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11 ENFARTE 10 DEZEMBRO ARTE O QUE É ARTE? POR LARISSA BASILIO E LILIAN SANTOS PRUDENCE CUMING ASSOCIATES

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ARTE

O QUE

É ARTE?POR LARISSA BASILIO E LILIAN SANTOS

PRUDENCE CUMING ASSOCIATES

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Como definir manifestações artísticas que ocorrem simultaneamente ao nosso tem-po? Essa dúvida, ainda hoje, toma forma concreta, nada abstrata, quando falamos

de arte contemporânea. Aquilo que é contem-porâneo compreende uma ação concomitante, que acontece ao mesmo tempo, mas como ex-plicar o que não pode ser explicado? Não há precisão no que se considera o início da arte contemporânea, mas há um consenso de que, na década de 1960, com o surgimento da arte pop e do minimalismo, a pauta moderna, em re-lação a arte, foi rompida.

Depois dos anos 60, a definição ou separa-ção da arte em categorias como “pintura”, “es-cultura” ou “arquitetura” perdeu o sentido. A cena contemporânea deu seus primeiros pas-sos em um mercado com maior interação inter-nacional, além da expansão tecnológica e das mídias. Além, é claro,da variação de arquétipos sociais que fundiram política e subjetividade (minorias sociais como mulheres, negros, co-munidade LGBTQ+ etc.) - extrapolando os en-quadramentos sociais e artísticos comuns à arte moderna, dando lugar a experiências cul-turais mais plurais.

Victória Santa Cruz, artista peruana conhe-cida por sua poesia, eternizou-se na história da arte latino americana com o poema Me Gritaron Negra, onde Santa Cruz combate abertamente o racismo ao abandonar as errôneos conotações da palavra “negra”. A gravação da performance pôde ser vista na Pinacoteca do Estado de São Paulo, apelidada de Pina, de agosto a novembro, na exposição coletiva Mulheres Radicais: arte latino-americana, 1960-1985. Em 2017, o Museu de Arte de São Paulo (MASP) recebeu a exposi-ção das Guerrilla Girls, grupo nova iorquino de artistas feministas que desde 1985 utiliza a arte como forma de protesto contra o machismo que ainda assombra o mundo dos museus.

John Rajchman, professor do departamen-to de História da Arte e Arqueologia da Universi-dade Columbia (EUA), defende em uma de suas teses que a arte contemporânea seria aquela que ou “reflete” ou “resiste” a nova “formação” pós-industrial do capital. Indo ao encontro des-ta tese, a arte contemporânea se materializaria como resposta, positiva ou negativa, para a so-ciedade em que está inserida.

Segundo o site Museusbr - uma platafor-ma de informações sobre os museus brasilei-ros criada em parceria com Instituto Brasilei-

ro de Museus (Ibram) e Ministério da Cultura (MinC), o País possui mais de duzentos mu-seus dedicados às temáticas da das artes, ar-quitetura e linguística.

AFINAL, O QUANDO É ARTE? Agnaldo Farias, professor doutor na Faculdade de Arquitetu-ra e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU - USP), autor do livro A Arte Brasileira Hoje e curador no Museu Oscar Niemayer, em Curitiba, entende que a arte e arquitetura estão em inter-secção. “Tem um livro do Giulio Carlo Argan, his-toriador e teórico italiano de arte, chamado His-tória da Arte como a História da Cidade — publicado pela primeira vez em 1983, onde ele diz que essa é a maior obra de arte produzida pelo homem. Ao falar isso, na verdade, ele está parafrasean-do um outro grande escritor e historiador norte americano chamado Lewis Mumford. No livro de Mumford, chamado A Cultura das Cidades, ele vai dizer a mesma coisa, que [essa] é a principal obra de arte. Um modo de intersecção de tudo, dos diversos saberes, da relação do homem com a natureza, da relação do homem com ele pró-prio, da relação dele com o sagrado, enfim, tudo termina atravessando na cidade”, confirmou.

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Em São Paulo, arte e arquitetura andam lado a lado. O Pavilhão Ciccillo Matarazzo, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, é conhecido por abrigar a Bienal de São Paulo desde 1957, trans-formando- se em um ícone da arquitetura mo-dernista brasileira, além de ser tombado pelo Patrimônio Histórico. Com o tema Afinidades afetivas, a trigésima terceira Bienal, a exposição busca trazer à tona afinidades artísticas e cul-turais de um time de artistas convidados pelo curador-geral Gabriel Pérez-Barreiro.

Farias, em 2010, ao lado do curador Moa-cir dos Anjos assinou a curadoria geral da 29° Bienal de São Paulo e afirma que a experiência na arte é essencial. “Eu trabalhei como curador geral em uma das bienais em 2010, em 2012 eu fiz a representação brasileira e em 1996 eu fui o curador adjunto. Quando eu curador geral com o Moacir dos Anjos você vai pegando expe-

riência, viajando, entendendo o que as pes-soas estão produzindo, então você já tem na cabeça como as coisas funcionam. Ninguém te convida se você não tem uma experiência antes”, comenta.

Lauer Alves Nunes dos Santos, Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), professor associado ao Centro de Artes da Universidade Federal de Pelotas, diretor ad-junto e coordenador do Núcleo de Curadoria do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, em Pe-lotas, afirma que entender o conceito de arte é um processo complexo. Santos aponta que ele [o conceito] é tão impreciso e, sobretudo, se pensarmos em manifestações contempo-râneas, onde a prática da arte contemporânea surge, justamente, de um questionamento do que é a própria arte.

Muitas das coisas que, a princípio, não eram arte tornam-se arte. É o caso do artista francês Marcel Duchamp, artista dadaísta con-siderado pai da arte contemporânea. Santos afirma que no momento em que ele coloca um mictório em um museu, dá um título “Fonte” e assina como R. Mutt, o artista apropria o objeto e o subverte em outra função.

Há nessa mudança, um questionamento em relação ao que define a arte, se isso acon-tece pela presença em instituições ou pelo pró-prio objeto. “A arte parte de uma perspectiva de uma habilidade do fazer, ligada a uma habilida-de técnica, principalmente, para uma atividade mais mental que dará suporte a uma arte mais contemporânea”, comenta Santos.

Arthur Danto, filósofo e crítico de arte americano, afirma em seu livro A transfiguração do lugar-comum, não pergunta-se mais o que é arte, mas quando é arte.

A arte contemporânea no Brasil não seria diferente. “No Brasil ou nos Brasis, a gente tem diferentes formas de compreensão e de percep-ção da arte dentro do País” afirma Santos.

O Brasil sempre foi empenhado e muito li-gado a arte moderna e a arte contemporânea, apesar de todos os obstáculos e todas as bar-reiras. Sempre existiram grupos aqui dentro que estiveram, de fato, focados nessa produção, nessa forma de conhecimento que realmente vai pensar o estatuto da arte, a função da arte, a importância da arte e a definição na arte con-temporânea como conta Lauer.

Agnaldo Farias, escreveu em 2002, A Arte Brasileira. Segundo o autor, o livro foi pequeno e simples. “Naquela altura eu já vinha trabalhan-do com arte contemporânea há vinte anos en-tão não foi algo que eu pesquisei para o livro. Eu já tinha um repertório”, comenta.

Em relação ao acesso à arte, Santos ga-rante que a existência de instituições, como museus, ou a criação de condições favoráveis, por si só, não são suficientes para promoção da cultura. Além disso, é necessária a ampliação de políticas de educação reforçada. “No Brasil, há algumas iniciativas voltadas a isso, várias instituições que visam a formação de público. Isso é um trabalho difícil, demorado, de longo prazo que é necessário para que essa ideia de acesso à arte seja completa”, afirma. O Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, por exemplo, por es-tar ligado à universidade, possui programas de preservação de arquivos, além de exposições

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salta a importância de manifestações como as do Ouvidor 63, que por ser um centro cultural sem fins lucrativos, possibilita que os artistas a produzam e mostrem seu trabalho, e proporcio-na à população mais carente uma aproximação com a arte.

Farias afirma que as ocupações artísticas ajudam na produção. “Artistas se vem acolhi-dos por essas oportunidades pois o mercado muitas vezes não está interessado neles, então a ocupação é um lugar mais aberto quanto a isso... são mais por eles, para eles, atraindo ao mesmo tempo pessoas do ponto de vista pú-blico que a princípio não se sentem à vontade a ir em galerias que podem ser locais elitistas e intimidadores... já a ocupação não. Por outro lado, a elite também pode se sentir fora de seu habitat e não frequentar uma ocupação, porque o brasil é um país com diferenças gritantes que não conversam entre si”, comenta Farias.

Em Porto Alegre e Pelotas, Lauer afirma co-nhecer algumas ocupações similares a da Rua do Ouvidor. Em Pelotas, um grupo de alunos, ex--alunos e a comunidade fizeram uma ocupação chamada Oca, perto da região do Porto.

Para a moradora, a ocupação é um símbolo de resistência “Nós conseguimos morar junto organizadamente, trabalhar fora, fazer a ma-nutenção do espaço e cuidar da parte artística. Existir um espaço desse tamanho, sem verba e no meio da cidade de São Paulo, é um marco”.

ARTE URBANA PERIFÉRICA. A intervenção da arte urbana atinge todos os polos da metrópole, e não só o centro. No Grajaú, distrito da Zona Sul de São Paulo, por exemplo, a cena artística também é forte. Nilton Bertodo, o Nino, é artis-ta plástico. Ele tem 19 anos e já produz mostras artísticas, é artista-educador em coletivos de onde mora, além de dançar break. Parafrase-ando a grafiteira Mag Magrela, Nino conta que não lembra da sua vida sem arte. “Ela diz que quando crianças, nós temos um interesse natu-ral em produzir arte por se tratar de algo lúdico, e que vamos perdendo esse contato ao crescer. Eu nunca perdi”. Mas foi dos 13 aos 14 anos que decidiu comprar materiais para pintar, inspira-do pelos grafiteiros da “quebrada”.

Nino faz intervenções na rua. Atualmente está contando a história de Parelheiros através de sua arte nos muros do distrito, e explica a importância da cidade ao trabalho do artista

e programas de estudos. Mantendo uma dinâ-mica interessante com os cursos de graduação da UFPel. O trabalho dos museus, como espaço público dividindo-se entre a preservação cultu-ral e a estimulação artística.

OUVIDOR 63. Um dos grandes marcos na arte urbana atualmente são as ocupações artísticas. Geralmente, elas ocorrem em prédios deso-cupados, que são tidos por seus interventores como imóveis que não cumprem a função so-cial de habitar pessoas ou atividades e são es-quecidos pelo Estado. Os artistas urbanos veem nessa situação uma oportunidade de formar um coletivo que use o prédio para, além de nele habitar, também produzir e expor a sua arte.

O Ouvidor 63, como é chamada a ocupa-ção que resiste na luta pelo direito à moradia e propagação da arte no ambiente urbano, toma conta do antigo edifício de 13 andares na Sé, re-gião central de São Paulo, e hoje apresenta uma fachada colorida por ilustrações e grafites. Ga-briela Selingardi, de 29 anos, foi em 2014 com sua barraca morar no 4º andar da “ocupa”, como carinhosamente chama o Ouvidor. O local já es-tava habitado há um mês por músicos que ini-ciaram a proposta de fazer do local um centro cultural. “A intenção sempre foi manifestar arte ali. No início, assim como toda ocupação, as coisas precisavam de organização. Mês a mês a galera foi arrumando seu espaço, ajudando um ao outro”, relembra Gabriela. Hoje, após quase 5 anos de resistência, os andares do Ouvidor 63 acolhem mais de 150 pessoas.

Segundo Gabriela, cada andar expõe uma determinada arte. Lá dentro é possível encon-trar números circenses, artesanatos, música, dança, pintura, poesia, moda e até comida. As exposições funcionam em horário comercial, desde que haja um agendamento com antece-dência. É possível visitar cada instalação com o acompanhamento de alguém que more lá. Man-ter a organização do espaço é algo coletivo, “não há um administrador geral ou funções destina-das aos artistas e moradores. É um projeto ho-rizontal. Periodicamente nós fazemos uma reu-nião onde as propostas de todos são ouvidas e discutidas também por todos”, explica.

Sabe-se que na cidade de São Paulo há inú-meras exposições de arte acontecendo a todo o tempo, mas muitas delas não são acessíveis a qualquer tipo de público. Por isso Gabriela res-

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contemporâneo. “Existe certa dificuldade para encontrar espaços em que o artista periférico possa mostrar a sua arte. Se a elite não dá espa-ço para o artista fazer seu nome, a rua dá”. Ele conta que é assim desde a aparição do grafite, quando artistas nova-iorquinos pichavam os trens no Bronx, para que seus nomes pudessem percorrer por toda a cidade.

Quando perguntado sobre viver da arte, Nino questiona, “o que é viver? Ter dinheiro? Pagar contas? Eu ainda tenho o privilégio de não precisar manter uma casa sozinho. Os ar-tistas que precisam, sobrevivem”. Ele compara o investimento na vida artística com a vida de qualquer empresário que precisa investir muito capital antes de obter retorno, “ainda tiro tudo do bolso para construir um bom portfólio”, afirma.

A NOVA ARTE AO REDOR DO MUNDO. Desde quando começou a produzir suas obras, Mena as exibia pelo Instagram. Esse é o privilégio do artista contemporâneo. O paulistano, de 28 anos, até brinca com o fato de um de seus inspi-radores ter vendido apenas uma obra em vida, “se Van Gogh pudesse ter tido uma rede so-cial na Internet, ele teria vendido uns quadros a mais”. É indiscutível que a era digital pode fazer um ótimo trabalho na divulgação de um artista. Para Mena, a tecnologia, quando usada para o bem, pode impactar positivamente na vida de milhares de pessoas e é um inteligente canal de comunicação com os apreciadores de suas pinturas.

Quando ainda era um estudante de arqui-tetura, usava a habilidade para desenhar como auxílio no estudo das matérias. Em uma dessas brincadeiras, que postou no Facebook, foi con-tatado para que fizesse uma arte na casa de seu primeiro cliente. Usou o que sobrou das tintas para pintar outras superfícies e descobriu-se oficialmente artista plástico. Mena, que diz usar de sua arte hoje afim de propagar mensagens de amor e de bem, passou por momentos de crise de estresse no final do curso na faculdade. Che-gou a ter remédios tarja-preta receitados, mas conta que nunca chegou a tomá-los. “Saindo do consultório eu dei de cara com o Kobra na rua e ficamos conversando por quase três horas”. Iluminado pelo encontro com Eduardo Kobra, grafiteiro e muralista brasileiro mundialmente conhecido, jogou a receita médica fora, foi para seu ateliê e nunca mais parou de pintar. “Meu remédio foi a arte”, declara.

Julho de 2018 foi para Mena o momento de usar do retorno de suas obras para investir no crescimento pessoal e, consequentemente, de sua arte. Fez uma viagem por 9 países da Europa para trabalhar em seu então novo pro-jeto chamado Nova Arte. “Eu não encaixo esse projeto em nenhum movimento artístico que já tenha existido antes”, conta. Ele viajou por 24 dias. Produziu 11 quadros e 17 grafites nesse período. Trocou suas cores por comida ao pin-tar restaurantes e por diárias ao pintar paredes de hostel. “Eu fui pra lá no intuito de trabalhar. Queria propagar o bem e o amor que transmi-to com minhas obras para o maior número de pessoas, de diferentes estilos e idades, prezan-do pela Nova Terra”. Durante todos os dias, en-quanto pintava em praças públicas e em frente à monumentos históricos, Mena percebia todos os tipos de pessoas se aproximando para apre-ciar seu trabalho. Jovens, idosos, ricos, pobres. Sentiu então que o objetivo de sua viagem ha-via sido cumprido.

Com tanta pluralidade, a arte encontra seus especialistas. Farias diz que há modos diferen-tes de arte sendo feitos. “Há modos característi-cos novos, sensacionais, bacanas, estimulantes e é quase impossível de acompanhar tamanho o ritmo, que faz com que pessoas interessadas se especializem, uns vão, por exemplo para o digital, outros para as instalações, outros aos trabalhos urbanos, por que há coisas tão gran-des e variadas que fica difícil”, reforça.

De certa forma, limitar ou definir a arte contemporânea é algo que foge pelos dedos. Não existem datas específicas. Não há certo ou errado. Há apenas marcas de manifestações históricas em cada lugar, sofrendo interven-ções, voluntária e involuntaria-mente todos os dias. Como disse uma vez William Mitchell, profes-sor de história da arte na Universi-dade de Chicago, “as imagens são manifestações vivas. A arte contemporânea não só se mostra viva, como tam-bém pulsante”.