O que a Linguística estuda? O objeto da Linguística · E o que é linguagem, ... ciência que...

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O que a Linguística estuda? O objeto da Linguística Maria Carlota Rosa UFRJ/ Faculdade de Letras/ Dept. de Linguística e Filologia/ Prof. Maria Carlota Rosa 1

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O que a Linguística estuda? O objeto da Linguística

Maria Carlota Rosa

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Câmara Jr

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Vejamos seus Princípios de Linguística Geral

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Numa obra clássica,

Linguística é a ciência da linguagem. Mas a definiçãoé inaproveitável, enquanto não se delimita o alcancedo seu segundo termo.

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Câmara Jr. Princípios de Linguística Geral (1973:15)

Para focalizar este segundo termo — a linguagem — vamos compreender a Linguística como uma ciência cognitiva, i.e., uma

ciência que procura entender a mente humana.

• tem a linguagem como seu objeto;

• entende a linguagem como um sistema de conhecimentosinternalizados na mente/cérebro do falante-ouvinte.

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Nesta perspectiva, a Linguística:

E o que é linguagem, então?

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Ao longo do século XX, a forma de compreender a linguagem mudou mesmo se considerada apenas a Linguística.

Compare, por exemplo, o que afirmaram Edward Sapir (1884-1939) e Eric Lenneberg(1921-1975).

Comecemos com Sapir (1921).

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Em “A capacidade de aquisição da linguagem” (1964), Eric Lenneberg discorda de que a linguagem seja apenas um fenômeno cultural.

Para defender seu argumento, Lenneberg compara uma atividade biologicamente programada(o andar) e um fenômeno cultural (a escrita), para estabelecer características de cada um, antes de focalizar a linguagem.

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• Em julho de 2014 os jornais voltaram a noticiar a existência de uma família na Turquia em que parte de seus membros se locomovia regularmente sobre mãos e pés, retomando as hipóteses levantadas em matéria levada ao ar na BBC TWO em 2006 ("The Family that Walks on All Fours“); desde então vários outros casos de quadrupedalismo em seres humanos foram constatados na mesma região.

• http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/07/cientistas-estudam-caso-de-irmaos-turcos-que-andam-como-quadrupedes.html ;

• http://noticias.r7.com/saude/fotos/com-doenca-desconhecida-irmaos-turcos-so-conseguem-andar-de-quatro-24072014?foto=5#!/foto/2 )

Além desse caso da família turca,

• há informação de que as meninas-lobos Amala e Kamala (Midnapore, Índia, 1920) se locomoviam como quadrúpedes.

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Esses seriam argumentos para que se considerasse o andar como uma aquisição cultural?

Em outras palavras: no caso da Turquia um agrupamento social, num dada região, teria optado por outro modelo de locomoção?

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Não é bem assim:• dos 19 irmãos da família Ulas, por exemplo, 5 andam

sobre os membros superiores e inferiores;

• não é uma escolha individual, mas um problema de saúde: essas pessoas foram diagnosticadas com uma síndrome rara, a síndrome de Uner Tan, caracterizada, “nos casos mais extremos por hipoplasia cerebelar, perda de equilíbrio e coordenação, prejuízo de habilidades cognitivas” e quadrupedalismo (Shapiro et alii, 2014).

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Quatro dos irmãos da família Ulasacometidos pela síndrome UnerTan.Imagens: BBC

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Quanto a Amala e Kamala, o relato do missionário J. L. Singh (que pode ser lido em http://www.midnapore.in/wolf-children-of-midnapore/wolf-children-of-midnapore1.html )

tem sido contestado, em especial pelo cirurgião Serge Aroles em L’enigme des enfants-loups, publicado em 2007.

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Aroles chega à conclusão de que Kamala sofria da síndrome de Rett, “numa forma incompleta, sem epilepsia e sem deformação das pernas “ (Aroles, 2007: 122), mas conclui também que a história toda era falsa, tanto as fotos como o local de onde vieram, uma aldeia que nunca pôde ser encontrada:

“fut une supercherie élaborée sur une fillette souffrant d’une affection nommée le syndrome de Rett » [« foi uma fraude elaborada em torno de uma menina que sofria de uma afecção denominada síndrome de Rett »] (Aroles, 2007: 10)

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Fotos ilustrativas do relato de Singh. Foram tiradas em 1937, depois da morte de ambas as meninas. Eram figurantes.

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Andamos sobre dois pés por conta da estrutura do nosso pé, da nossa coluna e do funcionamento neurológico.

Quando se pensa na escrita, por outro lado, a variação é enorme.

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Diringer (1985: 162)

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Lenneberg

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Mais recentemente Steven Pinker (1994) corrobora Lenneberg:

Steven Pinker

Se voltarmos a Sapir, ele afirmava que

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Steven Pinker (1994) defende exatamente o contrário:

Câmara Jr: você o colocaria junto com Sapir ou com Lenneberg?

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A discussão sobre como compreender a linguagem trouxe para a Linguística uma outra perspectiva.

Linguística

•Ciência social •Ciência cognitiva

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que tem por objeto o

estudo das

sociedades humanas

em seus diferentes

aspectos (sociologia,

antropologia etc.)

ciência que procura

entender a mente

humana.

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A inclusão da Linguística entre as ciências

cognitivas se dá em meados do século XX, com

Noam Chomsky (1928- ) e seus seguidores, que

ficariam conhecidos como gerativistas.

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Os gerativistas propuseram um programa de

investigação guiado pelo conjunto de questões

que se segue (adaptado de Chomsky 1986;

Chomsky 1988; Raposo 1992):

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(a) NATUREZA DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO

O que constitui o conhecimento linguístico? Ou o que sabemos

quando falamos e compreendemos uma língua, como o português,

por exemplo?

(b) ORIGEM DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO

Como esse conhecimento se desenvolve na mente do falante? É

necessário pressupor que tipo de conhecimento que a criança já

traria ao nascer para explicar a aquisição tão rápida de uma ou

mais línguas maternas?

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(c) USO LINGUÍSTICO

Como esse conhecimento é posto em uso em

situações concretas?

(d) BASE FÍSICA DO CONHECIMENTO

LINGUÍSTICO

Quais são os mecanismos físicos que servem de

base material para esse sistema de conhecimento

e para o uso desse conhecimento?

Voltando à aula anterior ...

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Podemos traçar uma linha divisória, colocando Sapir de um lado e Lenneberg e Pinker de outro no tocante à compreensão da linguagem

Edward Sapir:

Diferentemente do andar bípede, a linguagem é adquirida culturalmente.

Eric Lenneberg e Steven Pinker:

A linguagem faz parte da biologia do ser humano. Não inventamos a linguagem, como não inventamos o andar bípede.

Referências• CAMARA JR., Joaquim Mattoso. 1973. Princípios de linguística geral.

4ª ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Acadêmica.

• CHOMSKY, Noam. 1986. Knowledge of language: its nature, origin and use. New York: Praeger.

• CHOMSKY, Noam. 1988. Language and problems of knowledge: The Managua lectures. Cambridge, Mass.: The MIT Press.

• LENNEBERG, Eric H. 1964. A capacidade de aquisição da linguagem. Trad. Miriam Lemle. In: COELHO, Marta; LEMLE, Miriam & LEITE, Yonne, org. Novas perspectivas lingüísticas. Petrópolis: Vozes. p. 55-92.

• PINKER, Steven. 1994. The language instinct: How the mind creates language. New York: William Morrow.

• RAPOSO, Eduardo Paiva. 1992. Teoria da gramática: a faculdade da linguagem. Lisboa: Caminho.

• SAPIR, Edward. [1921]. A linguagem: introdução ao estudo da fala. Trad. J. Mattoso Camara Jr. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1971.

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