongados, em hospital ou domicílio. Por isso, faz-se necessário que a reabilitação

seja iniciada durante a internação, de modo a evitar que ocorra esse quadro.

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O conhecimento dessas fases e possíveis complicações psicológicas associadas

permitem à equipe agir corretamente, ajudando o paciente a recuperar sua harmonia

psicofísica. Transformando, segundo as palavras de Gutmann (1994, p. 52), “um conjunto

caótico de componentes em uma nova unidade funcional do sistema nervoso”; somente assim

o paciente portador de lesão medular estará em condições de atingir sua reintegração à

sociedade.

Em outras palavras, as reações psicológicas do PLM representam problemas tão

árduos quanto os resultantes do desastre, que reduziram subitamente um indivíduo com saúde

normal e em atividade a um estado de completa imobilidade e dependência, primordialmente

em sua fase inicial.

A reação psicológica completa a sua condição física e desenvolve-se inevitavelmente

quando o cliente se recobra do choque traumático inicial. A reação naturalmente variará de

acordo com a idade, valores e temperamento individuais. Incertezas, medo e ansiedade fazem

surgir as questões:

− “Será isto permanente?”

− “Eu nunca mais poderei andar ou trabalhar novamente?”

− “Dependerei para sempre do auxílio de outras pessoas para realizar tudo que sempre

executei sozinho?”

O paciente irá apresentar muita ansiedade, dando origem a medo, frustrações, angústia

e freqüentemente uma sensação de isolamento. Eles terão muitos questionamentos com

respeito ao prognóstico, à vida no lar e em família, ao sexo, ao emprego, à reabilitação, à

relação entre sua condição e ao meio ambiente e problemas de ordem financeira (BROMLEY,

1997).

Geralmente, quando procura o hospital ou é levado para internação, qualquer

indivíduo pode sentir-se amedrontado, inseguro e desajustado. É nestas condições que ele

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necessita da ajuda psicológica e cabe também ao enfermeiro fazer que sinta confiança e

segurança no novo ambiente. Para o PLM, a realidade pode ser mais assustadora, pois tem que

se ajustar à sua entrada no sistema de saúde em uma nova condição pessoal.

A extensão da deficiência é forçosamente trazida à mente do indivíduo quando ele

começa sua reabilitação na cadeira de rodas. Durante a fase aguda no leito, outros assumem o

cuidado com seu corpo, mas uma vez ele o tenha abandonado, o portador de lesão medular é

confrontado com seus membros dependentes, pesados e sem função.

Muitos clientes atravessam um período de depressão nessa época. Uma atitude mais

positiva usualmente desenvolve-se quando o dia torna-se preenchido com trabalho e um

progresso mesmo ligeiro é realizado em direção a independência. A depressão pode anunciar-

se de diversas formas como agressão aos elementos da equipe e comportamento anti-social.

Outros não podem enfrentar a realidade de seu problema e constantemente afirmam

que irão andar novamente (negação). Em vista disso, eles se recusam a aprender as atividades

cotidianas, a partir de uma cadeira de rodas ou a considerar qualquer alteração necessária para

a vida doméstica. Uns poucos, e talvez o grupo mais difícil, parecem completamente

indiferentes. Eles se conformam, mas são inteiramente apáticos (BROMLEY, 1997).

Como forma de assegurar o acompanhamento psicológico, frente à sua importância no

trabalho de reabilitação, este vem a ser garantido no Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de

1999, Artigo 21, que ainda ressalta a necessidade de que este ocorra durante todo o processo

de reabilitação e simultaneamente aos tratamentos funcionais, desde a comprovação da

deficiência ou do início de um processo psicológico que possa originá-la (BRASIL, 1999).

Para oferecer o máximo de auxílio ao cliente durante este período de reajustamento

psicológico, assim como para atingir uma reabilitação física bem sucedida, é necessário que a

equipe esteja bem sintonizada.

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Todos os membros da equipe de reabilitação deverão estar envolvidos com o

reajustamento do paciente, cada qual sendo responsável por sua contribuição (BROMLEY,

1997).

A descrição deste quadro revela o quanto é difícil e complicado o processo de

reabilitação de um indivíduo após o acidente.

Como o início e o sucesso da reabilitação estão totalmente relacionados não apenas ao

seu estado físico, como também ao seu estado emocional, é essencial que a equipe

multiprofissional se apresente de forma bem organizada, onde cada profissional esteja atento a

todos os sinais e suas necessidades.

Não se pode esquecer que a família e o grupo de amigos desempenham um papel

fundamental dentro do processo de reabilitação; portanto, devem ser esclarecidos e orientados

em todos estes aspectos para agir em total harmonia com o resto da equipe, evitando a

superproteção, dando o apoio necessário e sabendo resistir às possíveis exigências irracionais

do paciente.

Retomando a questão da relação do próprio deficiente em relação à sua deficiência, a

pessoa pode assumir posturas distintas, como a de tentar a todo custo superar suas

dificuldades, tentando provar a todos que é um ser-humano melhor que os ditos “normais”

(como, por exemplo, um amputado que aprende a escalar montanhas); ou pode ainda cultivar

a idéia de que sua deficiência é uma espécie de “bênção” alimentando a certeza de que o

sofrimento tem muito a ensinar a uma pessoa sobre a vida e sobre as outras pessoas,

reafirmando, assim, as limitações dos normais.

Pode, também, tentar corrigir sua deficiência de forma direta, através de cirurgias,

implantação e órteses ou próteses.

Dependendo, ainda, de como se mostra a deficiência deste indivíduo, ou seja, se esta

for facilmente visível, ele será considerado como um sujeito desacreditado.

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No entanto, caso o defeito não seja tão visível assim, mas o seu portador acredita que

este o torna uma pessoa indigna de compartilhar do convívio social com os demais membros,

ele assume então uma postura desacreditável, já que reafirma sua condição de pessoa

estragada, diminuída (GOFFMAN, 1988).

O modo como este indivíduo lida com sua condição de deficiente vai impregnar, de

uma maneira mais ou menos intensa, a forma de ver do outro, facilitando ou obstaculizando a

interação social.

Pelo exposto, pode-se observar, sem a pretensão de que possamos sentir estas

dificuldades, sem delas sermos protagonistas, a “nova vida” a que é bruscamente apresentado

o portador de lesão medular.

A forma, com que cada um vai enfrentar e se adaptar à situação, é desenvolvida em

nível pessoal, pois cada um tem o seu contexto de vida e estrutura diferente do outro.

O fator de estudo, no presente trabalho, visa apenas tentar esclarecer um pouco, como

se coloca um dos fatores da nova adaptação dos quais o PLM é apresentado, que é o como as

pessoas não portadoras de deficiência o vêem no contexto ocupacional, que se caracteriza

fortemente como um fator de inclusão social ou não da Pessoa Portadora de Deficiência

Física, haja vista a forma como exerce neste uma ação e uma reação proveniente do estigma,

preconceito e discriminação, em relação à sua deficiência.

� Reações das pessoas em relação ao Deficiente – Construção histórica do lidar com a

pessoa deficiente

Da mesma forma que o lesado medular pode apresentar uma série de reações frente à

sua deficiência, aqueles não portadores de lesão também as têm, sendo estas caracterizadas,

muitas vezes, pelo estigma, preconceito e discriminação, gerando comportamentos que

oscilam entre a segregação e a compaixão, passando pela indiferença.

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Uma vez que o eixo central da discussão neste estudo gira em torno da percepção do

não deficiente em relação ao outro deficiente no âmbito do trabalho, é importante situar o

entendimento sobre como essa percepção foi sendo construída, tomando como ponto de

partida, uma linha histórica.

Segundo Silva (1986), estudos antropológicos apontam que, desde a pré-história,

pessoas com algum tipo de malformação congênita ou adquirida eram retratadas em pinturas e

cerâmicas, o que nos permite dizer que o tema da deficiência fazia parte da vida diária

daquelas comunidades.

Bahia (2006) acrescenta que cada tribo ou povo estabelecia uma forma de lidar com as

pessoas que tinham alguma deficiência, mas havia dois tipos comuns de atitudes adotadas

frente a pessoas idosas, doentes ou com alguma deficiência: ou elas eram toleradas na

comunidade, recebiam apoio e eram "assimiladas" pelo grupo ou eram desprezadas e

eliminadas de diferentes maneiras. No entanto, o autor ressalta que, em alguns povos, os

indícios de extermínio desses indivíduos acontecia por questões de sobrevivência e não por

preconceito ou discriminação.

A eliminação também era prática corrente entre os gregos. A valorização do corpo

levava ao sacrifício pessoas com alguma deficiência física que, por serem destituídas do

estatuto de pessoas, eram lançadas de penhascos (PALOMBINI, 2003).

Por volta do ano 280 da Era Cristã, em Roma, ainda era vigente a lei do extermínio de

recém-nascidos com deformações. Um número muito grande de nascimentos de crianças com

deficiências fez com que a população romana oferecesse sacrifícios especiais a Plutão para

eliminar um problema que afligia a todos. Também em Roma, bebês considerados anormais

eram abandonados em cestas enfeitadas com flores às margens do rio e eram recolhidos por

famílias pobres que os criavam para depois se utilizarem deles para pedir esmolas. Os

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romanos, sentindo-se culpados por terem abandonado um filho nessas condições, davam

esmolas para diminuírem seu sentimento de culpa.

Com a ascensão do Cristianismo a partir do século IV, as idéias de eliminação

compulsória de bebês com deficiência passaram a ser condenadas. O direito à vida passou a

ser defendido pelos cristãos, pois as mulheres, as crianças e as pessoas entendidas como

"diferentes" passaram a ser consideradas "filhos de Deus" e donos de uma alma e,

conseqüentemente, humanos. São chamados les enfants du bon Dieu, mas ao mesmo tempo,

com um significado religioso paradoxal, são considerados "expiadores de culpas alheias".

Pessoas com deficiência, loucos e criminosos eram considerados possuídos pelo demônio e

associados às faltas cometidas e à punição por parte de Deus, sendo banidas do convívio

social.

Ceccim (1997, p. 27), estudioso da questão, afirma que a partir da ética cristã torna-se

explícito o dilema entre caridade e castigo, entre proteção e segregação e

[...] despontam duas saídas para a solução do dilema: de um lado, o castigo como caridade é o meio de salvar a alma das garras do demônio e salvar a humanidade das condutas indecorosas das pessoas com deficiência. De outro lado, atenua-se o castigo com o confinamento, isto é, a segregação (a segregação é o castigo caridoso, dá teto e alimentação enquanto esconde e isola de contato aquele incômodo e inútil sob condições de total desconforto, algemas e falta de higiene).

No século XV, a Inquisição manda para a fogueira os hereges, que eram considerados

loucos, adivinhos ou pessoas com algum tipo de deficiência mental. Ainda naquele mesmo

século é editado o "Martelo das Bruxas", um livro "de caça às feiticeiras, adivinhos, criaturas

bizarras ou de hábitos estranhos" (CECCIM, 1997, p.28).

Pessoas com deficiência e, principalmente, com deficiência mental eram vistas como

possuídas por espíritos malignos ou como loucas e foram assim levadas à fogueira.

Até o século XVI, crianças com deficiência mental grave eram consideradas como

possuídas por seres demoníacos. Mesmo renomados intelectuais acreditavam que era o

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demônio que estava ali presente. Segundo o pensamento da época, "o demônio possui esses

retardados e fica onde suas almas deveriam estar" (SILVA, 1986, p. 211).

Com a gradual rejeição do caráter demoníaco associado às pessoas com deficiência,

começam a ser implementadas algumas formas de atenção a tais pessoas, constituindo, assim,

um outro modo de colocar o problema da deficiência, vinculando-o, daqui para frente, a

práticas caritativas e assistencialistas.

Castel (1998), em seu livro "As metamorfoses da questão social: uma crônica do

salário", faz uma excelente reflexão sobre a questão da assistência que nos auxilia a

compreender o modo como serão estruturadas as práticas voltadas para as pessoas com

deficiência a partir do final da Idade Média.

A assistência abrange, segundo o autor, um conjunto diversificado de práticas que, no

entanto, possuem uma estrutura comum determinada pela existência de certos grupos carentes

e pela necessidade de atendê-los. Trata-se de entender de que modo surge esta "necessidade"

de atendimento no âmbito da deficiência, uma vez que a assistência não será oferecida a todas

as pessoas, indiscriminadamente.

Foi preciso definir alguns critérios para o recebimento da assistência: o primeiro seria

o do "pertencimento comunitário" que vincula a assistência à condição de ser membro do

grupo, rejeitando assim os "estrangeiros".

Quer se trate de esmolas, de abrigo em instituição, de distribuições pontuais ou

regulares de auxílio, de tolerância em relação à mendicância etc., o indigente tem mais

oportunidades de ser assistido à medida que é conhecido e reconhecido, isto é, entra nas redes

de vizinhança que expressam um pertencimento que se mantém em relação à comunidade

(CASTEL, 1998).

Um segundo critério era o da "inaptidão para o trabalho", a partir do qual a assistência

era fornecida para aqueles carentes incapazes de suprir, sozinhos, suas necessidades

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através do trabalho. Para Castel (1998), o pobre que mais mobilizava a caridade era aquele

que exibia em seu corpo o sofrimento humano, a incapacidade física, a doença – de

preferência incurável –, ou seja, aquelas doenças e incapacidades insuportáveis ao olhar eram

as que garantiam a assistência.

A possibilidade de receber assistência estava, portanto, diretamente vinculada a esses

dois vetores: o pertencimento comunitário e a inaptidão para o trabalho. Dessa forma,

recebiam assistência aquelas pessoas moradoras da comunidade e que pudessem comprovar a

sua incapacidade para o trabalho.

Ainda, segundo Castel (1998), é a partir do fim do século XIII que a prática da

caridade se torna uma espécie de "serviço social local" para o qual colaboram todas as

instâncias responsáveis pelo "bom governo" da cidade. Dentre tais instâncias encontra-se a

Igreja – não propriamente em função da religião, como seria de se esperar, mas pelo fato de

que as autoridades religiosas (o bispo, o cônego, por exemplo) teriam as mesmas

responsabilidades das autoridades leigas (senhores notáveis e burgueses).

A prática assistencial está diretamente relacionada ao surgimento das instituições de

confinamento. Nesse modelo de intervenção, o atendimento aos carentes constitui objeto de

práticas especializadas. Assim, surgem diferentes equipamentos sociais, tais como hospitais,

asilos, orfanatos, hospícios que oferecerão atendimento especializado a certas categorias da

população que outrora eram assumidos, sem mediação, pelas comunidades. Vão surgindo

estruturas cada vez mais complexas e sofisticadas de atendimento assistencial, esboço de uma

profissionalização futura desse tipo de prática.

A condição social dos pobres que recebem assistência suscita atitudes que vão desde a

comiseração até o desprezo. Eram desprezados pela própria condição de pobreza na qual se

encontravam e pelas condições físicas de deficiência e doença, mas também recebiam

comiseração já que eram "alvos" da boa ação de outras pessoas. Essa contradição se encontra

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em modos específicos da "gestão da pobreza", na economia da salvação: mesmo desprezado,

o pobre pode, aceitando sua condição de pobreza, auxiliar os ricos para que esses pratiquem a

caridade – a "suprema virtude cristã" – e obtenham, assim, a salvação. Dessa forma, os pobres

também obteriam a sua própria salvação.

A pobreza torna-se, portanto, um valor de troca na economia da salvação, assim como

a doença e o sofrimento, prova inconteste da pobreza não só econômica, mas física. Doença e

deficiência tornam-se também um valor de troca nessa economia de salvação e na

possibilidade de obter auxílio da comunidade.

Observa-se que pessoas doentes e com deficiência devem permanecer na condição de

pessoas de segunda classe para continuar recebendo auxílio. Por outro lado, a prática

assistencialista que valoriza esse tipo de relação mantém e fixa as pessoas na posição de

subalternas. Para Castel (1998), essas pessoas fazem parte de uma zona intermediária de

vulnerabilidade social, que pode se dilatar, avançando sobre a integração e alimentando a

desfiliação em casos de crises econômicas, aumento do desemprego ou do subemprego. No

entanto, sempre haverá pessoas nessa zona limite entre a integração e a desfiliação.

Pessoas com deficiência, em uma grande parcela, fazem parte dessa zona de

vulnerabilidade social que alimenta a caridade e o assistencialismo. São pessoas, na grande

maioria, fora do mercado de trabalho, com pouco nível de instrução e acostumadas a receber

auxílio e assistência de diversos grupos sociais. Assim, a caridade e o assistencialismo

mantêm as pessoas com deficiência nesse lugar de necessitados, fixam-nos na zona de

vulnerabilidade social, impedindo que aumente a tensão entre a demanda por integração e a

possibilidade de desfiliação. A tensão permanece suportável e retroalimenta o

assistencialismo.

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Com essa breve panorâmica histórica sobre a condição da pessoa deficiente na

sociedade e o tratamento, por esta última, dispensado aos seus membros “menos afortunados”,

fica mais próximo o entendimento de como hoje tais relações e percepções se reproduzem.

Para reforçar ainda mais este pensamento, recorremos a Goffman (1988) que explica,

de uma maneira geral, como nós nos comportamos diante do outro. Segundo este autor,

quando qualquer pessoa chega à presença de outra, esta procura obter informações a seu

respeito ou evoca aquilo que já possui em seu acervo de impressões e dados.

Essa reação serve para situar o indivíduo diante de uma relação interpessoal que está

prestes a acontecer. A informação a respeito de uma pessoa ou daquilo que ela representa

serve para definir a situação, tornando as outras pessoas capazes de conhecer antecipadamente

o que esperar daquele indivíduo e vice-versa.

Em outras palavras, se conhecemos um indivíduo ou estamos informados a respeito

dele em virtude de uma experiência que precedeu à interação, podemos confiar nas nossas

suposições como meio de predizer qual será o seu comportamento. A isso se dá o nome de

Tipificação. Assim, podemos ajustar nosso comportamento diante da previsibilidade desta

interação social.

No entanto, por não se possuir um elenco variado de experiências ou por não ter

acesso a informações sérias e confiáveis sobre um determinado assunto, pessoa ou situação,

muitas vezes buscamos estas referências em mitos, experiências de outros sujeitos, que podem

estar impregnadas de conceitos errôneos, ultrapassados.

O que acontece então é que nosso julgamento diante do outro, que ainda nem

conhecemos, já fica impregnado de preconceito podendo nos levar a uma atitude

discriminatória sem nem mesmo termos dado a oportunidade (a ele e a nós mesmos) de

interagir, trocar idéias, informações, impressões.

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Ceifamos a possibilidade de crescer com a diferença ainda na semente. Isso pode

acontecer por medo daquilo que não conhecemos ou ainda por negar nossas próprias

deficiências, uma vez que o indivíduo deficiente, com suas “imperfeições”, por vezes muito

evidentes ou visíveis, nos remetem às nossas próprias limitações e dificuldades.

Portanto, lidar com pessoas que pertencem à um grupo estigmatizado requer de

qualquer um de nós, capacidade para interagir sem se utilizar de julgamentos prévios,

cristalizados e comportamentos viciados, repetitivos, que o senso comum reproduz sem

questionamento.

Tratar-se-á, então, de explicitar o significado dos termos estigma, preconceito e

discriminação, já que, várias vezes, reporta-se a eles como elementos presentes na interação

social daqueles deficientes com os “normais”.

Erving Goffman (1963, citado por HOEMAN, 2000, p.10), em sua teoria sobre o

estigma, comenta que este acompanha a pessoa visivelmente diferente das outras, tornando

esta característica potencialmente negativa o que viria a levar o indivíduo a assimilar o

estigma reforçando a sua “identidade espoliada”.

Com relação à visibilidade de uma deficiência, Goffman (1988, p.59) em uma de suas

obras complementa: “Já que é através de nossa visão que o estigma dos outros se torna

evidente com maior freqüência, talvez o termo visibilidade não crie muita distorção. Na

verdade, o termo mais geral ‘perceptilidade’ seria mais preciso”.

Este dado se configura por um dos mais importantes no contexto estudado, devido ao

que surge do imaginário das pessoas leigas, a respeito das limitações do portador de alguma

deficiência e, em particular, àqueles portadores de lesão medular. Podem imaginar que estes

não apenas tenham limitados seus movimentos físicos, como também sua capacidade

intelectual, subjugando-os, tratando-os de forma diferenciada, limitando suas oportunidades

de emprego ou sucesso. Ou seja, percebe-se que nossa sociedade está acostumada a

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reconhecer essa parcela da população por suas limitações, e não por suas possibilidades

(BARBOSA, 2007).

Segundo Vash (1988), as pessoas portadoras de deficiência constantemente

experimentam a desvalorização aos olhos dos outros e aos seus próprios. Isso é verdade

independente, da natureza da deficiência, isto é, de se prejudicar o funcionamento físico,

sensorial ou mental.

Tal desvalorização pode ser considerada como um problema quando gera o

preconceito, que se revela com uma dificuldade potencial para o PLM quando tenta

reingressar ao mercado de trabalho.

Com relação aos termos preconceito e discriminação, Marques (2002) esclarece que o

primeiro trata de uma indisposição, um julgamento prévio, negativo que se faz de pessoas

estigmatizadas por estereótipos. Já o segundo termo expressa a conduta (ação ou omissão) que

viola direitos das pessoas com base em critérios injustificados e injustos tais como raça, sexo,

idade, opção religiosa e outros.

Ainda sobre o tema, Marques (2002, p. 172) lembra a Convenção 111 da OIT,

ratificada e promulgada no Brasil em 1968 e mais tarde adquirindo status constitucional pois

veio a complementar as garantias expressas na Constituição Federal do Brasil de 1988, que

diz o seguinte:

1. Para fins da presente convenção o termo “discriminação” compreende:

a)[...]

b) qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada pelo membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.

“O preconceito e a discriminação não se confundem. O Preconceito legitima a

discriminação e esta, por sua vez, gera o preconceito” (MARQUES, 2002, p. 179).

O que se percebe, então, nas relações entre as PPNE, no caso os paraplégicos em suas

cadeiras de rodas e as pessoas sem deficiência (pelo menos aparente), é que, sem qualquer

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base mais profunda, a maioria considerada normal, reproduz, sem muita preocupação com o

que há de verdade em determinados conceitos sobre aqueles com comportamento desviante,

um padrão de comportamento que acaba por segregar os diferentes.

Ou seja, por não terem se permitido uma aproximação daquilo que lhe é diferente, as

pessoas sem defeito aparente perdem a oportunidade de somar com as diferenças. Elas não

permitem a interação, pois o padrão do outro, tão estranho ao que a maioria dominante

entende como possível e aceitável, não se encaixa no seu elenco de possibilidades de interação

social. Então elas se afastam. Além disso, muitos perpetuam a idéia de que a deficiência

física impregna, negativamente, os outros atributos do indivíduo cadeirante, sejam estes bons

ou ruins. Logo, a interação social fica prejudicada.

Com base nestes conceitos, fica fácil entender a dificuldade de aceitação de qualquer

pessoa portadora de deficiência em nossa sociedade, pois como foi exposto, este descrédito

por parte das pessoas sem deficiência, pelo menos aparente, em relação àqueles deficientes,

também pode acabar sendo assimilado pelo PLM, levando-o a duvidar de sua própria

capacidade, acreditando que existem mais limitações do que as físicas.

Não raramente escutam-se casos de deficientes que sofreram discriminação, mas nem

sempre essa discriminação se apresenta de forma tão direta. Em alguns casos pode-se detectar

a discriminação de forma mascarada pelo esquecimento ou simplesmente pelo descaso da

maioria normal. Pode-se dizer que se trata de uma forma velada de violência. Há tempos idos,

os diferentes eram exterminados fisicamente. Hoje, utilizamos uma forma de fazer a mesma

coisa talvez de uma maneira mais discreta, nem por isso menos perversa.

A concepção de enxergar os deficientes como pessoas infelizes ou diferentes, ou ainda,

doentes, é presente e acarreta um movimento de exclusão.

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66

2.4 Inclusão Socioeconômica e Psicológica do Lesado Medular – aspectos legais e outros

fatores que apontam para a inclusão

Continuando a abordagem deste estudo, retoma-se à importância do conceito da

reabilitação no seu aspecto amplo que abrange as esferas bio-psico-social. Não é possível

imaginar a possibilidade de inclusão social sem que haja um processo de reabilitação a termo

com estas lacunas preenchidas.

Este tópico vem, brevemente, ilustrar que nosso país possui uma teia de leis, decretos e

portarias com vistas à inclusão do portador de deficiência que fazem inveja à alguns Estados

mais desenvolvidos.

No entanto, como explicar o descompasso entre uma legislação ampla, detalhada e

avançada com a real situação em que se encontram as PPNE? Parece que os instrumentos

legais não faltam. O que parece faltar é a implementação das leis, vigilância no seu

cumprimento e conscientização da sociedade, não necessariamente nesta ordem.

A seguir, estão descritas algumas diretrizes para a inclusão das PPNE vigentes no

Brasil.

A possibilidade de inclusão, não só no contexto ocupacional, do deficiente, vem

garantir o direito a esta pessoa de exercer sua cidadania, com seu acesso a oportunidades

idênticas às dos demais cidadãos, bem como de usufruir, em condições de igualdade, das

melhorias nas condições de vida, resultantes do desenvolvimento econômico e do progresso

social, devolvendo-lhe, assim, sua dignidade (BRASIL, 2003).

A reabilitação também está presente no Decreto nº 3.298, que visa estabelecer os

direitos dos deficientes físicos, garantindo-lhes o direito à reabilitação, de forma integral, em

instituições e com profissionais especializados, visando o desenvolvimento das

potencialidades da pessoa portadora de deficiência, destinada a facilitar sua atividade laboral,

educativa e social (BRASIL, 1999).

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Na realidade isso não ocorre da forma como preconiza a lei. O Relatório da XXI

Conferência Nacional de Saúde já apontava, em 2003, que o grande problema da reabilitação

em nosso país se resumia basicamente em três pontos: em primeiro lugar não há instituições

de reabilitação em número suficiente para atender à população; em segundo lugar, as

instituições que existem estão muito longe, geograficamente falando, da população mais

carente desse tipo de assistência; e em terceiro lugar, a maioria dos profissionais que trabalha

nestes locais não tem o preparo direcionado para a assistência de reabilitação. Ou seja, existe

uma população significativa que está descoberta deste tipo de atenção.

E, infelizmente, pode-se arriscar um palpite de que esta situação tende a se agravar,

visto a crescente demanda de vítimas da violência urbana que nas grandes metrópoles assume

estatísticas assustadoras.

Dando continuidade aos aspectos legais referentes a PPNE, também no Decreto n.º

3.298 (BRASIL, 1999), há referência à necessidade de prevenção da qual seriam responsáveis

por desenvolvimento de projetos para prevenção de acidentes domésticos, de trabalho, de

trânsito e outros, bem como o tratamento adequado de suas vítimas, os órgãos e entidades da

Administração Pública Federal direta e indireta responsáveis pela Saúde, especificando, ainda,

que prevenção compreende as ações e medidas orientadas a evitar as causas de deficiências

que possam ocasionar incapacidades e as destinadas a evitar sua progressão ou derivação e

outras.

Um grande problema para os portadores de deficiência física, dentre muitos outros,

pode se constituir pela dificuldade de locomoção oferecida pelas suas limitações.

Dependendo de onde vai exercer sua atividade de trabalho, esta pode ser considerada

um entrave para o PLM que tenha necessidade de se locomover exclusivamente com o auxílio

da cadeira de rodas.

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Como exemplo desta situação, pode-se citar o fato de que na maioria dos projetos de

obras em vias públicas, são considerados os pedestres sem nenhuma deficiência e veículos

automobilísticos, ignorando a possibilidade de que deficientes em cadeira de rodas ou pessoas

com deficiência visual ou outras também possam querer ou precisar se locomover em vias

públicas.

Além das vias e edificações públicas, os deficientes têm o direito e necessidade de

utilizar os meios de transporte coletivos para locomoção; sendo assim, os projetos também

devem apresentar meios de servir a esta parcela da população, o que fica garantido pelo

Decreto nº 3.691 de 19 de dezembro de 2000, que dispõe sobre o transporte de pessoas

portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo e interestadual, mas que

infelizmente na prática não funciona de maneira efetiva (BRASIL, 2000).

Este decreto, que regulamenta uma Lei de 1994 considera que as empresas

permissionárias e autorizatárias de transporte interestadual de passageiros reservarão dois

assentos de cada veículo, destinado a serviço convencional, para ocupação por idosos,

gestantes, lactantes, pessoas portadoras de deficiência e pessoas acompanhadas por crianças

de colo.

A Lei nº 10.048, de 08 de novembro de 2000, que também dispõe sobre a prioridade

de atendimento às pessoas citadas acima, ainda estabelece que os veículos de transporte

coletivo a serem produzidos após doze meses da publicação desta Lei, serão planejados de

forma a facilitar o acesso a seu interior das pessoas portadoras de deficiência, e que os

proprietários de veículos de transporte coletivo em utilização terão o prazo de cento e oitenta

dias, a contar da regulamentação desta Lei, para proceder às adaptações necessárias ao acesso

facilitado das pessoas portadoras de deficiência (BRASIL, 2000).

A infração ao disposto nesta Lei sujeitará os responsáveis por estas empresas

concessionárias de serviço público, à multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 2.500,00

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(dois mil e quinhentos reais) por veículos sem as condições previstas, podendo ser elevadas ao

dobro, em caso de reincidência.

Este fato não ficou excluído do Decreto nº 3.298 (BRASIL, 1999), que em seu capítulo

IX, estabelece normas para reduzir as dificuldades dos deficientes neste sentido. Constam

neste capítulo a necessidade de construções ou reformas destinadas ao uso coletivo que sejam

acessíveis a pessoas portadoras de deficiência ou com a mobilidade reduzida, que pelo menos

um dos acessos ao interior das edificações esteja livre das barreiras arquitetônicas e de

obstáculos que impeçam ou dificultem a acessibilidade, elevadores e banheiros acessíveis, a

discriminação, em garagens/estacionamentos, de vagas especiais devidamente sinalizadas,

entre outros.

Chamam a atenção as datas destes dispositivos legais. São todas muito recentes, o que

nos faz pensar no quanto os deficientes já sofreram por não terem, em tempos passados, um

amparo legal no qual pudessem recorrer.

Ainda assim, as PPNE relatam o quão difícil é conseguir a execução de qualquer uma

das exigências pontuadas nestas leis. Por vezes, o recurso pleiteado por uma pessoa deficiente

demora meses para ser atendido. Neste caso, o tempo despendido significa aumentar ou

reduzir as chances de inclusão deste deficiente na sociedade.

2.5 Inclusão do Lesado Medular no Contexto Ocupacional e a Saúde do Trabalhador –

saúde do trabalhador, reabilitação profissional

Em virtude do contexto em que se desenha a tese, não há como não abordar a Saúde do

Trabalhador, visto que esta se configura como principal preocupação da pesquisadora e

elemento altamente prejudicado, no que se refere ao binômio trabalhador cadeirante-

trabalhador andante no contexto ocupacional.

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Saúde do Trabalhador

Há uma trajetória que compõe a construção da Saúde do Trabalhador. Resumidamente,

o processo começou com o surgimento da Saúde Ocupacional em 1959, através da

Recomendação nº 112 da OIT (2006) que definiu o serviço, suas funções, pessoal, instalação,

etc, prevendo a participação multi e interdisciplinar, compondo uma equipe multiprofissional

com ênfase na higiene industrial.

No entanto, a filosofia da Saúde Ocupacional não vingou, pois, dentre outros motivos,

manteve seu referencial na Medicina do Trabalho com ênfase na medicalização e não

concretizou a proposta da interdisciplinaridade. Esse processo levou à exigência da

participação do trabalhador nas questões de segurança e saúde no âmbito ocupacional.

Em meados de 1970, inicia-se a transição para o modelo da saúde do trabalhador com

intenção de estabelecer interfaces com a Saúde Pública, Medicina Social e Saúde Coletiva,

diferenciando-se, assim, da saúde ocupacional.

A saúde do trabalhador se ocupa, então, em explicar o adoecer e o morrer dos

trabalhadores através do estudo dos processos de trabalho, de forma articulada com o conjunto

de valores, crenças e idéias, as representações sociais e as possibilidades de consumo de bens

e serviços.

No contexto desta pesquisa, buscar-se-á elementos que poderão subsidiar uma reflexão

sobre como se processam as relações de trabalho entre pessoas portadoras de deficiência

motora (cadeirantes) e aqueles supostamente normais, uma vez que, no discurso dos PLM há

normalmente uma referência sobre a forma discriminatória e estigmatizante nesta relação,

prejudicando-a.

A deficiência acarreta para o indivíduo portador, significativos problemas de convívio

social e profissional. Em relação ao ambiente ocupacional não é diferente.

Muitos empregadores acham que os portadores de deficiência não se adaptam bem ao trabalho em grupo; que são rejeitados pelos colegas; que são demasiadamente sensíveis, temperamentais e até ingratos; que magnificam seus problemas para

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conseguirem benesses; que criam problemas para os colegas; que afastam clientes; que constituem um grande problema numa hora de incêndio ou outra emergência; etc. (MARQUES, 2002, p. 128)

A realidade exposta se contrapõe à legislação que ampara os deficientes nas questões

trabalhistas.

No que diz respeito à oferta de trabalho e aos direitos dos portadores de deficiência,

por exemplo, estes estão descritos ao longo de vários trechos do Decreto nº 3.298 (BRASIL,

1999).

Segundo este, cabe aos órgãos e às entidades do Poder Público assegurar o pleno

exercício de seus direitos básicos dentre estes, o de trabalho. Neste contexto, o decreto visa

ampliar as alternativas de inserção econômica do portador de deficiência, proporcionando-lhe

qualificação profissional e incorporação ao mercado de trabalho.

Para tanto, os serviços de reabilitação devem estar dotados dos recursos necessários,

inclusive orientação profissional, para atender o portador de deficiência preparando-lhe para

um trabalho que seja adequado, onde haja perspectiva de progredir.

Ainda como uma forma de garantir o acesso desse trabalhador no mercado de trabalho,

as empresas, com cem ou mais empregados, estão obrigadas a preencher de 2 a 5% de seus

cargos com pessoa portadora de deficiência habilitada, de acordo com uma proporção também

determinada por este decreto.

A importância do trabalho não apenas se reflete em estabelecer uma concretização do

processo de reabilitação, mas, também, é refletida no valor que nossa sociedade dá à

produtividade e nas conseqüências sociais e psicológicas negativas que o desemprego traz

para o indivíduo.

Portanto, o bem-estar do indivíduo manda que o profissional de saúde considere o

trabalho como um possível alvo da reabilitação. Sobre este assunto Sir Ludwig Guttman

escreveu:

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O resultado mais gratificante do retorno de um paraplégico à vida útil, além do efeito benéfico sobre a condição física e a perspectiva mental, é a conscientização de que o trabalho é essencial para a felicidade humana. Quanto a isso se observa que muitos paraplégicos com pensões militares ou industriais, para quem o trabalho pode não ser essencial do ponto de vista financeiro, reconhecem que trabalhar é essencial para o seu bem-estar. (KOTTKE; LEHMANN, 1994, p.179)

Desde a emergência do capitalismo e suas características de produção e incentivo ao

consumo foi construída uma realidade na qual o homem que não gera recursos fica totalmente

excluído da vida social. O desemprego se torna um sinônimo de exclusão social, visto que o

indivíduo não produz e não consome, como dita as regras do sistema capitalista.

Segundo Souza (1996a, 1996b), para manter o equilíbrio, o organismo humano deve

ajustar-se às condições ambientais.

Para isso, há não só necessidade de adaptação fisiológica a fatores adversos, tais como

clima, agentes biológicos, substâncias químicas, como também de ajustamento social que

modificam sempre, como as de natureza econômica, as que se relacionam com sistemas de

valores morais e as que os indivíduos diferem quanto à capacidade para manter o equilíbrio

fisiológico e para resistir ou sobrepor-se à doença, que varia no que se refere à manutenção ou

recuperação do seu ajustamento social.

De acordo com a OMS (2005), os maiores desafios para a saúde do trabalhador

atualmente e no futuro são os problemas de saúde ocupacional ligados com as novas

tecnologias de informação e automação, novas substâncias químicas e energias físicas, riscos

de saúde associados a novas biotecnologias, transferência de tecnologias perigosas,

envelhecimento da população trabalhadora, problemas especiais dos grupos vulneráveis

(doenças crônicas e deficientes físicos), incluindo migrantes e desempregados, problemas

relacionados com a crescente mobilidade dos trabalhadores e ocorrência de novas doenças

ocupacionais de várias origens.

A saúde do trabalhador e um ambiente de trabalho saudável são valiosos bens

individuais, comunitários e dos países. A saúde ocupacional é uma importante estratégia não

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somente para garantir a saúde dos trabalhadores, mas também para contribuir positivamente

para a produtividade, qualidade dos produtos, motivação e satisfação do trabalho e, portanto,

para a melhoria geral na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um todo

(OMS, 2005).

A reabilitação profissional

Ainda na perspectiva da saúde do trabalhador portador de deficiência motora, a

questão da reabilitação profissional assim está considerada em seu conceito amplo,

compreendendo os seguintes aspectos: reabilitação física, que cuida da recuperação física e

orgânica, reabilitação psicológica, que opera na esfera psíquica do cliente, atuando de forma a

levá-lo a compreender melhor a si mesmo e sua relação com seu ambiente, reabilitação

profissional, que integra o homem ao seu trabalho anterior ou a outro compatível com sua

deficiência funcional, restituindo-lhe o sentimento de independência e de auto-suficiência, e a

reabilitação social, que decorre das precedentes, reintegrando o homem na sociedade

(TALIBERTI, 1997).

Exercer uma atividade laboral após o período de reabilitação necessário, consagra a

reabilitação e aproxima novamente o indivíduo do que é ter uma vida considerada como

“normal”.

Entre as medidas que devem ser avaliadas durante este processo de reabilitação, uma é

de grande importância no sentido de concretizar o sucesso deste é a atuação profissional do

indivíduo portador de lesão medular.

É interessante que se tenha conhecimento da atividade laboral desenvolvida por ele

antes do trauma e desenvolver a reabilitação de forma que esta venha a possibilitar o seu

retorno a esta atividade se possível. Quando não, a reabilitação deve pretender atingir níveis

que lhe ofereçam possibilidades de trabalho em outras atividades.

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A atividade que será exercida pelo PLM dependerá não mais apenas do que ele sabe

fazer, mas também do que suas limitações lhe permitam alcançar.

Se o trabalho vai ser formal ou informal e a área em que vai atuar são decisões que

serão tomadas através da soma de todos os fatores que compõe a nova vida do indivíduo.

Nesta decisão, também, irão influenciar fatores como oferta de emprego, qualificação

profissional e habilidades. Mas, mesmo com limitações impostas pela lesão, o indivíduo PLM

ainda pode, se iniciar rapidamente sua reabilitação, realçar suas habilidades remanescentes e

ainda descobrir outras que estavam embotadas.

Para o processo de reabilitação profissional não existe um ponto final; o cliente pode

atingir o nível máximo de reabilitação mediante suas limitações, mas deverá estar sempre

atuando e recebendo assistência para manter este nível máximo.

Uma das formas de avaliar se a reabilitação alcançou os objetivos a que se propõe é a

avaliação do retorno do PLM às atividades de vida diária, no lar, no trabalho, na vida social.

Quanto menores forem as alterações no dia-a-dia do paciente comparando-se sua vida antes

do trauma e após o início do processo de reabilitação, pode-se considerar mais proveitoso este

processo.

O potencial da pessoa com lesão medular na ausência de complicações médicas e

psicológicas, mesmo na presença de múltipla deficiência física, é imensurável. Rusk (in

KOTTKE; LEHMANN, 1994, p.734) declara:

Você não obtém porcelana delicada expondo argila ao sol. Você tem que passar a argila pelo calor do forno se quiser fazer porcelana. O calor quebra alguns pedaços. A deficiência quebra algumas pessoas. Mas, uma vez que a argila passa pelo fogo e sai inteira, ela nunca será argila novamente; uma vez que a pessoa supera a deficiência com sua própria coragem, determinação e trabalho duro, ela tem uma profundidade de espírito da qual você e eu conhecemos muito pouco.

Além de oportunidades de emprego limitadas, a falta de qualificação profissional pode

contribuir na dificuldade para o retorno a atividade laboral; visando melhorar este problema, o

decreto ainda prevê a implementação de programas de formação e qualificação profissional

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voltadas para o deficiente no Âmbito Nacional de Formação de Profissional (PLANFOR), que

terá como objetivos, além de criar condições para que o portador de deficiência receba uma

formação profissional adequada, organizar os meios para que esta formação se concretize de

forma a viabilizar a sua inserção, de maneira competitiva, no mercado de trabalho.

É importante ressaltar que, apesar da existência dos incentivos oferecidos pelas leis

para ingresso no mercado de trabalho e qualificação profissional, necessariamente este fato

não garante que ocorram na prática.

Pode-se verificar até então que o retorno do PLM ao mercado de trabalho não se

constitui por uma tarefa isolada e muito menos simples. Após enfrentar todos os problemas

clínicos, emocionais e se reestruturar ao máximo física e mentalmente, o que ocorre de forma

concomitante com sua reinserção familiar e social, o PLM pode averiguar as possibilidades de

trabalho que poderá assumir, e se dentro destas possibilidades existem vagas para ele.

Na sociedade capitalista, a maioria das pessoas cresce esperando e querendo trabalhar.

Mais do que seguir os passos dos pais ou a identificação com uma profissão em particular, o

trabalho se tornou uma necessidade que emerge da dificuldade econômica e da exclusão social

decorrentes do desemprego.

Para muitos a ausência de uma atividade laboral pode representar uma série de

problemas pessoais, sociais e familiares causando um abalo ao paciente, que pode alterar seu

desejo de restabelecer-se de forma positiva ou negativa.

O trabalho, então, deve ser considerado como uma forma que o homem encontra de se

elevar dentro de seu contexto pessoal, familiar, social, pois não gera somente ganhos

financeiros, mas, também, se relaciona com o sistema de valores morais e educacionais, sendo

apreciado com respeito no âmbito social o indivíduo qualificado como “trabalhador”.

Para Vash (1988), o desemprego gera ausência de poder sócio-político e econômico e

a ausência de poder é a base do desamparo aprendido.

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Para o PLM, esta realidade não se modifica devido à sua deficiência, na verdade tende

a se agravar, visto que atuam ao mesmo tempo a pressão capitalista e a possibilidade de se

tornar um indivíduo improdutivo, diante da família, da sociedade e para si próprio.

O desemprego prolongado pode ser psicologicamente e socialmente devastador,

mesmo quando a incapacidade proporciona uma desculpa socialmente aceitável (KOTTKE;

LEHMANN, 1994).

Soma-se a estes, o agravante de que um problema de saúde geralmente acarreta

maiores gastos financeiros. É bem conhecida atualmente, a realidade de que tratamentos,

remédios e outros cuidados relacionados a saúde podem ser extremamente dispendiosos.

Com a deficiência, um trabalho planejado ou desempenhado no passado pode

repentinamente se tornar impossível ou uma deficiência pode ser tão grave que ninguém

consegue ver qualquer tipo de trabalho apropriado.

É claro que as deficiências não limitam às opções profissionais na medida em que as

pessoas têm sido levadas a acreditar em tal fato. Entretanto, as limitações funcionais

associadas com as condições de deficiência realmente deixam de fora algumas ocupações e

cercam outras com uma probabilidade menor de sucesso.

Nesta perspectiva, sendo a reabilitação ocupacional de suma importância para a PPNE,

o empenho tem que ser não somente do deficiente, mas, também, do empregador e dos

colegas de trabalho e de profissionais da área da saúde do trabalhador contribuindo,

sobremaneira, para a inclusão da pessoa portadora de necessidades especiais no contexto

laboral.

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CAPÍTULO III

METODOLOGIA

3.1 Tipo do Estudo

O estudo foi do tipo descritivo com abordagem qualitativa.

Segundo Flegner e Dias (1995), o estudo descritivo se preocupa com a descrição do

fenômeno. Eles delineiam o que é, abordando quatro aspectos que são: descrição, registro,

análise e interpretação de fenômenos atuais, objetivando seu funcionamento no presente.

Minayo (1994) refere que as pesquisas qualitativas são aquelas capazes de incorporar a

questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às

estruturas sociais, sendo estas últimas tomadas tanto no advento, quanto na sua transformação

como construções humanas significativas.

3.2 Local do Estudo

Os locais de estudo foram os postos de trabalho de empresas que possuíam, em seu

quadro de funcionários, o trabalhador paraplégico.

Na necessidade de garantir a exeqüibilidade do estudo foi necessário realizar o acesso

às empresas que foram cenário de estudo. Neste sentido, o mesmo foi realizado através do

Centro de Vida Independente (CVI), uma ONG voltada para a inclusão social das pessoas

portadoras de necessidades especiais (PPNE), que possui cadastro de empresas que contratam

estas pessoas e também da Associação Nacional de Apoio ao Deficiente - ANDEF que tem os

mesmos propósitos do CVI.

Vale ressaltar que tanto o CVI como a ANDEF possuem uma lista de empresas que

contratam pessoas com algum tipo de deficiência. Tal listagem foi a referência para obtenção

das demais empresas para compor o elenco de sujeitos para atingir a saturação dos dados.

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No entanto, cabe aqui destacar que são poucas aquelas que recebem um cadeirante. A

explicação, segundo informações destas instituições que fazem o elo entre as PPNE e os

empregadores, é que estes últimos solicitam que sejam encaminhados ao setor de

recrutamento e seleção das empresas, apenas aqueles deficientes com limitações leves, ou

seja, perda auditiva leve ou moderada, visão subnormal ou deficiência motora onde o

deficiente use bengala ou, no máximo, muletas.

Uma vez discutindo, neste estudo, a questão da inclusão da PPNE no contexto de

trabalho, o fato nos parece, salvo melhor juízo, caracterizar uma discriminação.

De acordo com o CVI, a alegação dos empregadores se baseia nas barreiras

arquitetônicas existentes no ambiente ocupacional, o que dificultaria o ir e vir deste

cadeirante.

Outras fontes além do CVI e da ANDEF foram consultadas pela pesquisadora a fim de

identificar mais empresas que possuíam paraplégicos em seu quadro de funcionários, dada a

dificuldade de encontrar estas instituições, segundo o cadastro apresentado por estas duas

organizações, que se encaixem no perfil necessário de pesquisa.

Desta forma, serviram de referência para localizar tais instituições, os clientes

portadores de para e tetraplegia ora atendidos pela mesma, setor de RH de grandes redes de

supermercado, bancos, Estatais e Multinacionais.

A seleção das empresas foi feita através de contato com as mesmas no sentido de obter

autorização para realizar o estudo.

Serviram de base para coleta dos dados as seguintes Instituições:

• BR Distribuidora

• Caixa Econômica Federal – Agência Teleporto

• Caixa Econômica Federal – Setor Jurídico Consultivo

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• Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ (Gabinete da

Deputada Georgete Vidor)

• Petrobrás – Edifício Sede

3.3 Sujeitos do Estudo

Participaram da pesquisa 29 trabalhadores sem deficiência motora que possuíam, em

seu ambiente de trabalho pessoa portadora de deficiência física cadeirante e que concordaram

participar do estudo.

Como critério de inclusão buscou-se aqueles trabalhadores que tinham contato direto

com o cadeirante, no seu contexto de trabalho.

A Tabela 1 a seguir, sintetiza o perfil dos respondentes.

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Tabela 1 - Caracterização dos Sujeitos (n=29)

Indicadores Respostas F

sexo Masculino

Feminino

15

14

Escolaridade

Superior completo

Superior incompleto

Médio incompleto

Médio completo

Fundamental completo

Fundamental incompleto

15

9

1

0

3

1

Religião

Católica

Protestante

Espírita

Sem religião

23

1

3

2

Profissão

Jornalista

Estudante

Frentista

Vendedor

Engenheiro

Fonoaudiólogo

Bancário

Técnico bancário

Advogado

Musicoterapeuta

2

2

4

1

1

1

11

1

5

1

Faixa etária

24 a 30 anos

31 a 40 anos

41 a 50 anos

51 a 54 anos

4

17

5

3

Treinamento para lidar com o cadeirante Sim

não

1

28

Conhecimento do cadeirante antes do acidente

Sim

Não

0

29

Tempo que trabalha com o colega cadeirante

15 dias a 10 meses

1 ano

2 anos

3 anos

Mais de 3 anos

8

3

10

4

4

Conhecimento sobre as circunstâncias em que ocorreu o evento que tornou o colega

paraplégico

Sim

Não

27

2

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Dados sobre a idade, sexo, religião, foram utilizados na discussão das respostas

coletadas, pois contribuíram nas reflexões sobre questões de maturidade, gênero e constituição

de crenças e valores dos respondentes.

A profissão e o cargo foram também contemplados no perfil uma vez que a formação

profissional de um indivíduo poderia influenciar sua capacidade para atuar e lidar com

questões de relacionamento interpessoal dentro e fora do ambiente de trabalho.

Com relação à escolaridade, embora sempre existam exceções, imaginou-se que

quanto maior o nível de escolaridade de um indivíduo, maior seria seu universo de

conhecimento o que poderia ampliar também sua capacidade de compreensão sobre fatos,

fenômenos e comportamentos. No entanto, não se pode esperar sempre que um indivíduo

portador de títulos e honras acadêmicas vá ter, em função disso, um comportamento

despojado de preconceitos, pronto para uma interação social plena. Desta forma, a

escolaridade também não foi um critério de exclusão.

Foram ainda incluídas nos dados do perfil, questões referentes ao tempo de trabalho

com seu colega paraplégico; conhecimento do colega cadeirante antes do acidente que o

deixou paraplégico; conhecimento da circunstância em que ocorreu o evento que o deixou

paraplégico, se fosse o caso, e treinamento para trabalhar com um colega cadeirante.

Pretendeu-se, com estes dados, aumentar as possibilidades e enriquecimento de análise dos

discursos dos sujeitos facilitando sua compreensão.

Assim, teve-se uma população de entrevistados bastante heterogênea, formada por 15

pessoas do sexo masculino e 14 do sexo feminino, com o nível de escolaridade assim

distribuído: 15 indivíduos com nível superior completo, estando dois deles cursando Pós

graduação; 9 respondentes com 3º grau incompleto; um com 2º grau incompleto; três que

completaram o 1º grau e apenas com 1º grau incompleto.

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A religião predominante era a católica com 23 sujeitos, seguida por 1 indivíduo

Protestante (Evangélica); três Espíritas e dois afirmaram não praticar religião alguma.

Os cargos ocupados eram de acordo com a formação profissional, com exceção de dois

indivíduos que trabalhavam em áreas diferentes daquelas em que foram formados/treinados

como era o caso da fonoaudióloga atuando como assessora de gabinete, o de um vendedor que

trabalhava como frentista e de uma musicoterapeuta que atuava na gerência de uma agência

bancária.

Com relação ao treinamento para lidar com o cadeirante, 28 dos 29 entrevistados

informaram não terem tido este tipo de abordagem no trabalho nem fora dele. Nenhum deles

conheceu o colega cadeirante antes deste se tornar paraplégico. Apenas dois respondentes

disseram não saber em que circunstâncias seu colega se tornou paraplégico.

O tempo em que trabalhavam junto com o colega cadeirante variou entre 15 dias a 3

anos, com predominância de 2 anos de contato.

Os trabalhadores cadeirantes que serviram como referência para a base de coleta dos

dados tiveram como etiologia da sua paraplegia a Poliomielite (1) (advogada da CEF), dois

sofreram acidente automobilístico (Relações Públicas Gab. Georgete Vidor - ALERJ, e

Frentista), outros três foram vítimas por Projétil de arma de fogo (PAF) (frentista, atendente

do setor SAC da Petrobras e gerente da CEF).

3.4 Instrumento de Coleta de Dados

Os dados foram coletados através de um roteiro de entrevista semi-estruturado. A

escolha por este tipo de entrevista reside no fato de que esta confere todas as perspectivas

possíveis para que o informante alcance a liberdade e espontaneidade necessárias,

enriquecendo a investigação (MINAYO, 1994).

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Para Triviños (1995), a entrevista semi-estruturada é um dos principais meios de que

dispõe o investigador para realizar a coleta de dados, ou seja, parte de certos questionamentos

básicos, apoiados em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa e que, em seguida,

oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida

que recebem respostas do informante.

Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente sua linha de pensamento e de

suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na

elaboração do conteúdo da pesquisa.

Assim, para atingir os objetivos da pesquisa foi elaborado um roteiro de entrevista

(Apêndice A) contendo inicialmente dados mais objetivos sobre os sujeitos do estudo que

contribuiu para traçar o perfil dos participantes.

A segunda parte da entrevista trouxe questões subjetivas, que ofereceram amplo

campo de interrogativas com vistas a atender os objetivos propriamente ditos da pesquisa

(Apêndice A).

Considerando que se pretendeu discutir a questão da percepção dos “andantes” em

relação aos cadeirantes no contexto de trabalho e que esta questão carreia opiniões que podem

ser caracterizadas como estigmatizantes em relação aos deficientes, foi utilizada a técnica de

formulação das questões de entrevista de forma tal que os sujeitos do estudo são levados a

dizer como eles percebem a atitude do outro e não a dele.

Esta estratégia, denominada técnica de substituição, apoiada em Abric in Oliveira e

Campos (2005), faz com que, na realidade, o sujeito revele sua real impressão sobre as

questões formuladas. Consiste em diminuir a pressão normativa, reduzindo o nível de

implicação do sujeito.

Em outras palavras, ao invés de solicitar ao sujeito que responda a uma questão, para nos dizer o que pensa, vamos lhe propor várias questões sucessivas (no mínimo, duas). Uma primeira questão clássica e normal em que ele responde em seu próprio nome[...]. A segunda questão vai consistir em solicitar ao sujeito para responder no lugar de outras pessoas, perguntar-lhe o que outras pessoas, que não o próprio

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sujeito, responderiam sobre a mesma questão. (ABRIC in OLIVEIRA; CAMPOS, 2005, p. 28)

De acordo com estes autores, esta técnica permite que o sujeito tome uma certa

distância do objeto do questionamento, reduzindo seu envolvimento. Pode-se, assim, permitir

que ele expresse – sob a cobertura dos outros – suas próprias idéias.

Nas pesquisas que buscam as representações sociais, esta questão é denominada “zona

muda” que, segundo Abric in Oliveira e Campos (2005), faz parte da consciência dos

indivíduos, ela é conhecida por eles; contudo, não pode ser expressa porque o indivíduo ou o

grupo não quer expressá-la pública ou explicitamente.

Esta estratégia foi utilizada no presente estudo, o que vai ao encontro da necessidade

de se obter a fala dos sujeitos desprovida de uma sensação de “crítica” na percepção dos

sujeitos em relação ao pesquisador.

Pensou-se nesta abordagem porque alguns objetos de investigação são envoltos de

tabus, preconceitos e estigmas e quando são feitas perguntas diretas, a tendência dos sujeitos é

responder aquilo que é o "politicamente correto", ou o que não vai comprometer sua imagem

já construída dentro do grupo que ora pertence.

O primeiro passo é descontextualizar o sujeito, ou seja, pergunta-se para ele "o que ele

acha que os outros pensam" sobre determinado objeto. Desta forma, ao falar sobre o que "o

outro pensa", ele acaba falando de si. Os sujeitos pensam, mas não sozinhos, pois o fazem à

luz do seu grupo social de pertença.

3.5 Coleta de Dados

Os dados foram coletados no próprio local de trabalho dos sujeitos, garantindo sua

privacidade e com agendamento prévio, de acordo com a disponibilidade do trabalhador,

sujeito do estudo.

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As entrevistas foram realizadas pela própria pesquisadora com o auxílio de um

gravador para que fossem mantidas a integridade e realidade das respostas dos sujeitos.

A coleta se deu por concluída no 29º respondente, quando se obteve a certeza da

saturação dos dados, o que começou a ser observado a partir do vigésimo respondente.

3.6 Tratamento, Análise e Discussão dos Dados

Os dados foram aglutinados em categorias afins, cujo teor trouxe elucidações às

questões norteadoras antes formuladas, sendo analisadas à luz do referencial teórico. Com a

finalidade de preservar o sigilo dos nomes dos entrevistados, utilizou-se identificação

numérica quando da apresentação das falas que levaram às categorias.

A análise dos dados aconteceu precedida da classificação dos achados que

apresentaram características comuns ou que se relacionam entre si, o que resultou nas

categorias analíticas do estudo. A discussão dos dados visou estabelecer articulações entre o

conteúdo das categorias e o referencial teórico do estudo, no sentido de atingir os objetivos

com base nas questões norteadoras da pesquisa.

Assim, buscou-se destacar os pontos essenciais do conhecimento, ampliando a

compreensão dos fenômenos presentes no contexto de trabalho do cadeirante, identificando as

contradições inerentes a esse conhecimento e indicando os níveis de saturação e

possibilidades de transformação.

Os procedimentos de análise dos resultados estão fundamentados nos pressupostos da

dialética, que apontam para a construção do conhecimento a partir do real, do concreto,

procurando ir além do nível das aparências, para atingir a essência do fenômeno, o que é

possível através das contradições da realidade (KONDER, 1999).

Com vistas a estas considerações, chegou-se, então, às seguintes categorias:

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4.1 O Trabalho do cadeirante na ótica dos trabalhadores andantes

4.4.1 Eficiência versus deficiência: o reconhecimento do trabalho do cadeirante;

4.4.2 A importância da formação do deficiente no resultado do seu trabalho.

4.2 Trabalhadores cadeirantes e trabalhadores andantes: comportamento preconceituoso

no ambiente de trabalho?

4.5.1 - Da integração à inclusão social: o comportamento do trabalhador cadeirante e

dos colegas no contexto ocupacional

4.5.2 - A expressão do preconceito no ambiente de trabalho:

4.5.2.1 A forma velada

4.5.2.2 A forma explícita

A dialética é um método que busca desvendar as contradições do objeto investigado,

partindo do princípio de que a realidade que nos cerca é contraditória. Para analisar a

percepção do andante em relação ao cadeirante, no seu contexto de trabalho, se fez necessário

identificar, conhecer e refletir as contradições da realidade, sendo a dialética o referencial que

melhor se ajusta à proposta do estudo.

3.7 Aspectos Éticos

Para a realização da pesquisa a autora teve como respaldo a Resolução 196 do

Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996) que prevê a participação do sujeito na pesquisa

através de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice B) de acordo com as

normas de bioética.

Os entrevistados foram devidamente esclarecidos individualmente quanto ao estudo,

seus benefícios e objetivos e ainda que não havia riscos em participar da pesquisa, uma vez

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que o anonimato estava garantido e, nessa oportunidade, foram fornecidas todas as

informações pertinentes ao desenvolvimento e conclusão da pesquisa, bem como se

estabeleceu o compromisso da autora do estudo em utilizar os dados coletados somente para

fins desta pesquisa e divulgados em eventos, revistas ou livros científicos.

Foram informados também da possibilidade de desistência em qualquer momento da

realização da pesquisa, sem qualquer prejuízo para os mesmos, conforme preconiza a referida

resolução.

Tais informações compuseram o TCLE apresentado e assinado pelos sujeitos, ficando

os mesmos com uma cópia que, após este primeiro momento de aproximação com a

pesquisadora para os esclarecimentos, concordaram em participar da pesquisa.

O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da

EEAN/HESFA (Apêndice C) e após seu parecer favorável, iniciou-se a coleta de dados.

Com relação aos benefícios, pode-se afirmar que não apenas os sujeitos do estudo

foram contemplados, mas também profissionais da área da saúde, com destaque para os

enfermeiros e para a população trabalhadora que é portadora de alguma deficiência motora.

Acredita-se que as reflexões que este estudo proporcionou, servirão de ponto de partida para

outros estudos e iniciativas na área da Saúde do Trabalhador.

Pelo teor do estudo, não se considera que este ofereceu algum risco à população

estudada.

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CAPÍTULO IV

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Neste capítulo, as informações obtidas no estudo foram analisadas em cinco categorias

que permitiram um melhor entendimento, buscando responder os objetivos do estudo e estão

assim estruturadas:

Categoria 4.1 - A compreensão sobre a deficiência - a deficiência nas palavras dos andantes

Categoria 4.2 - O deficiente cadeirante no ambiente ocupacional: a percepção dos

trabalhadores sem deficiência motora

4.2.1 A diferença promovendo a aprendizagem

4.2.2 A deficiência como álibi para benesses no contexto ocupacional

4.2.3 A (falsa) sensação de superioridade dos andantes em relação ao deficiente

cadeirante

Categoria 4.3 - Cadeirantes no ambiente de trabalho: como a deficiência sobressai aos

olhos dos andantes

4.3.1 A visibilidade da deficiência - a Cadeira de rodas como impeditivo da

liberdade

4.3.2 Relacionando-se com a deficiência e não com a Pessoa deficiente - a surpresa

diante do cadeirante no ambiente de trabalho

4.3.3 A postura positiva dos cadeirantes frente ao desafio de exercer sua cidadania

Categoria 4.4 - O trabalho do cadeirante na ótica dos trabalhadores andantes

Categoria 4.5 – Trabalhadores cadeirantes e trabalhadores andantes: comportamento

preconceituoso no ambiente de trabalho?

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4.1 A Compreensão sobre a Deficiência - a deficiência nas palavras dos andantes

Esta categoria surgiu da compilação dos depoimentos dos sujeitos do estudo acerca do

termo “deficiência”, que traduziram em palavras sua percepção.

Ao discutir o aspecto que diz respeito à compreensão do termo “deficiência” por parte

dos trabalhadores andantes, obteve-se opiniões que, embora diferentes na sua forma, se

aproximavam em essência e ilustram bem a questão.

Antes, porém, de pontuar as falas, é mister apresentar o conceito de deficiência no

qual o estudo se apóia para, assim, poder proceder à análise.

Buscando compreender o significado da palavra deficiência, mas sem a preocupação,

ainda, de pensá-la dentro de um contexto social, buscou-se o auxílio do dicionário que nos diz

que esta palavra vem do Latin Deficientia e tem como significado a falta; imperfeição e

insuficiência (FERREIRA, 2000). No entanto, não está se tratando deste termo de forma

isolada, dissecada, mas sim dentro de uma esfera de relações sociais.

Falar-se-á sobre a pessoa deficiente e, desta forma, é preciso avançar com este

conceito estático, embora bastante útil oferecido pelo dicionário, para uma compreensão mais

ampliada sobre este termo.

Para tanto, buscou-se qual é o entendimento da legislação brasileira direcionada à

população deficiente sobre o que é deficiência.

A Política Nacional para as Pessoas Portadoras de Deficiência, instrumento que

orienta as ações no setor Saúde, voltadas a esse segmento populacional, adota o conceito

fixado pelo Decreto nº 3.298/99 que considera a “pessoa portadora de deficiência como

aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou

função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de

atividades dentro do padrão considerado normal para o ser humano" (BRASIL, 1999).

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Diniz (2007) já aponta uma severa crítica a essa definição, que imputa ao indivíduo a

responsabilidade pela origem de sua deficiência e também pelo seu agravamento, isentando o

contexto social onde esta pessoa está inserida.

Além disso, questiona o vocábulo “normal” usado. Qual é o parâmetro para se

considerar alguém anormal? Por que uma pessoa diferente tem que ser considerada anormal?

Isso acontece por que o modelo usado nessa comparação é o de um corpo belo, simétrico e

que atende aos ideais de produção vigentes.

Wendell (1996) reforça esta idéia, afirmando que a organização física e social da

sociedade é baseada num modelo jovem, macho, com o corpo ideal, não deficiente, que leva a

expectativas de performance que a todos atinge, em especial àqueles que se distanciam do

padrão imposto, padrão este ditado por uma sociedade capitalista.

Cabe ressaltar que o conceito relativo à população com deficiência tem evoluído com

o passar dos tempos, acompanhando, de uma forma ou de outra, as mudanças ocorridas na

sociedade e as próprias conquistas alcançadas pelas pessoas portadoras de deficiência.

O marco dessa evolução é a década de 60, em cujo período tem início o processo de

formulação de um conceito de deficiência, no qual é refletida a “estreita relação existente

entre as limitações que experimentam as pessoas portadoras de deficiências, a concepção e a

estrutura do meio ambiente e a atitude da população em geral com relação à questão”

(BRASIL, 2006).

Tal concepção passou a ser adotada em todo mundo, a partir da divulgação do

documento Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência, elaborado por um

grupo de especialistas e aprovado pela ONU, em 1982.

Um outro marco foi a declaração da Organização das Nações Unidas-ONU (1982) que

fixou 1981 como o Ano Internacional da Pessoa Deficiente, colocando em evidência e em

discussão, entre os países membros, a situação da população portadora de deficiência no

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mundo e, particularmente, nos países em desenvolvimento, onde a pobreza e a injustiça social

tendem a agravar a situação.

A principal conseqüência daquele Ano Internacional foi a aprovação na assembléia

geral da ONU, realizada em 3 de dezembro de 1982, do Programa de Ação Mundial para

Pessoas com Deficiências, referido anteriormente (Resolução n.º 37/52).

Esse documento ressalta o direito dessas pessoas a oportunidades idênticas às dos

demais cidadãos, bem como o de usufruir, em condições de igualdade, das melhorias nas

condições de vida, resultantes do desenvolvimento econômico e do progresso social.

Nesse Programa, foram estabelecidas diretrizes nas diversas áreas de atenção à

população portadora de deficiência, como a de saúde, de educação, de emprego e renda, de

seguridade social, de legislação, entre outras, as quais os estados membros devem considerar

na definição e execução de suas políticas, planos e programas voltados a estas pessoas.

No âmbito específico do setor, cabe registro a Classificação Internacional de

Deficiências, Incapacidades e Desvantagens – CIDID, elaborada pela Organização Mundial

da Saúde – OMS, em 1989, que definiu os termos deficiência, incapacidade e desvantagem

como a seguir:

*deficiência: toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica,

fisiológica ou anatômica;

*incapacidade: toda restrição ou falta – devida a uma deficiência – da capacidade de

realizar uma atividade na forma ou na medida em que se considera normal para um ser

humano;

*desvantagem: uma situação prejudicial para um determinado indivíduo, em

conseqüência de uma deficiência ou uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho

de um papel que é normal em seu caso (em função da idade, sexo e fatores sociais e culturais).

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Em 2001, a OMS começou a revisão deste documento na década de 1990 e foi

encerrada em 2001, com a divulgação da Classificação Internacional de Funcionalidade,

Deficiência e Saúde – CIF, que foi aprovada por 191 países, fazendo parte da Família de

classificações Internacionais da OMS, devendo ser adotada por todos os países membros

(FARIAS; BUCHALLA, 2005).

Esta classificação tem como objetivo geral proporcionar uma linguagem unificada e

padronizada e uma estrutura que descreva a saúde e os estados relacionados à saúde. Ela

define os componentes da saúde e alguns componentes do bem-estar relacionados à saúde tais

como educação e trabalho.

A CIF apresenta um novo conceito de deficiência muito mais abrangente tirando o

foco do modelo biomédico que até então se apresentava.

Nesse documento, a deficiência caracteriza-se pelo resultado de um relacionamento

complexo entre as condições de saúde de um indivíduo e os fatores pessoais e externos.

Denota os aspectos negativos da interação entre o indivíduo e os fatores contextuais.

A CIF não é um instrumento para identificar as lesões nas pessoas, mas para descrever

situações particulares em que as pessoas podem experimentar desvantagens, as quais, por sua

vez, são passíveis de serem classificadas como deficiências em domínios relacionados à

saúde.

Esse documento veio reforçar que o modelo biomédico até então, vigente, não era

suficiente para entender a experiência da deficiência. Seu mérito está na aglutinação destes

dois modelos – o biomédico e o social, que se complementam.

Essa nova abordagem representa um outro marco significativo na evolução dos

conceitos, em termos filosóficos, políticos e metodológicos, na medida em que propõe uma

nova forma de se encarar as pessoas portadoras de deficiência e suas limitações para o

exercício pleno das atividades decorrentes da sua condição.

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Por outro lado, influencia um novo entendimento das práticas relacionadas com a

reabilitação e a inclusão social dessas pessoas.

Na raiz dessa nova abordagem está a perspectiva da inclusão social, entendida por

Sassaki (2003) como o processo pelo qual a sociedade se adapta para incluir, em seus

sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se

preparam para assumir seus papéis na sociedade.

A inclusão social constitui, então, um processo de mão dupla no qual as pessoas,

deficientes ou ainda excluídas por qualquer outra razão, e a sociedade buscam, em parceria,

equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para

todos, no sentido de assegurarem o exercício da cidadania.

Dizer que um indivíduo tem uma deficiência não implica, portanto, que ele tenha uma

doença nem que tenha de ser encarado como "doente”.

Omote (1995) também faz a leitura da deficiência como uma condição social que,

embora aparentemente iniciada na consideração da diferença, é construída socialmente, a

partir de desvalorização, por parte da audiência social.

Ele propõe ser a deficiência uma condição social caracterizada pela limitação ou

impedimento da participação da pessoa diferente nas diferentes instâncias do debate de idéias

e de tomada de decisões na sociedade.

Cabe dizer que ainda existe um intenso debate acerca da questão conceitual sobre a

deficiência, incapacidade e funcionalidade, conforme apontam Farias e Buchalla (2005) e

Amiralian et al. (2000), no intuito de diminuir algumas dificuldades relacionadas à

imprecisão dos conceitos que acarreta problemas na aplicação e na utilização do

conhecimento produzido em diversos países.

Este estudo, porém, limitou-se a trazer a definição da CIF ora em vigor e que, como

visto, repudia a adoção do modelo biomédico como soberano, e também de outro autor, no

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caso Omote (1995), que amplia a discussão para o terreno social, para que na análise dos

dados haja possibilidade de ampliação da visão de mundo, contextualizada nos conceitos de

diferentes autores.

Abordando, então, as falas dos sujeitos, um dos pontos semelhantes é o de que a

maioria dos trabalhadores andantes traduz a deficiência na limitação em realizar tarefas ou

alguma atividade.

Para eles, a deficiência se traduz como:

“Uma pessoa que tem dificuldade de fazer as coisas que uma pessoa normal faz.” (2) “[...] uma pessoa que não fosse capaz de fazer as coisas que as outras pessoas que não são deficientes fazem.” (6) “[...] ele (o cadeirante) não tem altura pra ir lá lavar o vidro do carro, entendeu? Então o problema é esse... O problema dele tá nas pernas.” (4)

“É... impossibilitado de fazer alguma coisa, entendeu? É ... dificuldade de fazer algo.” (1)

“[...]não ser capaz de fazer ou dizer ou desempenhar determinada função, entendeu?” (11)

Os relatos mostram, então, o entendimento por parte de alguns entrevistados do termo

deficiência como dificuldade, diminuição da capacidade ou impossibilidade para realizar

alguma tarefa que as outras pessoas conseguem, em geral, realizar.

Tais sujeitos denotam uma compreensão objetiva e prática do termo, visualizando o

deficiente como integrante da sociedade, fazendo parte da realidade vivida dia-a-dia e, por

isso, passando pelas dificuldades que todos nós, em maior ou menor grau, passamos em

função das nossas deficiências, nem sempre visíveis.

Porém, há que se ressaltar que se trata de uma visão estreita uma vez que a deficiência

não se traduz em impedimento ou dificuldade por si só.

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Há que se considerar que o contexto em que o indivíduo se encontra inserido pode não

apenas provocar uma deficiência, como também agravá-la e acentuar o grau de dificuldade

deste indivíduo na consecução das suas atividades e nas suas relações sociais.

Conforme Diniz (2007) exemplifica, uma lesão que provocou uma deficiência motora

resulta numa dificuldade para se locomover. Mas a deficiência aparece quando o sistema

rodoviário, por exemplo, não se encontra preparado para atender essa população.

Vasconcelos (2005) em sua tese reforça esta idéia citando a Resolução 37/52 da ONU

publicada em 1982 que afirma que a sociedade contribui para o agravamento da deficiência,

pois a experiência tem mostrado que, em grande medida, é o meio que determina o efeito de

uma deficiência ou de uma incapacidade sobre a vida cotidiana da pessoa.

Nesta resolução há o reconhecimento, por exemplo, que uma pessoa é levada à

invalidez quando lhe são negadas oportunidades e direitos fundamentais em quase todos os

campos, inclusive a vida familiar, a educação, o trabalho, a habitação, a segurança econômica

e pessoal, a participação em grupos sociais e políticos, as atividades religiosas, os

relacionamentos afetivos e sexuais, o acesso às instalações públicas, a liberdade de

movimentação e o estilo geral de vida diária (ONU, 1982).

O que se pôde observar, nestes relatos, é a percepção ligada de forma mais estreita à definição

pautada no modelo biomédico, conforme apresentado no conceito da OMS (1989) no CIDID,

do que aquela ligada à desvantagem no terreno social, do convívio dentro da comunidade

onde vive o deficiente conforme apresentado por Omote (1995) e reforçado pela CIF (2005).

Tais relatos, que representam a maioria dos que foram coletados, nos remetem à

reflexão de como a deficiência está ligada fortemente à idéia de incapacidade, onde o

indivíduo deficiente seria o único “culpado” pela sua incapacidade de desenvolver alguma

atividade.

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No entanto, é fácil compreender os relatos dos sujeitos, uma vez que há uma raiz

histórica que ainda alimenta nossas impressões sobre essa parcela da população.

Bacila (2005, p. 45) comenta a influência da História no comportamento da civilização

contemporânea: “O estudo da História é o caminho seguro para a compreensão da atual

Civilização, em seus diversos aspectos. Somos o produto do nosso passado, isto é, basta ver o

que fomos para compreender o que somos”.

Ele comenta que esse tipo de postura diante do diferente, que é a de, certa forma,

subestimá-lo, pode ser explicada entendendo que nossa sociedade enxerga o outro não pelo

prisma do seu valor, seu mérito, mas pelo prisma das marcas, muitas vezes evidentes, que esse

corpo apresenta, no caso, uma deficiência. Tais marcas são conhecidas como Estigmas.

Estigma deriva do latim STIGMA e significa tatuagem. Há tempos atrás, para

identificar pessoas de classe inferior, ladrões e loucos, os romanos tatuavam símbolos nestas

pessoas que eram facilmente visíveis pelos outros, como sinal de impureza, devendo, então, a

sociedade pura e sem mácula manter certa distância no sentido de assegurar que estes

indivíduos não viessem a contaminá-los com suas impurezas (BACILA, 2005).

Continua este autor relatando que a origem dos estigmas é muito anterior ao Império

Romano e os estigmas que foram culturalmente criados, subsistem até hoje.

Este termo, que objetivamente significa um sinal ou uma marca que alguém possui,

carrega sempre uma conotação negativa, gerando profundo descrédito podendo ser entendido

também, como defeito, fraqueza e desvantagem.

Daí a criação absurda de dois seres: os estigmatizados e os normais, uma vez que se

considera que o estigmatizado não é completamente humano; é um ser desviante, fora da

norma, anormal (GOFFMAN, 1988).

No entanto, Diniz (2007) se contrapõe a tal colocação afirmando que, ao contrário do

que se imagina, não há como descrever um corpo com deficiência como anormal. A

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anormalidade é um julgamento estético e, portanto, um valor moral sobre os estilos de vida.

Há quem considere que um corpo cego é algo trágico, mas há quem considere que esse é uma

entre várias possibilidades para a existência humana,

Então, a idéia pretérita de estigma significando somente um sinal material já não existe

mais, há muito tempo ou, se ainda subsiste, não é esta que será aqui considerada.

Para Bacila (2005), o Estigma adquiriu duas dimensões: objetiva (um sinal, a cor da

pele, a origem, a doença, a nacionalidade, a embriaguez, a pobreza, a deficiência física ou

mental, etc) e subjetiva (a atribuição ruim ou negativa que se faz a esses estados podendo-se

citar o seguinte exemplo: se é deficiente físico, é ruim ou inferior ou pior, etc), donde a

derivação de regras para os estigmatizados que funcionam de forma a prejudicar-lhes a vida

diária e também a tornar o convívio humano em geral enfraquecido, pois os “supostos

normais” também saem lesionados da relação.

Trata-se de regras falsas e que não têm nexo com a realidade. No entanto, tais regras

tornam-se práticas e acabam atuando como fator de isolamento social e de atritos que podem

culminar até em guerras mundiais, como foi o caso da Segunda Grande Guerra. Ora, se

causam até guerras, os estigmas não podem ser considerados apenas como marcas externas

das pessoas.

Retomando a análise das falas ainda sobre o entendimento dos sujeitos sobre o que é

deficiência, outros relatos, embora em menor número, encaram a deficiência como uma

fatalidade e associam um significado estreito com a incompetência.

“Um erro ... um problema ... algo fora do eixo, que não está como deveria estar... é um problema que não deixa alguma coisa funcionar direito. É como acontece com o deficiente... ele não consegue fazer as coisas normalmente, entendeu?” (25)

“É uma coisa que não tem mais volta. Acabou.” (17)

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Diniz (2007), sobre essa impressão, comenta o pioneirismo da Liga dos Lesados

Físicos Contra a Segregação (UPIAS), criada na Inglaterra em 1972, motivada pela

indignação de Paul Hunt, um sociólogo deficiente físico, acerca do tratamento assistencialista

dispensado a essa parcela da população.

Seu pioneirismo reside não na data em que foi criada, mas sim porque foi a primeira

organização de deficientes formada por deficientes, com cunho político, cujo principal

objetivo era questionar essa compreensão tradicional da deficiência; diferentemente das

abordagens biomédicas, deficiência não deveria ser entendida como um problema individual

nem como uma tragédia pessoal, mas sim como uma questão eminentemente social.

Um exemplo trazido pela autora é o de que a deficiência visual não significa

isolamento ou sofrimento, pois não há sentença biológica de fracasso por alguém não

enxergar. O que existe são contextos sociais pouco sensíveis à compreensão da diversidade

corporal como diferentes estilos de vida.

Outros relatos chamam a atenção pela sua clara oposição um ao outro, demonstrando

que, para alguns entrevistados, a deficiência tem origem no próprio deficiente; já para outros

sujeitos entrevistados, a deficiência parece mais ser o resultado da interação de fatores

externos e internos que dificultam a vida da pessoa deficiente.

Para eles, a deficiência assim se traduz:

“Que uma pessoa está praticamente impedida de se expressar, de trabalhar, de comer, um deficiente, é aquela pessoa completamente incapacitada, ou até mesmo impedida pra tomar decisões, pra andar na rua, pra fazer uma compra, pra decidir qualquer coisa da sua vida... a deficiência então lembra pra mim... a idéia da incapacidade.” (13) “Olha, a deficiência ... a gente lembra logo das pessoas que apresentam grandes dificuldades pra andar se locomover...mas se essa pessoa tem uma condição financeira legal, ela pode comprar aquelas cadeiras que não viram, porque pra andar nessas calçadas esburacadas, né? Até a gente cai.” (risos) (28) “A falta de alguma coisa, não necessariamente alguma coisa física... você pode ter uma deficiência de discernimento, por exemplo... então é esse o sentido... é uma falta, mas não necessariamente um impedimento.” (23)

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Nestes três relatos percebe-se que o “problema” da deficiência é imputado ao

indivíduo, ou seja, ele é culpabilizado pelo seu impedimento em se deslocar, afetando o seu ir

e vir.

O segundo depoimento, no entanto, tira um pouco o foco do indivíduo como se fosse

ele o único responsável pelos problemas que enfrenta e amplia a dificuldade que ele apresenta

também para a questão da urbanização da cidade onde ele vive. Ou seja, que o individuo tem

uma lesão que o coloca em uma situação de desvantagem em relação aos que não têm, isso

não se discute.

Mas como o próprio respondente apontou, existem outros fatores que aumentam o

abismo que existe entre a pessoa deficiente e o exercício de sua cidadania como, por exemplo,

a situação socioeconômica deste indivíduo/família que vai precisar investir em um tratamento

de reabilitação e na compra de órteses ou próteses para garantir a execução das suas tarefas do

dia-a-dia além de medicações que normalmente fazem parte do tratamento.

Considerando o discurso do próprio cadeirante obtido na prática, no dia-a-dia junto a

esta clientela e em estudos como os de Machado (2003), Batista et al. (2000), Andrade et al.

(2003), vimos que os depoimentos apontam muito mais para uma visão pejorativa,

estigmatizante do termo deficiência.

O conhecimento sobre uma deficiência, saber sobre reais limitações, aprender a não

tomar o todo em função de uma parte do corpo que apresenta alguma alteração ou perda, é

importante para que se possa lidar com esta pessoa portadora de necessidades especiais sem

máscaras ou meias palavras, com medo ou receio de interagir com ela. Há que se dizer que

esta visão pode influenciar não só no relacionamento como também na inclusão ou não do

deficiente no contexto social e de trabalho.

Com base nas falas, não se percebeu com clareza que tal percepção dos sujeitos

entrevistados sobre o termo deficiência se traduza como um empecilho para a inclusão

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ocupacional destes indivíduos. Apenas ressaltam que a deficiência apresentada pode

dificultar, em maior ou menor grau, a realização de uma determinada tarefa.

No entanto, denotam uma visão ainda maculada pela nossa caminhada histórica, em

relação às pessoas deficientes, que sempre reservou a estes o castigo do isolamento social e a

piedade dos demais cidadãos “normais” e ajustados às regras da sociedade.

Tal visão exclui a sociedade da responsabilidade sobre a origem / agravamento da

deficiência, o que pode ser, por que não dizer, muito conveniente para as autoridades

competentes pela elaboração e execução de ações voltadas para os indivíduos deficientes, que

se sentiriam, nesse caso, eximidas da obrigação de investir pesadamente em campanhas de

prevenção, promoção, manutenção e reabilitação das pessoas com deficiência, cabendo a estas

últimas apenas o assistencialismo.

4.2 O Deficiente Cadeirante no Ambiente Ocupacional: a percepção dos trabalhadores

sem deficiência motora

Esta categoria surgiu da aglutinação dos depoimentos gerados a partir das seguintes

questões do roteiro de entrevista:

• O que os trabalhadores andantes, sujeitos do estudo, diziam sobre trabalhar com

colegas cadeirantes;

• O que dizem os colegas dos sujeitos do estudo sobre trabalhar com o cadeirante.

Ambas as perguntas versaram sobre o mesmo tema, apenas mudando-se o foco da

atenção do sujeito do estudo para o que seria a percepção do outro colega andante em relação

ao cadeirante. Estratégia essa já explicada anteriormente que leva o entrevistado a dizer como

ele percebe o outro, mas sob a atenuação do uso da opinião de uma terceira pessoa.

Assim, esta categoria, pelo volume de informações captado, mereceu ser dividida em

subcategorias que se mesclam e se complementam.

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4.2.1 - A Diferença Promovendo a Aprendizagem;

4.2.2 - A deficiência como álibi para benesses no contexto ocupacional;

4.2.3 - A (falsa) sensação de superioridade dos andantes em relação ao deficiente cadeirante

Passamos agora a expor a análise de cada uma delas.

4.2.1 A Diferença Promovendo a Aprendizagem

Os depoimentos apontaram, a princípio, o aspecto positivo de contar com uma pessoa

portadora de necessidades especiais em seu ambiente de trabalho. Em sua maioria trazem a

satisfação e a gratidão pelo aprendizado que advém desta relação profissional.

As falas permitiram uma classificação de tal aprendizado em três esferas, descritas no

Quadro 3. Ou seja, trabalhar com pessoas deficientes, só veio a somar no elenco de

experiências positivas dos sujeitos do estudo.

Quadro 3 - Classificação do aprendizado pelos sujeitos do estudo

através da experiência com o cadeirante

Experiência Aprendizado

Para a vida pessoal (amadurecimento)

Para interação com o próprio deficiente

Convivência com o

deficiente no contexto ocupacional Para visualizar a deficiência sob outro

aspecto: como possibilidade para criar estratégias na superação de obstáculos

Os depoimentos são bastante ilustrativos quando, às vezes, são carregados de emoção,

bem como os benefícios desta relação, seja no âmbito pessoal, refletindo um maior

amadurecimento e a valorização das pequenas conquistas nossas de cada dia; seja no âmbito

profissional, entendendo que a deficiência não impede totalmente o indivíduo deficiente de

fazer as coisas que a maior parte das pessoas fazem; apenas fazem de maneira diferente. E,

por último, no âmbito da própria interação social com um indivíduo diferente, onde a

aproximação garante a possibilidade de troca de experiências, valores e dificuldades.

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Os relatos trazem aqui uma comparação entre a época em que eles ainda não tinham

tido contato com o deficiente e o agora: o antes e o depois. Ressaltam a mudança nas atitudes

e na relação com esses indivíduos. É como se a experiência de conviver com uma pessoa

deficiente fosse um divisor de águas para alguns entrevistados, no que se refere à forma de

lidar com estes indivíduos na sociedade.

A seguir, os depoimentos apontam para as esferas de aprendizado:

� Para a vida pessoal (amadurecimento):

“Me sinto privilegiado por estar convivendo com pessoas que olham as coisas de uma maneira diferente que a grande maioria e ver que precisa valorizar certas coisas que pra gente não é nada tipo: subir ou descer, ir em todos os lugares [...]” (7)

“Acho que trabalhar com uma pessoa deficiente, a gente aprende todo dia uma coisa diferente [...]” (6) “[...] acho que tive uma grande sorte, tô tendo uma grande oportunidade, e privilégio mesmo porque essas pessoas, [...] são especiais, eles dão muita lição de vida, eles ensinam muita coisa, eles tão sempre [...] buscando quebrar limites, sempre transpondo dificuldades eles nunca chegam até um ponto e nunca param ali. Eles sempre buscam uma forma de ir além [...]” (11)

Como mostram os relatos, a convivência mais estreita com uma pessoa deficiente pode

ser fonte de experiências ricas que, normalmente, acrescentam valores positivos àqueles

indivíduos que não possuem deficiência alguma.

Bahia (2006) ressalta, em sua obra, as vantagens de contar, no ambiente de trabalho,

com uma pessoa deficiente. Os benefícios podem ser percebidos em três esferas: na empresa,

na sociedade e nos empregados.

Sobre estes últimos, os principais ganhos são: elevação da auto-estima, motivação,

reconhecimento das potencialidades sem negligenciar as limitações e reflexão sobre inclusão

social.

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A afirmação de Bahia (2006) confere com os depoimentos dos sujeitos, que denotam

um reconhecimento do esforço dos colegas cadeirantes para exercerem sua cidadania, que

transpõem diversas barreiras, desde físicas, como aquelas atitudinais.

Desta forma, o exemplo de superação dado por estes indivíduos cadeirantes é bastante

enriquecedor para todas as pessoas que travam contato com eles. Mas cabe ressaltar que a

disponibilidade emocional por parte da sociedade para interagir abertamente com indivíduos

deficientes, seja qual deficiência for, é fundamental para que a primeira veja e se relacione

com o indivíduo e não com sua deficiência.

� Para interação com o próprio deficiente, ou seja, o antes e o depois:

“É uma experiência maravilhosa e eu agradeço (dirige o olhar para o céu) por estar podendo conviver com estas pessoas... é uma experiência nova que me trouxe muito aprendizado no sentido de saber como lidar com eles.” (11)

“Antes de ter contato com um deficiente, você olha pra um deficiente e acha normal chamar de aleijadinho, cadeirantezinho, perneta, tortinho, né? Mas quando você trabalha com um deficiente, você já vê com outros olhos, muda muito, muda muito [...]. Se fosse em outros tempos eu ia olhar e dizer: coitado né? Porque as pessoas olham com pena, né.. que complicado, que chato estar ali... mas hoje em dia eu não tenho mais essa visão não, porque eu já sei que eles podem, que são capazes, Querem estar ali no mercado de trabalho[...] Brigando como todo mundo por um espaço [...]” (6)

“Antigamente eu até tinha um receio de chegar e falar com um deficiente. Não sabia se segurava na cadeira, se oferecia ajuda, se ia ofender a pessoa, sabe?[...] agora eu chego com mais naturalidade, com qualquer deficiente sabe?,[...] trabalhando aqui, hoje , eu tenho uma visão e uma consciência muito mais ampla das dificuldades e das capacidades de um deficiente.” (18)

Estes relatos nos remetem às conseqüências do longo período de segregação em que

viveu o indivíduo deficiente na nossa História. O isolamento social, o medo ou até mesmo a

vergonha impediram que o restante da sociedade se aproximasse e, literalmente, aprendesse a

lidar com a população deficiente.

Disso resultou nas dúvidas sobre como se relacionar com estes indivíduos, na

dificuldade de compreender o universo das pessoas deficientes e nos preconceitos.

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Conforme Fávero (2007), tais atitudes de dúvida, afastamento ou até receio frente a

uma pessoa deficiente, na maioria das vezes, não é questão de má educação ou

insensibilidade, mas sim de pura falta de informação.

O que ocorre é que, sem permitir essa aproximação, a sociedade não consegue romper

com formas cristalizadas de agir frente a um deficiente e, sem haver a aproximação, sem

admitir a interação social, damos margem para o surgimento e fortalecimento de mitos, idéias

enviesadas e preconceituosas sobre um determinado fato ou pessoa. Sobre isso falam

Fernandes e Souza (2004, p. 6), em seu estudo sobre a percepção do estigma da epilepsia em

professores do ensino fundamental:

A percepção destas crenças, ou seja, idéias irracionais transmitidas sem base científica, decorrentes do desconhecimento sobre a epilepsia e seu tratamento podem gerar o estigma e, com isso, comportamentos inadequados, super-proteção e sentimentos de medo, preocupação e insegurança, dificultando os relacionamentos sociais, afetivos e acadêmicos da criança.

O contato face-a-face com o colega cadeirante proporcionou, segundo os relatos, a

desconstrução de idéias errôneas e de mitos, o que facilitou a interação social.

� Contribuição no aprendizado para visualizar a deficiência sob outro aspecto: como

possibilidade de superação e de ser atuante na sociedade lançando mão de estratégias para tal:

“Eu me sinto super bem, não sinto pena porque ele é hiper alto astral E ele não permite que sintam pena dele, ele não dá espaço pra isso... ele faz tudo sozinho, passa em cima do pé da gente (risos), carrega as coisas, se prontifica a fazer as coisas... ele é uma pessoa dez!” (8) “Acho que é uma experiência maravilhosa porque você aprende a conviver no mesmo espaço com essas pessoas que são limitadas por serem deficientes, mas são ilimitadas no sentido do trabalho, de responsabilidade, de técnica [...]” (09).

“[...] e cada vez mais a gente percebe que pode estar contribuindo pela inclusão deles né, a partir do momento que a gente aprende a acreditar no trabalho e potencial no trabalho, no sentido de que eles tem competência e potencial [...]” (21)

Provavelmente, qualquer pessoa que não tenha um contato mais próximo com um

deficiente estranhará estes depoimentos. Vivemos numa sociedade onde a produção e a

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velocidade são exigências para que sejamos considerados como elementos produtivos e,

assim, valorizados e a presença de uma pessoa deficiente no contexto do trabalho pode, a

princípio, remeter à idéia de que estes indivíduos dificultarão e/ou lentificarão o processo de

trabalho pela sua aparente “ineficiência”.

Todavia, a convivência e o compartilhamento de experiências entre os indivíduos com

e sem limitações motoras podem diminuir a noção preconceituosa de que a deficiência toma

conta do ser deficiente como um todo.

A credibilidade e o reconhecimento do produto do trabalho realizado são fundamentais

para que qualquer pessoa se sinta integrante e valorizada pelo grupo ao qual faz parte. Da

mesma forma é com a pessoa deficiente (ALBORNOZ, 2004).

Os sujeitos entrevistados revelaram, então, que reconhecem e valorizam a participação

do cadeirante no contexto ocupacional, aprendendo que a deficiência é apenas um fato e não

uma característica que transforma o ser deficiente em um ser incapaz.

Tal aprendizado, valorização e reconhecimento expressados em todas as falas, no que

diz respeito ao convívio com o deficiente na esfera ocupacional, vem a impactar

positivamente não só na saúde do trabalhador deficiente, mas também na daquele não

cadeirante. O primeiro por se sentir acolhido e membro do grupo onde desenvolve seu

trabalho pela ratificação dos demais em relação à sua capacidade produtiva e criativa e o

segundo pela aprendizagem que advém do convívio com a diferença, que oferece um

ambiente plural.

4.2.2 A deficiência como álibi para benesses no contexto ocupacional

Continuando na categoria que analisa a forma como o trabalhador cadeirante é

percebido no ambiente ocupacional, obteve-se depoimentos que revelam um lado

“desconfiado” por parte dos sujeitos pesquisados em relação ao cadeirante.

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Para alguns entrevistados, a deficiência motora, assim como a deficiência visual e

auditiva, pode ser usada pelos deficientes como fonte inesgotável de justificativas para que

eles se eximam das responsabilidades que fazem parte do exercício da cidadania. Porém, os

benefícios, os direitos relativos à condição de deficiente, são sempre bem-vindos.

Quando são exigidos no sentido de apresentarem sua produção, assim como acontece

com qualquer outra pessoa em qualquer esfera das relações sociais, eles se “valem” da

condição de deficiente para evitar tais desgastes e estabelecerem bases de contato mais

amenas, sem conflitos nem exigências.

A literatura nesta área mostra, de fato, que o comportamento das pessoas com

necessidades especiais pode variar e fazer com que a deficiência se transforme em uma

“muleta”, onde o indivíduo apóia toda sua indisposição de lutar e reassumir seu lugar na

sociedade, usando a deficiência como uma “desculpa” e, assim, se acomodar.

Goffman (1988, p. 20) esclarece esta questão mostrando que uma pessoa

estigmatizada pode usar seu estigma para ganhos secundários, justificando, assim, todas as

suas insatisfações, todas as protelações e todas as obrigações desagradáveis da vida social.

Assim, muitos indivíduos com deficiência dão uma dimensão exagerada à sua

limitação, usando-a como escudo para se esquivar das obrigações a que todos os cidadãos

estão sujeitos, “tirando vantagem” da sua condição de deficiente.

“[...] na verdade, tem uma superproteção sim. Tem trabalhos que não vão pra ela porque ela vai acabar reclamando e ela é meio grossa, sabe? [...] (17) [...] aqui a gente acaba poupando o colega, porque ele às vezes reclama que tá cansado, que tá aborrecido... Então a gente evita falar de coisas mais sérias de trabalho com ele. (13)

Esta postura apontada pelos sujeitos do estudo, observada nos colegas cadeirantes,

vem reforçando a idéia de que as pessoas deficientes em geral são, de fato, acomodadas,

“espertas” no sentido de saber explorar a piedade alheia se apoiando na sua condição de

deficiente, pensamento esse que parece pairar no senso comum.

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Os depoimentos, a seguir, são ilustrativos de uma percepção diferente daquela que

normalmente se espera do deficiente, apontando para uma reflexão crítica do andante em

relação ao comportamento da sociedade para com o deficiente.

“[...] porque o deficiente tem isso, né, ao mesmo tempo que ele quer trabalhar, ele até vai, mas quando ele realmente tem que cumprir com as obrigações, correr atrás, cumprir os deveres , ele não cumpre porque tem essa visão, essa coisa paternalista que o nosso Estado criou, a sociedade diz aquela coisa do “coitadinho”, né, e ao mesmo tempo que ele não quer ser tratado como coitadinho,... ele usufrui muitas vezes de ocasiões em que nesse momento ele não deveria participar e ele acaba participando porque pra ele é cômodo [...].” (9) “[...] existem pessoas deficientes cadeirantes ou não ou com outras deficiências que se põe num mar de pena, que fazem questão que as pessoas sintam pena e eu não gosto disso.” (6)

Pode-se inferir que o comportamento “acomodado” por parte do deficiente possa

também ser explicado com base nos estágios das reações que uma pessoa percorre quando

adquire uma deficiência.

Como já abordado anteriormente, elucidando este tema, Kottke e Lehmann (1994)

lembram que, ao adquirir uma deficiência, a pessoa vai passar por algumas etapas que

envolvem aspectos emocionais e físicos importantes e que vão auxiliar na construção do seu

mecanismo para lidar com sua nova condição, seu novo corpo. Diante desse quadro, cada

indivíduo passará por fases comportamentais distintas, mas que, independente da natureza da

sua deficiência, terão basicamente as mesmas características e que vão determinar como ele

chegará à fase de ajustamento.

Segundo estes autores, de uma forma global, o modelo de comportamento do

indivíduo portador de deficiência motora pode ser dividido em quatro fases bem definidas.

São elas Fase de Choque, Fase de Negação, Fase de Reconhecimento e a Fase de Adaptação.

Na fase de reconhecimento, a persistência do quadro provocado pelas perdas intensas

e mudanças na imagem corporal, e o contato com outras pessoas portadoras de limitações

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físicas semelhantes, fazem com que o indivíduo comece a tomar consciência de sua real

situação.

A evidência da paralisia, a perda do controle esfincteriano, o temor de tornar-se uma

carga para seus familiares e as possíveis restrições sociais lhe provocam um forte sentimento

de desamparo e intensa ansiedade, levando-o a um estado de depressão ou à um estado de

completa apatia. Ou seja, o indivíduo não se deprime nem se mostra agressivo, apresentando-

se passivo, desmotivado, sem iniciativa, conduta que reflete séria perturbação psíquica. Desta

forma é, de fato, compreensível este tipo de reação por parte da pessoa que adquiriu uma

deficiência.

Cabe, assim, o reconhecimento precoce destes indícios por parte de uma equipe de

reabilitação e também da família, para que sejam oferecidas todas as alternativas possíveis no

sentido de minimizar o impacto emocional negativo destas fases no indivíduo com deficiência

adquirida.

Contudo, os depoimentos coletados não apontaram, de maneira relevante, esta faceta

de comportamento “acomodado” por parte dos trabalhadores deficientes motores que tivesse

sido percebido pelos sujeitos do estudo. Pelo contrário, estes últimos destacaram a grande

disposição destes indivíduos cadeirantes em retornarem à sociedade de forma digna, lutando

por seu espaço, exercendo sua cidadania.

No entanto, ainda assim mereceram destaque estes relatos, pois revelam um

entendimento, por vezes, equivocado em relação ao comportamento dos deficientes, podendo

contaminar a opinião de outros, contribuindo para a sedimentação de idéias errôneas e

generalistas, no senso comum, sobre os deficientes.

Cabe aqui ressaltar que essa “disposição”, por parte das pessoas deficientes, em voltar

ao meio social citadas nas falas e, literalmente, brigar por um espaço no mercado de trabalho

só vem sendo possível em função de algumas mudanças em diferentes contextos.

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O mercado de trabalho, por exemplo, embora exija cada vez mais uma capacitação e

atualização constantes, por parte dos trabalhadores, além de estar cada vez mais exigente em

termos de qualidade de trabalho e presteza, tem apresentado alternativas de atuação

profissional. O deficiente, desta forma, pode se integrar com mais facilidade utilizando-se, por

exemplo, da informática, onde se pode valer de diversos aplicativos (Internet, DOS-VOX),

para solucionar problemas.

A aplicação das leis que fomentam e promovem a inclusão da pessoa deficiente na

sociedade também vem animando essa parcela da população, ainda que de maneira tímida, a

participarem da vida em sociedade. Porém, as barreiras arquitetônicas ainda figuram como

grandes obstáculos ao deslocamento e inclusão destes indivíduos na sociedade além, é claro,

das barreiras atitudinais.

A mídia, do mesmo modo, vem tendo uma participação na divulgação das

particularidades do mundo dos deficientes. Existem programas na televisão apresentados

pelos próprios deficientes, que mostram de forma clara quais são seus direitos e como devem

garanti-los; mostram formas e possibilidades de trabalho, cultura e lazer.

Todas essas mudanças vêm influenciando um pouco a tônica da característica

comportamental dos deficientes que se há décadas atrás Goffman (1988) classificou-a como

sendo de aceitação, hoje em dia está um pouco diferente.

Vê-se atualmente, com freqüência, deficientes mais participantes da vida em

comunidade, brigando por seus direitos, exigindo o merecido respeito e dignidade, pois,

conforme Fracasso in Oliveira (2007, p. 11), “o deficiente, seja qual for sua deficiência, é um

ser humano. Tem, portanto, a dignidade que lhe é própria”.

E, por outro lado, há a mudança no comportamento dos não cadeirantes, que vão

gradativamente tendo o cadeirante no contexto do trabalho, levando-os a conhecer melhor a

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realidade da pessoa portadora de deficiência, reconhecer seu potencial, habilidades e até

mesmo suas reais limitações que não são prerrogativa destes, mas de toda pessoa humana.

4.2.3 A (falsa) sensação de superioridade dos andantes em relação ao deficiente

cadeirante

Chamou-nos a atenção, algumas falas que denotam a percepção de alguns indivíduos

entrevistados que se colocam numa posição superior em relação ao portador de deficiência.

“[...] é muito bom, pois você...não se dá conta que trabalha com uma pessoa deficiente.” (19) “[...]então vamos falar de eficiência, né, na verdade eles (os PPD) são muito eficientes e aí você tem esse contraponto né: mesmo com as limitações eles conseguem ser eficientes..., muito..., até mais do que os outros (sem deficiência).” (6) “[...] e é mais uma prova de que eles são pessoas que são iguais à gente, né, os não-deficientes.” (20)

Quando alguns sujeitos falam que o trabalho do cadeirante é tão bom que “não se dá

conta que trabalha com uma pessoa deficiente” ou que “mesmo com as limitações eles conseguem ser

eficientes [...]” vêm algumas indagações: Será que ele (o indivíduo sem deficiência motora) se

sente isento de qualquer tipo de deficiência? Será que é esperado que o sujeito, por ter

deficiência motora, também sofra de deficiência mental, tenha seu intelecto igualmente

prejudicado? É esperado que a relação de trabalho com um deficiente não seja algo viável?

Pode-se inferir que se trata de uma percepção equivocada que, de maneira geral,

reflete o entendimento da maioria da população sobre este assunto.

Normalmente, ao se deparar com uma pessoa deficiente, as pessoas ditas “normais”

tomam todo aquele indivíduo por uma parte. Valorizam demais as perdas daquele sujeito,

esquecendo-se de que ele, ainda é ele, mesmo com perda de movimentos e sensibilidade nas

pernas e com todos os outros desdobramentos que acompanham um quadro neurológico de

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paralisia motora. Segundo Goffman (1988, p 15), “tendemos a inferir uma série de

imperfeições a partir da imperfeição original”.

Quintão (2005), Moura e Valério (2003) e Oliveira et al. (2004) também são unânimes

em afirmar que tendemos a nos relacionar com a deficiência, esquecendo-nos que existe uma

pessoa em primeiro lugar.

A prática do atendimento a esta clientela, pela autora do estudo, mostra, através dos

depoimentos dos cadeirantes nas consultas, que a compreensão do outro “normal” sobre a

pessoa deficiente está muito próxima do conceito de deficiência apontado por Omote (1995).

De acordo com estes relatos, a imagem de uma pessoa deficiente remete de imediato a

uma pessoa desvalorizada no contexto social. Esta desvalorização é, obviamente, sentida por

esta população estigmatizada e só tende a aumentar o hiato entre ela e a possibilidade real de

inclusão social. Aliás, não é difícil de explicar essa forma obtusa e equivocada da sociedade

de enxergar as pessoas deficientes. É um processo historicamente construído.

A apreensão das diferenças e dos mitos começa a surgir no período escravista, quando,

na sociedade grega, os escravos garantiam a infra-estrutura necessária para que os homens

livres praticassem o ócio. É nesse período que aparecem os paradigmas, modelos que

sobressaíram pelos séculos, influenciando fortemente a visão da sociedade cristã ocidental.

(PROFETA, 2004).

Entre os paradigmas, destacou-se o espartano com a valorização da ginástica, da

dança, estética, perfeição do corpo, beleza e a força, pois se dedicavam predominantemente à

guerra e todas as boas condições físicas lhes eram exigidas. Com o culto à perfeição, as

crianças que nascessem com qualquer manifestação que atentasse aos padrões estabelecidos,

eram eliminadas (PROFETA, 2004).

Um outro paradigma é o ateniense. A preferência pela agitação da vida da cidade, a

filosofia, a contemplação moldam a concepção de corpo e de sociedade. Para os gregos,

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“viver é contemplar” como afirma Vasques (1986 in PROFETA, 2004, p. 322) e com isso a

valorização e a supremacia do trabalho intelectual e a divisão do homo sapiens e homo faber

são postas e ideologicamente justificadas.

Na própria Bíblia, encontramos reforço para a idéia de que deficiência está

intimamente ligada à impureza e pecado quando mostra que dos vinte e dois milagres com

curas e exorcismos creditados a Jesus, oito referiam-se a cura dos cegos, surdos, mudos e

gagos, sendo que outros se referiam a paralisias, possessões, etc.

O Evangelista Lucas (11:14) mostra como a pessoa muda e o demônio são

confundidos: “E estava Ele expulsando o demônio, o qual era mudo. E aconteceu que, saindo

o demônio, o mudo falou...” (PROFETA, 2004, p. 322).

Estes exemplos podem auxiliar na compreensão da segregação e estigmatização das

milhares de pessoas que foram, outrora, eliminadas pela fogueira da inquisição ou por outros

métodos cruéis e, hoje, ainda são eliminadas só que de uma forma mais sutil, velada, porém

não menos perversa.

Outra forma de entender este fenômeno da sociedade de perceber a pessoa deficiente

como um “corpo estranho” indigno e inferior, também, pode ser ilustrado no terreno da

semântica.

A deficiência opõe-se semanticamente à normalidade, instância em que se manifesta a

eficiência. Essa constatação ajuda a explicar o fenômeno da não-aceitação do deficiente na

sociedade ocidental, tão propensa a valorizar, de forma extremada a eficiência – e isso não

apenas no campo profissional, mas em basicamente todos os setores da vida.

Como reflexo dessa propensão, rejeita-se o que se mostra contrário à idéia de

eficiência. A relação antagônica é manifesta na língua latina. Nossa palavra “eficaz” vem de

efficax, designativa do que é enérgico ativo ou poderoso. Efficax diz-se daquele que não tem

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dificuldade alguma na realização de algo. Deriva de facere (fazer), assim como efficiens

(eficiente) (LAHIRIHOY et al., 2007).

No verbo latino deficere, encontramos o ancestral etimológico da palavra “deficiente”.

Além da acepção mais diretamente contraposta à anterior (faltar, carecer), deficere também

significa “afastar-se”, “desintegrar-se” (LAHIRIHOY et al., 2007).

No terreno semântico, encontramos o ser defeituoso como o que se distancia, podendo

vir a desintegrar-se. É o que ocorre, de forma predominante, ao longo da história: o homem

deficiente, como já se disse, tende a ser apartado da sociedade. Isso em grande parte devido à

tendência cultural a ampliar o defeito, seja ele físico ou mental, a outras esferas da vida

humana, considerando aquele ser, inferior (OLIVEIRA, 2007).

Ainda para ilustrar, pode-se recorrer a uma regra própria da natureza: os mais fracos

tendem a sucumbir em favor dos mais fortes; de igual forma, os mais fortes costumam vigorar

em detrimento dos mais fracos (OLIVEIRA, 2007; GLAT, 2004). Em outras palavras, pode-

se inferir que a lei de sobrevivência dos mais aptos é uma aplicação da lei do mais forte.

Diversas sociedades, ao menos em algum período da sua história, legitimaram a

prática social de eliminar este ou aquele grupo. Assim é que, em certas culturas beduínas, por

exemplo, legitimou-se o extermínio de meninas recém-nascidas, uma vez que o gênero

masculino naquela sociedade era mais valorizado.

Para Oliveira (2007), seria difícil encontrar a sociedade que nunca adotou práticas

desse tipo. É um fenômeno que tem suas raízes na pré-história, possivelmente tão antigo

quanto o próprio homem. O autor (op. cit., p. 27) enfatiza que o que serve de base à lei do

mais forte, do ser superior, é exatamente a ausência de valores morais: “É sempre ela

(referindo-se à ausência dos valores morais) que costuma fundamentar o suposto direito de

eliminar os deficientes numa sociedade”.

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Diante desta breve exposição do leque de fatores que envolvem o ser deficiente ao

longo da história, fica fácil compreender a relação entre estes últimos e a sociedade que se

apropriou, de forma consciente (ou não), destes paradigmas e continua a perpetuá-los, talvez

sem muita noção disto.

A diferença está na forma. Se em outras épocas esta era uma prática sanguinária,

eliminando-se fisicamente aquele “ser inferior”, hoje ainda continuamos fazendo a mesma

coisa, só que veladamente, sutilmente, eliminando estas pessoas na medida em que negamos o

direito à vida em comunidade, ao emprego, ao afeto.

4.3 Cadeirantes no Ambiente de Trabalho: como a deficiência sobressai aos olhos dos

andantes

Esta categoria traz a resposta dos sujeitos do estudo acerca da seguinte pergunta: o

que ele imagina que mais chama a atenção de seus colegas andantes em relação aos

cadeirantes?

Mais uma vez, foi utilizada a técnica de substituição sugerida por ABRIC (in

OLIVEIRA; CAMPOS, 2005), onde se espera que o respondente revele sua verdadeira

impressão sobre o que está sendo perguntado, “diluindo” sua opinião quando fala sobre o que

ele imagina que seus colegas pensam a respeito do assunto em tela.

Nesta categoria, obteve-se alguns eixos de destaque que estão expostos a seguir em

sub-categorias que são:

4.3.1- A visibilidade da deficiência – a cadeira de rodas como impeditivo da liberdade;

4.3.2 - Relacionando-se com a deficiência e não com a Pessoa deficiente – a surpresa diante

do cadeirante no ambiente de trabalho;

4.3.3 - A postura positiva dos cadeirantes frente ao desafio de exercer sua cidadania.

Passamos, agora, a expor cada uma das subcategorias e suas respectivas análises.

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4.3.1 A visibilidade da deficiência – a cadeira de rodas como impeditivo da liberdade

Nesta subcategoria, as falas apontam a cadeira de rodas como aquilo que mais chama a

atenção do andante em relação ao cadeirante.

Parece que a cadeira de rodas representa, para muitos dos entrevistados, um ícone

indelével que evoca a idéia de limitação e invalidez, mas que, nem por isso, contrasta

negativamente com a imagem de produtividade inerente ao ambiente de trabalho. Estes relatos

representaram a maioria.

A seguir, alguns depoimentos sintetizam a impressão dos entrevistados.

“O primeiro impacto que eu senti foi ele entrando aqui com aquela cadeira. Achei um pouco esquisito.” (20) “Chama a atenção o fato de chegar numa cadeira de rodas [...] muitas pessoas se constrangem. Sabe como é... o cara tá entrevado ali... é triste.” [17] “Ah... acho que é essa dificuldade da cadeira, que não vai em qualquer lugar, né? É muito desajeitada, difícil de se manobrar.” (6) “Mas eu acho que o que mais chama atenção da gente aqui é a cadeira de rodas e também a limitação dela. Isso não dá pra esconder... apesar de toda independência que ela tem.” (23) “O que causa impacto é a cadeira, porque nós nunca tínhamos trabalhado com alguém deficiente. [...] E também a dependência. Eu acho que o fato de você estar preso a alguma coisa como uma máquina, por mais que seja independente, é algo que sempre mostra a falta. Lembra a gente que a limitação existe...” (12)

Algumas considerações são importantes de serem feitas acerca destes depoimentos:

em primeiro lugar, a imagem da cadeira de rodas salta aos olhos dos entrevistados. Isso pode

se traduzir naquilo que Goffman (1988) denomina de “visibilidade” da deficiência. Ou seja,

quanto mais aparente é o defeito (ou desvio) apresentado por uma pessoa, defeito esse que

vem contrariar o padrão normatizado por algum grupo, mais forte será a reação de rejeição, ou

no mínimo de estranheza, àquele indivíduo que ostenta tal imperfeição ou deformidade.

Coleman (1986) concorda com Goffman (1988) afirmando que o grau de

estigmatização depende do quanto indesejável essa característica for considerada pelo grupo.

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Ou seja, quanto mais desviante, fora da norma ou anormal for aquele corpo ou determinado

comportamento, mais veemente será a reação negativa da maioria dominante.

Como ilustração Oliveira (2007) mostra, porém, que o padrão de normalidade é algo

que varia com o tempo ao longo da história e com a cultura vigente. Este autor cita o exemplo

de uma comunidade que vive numa ilha do Oceano Pacífico, sempre cercada por cardumes de

vorazes tubarões, sendo a atividade da pesca aquela que se sobressai em relação às atividades

agrícola ou pastoril, uma vez que é a fonte principal de alimento de toda a ilha.

Devido às circunstâncias, a pescaria, apesar de vital para os habitantes da Ilha, é uma

atividade muito perigosa, não sendo raros os casos de pescadores que são atirados às águas

pelo mar revolto e prontamente atacados pelos tubarões. Dos que sobrevivem, muitos ficam

mutilados, com amputação de braços ou pernas, mas, nesta comunidade, o fato de não ter uma

perna ou um braço não leva a depreciação alguma.

Pelo contrário, a deficiência corresponde à garantia de uma inquestionável posição de

prestígio na comunidade, pois todos sabem que aquele indivíduo enfrentou o inimigo mortal

durante a luta pela sobrevivência do grupo ao qual pertence. O homem amputado, ali, é

olhado com respeito e admiração, percepção essa que difere um pouco na nossa sociedade,

que vê aquele indivíduo como um ser inválido.

Voltando aos depoimentos, o constrangimento e a esquisitice evocados pela imagem

da cadeira de rodas no ambiente de trabalho, citados nas falas dos sujeitos, podem ser

entendidos como uma confirmação do fato de que, além não existirem deficientes inseridos na

vida em comunidade, em particular, no mercado de trabalho, em número suficiente para

familiarizar a população em relação aos deficientes, também a referida imagem está associada

à idéia de desvantagem em nosso meio.

Correr (2003, p. 18) pode ajudar na explicação para este tipo de atitude dos andantes

em relação ao cadeirante afirmando que “todos devemos ser independentes e produtivos. Os

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ideais de felicidade não combinam com incapacidade e com formas diferentes daquelas que

são ditadas como modelo de se comportar e de viver em sociedade”.

Costa (1999) também afirma que as deficiências ameaçam, desorganizam, mobilizam.

Representam aquilo que foge ao esperado, ao simétrico, ao belo, ao eficiente, ao perfeito. Por

isso provocam reações de estranheza e até mesmo de esquiva por parte dos considerados

normais frente aos deficientes.

Os depoimentos indicaram, então, que a visibilidade da deficiência trazida pela

imagem da cadeira de rodas, remete à dependência, às limitações causadas por uma condição

neurológica que prejudicou a mobilidade do indivíduo.

Constatou-se que as pessoas, não só as andantes, mas também muitos cadeirantes com

os quais lidamos no dia a dia no consultório, não conseguem ver a Cadeira de rodas como

uma aliada, uma ferramenta que proporciona àquele que faz uso dela, a liberdade e a

possibilidade de participar da vida em comunidade. Enxergam essa órtese como uma prisão e,

muitas vezes, usam a expressão “entrevado” referindo-se ao para ou tetraplégico ou a

qualquer outra pessoa que precise, temporária ou permanentemente, dela utilizar-se.

A título de ilustração, palavra “entrevar” tem, na verdade, dois significados: o

primeiro, no sentido de "tolher, impedir movimento", vem de "entravar", que, por sua vez,

vem de "trava", que se originou do Latim TRABS, "viga, trave, tronco". O segundo

significado, no sentido de “escurecer”, vem de "treva", do Latim TENEBRAE, denotando

"escuridão" (LAHIRIHOY et al., 2007).

Parece que, quando as pessoas empregam o termo “entrevado”, referindo-se ao

cadeirante, se apóiam (conscientemente, ou não) muito mais na segunda conotação do termo

do que na primeira, reforçando, assim, a idéia de que o cadeirante é uma pessoa que vive num

mundo sombrio e sem esperanças, sendo, portanto, digno de pena e comiseração. Isso só vem

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a fortalecer o estigma de desafortunado, mal aventurado e infeliz que se tem a respeito das

pessoas deficientes.

Os relatos, porém, não expressaram qualquer dificuldade de inclusão dos cadeirantes

em função da visibilidade de sua deficiência. A percepção dos sujeitos acerca dessa

visibilidade refere-se mais à dificuldade que a conseqüência da paralisia motora acarreta no

dia-a-dia deste cadeirante do que propriamente como fator impeditivo de inclusão e

permanência no contexto ocupacional.

4.3.2 Relacionando-se com a deficiência e não com a Pessoa deficiente – a surpresa

diante do cadeirante no ambiente de trabalho

Na subcategoria anterior, constatou-se que a percepção dos andantes, em relação aos

cadeirantes, está impregnada pela imagem negativa evocada pela cadeira de rodas,

simbolizando a inércia, a improdutividade e a falta de liberdade.

Nesta subcategoria, há uma forma preconceituosa expressada nos discursos dos

trabalhadores andantes que apontam a eficiência e a capacidade de trabalhar dos cadeirantes

como algo que chama a atenção dos primeiros.

Os discursos a seguir ilustram bem esta categoria:

“O que chama a atenção é a disposição que ele tem de trabalhar [...].” (28) “O que mais me chama a atenção é a questão profissional mesmo, a eficiência dela, sabe... nem é cadeira de rodas.” (27) “Olha... o que sobressai é a inteligência dele... ele é capaz de raciocinar [...].” (02) “Chama a atenção o fato de ele estar aqui trabalhando.” (07) “A primeira reação das pessoas é de espanto porque pensa logo assim: - pô, o cara é gerente? Em cadeira de rodas?” (23) “Quando eu fiquei sabendo que ele era o primeiro gerente empresarial eu fiquei assim – Nossa! Como é que pode?!” (21)

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Como pode ser constatado, as falas revelam surpresa e espanto com a presença de um

profissional cadeirante no ambiente ocupacional e, pasmem, com capacidade de raciocínio e

competência.

Tal estranheza pode encontrar várias explicações. Uma delas se apóia no inexpressivo

número de pessoas deficientes no mercado de trabalho. Nossa sociedade não está

familiarizada com pessoas que andam de forma diferente, que enxergam de maneira diferente,

que se comunicam de um jeito não convencional, ou seja, não está acostumada com a

diversidade, com a dissemelhança.

Isso ocorre porque o próprio movimento das pessoas deficientes em nosso país,

diferentemente dos Estados Unidos e Inglaterra, é recente e as ações de inclusão escolar e

mesmo de obtenção do direito à assistência à saúde são conquistas elementares ainda por

fazer.

Mas a conquista de alguns direitos relativos ao trabalho, ainda que tímida, é um dos

sinais de que mudanças começam a ocorrer na sociedade brasileira, principalmente se

considerarmos o grande potencial de inclusão social que o trabalho tem, enquanto fator de

afirmação da criatividade e da capacidade produtiva de todas as pessoas.

Contudo, a concepção da sociedade enquanto um mercado de trabalho acaba por

representar um dos elementos centrais de exclusão social que atinge expressivos segmentos da

sociedade, geralmente com pouca representação política e raras oportunidades de acesso ao

trabalho.

Tal exclusão se expressa em barreiras culturais educacionais, étnicas, econômicas,

arquitetônicas, etc. criando restrições por classe, gênero, raça, religião, ideologia e capacidade

física ou mental (DRACHE, 2002).

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A globalização agravou as condições de acesso ao mercado de trabalho, ao estabelecer

a flexibilidade das relações como regra a ser seguida, tornando-o mais moldável aos interesses

do capital que transita de país a país (BAUMAN, 1999).

Vasconcelos (2005) acrescenta que o surgimento de novas tecnologias provoca o

crescimento de empregos acessíveis apenas aos poucos que conseguem qualificação

específica, o que cria nova área de exclusão.

Bastos (2002) ressalta que o modelo hegemônico preconiza indivíduos competentes e

eficientes, de modo a serem competitivos no mercado e na vida, o que torna bastante limitado

o espaço para as diferenças individuais e faz predominar a intolerância.

É como se a imagem do deficiente destoasse da atmosfera dinâmica e produtiva que

está presente no contexto do mundo do trabalho que exige o máximo de produtividade num

mínimo de tempo.

Além de todo esse panorama extremamente competitivo e agressivo, o que está

acontecendo é que os entrevistados, como a exemplo da maioria da população, estão se

relacionando com a deficiência e não com a pessoa deficiente.

Esta forma equivocada de enxergar as pessoas com limitações, sejam elas quais forem,

interfere, negativamente, na interação social que se queira ter com qualquer indivíduo

portador desta ou daquela deficiência, pois como Glat (2004, p.27) afirma:

O grande drama das pessoas estigmatizadas, que afeta sobremaneira os portadores de deficiências, é que o estigma funciona como um rótulo. Em outras palavras, a partir do momento em que um indivíduo é identificado como anormal ou desviante – por exemplo, homossexual, negro, retardado ou cego – tudo o que ele faz ou é, passa a ser interpretado em função dos atributos estereotipados do estigma.

Desta forma, é fácil compreender a maneira desdenhosa com que a sociedade lida com

as pessoas portadoras de necessidades especiais. A autora acrescenta que isso se dá porque os

indivíduos não se relacionam com as pessoas estigmatizadas em si, mas sim com seu rótulo.

Isso leva a uma relação de distância e despersonalização, prejudicando a interação social.

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Saeta (1999, p. 53), concordando com a autora, afirma que “ao entrarmos em contato

com o diferente, desestabilizamo-nos, e a necessidade de estabelecermos o equilíbrio nos faz

lidar com a pessoa deficiente de maneira a generalizar sua deficiência, ultrapassando os

limites de sua incapacidade específica”. Em outras palavras, a sociedade lança um olhar para

esta população privilegiando a deficiência e desconsiderando a pessoa generalizando, assim,

sua incapacidade.

Usando o cadeirante como exemplo, além de não andar, este indivíduo é percebido

como uma pessoa que não pensa, não tem capacidade de discernimento e de decisão; portanto,

incapaz de viver em comunidade, incapaz de produzir, precisando sempre da tutela de outro

indivíduo que supriria suas necessidades diante da “incompetência e ineficiência”.

Cabe aqui uma breve reflexão sobre as contradições impostas às condições das pessoas

deficientes em nosso país: combate-se com veemência as atitudes e programas paternalistas,

procura-se vender com vigor a idéia de que o deficiente é capaz, produtivo, mas ao mesmo

tempo a Previdência aposenta, por invalidez, uma pessoa que tenha adquirido uma

deficiência.

Um indivíduo que experimenta a condição de deficiente sabe bem o que é sentir o

peso da desvalorização da sociedade. Agregando-se a esse sentimento, recai sobre ele o rótulo

de inválido. Não há auto estima que permaneça elevada.

Quer-se acreditar, de fato, que uma pessoa deficiente é capaz, mas ao mesmo tempo

são necessários instrumentos legais que garantam o direito a estas pessoas para demonstrarem

sua capacidade, seu valor. Ora, isso é, no mínimo, contraditório.

Prosseguindo com a análise, alguns autores como Sassaki (2003), Oliveira et al.

(2004) e Quintão (2005) criticam com veemência algumas expressões que, longe de

contribuírem para a atenuação do estigma desta população, só alimenta atitudes de

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afastamento por parte daqueles que conseguem se enquadrar nos modelos vigentes e aceitos

pelo grupo dominante.

Como exemplo, tem-se a expressão “portador de deficiência”. Ao que parece, esta

expressão é no mínimo contraditória, pois se alguém “porta” alguma coisa, dá a idéia de

posse. Se estivermos falando de pessoas onde alguma função ou parte do corpo não está

presente, encontramos aí um conflito.

Por vezes, também ampliamos o hiato que existe entre os deficientes e demais

membros da sociedade dominante, quando dizemos que alguém é portador de deficiência.

Esta expressão, muito usada na área da saúde, passa a idéia de doença, uma vez que ser

portador remete à idéia de doença contagiosa (tal pessoa é portadora do Mal de chagas... etc) e

isso fortalece a noção de propagação de algum mal na comunidade.

Como esperar que alguém se aproxime de indivíduos portadores desta ou daquela

deficiência, sem se proteger devidamente para que não seja “contaminado” por aquele sujeito

“impuro”? Ou ainda, como esperar que alguém, simplesmente se aproxime?

E, por último, a deficiência não é algo que se porta, assim como portamos nossa

carteira de identidade ou uma bolsa, por exemplo, e que podemos simplesmente descartar,

deixar em cima da mesa.

Como se pode perceber, existem vários fatores que interferem negativamente na

inclusão do indivíduo deficiente na comunidade e, conseqüentemente, no mercado de trabalho

e, também, na sua permanência no contexto ocupacional, dado o olhar de descrédito lançado

por parte dos ditos normais em relação ao seu desempenho.

E assim caminhamos, numa via paralela aos deficientes, com poucos pontos de

interseção. Desta forma, toda a possibilidade de crescimento e de ampliação de visão e

horizontes, que é inerente às situações onde a diversidade e pluralidade são admitidas, acaba

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sendo abortada logo num primeiro momento quando, ao perceber a deficiência, o indivíduo

“normal” se afasta e rechaça o contato com o deficiente.

Esse tipo de comportamento não causa surpresa, uma vez que vivemos em uma

sociedade marcada profundamente pela estética, pela cobrança de produção, pela rapidez,

eficiência e geração de resultados em curtos espaços de tempo. Sociedade essa que tem

dificuldades de comportar pessoas com limitações tão visíveis, como é o caso da deficiência

motora que obriga o indivíduo com dificuldades motoras sérias, ao uso da cadeira de rodas.

4.3.3 A postura positiva dos cadeirantes frente ao desafio de exercer sua cidadania

Esta subcategoria revelou que as características comportamentais apresentadas pelo

cadeirante são aquilo que, na visão do entrevistado, mais chamaria a atenção dos seus colegas

andantes em relação ao colega com deficiência motora, como pode ser percebido nos relatos:

“O que chama a atenção é a força de vontade que eles têm de trabalhar...ele tá sempre superando desafios... parece que ele até procura as coisas mais complicadas pra ele fazer.” (5)

“Ele tem uma gana de viver incrível, ele busca sempre estar inserido nas coisas independente do seu problema. Acho que é isso que chama mais a minha atenção, sabe... eu fico impressionada.” (10) “Ahhhh... é um vitorioso, porque pra fazer o que eles fazem... às vezes a gente acorda... perfeito, com um clima de assim, de desânimo e vê eles, pôxa, acordando animado pra poder “vim” trabalhar. Até dá mais ânimo pra gente continuar aqui. Se ele, que tem uma certa deficiência tá num pique legal, por que nós que somos perfeitos não vamos estar também?” (16)

Os depoimentos apontam o comportamento positivo dos cadeirantes bem como a

superação de obstáculos como sendo os traços que, aos olhos dos entrevistados, mais chama

atenção no ambiente ocupacional.

As falas ressaltaram a força de vontade dos PPDs, a energia com que enfrentam as

adversidades, a disposição e o ânimo para o trabalho. Não fazem alusão direta à cadeira de

rodas; a deficiência fica em segundo plano, sem ocupar lugar de destaque.

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Numa primeira leitura, pode-se imaginar que esta percepção revelada pelos sujeitos,

onde o trabalhador cadeirante é um exemplo a ser imitado, é algo bastante positivo. No

entanto, parafraseando um ditado popular que diz: “uma folha de papel, por mais fina que seja

sempre apresenta dois lados”, estas falas não podem ser analisadas apenas por um aspecto.

É claro que uma atitude positiva diante da vida, dos obstáculos e desafios é uma

característica desejável para qualquer pessoa, independente dela experenciar limitações

sensoriais ou motoras mais severas ou não.

Particularmente, na população deficiente, esse traço ganha mais relevo, pois, como

Goffman (1988) já observou em suas obras, o deficiente para lidar com sua situação de

estigmatizado lança mão de estratégias comportamentais distintas. Uma delas é denominada

“correção indireta”. Segundo o autor (op. cit., p.19):

O indivíduo estigmatizado pode, também, tentar corrigir a sua condição de maneira indireta, dedicando um grande esforço individual ao domínio de áreas de atividades consideradas, geralmente, como fechadas por motivos físicos e circunstanciais à pessoas com o seu defeito. Isso é ilustrado pelo aleijado que aprende ou reaprende a nadar, montar, jogar tênis [...].

Este tipo de comportamento é até esperado, mas nem sempre tem desdobramentos

positivos. Um dos sujeitos entrevistados revelou, por exemplo, que certo dia o colega

cadeirante perdeu a condução que o levaria até o trabalho. Diante disso, ele percorreu, na sua

cadeira de rodas, uma distância incrível de seu domicílio até o trabalho, chegando lá com suas

mãos sangrando. Segundo a interpretação do sujeito entrevistado, ele fez isso para colocar à

prova seus próprios limites e mostrar aos demais que ele é tão capaz quanto os outros.

Tal comportamento também pode ser entendido pelo fato de vivermos numa sociedade

organizada pela ênfase do mercado competitivo e do consumo. A posição ocupada pelos

indivíduos em relação ao processo produtivo determina quase que, sumariamente, todas as

outras dimensões de sua existência – produz para si e o coletivo sua identidade.

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O acesso ao emprego, ao salário é imprescindível porque, ainda que não de direito mas

de fato, constitui-se na chave de acesso aos direitos básicos da cidadania como alimentação,

saúde, moradia, educação, lazer e todo o resto.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de

Deficiência (IBDD, 2004, p. 63), “considerando que ser visto como eficiente é o diferencial

competitivo que pode conduzir a vitórias neste contexto de competitividade, ser deficiente

pode ser a marca indelével da incapacidade e até mesmo da impossibilidade de se enquadrar

aos padrões de desempenho desejados”.

Parece que ao buscar ultrapassar os impedimentos e barreiras do dia-a-dia, seja no

trabalho ou na vida em comunidade, o deficiente busca se aproximar do modelo de

normalidade que lhe é imposto pela maioria dominante para que, assim, a sensação de

exclusão não ganhe terreno.

Por outro lado, antes de louvar cegamente a atitude heróica do cadeirante, há que

pensar no impacto desta atitude e da sua postura nos demais colegas de trabalho e ainda, até

que ponto essa postura de “trabalhador padrão” é desejável e incentivada pelos empregadores.

Vasconcelos (2005) ressalta em seu estudo que a figura do “trabalhador padrão” vem

sendo utilizada, desde a formação do capitalismo, como forma de controle e aumento da

produtividade. Desde a formação do capitalismo são elaborados mecanismos de controle do

trabalhador para materialização da subjugação do trabalho ao capital.

No início do século passado, os mecanismos de controle chegaram ao auge e os

industriais utilizavam todas as formas para exaltar o “bom trabalhador”, aquele que dedicava

todas as suas energias ao trabalho, evitando excessos em relação aos seus afetos e prazeres.

De acordo com Vasconcelos (2005, p. 160), “é interessante observar que se uma

pessoa com deficiência tem boa produtividade no trabalho, termina cumprindo esta função

simbólica do ‘bom trabalhador’”. Tal postura também pode encontrar raízes no fato de que as

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pessoas com deficiência, por terem poucas chances, se apegam ao trabalho com muito mais

abnegação e compromisso.

Os depoimentos enfatizam o bom relacionamento e o bom desempenho que os colegas

deficientes têm no trabalho. Embora considerem a deficiência um “problema”, os andantes

destacam que os colegas cadeirantes são um exemplo para os demais por conta do seu esforço

de superação.

Então, aquele sujeito deficiente, tido pelos colegas como fora da norma, desviante,

assume aqui uma função de modelo – algo a ser seguido e imitado: ele é admirado e sua

postura é desejável pelos demais. Parece ser mais uma contradição.

Fugindo um pouco do eixo desta pesquisa, apesar de não ser objeto deste estudo, a

questão das doenças ocupacionais e os deficientes merece relevo.

Pelo empenho com que estes indivíduos habitualmente desenvolvem seu trabalho e,

considerando que nossa sociedade não está preparada para acolher com adequação e respeito

às diferenças àqueles que apresentam alguma deficiência seja ela motora ou sensorial, o

deficiente pode ter sua incapacidade ou lesão ampliadas, já que dividirão as mesmas

condições e riscos à saúde, inerentes ao ambiente ocupacional, enfrentados pelos demais

trabalhadores.

Isto posto, vem uma indagação: onde está a deficiência? No indivíduo ou na sociedade

que ainda se encontra despreparada para a inclusão? Caberia aos profissionais de saúde,

engajados e preocupados com a saúde do trabalhador, enveredar por este caminho ainda tão

pouco explorado.

Se a proposta de inclusão ganhar mais força, como realmente se deseja, muitos

problemas na esfera das doenças ocupacionais aparecerão, uma vez que haverá um

incremento do número de deficientes no mercado de trabalho.

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Há que se pensar que a incorporação de pessoas com deficiência no trabalho exige um

conjunto de medidas que freqüentemente não são adotadas. Por isso, o que deveria ser fonte

de sentimento de pertença ao grupo, de inclusão, resultando na elevação da auto-estima, pode

resultar em sofrimento.

Voltando à análise, há que se reconhecer o empenho dos deficientes em superar com

êxito os desafios em exercer seu papel de cidadão na sociedade.

Todavia, devemos observar com cautela este tipo de hiper-valorização do desempenho

profissional pelo deficiente, não só porque pode ser uma estratégia do empregador para

controlar os demais membros da equipe de trabalho, mas também porque esta dedicação sem

medida pode expor, além dos limites aceitáveis, este deficiente aos riscos ocupacionais num

ambiente que, na maioria das vezes, não está adaptado nem fisicamente, nem em seu processo

de trabalho, para receber um trabalhador deficiente. Isso porque o que se vê no contexto

ocupacional é um tratamento de igualdade aos desiguais.

Oliveira e Campos (2005) observam que o conceito de que os desiguais devem ser

tratados desigualmente, essencial no princípio da igualdade, é de difícil assimilação no

cotidiano. Ou seja, tratá-los da mesma forma e impor-lhes as mesmas exigências a que estão

submetidos o grupo maior, seria negar sua condição de singularidade, sua deficiência que

merece ser tratada de maneira diferente, uma vez que eles têm necessidades diferentes.

Isso, dentro do contexto ocupacional, pode gerar conflitos, uma vez que tal

reconhecimento das diferenças e adaptação do processo de trabalho para garantir o acesso e

permanência do deficiente no mercado pode ser confundido com medidas de proteção ao

deficiente que se beneficiaria da sua condição para ganhos na profissão ou para vantagens.

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4.4 O Trabalho do Cadeirante sob a Ótica dos Trabalhadores Andantes

Esta categoria, assim como as antecedentes, mereceu desdobramentos para melhor se

proceder à sua análise.

Temos, desta forma, as seguintes subcategorias:

4.4.1- Eficiência versus deficiência: o reconhecimento do trabalho do cadeirante;

4.4.2 - A importância da formação do deficiente no resultado do seu trabalho.

Antes de enveredar na análise propriamente dita desta categoria que emergiu da

entrevista quando foi solicitado para que o respondente falasse sobre a qualidade do trabalho

que seu colega cadeirante realiza, cabe pontuar brevemente o conceito de trabalho trazido

por Albornoz (2004).

Segundo essa autora, a palavra trabalho assume muitos significados na linguagem

cotidiana. Pode vir carregada de emoção, dor, fadiga ou designando a operação humana de

transformação da matéria natural em objeto de cultura.

Em português, como em quase todas as línguas da cultura européia, a palavra trabalho

assume várias significações dependendo da área e do assunto onde se pretende abordá-lo. No

entanto, interessa particularmente expandir sua conceituação (entendimento) para a questão da

relevância do trabalho como ferramenta de sobrevivência, como forma de mostrar e legitimar

a posição do indivíduo dentro do contexto social.

Conforme Albornoz (2004, p.64),

um homem só satisfaz seu desejo, suas carências humanas, quando outro homem, seu igual, lhe reconhece o seu valor humano. O homem só pode manter-se humano na relação com outros homens. A essência humana não pode manifestar-se no indivíduo isolado. O indivíduo só é propriamente indivíduo e indivíduo humano, quando em comunidade. E quando faz uso do instrumento, o trabalho que desenvolve e o que produz, lhe geram um reconhecimento de outrem como indivíduo humano.

Quer-se, portanto, salientar a relevância que o trabalho assume na vida de qualquer ser

humano e ainda mostrar que a percepção do outro em relação ao produto do seu esforço é

fundamental para que qualquer indivíduo se sinta acolhido, incluso no meio social onde vive.

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Feito este intróito, iniciemos a análise das subcategorias.

4.4.1 Eficiência versus deficiência: o reconhecimento do trabalho do cadeirante

Identificou-se, através de alguns relatos, que o trabalho do colega cadeirante aos olhos

dos andantes pode ser traduzido como deficiente eficiente.

Aqui, os relatos mostraram aspectos positivos e outros nem tanto sobre esta questão.

Como aspectos positivos, destaca-se: o reconhecimento do trabalho desempenhado pelo

cadeirante; o fato de a deficiência não ocupar a tônica no processo de trabalho nem nas

relações de trabalho; e o acolhimento das diferenças por parte dos trabalhadores andantes

como características do ser humano, que é singular por natureza.

Já com relação aos aspectos negativos, destacam-se: a interferência contraproducente

no processo de trabalho pelo desempenho do cadeirante; a visão preconceituosa sobre o

trabalho desempenhado pelo deficiente, que subestima sua capacidade produtiva; e ainda a

idéia pouco esclarecida de que para haver inclusão social com justiça, há que se tratar os

deficientes como os demais.

Com relação ao reconhecimento da capacidade criativa e produtiva dos deficientes, a

maioria dos depoimentos foi enfática ao afirmar que o processo de trabalho não se alterou

com a chegada do cadeirante no ambiente ocupacional. Além disso, afirmaram que a relação

de trabalho entre os colegas andantes e cadeirantes foi construída com respeito e se dá em

bases iguais.

E ainda que a deficiência do colega, apesar de ser fator limitante para a realização de

algumas atividades, não se configura em obstáculo para que o cadeirante assuma seu lugar

como trabalhador, nem como entrave nas relações sociais. Pelo observado, a deficiência

motora não reflete negativamente na qualidade do seu trabalho, conforme se constata nestas

falas:

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“O trabalho dele é excelente, é só ver pelos prêmios que ele ganhou... é muito competente.” (23) “O trabalho dela eu classificaria como ótimo [...] eu vejo ela debatendo com os colegas advogados aqui de igual para igual.” (15) “[...]. Ele faz o que eu faço, lógico com algumas limitações né? Não tem como subir numa escada nem como pegar uma coisa num lugar muito alto... tem as limitações que todo deficiente tem... aliás, quem não tem limitações?” (26) “O trabalho dele não é afetado, não... ele faz as coisas normalmente, Na minha percepção, ele é mais um daqui do meio.” (7)

“O trabalho dele é muito bom. Ele é bem entrosado com toda a equipe da agência. É normal...trabalho normal [...].” ( 23)

Os depoimentos reconhecem que existe uma deficiência, mas que esta não chega a

prejudicar a consecução do processo de trabalho. Os sujeitos entrevistados reconhecem e

respeitam a diferença, a singularidade e foram uníssonos na questão da qualidade do trabalho

desenvolvido pelo cadeirante.

Este reconhecimento, que advém do mérito e não da compaixão, só vem a acrescentar

positivamente na relação entre os colegas e fortalece a auto-estima do trabalhador deficiente.

Estar no mercado de trabalho implica, para qualquer indivíduo, na sensação de pertencer ao

grupo, de ser produtivo, de participar ativamente da vida em sociedade.

Correr (2003, p.41), citando o resultado de uma pesquisa que investigou a qualidade

de vida de indivíduos portadores de severos distúrbios mentais, também colabora para ilustrar

esta questão:

[...] sujeitos apoiados e incluídos em ambiente de trabalho, apresentaram uma melhora considerável na qualidade de vida e, conseqüentemente, uma melhora perceptível no desenvolvimento pessoal, constatado a partir do aumento das relações sociais, das amizades, das chances de se manter no emprego, em comparação com indivíduos que não estavam colocados no mercado de trabalho.

Cabe ressaltar que a questão do reconhecimento do trabalho realizado é imprescindível

para qualquer ser humano (ALBORNOZ, 2004), seja ele deficiente ou não.

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Aliás, alguns deficientes se queixam da forma como as pessoas se reportam ao

trabalho por eles realizado. Eles dizem se sentir como um animal de circo que consegue

realizar uma proeza, quase uma mágica.

Oliveira e Campos (2005) traduzem bem este ponto ao se reportar àqueles indivíduos

que buscam na arte, a superação da deficiência. Segundo este autor, o reconhecimento da arte

produzida pelo deficiente é marcado por um paradoxo. Ainda que ele queira que seu trabalho

seja reconhecido como arte, sem levar em conta sua deficiência, a sociedade, quando valoriza

determinado produto artístico, muitas vezes, o faz precisamente por ser feito por uma pessoa

de quem não se esperava produção alguma.

Os autores ressaltam ainda que (op cit, p.89) “a exaltação exagerada do deficiente em

nada o auxilia. Ao contrário, costuma prejudicá-lo [...]”.

Tais comportamentos equivocados, carregados de preconceito são produto do

isolamento social que resulta na invisibilidade da população deficiente. Desta forma, a

população em geral, privada deste contato, não tem como conhecer as possibilidades que

advém do relacionamento com qualquer pessoa deficiente.

A inserção destes indivíduos no mercado de trabalho, além de proporcionar a

autonomia e dignidade existencial próprias do cidadão, vem quebrar essa cerca que isola os

deficientes do restante do grupo social.

Ainda sobre a subcategoria deficiente eficiente, será abordado o primeiro aspecto

negativo percebido nos discursos.

Foram detectados em outras falas, elementos que se contrapõem aos relatos anteriores

e que revelam que nem sempre a visão acolhedora e de solidariedade, por parte dos indivíduos

andantes, em relação ao trabalho do indivíduo deficiente é a tônica no dia-a-dia dos

cadeirantes como se pode constatar a seguir.

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De acordo com os depoimentos, os trabalhadores andantes consideram que o processo

de trabalho sofre algum tipo de prejuízo em função do ritmo do colega cadeirante.

“[...] ele tem o ritmo dele né... mais devagar e tal, mas o que ele faz não tem reclamação não... as pernas dele são aquelas rodas... ele é um andante.” (18) “Tem coisas que a gente fica dependente dele pra dar continuidade, aí, sabe como é... atrasa um pouco, mas a gente resolve e fica tudo bem.” (16) “É... a gente sabe que o trabalho que ela faz é muito bom. Só há um pouco de morosidade por causa dos dedinhos dela que são meio tortinhos... aí pra digitar os processos ela é meio lenta, sabe. Tem que ter paciência.” (23)

Como já amplamente discutido desde o início deste capítulo, vivemos numa sociedade

do consumo exagerado, da produção de resultados e do lucro. Morosidade e sociedade

contemporânea são palavras que não encontram mais ponto de intersecção. Talvez, por isso,

ainda encontremos tanta resistência à contratação de indivíduos deficientes para o mercado de

trabalho.

Pelas décadas de segregação e isolamento social, é compreensível que paire no senso

comum a idéia (obtusa) de que os indivíduos deficientes são criaturas inválidas, incapazes de

tomar decisões e de dirigir suas próprias vidas.

Guardando os casos de deficiências mentais mais profundas e graves, onde a pessoa é

integralmente dependente de outra para o desempenho das atividades mais simples e

corriqueiras, como higiene pessoal, vestir-se, alimentar-se, os indivíduos deficientes são

produtivos, inteligentes e, acima de tudo, são pessoas que merecem ser tratadas com

dignidade.

Para d’Amaral (in IBDD, 2004. p. 33),

[...] a comunicação é a base da consciência da sociedade, base para a prática da democracia. Onde há ausência de comunicação entre indivíduos, segmentos, hierarquias, grupos, assuntos, não há desenvolvimento das trocas sociais, não há reivindicações, intercâmbio e integração, não acontece a cidadania.

Pela lacuna que sempre houve na relação entre os deficientes e os demais membros da

sociedade, é que continuamos a viver num mar de preconceitos que os distanciam da inclusão

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social. Parece, então, que o prisma pelo qual perpassa a questão do trabalhador deficiente no

contexto ocupacional para alguns sujeitos entrevistados é o da tolerância e não o da

compreensão.

Quando dizemos que toleramos alguma situação ou alguém, estamos implicitamente

afirmando que a outra pessoa ou situação nos ofendeu ou nos causou algum prejuízo, uma vez

que tolerar, do Latim Tolerare, significa deixar passar, desculpar, suportar, agüentar, ser

indulgente (LAHIRIHOY et al., 2007). Tal atitude remete imediatamente a idéia de que

aqueles que toleram são, ou estão numa condição de superioridade em relação aos tolerados.

No caso de nossos depoentes, os relatos indicam uma posição preconceituosa para

com os colegas cadeirantes.

Não se pode conceber a inclusão social sem que haja respeito e acolhimento às

diferenças. Contudo, sabe-se que não se pode obrigar o indivíduo a acolher, gostar de um

deficiente através de medidas jurídicas. Uma sociedade só conquistará tal avanço se

compreender que é na diversidade e pluralidade que crescemos. E isso leva tempo.

Prosseguindo a análise, os seguintes relatos mostram o segundo aspecto estigmatizante

ao afirmarem que o trabalho desempenhado pelos cadeirantes supera a expectativa dos

colegas andantes.

“Ah, muito legal. Ele até adianta a gente ás vezes. É um bom trabalho, igual ao de todos nós.” (1) “Nota 10!!!! Eu não sabia que uma pessoa deficiente podia ser capaz de tanta coisa.” (2) “Em termos de qualidade, eu avalio o trabalho dele como um dos melhores que tem aqui. É o seguinte, hoje mesmo eu falei que se tivesse “dois Mários” neste posto, este posto vendia até mais. O Mário inclusive ganhou um prêmio de melhor atendimento. Então o trabalho que ele faz é perfeito. Queria mais um igual a ele pra trabalhar comigo aqui.” (4) “Um trabalho bacana, um trabalho competente, bem legal. Ele colabora... o que a gente pedir pra ele, ele colabora, ajuda e tal... nunca atrapalhou não.” (6)

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Chama a atenção que estes relatos parecem assumir, sem perceber, um olhar

estigmatizante em relação ao paraplégico, como mais este:

“O trabalho dele me ajuda muito. Quando eu solicito a ajuda do André pra alguma coisa ele pode até demorar, coisa e tal, mas eu não reclamo disso. Trabalhar com ele não me prejudica em nada.” (10)

Quando este sujeito fala que o trabalho do cadeirante pode até admitir alguma demora,

que não prejudica a produção do trabalhador andante, ou ainda quando o andante afirma que o

trabalho do cadeirante pode ser comparado ao de um trabalhador “normal”, pode-se fazer uma

leitura de que a “regra” seria esperar um desempenho profissional do deficiente cadeirante

aquém daquilo que normalmente se esperaria de outros trabalhadores sem deficiência motora.

Para Marques (1998, p.4), esta regra parece verdadeira, pois “[...] é forte a concepção

de que o deficiente não pode desempenhar, com sucesso, as atividades profissionais

desempenhadas pelas pessoas normais, e de que a oportunidade de trabalho dada a ele

representa sempre uma caridade por parte do empregador”. Mais uma vez fica patente a

noção de que a sociedade, em geral, se relaciona com o rótulo e não com a pessoa.

Como vivemos numa civilização, cujo fundamento é a eficácia, a capacidade de

produzir efeitos assume lugar de destaque; tudo então é medido em função dessa capacidade.

A natureza humana e a singularidade se diluem e não têm, a rigor, valor algum. O que

vale é uma medida externa que mostra a quantidade de efeitos que uma pessoa, ou uma

instituição é capaz de produzir. Caso ela não consiga produzir tais efeitos esperados que estão

na média, ela é chamada de deficiente, já que vivemos na era da eficiência, que é a civilização

industrial.

De acordo com d´Amaral (in IBDD, 2004, p. 14, 15), esse sentido negativo e

freqüentemente pejorativo da palavra “deficiente” existe há aproximadamente trezentos anos.

O prefixo “de” tem uma acepção inteiramente negativa e exemplifica:

[...] derrota - perda do caminho, perda da rota; deportado - ter sido mandado embora do porto; desestruturado - não estruturado; deficiente - não eficiente. O prefixo “de” nesse caso, tem o sentido de “não”, portanto uma negação da própria

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essência da pessoa como pessoa, porque ela está sendo avaliada por algo que não é pessoal, que pertence a uma média que tem a ver com a produção de efeitos.

Interessante notar que a história nem sempre se reportou aos deficientes em tom

depreciativo. Segundo esta autora, os pais fundadores da nossa cultura atual, tanto do lado

grego como do lado judaico cristão, são deficientes. Continua ela, lembrando que o fundador

da cultura grega para nós é Homero. Homero era cego e, no entanto, ninguém pensa em se

referir a ele como “Homero, o ceguinho”.

Por vezes, fazemos isso ao nos referirmos ao ceguinho da nossa comunidade que pode

ter habilidades incríveis, mas notemos bem, nos referimos a ele pela sua marca, pelo rótulo,

não pelas suas virtudes.

Homero era um grande poeta, o maior poeta de todos os tempos assim se diz, mas o

fato de ser cego não é significativo. Era um fato e pronto.

Na tragédia de Édipo, há uma personagem que é um adivinho sábio: Tirésias, também

cego. E o que quer dizer a palavra adivinhar? Vem do Latim divinare.

O adivinho é aquele que tem dom divino de se pôr próximo do divino e, portanto, de

saber o que os humanos comuns não sabem. É a deficiência de Tirésias que o faz ser esta

pessoa marcada positivamente e não a pessoa excluída que hoje seria.

Pelo lado judaico, temos a Bíblia com a narrativa de Jacó que era coxo. Este último foi

fundador da tradição ocidental assim como Homero foi da tradição grega e que, juntos,

formaram nossa civilização.

Estes dois deficientes são os pais-fundadores da cultura que hoje, trata o deficiente

como alguém menos humano, nem por isso mais divino, alguém a ser excluído a ser mantido

à margem da sociedade, sem cidadania, uma vez que a diferença é vista como sinal negativo e

não afirmativo.

Retornando à análise, pode-se inferir que, apesar de os depoimentos que revelaram um

traço estigmatizante terem sido menores numericamente falando, há que se pensar na

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propagação destas idéias enviesadas reveladas e no desdobramento negativo destas falas nos

grupos onde estão inseridos, perpetuando as lendas e conduzindo a erros de julgamento sobre

a população deficiente.

Desta forma, toda discussão que se faça sobre o tema é válida, no sentido do

esclarecimento e da desconstrução de mitos e preconceitos que rondam o mundo da pessoa

deficiente.

Destacando o terceiro aspecto pouco positivo encontrado nas falas, tem-se a questão

do tratamento igualitário dos deficientes para a inclusão social.

Os depoimentos, indiretamente, apontam para o fato de que os colegas cadeirantes

estão incorporados no contexto ocupacional, porque são tratados como iguais.

“[...] A qualidade, a presteza, tá tudo no mesmo nível dos outros aqui. E o deficiente aqui é tratado como uma pessoa igual às outras.” (12) “Ninguém é poupado do trabalho, entendeu, não há sobrecarga pra ninguém, mas também ninguém passa a mão na cabeça. Eu costumo dizer aqui que a injustiça é para todos (risos).” (14) “[...] o trabalho é igual pra todo mundo, não tem diferenciação.” (7)

A Constituição Federal de 1988, em art. 5º, é clara:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, 2002, p. 15).

Assim, pode-se perceber a preocupação legislativa em dirimir as espécies de

discriminação, seja ela qual for a natureza. Todavia, uma leitura menos comprometida pode

nos fazer acreditar, ao interpretar literalmente esta norma, que devemos tratar igualmente a

todos.

Aristóteles (384–322 a.C.) filósofo grego, citado por Lofy (2005) em sua mais

importante obra sobre a Ética, já afirmava que se as pessoas não são iguais, não receberão

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coisas iguais. Tal filósofo nada mais quer dizer que devemos tratar os desiguais de forma

diferenciada para que possamos, enfim, alcançar a almejada isonomia.

Da mesma forma, disse Rui Barbosa em seu discurso Oração aos Moços, quando

paraninfo da Faculdade de Direito de São Paulo, em 1920:

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. (BARBOSA, 2003, p.19)

Assim, entende-se que o Princípio de Igualdade, mais que uma expressão do Direito, é

uma maneira digna de se viver em sociedade, onde visa num primeiro momento “propiciar

garantia individual” e num segundo “tolher favoritismos” (MELLO, 1984, p.23).

O que se quer chamar a atenção aqui é sobre as condições de acessibilidade, emprego,

e garantia de direitos que nossa sociedade oferece à população deficiente, uma vez que os

relatos apontam para uma cobrança desta última, em pé de igualdade, da mesma produção a

que está sujeita aquela parcela de empregados sem deficiência motora ou qualquer outra

condição de desvantagem.

O que se tem é uma população deficiente que vive numa sociedade incapacitante.

Desta forma, nada mais justo do que se adequar os meios necessários para que esta população

se empregue e trabalhe, fazendo parte da parcela economicamente produtiva da sociedade.

Não foi objeto deste estudo investigar as condições de trabalho a que está exposta a

pessoa deficiente - acessibilidade, doenças ocupacionais, etc. No entanto, as falas nos

remetem a esta reflexão.

Quais sacrifícios um indivíduo em cadeira de rodas deve ter que se submeter para

chegar pontualmente no trabalho se não existem ônibus ou outros meios alternativos de

transporte adaptados em nossa cidade em quantidade e rotas suficientes para atender à

demanda de quem precisa deles?

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Como esperar que desenvolvam seu trabalho com tranqüilidade e qualidade se no

ambiente onde trabalham não há adaptação em banheiros, acessos aos elevadores, restaurantes

ou refeitórios adaptados às necessidades deles?

Nem mesmo as estações de trabalho são ergonomicamente projetadas pensando no

conforto de qualquer pessoa que lá venha a trabalhar, independente de ser deficiente ou não.

Desta forma, é premente esclarecer à sociedade em geral que, ser justo com a

população deficiente, ou fazê-los sentir mais inseridos na sociedade não é submetê-los às

mesmas condições que a maioria dominante. São pessoas com características diferentes e

necessidades singulares.

Para incluí-los, de acordo com o novo paradigma, é necessário inspirar a sociedade

para fazer modificações estruturais e conjunturais nos seus sistemas gerais ou comuns a fim

de que qualquer pessoa, tenha ela deficiência ou não, possa exercer seus direitos e deveres

dentro da comunidade.

Assim, cada vez mais, a comunidade tornar-se-ia acessível, sem barreiras atitudinais,

arquitetônicas, comunicacionais, metodológicas, instrumentais ou programáticas (BAHIA,

2006).

Construir uma sociedade inclusiva não significa negar as desigualdades, nem imaginar

ingenuamente uma sociedade harmoniosa. Inclusão não significa homogeneização da

sociedade. A igualdade total se torna insuportável e alienante por negar as diferenças

constitutivas do sujeito e o convívio social só é possível pela aceitação e respeito à diferença.

4.4.2 A importância da formação do deficiente no resultado do seu trabalho

Esta subcategoria surgiu diante de relatos que mostraram haver uma relação direta do preparo

do cadeirante e seu desempenho profissional não só sob o aspecto técnico, mas também como

reflexo de um tratamento de reabilitação e do suporte familiar.

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“Ele sofreu o acidente com 12 anos, por bala perdida no estádio e ele já me disse que a família dele foi super presente na época. Isso fortaleceu ele, sabe, pra enfrentar o mundo cá fora.[...] Hoje ele é o melhor gerente empresarial dos escritórios do Rio de Janeiro.” (21) “Ela tem uma cultura jurídica muito boa, ela faz pós graduação inclusive. Mas isso foi porque a família dela nunca fez da deficiência dela um problema. Ela sempre foi estimulada a estudar[...].” (23) “Ele tem um enorme conhecimento na área que ele trabalha. Tá sempre se atualizando. [...]. Acho que essa forma descolada dele atuar aqui com a gente é porque ele fez um tratamento de reabilitação muito bom, de qualidade. Então ele não sente dificuldade, ele foi preparado pra brigar como qualquer pessoa pelo seu lugar ao sol.” (10)

A presença da família e o tratamento de reabilitação são apontados nas falas como

fatores que instrumentalizaram seus colegas deficientes para o mercado de trabalho.

Alves (2003) comenta sobre este ponto afirmando que tanto a família quanto o

profissional de reabilitação devem andar juntos, no sentido de somar esforços para o bem

comum da pessoa com deficiência. Segundo a autora (op. cit., p. 28),

é de fundamental importância o trabalho conjunto entre a família e profissionais da área da reabilitação e também haverá sempre a necessidade que essa família esteja presente em todos os momentos. A presença dela ajudará muito na progressão, pois muitas vezes a família é o gancho que o profissional precisa para começar e poder terminar.

Sobre isso, Vash (1988, p. 66) assinala: “o empreendimento da reabilitação pode ser

facilitado ou dificultado pelas atitudes ou comportamentos da família dentro da qual vive a

pessoa deficiente. [...] A família não somente afeta o empreendimento reabilitação, como

também é parte integral dele”.

Marques (1998) comenta que a existência de um elevado número de pessoas com

deficiência nos remete ao mundo da socialização, pautada pela tradição cultural da ovação ao

belo, onde o corpo submete-se às repressões preconceituosas das normas sociais, mundo esse

que se apóia na falsa crença de que uma nação representada por corpos saudáveis, atléticos, é

de fato uma nação desenvolvida.

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Diante dessa cobrança absurda da sociedade, a autora afirma que interagir com o meio

social requer do ser com deficiência uma reação de ajustamento à perda, às barreiras

atitudinais e físicas com que se depara no cotidiano.

E, reforçando a importância do papel da família no processo de socialização do

indivíduo que o fortalecerá para a vida, a autora assinala que o desenvolvimento histórico e

social do homem se processa em duas etapas básicas: a socialização primária e a secundária.

A primária se realiza no seio da família, através da transmissão de um código, de uma linguagem de papéis culturalmente elaborados. [...] Já a socialização secundária corresponde à habilitação em funções específicas, direta ou indiretamente relacionadas com a utilização do conhecimento no campo institucional, de conformidade com as exigências da divisão social do trabalho. (Op. cit., p. 22)

Se o papel da família na vida de um indivíduo deficiente é fundamental para que este

transcenda suas perdas, do mesmo modo, a equipe que responderá pela sua reabilitação

também o é.

Não há dúvida que todo indivíduo que tenha nascido ou adquirido uma deficiência,

qualquer que seja ela, deverá ser avaliado e acompanhado por uma equipe de reabilitação.

O eixo principal do tratamento reabilitacional não é identificar as perdas que a lesão

impôs ao sujeito, mas mensurar a capacidade funcional presente para que, a partir daí, seja

traçado um plano coerente com sua real capacidade.

Quando um empregado sofre um acidente ou passa por uma condição que dela resulta

uma incapacidade temporária ou permanente, este deve ser seguido de perto pelos

profissionais da área de saúde ocupacional onde trabalha, que podem orientá-lo durante seu

tratamento de reabilitação até seu retorno às atividades laborais, se assim sua condição o

permitir. Mas, para tanto, é fundamental que a equipe de saúde ocupacional conheça e tenha

em mente os ganhos que advém da reabilitação como um tratamento multiprofissional.

Caso contrário, corre-se o risco de reduzir o acompanhamento deste empregado apenas

a medidas fisioterápicas que, isoladas de todo o restante das contribuições das medidas

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terapêuticas dos demais profissionais, não produzirão nem extrairão o máximo de

possibilidades do deficiente.

Para Lianza (2001), o acompanhamento precoce e contínuo pela equipe de reabilitação

da pessoa com deficiência ou qualquer lesão incapacitante oferece mais chances de retorno

breve à vida em comunidade.

Lamentavelmente, ainda há profissionais da área da saúde que atuam em setores de

atendimento pré ou trans-hospitalar que ignoram que uma terapêutica mal conduzida e

incompleta, durante sua internação, vai refletir negativamente na reintegração do indivíduo na

sociedade.

Das omissões e enganos no tratamento hospitalar resultam lesões dolorosas, extensas,

de difícil regeneração que só vem a adiar o retorno do indivíduo ao contexto ocupacional,

como é o caso das úlceras por pressão, muito comuns em indivíduos paraplégicos.

No caso do cadeirante, pela própria condição de imobilidade dos membros inferiores,

este precisa ficar sentado durante longos períodos de tempo, principalmente se permanecer

fora de casa trabalhando.

Caso haja alguma ferida na região sacra, por exemplo, a permanência na posição

sentada, só agravaria o ferimento.

Por este breve exemplo, pode-se mensurar a dimensão da importância do tratamento

de reabilitação e do acompanhamento deste empregado pela equipe de saúde ocupacional

onde trabalha para que retorne o mais breve possível à sua ocupação ou que, caso necessário,

seja readaptado a uma nova função onde suas capacidades residuais possam ser aproveitadas.

Mudando um pouco o eixo da análise, cabe fazer uma ressalva sobre a questão da

capacitação profissional do indivíduo deficiente.

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No Brasil, com o Governo Getúlio Vargas (1930/1945) começou-se a pensar numa

participação mais efetiva das pessoas com deficiência na sociedade, no que tange à educação,

reabilitação, profissionalização e inserção no mercado de trabalho (BAHIA, 2006).

De lá para cá, o aumento do número de pessoas deficientes na nossa sociedade,

principalmente pela violência urbana, cresceu e é diretamente proporcional à necessidade de

capacitação dos que pleiteiam uma vaga no mercado de trabalho, que é inversamente

proporcional ao número de vagas oferecidas por este último.

Segundo dados do IBGE (2000), a deficiência acompanha os números que expressam

a pobreza em nosso país. Em outras palavras, há um quantitativo considerável de deficientes,

em situação de pobreza e desempregados. Como querer vislumbrar a inclusão social desta

parcela da população?

Isso somente se daria se houvesse, de fato, um esforço conjunto e constante por parte

dos governantes e da sociedade para modificar e/ou adaptar-se às necessidades da população

deficiente e não imputar aos deficientes a culpa pela sua incapacidade.

Há uma grande preocupação, pelo menos na lei, em garantir a acessibilidade aos

deficientes em locais públicos como cinema, teatro, prédios, metrô, ônibus, passeio público,

mas, curioso, quase não se ouve falar em garantir essa mesma acessibilidade nas escolas.

Como esperar, então, que um indivíduo se capacite adequadamente e brigue por uma

vaga no mercado de trabalho, se lhe é privado o direito de freqüentar mesmo o ensino

fundamental, visto que as escolas não têm, além de acessibilidade arquitetônica, professores

preparados para lidar com a diferença, salvo algumas raras exceções?

A culpa então pela condição de desempregado recai sobre a desqualificação do

trabalhador como se esse fosse o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso. É a ótica do

individualismo. Com o crescimento do desemprego, aumentam as novas formas de

contratação, como vem ocorrendo no caso da terceirização. Muitos profissionais prestam

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serviços para outras empresas, através de “terceiras”, com salários abaixo do piso do mercado

e com outros benefícios reduzidos.

Mais uma vez o conceito de inclusão social se fragiliza, pois não se vê um esforço em

massa por parte dos governantes e da sociedade em se adaptar às necessidades dos deficientes.

4.5 Trabalhadores Cadeirantes e Trabalhadores Andantes: comportamento

preconceituoso no ambiente de trabalho?

Esta categoria resultou dos depoimentos dados à questão da entrevista que buscou

saber se há preconceito por parte dos trabalhadores em relação ao colega cadeirante.

Os relatos deram origem a duas subcategorias, a saber:

4.5.1 - Da integração à inclusão social: o comportamento do trabalhador cadeirante e dos

colegas no contexto ocupacional

4.5.2 - A expressão do preconceito no ambiente de trabalho:

4.5.2.1 A forma velada

4.5.2.2 A forma explícita

• o preconceito relacionado à competência e produtividade do deficiente;

• a deficiência como fonte de contaminação.

Tratar-se-á da análise de cada uma delas a partir de agora.

4.5.1 Da integração à inclusão social: o comportamento do trabalhador cadeirante e dos

colegas no contexto ocupacional

Os relatos apontaram para o comportamento positivo do cadeirante frente à sua

condição de deficiente como sendo o elemento fundamental para diluir qualquer eventual

situação de “mal-estar” ou de desconforto provocados pela presença de um indivíduo

cadeirante no ambiente de trabalho e também para dirimir qualquer dúvida sobre sua

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capacidade laboral, não dando margem, portanto, ao preconceito.

De acordo com as falas, a postura destes não abre espaço para que os demais colegas

andantes sintam algo diferente de admiração e consideração pelo colega cadeirante.

“Não... nunca vi... não considero que haja preconceito aqui, muito pelo contrário... agora eu vejo que essa atuação dos colegas... essa atuação nossa é muito o reflexo das atitudes dela que se mete em tudo, participa de tudo, organiza as festas, eventos, participou da CIPA. Ela é muito dinâmica apesar da cadeira de rodas. Ninguém consegue ver ela como coitada. É mais uma funcionária daqui e muito querida.” (14) “[...] e ele trabalha muito bem, é um cara sério, responsável... a atitude dele também influencia a forma como as pessoas vão encarar ele, certo? [...] Ele mostra que não é uma cadeira de rodas que vai encerrar a vida dele.” (26) “Olha, eu acho que tudo tem a ver com a forma como ele reage com a gente. Pra começar, ele não se coloca na posição de coitado. Ele vem trabalhar normalmente, brinca com todo mundo, se aborrece igual a gente, reclama também[...]acho que se alguém chegou a olhar pra ele com preconceito, achando que ele não dava conta do recado, caiu do cavalo.” (18) “Não vejo preconceito não. [...] Ele é um cara muito legal. Muito alegre. Quando tem alguma festinha, o pessoal se organiza pra levar ele e depois deixar ele em casa, sabe.” (8)

Os discursos ilustram o comportamento do colega cadeirante como positivo,

integrado, dinâmico, participativo e competente naquilo que lhe é designado a cumprir no

trabalho. Tal postura só acrescenta valores afirmativos aos olhos dos outros trabalhadores

que, pelo isolamento social que foi imposto aos deficientes e pelas idéias preconceituosas que

rondam seu mundo, poderiam duvidar da competência destes últimos.

Todavia, sabe-se que esta abertura e receptividade por parte daqueles sem deficiência

para com os deficientes é algo recente, historicamente falando, e também pouco freqüente.

Pode-se afirmar que este tipo de comportamento seja um reflexo do movimento de inclusão

social que vivemos nos dias atuais e que vem, ainda que timidamente, ganhando força.

Cabe fazer, aqui, um breve resgate da evolução de alguns conceitos até chegarmos na

inclusão social para melhor compreensão das falas.

Correr (2003), refletindo sobre este tópico, afirma que o surgimento oficial dos

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primeiros indícios do movimento pela integração das pessoas deficientes ocorreu na Europa,

como conseqüência de três fatores: as duas grandes guerras, o fortalecimento do movimento

pelos Direitos Humanos e o avanço científico.

Em relação às duas guerras mundiais, Santos (1995, p.22) discorre:

[...] pode-se relacionar o retorno e aumento de indivíduos fisicamente debilitados ou deficientes e as lacunas deixadas pelo grande número de pessoas mortas. Estes dois fatores, promoveram o aparecimento de programas de educação e treinamento específico que visavam, ao mesmo tempo que reintegrar tais indivíduos na sociedade, preencher as lacunas da força de trabalho européia, originadas pelas duas Guerras.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das

Nações Unidas (ONU) em 1948 foi um marco no que se refere à integração do indivíduo

deficiente na sociedade, pois, se no período pós-guerra isso acontecia em função do

preenchimento de lacunas deixadas pelas baixas ou por aqueles que ficaram fisicamente

debilitados, não podendo contribuir como força de trabalho, agora essa integração acontece

com base nos seus direitos enquanto seres humanos (WIKIPEDIA, 2007).

A título de ilustração, tal declaração afirma, em seu artigo 1º, que todos os seres

humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, dotados que são de razão e

consciência, devem comportar-se fraternalmente uns com os outros (Op. Cit).

E o avanço científico, terceiro fator, citado por Santos (1995), que permitiu o

desenvolvimento de pesquisas nas áreas sociológica, médica, educacional e psicológica,

ressaltou o fato de que a excepcionalidade não necessariamente deveria implicar em

incapacidade.

Estes três fatores foram importantes para que se iniciasse uma longa discussão acerca

da inclusão dos indivíduos deficientes na sociedade.

Continuando com a linha histórica, a década de 70 teve como característica a

elaboração de novas propostas de ação junto às pessoas deficientes, período esse que ficou

conhecido como “Paradigma de Serviço” que colocou em ação alguns princípios de

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integração social e normalização das pessoas com deficiência. O movimento de normalização

buscava introduzir o deficiente na sociedade ajudando-o a adquirir as condições e os padrões

da vida cotidiana o mais próximo do normal possível.

O Paradigma de Serviços caracterizou-se, desta maneira, pela tentativa de diminuir as

diferenças do indivíduo deficiente, de forma que este pudesse conviver na sociedade mais

ampla, de maneira não segregada, oferecendo-lhe serviços que lhe permitissem melhorar,

desenvolver-se, aprender, ou seja, aproximar-se dos padrões de funcionamento da maioria das

pessoas. O deficiente era aquele indivíduo que precisava ser preparado para a vida em

sociedade. Observa-se aí um esforço de um dos lados somente: o da pessoa deficiente que

deveria se empenhar em se enquadrar nos modelos propostos pela cultura vigente.

Desta forma, a comunidade estaria disposta a receber a pessoa deficiente, oferecendo-

lhe serviços para que se transformasse em uma pessoa não-deficiente, para ser aceita dentro

dos padrões normais.

Entretanto, tal maneira de pensar passou a incomodar os próprios deficientes que

levantaram outra questão: a de que a deficiência não deveria ser tolerada, como vinha

acontecendo, mas sim entendida como parte do fenômeno humano, como uma das

possibilidades da existência humana e, portanto, acolhida sem que houvesse a necessidade de

fazer aquele ser “diferente” se parecer com o outro “normal”.

Essa crítica ao paradigma de serviços e ao processo de normalização ganhou força nos

anos 80 e teve início um novo processo de mudança, baseado no entendimento de que o

binômio ser humano X qualidade de vida deve ser indissociável para a realização plena do

indivíduo.

Da mesma forma se fortalece, nos anos 90, a compreensão de que a qualidade de vida

é um conjunto de fatores, segundo os quais o sujeito deve adquirir alguns domínios

específicos para que desempenhe, de maneira satisfatória, os papéis adultos como, por

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exemplo, mobilidade, profissão e emprego, lazer, educação, cidadania, responsabilidade

social dentre outros.

Surge, também, na sociedade, o reconhecimento da importância de serem criados

recursos e colocados à disposição de todos, para que possam ser acessados e, assim, sentirem-

se realizados. Da mesma forma, a população deficiente deveria ser contemplada na mesma

medida.

Nasce aí o desafio de garantir o direito à participação de todas as pessoas na

sociedade, concomitantemente ao de fazê-lo com garantia da qualidade de vida. Para que isso

aconteça é necessário um profundo respeito à diversidade, em outras palavras, uma

abordagem inclusiva em relação ao indivíduo deficiente.

A inclusão social, expressão tão amplamente usada atualmente, é caracterizada como

um processo bilateral onde há o ajuste mútuo entre o deficiente e a comunidade, cabendo ao

primeiro capacitar-se para atuar na sociedade, manifestar-se com relação a seus desejos e

necessidades e, à sociedade, a implementação dos ajustes e providências necessárias que a ele

possibilitem o acesso e a convivência no espaço comum, não segregado.

A título de ilustração, o emprego de elementos que garantam ao deficiente a

convivência não segregada e acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos se

caracteriza no novo paradigma que é o Paradigma de Suportes (CORRER, 2003), substituindo

o Paradigma de Serviço anteriormente citado.

Este ligeiro retorno ao passado se fez necessário para que se possa inferir que, de

acordo com os depoimentos, está havendo uma postura inclusiva por parte de alguns

entrevistados em relação ao cadeirante.

De um lado, tem-se o deficiente inserido no contexto do trabalho, atuando, mostrando

competência e preparo para tal. Do outro lado, percebem-se os colegas com comportamento

receptivo, acolhedor, entendendo que o cadeirante possui características diferentes das dos

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demais como, por exemplo, deslocar-se numa cadeira de rodas.

Parece que os trabalhadores andantes vêem este fato apenas como um fato e não como

um demérito imputado ao cadeirante que, por não andar sobre as próprias pernas, talvez não

conseguisse raciocinar, estando incapacitado para o trabalho.

Além disso, percebeu-se um comportamento solidário por parte dos trabalhadores

andantes quando, numa das falas, o entrevistado reportou-se ao fato de que, nos momentos de

lazer, o grupo se organizava para levar o colega cadeirante ao evento em questão e depois

deixá-lo em casa.

Os depoimentos a seguir fortalecem esta impressão:

“Ah... diretamente não... não sei também se é porque todo mundo que vem trabalhar aqui tem logo um contato direto com o deficiente e acaba que meio se acostumando, tendo entendimento... que ele é uma pessoa que tem deficiência e por isso ele não tem a resposta imediata nas coisas do trabalho. Mas isso, de não ter resposta imediata, é com relação à locomoção e não com relação à capacidade de resolver e atuar como profissional aqui, entendeu?” (11) “Por que a única deficiência que eles têm é a física, entendeu?” (1) “[...] e também nossa equipe se adaptou. Nós começamos a conhecer ele melhor e entender suas reais necessidades. O que foi possível fazer aqui pra que ele pudesse trabalhar com tranqüilidade, sem apertos, nós fizemos, adaptamos.” (17) “[...] e é interessante como as pessoas estão absorvendo bem essa idéia... nós fizemos uma mudança no lay out aqui e todo nosso espaço foi diminuído. Daí ficou aquela discussão de quem ia passar a sentar e aonde... e o mais legal foi que as pessoas começaram a reparar que as baias reservadas para os deficientes não tinham condições de comportar uma cadeira de roídas. Daí houve uma mobilização de todos para que essa estrutura fosse modificada para acolher os colegas cadeirantes.” (19)

A participação no trabalho, na vida em comunidade e também no lazer vai se traduzir

em reflexos altamente positivos na saúde deste trabalhador cadeirante, uma vez que são

fatores que interferem diretamente na qualidade de vida de qualquer pessoa, inclusive na do

trabalhador não deficiente.

Ser privado do direito ao trabalho, não receber o devido reconhecimento pelo seu

empenho e dedicação em função do processo criativo e ser excluído das possibilidades do

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exercício da cidadania levaria, a curto ou em longo prazo, ao sofrimento do indivíduo

deficiente.

Silva (1999), em seu artigo, reforça que qualquer possibilidade de mudança na

qualidade de vida das pessoas deficientes vai depender diretamente da garantia de seus

direitos de igualdade, saúde, trabalho, educação, lazer, entre outras dependendo, portanto, de

ações coletivas de uma sociedade e não apenas de uma questão individual.

A sensibilização dos não cadeirantes frente à presença do trabalhador cadeirante no

contexto ocupacional, traduzida pelo acolhimento, pela compreensão das reais dificuldades do

deficiente e também pelas mudanças que foram feitas, no sentido do ambiente se tornar mais

adequado à presença e permanência de uma pessoa deficiente, ou seja, mais acessível, se

mostrou como um traço forte na direção da inclusão social do indivíduo deficiente.

Esta preocupação vai ao encontro do que foi discutido na 3ª Conferência Nacional

sobre Saúde do Trabalhador (2006) que discutiu, dentre vários pontos, sobre a necessidade de

se ampliar a legislação existente e garantir que os empregadores públicos e privados

promovam a adequação dos ambientes de trabalho às necessidades específicas do trabalhador

reabilitado e/ou portador de deficiência, reorganizem os processos de trabalho e façam a

readaptação dos postos e equipamentos para a efetiva inclusão do indivíduo deficiente no

contexto ocupacional.

Ainda sobre a inclusão, encontramos no Manual de Legislação em Saúde da Pessoa

Portadora de Deficiência (BRASIL, 2003, p. 10) que

a prática da inclusão social vem aos poucos substituindo a prática da integração social e parte do princípio de que, para inserir todas as pessoas, a sociedade deve ser modificada de modo a atender às necessidades de todos os seus membros: uma sociedade inclusiva não admite preconceitos, discriminações, barreiras sociais, culturais e pessoais.

Felizmente, essas falas representaram a maioria. Contudo, ainda assim não se pode

deixar de refletir que ainda há muito que caminhar na direção da convivência com a diferença,

entendendo esta como oportunidade para aprendizado e crescimento do indivíduo como um

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todo.

Aliás, as falas divergem um pouco na sua essência daquilo que é observado no

atendimento à população com lesão medular cadeirante no ambulatório. Lá, os relatos

vivificam uma realidade perversa, excludente e fechada. Os cadeirantes até conseguem entrar

no mercado de trabalho, ainda que o informal. O problema é permanecer nele.

Mendes et al. (2004) comentam que a segregação do indivíduo, com deficiências em

escolas ou instituições especiais, acaba por reduzir sua participação na vida da comunidade e

excluí-lo das relações nas várias instâncias sociais, inclusive de lazer, uma vez que a maioria

das pessoas, de fato, tem pouca oportunidade de interagir com esse indivíduo e vice-versa.

Conseqüentemente, quando ele chega ao mercado de trabalho, mesmo que esteja

tecnicamente capacitado, socialmente ele é um “corpo estranho”. Em outras palavras, se o

deficiente não foi seu colega durante a época de escola, como ser seu colega no mesmo

ambiente de trabalho?

Parece que o fenômeno da inclusão do indivíduo deficiente na sociedade, salvo

algumas exceções, tem se dado por força de lei e não por uma abertura espontânea daqueles

que, por não possuírem deficiência aparente que destoe e fira a hegemonia dos demais, se

julgam como normais.

Reforçando esta idéia, o artigo intitulado “Individuals with Disabilities Education Act”

(“A Lei dos Americanos Portadores de Deficiências”) (IDEA, 2007) relata que alguns dos

mais sérios impedimentos ao acesso para pessoas com deficiência não são problemas que

podem ser resolvidos por arquitetos ou por juristas.

Há também problemas de atitude, que são definidos como uma maneira de pensar ou

sentir que resulta em um comportamento que limita o potencial das pessoas com deficiência

de agirem de forma independente. Tal comportamento interfere negativamente em qualquer

iniciativa de acolhimento e inclusão que se queira implementar em favor da pessoa deficiente.

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Segundo Oliveira (2007, p. 68),

o sucesso de todo movimento integrador depende da disponibilidade que o corpo social tem para se tornar inclusivo. A recíproca é imediata: para que a inclusão seja leva a termo, é igualmente necessário que o deficiente se mostre disposto a se integrar, adaptando-se, na medida do possível, à sociedade.

4.5.2 A expressão do preconceito no ambiente de trabalho

Os relatos apontaram para uma questão delicada que é o preconceito para com o

cadeirante no ambiente de trabalho. Os relatos, pela essência, foram subdivididos em duas

subcategorias:

4.5.2.1 A forma velada

4.5.2.2 A forma explícita

• o preconceito relacionado à competência e produtividade do deficiente;

• a deficiência como fonte de contaminação.

4.5.2.1 A forma velada

Serão abordadas, primeiramente, as falas que tocaram no tema de forma implícita,

disfarçada. Este preconceito apareceu nos discursos, na maior parte das vezes, de forma

camuflada, nebulosa e inconsciente.

Falar sobre preconceitos, ou melhor, admitir que se tenha preconceito em relação a um

fato ou pessoa é algo bastante delicado, pois uma assertiva nesta direção pode denotar um

comportamento “politicamente incorreto”, passível de punição ou sanção.

Desta forma, assentir que somos preconceituosos seria uma atitude corajosa não só no

sentido de comprometer nossa imagem já construída dentro do grupo que pertencemos, nem

de nos expormos às penalidades previstas na lei, mas, também, no sentido de admitir e

exteriorizar nossa ignorância sobre um determinado fato ou pessoa uma vez que essa atitude

exige, de quem a toma, força para encarar as mudanças no seu ponto de vista e reformular

suas convicções.

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Assim, como nem sempre estamos dispostos às mudanças, procuramos esconder ou

camuflar nossas impressões negativas sobre um determinado tema, afirmando hipocritamente

que aceitamos os fatos ou as pessoas assim como eles se apresentam ou são, fingindo um

comportamento que agrada ao grupo onde atuamos, transmitindo a este grupo a impressão que

nos interessa transmitir (GOFFMAN, 2005). Fazendo um paralelo com a questão do

preconceito racial em nosso país, Ferreira (2002) afirma que o preconceito, por não ser

abertamente afirmado, dificulta a elaboração de leis que favoreçam sua reversão. Como a

discriminação tende a ser um processo camuflado, não se tem abertura para que tais questões

sejam discutidas, dificultando sua reversão.

Sobre a dificuldade de se perceber algum comportamento preconceituoso no ambiente

de trabalho, um dos respondentes pontuou que:

“[...] o preconceito, eu acho que é algo muito sutil, eu acho que você só identifica se for você mesmo que sofre né?” (17)

De fato, pelas regras e normas que regem nossa sociedade, somos impelidos a agir de

forma contida, sendo nossas ações moderadas por este código de conduta cujo objetivo é

ajudar a preservar a vida coletiva (GLAT, 2004).

Então, uma demonstração, às claras, de qualquer atitude preconceituosa não é um fato

comum, mas a manifestação das formas veladas e dissimuladas do estigma e do preconceito é

mais freqüente.

Os depoimentos a seguir dão uma idéia de comportamento preconceituoso, percebido

pelos sujeitos do estudo:

“Tem preconceito e pena... o jeito da pessoa falar, de conversar [...].” (3) “Ah... acho que as pessoas acabam, no fundo, sentindo pena dele, sabe? Pó, um cara tão novo, boa pinta, simpático naquela cadeira de rodas [...].” (5) “[...] não tem como você olhar pra uma pessoa na cadeira e rodas e achar que ela tá feliz [...] isso comove as pessoas.” (15)

Estes depoimentos trazem à baila a questão do sentimento de pena como uma das

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formas de manifestação do preconceito.

Sobre este tipo de reação por parte dos trabalhadores andantes, Velho (1989) afirma

que em relação à deficiência, pode-se verificar que o preconceito, na maioria das vezes, está

baseado em atitudes de comiseração, pena, piedade, resultantes do desconhecimento, este

considerado a matéria-prima para perpetuação das atitudes preconceituosas e das leituras

estereotipadas da deficiência.

Freire (2005), em seu artigo, comenta que ao observar um encontro entre pessoas que

enxergam com outras que são cegas, verificou primeiramente que pena e simpatia são as

reações mais comuns por parte daqueles que enxergam em relação àqueles que não enxergam

e que a piedade demonstrada às pessoas cegas é desproporcional em relação às limitações

impostas ao indivíduo pela cegueira.

Constata a mesma autora que as atitudes atuais sobre a cegueira são provenientes de

nossa herança cultural que olhou para o deficiente como um ser inferior, de segunda classe,

digno de pena e de consolo. Tal comportamento assinalado pode ser ampliado para o terreno

da deficiência motora.

No atendimento à clientela no consultório, os cadeirantes ratificam essas impressões,

referindo que sofrem um tipo diferente de dor que se dá pelo olhar de pena e de compaixão

das pessoas. Para eles, isso é uma forma velada de preconceito e de exclusão. Por que alguém

deveria ter pena de um indivíduo que, como todos, está sujeito aos mesmos direitos e deveres

como qualquer cidadão? Ou, pelo menos deveria.

Eles costumam dizer que, mesmo tendo força de vontade, condições físicas e mentais

para trabalhar, existe esse obstáculo que pode ser classificado como uma barreira atitudinal,

afetando negativamente sua auto-estima e, conseqüentemente, a saúde deste indivíduo que,

embora possa estar integrado no mercado e trabalho, não é ainda acolhido pela sociedade.

Queixam-se, na verdade, de discriminação, que foi um dos temas abordados na 3ª

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Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (2006) que, para amenizar este problema,

sugere ações educativas dirigidas aos indivíduos no ambiente de trabalho acerca do tema

deficiência, bem como a participação de sindicatos e entidades representativas das pessoas

com deficiência nas discussões sobre os direitos e garantias do trabalhador como ferramenta

de vigilância e fiscalização.

Por outro lado, a inclusão dos deficientes na vida em comunidade só traz benefícios.

Sobre isso, Silva (1999) comenta os resultados de uma pesquisa realizada com pessoas

portadoras de deficiência física na Finlândia e Suécia onde ficou evidente que o bom

ajustamento e integração dos indivíduos devia-se ao fato de apresentarem satisfação em

diferentes aspectos da vida como trabalho, saúde física e psicológica, satisfação no lazer e

relacionamento social, relacionados a uma ocupação profissional ou estudos, associando

assim, um sentimento positivo da visão que as outras pessoas têm em relação ao deficiente.

Ainda de acordo com a pesquisa citada por Silva (1999), estes indivíduos construíram,

através da qualidade de vida que puderam desfrutar, recursos psicológicos para enfrentar a

situação estressante causada pela deficiência. Não há, então, como negar o efeito altamente

positivo para a saúde de qualquer pessoa, tenha ela deficiência ou não, desencadeado pelo fato

de ser parte integrante da sociedade, proporcionado não apenas, mas também, pela inclusão

no trabalho.

Outros depoimentos revelam um tipo de comportamento preconceituoso bastante sutil:

“Às vezes dá pra perceber um olhar meio de pena em situações que ela está meio austera, parece com raiva de tudo, e então sobra pra todo mundo... mas aí a gente pensa: não, tudo bem... ela tá assim porque é muito problema que ela tem... mas tem que entender né?” (9) “[...] ela às vezes chega meio irritada aqui, sabe? Aí ninguém chega muito perto com medo de levar uma patada. [...] a amiga dela é que fica por perto pra botar panos quentes.” (14)

Nestas falas, os entrevistados estão se referindo aos obstáculos que uma pessoa

deficiente tem que enfrentar em função das suas limitações impostas pela deficiência.

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Por causa disto, o grupo de trabalhadores sem deficiência motora “releva” e tolera os

rompantes de mau humor ou de excesso de autoridade protagonizados por estas cadeirantes.

Este tipo de atitude faz refletir sobre a seguinte questão: se os ataques de fúria

partissem de uma pessoa sem alguma deficiência aparente, será que o grupo seria tão tolerante

e condescendente como demonstra ser com estas cadeirantes?

Isso não seria uma forma de “passar a mão” sobre a cabeça destes deficientes,

tratando-o de maneira complacente? E, se for isso, essa atitude ajuda no lidar e conviver com

o deficiente?

Aos olhos de Goffman (1988), quando se tem comportamentos diferenciados, em

função da presença de uma deficiência, esta atitude tem um “quê” de discriminação e de

preconceito.

Sobre as reações que uma pessoa que adquiriu uma deficiência pode exteriorizar, Vash

(1988) esclarece que se tornar deficiente tem o poder de provocar um naipe variado de

emoções humanas: medo, raiva, tristeza, etc.

Todavia, duas expressões da emoção se destacam por serem mais freqüentes que são a

ansiedade relativa à sobrevivência e os episódios de raiva. Esta última pode ter relação com

elas mesmas e com sua incompetência em fazer o que as demais pessoas fazem naturalmente,

outras se enraivecem com o universo por este ser injusto. Outras ainda se enraivecem com as

demais pessoas por não conseguirem ajuda.

Independente do que motiva a raiva, as pessoas em torno não têm a obrigação de se

tornarem “pára-raios” dessas reações explosivas pelo fato da primeira ser deficiente. Esta

reação merece acolhimento e compreensão, mas uma atitude paternalista que procura

justificar a todo custo tais rompantes, não ajuda a pessoa deficiente no entendimento de que

os outros não têm que ser culpabilizados pelas circunstâncias que ela ora enfrenta.

Vash (1988) acrescenta ainda que todos nós lidamos com situações de natureza

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diversa na vida, independente de termos ou não deficiência e, sobre aqueles episódios ruins

que se refletem em perdas e que também acometem todos - com ou sem deficiência, estes não

devem se transformar em álibi para justificar nosso descontentamento e frustrações.

Embora os depoimentos neste sentido não tenham sido numerosos, pode-se inferir que

ainda é muito comum na sociedade tal sentimento de complacência em relação aos

deficientes. São, muitas vezes, considerados como coitados, merecedores da nossa compaixão

e do excesso de zelo e nunca como indivíduos prontos para exercerem sua cidadania.

Essa forma de tratamento, ao invés de levar o indivíduo ao enfrentamento das questões

do dia a dia, pode criar neles o falso entendimento de que a sociedade tem a obrigação de

compreendê-lo e aceitar seu comportamento pouco amistoso.

Continuando com os depoimentos, mais relatos trazem outra forma mais “delicada” da

expressão do preconceito podendo ser evidenciada a seguir:

“As pessoas ficam constrangidas [...] o que também não deixa de ser um tipo de preconceito.” (27) “Assim que ele chegou aqui na agência eu fiquei sem saber o que fazer, foi um choque, né [...] fiquei meio sem jeito [...], tentei tratar ele com naturalidade.” (13) “Bom, quando ele chegou aqui, eu fiquei sem saber o que fazer direito.” (20)

Crochik (2006) explica estas reações ao afirmar que quando entramos em contato com

algo incomum, por faltar-nos referências anteriores sobre como atuar ou o que fazer, por

vezes “congelamos”, falta-nos a noção de como agir.

Esse comportamento é análogo ao de um animal que, diante de um perigo real ou

imaginário, permanece paralisado frente ao objeto ou situação que lhe causa estranheza.

Pressupomos, então, que o diferente nos ameaçará pondo em risco nossa segurança e

estabilidade.

Essa reação, por vezes, coloca as pessoas sem deficiência aparente, em situações

bastante constrangedoras frente à outra que apresenta alguma particularidade que quebre seu

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padrão daquilo que tem como referência do que seja uma pessoa no quotidiano.

Tal comportamento assume a forma de exagero de aceitação ou excesso de

naturalidade no trato com o deficiente e o indivíduo sem deficiência faz de tudo para que a

pessoa deficiente não perceba sua alteração.

Por isso nas falas, percebe-se claramente o comportamento paralisado do não

cadeirante frente ao colega deficiente. A visão pouco freqüente da uma pessoa em cadeira de

rodas participando ativamente da vida em sociedade não combina com a noção pré-concebida

de que este indivíduo tenha condições de trabalhar e de dividir o mesmo espaço que qualquer

outro cidadão, noção esta que foi aprendida e construída pelo meio social.

Caracterizando o comportamento preconceituoso, segundo Crochik (2006, p.16),

dizemos frases ou atuamos no sentido de dar um consolo antecipado a quem não o solicitou, ou esboçamos um sorriso que aparente compaixão e esconda nossa aflição, sem nos perguntarmos se essas reações dizem respeito à pessoa que nos defrontamos ou a nós mesmos; pressupomos de imediato que é uma situação ruim de ser vivida e sofremos a aparência da dor que nos impede tanto de senti-la como de experimentar a relação sem tabus.

Esta atitude, caracterizada pelo autor como complacência benevolente é aprendida,

não é inata. Nós aprendemos, pela educação que recebemos, a não exteriorizar nossa reação

de estranheza, que é natural, diga-se de passagem, frente ao novo ou diferente, de forma

espontânea.

Perdemos nossa curiosidade natural de quando éramos crianças e damos lugar à um

sentimento de rejeição frente ao diferente sem antes mesmo de ter tido uma experiência real

com ele e, quem sabe, ter perdido uma oportunidade de aprendizado e crescimento.

Como o preconceito não é inato, há a interferência dos processos de socialização que

obrigam o indivíduo a se modificar para se adaptar. O que leva uma pessoa a desenvolver

preconceitos ou não, é a possibilidade de ter experiências e refletir sobre si mesmo e os outros

nas relações sociais.

Pelo tempo de segregação que os deficientes sofreram, e ainda sofrem, é, então,

compreensível este comportamento com viés preconceituoso.

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4.5.2.2 A forma explícita

Dando continuidade à análise, passemos para aqueles depoimentos onde o preconceito

foi identificado com cores mais vivas e ganhou duas vertentes: uma refere-se à competência

do deficiente e a outra esbarra na idéia de que a deficiência é um evento contagioso.

Passemos para a primeira vertente.

• O preconceito relacionado à competência e produtividade do deficiente

Aqui, os relatos foram explícitos no tocante à expressão do comportamento

preconceituoso para com o cadeirante no ambiente ocupacional, conforme se pode observar a

seguir:

“Eu já vi pessoas que não conseguem dar a mão pra ela... não conseguem estender a mão e apertar a mão dela. Tem advogado aqui que não se aproxima dela porque acha que ela não vai dar conta do recado e que ela precisa de muita ajuda [...] Isso é um traço comum na relação com o deficiente... as pessoas têm uma relação desrespeitosa, no sentido de que a ajuda não é porque a pessoa precisa de ajuda, mas é porque ele é interpretada e vista como uma pessoa incompetente.” (17) “Tem preconceito aqui sim. E eu posso mensurar isso na medida em que as pessoas não se predispõe a trabalhar diretamente com ela... tem colegas que ficam receosos de trabalhar com ela primeiro com medo de ela não dar conta do serviço e dividir em igualdade de condições com ele, daí ele fica com medo de trabalhar muito mais em função da produtividade dela que seria menor.” (24) “Pra dizer a verdade, eu mesmo tinha preconceito sim... porque eu via ele com bom relacionamento nas outras esferas acima no banco, ele visita os clientes, ganha esses clientes pro banco... daí eu pensava: -pô, um gerente empresarial ser portador de deficiência?” (25)

O artigo intitulado “A Lei dos Americanos Portadores de Deficiências” (IDEA, 2007)

reafirma que existe uma pequena percentagem de pessoas que tem atitudes abertamente

negativas em relação às pessoas deficientes.

Tais atitudes são associadas ao medo, à ignorância, falta de sensibilidade,

discriminação, aversão ou ares de superioridade. Para os autores, estas pessoas acreditam na

maioria dos mitos a respeito das deficiências, apesar da existência de provas documentais que

desmentem tais idéias errôneas.

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Do mesmo modo é forte a concepção de que o deficiente não pode desempenhar com

sucesso as atividades profissionais executadas pelas pessoas normais, e de que a oportunidade

de trabalho dada a ele representa sempre um ato de caridade por parte do empregador

(MARQUES, 1998).

Barbosa (2007) ratifica as idéias de Marques (1998) quando comenta em seu artigo

que em nossa sociedade, as pessoas deficientes têm sido conceituadas como inválidas,

improdutivas, incapazes de cuidar de sua própria vida e de realizar suas próprias escolhas.

Mais uma vez fica patente que nos relacionamos com o rótulo e não com a pessoa;

reconhecemos o indivíduo deficiente por suas limitações e não por suas possibilidades.

Tal comportamento, visivelmente opacificado pela ignorância, reflete negativamente

na auto-estima do indivíduo cadeirante que, muitas vezes não tem a oportunidade de mostrar

seu potencial. Antes que isso possa acontecer, ele já é eliminado das possibilidades no elenco

de variáveis do outro, que se julga isento de deficiência.

Os sujeitos que responderam a esta pesquisa, com exceção de um apenas, não tiveram

preparo para lidar com uma pessoa deficiente no ambiente ocupacional, o que nos faz refletir

sobre a importância do que foi discutido e aprovado na 3ª Conferência Nacional de Saúde do

Trabalhador (2006) que, ao se referir às questões relativas ao trabalhador deficiente, aponta na

sua resolução, dentre outras necessidades, para a prevenção da discriminação social por meio

de ações educativas dirigidas aos trabalhadores no ambiente de trabalho.

Silva (2000) reforça a questão da discriminação pontuando que o maior problema não

é a barreira arquitetônica, mas sim a barreira do preconceito ou da falta de conscientização,

pois muitos empresários não admitem o “portador de deficiência” como um cidadão

produtivo. Ribas (1986, p. 15) afirma que:

Na nossa sociedade, mesmo que a ONU e a OMS tenham tentado eliminar a incoerência dos 'conceitos', a palavra 'deficiente' tem um significado muito forte. De certo modo, ela se opõe a palavra 'eficiente'. Ser 'deficiente', antes de tudo, é não ser 'capaz'. Pode até ser que conhecendo melhor a pessoa, venhamos a perceber que ela não é tão 'deficiente' assim. Mas, até lá, até Segunda ordem, o 'deficiente' é o

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não 'eficiente”. Assim sendo, em todas as sociedades a palavra 'deficiente' adquire um valor cultural segundo padrões, regras e normas estabelecidas no bojo de suas relações sociais.

Ainda sobre este tema, Silva (2006) comenta que o preconceito às pessoas com

deficiência configura-se como um mecanismo de negação social, uma vez que suas diferenças

são ressaltadas como uma falta, carência ou impossibilidade. O corpo deficiente é

insuficiente para uma sociedade que demanda dele o uso intensivo que leva ao desgaste físico

ou para uma construção de corporeidade que objetiva, meramente, o controle e a correção, em

função de uma estética corporal hegemônica com interesses econômicos.

Numa sociedade capitalista, onde as relações se definem pela produção e pelo lucro, o

padrão ideal de homem segue os valores sociais determinantes. Ser deficiente significa, pois,

ser não-eficiente, não produtivo e não adequado aos fins maiores (MARQUES, 1998).

Segundo Foucault (1987), a sociedade moderna se preocupa tão somente com o corpo

e com a força de trabalho. Neste sentido, a deficiência assume a marca da incapacidade

produtiva e da dependência econômica, fazendo do indivíduo deficiente um ser inadaptado

aos padrões de aceitabilidade com que esta mesma sociedade ordena e classifica seus

membros.

Silva (2006), sobre esta questão da estética corporal, reflete que o indivíduo deficiente

por ser disforme ou fora dos padrões, lembra a imperfeição humana. Uma vez que nossa

sociedade valoriza o corpo útil e aparentemente saudável este sujeito nos remete à fragilidade

humana, à uma situação de inferioridade que tentamos, talvez de forma inconsciente, negar.

É como se olhar num espelho quebrado.

Tê-los em nosso convívio seria a mesma coisa que olhar para um espelho que nos

lembra que também poderíamos ser como eles. Não os aceitamos porque não queremos que

eles sejam como nós, pois assim nos igualaríamos.

Possivelmente, as respostas obtidas neste estudo são reflexo de um conjunto de fatores

distintos, porém intimamente interligados, tais como o isolamento social que foi imposto aos

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indivíduos “diferentes” ao longo da História da Humanidade, resultando numa interação

social distante, segura, “higiênica”, impossibilitando que as potencialidades daqueles

indivíduos deficientes fossem identificadas e compartilhadas, fortalecendo ainda mais as

idéias folclóricas e obtusas sobre suas reais necessidades e limitações. Isso acabou por afastar

o grupo dos normais daquele maculado, aprofundando o abismo entre estes dois mundos.

• A deficiência como fonte de contaminação

Dando prosseguimento à análise, outros relatos colocaram, com veemência, a idéia de

que a deficiência do colega cadeirante seria algo potencialmente contagioso. Isso justificaria o

afastamento e a prevenção que os trabalhadores têm evitando o contato com o trabalhador

cadeirante.

“Ah... tem a coisa do contato físico, porque tem pessoas que tem essa resistência de encostar e ter que falar de perto, de ter que conviver muito intimamente [...].” (6) “Acho que tem medo de levar isso pra casa... de, de repente, ter um filho assim [...].” (14) “Olha, em relação aos outros colegas advogados que não têm um contato direto com ela, eu acho que tem um preconceito sim... eles rejeitam ela, sabe? Eles encaram a pessoa deficiente como se ela fosse transmitir aquilo, como se fosse algo contagioso, mas é uma minoria [...]. (12)

Conforme Bacila (2005) e Goffman (1988), era costume dos gregos da Antiguidade

marcar as pessoas com fogo ou cortes no corpo, sinais estes que identificavam que o portador

era mau, ou seja, mais especificamente um escravo, um criminoso ou mesmo um traidor. E a

pessoa marcada estaria contaminada devendo ser evitada.

Com o desenvolvimento da ciência, o conjunto de saberes simplificadores como

crendices, bruxarias e misticismos que caracterizavam os deficientes na Idade Média, foi aos

poucos sendo desconstruído, dando lugar a estudos de ordem mais objetiva nos quais a 'cura'

foi o principal objetivo a ser alcançado.

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Contudo, ao ser considerada uma doença, os indivíduos sofrem isolamentos em asilos

e hospitais, já que o perigo de transmissão e contágio assusta a população. No século XVIII,

na Europa, a internação dessas pessoas é um grande movimento, um período de segregação e

categorização dos indivíduos, internando a loucura pela mesma razão que a devassidão e a

libertinagem.

Os indivíduos excluídos eram alienados, separados em grupos, de acordo com seu

estigma (pobres, epiléticos, prostitutas, indivíduos com deformidades, etc) (FOCAULT,

2002).

O estudo de Batista e Enumo (2004, p. 8-9) sobre a inclusão escolar e deficiência

mental que buscou a análise da interação social entre companheiros, vem ilustrar esta

questão, relatando que

essa integração, não deve ser facilmente resolvida a partir de uma resolução de cunho legal ou teórico, uma vez que variáveis relacionadas a processos grupais e reações de preconceito podem influenciá-la, seja facilitando ou dificultando a integração dessas pessoas com aquelas ditas “normais”. Por exemplo, são conhecidos os casos de pais que tiram suas crianças de escolas que aceitam alunos “diferentes” por medo de “contágio” ou rebaixamento do nível de aprendizagem de seus filhos.

Foi também contemplada em outra categoria, neste estudo, a questão da influência da

nomenclatura na abordagem da pessoa deficiente e, da mesma forma, comentou-se que a

expressão “portador de deficiência”, comumente usada inclusive na Legislação vigente

voltada para esta parcela da população, em nada contribui para diminuir o estigma e o

preconceito frente à deficiência, uma vez que, sob o prisma biomédico, ser portador, significa

ser doente e freqüentemente de algum mal contagioso.

Assim, a idéia que ronda o senso comum é a de que uma pessoa portadora de

deficiência é, por analogia, doente. Como se aproximar de um sujeito doente sem se proteger

devidamente? Na maioria das vezes, essa “proteção” se materializa pelo afastamento,

segregação e privação de oportunidades.

Desta forma, não há como negar a necessidade premente de campanhas de

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esclarecimento sobre deficiência, não só para indivíduos trabalhadores que receberão um

colega deficiente em seu meio, mas, antes disso, para crianças e professores no sentido de

elucidar abertamente o que significa ser deficiente e eliminar ou, ao menos, diminuir as lendas

e mitos que rondam o mundo destas pessoas.

Nesta tese, os relatos que apontaram para um comportamento preconceituoso, seja ele

manifestado de forma velada, ou às claras, apesar de não terem representado a maioria,

merecem particular atenção, pois convergem para as queixas ouvidas no atendimento durante

a consulta ao indivíduo com lesão medular, que foram motivação para estudar sobre a

inclusão do cadeirante no contexto ocupacional. O ciclo se fechou.

Este comportamento, tão comum na nossa sociedade, protagonizado pelas pessoas

“normais”, tem impacto altamente negativo na auto-estima dos deficientes que, por

conseguinte, resultará em prejuízo na saúde destes indivíduos já fragilizada pela sua própria

condição da perda motora.

Ao que os depoimentos deram a entender, as barreiras atitudinais se mostram mais

difíceis de transpor, exatamente pela sua pouca visibilidade. Difícil lutar contra aquilo que

não é concreto, contra aquilo que nem sempre percebemos como agressão à nossa dignidade.

No entanto, as discussões estão avançando neste sentido com o louvável objetivo de

melhor entender o mecanismo do estigma na sociedade e de criar ferramentas para incluir, de

fato, o deficiente na sociedade.

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CAPÍTULO V

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Obviamente que esta pesquisa, pela sua natureza qualitativa e pelo número de

depoimentos coletados, não permite que seus resultados sejam generalizados e retratem, com

exatidão matemática, o comportamento e a forma como a sociedade percebe o deficiente no

ambiente ocupacional.

No entanto, as respostas obtidas obrigam-nos à ponderação, uma vez que refletiram,

ainda que parcialmente, o que diz o senso comum acerca da pessoa deficiente na sociedade,

em particular, no contexto ocupacional; visão essa que parece perpetuar uma forma

equivocada de lidar com os deficientes.

Foram identificados nos relatos, indícios claros de uma forma preconceituosa de se

perceber o deficiente. Isso só foi possível usando-se a técnica de substituição (ABRIC in

OLIVEIRA; CAMPOS, 2005).

Nela, os respondentes, muitas vezes, utilizaram o pronome “eu” em repostas cujo foco

era conhecer a opinião do outro e não a dele sobre determinado assunto. Assim, sua impressão

sobre o tema apresentado era “diluída” na resposta do outro, revelando, desta forma, sua

própria impressão.

No terreno da percepção dos sujeitos andantes acerca do trabalhador cadeirante no

trabalho, foi identificada uma ligação bastante estreita do termo deficiência à idéia de

incapacidade.

As falas remeteram à noção de que a palavra deficiência se resume na limitação em

realizar tarefas, diminuição da capacidade ou impossibilidade para realizar algum trabalho

que outras pessoas conseguem, em geral, realizar.

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A definição por ela mesma não teria repercussões maiores, mas quando se amplia este

conceito para a questão da pessoa deficiente, há que se repensar no significado que ela assume

já que aponta, indiretamente, para a culpabilização do deficiente pela sua desvantagem e

dificuldade na consecução de tarefas.

De acordo com Vasconcelos (2005, p. 176), “há que se considerar que é a sociedade

quem define as chances de uma pessoa ser deficiente. [...] Mesmo quando uma lesão ocorre

‘por mera casualidade’, o grau de deficiência dependerá das oportunidades ou iniqüidades

sociais”.

Os sujeitos pareciam ignorar que é a própria sociedade que contribui para o

aparecimento e/ou agravamento da deficiência, pois é ela que determina o efeito de uma

deficiência sobre a vida cotidiana da pessoa, colocando-a em franca desvantagem social

perante outras que não têm lesão alguma.

Cabe lembrar Wendell (1996), quando discorre sobre a organização física e social da

nossa sociedade, afirmando ser esta baseada num modelo jovem, macho, com corpo ideal e

eficiente (portanto, não deficiente).

Tal percepção da deficiência, pautada ainda no modelo biomédico, vai no sentido

oposto ao conceito apresentado pela CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade,

Deficiência e Saúde, definida pela OMS em 2001, acatado pelo Brasil, cujo mérito está em

aglutinar o modelo médico e o modelo social para a abordagem da experiência da deficiência.

Apesar do esforço de organismos e instituições sérias, nacionais e internacionais,

comprometidas com a questão da inclusão da população deficiente, percebe-se com clareza

que há influência da forma como a pessoa deficiente foi vista e tratada ao longo dos tempos,

impedindo, ou pelo menos dificultando, que estes indivíduos tivessem e ainda tenham

condições de mostrar sua capacidade e também de exercer sua cidadania.

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Cabe ressaltar que o conceito relativo à população com deficiência tem evoluído com

o passar dos tempos, mas ainda há intensas discussões e debates acerca da questão conceitual

sobre a deficiência (FARIAS; BUCHALLA, 2005; AMIRALIAN et al., 2000) que objetivam

dirimir as dificuldades relacionas à imprecisão dos termos.

A percepção dos trabalhadores andantes em relação à presença do cadeirante no

ambiente de trabalho também revelou facetas interessantes.

Uma delas mostra que há um aprendizado bastante positivo que advém do convívio

com uma pessoa “diferente” no trabalho. Por outro lado, este mesmo convívio revelou para os

entrevistados que o deficiente, por vezes, se vale da sua condição “especial” para garantir

certos privilégios e evitar desgastes no trabalho ou que podem apresentar um comportamento

acomodado, sabendo explorar a piedade alheia, apoiando-se em sua deficiência.

Destas três percepções, a que numericamente se destacou foi a que reflete um

aprendizado. No entanto, apesar de não serem muitos os depoimentos que ressaltam o

comportamento acomodado e esperto dos deficientes, em relação às obrigações do dia-a-dia

de qualquer cidadão, esses sujeitos servem como propagadores negativos da idéia de que

todos deficientes têm este perfil. Isso ajuda a reforçar no senso comum idéias errôneas acerca

deste grupo.

A (falsa) sensação de superioridade do trabalhador sem deficiência motora em relação

ao trabalhador cadeirante foi detectada, podendo ser explicada como um reflexo do

comportamento histórico do ser humano ao longo dos séculos para com esta parcela

segregada da sociedade, que sempre foi vista pelo prisma da sua deficiência e não pelo prisma

das suas potencialidades e possibilidades. Goffman (1988, p.15) resume bem esta afirmação:

“[...] tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original”.

Em outras palavras, os relatos mostraram que a imagem de uma pessoa deficiente

remete de imediato, a uma pessoa desvalorizada no contexto social. Tal desvalorização é

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sentida por esta população estigmatizada e só tende a aumentar o abismo entre ela e a

possibilidade real de inclusão, o que também vai refletir negativamente na saúde deste

trabalhador.

Ainda sobre a percepção dos trabalhadores andantes em relação aos colegas

cadeirantes, foi possível captar pelas falas que existe um viés preconceituoso no

comportamento dos primeiros em relação aos cadeirantes, traduzido pela imagem negativa

evocada pela cadeira de rodas, simbolizando a inércia, a improdutividade e a falta de

liberdade.

A cadeira é vista como uma prisão (cadeirante = entrevado) e não como um elemento

que liberta o deficiente, possibilitando-o de participar da vida em comunidade. Essa

percepção só vem a fortalecer o estigma de desafortunado e infeliz que se tem a respeito das

pessoas deficientes.

Foi constatado o que Goffman (1988) denomina de visibilidade da deficiência, onde a

estranheza do indivíduo “normal” é mais forte quanto mais visível for o defeito que o outro

ostenta, no caso, o uso da cadeira de rodas.

Os trabalhadores andantes também revelaram que lhes chama a atenção o fato de o

cadeirante ser eficiente, conseguir raciocinar e trabalhar.

Tal estranheza pode encontrar resposta em diferentes eixos: na construção histórica da

imagem do deficiente, que sempre o depreciou; pelo fato de ser historicamente recente a

participação de deficientes em diversos segmentos da sociedade; pelo processo de

globalização que agravou as condições de acesso ao mercado de trabalho (BAUMAN, 1999) e

pelo surgimento de novas tecnologias que fez crescer empregos acessíveis apenas àqueles

poucos que conseguem qualificação específica (VASCONCELOS, 2005).

Além de todo esse panorama pouquíssimo amistoso para qualquer um de nós, associa-

se o fato de a sociedade, em geral, tender a se relacionar com o rótulo e não com a pessoa,

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interferindo negativamente na interação social que se queira ter com qualquer individuo

portador desta ou daquela deficiência (GLAT, 2004).

Tal comportamento acaba por privar as pessoas de uma série de oportunidades,

inclusive das oportunidades afetivas, repercutindo negativamente na sua auto-estima.

Curioso notar que ao mesmo tempo em que a legislação insiste em afirmar que a

pessoa deficiente é capaz, produtiva, acaba aposentando estes indivíduos por invalidez,

esforço esse, contraditório.

Outra característica que, segundo os depoentes, chama a atenção em relação aos

cadeirantes é a atitude positiva que estes demonstram frente aos desafios do dia-a-dia e frente

às exigências do trabalho, onde o deficiente passa a ser um exemplo a ser imitado.

Sobressai, em particular, o fato do deficiente se desdobrar e se superar para alcançar os

mesmos parâmetros e metas a que são submetidos os outros empregados sem deficiência, pois

ao fazer isso, ele pode se expor aos mesmos riscos ocupacionais que os demais, só que em

condições físicas provavelmente desfavoráveis.

Pelo empenho com que estes indivíduos habitualmente desenvolvem seu trabalho e,

considerando que nossa sociedade não está preparada para acolher com adequação e respeito

às diferenças àqueles que apresentam alguma deficiência, seja ela qual for, o deficiente pode

ter sua incapacidade ou lesão ampliadas, já que vão compartilhar as mesmas condições e

riscos à saúde, inerentes ao ambiente ocupacional enfrentadas pelos demais trabalhadores.

O envolvimento e dedicação do cadeirante no trabalho também foram apontados como

características positivas, dignas de serem admiradas e imitadas, servindo de “modelo de bom

funcionário” que interessa ao empregador para que os demais se motivem e se espelhem

naquele primeiro, com vistas ao aumento de produtividade.

Percebe-se, neste momento, mais uma contradição: embora os trabalhadores andantes

considerem a deficiência como um “problema”, eles destacam que os colegas cadeirantes são

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um exemplo para os demais por conta de seu esforço de superação e dedicação ao trabalho,

merecendo ser imitados.

Outro aspecto observado nos depoimentos é aquele que revela uma postura de

aceitação em relação à participação do cadeirante no trabalho, porém permeada pelo

sentimento de tolerância, de suportar a “presença incômoda do deficiente” e não o da

compreensão, do aprendizado através da convivência com a diversidade.

Tal atitude remete imediatamente à idéia de que aqueles que toleram são ou estão

numa condição de superioridade em relação aos tolerados, percepção esta naturalmente

equivocada.

Os relatos indicam, também, uma posição preconceituosa para com os colegas

cadeirantes que é reforçada quando estes se surpreendem com a qualidade do trabalho

desenvolvido pelos deficientes e quando afirmam que o trabalho do deficiente é “tão bom”

quanto o trabalho do outro sem deficiência.

Pode-se depreender que a “regra” seria esperar um desempenho profissional do

deficiente cadeirante aquém daquilo que normalmente se esperaria de outros trabalhadores

sem deficiência motora, já que “[...] é forte a concepção de que o deficiente não pode

desempenhar, com sucesso, as atividades profissionais desempenhadas pelas pessoas normais,

e de que a oportunidade de trabalho dada a ele representa sempre uma caridade por parte do

empregador” (MARQUES, 1998, p.4).

As mesmas pessoas que referiram não perceber atitudes preconceituosas no trabalho

são protagonistas destas à medida que dizem ser o trabalho do outro igual ao do indivíduo

sem deficiência motora.

Mais uma vez, fica patente a noção de que a sociedade, em geral, se relaciona com o

defeito que estigmatiza o indivíduo e não com o indivíduo estigmatizado.

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Para incluí-los, de acordo com o novo paradigma, é necessário inspirar a sociedade

para fazer modificações estruturais e conjunturais nos seus sistemas gerais ou comuns a fim

de que qualquer pessoa, tenha ela deficiência ou não, possa exercer seus direitos e deveres

dentro da comunidade.

Assim, cada vez mais, a comunidade tornar-se-ia acessível, sem barreiras atitudinais,

arquitetônicas, comunicacionais, metodológicas, instrumentais ou programáticas (BAHIA,

2006).

Foi ainda observado que há, de acordo com os depoimentos, uma relação direta do

preparo do cadeirante e seu desempenho profissional não só sob o aspecto técnico, mas,

também, como reflexo de um tratamento de reabilitação e do suporte familiar.

A presença da família e o tratamento de reabilitação são apontados nas falas como

fatores que instrumentalizaram seus colegas deficientes para o mercado de trabalho.

No tocante aos aspectos positivos sobre a inclusão do cadeirante do trabalho, os

discursos ilustraram, de um lado, o dinamismo, a competência e o preparo do trabalhador

cadeirante para atuar no contexto ocupacional; e do outro se percebem os colegas andantes

com comportamento receptivo, acolhedor, entendendo que o cadeirante possui características

diferentes das dos demais, como, por exemplo, deslocar-se numa cadeira de rodas.

Tal postura inclusiva só acrescenta valores afirmativos aos olhos dos outros

trabalhadores que, pelo isolamento social que foi imposto aos deficientes e pelas idéias

preconceituosas que rondam seu mundo, poderiam duvidar da competência destes últimos.

Este tipo de atitude positiva, observado pelos sujeitos do estudo em relação aos

colegas cadeirantes no ambiente de trabalho, só vem a facilitar o processo de inclusão deste

indivíduo no contexto social e ocupacional.

Todavia, sabe-se que esta abertura e receptividade por parte daqueles sem deficiência

para com os deficientes é algo recente, historicamente falando, e também pouco freqüente.

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Infelizmente, os casos de privação da população deficiente em exercer seu direito ao

trabalho, não receber o devido reconhecimento pelo seu empenho e dedicação em função do

processo criativo e ser excluído das possibilidades do exercício da cidadania são mais

comuns, levando, a curto ou em longo prazo, ao sofrimento do indivíduo deficiente.

A participação no trabalho, na vida em comunidade e também no lazer vai se traduzir

em reflexos altamente positivos na saúde de qualquer pessoa, independente de ela ser ou não

deficiente uma, vez que são fatores que interferem diretamente na qualidade de vida de todos

nós, inclusive e, principalmente, na do trabalhador não deficiente.

A inclusão é um compromisso com a dignidade humana, com o reconhecimento da

diversidade, um valor que é essencial para a sociedade democrática e para a própria paz.

Os depoimentos permitiram captar formas veladas e mais diretas de preconceito em

relação ao trabalhador cadeirante. As mais sutis se traduziram em atitudes de

constrangimento, pena, comiseração e de relevar o temperamento, por vezes, mal humorado

dos deficientes, sendo este justificado pelas dificuldades inerentes à vida do deficiente.

As formas mais diretas e cruas de preconceito diziam respeito à competência e

produtividade do deficiente, sendo esta questionável em função da sua deficiência motora

reforçando a concepção de que o deficiente não pode desempenhar com sucesso as atividades

profissionais executadas pelas pessoas normais, e de que a oportunidade de trabalho dada a

ele representa sempre um ato de caridade por parte do empregador (MARQUES, 1998).

Outros relatos colocaram, com veemência, a idéia de que a deficiência do colega

cadeirante seria algo potencialmente contagioso, confundindo-se deficiência com doença. Isso

justificaria o afastamento e a prevenção que os trabalhadores têm, evitando o contato com o

trabalhador cadeirante.

Desta forma, os dados quantitativos e qualitativos obtidos através do roteiro de

entrevista permitiram considerar que a noção folclórica e estigmatizante acerca dos

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deficientes:

• É uma realidade no ambiente ocupacional;

• É independente do nível de escolaridade: a maioria dos entrevistados tem nível superior

completo ou incompleto e revelou suas impressões preconceituosas a respeito do

deficiente;

• Não tem relação, a princípio, com orientação religiosa;

• Também não foi identificada nenhuma influência de gênero nas respostas obtidas.

Homens e mulheres se mostraram com comportamento ora receptivo e favorável em

relação à inclusão do cadeirante, ora preconceituoso;

• É mais aparente nas faixas etárias mais jovens;

• Não apresentou relação com tempo de convivência com o colega cadeirante no trabalho;

• Não apresentou relação com o conhecimento prévio sobre as circunstâncias em que

ocorreu o fato que tornou o indivíduo paraplégico;

• Poderia ser diminuída ou atenuada com campanhas esclarecedoras sobre o que é e o que

não é ser deficiente, uma vez que dos entrevistados, apenas 01 afirmou ter tido algum

treinamento para lidar com o cadeirante no trabalho. Talvez, se esse grupo entrevistado

tivesse tido oportunidade de ser esclarecido sobre o tema, as respostas poderiam ser

diferentes.

A percepção do trabalhador andante foi identificada como estigmatizante e não é

coerente com as reais limitações do colega cadeirante, na medida em que os andantes

expressaram sua compreensão sobre a deficiência como algo que obstaculiza a execução de

tarefas, o que conflita com os mesmos depoimentos que relatam sobre a boa qualidade do

trabalho realizado pelo cadeirante.

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Verbalizaram, com surpresa, que o colega cadeirante até consegue fazer bem feito suas

tarefas no trabalho, sendo comparável àquele realizado por uma pessoa sem deficiência, como

se o cadeirante tivesse seu intelecto igualmente afetado pela deficiência motora.

Pode-se inferir que tais atitudes e comportamentos poderão repercutir negativamente

na saúde do trabalhador cadeirante que não se sente valorizado pelo grupo onde trabalha. Não

vendo seu esforço reconhecido e sentindo-se preterido em função da sua deficiência, sofre um

profundo prejuízo em sua auto-estima que pode, cedo ou tarde, resultar em afastamento por

depressão ou por acidentes de trabalho.

Desta forma, com base nos resultados desta tese, pode-se sugerir que conteúdos e

experiências sobre a diversidade sejam, respectivamente, vividos e abordados não só nas

universidades, onde o arcabouço de valores das pessoas já está mais solidificado, mas, antes

disso, nas escolas aonde as crianças vão, como reação natural, estranhar a diferença, mas

ainda não aprenderam a segregar nem a discriminar em função de sinais estéticos.

Talvez seja mais interessante ensinar aos pequenos estranhar e discriminar as

deficiências de ordem moral e ética.

Fomentar a inclusão da reabilitação como conteúdo programático em universidades de

cursos de saúde para tentar sensibilizar os futuros profissionais para a questão da inclusão dos

deficientes na sociedade também seria de grande valor.

Outra sugestão é a de que as empresas invistam maciçamente em programas de

esclarecimento e educação de seus empregados, visando minimizar o abismo que ainda é

bastante perceptível entre aquelas pessoas deficientes e aquelas “sem” deficiência.

Como foi constatado neste trabalho, as reações de estranhamento, ou de subestimação

por parte da maioria da sociedade em relação aos deficientes, têm origem na ignorância e nas

falsas idéias que dizem respeito a este grupo em particular.

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Portanto, toda e qualquer iniciativa para esclarecer sobre as reais limitações e

potencialidades de uma pessoa com deficiência, deve ser fomentada e divulgada.

Este estudo também permite sugerir um maior aprofundamento em novas pesquisas

com enfoque na diferença salarial como uma forma de preconceito e discriminação do

trabalhador deficiente ou, ainda, as reais vantagens da empresa quando contrata um deficiente,

além do conhecido desconto no imposto de renda, enfoques estes que não couberam ser

abordados nesta tese.

Em relação aos enfermeiros, apesar de não ser, diretamente, seu objeto de ação a

colocação do trabalhador deficiente no mercado de trabalho, não se pode ignorar a relevância

da atuação deste profissional seja no período pré, trans ou pós-hospitalar e o impacto de suas

ações no processo de reabilitação deste indivíduo que, se for iniciado precocemente, só vai

encurtar o período de afastamento do deficiente em relação ao seu trabalho, encorajando-o a

voltar ao convívio social.

No entanto, há que se preparar a sociedade, no sentido de superar as barreiras

atitudinais, que são tão ou mais altas e difíceis de se transpôs quanto as arquitetônicas.

Com vistas aos resultados, estes confirmaram a tese que o estudo propôs que foi a de

que a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora (não cadeirantes) em relação aos

trabalhadores cadeirantes reflete uma desvalorização destes últimos, caracterizando uma visão

estigmatizante do trabalhador paraplégico.

Finalizando, sobre o valor da diversidade, que é fundamental para acrescentar

possibilidades na nossa existência, Barth (1990, p. 514-515) descreve assim:

Eu preferiria que meus filhos freqüentassem uma escola em que as diferenças fossem observadas, valorizadas e celebradas como coisas boas, como oportunidade para a aprendizagem. Eu gostaria de ver nossa compulsão para eliminar as diferenças, para melhorar as escolas. O que é importante sobre as pessoas [...] é o que é diferente, não o que é igual.

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APÊNDICE A

ROTEIRO DE ENTREVISTA

1ª Parte – Caracterização dos Sujeitos Identificação do respondente: RESPONDENTE Nº _________ Sexo: � Fem � Masc

Nível de Escolaridade

Religião:

Profissão:

Cargo:

Treinamento para lidar com o cadeirante?

Sim � não �

Há quanto tempo trabalha com o colega

cadeirante?_____________________

Conhecia seu colega cadeirante antes dele se tornar

paraplégico?

Sim � não �

Sabe em que circunstâncias seu colega se tornou paraplégico?

Sim � não �

2ª Parte: Dados Subjetivos

1. Quando eu falo a palavra deficiência, o que primeiro vem em sua cabeça?

2. O que você diz sobre trabalhar com um colega cadeirante?

3. Como você diria que é a percepção dos seus colegas de trabalho andantes em relação ao

colega cadeirante ?

4. O que você acha que mais chama a atenção de seus colegas andantes em relação ao

colega cadeirante?

5. Fale sobre o trabalho que seu colega cadeirante realiza.

6. Você considera que há preconceito por parte de seus colegas de trabalho em relação ao

colega cadeirante? Comente.

7. Como você se sente trabalhando com um cadeirante?

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APÊNDICE B

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

(Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde)

Prezado(a) Sr(ª):

Você foi selecionado(a) e está sendo convidado(a) para participar da pesquisa intitulada “O paraplégico no mercado de trabalho – a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora: contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar”, que tem como objetivos: a) descrever a percepção dos trabalhadores em deficiência motora acerca do trabalhador paraplégico no trabalho; b) analisar, na percepção dos sujeitos do estudo, atitudes que denotem uma postura estigmatizante frente ao deficiente cadeirante; c) discutir as implicações da percepção dos trabalhadores sem deficiência motora acerca do paraplégico com a inclusão deste no contexto ocupacional e a prática da enfermagem no contexto da saúde do trabalhador.

Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder questões da entrevista. Suas respostas serão gravadas em fita K-7 que será destruída cinco anos após o término da pesquisa. Para garantir o anonimato, você será representado por um número, para que não seja identificado.

A sua participação é voluntária, isto é, a qualquer momento você pode recusar-se responder qualquer pergunta ou desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição. Não haverá custos para você nem riscos em participar deste estudo.

Os resultados desta pesquisa poderão ser publicados em eventos, revistas ou livros científicos, sem que haja qualquer exposição das pessoas que dela participaram, uma vez que o anonimato está garantido. A divulgação das informações deste trabalho para a comunidade científica trará benefícios não só para a mesma, como também para a população alvo do estudo, uma vez que pretende estimular a reflexão sobre o tema, aumentando o espaço para o debate o assunto.

Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço do pesquisador principal, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.

______________________________________ Nome e assinatura do pesquisador

Pesquisadora: Rachel Ferreira Savary Figueiró Tel: (21) 2293-9443 //(21) 2293-8899 Rua Afonso Cavalcanti 2863 Cidade Nova Rio de Janeiro CEP: 21215100

Data, ______de _________________de_________

Declaro estar ciente do inteiro teor deste TERMO DE CONSENTIMENTO e estou de acordo em participar do estudo proposto, sabendo que dele poderei desistir a qualquer momento, sem sofrer qualquer tipo de punição ou constrangimento.

_________________________________________ Sujeito da pesquisa

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APÊNDICE C

CARTA DE AUTORIZAÇÃO PARA COLETA DE DADOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY/UFRJ DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM DE SAÚDE PÚBLICA Da: Profª MSc Rachel Ferreira Savary Figueiró DESP/UFRJ

Para:

Assunto: Autorização para coleta de dados de tese de doutorado

Prezado Sr.

Sou docente da UFRJ e, no momento, desenvolvo minha tese de doutorado que tem

como um de seus objetivos identificar a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora

sobre o paraplégico no contexto ocupacional.

Através de consulta às entidades que dão suporte e encaminham pessoas portadoras de

deficiência ao mercado de trabalho, soube que existem nessa instituição

____________________________________, trabalhadores com este perfil.

Desta forma, encaminho meu projeto de tese e a folha de rosto para pesquisa

envolvendo seres humanos da CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) para vossa

apreciação e, se possível, autorização para que eu possa coletar os dados para meu estudo.

Cabe ressaltar que não haverá implicação financeira em nenhum momento para

qualquer pessoa envolvida na pesquisa, e que o anonimato das pessoas entrevistadas será

garantido uma vez que o estudo está pautado nas normas éticas impostas pela Resolução

196/96 da CONEP.

Assim, agradeço vossa atenção e coloco-me à disposição para os questionamentos

necessários.

Muito obrigada.

Profª MSc Rachel Ferreira Savary Figueiró - EEAN/UFRJ

Rua Afonso Cavalcanti 275 – Cidade Nova

Tel: 2293-8899 – 9874-5356 e-mail: [email protected]

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ANEXO A

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