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1 DIREITO PENAL ESPECIAL PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS O SISTEMA DA CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES O Código Penal brasileiro classificou os delitos de acordo com a objetividade jurídica tutelada, distribuindo-os em onze títulos que, por sua vez, estão divididos em capítulos, sendo alguns destes subdivididos em seções. A objetividade jurídica compreende o bem ou interesse tutelado pela lei penal, que o crime ofende ou põe em perigo. Entende-se por “bem” tudo aquilo que pode satisfazer uma necessidade do homem, e por “interesse” a avaliação subjetiva em torno desse bem. A classificação é uma técnica legislativa empregada para facilitar o estudo do direito, reunindo no mesmo título ou capítulo os crimes que guardam certa afinidade. No tocante aos delitos pluriofensivos, que atentam contra mais de um bem jurídico, como, por exemplo, latrocínio (CP, art. 157, § 3º, 2ª parte), que ofende simultaneamente o patrimônio e a vida. O legislador, na hora da classificação, se vê obrigado a optar por um dos vários bens ofendidos, atuando com certa dose de arbítrio. Os onze títulos previstos na Parte Especial estão classificados na seguinte ordem: I. Crimes contra a Pessoa (arts. 121 a 154); II. Crimes contra o Patrimônio (arts. 155 a 183); III. Crimes contra a Propriedade Imaterial (arts. 184 a 196); IV. Crimes contra a Organização do Trabalho (art. 197 a 207); V. Crimes contra o Sentimento Religioso e o Respeito aos Mortos (arts. 208 a 212); VI. Crimes contra a Dignidade Sexual (arts. 213 a 234); VII. Crimes contra a Família (arts. 235 a 249); VIII. Crimes contra a Incolumidade Pública (arts. 250 a 285); IX. Crimes contra a Paz Pública (arts. 286 a 288); X. Crimes contra a Fé Pública (arts. 289 a 311); XI. Crimes contra a Administração Pública (arts. 312 a 359-H). CRIMES CONTRA A PESSOA CONSIDERAÇÕES GERAIS No Título I da Parte Especial estão os crimes contra a pessoa. O bem jurídico genericamente tutelado é a pessoa. Entretanto, o Título I é dividido em seis capítulos, tendo em vista a objetividade jurídica especificamente tutelada, a saber: I. Dos crimes contra a vida (arts. 121 a 128); II. Das lesões corporais (art. 129); III. Da periclitação da vida e da saúde (arts. 130 a 136); IV. Da rixa (art. 137); V. Dos crimes contra a honra (arts. 138 a 145); VI. Dos crimes contra a liberdade individual (arts. 146 a 154). O legislador tutela nesses capítulos, de maneira específica, os seguintes bens jurídicos: a vida, a integridade corporal, a honra e a liberdade da pessoa.

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DIREITO PENAL ESPECIAL PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS

O SISTEMA DA CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES

O Código Penal brasileiro classificou os delitos de acordo com a objetividade jurídica tutelada,

distribuindo-os em onze títulos que, por sua vez, estão divididos em capítulos, sendo alguns destes subdivididos em seções.

A objetividade jurídica compreende o bem ou interesse tutelado pela lei penal, que o crime ofende ou põe em perigo. Entende-se por “bem” tudo aquilo que pode satisfazer uma necessidade do homem, e por “interesse” a avaliação subjetiva em torno desse bem.

A classificação é uma técnica legislativa empregada para facilitar o estudo do direito, reunindo no mesmo título ou capítulo os crimes que guardam certa afinidade. No tocante aos delitos pluriofensivos, que atentam contra mais de um bem jurídico, como, por exemplo, latrocínio (CP, art. 157, § 3º, 2ª parte), que ofende simultaneamente o patrimônio e a vida. O legislador, na hora da classificação, se vê obrigado a optar por um dos vários bens ofendidos, atuando com certa dose de arbítrio.

Os onze títulos previstos na Parte Especial estão classificados na seguinte ordem: I. Crimes contra a Pessoa (arts. 121 a 154); II. Crimes contra o Patrimônio (arts. 155 a 183); III. Crimes contra a Propriedade Imaterial (arts. 184 a 196); IV. Crimes contra a Organização do Trabalho (art. 197 a 207); V. Crimes contra o Sentimento Religioso e o Respeito aos Mortos (arts. 208 a 212); VI. Crimes contra a Dignidade Sexual (arts. 213 a 234); VII. Crimes contra a Família (arts. 235 a 249); VIII. Crimes contra a Incolumidade Pública (arts. 250 a 285); IX. Crimes contra a Paz Pública (arts. 286 a 288); X. Crimes contra a Fé Pública (arts. 289 a 311); XI. Crimes contra a Administração Pública (arts. 312 a 359-H).

CRIMES CONTRA A PESSOA CONSIDERAÇÕES GERAIS

No Título I da Parte Especial estão os crimes contra a pessoa. O bem jurídico genericamente

tutelado é a pessoa. Entretanto, o Título I é dividido em seis capítulos, tendo em vista a objetividade jurídica especificamente tutelada, a saber:

I. Dos crimes contra a vida (arts. 121 a 128); II. Das lesões corporais (art. 129); III. Da periclitação da vida e da saúde (arts. 130 a 136); IV. Da rixa (art. 137); V. Dos crimes contra a honra (arts. 138 a 145); VI. Dos crimes contra a liberdade individual (arts. 146 a 154).

O legislador tutela nesses capítulos, de maneira específica, os seguintes bens jurídicos: a vida,

a integridade corporal, a honra e a liberdade da pessoa.

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Verifica-se que o delito de aborto está compreendido entre os crimes contra a vida da pessoa. Força convir que o Código Penal conferiu ao nascituro o atributo de pessoa, permitindo-lhe a aquisição do direito à vida, antecipando-lhe a personalidade para esse efeito, figurando, assim, como titular do bem jurídico e como sujeito passivo do abortamento.

PESSOA FÍSICA E PESSOA JURÍDICA

Ao lado da pessoa física ou natural, o direito reconhece a existência das pessoas jurídicas ou

morais. Aludiu-se acima que no Título I do Código Penal estão os “Crimes Contra a Pessoa”. Refere-se

o texto legal à pessoa natural (ser humano), uma vez que a pessoa jurídica não pode ser vítima da maioria dos delitos ali catalogados. Excepcionalmente, porém, a tutela penal estende-se também à pessoa jurídica. É o que ocorre nos seguintes crimes: a) difamação (art. 139); b) calúnia, quando se lhe imputa um crime ambiental (art.138); c) violação de domicílio (art. 150); d) violação de correspondência (art. 151); correspondência comercial (art. 152).

CRIMES CONTRA A VIDA OS CRIMES CONTRA A VIDA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

No Capítulo I do Título I da Parte Especial do Código Penal estão previstos os crimes contra a

vida: homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto (arts. 121 a 128). Nos delitos de homicídio e infanticídio tutela-se a vida extra-uterina e o período de transição,

desencadeado pelo início do parto, entre a vida intra-uterina e a vida extra-uterina. No delito de participação em suicídio tutela-se a vida extra-uterina. E, no delito de aborto, protege-se a vida intra-uterina, ressalvando-se, porém, que no aborto

provocado sem o consentimento da gestante a tutela penal compreende também a vida e a integridade corporal da gestante (arts. 125 e 127).

COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS CRIMES CONTRA A VIDA

Os crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, e as infrações penais que lhes

sejam conexas são julgados pelo Tribunal do Júri, cuja soberania a Constituição Federal assegura em termos peremptórios (CF, art. 5º, XXXVIII). Saliente-se, todavia, que por crimes dolosos contra a vida se compreendem apenas os previstos no Capítulo I do Título I do Código Penal: homicídio (art. 121), participação em suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123) e aborto (arts. 124 a 127).

O homicídio culposo é o único delito previsto nesse capítulo cuja competência não está afeta ao Tribunal Popular (art. 121, § 3, do CP).

Se lançarmos nossas vistas sobre o direito constitucional, verificaremos que nos crimes militares, mesmo os dolosos contra a vida, serão julgados pelo escabinato da Justiça Castrense (CF, art. 124). Da mesma forma, tratando-se de competência ratione personae, exclui-se também a causa da apreciação do júri (por exemplo: no homicídio praticado pelo Presidente da República o foro competente é o Supremo Tribunal Federal).

Cumpre, porém, ressaltar que a Justiça Militar só tem competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra militar, pois, com o advento da Lei n.

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9.299 de 7 de agosto de 1996, o crime doloso contra a vida perpetrado por militar contra civil passou a ser da competência do Tribunal do Júri.

Assim, o crime doloso contra a vida cometido contra civil, à medida que se deslocou a competência para o Tribunal do Júri, deixou de ser crime militar. Essa é a melhor exegese, pois o Tribunal do Júri não pode julgar crime militar. Desse modo, o crime doloso contra a vida perpetrado por militar contra civil submete-se à disciplina do Código Penal e do Código de Processo Penal.

Os delitos pluriofensivos, que lesam simultaneamente a vida e outro bem jurídico, como, por exemplo, latrocínio (art. 157, § 3º) e extorsão mediante sequestro seguida de morte (art. 159, § 3º), ainda que a morte tenha sido dolosamente provocada, são da competência do juízo singular, porquanto perante o Código Penal não estão classificados entre os crimes dolosos contra a vida, mas entre os delitos contra o patrimônio.

INDISPONIBILIDADE DO DIREITO À VIDA

A vida é um direito indisponível; considerado inviolável pela Constituição Federal (art. 5º,

caput). Não se pode renunciá-la, uma vez que o ordenamento jurídico não confere às pessoas o direito de morrer. Prova disso é que o legislador torna lícito o emprego de violência para impedir o suicídio (CP, art. 146, § 3º, II).

Se a pessoa tivesse o direito de morrer, ninguém poderia impedi-la de pôr termo à própria vida. O caráter indisponível do bem jurídico torna inócuo o consentimento do ofendido, subsistindo integralmente os delitos previstos nos artigos 121 a 128 do CP, malgrado a aquiescência da vítima.

HOMICÍDIO CONCEITO

Homicídio é a morte de um homem causada por outro homem.

OBJETIVIDADE JURÍDICA

O homicídio é o delito máximo, por excelência, pois atenta contra a vida humana, bem

jurídico supremo, do qual irradiam todos os demais. A preservação da existência da raça humana, o progresso social e os bons costumes justificam

o interesse do Estado em tutelar a vida humana. Trata-se, portanto, de bem jurídico indisponível, assegurado no art. 5º, caput, da Constituição Federal, sendo, pois, inadmissível o consentimento do ofendido para excluir o delito.

Porém, se lançarmos nossas vistas para o delito de aborto, verificaremos que o bem jurídico tutelado também é a vida humana.

Aparece, destarte, o problema do início da tutela penal do homicídio. É pacífico que a eliminação da vida humana intra-uterina caracteriza aborto, enquanto a

destruição da vida humana extra-uterina constitui homicídio. É falsa, no entanto para o direito penal, a assertiva de que viver é respirar, pois a vida extra-

uterina pode ocorrer sem respiração, podendo, nesse caso, ser demonstrada, inclusive, pelos batimentos cardíacos.

Uma interpretação sistemática do art. 123 do CP serve para identificar o início da proteção penal do homicídio.

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Assim se expressa, em termos peremptórios, o art. 123 do Código Penal: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: pena — detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos”.

O dispositivo é curialmente salutar. Observe-se que a partir do início do parto efetivado, com o rompimento do saco amniótico, a eliminação do nascente não constitui mais delito de aborto. Assim sendo, nesse período de transição entre a vida intra-uterina e a vida extra-uterina, desencadeado com o início do parto, antes mesmo da expulsão do feto do útero materno, admissível é a prática do delito de infanticídio e, por identidade de razões, a do homicídio.

Assim, o bem jurídico protegido é a vida humana extra-uterina e o período de transição entre a vida intra-uterina e a vida extra-uterina. Portanto, o sujeito que mata uma mulher grávida, após o rompimento do saco amniótico, comete duplo homicídio, figurando como vítimas a mulher e a criança. Se a conduta tivesse sido realizada antes do rompimento do saco amniótico, ter-se-ia o concurso formal entre os delitos de homicídio e aborto.

ESPÉCIES DE HOMICÍDIOS

O Código Penal, quanto ao elemento subjetivo do tipo, ocupa-se de duas formas de

homicídio: o doloso e o culposo. Subdivide-se o homicídio doloso em: 1. simples ou fundamental (art. 121, caput); 2. privilegiado (art. 121, § 1º); 3. qualificado (art. 121, § 2º) 4. circunstanciado (art. 121, § 4º, última parte — contra menor de 14 anos e maior de 60

anos, e § 6º, isto é, praticado por milícia privada sob pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio).

Já o homicídio culposo pode ser: 1. simples (art. 121, § 3º); 2. circunstanciado (art. 121, § 4º). Ressalte-se, ainda, que o art. 121, § 5º, do CP contém uma norma penal permissiva, aplicável

exclusivamente ao homicídio culposo. Finalmente, a Lei n. 8.930, de 7 de setembro de 1994, incluiu no elenco dos crimes hediondos

o homicídio doloso quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente e, também, o homicídio doloso qualificado (art. 121, § 2º, I a V).

SUJEITO ATIVO

O homicídio pode ser cometido por qualquer pessoa física. Como desde logo se percebe,

trata-se de crime comum, não se exigindo atributo especial do agente. Se o sujeito ativo for militar e a vítima também, a hipótese passa a ser crime de homicídio previsto no Código Penal Militar, mas se a vítima for civil aplica-se o art.121 do CP.

Observe-se, também, que os animais não têm capacidade penal para delinquir, portanto, jamais serão sujeitos ativos de delito; no máximo, poderão funcionar como instrumento para a prática de crime.

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Interessante problema é o dos xifópagos (gêmeos ligados um ao outro), cumprindo, nesse passo, transcrever, na íntegra, a lição de Euclides Custódio da Silveira: “Dado que a deformidade física não impede o reconhecimento da imputabilidade criminal, a conclusão lógica é que responderão como sujeitos ativos. Assim, se os dois praticarem um homicídio, conjuntamente ou de comum acordo, não há dúvida que responderão ambos como sujeitos ativos, passíveis de punição. Todavia, se o fato é cometido por um, sem ou contra a vontade do outro, impor-se-á a absolvição do único sujeito ativo, se a separação cirúrgica é impraticável por qualquer motivo, não se podendo excluir sequer a recusa do inocente, que àquela não está obrigado. A absolvição se justifica, como diz Manzini, porque, conflitando o interesse do Estado ou da sociedade com o da liberdade individual, esta é que tem de prevalecer. Se para punir um culpado é inevitável sacrificar um inocente, a única solução sensata há de ser a impunidade”.

Discordamos desse posicionamento. A nosso ver, o xifópago que cometeu o delito, contra a vontade do outro, deve ser processado e condenado por homicídio, inviabilizando-se, porém, o cumprimento da pena, tendo em vista o princípio da intransmissibilidade da pena. Se, no futuro, o outro também vier a delinquir e a ser condenado, ambos poderão cumprir a pena.

SUJEITO PASSIVO

Dispõe o Código Penal, no art. 121, em forma lapidar: “Matar alguém: Pena — reclusão, de 6

(seis) a 20 (vinte) anos”. A expressão alguém compreende indistintamente a unanimidade dos seres vivos componentes da espécie humana. Assim sendo, qualquer pessoa humana viva pode ser sujeito passivo do homicídio.

Referentemente aos xifópagos, vindo os dois a morrer, o agente responderá por duplo homicídio em concurso formal.

Por fim, o homem morto (cadáver) não pode ser sujeito passivo do delito diante da inexistência do bem jurídico tutelado, caracterizando-se, destarte, em crime impossível (art. 17 do CP). É o caso do agente que, pretendendo matar a vítima, aciona o gatilho do revólver, vindo, porém, depois, a verificar que ela já estava morta.

Tratando-se de um neonato (recém-nascido), com parcas chances de sobrevivência, ainda assim haverá homicídio. Como observa Cezar Roberto Bitencourt: “Condições físico-orgânicas que demonstrem pouca ou nenhuma probabilidade de sobreviver não afastam seu direito a vida, tampouco o dever de respeito à vida humana, imposto por lei”.

No que tange ao feticídio, isto é, ocisão de um feto durante o parto, conforme vimos também se configura em homicídio.

Três são as hipóteses em que a pena do homicídio doloso aumentará em 1/3: a) se a vítima for menor de 14 anos (art.121, § 4º); b) maior de 60 anos (art.121, § 4º, última parte – Lei nº 10.741/03); c) se a vítima for índio não integrado (art.59 da Lei nº 6001/73). Na hipótese de homicídio praticado contra o Presidente da República, do Senado Federal, da

Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal o crime será contra a Segurança Nacional, previsto no art. 29 da Lei nº 7.870/83.

NÚCLEO DO TIPO

O núcleo do tipo é o verbo “matar”, consistente em provocar a morte da vítima.

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Vimos que com a cessação da vida não há homicídio. Mister, portanto, a presença de vida naquele contra quem a conduta é dirigida, pois se já estava morto o crime é impossível por impropriedade absoluta do objeto (art. 17 do CP).

Ressalte-se, todavia, a existência de controvérsia acerca do conceito de morte. Cumpre, a propósito, primeiramente, distinguir a morte clínica da morte cerebral. A primeira é a paralisação irreversível do batimento cardíaco e da respiração. A segunda é a cessação irreversível dos impulsos elétricos cerebrais. O silêncio cerebral é aferido pela linha reta no eletroencefalograma.

A medicina moderna revela uniformidade de vistas ao repelir o critério da morte clínica, preponderando, na atualidade, a afirmação de que a verdadeira morte é a morte cerebral ou encefálica.

Cumpre lembrar que a Associação Médica Mundial reconhece que nenhum critério tecnológico isolado é inteiramente satisfatório no presente estágio da ciência médica, e que nenhum procedimento técnico deve substituir o critério do médico.

Todavia, a Lei n. 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, para fins de transplante e tratamento, autoriza a extirpação do órgão ou tecido da pessoa humana, desde que precedida do diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

Como se vê, a legislação brasileira adotou o critério da morte cerebral ou encefálica. Sendo assim, o desligamento dos aparelhos que artificialmente mantém viva a pessoa acometida de morte cerebral não caracteriza delito de homicídio, pois não existe mais vida no paciente e, sim, vegetação mecânica. Se, porém, o cérebro ainda funcionava, caracterizar-se-á o delito de homicídio.

MEIOS DE EXECUÇÃO

O homicídio é crime de forma livre, admitindo, portanto, uma infinidade de meios

executórios. Saliente-se para logo que os meios empregados devem ser idôneos a provocar a morte. Antes

de entrar no seu estudo, desejamos chamar a atenção para este fator expressivo: a idoneidade do meio executório tem que ser analisada à luz de cada caso concreto. O que para uns será inidôneo, para outros não. Basta lembrar o exemplo, citado por Maggiore, da exposição de um recém-nascido ao frio, com a intenção de matá-lo. Este meio objetivamente inidôneo reveste-se de idoneidade em virtude das condições especiais da vítima.

Os meios mais citados pela doutrina para a prática do homicídio são os seguintes: diretos, indiretos, materiais, morais e patológicos.

Diretos: são os meios executados pelo próprio agente contra o corpo da vítima, como, por exemplo, disparo de arma de fogo.

Indiretos: são os meios provocados pelo agente, mas por ele não executados diretamente. Por exemplo: introduzir uma tarântula venenosa no quarto da criança.

Materiais: são os meios que incidem sobre o corpo físico da vítima. Podem ser: mecânicos, químicos ou patológicos.

Morais ou psíquicos: são os meios que ocasionam a morte da vítima pela violenta emoção. São os traumas psíquicos, como, por exemplo, provocar um susto numa pessoa cardíaca.

Meios patológicos: são os provocados pela transmissão de moléstias. Interessante, nesse aspecto, a questão do aidético que, consciente da presença da doença, não hesita em manter a conjunção carnal sem fazer uso de preservativo. Contagiando ou não o seu

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parceiro, responderá por homicídio, consumado ou tentado, a título de dolo direto ou eventual, pois no mínimo assumiu o risco da transmissão da moléstia, aceitando, destarte, a morte da vítima. A dúvida quanto à doença caracteriza também dolo eventual.

Não comungamos do posicionamento que enquadra a transmissão dolosa do vírus HIV no

delito de lesão corporal gravíssima, previsto no art.129,§ 2º, inciso II, do CP, porque não se pode falar em lesão corporal, quando o agente procede com “animus necandi”.

O meio executório pode ainda ser positivo ou negativo, segundo conste de ação dolosa (por exemplo, acionar o gatilho do revólver), ou omissão dolosa (por exemplo, deixar a mãe de alimentar o próprio filho).

Assim, configura-se o homicídio por omissão quando o agente, com intenção de matar a vítima, abstém-se da prática de determinada conduta que lhe era juridicamente exigível. Dispõe o art. 13, § 2º, do Código Penal, que:

“A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção e vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.

Como se vê, o dispositivo deixou patenteado, com toda nitidez, a necessidade de

inadimplemento de um dever jurídico. Não basta o descumprimento de dever moral. Com efeito, recusando-se a ceder o antídoto à vítima que sofreu uma picada de cobra, o

agente, tendo o dever jurídico de impedir o resultado, como, por exemplo, o médico contratado pela família ou de plantão no hospital, responderá por homicídio, pois estará ao menos aceitando a morte da vítima, caracterizando-se, destarte, o dolo eventual. Ausente, porém, o dever jurídico, se tratar-se de um vizinho que responderá pelo delito de omissão de socorro (art. 135, do CP).

Convém esclarecer que a simples condição de médico não impõe ao agente o dever específico de impedir o resultado. Urge, para que responda por homicídio, que tenha assumido o encargo, contratual ou não, de velar pela vítima. O médico que simplesmente passava pelo local e não a socorreu, responderá por omissão de socorro, pois não se pode olvidar que o Código de Ética Médica, que impõe ao facultativo o dever de socorrer o próximo, não é lei, mas uma mera norma de postura ética.

Finalmente, no homicídio praticado com disparo de arma de fogo, impõe-se a absorção do delito de disparo de arma, previsto no art.15, da lei nº 10.826/2003, por força do princípio da consunção. Todavia, quanto ao delito de porte ilegal de arma, previsto no art.12, “caput“, da mencionada lei, nem sempre há a absorção.

Com efeito, o delito de porte ilegal de arma é permanente, tendo se consumado muito antes da prática de homicídio, de modo que não há relação de meio e fim entre esses dois crimes, que na verdade são regidos pela conexão ocasional, impondo-se o concurso material de crimes. Ressalte-se, porém, que o porte de arma deve ser absorvido apenas na hipótese de a arma ter sido adquirida com o fim específico de praticar o delito contra a vida, pois em tal situação integra o “iter criminis” percorrido pelo agente, caracterizando-se uma situação de progressão criminosa.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O elemento subjetivo do crime de homicídio é o dolo, consistente na vontade livre e

consciente de provocar a morte da vítima. O dolo, traduzido na intenção de matar, é revelado pela expressão animus necandi ou occidendi.

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O homicídio admite dolo direto e eventual. O dolo direto de primeiro grau ocorre quando o agente quer produzir um resultado certo. O dolo direto de segundo grau também chamado de dolo de consequências necessárias, se dá

quando o agente quer produzir um resultado certo, sabendo que outro ou outros, em razão dos meios empregados, necessariamente ocorrerão. Exemplo: o agente atira para matar o xifópago “A”, mas sabe que o xifópago “B” também morrerá. Responderá por dois homicídios em concurso formal, dolo direto de primeiro grau em relação a “A” e dolo direto de segundo grau em relação a “B”.

Quanto ao dolo eventual, ocorre quando o agente com sua conduta assume o risco de produzir o resultado (art. 18, I). O dolo eventual é, pois, plenamente equiparado ao dolo direto. Como ensina Ary Azevedo Franco: “É inegável que arriscar-se conscientemente a produzir um evento vale tanto quanto querê-lo: ainda que sem interesse nele, o agente o ratifica ex ante, presta anuência ao seu evento”. No dolo eventual, o agente não quer o resultado, mas realiza a conduta na dúvida se irá ou não produzi-lo, ao passo que no dolo direto de segundo grau o agente também não quer o outro resultado, mas realiza a conduta na certeza de que irá produzi-lo.

Anote-se ainda que o dolo é genérico, porque o tipo penal não menciona a finalidade específica da conduta de matar. Tratando-se, porém, do homicídio conexional, previsto no art.121,§ 2º, inciso V, o dolo é específico, porque o tipo menciona a finalidade da conduta de matar, que é praticada para assegurar a execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime.

Examinemos agora a questão da prova da intenção de matar, salientando-se, desde logo, que a exteriorização desse elemento interno depende da análise das circunstâncias objetivas do crime, porquanto impossível é a captação do pensamento íntimo do agente.

A doutrina ministra alguns critérios para identificação do animus necandi, extraindo-o das circunstâncias exteriores ao delito. Os mais lembrados são: a sede da lesão, o tipo de arma empregada, número de disparos, profundidade do golpe de faca, as precedentes relações entre o agente e a vítima e os motivos do crime.

O critério mais seguro, contudo, é o da sede da lesão, pois nesse caso a própria natureza da conduta revela o propósito do agente. Se, por exemplo, o disparo atingiu o tórax ou a cabeça é porque, em princípio, houve intenção de matar. Se, diferentemente, atingiu a perna ou o pé, em tese, seria excluído o animus necandi. Saliente-se, porém, que nenhum critério, isoladamente, é absoluto, devendo o intérprete, na identificação do animus necandi, socorrer-se de todas as circunstâncias exteriores possíveis.

Não havendo ânimo de matar, exclui-se o delito de homicídio, respondendo o agente por lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º) ou por homicídio culposo (art. 121, § 3º), conforme tenha atuado com animus laedendi (intenção de ferir) ou não.

CONSUMAÇÃO

Consuma-se o crime com a morte da vítima, resultante da conduta praticada pelo agente. Trata-se de delito não transeunte, exigindo-se, para comprovação da materialidade, o exame

de corpo de delito, sob pena de nulidade do processo. Com efeito, prova-se a morte pelo exame de corpo de delito direto denominado necropsia. Não sendo, porém, encontrado o corpo da vítima (v. g., o agente o lançou ao mar) torna-se impossível, evidentemente, o exame necroscópico, podendo, no entanto, supri-lo pelo exame de corpo de delito indireto (art. 167 do CPP), não o suprindo, porém, a simples confissão do agente (art. 158 do CPP).

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TENTATIVA

Trata-se de delito material, portanto, admite a possibilidade da tentativa. Ocorre esta

quando, empregados os meios executórios idôneos, a morte não se verifica por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Urge, porém, que o animus necandi resulte de modo claro, induvidoso, inequívoco, sem possibilidade de impugnações, pois, na dúvida, o réu deverá ser absolvido - in dubio pro reo - pelo tribunal popular.

A prova do animus necandi, como já vimos anteriormente, é extraída das circunstâncias objetivas do crime (sede da lesão, tipo de arma e etc.). Às vezes, porém, malgrado o esforço do intérprete, persiste a dúvida entre o agente ter agido com animus necandi ou animus laedendi. Nesse caso, deve o promotor denunciar pelo delito mais grave (tentativa de homicídio) em virtude do princípio da necessidade da ação penal pública e, também, porque nessa fase da formação da opinio delicti vigora o princípio in dubio pro societate. A propósito, cumpre registrar que o princípio “in dubio pro societate” vigora na área penal nas seguintes hipóteses: a) no momento do oferecimento da denúncia; b) no momento da pronúncia; c) no julgamento da revisão criminal.

HOMICÍDIO PRIVILEGIADO

Dispõe o Código Penal, no art. 121, § 1º, em forma lapidar: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob

o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de 1/6 a 1/3”.

Na acepção jurídica, homicídio privilegiado é uma causa especial de diminuição de pena,

discutindo os autores o caráter obrigatório ou facultativo da redução da pena. Antigo e profundo o debate doutrinário manifestado a respeito. Segundo o ponto de vista de

Magalhães Noronha, a redução é facultativa, em face do emprego da expressão: “o juiz pode reduzir a pena”. Salienta o seguinte: “A oração do artigo, a nosso ver, não admite dúvidas: poder não é dever. Dissesse a lei, por exemplo, ‘o juiz deve diminuir a pena’ ou ‘a pena será diminuída’ etc., a diminuição seria imperativa. Em face da redação do artigo, outra interpretação não nos parece possível”.

Essa doutrina, que mereceu apoio de Frederico Marques, não pode ser acolhida. Ela constitui clamorosa injustiça por atentar contra a soberania do júri e a seriedade do julgamento, pois, como ensina Celso Delmanto, “a indagação do homicídio privilegiado é quesito de defesa. De acordo com a jurisprudência da Suprema Corte, se essa indagação não precede os quesitos de qualificação do homicídio, há nulidade absoluta do julgamento”. E adiante acrescenta: “Ora, se a indagação do homicídio privilegiado é tão importante que sua mera supressão torna nulo o julgamento do júri, seria sumamente incoerente impor sua formulação, mas deixar ao puro arbítrio do juiz a aplicação ou não da redução da pena decidida pelos jurados. Por isso, e em respeito à tradicional soberania do júri, entendemos que, quando for reconhecido pelos jurados o homicídio privilegiado, o juiz-presidente não deve deixar de reduzir a pena, dentro dos limites de 1/6 a 1/3. A quantidade da redução prevista no § 1º do art. 121 ficará, esta sim, reservada ao fundamentado critério do magistrado”.

Três são, por conseguinte, as espécies de homicídio privilegiado reconhecidas pela ordem

jurídica:

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1º) por motivo de relevante valor social; 2º) por motivo de relevante valor moral; 3º) sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Preconiza Maggiore que o motivo “é o antecedente psíquico da ação, a força que põe em

movimento o querer e o transforma em ato: uma representação que impele à ação”. O relevante valor social é aquele inspirado para satisfazer o interesse coletivo, como no

exemplo do agente que mata o traidor da pátria ou o perigoso bandido que apavora a comunidade local.

O relevante valor moral compreende o interesse individual do agente, v. g., o pai que mata o estuprador da filha.

Não basta, porém, para o reconhecimento do privilégio, o valor social ou moral do motivo, mister se faz a sua relevância.

A análise da relevância do valor social ou moral do motivo é aferida em função da sensibilidade do homo medius da sociedade e não conforme a subjetiva valoração do agente.

Não se perca de vista, porém, que a circunstância de relevante valor moral ou social tem caráter subjetivo e, por isso, não se comunica aos demais participantes do delito que não tenham agido pelos mesmos motivos (art. 30 do CP).

Por outro lado, o denominado homicídio emocional deve preencher os seguintes requisitos: 1) provocação injusta da vítima; 2) domínio de violenta emoção; 3) reação logo após a provocação. Cuida-se inquestionavelmente de preceito salutar. Mas nem sempre é fácil a pesquisa da

injustiça da provocação, por tratar-se de elemento íntimo e espiritual, variável consoante as diferenças de personalidade, cultura e educação das pessoas. Como dizia Fragoso: “o que para uns será provocação, para outros, não”. E adiante acrescentava: “Dever-se-ão considerar, porém, os padrões do homem normal, e não os do hipersensível”. Trata-se, porém, de investigação que deverá levar em conta a natureza e circunstâncias do caso concreto, a personalidade, cultura e educação do agente, exigindo-se dos jurados a máxima ponderação e equilíbrio, ao lado de perfeito conhecimento da vida, na infinidade de suas manifestações. Sim, dos jurados, porque compete ao júri, e não ao juiz no momento da pronúncia, a análise do homicídio privilegiado. A provocação injusta não é necessariamente antijurídica. Observa Aníbal Bruno, que o termo provocação deve ser interpretado largamente. Um dito ofensivo, um gesto de insulto ou menosprezo, ofensas físicas, violações de direitos, mesmo quando não intencionais ou somente sentidos como propositados pelo agente, podem constituir-se em provocação injusta. A nosso ver, entende-se por provocação injusta a conduta ilegal ou imoral, consoante os padrões do homem normal.

Segundo mencionamos anteriormente, a provocação, além de injusta, deve ser a causa da violenta emoção que domina o agente. Saliente-se, porém, que mister se faz o domínio de violenta emoção, isto é, a emoção precisa ser intensa, absorvente. Havendo mera influência de violenta emoção o privilégio será afastado, configurando-se, nesse caso, uma simples circunstância atenuante genérica (art. 65, III, c, do CP).

Destaque-se, também, desde já, que, conquanto o Código se refira ao domínio de violenta emoção, o privilégio é igualmente aplicável quando houver domínio de violenta paixão. Como dizia Frederico Marques, por ser a paixão um estado emocional mais intenso e permanente está ela abrangida pelo dispositivo legal do art. 121, § 1º, do CP. De fato, tanto a emoção como a paixão

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provocam no agente um desequilíbrio psíquico, motivando-o a agir irrefletidamente, de maneira impetuosa, com a diferença de que, enquanto a emoção é transitória, a paixão é duradoura.

Ainda quanto ao homicídio emocional, cumpre esclarecer que a reação deve ser quase imediata, isto é, sem demora, in continenti a injusta provocação, pois não se pode esquecer a expressão usada pelo legislador: “logo em seguida a injusta provocação da vítima” (art. 121, § 1º, CP). Desse modo, o hiato imenso entre a provocação e a reação exclui o privilégio, pois, como ensinava Aníbal Bruno, “o impulso emocional e o ato que dele resulta devem seguir-se imediatamente à provocação da vítima. O fato criminoso objeto da minorante não poderá ser produto de cólera que se recalca, transformada em ódio, para uma vingança intempestiva”.

Vejamos agora a questão do homicídio passional, cometido por amor, salientando-se que, nesse caso, nem sempre configurar-se-á o privilégio, bastando, para tanto, lembrar a lição de Nélson Hungria: “Em face do novo código, os uxoricidas passionais não terão favor algum, salvo quando pratiquem o crime em exaltação emocional, ante a evidência da infidelidade da esposa. O marido que surpreende a mulher e o tertius em flagrante adultério ou in ipsis rebus venereis (quer solus cum sola in eodem lecto, quer solus cum sola in solitudine) e, num desvairo de cólera, elimina a vida de uma ou de outra, ou de ambos, pode, sem dúvida alguma, invocar o § 1º do art. 121; mas aquele que, por simples ciúme ou meras suspeitas, repete o gesto bárbaro e estúpido de Otelo, terá de sofrer a pena inteira dos homicidas vulgares.” Em suma, o homicídio passional pode ou não ser privilegiado, conforme preencha ou não os requisitos do § 1º do art.121 do CP.

Por outro lado, sobre a possibilidade da coexistência do homicídio privilegiado com a aberratio ictus (erro na execução), prevista no art. 73 do CP, nenhuma divergência existe. Caracteriza-se, destarte, o homicídio privilegiado com a aberratio ictus no exemplo do pai que dispara sua arma contra o estuprador da filha, vindo, porém, por desvio de pontaria, a atingir outra pessoa.

Cumpre também registrar que a reação a uma agressão injusta configura legítima defesa, impondo-se a absolvição do agente. Se, porém, a reação for dolosamente desproporcional à agressão, desconfigura-se a legítima defesa, devendo o agente ser condenado por homicídio doloso, que eventualmente poderá ser considerado privilegiado pelo domínio da violenta emoção.

Questão não despicienda é a de saber se seria possível a coexistência do homicídio privilegiado e do qualificado. Variam as opiniões a respeito. Antes de adentrarmos no assunto, convém abrirmos um parêntese para explicar que as circunstâncias subjetivas são as que dizem respeito aos motivos do crime, às qualidades pessoais do agente e seu relacionamento com a vítima, ao passo que as circunstâncias objetivas compreendem os meios e modos de execução do crime, tempo, lugar e qualidades da vítima. O homicídio privilegiado, em suas três modalidades, caracteriza-se pela existência de circunstâncias exclusivamente subjetivas, ao passo que no homicídio qualificado a natureza jurídica das circunstâncias é bem variável: no art. 121, § 2º, I, II e V, estão as circunstâncias subjetivas e nos incisos III e IV, as objetivas.

Para uma corrente, haveria possibilidade de o homicídio ser ao mesmo tempo privilegiado e qualificado, desde que a qualificadora tenha natureza objetiva, como, por exemplo, o envenenamento cometido por motivo de relevante valor moral. Nesse caso, a pena base sairia do tipo legal qualificado (12 a 30 anos de reclusão) e, após a incidência das circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas, o juiz aplicaria o privilégio, reduzindo a pena de um sexto a um terço.

Para outros, porém, inadmissível é a concomitância do homicídio privilegiado e do qualificado em virtude da posição topográfica dos §§ 1º e 2º do art. 121, isto é, se o legislador quisesse estender o privilégio ao homicídio qualificado teria invertido a ordem numérica dos aludidos parágrafos. Acompanhando esse último ponto de vista, entendemos que o privilégio não se aplica ao tipo penal qualificado, valendo a pena transcrever a lição de James Tubenchlak: “Como se sabe, na ordem dos quesitos formulados pelo juiz e votados pelo júri, os privilégios situam-se antes das

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qualificadoras (art. 484, III). Por assim ser, quando reconhecido um privilégio,deve ficar prejudicada a votação do quesito versante sobre a qualificadora. E outra não poderia ser a solução, tomando-se em conta a própria sistematização do art. 121 do CP, que enuncia as causas de diminuição de pena no § 1º e as de aumento no § 2º, de sorte que as primeiras dizem respeito, exclusivamente, ao tipo básico ou fundamental do homicídio. Exegese em contrário, convenhamos, viria a acarretar gravames irremediáveis ao acusado”.

A jurisprudência dominante filia-se a primeira corrente, admitindo o homicídio híbrido (privilegiado-qualificado), desde que a qualificadora seja objetiva, que são as do art. 121, § 2º, incisos III e IV, sendo inadmissível a coexistência do homicídio privilegiado e qualificado, quando as qualificadoras forem subjetivas, que são as do art.121,§ 2º, incisos I, II e V.

Sabe-se que na ordem dos quesitos, vota-se primeiramente a tese do homicídio privilegiado e depois a do qualificado. Se o júri reconhece que o homicídio é privilegiado, o juiz deve por em votação os quesitos das qualificadoras objetivas, ficando prejudicada a votação dos quesitos das qualificadoras subjetivas. Note-se que a segunda corrente, que rejeita a tese do homicídio híbrido, é mais vantajosa para o réu, pois se o júri reconhece o privilégio não se vota as qualificadoras, sejam elas objetivas ou subjetivas.

Finalmente, cumpre esclarecer que a sentença de pronúncia não pode fazer menção ao homicídio privilegiado. Trata-se de tese de defesa, que deve ser suscitada em plenário do júri. Aliás, a sentença de pronúncia não pode fazer menção a atenuantes genéricas, a agravantes genéricas, nem às causas de diminuição de pena, à exceção da tentativa. Note-se, porém, que as qualificadoras e causas de aumento de pena devem figurar na sentença de pronúncia.

HOMICÍDIO EUTANÁSICO OU PIEDOSO OU COMPASSIVO

O estudo da eutanásia é dos mais árduos de todo o direito penal. Talvez porque a

humanidade atual passe por um estágio oscilante acerca da real finalidade da vida do homem na Terra. Acreditamos, porém, que no futuro o direito de morrer proclamado pela escola positiva de Ferri será repudiado e esquecido, trancado nas páginas amarelas do passado. “Defender a eutanásia, esclarece Nélson Hungria, é sem mais, nem menos, fazer a apologia de um crime. Não desmoralizemos a civilização contemporânea com o preconício do homicídio. Uma existência humana, embora irremissivelmente empolgada pela dor e socialmente inútil, é sagrada. A vida de cada homem, até o seu último momento, é uma contribuição para a harmonia suprema do universo e nenhum artifício humano, por isso mesmo, deve truncá-la. Não nos acumpliciemos com a morte”.

Eutanásia é o homicídio praticado para alforriar, piedosamente, a pessoa dos insuportáveis sofrimentos causados por doença incurável. A eutanásia também é denominada de homicídio piedoso ou compassivo. Costuma-se também empregar as expressões homicídio médico ou caritativo.

Ensina Paulo José da Costa Júnior, que são três as modalidades de eutanásia. Uma, consistente na eliminação das chamadas “vidas indignas de serem vividas“ (doentes mentais incuráveis), que configuram o homicídio. Outra, consistente na morte provocada pelo médico a paciente incurável, que esteja padecendo muito (morte piedosa), que se trata de hipótese de homicídio privilegiado. A terceira modalidade é a ortotanásia, definida como a circunstância de o doente estar já em um processo que, segundo o conhecimento humano e um razoável juízo de prognose médica, conduzirá imediatamente e sem remissão à morte, sendo certo que o ilustre penalista considera lícita a ortotanásia.

O Código Penal vigente não deixou impune a eutanásia. Conquanto não disciplinada expressamente, a sua prática constitui delito de homicídio. Na primeira modalidade o homicídio

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pode ser simples ou qualificado, dificilmente o júri o consideraria privilegiado. Na segunda modalidade, o homicídio é privilegiado pelo relevante valor moral (art. 121, § 1º).

A polêmica maior reside em torno da ortotanásia. Com efeito, a ortotanásia consiste na supressão dos medicamentos que visavam prolongar por um pouco mais de tempo a vida do doente incurável incurso já em um estado que natural e irremissivelmente o levaria à morte. É também denominada eutanásia omissiva ou moral ou terapêutica

Suponha-se um enfermo em fase terminal, vivendo às custas de altas doses de antibióticos ou transfusões de sangue. Concluindo o juízo de prognose médica pela impossibilidade absoluta de cura, cessando os medicamentos, deixando, destarte, o moribundo morrer naturalmente, responderia o médico por delito de homicídio? Um dos argumentos para justificar a ortotanásia é o direito de não sofrer inutilmente. Os seus detratores, porém, argumentam que há sempre possibilidades de reações orgânicas do paciente, consideradas “milagres”, restabelecendo o enfermo, acrescentando ainda a possibilidade do surgimento de cura da doença.

Malgrado a clareza do art. 13, § 2º, b, do CP, considerando a omissão penalmente relevante a quem, como no caso do médico, tem o dever jurídico de evitar o resultado, o certo é que, no Brasil, mais difundida se tornou a tese da inexistência do delito, argumentando Aníbal Bruno, árduo defensor deste ponto de vista, o seguinte: “Nenhuma razão obriga o médico a fazer durar por um pouco mais uma vida que natural e irremissivelmente se extingue, a não ser por solicitação especial do paciente ou de parentes seus.” Guilherme de Souza Nucci esclarece que a resolução nº 1246/88 considera a ortotanásia um procedimento ético (p.371). A controvérsia , porém, continua, porque a resolução não pode criar direitos e obrigações, violando o princípio da legalidade. O anteprojeto da parte especial do Código Penal preceitua no art.121, § 4º: “Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão”.

Finalmente, cumpre ainda fazer menção à distanásia, consistente na morte lenta e sofrida de uma pessoa, prolongada pelos recursos da medicina. Se o prolongamento objetiva a salvação não há falar-se em crime. Mas, se ao revés, tem o escopo de matar a vítima lentamente, haverá homicídio qualificado pelo meio cruel.

HOMICÍDIO QUALIFICADO

O § 2º do art.121 do CP prevê o homicídio qualificado, cuja pena varia entre 12 e 30 anos de

reclusão. Trata-se de qualificadora, porque tem pena autônoma, desvinculada do tipo fundamental. A maioria das circunstâncias que qualificam o homicídio figuram como agravantes genéricas

dos demais delitos (CP, art. 61, II, a, b, c e d). Mas, evidentemente, no caso do homicídio essas circunstâncias, erigidas à condição de qualificadoras, não poderão funcionar como agravantes genéricas, por força do princípio do non bis in idem.

Advirta-se, desde já, que a premeditação e a relação de parentesco, por si sós, não qualificam o homicídio. No tocante à premeditação, no expressivo dizer de Heleno Cláudio Fragoso, “nem sempre ela revela maior frieza ou perversidade, podendo, ao contrário, indicar hesitação ou resistência em relação à ação criminosa. Premeditadamente pode ser cometido um homicídio por motivo de relevante valor social ou moral, e pode também o crime ser praticado ex improviso, por motivo fútil, revelando excepcional insensibilidade moral por parte do agente”. O juiz poderá, porém, considerá-la na fixação da pena-base, nos termos do art. 59 do CP.

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No tocante à relação de parentesco, limita-se o Código Penal a considerar agravante genérica a prática de crime contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge (art. 61, II, e). Específicas denominações recebe o homicídio praticado contra parente próximo:

parricídio (matar o pai); matricídio (matar a mãe); uxoricídio (matar a esposa); mariticídio (matar o marido); filicídio ou gnaticídio (matar o filho); fratricídio (matar o irmão).

As circunstâncias qualificativas do homicídio estão sistematizadas do seguinte modo: a) as que resultam dos motivos (art. 121, § 2º, I e II); b) as que resultam dos meios (art. 121, § 2º, III); c) as que resultam da forma (art. 121, § 2º, IV); d) as que resultam da conexão (art. 121, § 2º, V). O art. 121, § 2º, I e II, do CP cuida das qualificadoras em razão dos motivos determinantes

do crime: No inciso I está o homicídio cometido mediante paga e promessa de recompensa, ou por

outro motivo torpe. No inciso II está o cometido por motivo fútil. A paga e a promessa de recompensa integram o denominado homicídio mercenário. Na paga

o recebimento é prévio, v. g., entrega de dinheiro para que o pistoleiro perpetre o crime. O homicídio cometido mediante paga é também denominado assassínio. Na promessa de recompensa o recebimento da vantagem se verifica após a prática do delito. Há uma expectativa de recompensa, cuja efetivação está condicionada à realização do homicídio. Não vindo, porém, o agente a recebê-la, persiste, mesmo assim, a qualificadora.

Divergem radicalmente os autores quanto à natureza econômica ou não da paga e promessa de recompensa. Para uns, acertadamente, elas têm de ter conotação econômica, pois a razão da qualificadora é a cobiça, o móvel de lucro. É o ensinamento, dentre outros, de Nélson Hungria, para quem a paga ou recompensa prometida tanto pode consistir em dinheiro, como em qualquer vantagem econômica (aquisição de direito patrimonial, perdão de dívida, promoção em emprego etc.). Para outros, porém, não há necessidade da conotação econômica, configurando-se, por exemplo, a qualificadora na promessa de futuro casamento com o autor do delito.

Observe-se, ainda, que o homicídio mercenário é crime bilateral, exigindo o concurso de duas pessoas: o mandante e o executor. Indaga-se se o homicídio seria ou não qualificado para o mandante, respondendo uns afirmativamente, argumentando que a paga e promessa de recompensa são elementares do delito, comunicando-se ao partícipe, nos termos do art. 30 do CP, enquanto outros respondem negativamente, asseverando que o fundamento da qualificadora é punir a cobiça, o móvel de lucro, na maioria das vezes ausente naquele que manda matar. Essa última orientação é mais certeira, pois, como salienta Heleno Cláudio Fragoso, “não se exclui que mediante a ação de um sicário pratique alguém um homicídio por motivo de relevante valor social ou moral. A qualificação do homicídio mercenário justifica-se pela ausência de razões pessoais por parte do executor (indício de insensibilidade moral) e pelo motivo torpe que o leva ao delito. O mandante busca a impunidade e a segurança, servindo-se de um terceiro”. Se, por exemplo, o pai pagar um pistoleiro para matar o estuprador da filha, a solução, ao nosso ver, será a seguinte: o pai (mandante) responderá por homicídio privilegiado pelo relevante valor moral; o pistoleiro

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(executor), por homicídio mercenário (CP, art. 121, § 2º, II). Anote-se que a paga e a promessa de recompensa não constituem elementares do delito e, sim, circunstâncias qualificadoras. Seria sumamente injusto imputar a qualificadora ao mandante. Sobremais, trata-se de circunstância subjetiva (motivo de paga ou promessa de recompensa), sendo incomunicável ao partícipe, nos termos do art. 30 do CP.

A lei qualifica o homicídio pela paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe. Motivo torpe é o reprovável pela moralidade média. É o motivo repugnante, abjeto. Por exemplo, o filho mata o pai para receber a herança ou o traficante mata o viciado que deixa de efetuar o pagamento da droga adquirida.

A vingança, cumpre esclarecer, nem sempre se revela como motivo torpe, tudo dependerá do móvel que a antecedeu. Suponha-se que o pai mate o estuprador da filha, conquanto vingativo, o homicídio é privilegiado pelo relevante valor moral.

Por outro lado, o motivo fútil também qualifica o homicídio (art. 121, § 2º, II). Motivo fútil é o insignificante, de somenos importância que, em regra, tomando-se por base o homo medius, não leva ao crime. É aferido pela gritante desproporção entre o motivo e o crime, considerando-se a sensibilidade moral do homem médio e não a opinião subjetiva do réu. Esclareça-se, porém, que na ausência de motivo, por ser desconhecido o motivo, exclui-se a qualificadora.

O art. 121, §2º, III, do CP cuida dos meios empregados para a prática do crime: Considera qualificado o homicídio quando cometido com emprego de meio insidioso, meio

cruel ou meio de que possa resultar perigo comum. Meio é o instrumento utilizado pelo agente para a prática criminosa. O homicídio é qualificado pelo

emprego de: a) meio insidioso; b) meio cruel; c) meio de que possa resultar perigo comum. Meio insidioso: consoante se lê na exposição de motivos da Parte Especial do Código Penal, é

o dissimulado na sua eficiência maléfica. No meio insidioso há, pois, dissimulação. O meio é empregado sub-repticiamente, sem que a vítima dele tenha conhecimento, como, por exemplo, o veneno. O homicídio cometido mediante emprego de veneno denomina-se veneficio ou envenenamento.

Veneno é qualquer substância mineral, vegetal ou animal, capaz de provocar dano ao organismo. Sendo assim, o açúcar ministrado ao diabético em dose profunda é considerado veneno. É preciso, porém, ressaltar que o envenenamento só constitui meio insidioso quando a vítima está consciente do fato. É necessário ainda que a perícia toxicológica constate a presença do envenenamento. Atente-se, por fim, que, além do veneno, qualquer outro meio insidioso qualifica o homicídio, v. g., sabotagem do motor de um carro.

Meio cruel: é o que causa sofrimento desnecessário à vítima. No dizer da exposição de motivos, é o que aumenta inutilmente o sofrimento da vítima, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade. Mas, como dizia Frederico Marques: “os atos que podem traduzir a crueldade somente são tais, como é óbvio, enquanto a pessoa está com vida. Não há, pois, perversidade brutal ou crueldade naquele que, depois de abater e matar a vítima, lhe mutila o cadáver ou lhe esquarteja o corpo para melhor fazer desaparecer os rastros do crime”.

O Código traz três exemplos de meios cruéis: tortura, fogo e asfixia.

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Tortura é a inflição de sofrimento desnecessário ou fora do comum. Pode ser física, v. g., matar aos poucos, para que a vítima sinta mais as dores, e moral, por exemplo, matar um cardíaco torturando-o psicologicamente. Só há tortura quando o agente faz com que a vítima sofra inutilmente. Assim, a reiteração de facadas, desde que necessária para causar a morte, em princípio, não constitui tortura. Cumpre não confundir o homicídio qualificado pela tortura com o crime de tortura qualificado pela morte. Com efeito, no delito de tortura, previsto no art.1º,§ 3º, da lei nº 9.455/97, o agente não age com dolo de matar, de modo que a morte é culposa. Assim, a tortura qualificada pela morte é um crime preterdoloso, tendo em vista que há dolo em relação à tortura e culpa na morte. Se, após praticar o crime de tortura, o agente mata dolosamente a vítima, ter-se-á apenas o delito de homicídio, por força do princípio da consunção. Não concordamos com a opinião de Damásio de Jesus, esposada por Cezar Roberto Bitencourt, no sentido de que se durante a tortura o agente resolve matar a vítima haverá dois crimes em concurso material: tortura (art.1º da lei nº 9.455/97) e homicídio (art.121 do CP), pois esse posicionamento desconsidera os estudos sobre o princípio da consunção, notadamente no aspecto da progressão criminosa.

Por outro lado, o fogo e a asfixia também constituem meios cruéis, qualificando o homicídio. No tocante ao fogo, Magalhães Noronha cita o exemplo dos playboys que o atearam em um

pobre homem que se achava dormindo num banco de jardim público. Asfixia, dizia Costa e Silva, é o efeito da falta de ar e da suspensão, mais ou menos completa,

da respiração. Esses efeitos resultam em verdade da privação, total ou parcial, rápida ou lenta, do oxigênio, elemento indispensável à manutenção da vida. A asfixia pode ser mecânica e tóxica. Ambas qualificam o homicídio por se revestirem de extrema crueldade. Na asfixia a morte é causada pela anoxemia (falta de oxigênio no sangue).

A asfixia mecânica pode ocorrer mediante: enforcamento, estrangulamento, esganadura, sufocação, soterramento e afogamento. No enforcamento há a constrição do pescoço feita por laço acionado pelo próprio peso da vítima; no estrangulamento há a constrição do pescoço feita por laço acionado pela força muscular da própria vítima ou de estranhos; na esganadura a constrição do pescoço é feita com as mãos do agente; na sufocação há impedimento respiratório devido à oclusão dos orifícios respiratórios (narinas e boca) ou pela compressão do tórax; no soterramento, a asfixia se realiza pela permanência do indivíduo num meio sólido ou semi-sólido, onde a entrada de ar está impedida; por fim, no afogamento há a submersão da vítima num meio líquido, que penetra nas vias respiratórias.

A asfixia tóxica se dá mediante confinamento. O agente coloca ou mantém a vítima em local onde não penetra ar, v. g., numa garagem fechada com o carro ligado.

O homicídio é ainda qualificado quando do meio empregado possa resultar perigo comum. O fogo e o explosivo foram elencados no inciso III do § 2º do art. 121 do Código Penal como

exemplos legais de meios capazes de produzir perigo comum. Perigo comum: é o que atinge um número indeterminado de pessoas. Se o meio empregado

atingir a vítima e ainda criar uma situação de perigo a um número indeterminado de pessoas, o agente responderá por homicídio qualificado em concurso formal com o crime de perigo comum (incêndio - art. 250; explosão - art. 251; inundação - art. 254; desabamento - art. 256, etc.). Há quem sustente a tese da absorção do delito de perigo comum, argumentando-se que já funcionaria como qualificadora de homicídio, invocando-se, destarte, o princípio da subsidiariedade implícita. A nosso ver, não há falar-se em absorção, porquanto a razão da qualificadora não é o perigo comum, mas o meio de que possa resultar esse perigo. A escolha de um meio desse porte revela a periculosidade do agente, justificando-se a qualificadora, ainda que no plano prático não tenha ocorrido o perigo comum. O que importa é a potencialidade do meio para causar este tipo de perigo. Na hipótese de efetivamente se concretizar o perigo comum haverá concurso formal. Não

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há nenhum “bis in idem” nesse ponto de vista. Com efeito, a escolha do meio é a razão da qualificadora, ao passo que a ocorrência do perigo concreto comum é um novo fato, cujo sujeito passivo é a coletividade. São dois fatos distintos, a escolha do meio e o perigo concreto comum. A qualificadora do homicídio incide independentemente de ocorrer o perigo comum. Se este sobrevier, haverá o concurso formal entre homicídio qualificado e o crime de incêndio ou explosão ou inundação ou desabamento etc.

O art. 121, §2º, IV, do CP qualifica o delito em virtude do modo de execução (forma pela

qual se manifesta a conduta): Estabelece que o homicídio é qualificado quando cometido à traição, de emboscada,

dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Referido dispositivo qualifica o delito em virtude do modo de execução (forma pela qual se manifesta a conduta).

A traição, emboscada e dissimulação compõem a fórmula casuística empregada pelo legislador para exemplificar os modos de execução que dificultam ou tornam impossíveis a defesa da vítima.

Há traição quando o agente quebra a confiança que a vítima lhe depositava. É a perfídia, a deslealdade. É preciso, porém, que a vítima não perceba o ataque. Assim, não há traição se a vítima viu o agente com a arma escondida.

Referentemente à surpresa, à semelhança da traição, constitui um ataque inesperado, qualificando o homicídio à medida que dificulta ou torna impossível a defesa do ofendido.

Íntima é a ligação entre a traição e a surpresa. Num e noutro caso a vítima é atingida inesperadamente, com a diferença de que, na traição, ela confiava no agente, enquanto na surpresa não havia essa relação de confiança. Haverá surpresa se o agente matar pelas costas o seu desafeto e traição se matar dessa forma um parente ou amigo.

Igualmente, o homicídio é qualificado quando cometido mediante emboscada ou dissimulação. Emboscada é o ato premeditado de aguardar escondido a presença da vítima para atacá-la de surpresa. Há, pois, simultaneamente, premeditação e surpresa. Entre os indígenas é conhecida como tocaia.

Dissimulação é a ocultação do intuito criminoso, v. g., disfarce colocado pelo agente para aproximar-se da vítima.

O art. 121, §2º, V, do CP qualifica o delito quando cometido para assegurar a execução, a

ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Como se percebe, o fundamento dessa qualificadora é a conexão teleológica ou

consequencial entre o homicídio e outro delito. Há conexão teleológica quando o homicídio é cometido para assegurar a execução de outro

crime. Há conexão consequencial quando cometido para assegurar a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime. Nessas duas hipóteses, observa Heleno Cláudio Fragoso, “é irrelevante que o crime-fim seja praticado. Basta que o agente tenha praticado o homicídio com o fim de assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou o proveito de outro crime, qualquer que seja. Se o crime-fim foi cometido, haverá concurso material, aplicando-se cumulativamente as penas (art. 69, CP). É irrelevante, igualmente, que o homicídio seja praticado antes ou depois deste outro crime, bem como a desistência do agente em relação a este”.

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Cumpre não esquecer que a qualificadora da conexão só tem incidência quando o homicídio é cometido para assegurar a execução, ocultação, impunidade e vantagem de outro crime. Se o homicídio visa assegurar a prática de contravenção penal exclui-se a incidência da qualificadora em apreço, podendo, porém, nesse caso, configurar-se a qualificadora do motivo torpe ou fútil. Afasta-se, também, a qualificadora se o crime-fim é putativo ou impossível.

Por outro lado, na expressiva lição de Euclides Custódio da Silveira, “o homicídio pode ser cometido antes, logo após ou muito tempo depois de ‘outro crime’, sendo exemplo da primeira hipótese o de quem, ao preparar-se para praticá-lo, mata um policial que o tem sob as vistas e poderá tornar-se uma perigosa testemunha”.

Vejamos alguns exemplos de homicídio qualificado pela conexão:

1º. Suponha-se que o agente provoque a morte do marido com a intenção de assegurar a execução

do estupro da esposa. Efetivando ou não a conjunção carnal, responderá por homicídio qualificado pela conexão (art. 121, § 2º, V, do CP), em concurso material com o crime sexual do art. 213 do Código Penal, consumado ou tentado. Imagine-se, porém, que tenha sido preso em flagrante pelos vizinhos antes de iniciar a execução do estupro. Nesse caso, por ter sido cometido com o fim de assegurar a execução do estupro, o homicídio será igualmente qualificado pela conexão teleológica. Mas, como a lei penal pátria não pune os atos preparatórios, desnecessário dizer que o estupro não se caracterizou nem mesmo na modalidade tentada.

2º. Suponha-se que o agente falsifique um documento público e, depois, para ocultar o fato, mate a única testemunha. Responderá por homicídio qualificado pela conexão consequencial em concurso material com o crime de falso (art. 297 do CP).

3º. Suponha-se que o agente, após danificar dolosamente um objeto, mate a testemunha para assegurar a sua impunidade. Note-se que ele matou para assegurar a sua impunidade e não a ocultação do fato, pois a danificação permanecerá evidente. Responderá, nesse caso, por homicídio qualificado pela conexão consequencial em concurso material com o crime de dano (art. 163 CP).

4º. Suponha-se, por fim, que o ladrão mate o seu comparsa do furto para assegurar a exclusividade da vantagem obtida com o delito patrimonial. Responderá por homicídio qualificado pela conexão consequencial em concurso material com o crime de furto (art. 155 CP).

A expressão vantagem do crime compreende o produto, o preço e o proveito. “Produto são

as coisas adquiridas diretamente com o crime (ex.: a res furtiva), ou mediante especificação (ex.: o ouro resultante da fusão da jóia furtada), ou obtidas mediante alienação (ex.: dinheiro ganho com a venda da coisa furtada), ou criadas pelo crime (ex.: mercadorias contrafeitas). Preço são os valores recebidos ou prometidos para cometer o crime. Proveito, finalmente, é toda vantagem, patrimonial ou não, derivada do crime e diversa do produto e do preço”.

Cumpre advertir que a lei não prevê como qualificadora a conexão ocasional, ocorrida quando o agente comete um crime por ocasião da prática de outro (p. ex.: danifica o relógio da vítima do homicídio). Mas, nesse caso, haverá, igualmente, concurso material entre o homicídio simples ou qualificado por outra circunstância, exceto a conexão, e o crime de dano.

Finalmente, a qualificadora da conexão incide ainda que se extinga a punibilidade do outro crime, conforme preceitua o art.108, 2ª parte, do CP. Anote-se ainda que no homicídio qualificado pela conexão há um elemento subjetivo especial do tipo, consistente no especial fim de agir. O dolo é específico, ao passo que nas demais modalidades o dolo é genérico.

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INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA

O legislador, sabendo de antemão que não poderia prever todas as hipóteses que viriam a

ocorrer na vida prática, para não mostrar-se dispersivo, expressou-se no art. 121, § 2º, I, III e IV, do Código Penal através de textos genéricos, porém, precisos, de modo que com o simples emprego da denominada interpretação analógica (ou intra legem) se consiga encontrar a real vontade da lei.

Na interpretação analógica o legislador abarca numa fórmula genérica os casos semelhantes aos mencionados na fórmula casuística.

O art.121,§ 2º, I, do Código Penal elenca a fórmula casuística consubstanciada na paga ou promessa de recompensa e em seguida menciona a fórmula genérica através da expressão “ou por outro motivo torpe”.

O art. 121, § 2º, III, do Código Penal discrimina a fórmula casuística ou exemplificativa (veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura) e em seguida menciona a fórmula genérica (ou outro meio insidioso, cruel ou de que possa resultar perigo comum).

Os exemplos não previstos pela fórmula casuística são disciplinados pela fórmula genérica, desde que constituam meio insidioso, cruel ou de que possa resultar perigo comum.

O veneno é exemplo legal de meio insidioso; o fogo, a asfixia e tortura, de meios cruéis; e o fogo e asfixia, de meios de que possam resultar perigo comum. Não passam, porém, de meros exemplos, pois a fórmula genérica compreende todos os outros casos semelhantes aos mencionados na fórmula casuística, como, por exemplo, a armadilha (meio insidioso).

No art. 121, § 2º, IV, do Código Penal, a fórmula casuística é constituída pela traição, emboscada e dissimulação, e a fórmula genérica, pela expressão “qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido”. Traição, emboscada e dissimulação são meros exemplos legais de recursos que dificultam ou tornam impossível a defesa do ofendido, pois outros meios semelhantes, v.g., a surpresa, também qualificam o homicídio.

Cumpre não confundir analogia com interpretação analógica. A analogia consiste em aplicar a uma hipótese, não prevista em lei, a norma regulamentadora

de um caso semelhante. O ponto não focalizado na lei é preenchido pela norma que regula fato semelhante. O problema é de integração da norma, pois como edita o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.

Na interpretação analógica, o caso está abrangido pelo espírito da lei exteriorizado na fórmula genérica. A vontade da lei é focalizar os fatos que se enquadram na fórmula genérica.

Em síntese, na analogia o fato não está previsto em lei, aplicando-se, por isso, disposição relativa a caso semelhante, enquanto na interpretação analógica a hipótese está prevista na fórmula genérica da lei.

A interpretação analógica é perfeitamente admitida pelo direito penal, pois o intérprete permanece dentro dos limites do comando legal.

Em contrapartida, o recurso à analogia não é admitido nas leis penais, salvo quando in bonam partem e, mesmo assim, desde que não se trate de normas penais excepcionais.

HOMICÍDIO HEDIONDO. HOMÍCIDIO PRATICADO POR GRUPO DE EXTERMÍNIO E POR

MILÍCIA PRIVADA

A lei nº 8.072/90, modificada pela lei nº 8.930/94, incluiu entre os crimes hediondos o

homicídio qualificado e o homicídio praticado em ação típica de grupo de extermínio.

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Quanto ao homicídio qualificado - privilegiado, a nosso ver, não se trata de crime hediondo, tendo em vista que o art. 1º da retrocitada lei nº 8.072/90 não faz menção a essa figura híbrida, sendo, pois, vedada a analogia “in malam partem”.

Em relação ao homicídio praticado em ação típica de grupo de extermínio, ainda que executado por um só agente, o que sensibilizou o legislador a incluí-lo no rol dos crimes hediondos foi a onda de violência que assolou o país na década de 1990, destacando-se as chacinas de Vigário Geral, Candelária e Carandiru.

A redação do preceito, porém, não deixa de ser estranha à medida que prevê a execução por uma só pessoa de uma ação típica de grupo. Deveria limitar-se a dizer: “ação típica de extermínio”. Aliás, aludido homicídio, em regra, já é qualificado pelo motivo torpe. No entanto, perfeitamente admissível o homicídio privilegiado cometido em atividade de grupo de extermínio. Suponha-se, por exemplo, que alguém matasse o bando de traficantes que apavorava a comunidade local. Malgrado a ação de extermínio, o homicídio seria privilegiado pelo relevante valor social, mantendo, porém, o caráter hediondo, pois o art. 1º da Lei n. 8.072/90 inclui em seu elenco o homicídio do art. 121 do Código Penal, e não apenas o caput do citado art. 121, de modo que o homicídio privilegiado, cometido em atividade típica de grupo de extermínio, também será hediondo.

Extermínio é a chacina, a destruição com mortandade. É a matança generalizada, isto é, que atinge a vítima em caráter impessoal, simplesmente por ser membro de um grupo ou ostentar determinada condição social. Por exemplo, matança de crianças miseráveis, de prostitutas, de presidiários, de mendigos etc. A pluralidade de vítimas não é fundamental ao reconhecimento da qualificadora. Tem-se por qualificado o delito ainda que se mate uma só pessoa, desde que atingida em caráter impessoal, isto é, simplesmente por ser membro de um grupo.

O fenômeno do grupo de extermínio constitui um ato de terrorismo, executado, via de regra, por pessoas fanáticas de determinadas ideologias, que instigam desavenças políticas, econômicas, religiosas e o ódio entre as classes sociais. Todavia, a atividade de extermínio também pode caracterizar-se independentemente do mencionado fanatismo.

Por outro lado, o homicídio praticado em ação típica do grupo de extermínio assemelha-se com o delito de genocídio. Com efeito, o art.1º, alínea “a”, da lei nº 2.889/56 define o delito de genocídio como sendo a conduta de matar membros de grupo nacional, étnico, racial ou religioso, com a intenção de destruir-lhe no todo ou em parte. A lei n. 2.889/56 incrimina esse genocídio com as penas do homicídio qualificado. A nosso ver, o homicídio praticado em ação típica de extermínio ocorre por exclusão, isto é, nas hipóteses em que não se configura o genocídio. Assim, enquanto o genocídio é a matança de membros de grupo nacional, étnico, racial ou religioso, com a intenção de destruir-lhe, o homicídio em ação típica de extermínio compreende a matança de membros de grupo social, econômico, político, feminino, etc.

O homicídio praticado por grupo de extermínio tem a pena aumentada de 1/3 (um terço) até a metade, nos termos da lei 12.720/2012, que também prevê o mesmo aumento para o homicídio praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança.

De fato, a lei 12.720/2012, introduziu o § 6º no art. 121 do CP dispondo que: “A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio”.

Enquanto o grupo de extermínio caracteriza-se pela matança generalizada, sem que haja motivos pessoais em relação às vítimas, a milícia privada é uma organização paramilitar que age como se fosse o Estado, procurando dominar a comunidade, impondo ordens, traçando normas de comportamento, impondo toque de recolher, etc. Se o homicídio for praticado sob o pretexto de prestação de serviço de segurança para a comunidade, impõe-se a causa de aumento de pena acima. Mas o legislador abriu uma grande lacuna, pois se a milícia privada pratica homicídio que

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não seja sob o pretexto de serviço de segurança, que teoricamente seria mais grave, não há previsão legal para o aumento da pena. O homicídio praticado por milícia privada não é hediondo, não consta no rol da Lei 8072/90, salvo quando presentes uma das qualificadoras do § 2º do art. 121 do CP.

HOMICÍDIO CONTRA MENOR E PESSOA IDOSA

A Lei n. 8.069/90 (ECA) introduziu no § 4º do art. 121 do Código Penal uma causa de aumento

de pena em quantidade fixa, dispondo, na sua parte final, o seguinte: “Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos”.

Vislumbra-se, de antemão, a falta de técnica legislativa, porquanto o aludido § 4º do art. 121 disciplina o homicídio culposo, ao passo que a causa de aumento de pena, em estudo, é aplicável, exclusivamente, ao homicídio doloso, em suas modalidades simples, privilegiadas e qualificadas. Assim, evidentemente, não deveria estar incluída nesse parágrafo.

Sob outro aspecto, o Código atual adotou a teoria da atividade, considerando-se praticado o delito no momento da conduta (ação ou omissão), ainda que outro seja o momento do resultado (art. 4º). Suponha-se que a vítima seja esfaqueada na véspera do seu aniversário de 14 anos, mas só venha a morrer algumas semanas depois. Estabelecido o nexo causal entre a conduta e o resultado, o homicídio receberá a incidência da causa especial de aumento de pena, por ter sido cometido contra pessoa menor de 14 anos.

Divorciando-se do critério fixado no art. 224, a, do Código Penal, que presume a violência quando a vítima “não é maior de catorze anos”, o legislador da parte final do § 4º do art. 121, CP, preferiu a expressão “menor de catorze anos”. Por conseguinte, cometendo o delito de homicídio no dia do aniversário de 14 anos da vítima, o agente não sofrerá incidência da aludida causa de aumento de pena, pois no dia do aniversário a vítima já não é menor de catorze anos. Mutatis mutandi, se o legislador tivesse usado a expressão “não é maior de catorze anos” a causa de aumento de pena teria plena incidência.

Por outro lado, mister a ciência do agente acerca da idade da vítima, pois o erro escusável exclui a causa de aumento de pena; a dúvida, porém, caracteriza dolo eventual, incidindo, portanto, a majorante.

Ressalte-se ainda que a incidência da causa do aumento da pena exclui a agravante genérica de ter sido o crime cometido contra criança (art. 61, II, h, do CP). Finalmente, o homicídio praticado contra a vítima maior de 60 anos ao tempo da conduta criminosa, também tem a pena aumentada de 1/3. Nesse caso, não incide a agravante genérica, prevista no art. 61, inciso I, alínea “h”, do Código Penal, consistente em ter sido o crime cometido contra maior de 60 anos, porque já funciona como causa de aumento da pena.

HOMICÍDIO CULPOSO CONCEITO E ELEMENTOS Homicídio culposo é a morte provocada por imprudência, negligência ou imperícia.

ESPÉCIES DE HOMICÍDIOS CULPOSOS O Código Penal ocupa-se de duas formas de homicídios culposos: a simples e a qualificada.

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O homicídio culposo simples está previsto no § 3º do art.121 do CP, cuja pena varia de um a três anos de detenção. O conceito de homicídio culposo simples obtém-se por exclusão, tipificando-se quando não ocorrer nenhuma das hipóteses do § 4º do art.121 do CP.

Com efeito, na primeira parte do § 4º do art.121 do CP está definido o homicídio culposo qualificado ou circunstancial. Trata-se de causa de aumento de pena em quantidade fixa de um terço.

O aumento da pena em 1/3, previsto no sobredito § 4º do art.121 do CP, tem lugar:

I. Se o agente não observa regra técnica de arte, profissão ou ofício; II. Se o agente omite socorro à vítima; III. Se o agente não procura diminuir as consequências de seu ato; IV. Se o agente foge para evitar prisão em flagrante.

Essa enumeração é taxativa. Examinemos uma a uma as hipóteses referidas no aludido § 4º do art. 121. A primeira só tem incidência quando houver relação de causalidade entre a morte da vítima e

a não-observância de regra técnica de arte, profissão ou ofício. Aproxima-se da imperícia, pois, em ambas, comum é a não-observância de regra técnica de arte, profissão ou ofício.

A diferença é que, na imperícia, o agente não dispõe do conhecimento técnico não-observado; embora habilitado legalmente, falta-lhe aptidão para o exercício da arte, profissão ou ofício, enquanto na majorante do § 4º do art. 121, ao contrário, o agente tem esses conhecimentos técnicos, deixando, porém, de empregá-los, por indiferença ou leviandade.

Se, por exemplo, o médico especialista em cirurgia cardíaca, por descuido, cortasse um nervo do paciente, causando-lhe a morte, configurar-se-ia a aludida majorante, pois o profissional dispunha do conhecimento técnico não observado. Suponha-se, porém, que, ao invés de um especialista, a cirurgia fosse feita por um médico bisonho, que, por não dispor da necessária habilidade, cortasse o mesmo nervo do paciente. Nesse caso, tratar-se-ia de simples imperícia e a majorante seria excluída.

Consoante o mencionado § 4º, tem também lugar o aumento da pena se o agente omite socorro à vítima. Evidentemente, o aumento somente é aplicável quando for possível o socorro; a morte instantânea da vítima ou o seu imediato socorro por terceiro afasta a incidência da majoração da pena.

Tenha-se ainda presente que no caso de inexistência de conduta anterior culposa excluir-se-á a presença da majorante, mas, deixando de socorrer a vítima, o agente cometerá o delito de omissão de socorro (CP, art. 135, parágrafo único). A omissão de socorro é a única causa de aumento prevista no Código Penal, que também é aplicável ao homicídio culposo do Código de Trânsito Nacional.

Outra causa de aumento de pena é aquela em que o agente, após a conduta culposa, não procura diminuir as consequências do seu ato. Alguns autores reputam-na supérflua, alegando que não procurar diminuir as consequências de seu ato é o mesmo que omitir socorro. Contudo, a aludida majorante não constitui uma superfetação, pelo contrário, justifica-se, por exemplo, quando o agente deixa de indenizar os familiares da vítima.

Por último, admite-se ainda o aumento da pena em 1/3 quando o agente foge para evitar prisão em flagrante. Justifica-se a majorante pelo fato da fuga dificultar a ação da justiça. Malgrado o caráter afiançável do delito, a prisão em flagrante torna certa a autoria e facilita as investigações. Excluir-se-á, evidentemente, a majorante na hipótese de fuga para evitar linchamento ou agressão. Anote-se que o art.301 do Código de Trânsito Brasileiro preceitua que a prestação de socorro

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imediato à vítima impede a prisão em flagrante. Por analogia “in bonam partem”, esta norma deve ser aplicada também ao homicídio culposo do Código Penal.

HOMICÍDIO CULPOSO NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO Dispõe o “caput” do art.302 do CTB: “Praticar homicídio culposo na direção de veículo

automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”

O âmbito de incidência do Código de Trânsito Brasileiro depende do binômio: veículo automotor e trânsito terrestre. Trata-se de um tipo especial de homicídio culposo, que afasta a norma genérica prevista no art. 121,§ 3º, do Código Penal.

Entende-se por veículo automotor todo aquele movido a motor de propulsão, que circule por seus próprios meios, e que sirva normalmente para o transporte viários de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico). Essa definição, haurida do Anexo I do CTB, é complementada pela definição de ciclomotor, isto é, veículo de duas ou três rodas, cuja cilindrada não exceda a cinquenta centímetros cúbicos e cuja velocidade máxima de fabricação não exceda a cinquenta quilômetros por hora. O ciclomotor é excluído do CTB, aplicando-se o Código Penal.

Assim, não é aplicável o Código de Trânsito Brasileiro aos homicídios e lesões culposos ocasionados por: a) pedestre; b) ciclomotor com menos de cinquenta cilindradas, cuja velocidade máxima não exceda a cinquenta quilômetros por hora; c) animais; d) bicicleta; e) charrete; f) carrinho de rolimã; g) trem.

Por outro lado, o art.1º do Código de Trânsito Brasileiro deixa bem claro que o aludido codex só é aplicável ao trânsito das vias terrestre, aberta a circulação. O parágrafo único do art. 2º preceitua que também são consideradas vias terrestres as praias abertas à circulação pública e as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas.

Portanto, não é aplicável o Código de Trânsito Brasileiro aos homicídios e lesões culposos oriundos de: a) acidentes marítimos; b) acidentes aéreos; c) acidentes na linha férrea do trem; d) acidentes no interior do estacionamento do Shopping Center; e) acidentes ocorridos em vias rurais não abertas à circulação.

Cumpre observar que o homicídio e lesão culposos previstos no Código Penal são aplicáveis a todas as hipóteses de exclusão do Código de Trânsito Brasileiro.

O parágrafo único do art.302 do CTB prevê o homicídio culposo qualificado, dispondo que a

pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I. Não possui permissão para dirigir ou carteira de habilitação; II. Praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III. Deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV. No exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de

passageiros. Vê-se assim a existência de quatro causas de aumento de pena em quantidade variável de um

terço à metade. A primeira ocorre quando o motorista não possui permissão para dirigir ou carteira de

habilitação. Convém registrar que a permissão é a habilitação provisória. Após um ano, o motorista recebe a Carteira de Habilitação. Anote-se que o delito de falta de habilitação ou permissão para

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dirigir, previsto no art. 309 do CTB, é absorvido, por força do princípio da subsidiariedade implícita. Da mesma forma, não há falar-se na incidência da agravante do art. 298, inciso III, do CTB, porque o mesmo fato já configura causa de aumento de pena. Quanto ao motorista que tem Carteira de Habilitação, mas o exame médico encontra-se vencido, a nosso ver, não deve sofrer o aumento da pena. Com efeito, o vencimento do exame médico apenas obriga o motorista a realizar um novo exame para atestar a sua saúde e poder renovar a habilitação. Ele não se submete a novos exames de trânsito, de modo que o vencimento do exame médico não implica em inabilitação para dirigir.

A segunda circunstância que majora a pena consiste no fato de o motorista praticar o delito em faixas de pedestres ou na calçada. Justifica-se a majorante pela gravidade da culpa. Não incide a agravante prevista no art.298, inciso VII, do CTB, porque o mesmo fato já constitui causa de aumento de pena.

A terceira majorante consiste na omissão de socorro. São duas as espécies de omissão de socorro: a) deixar de prestar assistência; b) não pedir o socorro da autoridade pública. A assistência é direta ou imediata quando o socorro é prestado pessoalmente; e indireta ou mediata quando é solicitada a autoridade pública. Se a situação de perigo pode ser afastada a contento tanto pela assistência direta como pela indireta, surge para o agente uma obrigação alternativa: prestar pessoalmente o socorro ou solicitá-lo à autoridade pública. Se, porém, a situação de urgência não admite a mora, tornando inócua a solicitação da autoridade pública, o agente deverá prestar a assistência direta, sob pena de incidir em omissão de socorro. Como se pode observar, a assistência indireta é meramente supletiva ou subsidiária, podendo o sujeito optar pela solicitação do auxílio da autoridade pública somente quando a assistência direta não puder ser prestada sem risco pessoal, ou quando o socorro da autoridade pública for capaz de conjurar tempestivamente o perigo. Se houver risco pessoal para o agente, exclui-se a obrigação de socorrer diretamente, subsistindo, porém, o socorro indireto, a menos que também haja risco pessoal. Acrescente-se ainda que a causa de aumento só é aplicável quando for possível socorro, de modo que a morte instantânea da vítima ou de seu imediato socorro por terceiro afasta a incidência da majoração da pena. Tenha-se ainda presente que no caso de inexistência de conduta anterior culposa excluir-se-á a presente majorante, mas, deixando de socorrer a vítima, o agente cometerá o delito de omissão de socorro ( art. 304 do CTB). Se, por exemplo, após o atropelamento fortuito do tresloucado que se lançou à frente do veículo, o motorista omitir socorro, responderá pelo delito de omissão de socorro, previsto no art. 304 do CTB. Outras considerações serão abordadas por ocasião da análise do delito de omissão de socorro, previsto nos arts. 135 do CP e 304 do CTB.

A última causa de aumento ocorre quando o agente pratica o delito no exercício de sua profissão ou atividade de conduzir veículo de transporte de passageiros. Exclui-se a incidência da agravante genérica prevista no art. 298, inciso V do CTB, na parte em que trata de veículo de transporte de passageiros, porque o mesmo fato já constitui causa de aumento de pena. Tratando-se, porém, de veículo de transporte de carga, tais como os caminhões, não é aplicável a causa de aumento de pena, porque é vedada a analogia “in malam partem”, mas em contrapartida incide a agravante do art.298, inciso V, na parte em que trata do veículo de transporte de carga.

A incidência da majorante depende de o agente encontrar-se no exercício de sua profissão ou atividade. A palavra profissão está empregada para designar os motoristas profissionais, que se dedicam exclusivamente a dirigir veículos, tais como os taxistas, motoristas de ônibus, etc., ao passo que a expressão atividade foi empregada para abranger as hipóteses em que o agente realiza diversas tarefas, dentre as quais a de conduzir veículos automotores. Há quem sustente que a causa de aumento só é aplicável se ao tempo do acidente havia passageiros no veículo, argumentando-se que a razão da majorante é o perigo ocasionado a esses passageiros. A nosso ver, a justificativa da majorante consiste no fato de a condução do veículo ser inerente à profissão ou

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atividade do agente, dele exigindo um cuidado maior, de modo que incide a causa de aumento ainda que não haja passageiros por ocasião do acidente.

PERDÃO JUDICIAL Perdão Judicial é o ato do magistrado que deixa de aplicar a pena ao réu em virtude da

presença de determinadas circunstâncias expressamente previstas em lei. A Lei n. 6.416, de 24 de maio de 1977, introduziu o § 5º ao art. 121 do Código Penal, dispondo

que, “na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conse-quências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”.

Do exposto dá se conta de que o aludido perdão judicial é um benefício penal aplicável exclusivamente ao homicídio culposo que tenha gerado graves consequências para o agente. As consequências tanto podem ser físicas, como por exemplo, ferimentos graves no próprio agente, ou morais, como no atropelamento do próprio filho.

O perdão judicial é um direito ou favor? Eis um tema sobre o qual, até agora, não se logrou obter uniformidade de pontos de vistas. A doutrina tradicional vislumbra no perdão judicial uma verdadeira faculdade do juiz, com

base na expressão “o juiz poderá deixar de aplicar a pena”. Esse ponto de vista não merece acolhida. Em primeiro lugar, porque uma causa extintiva da punibilidade não pode ser relegada ao puro arbítrio do magistrado (CP, art. 107, IX). Em segundo lugar, porque as antigas noções de “favor do juiz”, como observa Celso Delmanto, “acham-se, hoje, completamente divorciadas de um Direito Penal moderno e justo. Quando a lei concede ao agente a possibilidade de alcançar certos benefícios (exemplos: sursis, livramento condicional, diminuição ou não de imposição da pena, extinção da punibilidade etc.), tal possibilidade insere-se nos chamados direitos públicos de liberdade do réu. Sendo cabível a aplicação daquela possibilidade legal em favor do réu, não pode o julgador deixar de deferi-la por capricho ou arbítrio. Pode e deve mesmo denegá-la o juiz, quando o réu não preenche as condições exigidas para satisfazer os requisitos do perdão judicial previstos em lei. Entretanto, quando estiverem presentes os requisitos necessários, aquela possibilidade legal se transforma em direito público de liberdade do agente”.

Outra característica do perdão judicial consiste em tratar-se de ato exclusivo do magistrado, só podendo ser concedido na sentença ou acórdão. Diante do expendido, verifica-se que o inquérito policial deve ser instaurado e a denúncia oferecida normalmente pelo Ministério Público.

A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório (Súmula n. 18 do STJ). De fato, sentença condenatória é a que impõe pena. No caso do perdão judicial não se pode cogitar de condenação, pois é da sua essência a não-aplicação da pena. A sentença que concede perdão judicial tem natureza extintiva da punibilidade, afastando todos os efeitos secundários (arts. l07, IX, e l20). Sendo assim, não gera reincidência e não produz título executivo na área cível.

A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório (Súmula n. 18 do STJ). De fato, sentença condenatória é a que impõe pena. No caso do perdão judicial não se pode cogitar de condenação, pois é da sua essência a não-aplicação da pena. A sentença que concede perdão judicial tem natureza extintiva da punibilidade, afastando todos os efeitos secundários (arts. 107, IX, e 120, do CP). Sendo assim, não gera reincidência e não produz título executivo na área cível.

Não obstante o perdão judicial figurar no § 5º do art.121 do CP, o certo é que a doutrina revela uniformidade de vistas no sentido de que o sobredito perdão também deve ser aplicado ao

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homicídio culposo do Código de Trânsito. Primeiro, porque o perdão judicial é uma norma de caráter geral, tanto é que está previsto no art. 107, inciso IX do CP, sendo aplicável a todo o Direito Penal, por força do art. 12 do CP. Segundo, porque o Presidente da República quando vetou o art. 300 do CTB, que contemplava o perdão judicial na hipótese de figurar como vítima descendente, ascendente, cônjuge ou companheiro, irmão ou afim em linha reta do condutor do veículo, determinou expressamente, nas razões do veto, se aplicasse o perdão judicial previsto no Código Penal, que disciplina a matéria de forma mais abrangente.

CONSTITUIÇÃO DE MILÍCIA PRIVADA – LEI Nº 12.720/2012. (Anotação de aula) Nesta aula será abordada a Lei nº 12.712/2012, que dispõe sobre o crime de extermínio de

seres humanos. A lei introduziu uma causa de aumento de pena no homicídio doloso e na lesão corporal

dolosa. Assim, o art. 121, §6º, passou a ter a seguinte redação:

§ 6o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. (Incluído pela Lei nº 12.720, de 2012)

Então, a pena do homicídio doloso tem um aumento de 1/3, mesmo que se trate de

homicídio qualificado, se o crime for praticado por milícia privada sob o pretexto de prestar serviço de segurança (não basta ser milícia privada). Assim, uma milícia privada que atua em determinado bairro, a pretexto de dar segurança para os moradores, se esta milícia privada praticar algum homicídio doloso, os responsáveis por esse homicídio incidirão neste aumento de pena de 1/3, além de responderem também pelo crime de formação de milícia, previsto no art. 288-A do CP.

São, portanto, duas as causas de aumento previstas no §6º: a primeira se o crime for

praticado por milícia privada sobre o pretexto de prestação de serviços de segurança; a segunda se o crime for praticado por grupo de extermínio (já abordado anteriormente, trata-se de hipótese de crime hediondo, homicídio praticado em ação típica de grupo de extermínio, que é aquela “matança” generalizada sem razões pessoais para matar, “matança” realizada simplesmente por questões ideológicas).

Na lesão dolosa há o mesmo aumento de 1/3 também nestas duas hipóteses, nos termos do

art. 129, §7º:

Aumento de pena § 7o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4o e

6o do art. 121 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 12.720, de 2012)

Para entender o que é a milícia privada é necessário estudar o art. 288-A do CP que também

foi introduzido por essa Lei nº 12.720 de setembro de 2012, que prevê o crime de constituição de milícia privada. O referido artigo tem a seguinte redação:

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Constituição de milícia privada (Incluído dada pela Lei nº 12.720, de 2012) Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar,

milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código: (Incluído dada pela Lei nº 12.720, de 2012)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos. (Incluído dada pela Lei nº 12.720, de 2012)

O termo “milícia privada” passou a ser gênero que abrange: a organização paramilitar, a

milícia particular, o grupo e o esquadrão. A lei incrimina quem constitui, organiza, integra, mantém ou custeia uma milícia privada,

sendo que a milícia privada se divide em quatro categorias: a) a organização paramilitar, b) a milícia particular, c) o grupo, d) o esquadrão. a) Organização paramilitar: é a associação formada por civis que se comportam como se

fossem militares. São civis que possuem postura adestrada e que atuam como se fossem militares. Por exemplo, é o que ocorre com as FARC colombianas, que são organizações paramilitares (porque formadas por civis), mas que possuem uma postura militar. A organização paramilitar visa, de uma certa forma, substituir o Estado, substituir o poder do Estado. Imagine-se que uma associação resolva impor uma certa segurança num determinado bairro, passando a se impor, a dar ordens, praticar toque de recolher – é um exemplo de organização paramilitar, que se comporta como se fosse o Estado, em substituição a ele, com a característica de ser composta por civis.

b) Milícia particular: é bem semelhante: trata-se de uma associação que também visa

substituir o poder do Estado, porém é composta por militares ou ex-militares (em suma, é composta por egressos de diversas corporações da polícia). É possível dizer que é uma associação formada por policiais para impor o seu poder autoritário em determinado bairro, mas de forma ilegal, exercendo um poder paralelo, é uma milícia particular, porque é formada por policiais ou ex-policiais (se for formada por civis será uma organização paramilitar).

d) Grupo: é o conjunto de pessoas que tem objetivos em comum, ou seja, grupo seria

simplesmente uma associação criminosa com objetivos comuns. Trata-se de uma associação para praticar crimes em que as vítimas não são necessariamente criminosas.

e) Esquadrão: é também um grupo; a diferença é que o termo esquadrão é mais uma “gíria”

policial, por exemplo, o “Esquadrão da Morte”, que por muito tempo atuou em São Paulo, durante a década de 70, era formado por policiais com o objetivo de matar bandidos. Assim, esquadrão seria uma associação com o objetivo de fazer justiça, de praticar crimes contra delinquentes (“justiceiros”). Deve-se, assim, reservar o termo esquadrão para associações para atingir delinquentes, praticar delitos contra delinquentes, por exemplo, para matar bandidos ou para agredir bandidos.

A lei fala, na sequência, em “finalidade para praticar qualquer dos crimes previstos neste

Código Penal”. Tal expressão restringe a aplicação do art. 288-A aos crimes do Código Penal,

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excluindo-se, portanto, outras leis penais extravagantes. A expressão “com a finalidade para praticar qualquer dos crimes previstos neste Código

Penal” aplica-se apenas ao grupo ou esquadrão ou se aplica também à organização paramilitar e milícia particular?

Uma primeira interpretação é no sentido de que esta finalidade de se praticar qualquer dos crimes previstos no Código Penal se aplicaria a todas as organizações, ou seja, se aplicaria à organização paramilitar, à milícia particular, ao grupo ou esquadrão, teria aplicação ampla.

A crítica a tal interpretação generalizada é que ela torna inútil a referência à organização

paramilitar e milícia particular, porque se para caracterizar o crime do art. 288-A basta a formação de um grupo ou de um esquadrão, não haveria a necessidade do adjetivo organização paramilitar (que seria um grupo paramilitar) ou então de uma milícia particular, que seria um grupo também. Bastaria a lei ter se referido a grupo ou esquadrão, tornando inócua as expressões “organização paramilitar” e “milícia particular”, porque não é necessário que sejam organizações paramilitares ou milícias particulares, basta que sejam um grupo.

Uma segunda crítica é que a lei fala em “organização paramilitar, milícia particular, grupo ou

esquadrão com a finalidade (...)”, ou seja, não há uma vírgula após os termos “grupo ou esquadrão”. Se houvesse vírgula após tais termos ficaria muito claro que a expressão “com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código” se aplicaria a todas as organizações - organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão. Contudo, gramaticalmente falando, a ausência da vírgula indica que parece mais adequado interpretar a expressão como se referindo exclusivamente a grupo ou esquadrão, não se referindo a organização paramilitar nem milícia particular, caso contrário haveria uma virgula após “grupo ou esquadrão”.

Por esses motivos defende-se também um segundo posicionamento (apoiado pelo professor

FMB), no sentido de que o art. 288-A se refere ao seguinte: para uma organização paramilitar ou uma milícia particular a finalidade não precisa necessariamente ser a prática de crimes; o simples fato de se formar uma organização paramilitar ou uma milícia particular já caracteriza crime do art. 288-A, ainda que a finalidade não seja a prática de crimes, ainda que seja uma finalidade, por exemplo, de “dar proteção”, de “dar segurança ao bairro”, de “querer mandar no bairro” – não se pretende praticar crime nenhum, porém montou-se uma organização paramilitar ou uma milícia particular (ou seja, um poder paralelo ao Estado) para dar segurança aos moradores do bairro – o que, no entendimento do professor FMB, caracterizaria crime do art. 288-A, independentemente de a finalidade ser a prática de crimes.

Aliás, este foi o objetivo da lei, pois havia uma lacuna, porque o crime de quadrilha só se

caracteriza se o fim for praticar crimes, de modo que a associação para dar segurança aos moradores, impondo um poder que afronta o poder do Estado, querendo mandar em determinado bairro, em determinada cidade a rigor não seria crime, porque a finalidade não seria a prática de crimes e sim dar segurança aos moradores.

Portanto, a interpretação do professor FMB é a seguinte: no tocante à organização

paramilitar e à milícia particular, a finalidade não precisa ser a prática de crimes, a finalidade pode ser outra, como, por exemplo, oferecer segurança. Já para grupo ou esquadrão, daí sim a finalidade deve ser a prática de crimes previstos no Código Penal. Ou seja, a expressão ”com a finalidade de

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praticar qualquer dos crimes previstos neste Código” só se referiria, portanto, a grupo ou esquadrão.

A lei não prevê o número de integrantes desta organização criminosa, fala simplesmente em

“organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão”. Quantos membros seriam necessários?

Uma primeira corrente defende que são necessários pelo menos dois membros, pois como se trata de uma organização, e para uma associação são necessárias pelo menos duas pessoas, pois ninguém se associa sozinho. Uma segunda corrente entende que o tipo penal é inconstitucional a partir do momento que não definiu o número de membros, o que, de uma certa maneira, violou o princípio da reserva legal, porque se lei quisesse ter se referido a duas pessoas a lei teria dito “associar-se duas ou mais pessoas”, como fez a Lei de Drogas ao definir o crime de quadrilha específico da lei. Se quisesse quatro, teria dito “mais de três”, como fez o art. 288 do Código Penal. Se bastassem três, teria dito “várias pessoas”, que é uma expressão que o Código usa nos crimes contra a honra. Então como a lei foi silente, dizendo apenas “associar”, não é possível saber se são necessárias, duas, três, quatro, cinco pessoas. Então o tipo penal seria vago demais, inconstitucional, porque o tipo penal foi definido de forma muito incompleta.

O professor FMB acredita que deva prevalecer a corrente que se contenta com duas ou mais

pessoas. As condutas criminosas são as seguintes: 1) Constituir uma das organizações: constituir significa formar, compor, organizar. No tipo

penal apresenta-se no sentido de tomar a iniciativa de formar uma das organizações. 2) Organizar: significa distribuir as funções entre os membros, ou seja, depois de constituída a

organização alguém organiza, distribui as funções. 3) Integrar uma das organizações: Integrar significa unir-se, tomar parte das organizações. 4) Manter e custear: custear está no sentido de prover o custo, prover ajuda econômica, com

dinheiro. Manter é prover o necessário para a subsistência, mas esta manutenção não é propriamente em dinheiro (neste caso trata-se de custeio). Quando a ajuda, a manutenção é feita com outras coisas que não sejam dinheiro – por exemplo, cedendo-se o imóvel para reunião do grupo, cedendo alimentação – tais condutas incorrem no verbo manter.

A grande discussão que surge sobre o tema é sobre a necessidade ou não da organização

criminosa ter a finalidade de praticar crimes, especialmente no que se refere à organização paramilitar e à milícia privada. Como discutido anteriormente, existem duas interpretações possíveis, uma delas que defende a amplitude da expressão “com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código” e abrangeria todas as quatro categorias de organizações e outra interpretação segundo a qual essa finalidade estaria restrita à atuação dos grupos e esquadrões, excluindo-se a organizações paramilitares e milícias particulares, que incorreriam no tipo do art. 288-A ainda que sua finalidade não fosse criminosa.

PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO CONCEITO

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O suicídio, no dizer de Nélson Hungria, “é a eliminação voluntária e direta da própria vida”. Dessa definição resultam os elementos constitutivos do suicídio: I. eliminação voluntária da própria vida; II. eliminação direta da própria vida. Assim, se uma pessoa obriga a outra a ingerir veneno, mediante coação moral irresistível,

ocorre o delito de homicídio, pois no suicídio é curial o desejo de morrer da vítima. Por outro lado, íntima é a ligação entre o suicídio e o homicídio consentido. No primeiro, a

execução é realizada pela própria vítima; no segundo, o ato executório de matar é operado por terceiro.

Suponha-se que o agente encontre a vítima à beira de um despenhadeiro, com intenção de despedir-se da vida, e resolva instigá-la ao salto letal. Nesse caso, responderá pelo delito de participação em suicídio (art. 122 do CP), pois foi a própria vítima quem executou o ato consumativo da morte. Se, entretanto, não tendo coragem de precipitar-se no despenhadeiro, a vítima pede ao agente que a empurre, haverá delito de homicídio consentido (CP, art. 121), pois dessa vez foi ele quem executou o ato consumativo da morte.

OBJETIVIDADE JURÍDICA Tutela-se a vida humana. Conforme já mencionado, o suicídio, por si só, não constitui delito. Com justeza já se afirmou

o absurdo que seria o direito penal contemporâneo comportar-se como o direito canônico da Idade Média, que aplicava pena ao cadáver do suicida e equiparava, ainda, a tentativa de suicídio à tentativa de homicídio.

O legislador, porém, sabiamente, erigiu à categoria de crime a conduta de participação em suicídio.

Por outro lado, o art. 146, § 3º, II, do Código Penal tornou lícita a coação empregada para impedi-lo. Sendo assim, força convir que o suicídio é um fato antijurídico, porém desvestido de tipicidade.

A tipicidade reside, tão-somente, nas condutas de induzir, instigar ou auxiliar alguém ao suicídio (CP, art. 122), à semelhança da prostituição que, por si só, não é punida, residindo a criminalidade na conduta do proxeneta que induz alguém à prostituição (CP, art. 228).

SUJEITO ATIVO O sujeito ativo do crime em apreço pode ser qualquer pessoa física. Trata-se de delito

comum. Admite a coautoria e a participação. Por exemplo: “A” e “B” instigam “C” ao suicídio. “A” e “B” são coautores. Outro exemplo: “A” induz “B” a induzir “C” ao suicídio. “A” é partícipe e “B”, autor do delito em estudo.

SUJEITO PASSIVO Sujeito passivo deve ser pessoa ou pessoas determinadas, com capacidade de resistência e

discernimento para compreender o ato. No suicídio, a vítima conscientemente se auto-executa,

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sendo, por isso, indispensável a capacidade de resistência ou discernimento em relação ao ato praticado.

Por outras palavras, haverá homicídio se a capacidade de resistência da vítima for nula (art. 26, caput, do CP). Como adverte Euclides Custódio da Silveira: “Punir-se-á de acordo com o art. 121 aquele que induzir, instigar ou auxiliar um demente ou uma criança de tenra idade a se suicidar”.

Referentemente ao induzimento ou instigação de caráter genérico, isto é, dirigido a um número indeterminado de pessoas, por exemplo, obra literária incentivando os leitores ao suicídio, não caracteriza o delito em estudo, pois, como já vimos, o sujeito passivo tem de ser pessoa ou pessoas determinadas.

NÚCLEOS DO TIPO São três os núcleos do tipo: induzir, instigar e prestar auxílio ao suicídio. Nos dois primeiros casos, há uma participação moral e no último, material. Induzir: é incutir na mente da vítima a ideia suicida. Instigar: é estimular, reforçar a preexistente ideia suicida. Ambos têm o significado de persuadir, convencer alguém a praticar o ato. Não obstante a presença de tantas características comuns, distinguem-se de modo nítido.

Com efeito, no induzimento é o agente quem toma a iniciativa da formação da vontade suicida no espírito da vítima. Na instigação, ao inverso, a ideia suicida parte da própria vítima, o agente simplesmente a reforça.

Prestar auxílio: é facilitar a execução do suicídio. Cumpre, todavia, salientar que o auxílio é meramente acessório, devendo o agente limitar-se, por exemplo, a fornecer os meios ou instruções sobre o modo de executar o suicídio, sem, porém, participar diretamente da execução do ato. Incorre, destarte, em delito de homicídio, por ter participado diretamente dos atos executórios, aquele que segura a faca contra a qual se lança o desertor da vida ou que ajuda a empurrar ao mar a vítima que pretende o suicídio. Também responde por homicídio, como esclarece Manzini, a pessoa que ajuda a amarrar uma pedra no pescoço de quem se joga ao mar, tendo em vista que isso caracteriza ato de execução da morte, e não uma conduta meramente acessória.

Por fim, tenha-se presente que o tipo legal do art. 122 ingressa na categoria dos crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, pois a norma penal prevê várias condutas, alternativamente, como modalidades de um mesmo delito. A prática sucessiva das condutas pelo mesmo agente e contra a mesma vítima não dá ensejo a vários delitos, pelo contrário, não obstante a pluralidade de condutas, haverá um só delito, como decorrência da aplicação do princípio da alternatividade. Noutras palavras, se o agente induz, instiga e depois auxilia alguém a suicidar-se responde apenas uma vez pelo delito de participação em suicídio (CP, art. 122).

MEIOS EXECUTÓRIOS Na participação moral (induzir ou instigar) o delito pode ser comissivo e omissivo. Nesse

último caso, é necessário o dever jurídico de impedir o resultado, respondendo, por exemplo, pelo delito de participação em suicídio o diretor do presídio que não impede a morte do detento decorrente da greve de fome.

No tocante à prestação de auxílio por omissão, a questão oferece complexidades, tendo provocado na doutrina larga divergência. Sustenta Frederico Marques que não há auxílio por

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omissão, porque a expressão usada no núcleo do tipo (prestar auxílio) do art. 122 é indicativa de conduta comissiva. E também porque no seu entender, “se o legislador fala em prestar auxílio para que alguém se suicide, é preciso que o antecedente psíquico omissivo se enquadre no núcleo do tipo, o que não ocorre, evidentemente, no caso do art. 122, uma vez que cooperação material alguma encontra o suicida naquele que se absteve de impedir a execução de seus planos de auto-eliminação da vida”.

Entendem outros, em sentido oposto, que a prestação de auxílio por omissão é possível, quando o agente tem o dever jurídico de impedir o resultado. Fundam-se, os que assim pensam, no art. 13 do Código Penal, que não distingue entre causa e condição.

Alinhamo-nos entre os que esposam o último ponto de vista, pois, diante da adoção da teoria da equivalência dos antecedentes, o descumprimento do dever jurídico de impedir o resultado pode perfeitamente caracterizar uma prestação de auxílio. Assim, responde pelo delito do art. 122, conforme ensina Nélson Hungria, “o enfermeiro que, percebendo o desespero do doente e seu propósito de suicídio, não lhe toma a arma ofensiva de que está munido e com que vem, realmente, a matar-se. Já não se apresentará, entretanto, o crime, por exemplo, no caso da moça que, não obstante o protesto de suicídio da parte de um jovem sentimental, deixa de responder-lhe a missiva de paz e dá causa, assim, a que o tresloucado se mate. Não há, aqui, o descumprimento de um dever jurídico”.

É pueril a corrente que veda o auxílio por omissão sob o argumento de que a lei usa a expressão “prestar auxílio”, indicando a necessidade de uma conduta comissiva. Ora, os verbos induzir e instigar também indicam uma ação, e, no entanto, a doutrina, de forma unânime, admite a omissão. O raciocínio de Frederico Marques, com a devida vênia, neutraliza a omissão em todos os delitos em que a lei incrimina a ação, tornando inócuo o § 2º do art.13 do CP, que consagra os delitos omissivos impróprios.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO O crime se imputa a título de dolo, que consiste na vontade livre e consciente de provocar a

morte da vítima através do suicídio. Não basta, porém, o desejo do agente em provocar a morte da vítima, urge ainda que esta também tenha a intenção de suicidar-se. Como esclarece Cezar Roberto Bitencourt: “Não haverá crime se, por exemplo, a vítima estivesse zombando de alguém que acreditava em sua insinuação e, por erro, vem a falecer”.

Basta, porém, para a configuração do delito, o dolo eventual, que se dá quando o agente, sem querer diretamente o suicídio, pratica uma daquelas três condutas assumindo o risco de provocá-lo. Por exemplo, responde pelo delito o pai que expulsa a filha de casa tendo sérias razões para acreditar que ela iria se suicidar.

O delito, contudo, não admite a forma culposa. Há quem sustente que se a conduta culposa do agente provocar o suicídio da vítima haverá homicídio culposo. Rendemo-nos à posição contrária, porque o crime culposo tem caráter excepcional, caracterizando-se apenas nos casos expressos em lei. A lacuna não pode ser suprida, porque é vedada a analogia “in malam partem”.

CONSUMAÇÃO O delito é material e, por isso, só se consuma com a ocorrência da morte ou lesão corporal

grave. São dois os resultados previstos na lei aptos a ensejarem a consumação, a saber: a morte e as lesões corporais graves previstas nos §§ 1º e 2º do art. 129 do CP.

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O Código Penal de 1890 só punia a participação em suicídio quando este se consumava. A simples tentativa de suicídio, ainda que dela resultasse lesão corporal grave, não era punível. O Código Penal vigente inovou, nesse aspecto, alargando a punição, considerando consumado o delito quando da tentativa de suicídio resultar lesões corporais graves.

Cumpre registrar o posicionamento minoritário, esposado por Hungria, segundo o qual a consumação ocorre com o simples induzimento, instigação ou prestação de auxílio. O ilustre penalista vislumbrava na morte e lesão grave condições objetivas de punibilidade, necessárias à instauração da persecução penal, e não propriamente para a consumação. Semelhante raciocínio não pode prevalecer. Com efeito, as condições objetivas da punibilidade são fatos exteriores ao tipo legal e cuja ocorrência independe da vontade do agente. Ora, no caso em apreço, a morte e a lesão grave situam-se dentro do tipo legal e a sua ocorrência está compreendida no dolo do agente.

Não temos dúvida em afirmar que a morte e a lesão corporal grave são os resultados necessários à consumação do delito do art.122 do CP.

TENTATIVA Trata-se de delito de atentado ou de empreendimento, pois a tentativa de suicídio geradora

de lesão grave é punida como crime consumado. Não é possível tentativa, pois a lei condicionou a tipicidade do fato à ocorrência da morte ou

da lesão corporal grave. Se a tentativa de suicídio não provocar lesão ou apenas gerar lesão leve, o fato será atípico. É um dos únicos crimes materiais que não admitem a tentativa. Se a lei quisesse incriminar a tentativa, fora das hipóteses de lesão grave, teria se limitado a prever a pena para o delito consumado. Na medida em que se fixou uma pena de dois a seis anos de reclusão para a hipótese de consumação do suicídio, e de um a três anos quando da tentativa resultar lesão grave, revelou-se a nítida intenção de não incriminar as outras hipóteses.

CAUSAS DE AUMENTO DE PENA A pena cominada à participação em suicídio é duplicada, tanto na hipótese de morte ou lesão

grave, se o crime é praticado por motivo egoístico ou se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

São três as causas de majoração da pena: a) se o crime é praticado por motivo egoístico; b) se a vítima é menor; c) se a vítima tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. Motivo egoístico: ocorre quando o agente provoca o suicídio para obter vantagem pessoal,

de cunho patrimonial ou extrapatrimonial. Exemplos: induz o pai ao suicídio visando o recebimento da herança; auxilia o jovem ao suicídio para conquistar-lhe a namorada.

Na segunda causa de aumento de pena, menoridade da vítima, o legislador não indicou expressamente o limite dessa idade, obrigando o intérprete a socorrer-se do método lógico-sistemático de hermenêutica, cotejando os diversos dispositivos legais, no intuito de apurar a verdadeira ratio legis.

Assim, o menor aludido no texto legal deve ter capacidade de discernimento para entender o ato praticado, isto é, de esboçar livremente a sua vontade, o que só acontece a partir dos quatorze anos. Efetivamente, o art. 217-A do Código Penal, não considera válida a manifestação de vontade

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de quem é menor de 14 anos. Desse modo, se a vítima é menor de 14 anos, responderá por homicídio aquele que a induziu, instigou ou a auxiliou ao suicídio. Se a vítima já tiver 14 anos, mas for menor de 18 anos, o agente responderá pelo delito de participação em suicídio com a pena duplicada. A partir dos 18 anos, a pena do art. 122 não é mais duplicada. Portanto, a expressão menor compreende a pessoa com quatorze até antes dos dezoito anos. De fato, o dispositivo fala em menor, e a menoridade penal cessa aos dezoito anos (CP, art. 27).

A terceira causa de aumento de pena, diminuição da capacidade de resistência da vítima, aplica-se quando a situação amoldar-se numa das hipóteses do parágrafo único do art. 26, do Código Penal, ou então quando a vítima encontrar-se gravemente enferma, completamente embriagada, altamente depressiva, etc., justificando-se, portanto, a duplicação da sanctio juris. Enquadrando-se, porém, a vítima nas hipóteses do art. 26, caput, sendo, pois, absolutamente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, v. g., idiotas, oligofrênicos, etc., haverá o delito de homicídio.

Finalmente, a pena será aumenta de um terço quando tratar-se de índio não integrado à civilização (art.59 da lei nº 6.001/73).

QUESTÕES ESPECIAIS Dentre as questões que suscita o delito em apreço, a que exige raciocínio mais aguçado é a do

suicídio a dois. Suponha-se que “A” e “B” tenham feito um pacto de suicídio, trancando-se num quarto

hermeticamente fechado, onde está instalada uma torneira de gás. Antes de elencarmos as diversas hipóteses possíveis, cumpre destacar a presença de instigação recíproca à medida que o pacto de morte foi combinado pelos dois.

Não se perca também de vista que no suicídio a vítima realiza diretamente o ato de execução da morte. Nunca é demais salientar que o ato de execução, no exemplo ministrado, reside na abertura da torneira de gás. Abrir a aludida torneira equivale a acionar o gatilho do revólver.

Feitas essas considerações preliminares, vamos à análise das hipóteses:

1. “A” abre a torneira e morre. “B” responde por participação em suicídio. Se morre “B”, o sobrevivente “A” responde por homicídio. Se os dois sobrevivem, por circunstâncias alheias à vontade, “A” responde por tentativa de homicídio, ao passo que a conduta de “B” é atípica, pois o delito do art. 122 do Código não admite a tentativa. Se, entretanto, “A” sofre lesões graves, “B” responde pelo delito consumado de participação em suicídio.

2. Os dois abrem a torneira de gás, mas sobrevivem por circunstâncias alheias à vontade. Ambos respondem por tentativa de homicídio. “A” em relação a “B”; “B” em relação a “A”.

Urge também se formule a questão da roleta russa. Suponha-se que “A” e “B” rolem o tambor

do revólver que contém um só projétil, disparando, cada um em sua vez, a arma na própria direção. O sobrevivente responde por participação em suicídio, pois, aderindo a essa prática, instigou a vítima ao suicídio.

Frederico Marques lembra que o sobrevivente do chamado duelo americano também responde por induzimento ao suicídio. No duelo americano duas pessoas ajustam o suicídio de uma delas, mediante sorteio, ou deixando ao azar da escolha entre duas armas, das quais só uma se encontra municiada.

Por último, responde por homicídio culposo aquele que, pretendendo suicidar-se, erra o alvo e mata um terceiro.

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AÇÃO PENAL É pública incondicionada.

INFANTICÍDIO CONCEITO

Dispõe o art. 123 do Código Penal: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após.

Pena — detenção, de dois a seis anos”. Dessa definição resultam os elementos constitutivos do infanticídio: I. matar a mãe o feto nascente ou o recém-nascido; II. influência do estado puerperal. Pela nossa lei penal, o primeiro elemento indispensável à caracterização do delito é que o

fato lesivo seja executado pela própria mãe. Se o agente for o pai, responderá por homicídio. Em segundo lugar exige-se a influência do estado puerperal. Este critério chama-se fisiológico.

Abandonou-se o critério psicológico, adotado no direito anterior, que exigia o motivo de honra, verificado nos casos de gravidez resultante de relações extraconjugais, que procurava justificar o infanticídio pelo receio da desonra e da reprovação social.

No Código vigente, contudo, a morte do recém-nascido provocada pela mãe que teme a própria desonra caracteriza delito de homicídio privilegiado pelo relevante valor moral (CP, art. 121, § 1º).

SUJEITO ATIVO

Trata-se de crime próprio, uma vez que só pode ser cometido pela mãe. O terceiro que concorre para o crime, na condição de coautor ou partícipe, responde pelo

delito. Efetivamente pela teoria monista da ação quem, de qualquer modo, concorre para o crime responde pelo mesmo crime (CP, art. 29). Assim, o terceiro (partícipe) que induz, instiga ou auxilia uma mãe a cometer infanticídio, responde também por infanticídio.

Proceder-se-á da mesma forma quando o terceiro (coautor) executa o núcleo do tipo junto com a mãe, matando também o recém-nascido. Ambos respondem por infanticídio. Embora seja injusto aplicar-se ao extraneus o privilégio do infanticídio, não há como fugir da regra estampada no art. 30 do Código Penal, que determina a comunicabilidade das elementares, sejam de caráter objetivo ou pessoal.

Essas ideias eram impugnadas por Nélson Hungria. Argumentava o ilustre penalista que a regra da comunicabilidade das elementares não se aplica ao infanticídio, porque este é delito personalíssimo ou privilegiado. Cumpre salientar, porém, que o próprio Hungria abandonou a sua tese, quando escreveu pela última vez sobre o assunto, aderindo à corrente de que os partícipes e coautores respondem por infanticídio.

Mas, como a norma do art. 30 do Código Penal não ressalva a sua aplicabilidade aos delitos personalíssimos, torna-se insustentável a argumentação deduzida por Hungria. O douto mestre pretendia que o partícipe ou coautor do infanticídio respondesse por homicídio.

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De outro lado, Euclides Custódio da Silveira enquadra o partícipe nas penas do infanticídio, reservando, porém, ao coautor o delito de homicídio.

A lei penal pátria, contudo, é taxativa, no sentido da comunicabilidade das elementares. A influência do estado puerperal é, sem dúvida, elementar do infanticídio, porquanto integra a sua definição legal; tanto é assim que suprimindo-a mentalmente o delito desaparece para dar lugar ao surgimento do homicídio. Aliás, caso o terceiro (coautor ou partícipe) viesse a responder por homicídio seria rompido o princípio unitário (teoria monista) que vigora no concurso de agentes.

De lege ferenda, a corrigenda da injustiça que reside no fato de o terceiro (coautor ou partícipe) responder por infanticídio, de acordo com a doutrina, pode ser feita de duas maneiras:

a. ressalva expressa no texto do art. 123 do CP da responsabilidade do terceiro pelo delito de

homicídio. Adotada essa solução, estar-se-ia abrindo mais uma exceção pluralística à teoria monista da ação;

b. retirar a autonomia típica do infanticídio, inserindo-o num dos parágrafos do delito de homicídio. Essa técnica legislativa preservaria a teoria unitária da ação. O infanticídio perderia a sua autonomia típica. Por conseguinte, deixaria de ser elementar; passaria a ser circunstância pessoal do homicídio, incomunicável na hipótese de concurso de agentes, nos termos do art. 30 do Código Penal.

Cremos que nenhuma das duas soluções acima satisfaz às exigências técnicas e pragmáticas.

A primeira, que sugere a ressalva expressa para que o terceiro responda por homicídio, tem o inconveniente de abrir uma exceção pluralística à Teoria Monista. A segunda, abraçada por Frederico Marques, que desloca o infanticídio para um dos parágrafos do homicídio, é ainda mais perigosa, porque o fato de concentrar-se num parágrafo não indica necessariamente que se trata de uma circunstância, sobretudo porque algumas elementares concentram-se em parágrafos, bastando lembrar o § 1º do art. 312 do CP (peculato impróprio) e o § 1º do art. 316 do CP (excesso de exação), de modo que persistiria o risco de a jurisprudência continuar enquadrando o terceiro no infanticídio.

A nosso ver, para solucionar o problema, basta revogar expressamente o art. 123 do CP, fazendo com que o infanticídio desapareça do Direito Brasileiro. Com efeito, em não havendo o art.123 do CP, ambos responderiam por homicídio, preservando-se, destarte, a Teoria Monista da ação. Poder-se-ia dizer que a pena seria desproporcional para a parturiente. Ledo engano, pois a ela se aplicaria a redução de pena de um a dois terços, prevista para a semi-imputabilidade, consagrada no parágrafo único do art. 26 do CP.

Outra questão de extrema delicadeza, no tema de que estamos a tratar, é a relacionada com a morte do recém-nascido pelo terceiro, com a participação acessória da mãe influenciada pelo estado puerperal. No caso em análise, o terceiro é o autor da morte e a mãe o partícipe. Ela não realiza o núcleo do tipo. Sua participação é acessória, limitando-se a induzir, instigar ou auxiliar o extraneus a realizar a morte do filho. Acabamos de aludir à teoria monista da ação, que manda aplicar ao partícipe a mesma pena do autor. A adoção exclusiva dessa teoria pode conduzir a situações injustas. Senão vejamos: se a mãe matasse o filho, responderia por infanticídio (delito menos grave); se induzisse, instigasse ou auxiliasse o terceiro a matar a criança, responderia por participação no homicídio (delito mais grave).

Nosso ordenamento jurídico não pode admitir semelhante absurdo, contrário às regras do bom senso. Por isso, entendemos que no exemplo ministrado a mãe deve responder por infanticídio, adequando-se a lei à realidade do caso concreto, suavizando o seu rigor, conforme determina a equidade. O terceiro, porém, deve continuar enquadrado nas penas do homicídio.

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Alguns penalistas, porém, sob o pretexto de preservação da Teoria Monista da ação, solucionam o problema de maneira diferente, enquadrando a parturiente e o terceiro no delito de infanticídio. Ora, a Teoria Monista não é nenhum princípio constitucional para merecer tamanha reverência. O terceiro que matou o nascente ou neonato cometeu homicídio. Não há razão para alterar o seu enquadramento. Quanto a parturiente, conforme salientamos, por razões lógicas, deve responder por infanticídio. A alternância do enquadramento é feita em benefício da ré, justificando-se pelos princípios da equidade.

SUJEITO PASSIVO

Sujeito passivo do crime só pode ser o neonato (recém-nascido morto após o parto) ou o

nascente (feto morto durante o parto). O Código atual, como dizia Hungria, “ampliou o conceito de infanticídio: o sujeito passivo deste já

não é apenas o recém-nascido, mas também o feto nascente. Ficou, assim, dirimida a dúvida que se apresentava no regime do Código anterior, quando o crime se realizava in ipso partu, isto é, na fase de transição da vida uterina para a vida extra-uterina”. Assim, o crime praticado durante o parto é infanticídio, e não aborto, pois deixou de ser condição necessária do infanticídio a vida autônoma do produto da concepção. Mister, no entanto, que a morte do nascente ocorra após o início do parto, caso contrário haverá aborto.

Questão que também merece breve alusão é a morte de outro filho pela mãe, sob a influência do estado puerperal, durante o parto ou logo após. Nesse caso, não haverá infanticídio, mas homicídio, com o benefício do parágrafo único do art. 26 do Código Penal. Efetivamente, o sujeito passivo do infanticídio é o filho enquanto nasce (nascente) ou o recém-nascido (neonato), cuja vida a mãe destrói, sob a influência do estado puerperal. Se, no entanto, por erro, a parturiente, influenciada pelo puerpério, durante o parto ou logo após, mata outro filho, confundindo-o com o nascente ou neonato, responderá por delito de infanticídio.

INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL

Dissemos que o Código vigente adotou o critério fisiológico, também denominado biopsicológico ou fisiopsicológico, afastando-se do sistema psicológico, que exigia o motivo de honra. Não se pense, todavia, que o simples estado puerperal seja apto ao reconhecimento do infanticídio. Urge que a conduta seja praticada sob a influência do estado puerperal.

Estado puerperal é o conjunto das perturbações psíquicas e fisiológicas sofridas pe la mulher em razão do fenômeno do parto. Diversos fatores como, por exemplo, sofrimento, a perda de sangue, a angústia, a inquietação etc., que podem levar a parturiente a sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho.

A influência do estado puerperal normalmente acontece em qualquer parto, havendo, inclusive, julgados dispensando a prova pericial para comprová-lo (RT, 598:338 e 421:91). É, pois, presumida a influência do estado puerperal na morte do nascente ou neonato pela mãe, durante o parto ou logo após. Trata-se, porém, de presunção juris tantum, admitindo prova em contrário. Assim, a ausência de perícia psiquiátrica não impede que, em plenário do júri, ocorra a desclassificação do homicídio para o infanticídio.

ELEMENTO TEMPORAL

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O infanticídio deve ocorrer durante o parto ou logo após. Antes do início do parto, a morte do feto será aborto, e se não ocorrer logo após o parto, será homicídio.

A expressão logo após o parto, no dizer de Heleno Cláudio Fragoso, significa logo em seguida, imediatamente após, sem intervalo.

A melhor orientação, porém, é a que reserva à expressão “logo após o parto” tem significado mais abrangente, compreendendo todo o período em que permanecer a influência do estado puerperal. Sobrevindo, contudo, a fase da bonança, em que predomina o instinto materno, cessa a influência do estado puerperal, não havendo mais delito de infanticídio, mas homicídio.

ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO

O delito só admite o dolo, que pode ser direto ou eventual. O Código não contempla a forma culposa. Para uns, o infanticídio culposo é fato atípico,

tendo em vista o caráter excepcional do crime culposo, enquanto outros enquadram a situação como homicídio culposo. Esse último ponto de vista é o mais correto, uma vez que o fato se amolda perfeitamente na norma do § 3º do art. 121 do CP e também porque respeita a teoria da condictio sine qua non (art. 13 do CP). Acrescente-se, porém, que a parturiente deve ser beneficiada pela redução de pena prevista no parágrafo único do art.26 do CP.

CONSUMAÇÃO

O momento consumativo ocorre com a morte do nascente ou neonato. Admite-se a forma omissiva, quando, por exemplo, a parturiente, com “animus necandi”, logo após o nascimento, deixa de alimentar a criança.

Nélson Hungria, lembrando os ensinamentos de Impallomeni, ministra o seguinte exemplo: “um feto imaturo vivo, mas absolutamente inviável por sua própria imaturidade, é expulso espontaneamente e, em seguida, sua morte inevitável é abreviada por ato violento da mãe. Não se trata de infanticídio, pois o sujeito passivo deste não é jamais o feto abortado, cuja excepcional sobrevivência não pode ser equiparada à vida extra-uterina. Também não se trata de aborto, pois a expulsão do feto se deu espontaneamente. A solução, portanto, não poderá ser outra senão a de excluir, no caso, qualquer crime. Na hipótese de ter sido provocada a expulsão, o fato constituiria crime de aborto”. Anote-se, no entanto, que haveria infanticídio se, no exemplo ministrado, o feto expulso vivo tivesse maturidade para continuar a viver.

TENTATIVA

É admissível, quando a morte não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente.

COMPATIBILIDADE DO INFANTICÍDIO COM O ART. 26 E PARÁGRAFO ÚNICO DO CP

Há certos casos em que a mulher, após o parto, se vê acometida da chamada psicose puerperal, doença mental que lhe tira totalmente o poder de autodeterminação, erigindo-a a categoria dos absolutamente inimputáveis mencionados no art. 26, caput, do Código Penal.

A culpabilidade é evidentemente excluída, por força da aludida doença mental. A mãe infanticida é isenta de pena, nos termos do art. 26, caput, do Código Penal. A denúncia é oferecida,

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imputando-lhe o art. 123 c/c o art. 26, caput, ambos do Código Penal, devendo, no entanto, a sentença absolvê-la sumariamente, aplicando a medida de segurança somente na hipótese de persistência da periculosidade.

Se, por outro lado, além da influência do estado puerperal, houver outra causa de semi-imputabilidade, consistente em perturbação da saúde mental, que não lhe retire a inteira capacidade de entendimento ou autodeterminação, aplicar-se-á o parágrafo único do art. 26 do Código Penal, podendo a pena do infanticídio ser reduzida de um a dois terços, ou então substituída por medida de segurança.

Podemos sintetizar as seguintes hipóteses:

1ª. A parturiente que mata o filho, sem estar influenciada pelo estado puerperal, responde por homicídio (CP, art. 121).

2ª. A parturiente que mata o filho, sob a influência do estado puerperal, responde por infanticídio (CP, art. 123). Inadmissível a invocação do parágrafo único do art. 26 do Código para obter-se a redução da pena, pois a influência do estado puerperal (causa de semi-imputabilidade) já está compreendida no tipo legal do art. 123 do Código.

3ª. A parturiente que mata o filho, influenciada pelo estado puerperal e também por apresentar alguma outra causa que lhe tire a plenitude do poder de autodeterminação, responde pelos arts. 123 e 26, parágrafo único do CP, podendo assim beneficiar-se da redução da pena de um a dois terços, ou então obter medida de segurança.

4ª. A parturiente que mata o filho, por estar acometida de doença mental (psicose puerperal), responde pelo art. 123 c/c o art. 26, caput, ambos do Código Penal, devendo ser absolvida sumariamente, em razão da causa excludente da culpabilidade. AÇÃO PENAL

É pública incondicionada.

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PERGUNTAS:

1) Qual o critério de classificação dos delitos utilizados pelo CP? 2) O que é objetividade jurídica? 3) O que é delito pluriofensivo? 4) No Código Penal, o nascituro é considerado pessoa? 5) A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo dos “Crimes Contra a Pessoa”? 6) Quais são os crimes contra a vida e qual é o tribunal competente para julgá-los? 7) No Capítulo I do Título I do CP há algum delito que não é julgado pelo Tribunal do Júri? 8) O Tribunal do Júri julga apenas os crimes dolosos contra a vida? 9) Há algum homicídio doloso que não é julgado pelo Tribunal do Júri? 10) O militar que comete um homicídio doloso é julgado por qual órgão jurisdicional? 11) Qual é o órgão jurisdicional competente para o julgamento do latrocínio e da extorsão

mediante seqüestro seguida de morte? 12) Defina homicídio. 13) Qual é o bem jurídico protegido no delito de homicídio? 14) O sujeito que, ciente da gravidez, mata uma mulher grávida, e, por conseqüência, a criança

que se encontrava no ventre materno, comete quais delitos? 15) Qual é a linha divisória entre o homicídio e o aborto? 16) O homicídio é crime próprio ou crime comum? 17) Os animais têm capacidade penal? 18) O xifópago que comete homicídio contra a vontade do outro deve ser condenado ou

absolvido? 19) Quem atira em homem morto comete homicídio? 20) O que é feticídio e como é punido no ordenamento jurídico brasileiro? 21) Em que hipóteses a pena do homicídio doloso é aumentada de 1/3? 22) Em que hipóteses o autor de homicídio não responde pelo art. 121 do CP, mas por outro

delito? 23) Qual a diferença entre morte clínica e morte encefálica? Qual o critério adotado pela

legislação brasileira? 24) O desligamento de aparelho que artificialmente mantém viva a pessoa acometida de morte

cerebral caracteriza delito de homicídio? 25) Por que o homicídio é um delito de forma livre? 26) Como se analisa a idoneidade do meio executório? 27) O que são meios morais ou psíquicos? 28) O que é homicídio patológico? O contágio doloso do vírus HIV caracteriza qual delito? 29) É possível homicídio por omissão? 30) Aquele que se recusa a socorrer alguém que esteja morrendo, comete homicídio ou omissão

de socorro? 31) O delito de disparo de arma de fogo é absorvido pelo homicídio? E o delito de porte ilegal de

arma? 32) Em latim, como se expressa o dolo de matar? 33) O que é dolo direto de primeiro grau? 34) O que é dolo direto de segundo grau? Exemplifique. 35) O que é dolo eventual e como se diferencia do dolo direto de segundo grau? 36) Por que no homicídio o dolo é genérico? Há alguma exceção? 37) Quais os critérios identificadores do “animus necandi”?

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38) Não havendo “animus necandi”, exclui-se o delito de homicídio. Nesse caso, o agente responde por qual crime?

39) Quando se consuma o crime de homicídio? 40) Por que o homicídio é delito não transeunte? 41) O princípio “in dúbio pro societate” é aplicável em que hipóteses? 42) O tribunal do júri, na dúvida, absolve ou condena o réu? 43) O homicídio privilegiado é causa obrigatória ou facultativa de redução de pena? 44) Quais são as três espécies de homicídio privilegiado? 45) O que é motivo? 46) Qual a diferença entre relevante valor moral e relevante valor social? 47) Se apenas um dos agentes age sob relevante valor moral ou social, os demais serão

beneficiados pelo homicídio privilegiado, que prevê a redução da pena? 48) Quais os requisitos do homicídio emocional? 49) O que se entende por provocação injusta? 50) Na influência de violenta emoção o homicídio é privilegiado? 51) O privilégio é aplicável ao domínio de violenta paixão? 52) No homicídio privilegiado a reação deve ser imediata? 53) O homicídio passional é sempre privilegiado? 54) O homicídio privilegiado é compatível com a “aberratio ictus”? 55) No homicídio privilegiado, o agente reage a uma provocação injusta, ao passo que na legítima

defesa ele reage contra uma agressão injusta. Há alguma hipótese de reação a agressão injusta, que caracteriza homicídio privilegiado?

56) Qual a diferença entre circunstâncias subjetivas e objetivas? 57) No homicídio privilegiado as circunstâncias são subjetivas ou objetivas? E no homicídio

qualificado? 58) É possível o homicídio híbrido? Qual a posição da jurisprudência? 59) Se o Júri reconhece o privilégio, o juiz deve por em votação os quesitos das qualificadoras? 60) O que é eutanásia e quais as suas denominações? 61) Quais as três modalidades de eutanásia? 62) Na eutanásia, o agente responde por qual crime? 63) O que é ortotanásia e qual a polêmica que gira a seu respeito? 64) O que é distanásia? 65) O que é qualificadora? 66) As agravantes do art. 61, II, “a”, “b”, “c” e “d” são aplicáveis ao homicídio? 67) Por que a premeditação não qualifica o homicídio? 68) Defina parricídio, matricídio, uxoricídio, mariticídio, filicídio ou gnaticídio e fraticídio? 69) O que é homicídio mercenário? 70) O que é assassínio? 71) O mandante responde por homicídio qualificado? 72) O que é motivo torpe? 73) A vingança é motivo torpe? 74) O que é motivo fútil? 75) O que é venefício? 76) O veneno é sempre um meio insidioso? 77) O que é meio cruel? 78) Qual a diferença entre homicídio qualificado pela tortura e o crime de tortura qualificado pela

morte?

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79) O que é asfixia? 80) Explique as espécies de asfixia mecânica. 81) O que é perigo comum? 82) Qual a diferença entre traição e surpresa? 83) O que é emboscada? 84) O que é dissimulação? 85) Qual a diferença entre conexão teleológica e conexão consequencial? Incide a qualificadora

da conexão se o homicídio é cometido para assegurar a execução de contravenção penal? 86) Qual o significado da expressão “vantagem do crime”? 87) Qual a diferença entre preço e produto do crime? 88) A conexão ocasional qualifica o homicídio? 89) Qual a diferença entre analogia e interpretação analógica? 90) Se o Júri reconhece mais de uma qualificadora, como o juiz aplica a pena? 91) Quais os homicídios que são crimes hediondos? 92) Qual a diferença entre o crime de genocídio e o crime de homicídio praticado em ação típica

de grupo de extermínio? O que é e qual a consequência do homicídio praticado por milícia privada?

93) O sujeito que mata a vítima no dia em que ela completa 14 anos, tem a pena aumentada de 1/3?

94) O sujeito que mata criança sofre a incidência da agravante prevista no art. 61, II, “h”, do CP? 95) O aumento da pena do homicídio culposo em razão da inobservância de regra técnica

de arte, profissão ou ofício confunde-se com a imperícia?

96) Acidente de trânsito provocado por pedestre ou animais é regido pelo Código Penal ou Código de Trânsito?

97) Elenque as hipóteses de homicídio culposo em que não é aplicável o Código de Trânsito. 98) O motorista que pratica homicídio culposo na direção de veículo automotor, caso não tenha

carteira de habilitação responderá pelo delito de falta de habilitação previsto no art. 309 do CTB?

99) Em que hipótese o motorista responde pelo crime de omissão de socorro previsto no art. 304 do CTB?

100) Disserte sobre perdão judicial. 101) A ausência de incriminação do suicídio leva à conclusão de que a vida é um bem disponível?

Por quê? 102) Quais são os elementos constitutivos deste tipo penal? 103) Se “A” induz “B” a induzir “C” ao suicídio, quem é o sujeito ativo do crime? 104) Qualquer pessoa pode ser sujeito passivo deste crime? Explique. 105) Se o agente induz, instiga e auxilia a vítima a se suicidar, quantos crimes pratica? Por quê? 106) É possível a forma omissiva neste tipo penal? 107) Cabe dolo eventual como elemento subjetivo deste crime em análise? 108) É possível a tentativa neste crime? Explique. 109) Como deve ser entendida a menoridade da vítima prevista como causa de aumento de pena

no inciso II? 110) Como respondem os sobreviventes na “roleta russa” se um dos participantes vem a morrer? 111) O que significava o critério causa honoris adotado pelo CP de 1830 quanto ao crime de

infanticídio? 112) Quais são os elementos constitutivos deste tipo penal? 113) Por que este crime é chamado de crime próprio?

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114) Que crime pratica o terceiro que induz, instiga ou auxilia a mãe a cometer infanticídio? Qual o fundamento jurídico para essa resposta.

115) Como resolve essa questão Nelson Hungria? Qual a justificativa trazida pelo mestre? 116) Na hipótese de o terceiro praticar os atos de execução e a mãe sob o estado puerperal tiver

participação acessória que crime pratica o terceiro? E a mãe? Qual a justificativa? 117) Quem é o sujeito passivo do crime de infanticídio? 118) Por que se pode afirmar que a vida autônoma do produto da concepção deixou de ser

condição necessária para o crime de infanticídio? 119) Se a mãe matar outro filho em estado puerperal que crime pratica? 120) Qual o critério adotado pelo atual CP no que diz respeito ao estado puerperal? 121) A influência do estado puerperal é presumida (juris tantum)? Por quê? 122) Como entender-se o elemento temporal do estado puerperal? 123) Cabe a forma culposa no crime de infanticídio? Explique. 124) Quando ocorre a consumação do infanticídio? 125) Como entender o estado puerperal em cotejo com o art. 26, parágrafo único do CP? 126) E se a mãe for acometida da chamada “psicose puerperal” como fica a mãe que mata o

próprio filho? 127) De quem é a competência para o julgamento desse crime?