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1 O PROGRAMA NACIONAL DE DOCUMENTAÇÃO DA TRABALHADORA RURAL NO CONTEXTO DOS TERRITÓRIOS DA CIDADANIA DO ESTADO DE SÃO PAULO Sérgio Pereira de Souza Membro do GEDRA: Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária Universidade Estadual Paulista - Campus de Presidente Prudente – SP [email protected] Rosangela Ap. de Medeiros Hespanhol GEDRA: Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária Universidade Estadual Paulista - Campus de Presidente Prudente – SP [email protected] Resumo O Programa Territórios da Cidadania é composto por 180 ações que são executadas pelo Governo Federal nos territórios selecionados para participar desse programa. Essas ações estão distribuídas em sete eixos temáticos, a saber: direitos e desenvolvimento social; organização sustentável da produção; saúde, saneamento e acesso a água; educação e cultura; infra-estrutura; apoio a gestão territorial e ações fundiárias. Dentre os vários programas e ações direcionadas pelos diversos ministérios e secretarias que participam dos Territórios da Cidadania, temos o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR), que tem como objetivo articular diversos agentes institucionais e da sociedade civil para a emissão de documentos básicos e promover a cidadania para as trabalhadoras rurais. Este texto tem como objetivo caracterizar e analisar a importância do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural na promoção da cidadania para as trabalhadoras rurais dos Territórios da Cidadania localizados no Estado de São Paulo. Palavras-chave: Desenvolvimento territorial. Políticas públicas. Territórios da Cidadania. Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural. Introdução A utilização da abordagem do desenvolvimento territorial para explicar o processo de fortalecimento das organizações sociais rurais está relacionada ao reconhecimento de novas dinâmicas socioespaciais no campo e, em virtude da necessidade do Governo Federal em integrar as políticas de cunho social para os espaços rurais brasileiros, através de vários programas e ações. Dentro desta perspectiva, destacamos que a abordagem do desenvolvimento territorial tem sido uma das formas de se pensar o desenvolvimento nesses espaços, através da concepção dos novos desafios que envolvem o conceito de território nas políticas públicas voltadas para o campo brasileiro. Nesse sentido, entendemos como desenvolvimento territorial o processo de,

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O PROGRAMA NACIONAL DE DOCUMENTAÇÃO DA TRABALHADORA RURAL NO CONTEXTO DOS TERRITÓRIOS DA CIDADANIA DO ESTADO

DE SÃO PAULO

Sérgio Pereira de Souza Membro do GEDRA: Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária

Universidade Estadual Paulista - Campus de Presidente Prudente – SP [email protected]

Rosangela Ap. de Medeiros Hespanhol

GEDRA: Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária Universidade Estadual Paulista - Campus de Presidente Prudente – SP

[email protected] Resumo O Programa Territórios da Cidadania é composto por 180 ações que são executadas pelo Governo Federal nos territórios selecionados para participar desse programa. Essas ações estão distribuídas em sete eixos temáticos, a saber: direitos e desenvolvimento social; organização sustentável da produção; saúde, saneamento e acesso a água; educação e cultura; infra-estrutura; apoio a gestão territorial e ações fundiárias. Dentre os vários programas e ações direcionadas pelos diversos ministérios e secretarias que participam dos Territórios da Cidadania, temos o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR), que tem como objetivo articular diversos agentes institucionais e da sociedade civil para a emissão de documentos básicos e promover a cidadania para as trabalhadoras rurais. Este texto tem como objetivo caracterizar e analisar a importância do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural na promoção da cidadania para as trabalhadoras rurais dos Territórios da Cidadania localizados no Estado de São Paulo. Palavras-chave: Desenvolvimento territorial. Políticas públicas. Territórios da Cidadania. Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural.

Introdução A utilização da abordagem do desenvolvimento territorial para explicar o processo de

fortalecimento das organizações sociais rurais está relacionada ao reconhecimento de

novas dinâmicas socioespaciais no campo e, em virtude da necessidade do Governo

Federal em integrar as políticas de cunho social para os espaços rurais brasileiros,

através de vários programas e ações.

Dentro desta perspectiva, destacamos que a abordagem do desenvolvimento territorial

tem sido uma das formas de se pensar o desenvolvimento nesses espaços, através da

concepção dos novos desafios que envolvem o conceito de território nas políticas

públicas voltadas para o campo brasileiro.

Nesse sentido, entendemos como desenvolvimento territorial o processo de,

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[...] fortalecimento das formas de organização social, assumindo seu papel na transformação da realidade (SOCIAL); tendo clara noção das fragilidades, das potencialidades e dos efeitos da ação humana sobre o meio ambiente (AMBIENTAL), construindo assim alternativas econômicas condizentes com estes limites e o potencial de crescimento econômico, bem como o impacto na sociedade e no ambiente, reavaliando os níveis de consumo pessoais e da sociedade (ECONÔMICO), estando estas ações baseadas nos valores e na diversidade existente dentro do território (CULTURAL) (BRASIL, 2100a, p. 7).

Este artigo tem como objetivo caracterizar e a analisar a importância do Programa

Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR), no contexto do Programa

Territórios da Cidadania no Estado de São Paulo.

Em termos de procedimentos metodológicos efetuou-se levantamento bibliográfico

sobre a temática abordada; pesquisas nos sites do Programa Territórios da Cidadania

(PTC), do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e do Programa Nacional de

Documentação da Trabalhadora Rural.

O texto esta estruturado em quatro partes, além dessa introdução e das considerações

finais. Na primeira parte é caracterizada a abordagem do desenvolvimento territorial no

Brasil. Na segunda parte faz-se uma descrição das características do Programa

Territórios da Cidadania no Brasil e no Estado de São Paulo. Na terceira parte é

realizada a caracterização do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora

Rural. Na quarta parte se analisa os resultados da realização dos mutirões para a

emissão de documentos no âmbito do PNDTR nos Territórios da Cidadania no Estado

de São Paulo

A abordagem do desenvolvimento territorial para os espaços rurais brasileiros O Governo Federal ao utilizar a abordagem do desenvolvimento territorial em suas

políticas demonstra a importância que as novas dinâmicas sociais no campo brasileiro

estão provocando na sua organização interna, bem como a necessidade de aumentar a

participação de ministérios, secretarias federais, estaduais e municipais e dos agentes

locais na definição dos projetos e ações que serão implantados nos espaços rurais

brasileiros.

Para Hespanhol (2010, p.124): A partir de meados da década de 1990 e, sobretudo no decorrer dos anos 2000, o Estado brasileiro introduziu, pelo menos no nível de concepção e de operacionalização, novos aportes à parte das políticas públicas direcionadas ao

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campo brasileiro, destacando-se as implementadas sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Essa atuação reflete também a oportunidade de se fazer uma avaliação das políticas

públicas utilizadas para a promoção da cidadania, tendo como foco a agricultura

familiar e seus atores sociais como os assentados, as famílias quilombolas e também

comunidades indígenas e pescadores presentes nos Territórios da Cidadania.

De acordo com Guimarães Neto (2010, p. 69): A emergência dessa abordagem territorial do desenvolvimento rural tem sua origem, também no reconhecimento da ocorrência de novas dinâmicas espaciais, e exemplo de uma aproximação do rural com o urbano e a constatação de que a industrialização e a modernização agrícola não constituíram elementos suficientes para a efetiva promoção do desenvolvimento rural.

Nesse contexto, o que está em pauta é a implantação de uma forma de gestão do

território apoiada na descentralização da tomada de decisões através da participação de

agentes de diferentes escalas (federal, estadual e municipal), a fim de empreender um

desenvolvimento territorial que leve à promoção da cidadania e à redução das

desigualdades sociais nos espaços rurais brasileiros.

Sobre este aspecto, Favaretto (2010, p. 53) descreve três fatores importantes para sua

compreensão: Primeiro, ao reconhecimento de que as dinâmicas das regiões rurais não podem mais ser explicadas exclusivamente pelo que se passa na agricultura e na pecuária. Cada vez mais, a agricultura perde participação na formação das rendas e na ocupação de mão-de-obra comparativamente a outros setores econômicos. Segundo, a constatação de que os investimentos em escala comunitária ou, no caso de alguns países, municipal, precisariam dar lugar a uma estratégia capaz de envolver a escala territorial, entendida como sinônimo de regional ou intermunicipal. Terceiro, finalmente, ao novo contexto de investimentos públicos, no qual as intervenções de tipo top down precisariam ser substituídas ou equilibradas com intervenções ascendentes, ou de tipo bottom up.

Para que essa dinâmica se tornasse uma realidade, pelo menos no discurso das políticas

públicas para a agricultura familiar, foi criado no âmbito da atuação do Governo Federal

uma gama de instituições com a função de implementar ações direcionadas a propiciar o

desenvolvimento socioeconômico dos territórios com baixo dinamismo.

Uma dessas instituições foi a Secretaria de Desenvolvimento Territorial ligada ao

Ministério do Desenvolvimento Agrário.

De acordo com Lopes (2010, p. 75), com a criação dessa secretaria em 2003,

[...] a abordagem territorial do desenvolvimento passou a substituir as ações, até então voltadas aos municípios, para o território. Aqueles economicamente

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deprimidos, ou seja, os que apresentam baixo ritmo de crescimento e com potencial restrito para o desenvolvimento, medido pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), foram considerados os espaços privilegiados para novos arranjos socioprodutivos.

Outro fator responsável pela introdução da perspectiva do desenvolvimento territorial

nas políticas públicas direcionadas ao espaço rural brasileiro foi a criação do Programa

Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e do CODETER

(Colegiado de Desenvolvimento Territorial). Segundo Favaretto (2010, p.53):

Com a criação da SDT e a autonomização da vertente infraestrutura do Pronaf, agora sob sua jurisdição, enquanto as demais linhas permaneceram sob controle da outra secretaria do Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Secretaria da Agricultura Familiar – SAF, ocorrem dois movimentos. Por um lado, todos os investimentos a título de apoio à infraestrutura passam a ser feitos em agregados de municípios. Por outro lado, o distanciamento para com as demais linhas e investimentos do Pronaf, que já vinha sendo apontado por estudos de avaliação do programa, se acentua. Junto disso, modifica-se também o marco para a participação social na gestão do programa. Antes, os recursos eram planejados e fiscalizados pelos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural – CMDR. Agora, em vez desses conselhos municipais, passa-se a estimular e exigir a criação de Colegiados de Desenvolvimento Territorial – Codeter.

Porém, a criação do CODETER não ocorreu em virtude da maior participação social

para atender a gestão do programa, mas foi uma forma de organização imposta,

conforme ressalta Favaretto (2010, p. 54): Os Codeter não eram criados como expressão das forças sociais locais em torno de um projeto de desenvolvimento territorial, como preconizavam os documentos que sistematizaram a nova abordagem do desenvolvimento rural, mas antes o contrário: os agrupamentos e municípios eram comunicados da disponibilidade de recursos e convocados a elaborar um plano para poder acessá-los. É verdade que a justificativa da política de desenvolvimento territorial ampliou os critérios de escolha dos territórios a serem apoiados, se comparado com a experiência anterior dos CMDR, introduzindo a noção de capital social e a incidência de agricultores familiares, assentados e remanescentes de quilombos no rol de quesitos a serem observados. Mas não se pode dizer que tal escolha era derivada da capacidade de mobilização das forças sociais dos territórios em torno de um projeto de desenvolvimento, nem tampouco que a noção de capital social foi efetivamente utilizada nesta seleção.

Apesar desta dificuldade de articulação dos agentes sociais, os colegiados territoriais

conseguiram aprofundar as possibilidades de controle social das políticas de

desenvolvimento rural através da disseminação da abordagem territorial do

desenvolvimento para o campo (FAVARETTO, 2010).

Cabe ressaltar que, com os CODETER, as decisões sobre os projetos selecionados para

os Territórios da Cidadania são tomadas pelos representantes dos atores sociais

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territoriais (agentes públicos e sociedade civil), o que pressupõe, mas não garante, uma

articulação e gestão mais articulada no território.

A constituição dessas instâncias administrativas para gerir as ações que visam ao

desenvolvimento territorial são acompanhadas da elaboração dos Planos Territoriais de

Desenvolvimento Rural Sustentável – PTDRS.

De acordo com Adib (2007, p.4), o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural

Sustentável (PTDRS) é, [...] entendido como um conjunto organizado de diretrizes, estratégias e compromissos relativos às ações que serão realizadas no futuro visando o desenvolvimento sustentável nos territórios, resultante de consensos compartilhados dos atores sociais com o apoio do Estado, nas decisões tomadas no processo dinâmico de planejamento participativo. O plano tem um caráter do desenvolvimento integral do território que não deve estar focado apenas nas políticas públicas praticadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA ou pela Secretária de Desenvolvimento Territorial - SDT, mas muito mais abrangente, pois deve integrar uma visão mais ampla do território, projetando todas as ações necessárias ao seu processo de desenvolvimento sustentável, independentemente das fontes de financiamento ou parcerias a serem formadas, sejam elas de natureza pública ou privada, dentro ou fora do espaço territorial. O importante é que seja um instrumento auxiliar de gestão social que permita aos atores sociais negociar técnica e politicamente com todas as instâncias a viabilização das ações projetadas.

É neste contexto institucional que o Governo Federal através do Programa Territórios

da Cidadania passa a instituir espaços de debates para viabilizar a participação

representativa dos atores dos municípios que compõem os territórios selecionados para

esse programa.

O Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural foi institucionalizado

com o objetivo de articular os diversos agentes públicos e da sociedade civil, no sentido

de promover a cidadania para as trabalhadoras rurais e contribuir para reforçar o aspecto

de política de desenvolvimento territorial do Programa Territórios da Cidadania.

O Programa Territórios da Cidadania no Brasil e no Estado de São Paulo O Programa Territórios da Cidadania constitui-se num programa de governo no sentido

de priorizar ações em territórios onde os investimentos públicos não têm sido

suficientes para garantir o atendimento às necessidades básicas da população. Esse

programa foi implantado pelo governo federal em 2008, identificando inicialmente um

total de 60 unidades (territórios). Em 2009 este número passou para 120 territórios

(Quadro 1), aumentando também o número de ministérios e órgãos federais parceiros do

programa, que passou de 17 para 22, permanecendo dessa forma até o ano de 2012.

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No quadro 1 podemos verificar o número de Territórios da Cidadania estabelecidos por

região brasileira.

Quadro 1 - Número de Territórios da Cidadania nas regiões brasileiras – 2008 a 2012 Região 2008 2009 2010 2011 2012 Nordeste 29 27 56 56 56 Norte 13 14 27 27 27 Sudeste 8 7 15 15 15 Centro-Oeste 6 6 12 12 12 Sul 4 6 10 10 10 Total 60 60 120 120 120 Fonte: Rocha (2010) e http://sit.mda.gov.br/territorio.php?menu=cidadania&base=2 – Acesso 15 de junho de 2012. Org: Os autores.

Pela análise do quadro 1, percebemos que nos anos de 2010, 2011 e 2012 não ocorreu

alteração no numero de Territórios da Cidadania instituídos nas regiões brasileiras. A

concentração desses territórios nas Regiões Nordeste (56) e Norte (27), confirma a

prioridade do Governo Federal em investir em ações sociais a fim de combater a

pobreza e promover a cidadania nessas localidades.

De acordo com Hespanhol (2010), aproveitando-se da experiência de identificação dos

territórios rurais, foi lançado pelo governo federal (na segunda gestão do presidente

Luiz Inácio Lula da Silva – 2006 – 2010), em Fevereiro de 2008, o Programa Territórios

da Cidadania (PTC).

Esse programa procura atender algumas demandas definidas no Plano de

Desenvolvimento Territorial Rural Sustentável (PDTRS), elaborado nas Conferências

Territoriais Locais que são realizadas pelos representantes dos atores sociais (agentes

institucionais e sociedade civil) de cada território

Com a implantação do Programa Territórios da Cidadania criou-se a expectativa de uma

verdadeira integração para além dos limites de um ministério.

Para Lopes (2010, p. 86), O programa é complexo não apenas pelos seus propósitos - promover o desenvolvimento nas dimensões econômica, sociocultural, ambiental e político-institucional -, mas porque reforça as relações federativas ao combinar ações da União, dos governos estaduais e municipais. Cada órgão do governo federal propõe um conjunto de ações para o território. Quando o programa é divulgado nas comunidades, reuniões entre a sociedade e representantes dos três níveis de governo são efetuadas para definir o plano de desenvolvimento, que podem incluir também ações conjuntas com os governos estaduais e municipais. Definido o plano de intervenção, a execução e o controle das obras podem ser feitas por meio de um portal na internet, garantindo a “participação” e a transparência das ações.

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Para Favaretto (2010, p.56):

O programa foi apresentado como uma tentativa de integrar e dar coesão a um conjunto de ações, antes dispersas em diversas estruturas do Poder Executivo. Por isso, para muitos o programa passou a ser visto como uma espécie de complemento do Programa de Aceleração do Crescimento, principal programa brasileiro, e sinal de que, finalmente, o Brasil rural passava a ser tomado como prioridade.

O público priorizado a ser atendido com os projetos e as ações vinculadas a esse

programa são agricultores familiares, assentados, quilombolas e comunidades de

pescadores e de indígenas dos territórios identificados com baixo Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).

Na identificacão dos territórios pertencentes ao PTC levou-se em consideração um

conjunto de características que demonstrasse coerência e coesão para que fossem

definidos os territórios de identidade.

Os principais critérios levados em consideração para que um território rural seja elevado

à categoria de território da cidadania são: [...] ser Território Rural, conforme programa desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA); apresentar Índice de Desenvolvimento Humano Muncipal (IDHM) mais baixo que os municípios do país; possuir uma concentração de agricultores familiares e assentamentos da reforma agrária e de populações quilombolas, indígenas e pescadores; ter um número considerável de beneficiários do Programa Bolsa Família; apresentar um número de municípios com baixo dinamismo econômico; ruralidade; Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb); Prioridades ou políticas de governo, como Mesorregiões, Consads, Amazônia Legal, Arco Verde, Reservas Extrativistas e Bacia do São Francisco; Um mínimo de dois e um máximo de oito Territórios da Cidadania por Unidade da Federação; consulta aos estados, por meio dos Comitês de Articulação Estaduais, na definição dos Territórios da Cidadania (BRASIL, 2009, p. 12).

Pelo quadro 2 podemos verificar algumas características do Programa Territórios da

Cidadania no Brasil no ano de 2010.

Quadro 2 - Características gerais dos Territórios da Cidadania no Brasil - 2010 Brasil Territórios (%)

Número de Territórios 120 120 100,00 Municípios 5564 1851 33,27

Área 8.626.768,60 4.527.695,40 52,48 População 183.989.711 42.741.272 23,23

População Rural 28.425.733 13.128.956 46,19 Pescadores 798.477 440.075 55,11

Agricultores Familiares 4.363.034 2.041.552 46,79 Famílias Assentadas 880.655 587.234 66,68

Quilombolas 1.510 1.004 66,49 Terras Indígenas 670 349 52,00

Fonte: http://sit.mda.gov.br/territorio.php?menu=cidadania&base=2 – Acesso 18 agosto de 2011.

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Segundo Correia et al. (2009, p.8) Foram definidos 60 territórios para o início das ações, sendo que cada um deles foi montado considerando um conjunto de municípios, que apresentassem baixos índices de IDH (em comparação com a média dos municípios do país) e baixo dinamismo econômico. Mais do que isto, para formar cada um dos territórios foram definidos conjuntos de municípios unidos pelas mesmas características econômicas e ambientais que tivessem identidade e coesão social, cultural e geográfica. O conjunto desses municípios forma assim um Território, que tem uma magnitude menor do que a de um estado da federação e que seria um interessante lócus de política pública (maior do que um município), pois englobaria localidades com relações entre si e engendraria condições de articular Governo e Grupos sociais com o intuito de gerar planejamento e proposição de ações para o desenvolvimento desses espaços.

O PTC desenvolve ações integradas de vários ministérios que transferem recursos aos

120 territórios, distribuídos em 180 ações. Essas ações são executadas de forma

diferenciada em cada território, respeitando as características socioeconômicas e

ambientais peculiares a cada região.

Destacamos que as 180 ações estão distribuídas em sete eixos temáticos, a saber:

direitos e desenvolvimento social; organização sustentável da produção; saúde,

saneamento e acesso a água; educação e cultura; infra-estrutura; apoio a gestão

territorial e ações fundiárias.

A implantação dessas ações nos Territórios da Cidadania têm como objetivo promover a

superação da pobreza e das desigualdades sociais no meio rural, inclusive as de gênero,

raça e etnia, por meio de estratégia de desenvolvimento rural e devem estar articuladas

entre si, no sentido de propiciar um melhor desenvolvimento social, através da

erradicação da pobreza rural, do analfabetismo, da fome e da ampliação no campo dos

direitos sociais que contemplem o acesso à cidadania.

Nesse texto entendemos como estratégia de desenvolvimento rural a elaboração de

ações e planos a fim de alcançar metas pré-definidas para solucionar os problemas mais

urgentes dos produtores rurais familiares, sejam eles vinculados à produção e a

organização agropecuária ou para a promoção de seus direitos sociais. Essas ações

devem ser estabelecidas no momento de elaboração do Plano de Desenvolvimento

Territorial Rural Sustentável (PDTRS) de cada Território da Cidadania.

As políticas públicas, que tem em suas diretrizes a abordagem e as estratégias do

desenvolvimento territorial, levam em consideração o território constituído de espaço

rural e urbano, pois são ações que devem considerar as características socioeconômicas

desses dois espaços.

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No PTC, a prioridade é a redução da pobreza, tanto no espaço rural como urbano,

através da promoção da cidadania e do acesso da população aos programas e ações

priorizados para os municípios que compõem os Territórios da Cidadania.

Sobre essa questão, Lopes (2010, p. 87) ressalta que:

Ainda que uma das premissas da abordagem territorial do desenvolvimento seja a caracterização de um espaço rural multissetorial que inclui áreas urbanas, o Programa Territórios da Cidadania centraliza suas ações no financiamento de projetos do setor primário e na oferta de serviços aos domiciliados no meio rural.

Ressaltamos que essa forma de gestão, organização e implantação do Programa

Territórios da Cidadania, centrado nos espaços rurais, têm contribuído com o

desenvolvimento territorial, através da implantação de projetos que beneficiam a

população do campo, pois pressupõe a participação de uma gama de atores locais,

regionais e nacionais que podem, de acordo com suas necessidades e expectativas, fazer

com que o plano proposto traga na prática o desenvolvimento rural.

O Estado de São Paulo possui três Territórios da Cidadania: Pontal do Paranapanema,

Sudoeste Paulista e Vale do Ribeira (Figura 1).

Figura 1 - Localização dos Territórios da Cidadania no Estado de São Paulo - 2011

Fonte: http://sit.mda.gov.br/mapa.php?menu=imagem&base=2 – Acesso em 18 de agosto de 2011.

Na Tabela 2 podemos verificar informações sobre os Territórios da Cidadania no Estado

de São Paulo, com destaque para o número de famílias assentadas no Pontal do

Paranapanema (5.853 famílias), o número de pescadores (3.438 pescadores) e as

comunidades quilombolas no Vale do Ribeira (33 comunidades quilombolas).

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Tabela 2 - Características gerais dos Territórios da Cidadania no Estado de São Paulo

Território Nº de

Municípios População

Rural

População Rural em Extrema Pobreza

Nº de Estab.

Agricultura Familiar

Nº Famílias

Assentadas Nº

Pescadores

Nº de Comunidades Quilombolas

Nº de Terras Indígenas

Pontal do Paranapanema - SP 32 59.911 3.430 12.349 5.853 1.482 0 0

Sudoeste Paulista - SP 15 67.415 7.056 6.605 415 56 1 2

Vale Do Ribeira - SP 25 114.995 14.931 7.037 159 3.438 33 13 Fonte: http://sit.mda.gov.br/territorio.php?menu=territorio&base=1&informe=s#

Para Telles (2012, p. 24)

Por este motivo, os Territórios da Cidadania são também um espaço fundamental para a implementação de ações afirmativas de igualdade de gênero, de raça e etnia.

O Território da Cidadania do Pontal do Paranapanema é formado por 32 municípios:

Alfredo Marcondes, Álvares Machado, Anhumas, Caiabu, Caiuá, Emilianópolis,

Estrela do Norte, Euclides da Cunha Paulista, Iepê, Indiana, João Ramalho, Marabá

Paulista, Martinópolis, Mirante do Paranapanema, Nantes, Narandiba, Piquerobi,

Pirapozinho, Presidente Bernardes, Presidente Epitácio, Presidente Prudente,

Presidente Venceslau, Rancharia, Regente Feijó, Ribeirão dos Índios, Rosana,

Sandovalina, Santo Anastácio, Santo Expedito, Taciba, Tarabai e Teodoro Sampaio

(Figura 2).

Figura 2 - Municípios do Território da Cidadania do Pontal do Paranapanema

Fonte: http://sit.mda.gov.br/mapa.php?menu=imagem&base=2 – Acesso em 18 de agosto de 2011.

De acordo com o PDTRS do Território da Cidadania do Pontal do Paranapanema (2007,

p.4/5), [...] o território é uma das principais áreas de assentamento do país, sendo a localização de maior peso no total de assentamentos de São Paulo, não obstante, a manutenção de uma estrutura fundiária fortemente

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concentrada. A modernização da agricultura a partir dos anos 1970 e a concentração de terras pela atividade pecuária, intensificada pelo aumento da demanda de carnes nos grandes centros urbanos do país, determinaram a “expulsão” de pequenos agricultores do campo. Ao mesmo tempo, a oferta de emprego nas agroindústrias, atividades de comércio e serviços foram fatores atrativos da população rural para os centros urbanos, mas não se constituiu na região uma rede urbana expressiva, com cidades de médio e grande porte. A região caracteriza-se pela presença de grandes empreendimentos agroindustriais (frigoríficos, curtumes e, mais recentemente, usinas sucroalcooleiras), de inúmeros assentamentos de reforma agrária e pela baixa diversificação do setor industrial (concentrado no município-pólo Presidente Prudente, com destaque para empresas industriais de porte significativo de capital local). Em relação ao setor terciário regional, tem destaque os estabelecimentos comerciais, de administração pública, educação, saúde e transporte, também concentrados em Presidente Prudente. Em síntese, com exceção do município-pólo e do fator atrativo que este exerce sobre outros municípios, a dinâmica econômica regional não é diversificada e baseia-se no setor agroindustrial.

O Território da Cidadania do Sudoeste Paulista é composto por 15 municípios:

Guapiara, Itaberá, Itapeva, Taquarivaí, Capão Bonito, Barão de Antonina, Bom Sucesso

de Itararé, Nova Campina, Riversul, Coronel Macedo, Buri, Itararé, Taquarituba,

Ribeirão Grande e Itaporanga.

Figura 3 - Municípios do Território da Cidadania do Sudoeste Paulista

Fonte: http://sit.mda.gov.br/mapa.php?menu=imagem&base=2 – Acesso em 18 de agosto de 2011.

De acordo com o PDTRS do Território da Cidadania do Sudoeste Paulista (2007, p.6):

A região Sudoeste Paulista caracteriza-se por ser uma das regiões de pior desenvolvimento humano do estado de São Paulo e também do país. Apesar da sua antiga colonização, marcada pela importante rota dos tropeiros que vinham do Sul para São Paulo, essa trajetória histórica não proporcionou à região ciclos de desenvolvimento virtuosos, mas sim um tipo de desenvolvimento cujas conseqüências são marcadas pela degradação ambiental e enorme concentração de renda. A região é conhecida como “ramal da fome”, por ser a região mais pobre do estado de São Paulo, apesar da presença de grandes lavouras, florestas e agroindústrias. Quanto à dinâmica populacional, o Sudoeste Paulista tem características acentuadas de um território rural em torno de um pequeno pólo semi-urbano. Mais de dois

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terços dos municípios do território possuem menos de 20 mil habitantes, em condição de esvaecimento e estagnação.

O Território da Cidadania do Vale do Ribeira é composto por 25 municípios: Ilha

Comprida, Apiaí, Barra do Chapéu, Barra do Turvo, Eldorado, Itapirapuã Paulista,

Miracatu, Ribeira, Ribeirão Branco, São Lourenço da Serra, Tapiraí, Cajati, Cananéia,

Iguape, Iporanga, Itaóca, Itariri, Jacupiranga, Juquiá, Juquitiba, Pariquera-Açu, Pedro de

Toledo, Peruíbe, Registro e Sete Barras (Figura 4).

Figura 4 - Municípios do Território da Cidadania do Vale do Ribeira

Fonte: http://sit.mda.gov.br/mapa.php?menu=imagem&base=2 – Acesso 18 de agosto de 2011.

Conforme documento da 1ª Conferência Regional de Desenvolvimento Territorial

Sustentável do Vale do Ribeira – Agenda 21 (2006, p.2): Na atualidade o processo hegemônico de desenvolvimento no Vale do Ribeira é caracterizado pela concentração de riquezas, depredador dos recursos naturais e gerador da exclusão social, ensejando uma atuação mais forte por parte do Poder Público e da sociedade civil para promover as mudanças necessárias visando a sustentabilidade. Os principais entraves ao desenvolvimento regional são: a falta de infra-estrutura, a falta de regularização fundiária das terras, o reflorestamento desordenado, as leis ambientais restritivas sem políticas compensatórias, educativas e não incentivadoras do desenvolvimento sustentável, a tecnologia e pesquisa insuficientes e inadequadas a realidade e especificidade local, e a falta de investimentos em políticas sociais inclusivas.

Os três Territórios da Cidadania do Estado de São Paulo, apresentam características

socieconômicas muitos semelhantes (problemas agrários, degradação ambiental, baixo

dinamismo econômico, falta de regularização fundiária das terras, etc), mas que

demandam a implantação de políticas públicas específicas para atender as demandas dos

atores desses territórios.

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Uma das especificidades decorrentes do processo histórico da ocupação desses

territórios é exclusão das mulheres trabalhadoras rurais de seus direitos de cidadãs que

se reflete na falta de documentação básica.

No sentido de minimizar essa exclusão foi institucionalizado o Programa Nacional de

Documentação da Trabalhadora Rural.

Dentre os programas e ações priorizadas no PTC, está o Programa Nacional de

Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR), que se destaca como importante no

processo de ampliação da cidadania, pois serve de suporte para que as mulheres que não

possuem documentos pessoais possam acessar recursos de outros programas de inclusão

social (Bolsa Família, etc.).

O PNDTR também tem relevância no âmbito do PTC, como ação para o

desenvolvimento social, no sentido de articular diversos atores institucionais e locais no

enfrentamento das desigualdades sociais e de gênero dentro dos territoriais rurais

paulistas.

Para uma melhor compreensão de como o PNDTR tem contribuído para fortalecer o

aspecto de política territorial do PTC, no próximo item vamos caracterizar esse

programa.

O Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural Os programas e as ações elaboradas e implantadas no âmbito do Programa Territórios

da Cidadania são de extrema relevância para a criação de espaços participativos

representativos, de controle social e de promoção da cidadania, através de uma gestão

democrática envolvendo órgãos federais, estaduais, municipais e atores locais, com o

objetivo de diminuir a limitação do acesso das mulheres rurais aos programas de

combate às desigualdades de gêneros nos espaços rurais brasileiros.

Para Butto (2011, p. 30), Em resposta a essa demanda e devido à limitação do acesso das mulheres às políticas da reforma agrária e agricultura familiar pela ausência de documentação, o Ministério do Desenvolvimento Agrário lançou em 2004, o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural que articulou, pela primeira vez na história do Brasil, muitos organismos governamentais e não-governamentais para realização de uma ação que garante a efetivação da cidadania e o acesso às políticas públicas para as mulheres no campo. Trata-se de um programa inovador uma vez que prevê a conscientização sobre a utilidade da documentação civil e trabalhista, além da orientação de acesso a políticas públicas para as mulheres na reforma agrária e na agricultura

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familiar e previdência social, emitindo, de forma gratuita, os documentos civis, trabalhistas e o acesso a direitos previdenciários.

No PNDTR a atuação conjunta de vários órgãos governamentais, entidades civis e

organizações não governamentais têm como objetivo principal promover a cidadania

das mulheres trabalhadoras rurais através da participação e do controle social dos atores

locais.

Sobre essa questão, Butto (2011, p. 30) escreve que: O Programa prevê gestão constituída por um comitê composto pelos parceiros em nível nacional, que tem como objetivo planejar e avaliar a execução do programa. Após a sua criação, os movimentos sociais passaram a reivindicar a ampliação do Programa de Documentação, mediante um número maior de recursos humanos e financeiros com a finalidade de torná-lo uma política permanente de acesso à documentação civil e trabalhista em todos os estados e municípios rurais e com atendimento a distintos segmentos da agricultura familiar e comunidades tradicionais. Além disso, a necessidade de instalar os Comitês Estaduais de Documentação em todos os estados brasileiros, o financiamento de cursos de capacitação em “gênero, direitos e cidadania para mulheres trabalhadoras rurais” e mobilizações das organizações das mulheres rurais.

Butto (2011) ressalta que se criou uma institucionalidade interna com forte integração às

demais políticas para as mulheres no âmbito do Governo Federal, o que gerou a

constituição de equipe de assessoria e designação de recursos para promover políticas

de igualdade através de medidas para transversalizar as relações de gênero nas políticas

de desenvolvimento rural, de forma a promover os direitos econômicos das mulheres

trabalhadoras rurais e o pleno exercício da cidadania.

Nos programas voltados para as trabalhadoras rurais brasileiras, Butto, (2011, p. 18)

destaca que: Um caráter participativo passou a ser adotado nos programas, seja através da constituição de um Comitê Permanente de Promoção da Igualdade no Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável - CONDRAF, seja através dos Comitês Gestores do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, e do Programa de Organização Produtiva, além do Grupo de Trabalho de Gênero e Crédito e da realização de inúmeros eventos nacionais, regionais, estaduais e municipais para promover a sua difusão e avaliação das políticas públicas, promovendo um reforço no modo de governar em permanente diálogo com as organizações dos movimentos sociais de mulheres e da sociedade civil de forma mais ampla (ONG’s, redes de produção acadêmicas, etc.). Estratégia que se aprofunda com a gestão democratizada das políticas através do Programa Territórios da Cidadania.

O PNDTR é uma ação fundamental para a inclusão social das trabalhadoras rurais, pois

possibilita a emissão gratuita de documentos civis, trabalhistas e de acesso a direitos

previdenciários através dos mutirões itinerantes de documentação. O programa também

realiza ações educativas com o objetivo de esclarecer as beneficiárias sobre o uso de

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documentos e como participar de outras políticas públicas direcionadas aos espaços

rurais dos Territórios da Cidadania.

De acordo com o site do PNDTR, este tem os seguintes objetivos: - assegurar às mulheres da agricultura familiar, acampadas, assentadas da reforma agrária, atingidas por barragens, quilombolas, pescadoras artesanais, extrativistas e indígenas o acesso aos documentos civis e trabalhistas, de forma gratuita e nas proximidades de moradia, visando efetivar sua condição cidadã, fortalecer sua autonomia e possibilitar acesso às políticas públicas; - promover ações educativas participativas, objetivando informar sobre a importância da documentação e orientar sobre políticas públicas com enfoque especial àquelas destinadas às trabalhadoras rurais; - contribuir para a igualdade entre homens e mulheres (http://www.mda.gov.br/portal/aegre/programas//pndtr).

Cabe ressaltar que o PNDTR, tem como a prioridade o atendimento às mulheres

trabalhadoras rurais, mas também pode atender outros trabalhadores do campo (homens

e jovens).

Esse programa procura incentivar a participação das trabalhadoras rurais de forma

organizada, articulada com o objetivo de implantar ações que diminuam as diferenças

de gênero nos territórios rurais.

De acordo a Srª Nilcea Freire, Ministra da Secretaria Especial de Políticas para

Mulheres (2006), isso é possível porque o PNDTR; [...] não é apenas mais um serviço de emissão de documentos, ele inova ao se dirigir especialmente às mulheres trabalhadoras rurais que são o contingente mais afetado pela ausência de documentação. Além da documentação civil e trabalhista, elas recebem informações e orientações sobre direitos sociais e como acessar as políticas da agricultura familiar e de reforma agrária. Essa é uma ação de promoção de cidadania que se integra a outras iniciativas voltadas para a inclusão econômica e social. Elas convergem para o desafio de transformar em conquistas as lutas das trabalhadoras rurais por reconhecimento e construção da igualdade. Sem documento não há cidadania, sem cidadania não é possível garantir os direitos conquistados pelas mulheres (BRASIL, 2006, p. 3).

De acordo com as informações disponíveis no site do PNDTR, para atender a demanda

e atingir principalmente as mulheres que moram no campo, o PNDTR é realizado

através dos Mutirões Itinerantes de Documentação em todos os estados brasileiros, com

priorização para os municípios dos Territórios da Cidadania e do Plano Brasil Sem

Miséria. Os mutirões são realizados nas comunidades quilombolas e nos assentamentos

rurais, com a presença de técnicos/as dos órgãos emissores de documentos. As mulheres

são mobilizadas através dos movimentos sociais e de mulheres locais e os mutirões do

PNDTR são planejados pelos Comitês Gestores Estaduais a cada semestre e

consolidado no Comitê Nacional.

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Segundo Busanello (2009, p. 3): O Programa tem como diretrizes (a) oferecer condições básicas que facilitem o exercício da cidadania e emancipação econômica das trabalhadoras rurais; (b) promover difusão e capacitação sobre políticas públicas para as mulheres trabalhadoras rurais, e (c) estimular processos participativos na execução, avaliação e monitoramento das políticas públicas para as trabalhadoras rurais. A nível estadual, ele é operacionalizado pelas Delegacias Federais do Desenvolvimento Agrário e Superintendências Regionais do Incra, que possuem a atribuição de executar os mutirões itinerantes e coordenar o Comitê Gestor Estadual. A este Comitê compete a análise da demanda por documentação nos respectivos Estados, definição da quantidade, área de abrangência e data de realização dos mutirões, bem como a meta prevista para emissão de documentos.

O PNDTR implantou nos estados da federação as Unidades Móveis de Atendimento –

Expresso Cidadã, que levam os serviços de emissão de documentos até as comunidades

rurais, tornando o atendimento mais ágil e a entrega de documentos mais rápida,

facilitando o acesso da das mulheres aos documentos básicos.

Segundo Butto, (2011, p.30/31):

Em 2007, o Programa começou a implantar unidades móveis de atendimento, conhecidas como Expresso Cidadã. O Expresso Cidadã (veículos, equipados com a infraestrutura e acesso à internet para emissão on-line de 31documentos) foi implantado em 24 estados e parceiras, e recursos financeiros foram ampliados. Também foram realizadas ações educativas, nos mutirões, que contribuíram para a informação e o acesso das mulheres ao conjunto das políticas públicas.

Essa forma de organização do PNDTR nos municípios componentes dos Territórios da

Cidadania tem conbribuído para o atendimento de um número cada vez maior das

mulheres que vivem nos espaços rurais , garantindo o acesso a um grupo que estava

excluido de seus direitos de cidadão.

Para que o PNDTR atingisse seu objetivo, o MDA e o INCRA,

[...] estabeleceram uma série de acordos de cooperação com Ministério da Previdência Social, Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos, Instituto Nacional da Seguridade Seguro Social, Receita Federal do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco do Nordeste. Os acordos de cooperação celebrados estão focados na implementação do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher nos Estados e Municípios, na implantação do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, no acesso à Carteiras de Trabalho e Previdência Social, no Programa de Educação Previdenciária e atendimento previdenciário e no acesso à Carteira de Identidade. (http://www.mda.gov.br/portal/aegre/programas/pndtr/8924416. Acesso em 6/6/2012).

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Os principais documentos emitidos por esse programa são: Carteira de Registro Geral

(RG), Certidão de Casamento, Certidão de Nascimento, Carteira de Trabalho e Certidão

de Pessoa Física (CPF) e de Carteira de Pescadora.

No período de 2004 a 2009 foram atendidos um total 1.910 municípios pelos multirões

do Programa Nacional de Dcumentação da Trabaçhadora Rural.

Para ampliar o atendimento das mulheres trabalhadoras rurais, de acordo com as

informações disponíveis no site do PNDTR (2012), pretende-se realizar quatro mil

mutirões em todo o Brasil entre 2012 e 2015, com a meta de emitir 1,2 milhões de

documentos para cerca de 480 mil mulheres, com um investimento nestes serviços de

R$ 25,9 milhões.

Outra meta é garantir o acesso das mulheres à educação tributária e documentação fiscal

(Bloco de Notas Fiscais). Em parceria com secretarias estaduais da Fazenda, este

serviço é oferecido nos mutirões na Bahia, Rondônia e Rio Grande do Sul. A meta até

2015 é ampliar essas ações para Roraima, Acre, Piauí, Ceará, Paraíba, Distrito Federal,

Espírito Santo, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais. O principal objetivo da inclusão

das mulheres trabalhadoras rurais à educação tributária e documentação fiscal é

fortalecer a agricultura familiar através da criação de mecanismo que facilite e reforce a

participação direta da mulher nos processos produtivos, de gestão e organização das

atividades produtivas e sociais dos pequenos estabelecimentos rurais.

Nos mutirões também são ofertadas ações educativas sobre o enfrentamento à violência

contra a mulher do campo, o que demonstra que o programa vem constantemente

ampliando seus objetivos de acordo com as demandas das trabalhadoras rurais.

Nesse processo de tornar o PNDTR uma ação mais abrangente do ponto de vista das

políticas públicas direcionadas às mulheres trabalhadoras rurais é que ele tem se

constituído em um dos pilares para a conformação de reconhecimento dos direitos das

mulheres nos espaços rurais brasileiros.

Considerações finais

A implantação do Programa Territórios da Cidadania pressupõe uma institucionalização

das ações, programas e projetos que são concebidos pelo Governo Federal e

selecionados pelos componentes que fazem parte do CODETER, o que impõe um

recorte territorial muito específico do ponto de vista político-administrativo e muito

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diversificado em relação às dinâmicas sociais, econômicas, urbanas e rurais, o que leva

a uma demanda por políticas públicas muito específicas para estes territórios.

Nesse contexto, os programas e as ações que fazem parte do Programa Territórios da

Cidadania, como o Programa Nacional de Documentação de Trabalhadora Rural, tem

como função contribuir para a promoção da cidadania para as mulheres rurais e

colaborar para firmar o PTC como um programa de caráter social.

No PNDTR esse processo é alicerçado na participação e formação de redes de agentes

dos órgãos federais, estaduais, municipais e sociedade civil no sentido de promover uma

inclusão mais cidadã das mulheres trabalhadoras rurais dos espaços rurais dos

municípios que fazem parte do Programa Territórios da Cidadania.

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