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Titulo: O Sistema de Soluções de Controvérsias da OMC: A aplicação Coativa do Direito
Autor: Jackson Apolinário Yoshiura
Publicado em: Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. 6, 2010, pp.
Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume6/
ISSN 1981-9439
Com o objetivo de consolidar o debate acerca das questões relativas ao Direito e as Relações
Internacionais, o Centro de Direito Internacional – CEDIN - publica semestralmente a Revista Eletrônica de Direito Internacional, que conta com artigos selecionados de pesquisadores de todo o Brasil.
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O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC:
A APLICAÇÃO COATIVA DO DIREITO.
Jackson Apolinário Yoshiura*
RESUMO
A OMC, que possui 153 Países Membros, regula a maior parte das trocas
comerciais do mundo, o que a torna uma grande responsável pelo processo de
fortalecimento do sistema multilateral de comercio e de globalização. O sistema de
solução de controvérsias segue o mesmo caminho, posto que é um elemento chave para
garantir o cumprimento das normas primarias da Organização. Esse fato justifica o
interesse que a doutrina tem de estudar o tema. Como conseqüência, muitas questões são
suscitadas, entre elas, a autonomia do regime da OMC, visto que sua lex specialis se
ocupa de regulamentar o cumprimento de suas normas primarias e uma possível relação
com outras normas do Direito Internacional Geral. Baseado no Direito Internacional vamos fazer uma analise das formas de aplicação coativa do direito, para, por fim,
analisar a natureza jurídica das medidas aplicadas pelo sistema de solução de
controvérsias no âmbito da OMC.
ABSTRACT
WTO, with 153 Member States, regulates the biggest share of trade exchanges in
the world, which renders the organization responsible for the process of strengthening the
multilateral system of trade and globalization. The dispute settlement system follows the
same path, since it is a key element to ensure the fulfillment of primary rules of the Organization. This fact justifies the interest on the theme. As a consequence, many
questions arise, among them the autonomy of the WTO regime, insofar as its lex specialis
is responsible for regulating the fulfillment of its primary rules and a possible relation
with other rules of International Law. Based on the International Law, an analysis will be
made of the forms of coercive law enforcement, in order to, finally, analyze the juridical
nature of the measures applied by the dispute settlement system in the ambit of the WTO
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1 INTRODUÇÃO
Antes da criação da Organização Mundial do Comercio – OMC –, o comercio
mundial era regido pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1947 (GATT 47). Era
um Acordo provisório, mas foi o principal instrumento que norteava as relações
comerciais até o inicio dos anos 90. Com o passar dos dias, a comunidade internacional
percebeu a necessidade de incorporar ao GATT matérias que este não tratava, ou ainda,
que tratava, mas que já estavam ultrapassadas, para que assim tivesse condições de
acompanhar as demandas das relações comerciais internacionais. Foi nesse contexto que
surgiu a OMC.
A última rodada de negociação do GATT, o Uruguay Round, durou 8 anos, e o
principal motivo para isso foram às posições antagônicas entre as partes negociadoras,
que acabaram por obstaculizar a assinatura da alguns Acordos. Não podemos dizer que
foi uma rodada que contemplou todas as expectativas do comercio internacional, mas
toda melhora, todo o progresso, é positivo, e foi isso que ocorreu. Um exemplo foi à
negociação do novo sistema de solução de controvérsias.
Na era GATT47, antes da OMC e do Entendimento relativo a Solução de
Controvérsias1 (ESC), o mecanismo para solucionar os conflitos entre os países membros
era um dos pontos débeis do Acordo. O antigo formato do sistema permitia que uma das
partes, por força da regra do ―consenso positivo‖, pudesse obstaculizar indefinidamente a
adoção de uma decisão. Além disso, não previa prazos fixos, como conseqüência, as
diferenças permaneciam sem uma solução por anos. Isso caracterizou a ―não
coercitividade‖ do sistema utilizado pelo GATT, onde o respeito pelas suas normas
figurava mais no campo a espontaneidade do que da obrigatoriedade.
O novo sistema de solução de controvérsias é uma das funções mais relevantes da
OMC, regulamentado pelo Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre
Solução de Controvérsias, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 1995 e está previsto
no Anexo 2 do Acordo Constitutivo da OMC.
1 Nomenclatura utilizada para fazer referencia ao Anexo 2 - Entendimento Relativo às Normas e
Procedimentos sobre Solução de Controvérsias.
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O ESC surge como responsável em regulamentar as controvérsias no âmbito da
OMC, primando pela observância de suas normas – primarias –, fato que a caracteriza, de
acordo com os princípios gerais do direito internacional, como ―normas secundarias‖.
Por regular a maior parte das relações comerciais no mundo, a OMC desenvolve
um papel fundamental no processo de globalização e é a responsável pelo fortalecimento
do sistema multilateral de comercio. De forma indireta, podemos dizer o mesmo do
sistema de solução de controvérsias, posto que é um elemento chave para garantir o
cumprimento das normas primarias da Organização. Devido a essa importância, a OMC e
seu sistema de solução de controvérsias tem interessado cada vez mais aos estudiosos.
Em conseqüência desse interesse, muitas questões são suscitadas, entre elas, a autonomia
do regime da OMC, visto que sua lex specialis se ocupa de regulamentar o cumprimento
de suas normas primarias e uma possível relação com outras normas do Direito
internacional geral.
Nesse artigo, vamos analisar a natureza jurídica da aplicação coativa do direito no
âmbito da OMC. Para tanto, a priori, vamos fazer uma introdução a OMC, seus
objetivos, funções e estrutura. Depois, vamos analisar o Sistema de Solução de
Controvérsias e o procedimento utilizado para sua consecução. Essa analise introdutória é
importante para a compreensão do ultimo capitulo, que se ocupa do estudo do objeto
principal desse estudo: a analise da relação entre as normas secundarias da OMC e do
Direito Internacional Geral, mais especificamente, as referentes à aplicação coativa do
direito.
2 A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO - OMC
A Organização Mundial do Comércio – OMC – foi criada no Uruguay Round,
depois de oito anos de negociações, que se concluiu com a assinatura dos Acordos de
Marrakech em abril de 1994.
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O GATT472, antecessor da OMC, surgiu em um momento de transição. Herdeiro
do Capitulo IV (Política Comercial) da Carta de Havana, foi ratificado por 23 países e
entrou em vigor em 01 de janeiro de 19483. Apesar de não ser uma organização
internacional em sentido estrito e ter sido criado como um texto de caráter provisório, o
GATT47 perdurou por 47 anos e foi considerado como principal responsável pela
regulamentação e promotor do desenvolvimento do comércio internacional, sendo
considerado como “uma das maravilhas da história da econômia internacional do pós-
guerra”4 e “a instituição mais eficiente dos últimos cinqüenta anos em termos de
performance econômica mundial.”5 nesse período.
6
No inicio das negociações no âmbito da Rodada Uruguai (1986 – 1994), um dos
objetivos era deter a erosão do sistema multilateral de comércio e das disciplinas
comerciais, devido a uma combinação de políticas protecionistas e restritivas (gerada
2 Sobre o GATT47 ver BARRAL, Welber. ―De Bretton Woods a Seattle‖, in O Brasil e a OMC: os
interesses brasileiros e as futuras negociações multilaterais. Ed. by Welber Barral. Colaboradores Odete
Maria de Oliveira. Florianópolis: Diploma legal, 2000, p. 23 e ss; MOTTA, Pedro Infante. O Sistema
GATT / OMC: introdução histórica e princípios fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005, pp. 17 - 26;
PERONI, Giulio. Il Commercio internazionale dei prodotti agricoli nell'accordo WTO e nella
giurisprudenza del dispute settlement body. Milano: Giuffrè, 2005, pp. 32 - 44; SRINIVASAN, T. N..
Developing countries and the multilateral trading system : from GATT to the Uruguay Round and the
future. Boulder: Westview Press, 2000, pp. 9 – 19; e THORSTENSEN, Vera. OMC – Organização
Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais:
[coordenadora Yone Silva Pontes] – 2 ed. – São Paulo: Aduaneiras, 2001, pp.29 - 31.
3 Os 23 paises contratantes do GATT de 1947 foram: Os Governos da Comunidade da Austrália, do Reino
da Bélgica, dos Estados Unidos do Brasil, da Birmânia, do Canadá, do Ceilão, da República do Chile, da
República da China, da República Cuba, dos Estados Unidos da América, da República Francesa, da Índia,
do Líbano, do Grão Ducado de Luxemburgo, do Reino da Noruega, da Nova Zelândia, do Pakistan, do
Reino dos Paises-Baixos, da Rodésia do Sul, do Reino-Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, da
Síria, da República Tchecoslovaca e da União Sul-Africana.
4 JACKSON, John H. ―Multilateral and bilateral negoatiating approaches for the Conduct of U.S Trade
Polices‖, in U.S Trade Policies in a Changing World Economy, Robert M. Stern ed., The Massachusetts
Institute of Technology Press, 1998, p. 379, apud MOTTA, Pedro Infante. O Sistema GATT / OMC..., cit.,
p. 26.
5 KRUEGER, Anne O. Whither the World Bank and the IMF?, in JEL, 1998, p.2017, apud MOTTA, Pedro
Infante. O Sistema GATT / OMC..., cit., p. 26. Nesse mesmo sentido vid. ATANÁSIO, João; FERREIRA,
Eduardo Paz. Textos de Direito do Comércio Internacional e do Desenvolvimento económico. Coimbra:
Almedina. 2004, p. 21.
6 Nesse sentido MOTTA, Pedro Infante. O Sistema GATT / OMC..., cit., pp. 22 - 24 e ZABALO, Patxi.
OMC (Organização Mundial do Comercio). Diccionario de Acción Humanitaria y Cooperación al
Desarrollo. Disponible em: <http://dicc.hegoa.efaber.net/listar/mostrar/160>. Acesso em 25 de março de
2007.
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principalmente pelas crises dos anos 70 e inicio dos 80)7. Diante desse contexto, para
muitos países, era importante não só melhorar o GATT47, mas também criar uma
organização mundial para administrar os acordos comerciais negociados. Os câmbios
ocorridos no comércio internacional convenceram os países participantes da urgência de
concluir as negociações com êxito, pois era evidente que o marco comercial e jurídico do
GATT47 resultava insuficiente para encarar os ditos câmbios.
A criação da OMC buscava conformar um novo marco legal, para assegurar que
as normas comerciais acompanhassem a evolução da economia mundial e seu sistema
multilateral de comércio8. Nesse contexto, surgiu a Organização Mundial do Comércio. O
Acordo que instituiu a OMC foi assinado por 120 países em 1994; em julho de 2008 o
numero de Países Membros era de 1539.
7 Vid. SOUZA, Cláudio Luiz Gonçalves. As relações internacionais do comércio: aspectos atuais do
oversea trade. Belo Horizonte: Ed. 2005, p. 84.
8 Nesse sentido HOEKMAN diz que “the WTO differs in a number of important respects from the GATT.
The GATT was a rather flexible institution; bargaining and deal-making lay at its core, with significant
opportunities for countries to “opt out” of specific disciplines. In contrast, WTO rules apply to all
members, who are subject to binding dispute settlement procedures. This is attractive to groups seeking to
introduce multilateral disciplines on a variety of subjects, ranging from the environment and labor
standards to competition and investment policies to animal rights” (HOEKMAN, Bernard. ―The WTO:
Functions and Basic Principles‖. In Development,Trade and the WTO: A Handbook. ed. B. Hoekman, A.
Matoo, and P. English Washington, DC: World Bank, 2002. p. 41). Mesmo com diferenças, como destaca
HOEKMAN, o ex. Diretor Geral da OMC, RUGGIERO, fala do sistema como um todo, e salienta que
“The multilateral system has contributed to an extraordinary period of growth in world trade and output -
growth which in turn generates the economic resources that allow more ambitious and costly
environmental and social policies to be put in place. World trade flows have increased fourteen fold since
1950 - exceeding US$ 6 trillion for the first time in 1995. In the same period, world GDP increased by 1.9
per cent per year at constant prices and taking account of overall population growth - an extremely high
figure by historical standards. I do not claim that the multilateral trading system that we have built in the
last 50 years is a perfect one. But it is a system which is treats all countries equally, regardless of size,
wealth or power. It is a system which operates by consensus, with all decisions approved by each
government and ratified by each national parliament. And, more fundamentally, it is a system which is
rule-based, not power-based, as a shared responsibility of all its members. It would be difficult to find a
more transparent and democratic system in the international community - a reality which explains the
lengthening list of developing and transition economies lining up to join. And yet we do not offer grants or
loans, but just a framework to negotiate the lowering of trade barriers inside binding rules with the
appropriate flexibilities for developing countries.” (RUGGIERO, Renato. The Future of the World Trading
System. Address to the Institute for International Economics Conference, in Washington D.C. World Trade
Organization, 1998)
9 Cfr. OMC. Entender la OMC: La Organización. Miembros y Observadores. Disponível em:
<http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm>. Acesso em 04 de março de 2010.
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“La Organización Mundial del Comercio (OMC) es la única organización
internacional que se ocupa de las normas que rigen el comercio entre los
países. Los pilares sobre los que descansa son los Acuerdos de la OMC, que
han sido negociados y firmados por la gran mayoría de los países que
participan en el comercio mundial y ratificados por sus respectivos
parlamentos”.10
Os acordos da OMC – pilares do sistema – foram negociados e adotados pelos
Países Membros (ratificados por seus respectivos parlamentos), constituindo normas
fundamentais que garantem direitos e obrigações para os signatários. Assim “a OMC
constituirá o quadro institucional comum para a condução das relações comerciais entre
seus Membros nos assuntos relacionados com os acordos e instrumentos legais conexos
incluídos nos Anexos ao presente Acordo.” 11
Importante destacar que, de acordo com o art. VIII, 1 do Acordo Constitutivo da
Organização Mundial do Comércio, “a OMC terá personalidade legal e receberá de
cada um de seus Membros a capacidade legal necessária para exercer suas funções”.
1.1 Objetivos
Conforme o preâmbulo do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do
Comércio, um dos seus objetivos é:
Reconhecendo que suas relações na esfera da atividade comercial e
econômica devem objetivar a elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e
um volume considerável e em constante elevação de receitas reais e demanda
efetiva, o aumento da produção e do comércio de bens e serviços, permitindo
ao mesmo tempo a utilização ótima dos recursos mundiais em conformidade
com o objetivo de um desenvolvimento sustentável e procurando proteger e
preservar o meio ambiente e incrementar os meios para faze-lo, de maneira
compatível com suas respectivas necessidades e interesses segundo os
10
OMC. ¿Qué es la OMC?. Disponible em: http://www.wto.org/spanish/thewto_s/whatis_s/whatis_s.htm.
Acesso em 04 de março de 2010. Nesse sentido MOORE diz que “The WTO is not a „global government‟ ;
but it is a key forum where governments cooperate globally. It is not a „world democracy‟ – in the sense of
being a government of the world‟s people – but it is the most democratic international body in existence
today.” (MOORE, Mike.‖The WTO‘s first decade‖. In World Trade Review (2005), 4: 3, 359–365, p. 359)
11 Artigo II, 1 do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio
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diferentes níveis de desenvolvimento econômico. [...] Reconhecendo ademais
que é necessário realizar esforços positivos para que os países em
desenvolvimento, especialmente os de menor desenvolvimento relativo,
obtenham uma parte do incremento do comércio internacional que
corresponda às necessidades de seu desenvolvimento econômico.
Podemos citar também o objetivo de “ayudar a los productores de bienes y de
servicios, los exportadores y los importadores a llevar adelante sus actividades” 12
além
de “asegurar que las corrientes comerciales circulen con la máxima facilidad,
revisibilidad y libertad posible”.13
A OMC destaca um outro objetivo, mais genérico,
mas de grande expressão, que é o de “melhorar o bem estar da população dos países
Membros” 14
.
Para a realização destes objetivos, o preâmbulo do Acordo que Estabelece a
OMC prevê que:
“Desejosos de contribuir para o consecução desses objetivos mediante a
celebração de acordos destinados a obter, na base da reciprocidade e de
vantagens mútuas, a redução substancial das tarifas aduaneiras e dos
demais obstáculos ao comércio assim como a eliminação do tratamento
discriminatório nas relações comerciais internacionais [...] desenvolver
um sistema multilateral de comércio integrado, mais viável e duradouro
que compreenda o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio, os
resultados de esforços anteriores de liberalização do comércio e os
resultados integrais das Negociações Comerciais Multilaterais da Rodada
Uruguai”.
Os Acordos, sua observância e a redução dos obstáculos ao livre comércio, são
meios que a OMC utiliza para tentar eliminar as barreiras que existem entre os povos e as
nações, o que faz com que se aproxime da realização do seu objetivo.
12
OMC. La OMC en Pocas Palabras. Disponivel em:
http://www.wto.org/spanish/thewto_s/whatis_s/inbrief_s/inbr00_s.htm. Acesso em 05 de março de 2010.
13 OMC. ¿Qué es la OMC?..., cit..
14 OMC. La OMC en Pocas Palabras..., cit..
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1.2 As funções
A OMC tem um propósito primordial de liberalizar o comércio mundial,
contribuindo para que “las corrientes comerciales circulen com fluidez, libertad, equidad
y previsibilidad”.15
Para a realização de seus propósitos e logro de seus objetivos, a OMC
se encarrega de:
“• Administra los acuerdos comerciales de la OMC
• Foro para negociaciones comerciales
• Trata de resolver las diferencias comerciales
• Supervisa las políticas comerciales nacionales
• Asistencia técnica y cursos de formación para los países en desarrollo
• Cooperación con otras organizaciones internacionales”.16
Para HOEKMAN17
, a função principal da OMC é servir de foro de cooperação
internacional em matérias ligadas às políticas comerciais (segundo ponto). Nessa
perspectiva, os Governos dos Países Membros deveriam ter as normas da OMC como
―códigos de conduta‖18
, observando-as, para direcionar suas políticas comerciais
internacionais.
15
OMC. La Organización Mundial del Comercio... Disponivel em:
http://www.wto.org/spanish/res_s/doload_s/inbr_s.pdf. Acesso em 12 de agosto de 2009.
16 OMC. La OMC. Disponível em: http://www.wto.org/spanish/thewto_s/thewto_s.htm. Acesso em 12 de
agosto de 2009. Ver também o Artigo III do Acodo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio.
17 Cfr. HOEKMAN, Bernard. ―The WTO: Functions and Basic Principles‖..., cit., pp. 41 e 42.
18 Ver CUNHA, Luis Pedro Rodrigues da. O Sistema Comercial Multilateral face aos espaços de integração
regional. Dissertação de doutoramento em Ciências Jurídico-Económicas apresentada à Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra. 2006, p.14 e ss. “These codes emerge from the exchange of trade
policy commitments in periodic negotiations. The WTO can be seen as a market in the sense that countries
come together to exchange market access commitments on a reciprocal basis. It is, in fact, a barter market.
In contrast to the markets one finds in city squares, countries do not have access to a medium of exchange:
they do not have money with which to buy, and against which to sell, trade policies. Instead they have to
exchange apples for oranges: for example, tariff reductions on iron for foreign market access commitments
regarding cloth. This makes the trade policy market less efficient than one in which money can be used,
and it is one of the reasons that WTO negotiations can be a tortuous process. One result of the market
exchange is the development of codes of conduct. The WTO contains a set of specific legal obligations
regulating trade policies of member states, and these are embodied in the GATT, the GATS, and the TRIPS
agreement.” (HOEKMAN, Bernard. ―The WTO: Functions and Basic Principles‖..., cit., p. 42.)
160
1.3 A estrutura
A OMC está integrada por 153 Membros19
, que representam mais de 90% do
comércio mundial. Mais de 30 países, entre eles 10 países menos desenvolvidos, estão
negociando sua adesão a Organização.
Na Organização Mundial do Comércio as decisões são adotadas em conjunto por
todos os Membros, geralmente por consenso20
, e depois são ratificadas pelos respectivos
parlamentos, como ocorreu com os Acordos da OMC, os quais foram ratificados pelo
parlamento de todos os Membros.
Para o desempenho de suas atividades institucionais, a OMC dispõe de uma
estrutura. A máxima autoridade na estrutura da OMC é a Conferência Ministerial, que:
“...terá a faculdade de adotar decisões sobro todos os assuntos
compreendidos no âmbito de qualquer dos Acordos Comerciais Multilaterais, caso assim o solicite um Membro, em conformidade com o estipulado
especificamente em matéria de adoção de decisões no presente Acordo e no
Acordo Comercial Multilateral relevante”. 21
22
“El Consejo General es el órgano decisorio de más alto nivel de la OMC en
Ginebra”23
, responsável por desempenhar as funções da Organização e , “nos intervalos
entre reuniões da Conferencia Ministerial, o Conselho Geral desempenhará as funções
da Conferência”24
, é composto por representantes (geralmente embaixadores ou
funcionários de classe equivalente) de todos os Membros, que se reúnem periodicamente.
19
Estes são os últimos números divulgados pela OMC em julho de 2008.
20 Não obstante, também é possível recorrer a votação por maioria dos votos emitidos. Esse sistema nunca
foi utilizado na OMC.
21 Artigo IV, 1. do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio.
22 Até os dias atuais, já ocorreram seis Conferências Ministeriais: Singapura, de 9-13 de dezembro de
1996; Genebra, de 18-20 de maio de 1998; Seattle, de 30 de novembro - 3 de dezembro de 1999; Doha, de
9-13 de novembro de 2001; Cancún, de 10-14 de setembro de 2003 y Hong Kong, de 13-18 de dezembro
de 2005
23 OMC. El Consejo General de la OMC. Disponivel em:
http://www.wto.org/spanish/thewto_s/gcounc_s/gcounc_s.htm. Acesso em 05 de março de 2010.
24 Articulo IV, 2. do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio
161
O Conselho tem a prerrogativa de se reunir em qualidade de Órgão de Exame de Políticas
Comerciais e Órgão de Solução de Diferenças. Além disso, o Conselho Geral delega
responsabilidades em outros Conselhos e Comitês.25
No nível seguinte, estão os Conselhos para o Comércio de Bens, para o Comércio
de Serviços e para os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com
o Comércio (ADPIC), que prestam relatórios ao Conselho Geral.
A OMC possui um importante número de comitês e grupos de trabalho
especializados que se encarregam dos distintos acordos e de outras esferas, como o meio
ambiente, o desenvolvimento, as solicitações de adesão a Organização e os acordos
comerciais regionais.
A pesar de não estar exposto no organograma, a OMC conta com uma Secretaria,
situada em Genebra, que tem, aproximadamente, 500 funcionários26
, encabeçados por seu
Diretor Geral.
A principal função da Secretaria é prestar assistência técnica aos diversos
conselhos e comitês, e as Conferências Ministeriais, prestar assistência técnica aos países
em desenvolvimento, analisar o comércio mundial e dar publicidade aos assuntos
relacionados com a OMC. Além disso, presta algumas formas de ―assessoramento
jurídico‖ nos procedimentos de solução de controvérsias e instrui os governos que
desejem se converter em Membros da OMC.
1.4 A Natureza jurídica das obrigações assumidas no âmbito da OMC.
De acordo com grande parte da doutrina que analisa o tema, as obrigações
assumidas no âmbito da OMC têm uma natureza jurídica de obrigações dissociáveis em
relações bilaterais.27
25
“Las negociaciones prescritas en la Declaración de Doha tienen lugar en el Comité de Negociaciones
Comerciales y sus órganos subsidiarios, y entre ellas figuran ahora las negociaciones sobre la agricultura
y los servicios iniciadas a principios de 2000. El CNC actúa bajo la autoridad del Consejo General.”
(OMC. Entender la OMC. La Organización. Estructura de la OMC. Disponivel em:
http://www.wto.org/spanish/thewto_s/whatis_s/tif_s/org2_s.htm. Acesso em 05 de março de 2010)
26 O pressuposto anual de 2008 foi de 185 milhões de Francos Suíços (OMC. ¿Qué es la OMC?..., cit..).
162
Um dos principais argumentos dessa corrente é que:
“A relevancia del principio de reciprocidad en su funcionamiento y el que, en
caso de incumplimiento, se permita que el miembro afectado suspenda
obligaciones o concesiones comerciales contraídas en virtud de los propios
acuerdo de la OMC con respecto al Miembro infractor, inspirándose en la
„maxima inadimplendi non est adimplendum‟ y presuponiendo que la
suspensión no conculca los derechos del resto de Miembros”.28
Nessa perspectiva, quando um Membro utiliza uma restrição ilícita a um produto
de um determinado País Membro, a relação será bilateral. Assim, só o Membro lesionado
estaria legitimado a reclamar contra o Membro infrator29
. O fato de a mesma conduta
afetar mais de um Membro e, por conseqüência, legitimar a todos os afetados, geraria
múltiplas relações bilaterais com um único responsável.
2. O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC
2.1 As controvérsias no âmbito do Gatt de 1947
Durante toda vigência do GATT47, o sistema de solução de controvérsias pode
ser destacado com um dos seus pontos mais deficientes. O antigo sistema permitia que
uma das partes implicadas no desacordo comercial pudesse obstaculizar indefinidamente
a adoção de uma decisão final sobre o caso. Além disso, não previa prazos fixos, como
conseqüência, as diferenças permaneciam sem uma solução por anos, quando havia.
As controvérsias eram disciplinadas pelos art.s XXII e XXIII do GATT47, que
permanecem vigentes até hoje. Estes dois artigos estabeleceram o direito das Partes
Contratantes de formularem consultas ou reclamações relativas à aplicação do Acordo. O
problema era que se limitava a isso e não estabelecia um procedimento para administrar
27
FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial del comercio y el derecho internacional: un
estudio sobre el sistema de solución de diferencias de la OMC y las normas secundarias del derecho
internacional general. Madrid, [etc.] : Marcial Pons, 2006, p. 350
28 Ibidem...
29 Segundo as normas secundarias gerais sobre a invocação da responsabilidade internacional.
163
as controvérsias, que acabava por ficar a cargo das Partes Contratantes. Como não existia
uma regulamentação do procedimento geral, não é difícil concluir que também não
existia qualquer processo de apelação. Isso, nos dias de hoje, parece um absurdo, já que a
OMC conta com dispositivos para regulamentar todo o procedimento e também
disponibiliza a possibilidade de apelar, caso o resultado não seja satisfatório.
Durante as etapas iniciais, as disputas eram submetidas às Partes Contratantes;
posteriormente, as resoluções eram entregues a grupos de trabalho com até 20 delegados,
representantes dos governos, inclusive das partes em disputa, e as suas recomendações
eram entregues às Partes Contratantes para sua decisão final.
Em 1952, surgiram os painéis, que foram estabelecidos com o intuito de resolver
as reclamações, e se basearam no princípio segundo o qual se presumia que uma medida
que infringisse qualquer acordo contraído constituía um caso de anulação ou de restrição
dos benefícios conferidos pelas normas do GATT47.30
Com essa modificação, as partes
litigantes não poderiam ser membros dos painéis, mas as recomendações dos painéis
continuavam sendo entregues a decisão final das Partes Contratantes. Na verdade, isso foi
uma formalidade sem benefícios práticos, uma vez que, por força do princípio do
―consenso positivo‖ adotado na época, uma só Parte Contratante tinha o poder de impedir
o cumprimento de uma decisão. Assim, a decisão final dependia do consenso de todas as
Partes Contratantes, inclusive das Partes em disputa. Como conseqüência do consenso
positivo, a maior parte das controvérsias no âmbito do GATT47 se resolveu pela via
diplomática ou política, o que sobrelevou a importância do poder na resolução das
controvérsias naquela época.31
Durante o período compreendido entre os anos de 1948-
30
De acordo com SEVILLA “in the GATT's early history, the panel procedure was quite informal.
Disputes were simply referred to the chair of the plenary meeting of the contracting parties, who issued a
ruling to the parties. As the volume of complaints grew, the practice of referring a dispute to a "working
party" composed of the disputants and other interested parties developed. From 1952 onward the
procedure became more formalized, with disputes being referred to a panel of independent experts acting
in their own capacities, and not as representatives of the member states. These panels issued rulings based
on a legal interpretation and examination of evidence submitted by the disputants, and could make policy
recommendations about what steps, if any, should be taken to bring the offending policies into compliance
with GATT rules, or what compensatory measures would be sufficient to make restitution to the
complainant.” (SEVILLA, Christina R. Explaining Patterns of GATT∕WTO Trade Complaints. Workig
Paper 98-1. Cambridge, MA: Weatherhead Center for International Affairs, Harvard University. 1998)
31 OESCH, Matthias. Standards of review in WTO dispute resolution. Oxford : Oxford University Press,
2003, p. 4.
164
1994 resolveram-se 196 disputas, mas somente em um caso foi autorizada a suspensão de
concessões pelo não cumprimento das obrigações provenientes dos Acordos por um
Membro.32
2.2. As controvérsias na OMC
Na Rodada Uruguai, estabeleceu-se um procedimento melhor estruturado e com
etapas mais definidas para o sistema de solução de controvérsias. A expectativa era que,
em alguns anos, seria possível observar as mudanças e o progresso, quando comparado
com o sistema utilizado do GATT47. Mas como ressaltou JACKSON33
, não era um
sistema sem falhas, e seria surpreendente se todas as características inovadoras
funcionassem perfeitamente como foram idealizadas. O novo procedimento é
regulamentado pelo Entendimento sobre as Normas e procedimentos que Regem o
Sistema de Solução de Controvérsias (ESC)34
, que é composto por 27 artigos que
definem as regras e os procedimentos aplicados à solução das controvérsias, relativas aos
―acordos abrangidos‖35
e ―Acordo da OMC", entre os Membros36
, e se encontra no
Anexo 2 dos Acordos da OMC. Nesta perspectiva, por regulamentar o sistema de solução
de controvérsias, delimitando procedimentos e etapas, o ESC criou um ambiente mais
seguro e previsível.37
32
PETERSMANN, E. International trade law and the GATT/WTO Dispute Settlement System 1948-1996:
an introduction. Studies in Transnational Economic Law, vol. II, La Haya, Kluwer Law Internacional,
1997. p. 46
33 Vid. JACKSON, John H. ―Dispute Settlement and a New Round‖. In The WTO After Seattle, ed. by
Jeffrey J. Schott. Washington: Institute for International Economics, 2000, p. 269.
34 Em inglês: Dispute Settlement Understanding (DSU)
35 Vid. Nomenclatura utilizada no art. 1 do ESC.
36 Vid. Art. 1 do ESC.
37 Cfr. BARRAL, Welber. ―Organização Mundial do Comercio (OMC)‖. In Tribunais Internacionais:
Mecanismos contemporâneos de solução de controvérsias. Welber Barral, organizador. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2004. p. 35. Ver. também art. 3.2 do ESC.
165
Assim como ocorre com os demais ―acordos multilaterais‖ da OMC, o ESC é
concebido como um ―compromisso único‖38
, vinculando a “todos los Miembros de la
Organización por el mero hecho de serlo, sin requerir una ulterior y especifica
prestación del consentimiento”39
. Ademais, é o foro exclusivo para solucionar as
controvérsias relacionadas com qualquer ―acordo abrangido‖ da OMC. Desta forma, se
houver qualquer desacordo entre os Países Membros da OMC, referente a algum acordo,
esta divergência deve ser solucionada no âmbito da OMC, mas precisamente, por seu
Sistema de Solução de Controvérsias.40
Sendo assim, ―todo el Miembro tiene el derecho
a reclamar a otro a través del sistema de solución de diferencias y a obtener, mediante el
procedimiento „central‟, que se determinen los términos de solución de la diferencia”.41
Além dos procedimentos e das etapas definidas, um outro ponto que influenciou
substancialmente a estrutura do novo sistema foi o princípio do ―consenso negativo‖.42
Antes, com o consenso positivo, bastava à vontade de uma Parte Contratante para o
painel ser bloqueado. Agora, com o consenso negativo, para um painel ser bloqueado é
necessário à vontade de todos os Membros, inclusive do demandante, o que faz com que
o novo procedimento seja quase automático.43
38
- “single undertaking” - . Vid. JACKSON, John H. ―Designing and Implementing Effective Dispute
Settlement Procedures: WTO Dispute Settlement, Appraisal and Prospects‖. In The WTO as an
International Organization. Ed. by Anne O. Krueger. Chicago and London: The University of Chicago
Press,1998, p. 162; e DISTEFANO, Marcella. Soluzione delle controversie nell'OMC e diritto
internazionale. Padova : CEDAM, 2001, p. 18.
39 FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial del comercio..., cit., p. 70. Nesse mesmo
sentido OESCH diz que ―it estabishes, for the first time, a unified and compulsory dispute settlement
system for all covered agreements adopted under the umbrella of the WTO”. (OESCH, Matthias. Standards
of review..., cit., p. 5)
40 De acordo com MACHADO ―o sistema de resolução de litígios da OMC tem uma natureza compulsória
e unificada, abranendo os acordos celebrados sob a égide da OMC‖. (MACHADO, Jónatas E. M.. Direito
Internacional: do paradigma clássico ao pós-11 de setembro. 3ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, p. 488)
41 FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial del comercio..., cit., p. 71
42 Vid. DISTEFANO, Marcella. Soluzione delle controversie nell'OMC..., cit., p. 22.
43 Nesse sentido JACKSON diz que “the key attribute of the new procedures, as we will see below, is
"automaticity." No longer will it he feasible for a nation to block the results of a dispute settlement
procedure” (JACKSON, John H. ―Designing and Implementing Effective..., cit., p.163).Ver também
DISTEFANO, Marcella. Soluzione delle controversie nell'OMC..., cit., p. 26; e ARAKI, Ichiro. ―In
Memory of Robert Emil Hudec (1934–2003)‖. In World Trade Review (2005), 4: 1, 97–100, p. 98;
166
O ESC prevê uma pluralidade de procedimentos para solucionar as controvérsias
no âmbito da OMC. Existe o procedimento ―central‖, desenvolvido pelo Grupo Especial
(Painel) e pelo Órgão de Apelação, e os chamados ―procedimentos alternativos‖, que são
os ―bons ofícios‖, a ―conciliação‖, a ―mediação‖ e a ―arbitragem‖.
De acordo com as novas normas, o processo inicia-se com uma consulta
obrigatória, almejando uma solução sem a necessidade de estabelecer um Grupo
Especial.44
Durante as consultas, as parte interessadas “procurarão obter uma solução
satisfatória da questão antes de recorrer a outras medidas previstas no presente
Entendimento”45
. Qualquer parte, por ato voluntário, pode solicitar os bons ofícios, a
conciliação ou mediação, em qualquer momento, sem prejudicar o direito de solicitar a
abertura do Grupo Especial na hipótese de não chegar a uma solução satisfatória entre as
partes.46
Assim, se a controvérsia não é solucionada por nenhum desses três meios, um
Grupo Especial examinará o assunto e emitirá uma decisão final em um prazo de 12 a 15
meses, a partir da data formal da solicitação de formação do Grupo (incluindo o período
da apelação). Se surgir alguma ―obrigação‖, esta tem que ser satisfatoriamente cumprida,
em regra, em um prazo de 18 meses.
Existe também a possibilidade de se recorrer à arbitragem, caso seja de comum
acordo entre as partes interessadas. As partes “concordarão em acatar o laudo arbitral”,
que será notificado ao Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) e ao Conselho ou
Comitê dos acordos pertinentes.47
De acordo com a OMC, menos da metade das solicitações de consultas chegam
até o Grupo Especial, uma que vez se resolvem por meio dos ―procedimentos
alternativos‖48
ou são abandonadas.
44
Vid. art. 4.3 do ESC
45 Art. 4.5 do ESC
46 Vid. art. 4.7 e 5.4 do ESC.
47 Art. 25.3 do ESC.
48 A OMC se refere a eles como “the out-of-court solution of disputes” fazendo uma referencia aos
“domestic judicial systems”. (OMC. A Handbook on the WTO Dispute Settlement System: A WTO
Secretariat Publication. Cambrige : Cambrige University Press, 2004, p. 92.)
167
É importante ressaltar que todos os meios citados têm que estar em
compatibilidade com os acordos abrangidos e “não deverão anular ou prejudicar os
benefícios de qualquer Membro em virtude daqueles acordos, nem impedir a consecução
de qualquer objetivo daqueles acordos”.49
O ESC é administrado pelo Órgão de Solução de Controvérsias – nomenclatura
que o Conselho Geral utiliza quando atua nessa função. O OSC exerce uma função de
direção dos procedimentos de solução de controvérsias entre Países Membros, tem a
faculdade de estabelecer Grupos Especiais, adotar seus relatórios, estabelecer os Órgãos
de Apelação, vigiar a aplicação dos relatórios e autorizar a imposição das medidas de
retaliação em caso do não cumprimento pelo país demandado.
2.2.1 As Consultas
O sistema de solução de controvérsias busca sempre uma solução negociada,
instância que se materializa na celebração das consultas entre o ―reclamante‖ e o
―reclamado‖. Uma solução negociada tem uma natureza política e conserva, como
destaca FERNÁNDEZ PONS, “la aptitud para promover un „cambio‟ del derecho
propia de los medios políticos para el arreglo pacifico de controversias, aunque sea
dentro de los límites de la compatibilidad con los acuerdos abarcados”50
. Sendo assim,
as negociações devem estar sempre em conformidade com todo o sistema, respeitando os
direitos dos demais Membros e constituindo-se em uma solução satisfatória para ambas
as partes. Fortalecendo este pensamento, o art. 3.10 do ESC destaca que as consultas
devem sempre estar dotada de ‗boa fé‘.
Quando um Membro formular uma ―solicitação de celebração de consultas‖, o
Membro ao qual se dirija a referida solicitação deverá responder em um prazo de 10 dias,
e, em 30 dias, iniciar-se-ão consultas de boa fé51
, buscando chegar a uma solução
satisfatória para todas as partes envolvidas. Caso isso não ocorra, ou se as partes não
49
Art. 3.5 do ESC
50 FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial del comercio..., cit., p. 77
51 Vid. art. 4.3 do ESC
168
chegarem a um acordo em um prazo de 60 dias52
, o Membro que solicitou a celebração
das consultas poderá solicitar o estabelecimento de um Grupo Especial (Painel). O OSC e
os Conselhos e Comitês devem ser notificados das solicitações apresentadas pelo
Membro que o fez53
.
O ESC, no art. 4.8, prevê a possibilidade de casos de urgência, oportunidade em
que as consultas têm um prazo mais curto.
“[...] os Membros iniciarão as consultas dentro de prazo não superior a 10
dias contados da data de recebimento da solicitação. Se as consultas não
produzirem solução da controvérsia dentro de prazo não superior a 20 dias
contados da data de recebimento da solicitação, a parte reclamante poderá requerer o estabelecimento de um grupo especial”.
54
2.2.2 Bons ofícios, conciliação e mediação.
Estes procedimentos alternativos estão previstos no art. 5 do ESC, e, assim como
na consulta, tem uma natureza política, uma vez que o que fica acordado nesses
procedimentos é proveniente da vontade das partes, que têm discricionariedade para
chegar a uma solução negociada ou não. Ao negociar uma solução para determinado
conflito, as partes interessadas devem sempre primar pela observância dos acordos
abrangidos e os direitos dos outros Países Membros, primando por não violá-los.
Faz-se mister salientar que esses procedimentos alternativos, como sugere o
próprio nome, não são obrigatórios, ou seja, são utilizados ―voluntariamente se as partes
na controvérsia assim acordarem”55
e “poderão iniciar-se ou encerrar-se a qualquer
tempo”.56
O ESC não regulamenta a forma com que se devem desenvolver esses
procedimentos, o que da uma margem, para que as partes convencionem e utilizem os
procedimentos que entendam mais conveniente.
52
Vid. art. 4.7 do ESC
53 Vid. art. 4.4 do ESC
54 Art. 4.8 do ESC
55 Art. 5.1 do ESC
56 Art. 5.3 do ESC
169
A utilização de tais procedimentos, de acordo com o art. 5.6 do ESC, poderá ser
oferecido, de oficio, pelo Diretor Geral, para ajudar os Membros a resolver a controvérsia
existente.
Se estabelecido voluntariamente ou por oferecimento do Diretor Geral, e as partes
não chegarem a um acordo, a utilização destes procedimentos não prejudica o direito de
solicitar o estabelecimento do Grupo Especial. Além disso, de acordo com o art. 5.5 do
ESC, “se as partes envolvidas na controvérsia concordarem, os procedimentos para
bons ofícios, conciliação e mediação poderão continuar enquanto prosseguirem os
procedimentos do grupo especial”.
2.2.3 A Arbitragem
De acordo com o art. 25.1 do ESC a arbitragem é “um procedimento rápido [...]
como meio alternativo de solução de controvérsias” que “pode facilitar a resolução de
algumas controvérsias que tenham por objeto questões claramente definidas por ambas
as partes”.
O procedimento a ser utilizado “estará sujeito a acordo mútuo entre as partes,
que acordarão quanto ao procedimento a ser seguido”, devendo notificar a “todos os
Membros com suficiente antecedência ao efetivo início do processo de arbitragem”.57
A
participação de outros Membros é uma faculdade das partes na diferença.
Depois de desenvolvido todo o processo de arbitragem, será feito um laudo
arbitral que deve ser acatado pelas partes e notificado ao OSC e ao Conselho ou Comitê
dos acordos pertinentes, oportunidade na qual qualquer Membro poderá levantar qualquer
questão com eles relacionada.
Não podemos deixar de ressaltar que existem duas possibilidades para usar a
arbitragem: a primeira é a sua utilização como um procedimento alternativo, como foi
descrito a cima; a segunda é como um procedimento obrigatório, utilizado para
57
Art. 25.2 do ESC
170
determinar, quando solicitado, o ―prazo prudencial‖58
e analisar a impugnação do nível de
suspensão proposta59
, depois de todo o contencioso.
2.2.4 O Grupo Especial (Painel)
Quando a controvérsia não tem uma solução satisfatória na fase das consultas, o
reclamante poderá solicitar o estabelecimento de um Grupo Especial (GE), também
chamado ―painel‖. Feita a solicitação, esta figurará como ordem do dia em uma reunião
do OSC. Na reunião seguinte a esta, o Grupo Especial será estabelecido (existe a
possibilidade, por consenso, de não se estabelecer o GE).
O Membro interessado deve apresentar uma petição por escrito, solicitando o
estabelecimento do GE. Essa petição deve informar sobre a celebração das consultas, os
fatos e também uma exposição dos fundamentos de direito que motivaram a controvérsia,
que devem ser suficientes para apresentar o problema com claridade.
O GE funciona como um tribunal, que estuda, analisa e informa sobre os aspectos
fáticos e jurídicos da controvérsia. É formado por três integrantes, a menos que as partes
na diferença entrem em acordo, para estabelecer dez integrantes (isso só pode ocorrer nos
dez dias seguintes ao estabelecimento do GE). Os candidatos a integrantes60
são
apresentados pela Secretaria às partes, que não devem se opor a eles, a menos que tenham
razões imperiosas61
.
O GE deverá facilitar o alcance de uma solução satisfatória do conflito para
ambas as partes. Irá determinar um calendário de trabalho e informar às partes o tempo
para que cada uma delas apresente seus comunicados. Depois, almejando sempre um
58
Vid. art. 21.3 c) do ESC
59 Vid. art. 22.6 do ESC
60 “Os grupos especiais serão compostos por pessoas qualificadas, funcionários governamentais ou não,
incluindo aquelas que tenham integrado um grupo especial ou a ele apresentado uma argumentação, que
tenham atuado como representantes de um Membro ou de uma parte contratante do GATT 1947 ou como
representante no Conselho ou Comitê de qualquer acordo abrangido ou do respectivo acordo precedente,
ou que tenha atuado no Secretariado, exercido atividade docente ou publicado trabalhos sobre direito ou
política comercial internacional, ou que tenha sido alto funcionário na área de política comercial de um
dos Membros.” (Art. 8, 1 do ESC)
61 Vid. art. 8.6 do ESC
171
procedimento eficaz, o GE deve fazer o exame da controvérsia e distribuir o relatório em
um prazo de, no máximo, seis meses, contando da data do estabelecimento do Grupo.
Quando houver urgência, esse prazo é de três meses. Contados a partir da distribuição do
relatório, o GE tem sessenta dias, para convocar uma reunião do OSC e adotar o relatório.
Em dois casos o relatório será adotado: se uma das partes notificar formalmente o OSC
sobre sua decisão de apelar e se o OSC decidir, por consenso, adotar o relatório.
2.2.5 O Órgão de Apelação (OA)
Os países partes na diferença podem recorrer das determinações do painel,
levando a questão até o Órgão de Apelação (OA).62
O OA é um órgão permanente, com sete integrantes nomeados por consenso no
OSC, para um período de quatro anos.63
Quando o OA é provocado, apenas três
integrantes atuam no caso.
O Órgão de Apelação tem sessenta dias, em regra, para distribuir seu relatório.
Esse prazo pode ser estendido por, no máximo, noventa dias, caso o Órgão acredite que
sessenta não sejam o suficiente. O relatório do OA pode resultar na confirmação,
modificação ou negação do que foi determinado pelo GE. Esses relatórios serão adotados
pelo OSC e aceitos pelas partes, salvo no caso do OSC, por consenso, não adotar o
relatório em um prazo de trinta dias, contados a partir de sua distribuição aos Membros.64
62
Sobre o Órgão de apelação Vid. STEGER, Debra P. ―The Appellate Body and its contribution to WTO
dispute settlement‖. In The political economy of international trade law : essays in Honor of Robert E.
Hudec. Edited by Daniel L. M. Kennedy and James D. Southwick. Cambrige : Cambrige University Press,
2002, p. 482 y ss; SMITH, James Mccall. ―WTO dispute settlement: the politics of procedure in Appellate
Body rulings‖. In World Trade Review (2003), 2: 1, 65–100.
63 “O órgão de Apelação será composto de pessoas de reconhecida competência, com experiência
comprovada em direito, comércio internacional e nos assuntos tratados pelos acordos abrangidos em
geral. Tais pessoas não deverão ter vínculos com nenhum governo. A composição do órgão de Apelação
deverá ser largamente representativa da composição da OMC. Todas as pessoas integrantes do órgão de
Apelação deverão estar disponíveis permanentemente e em breve espaço de tempo, e deverão manter-se a
par das atividades de solução de controvérsias e das demais atividades pertinentes da OMC. Não deverão
participar do exame de quaisquer controvérsias que possam gerar conflito de interesse direto ou indireto”.
(Art. 17.3 do ESC)
64 Vid. art. 17.14 do ESC
172
2.2.6 Cumprimento ou execução.
Diante de uma reclamação, se o Grupo Especial ou o Órgão de Apelação resolver
por sua procedência, ou seja, que a medida reclamada seja incompatível com as normas
de um Acordo ou viole um direito de um País Membro, recomendará a parte reclamada
que ponha essas medias em conformidade com o Acordo violado, podendo sugerir a
forma de fazê-lo.65
Se o Membro reclamado não cumpre, dentro do prazo prudencial, as medidas
acordadas, mediante o pedido da outra parte, deverá ser negociada uma compensação
mutuamente aceitável. Essa compensação não é obrigatória, no sentido de que o país
pode se negar a pagá-la, situação que pode gerar a suspensão indefinida das concessões,
até que cumpra as recomendações ou efetue a compensação. Caso o reclamado não
cumpra as recomendações e aceite pagar a compensação, esta deve ser compatível com os
acordos pertinentes.66
Se, dentro de um prazo de vinte dias depois de expirado o prazo
prudencial acordado, o país não cumprir a recomendação ou não compensar a parte
reclamante, qualquer das partes que tenha recorrido ao procedimento de solução de
controvérsias poderá pedir ao OSC que se suspenda temporariamente o Membro afetado
das concessões ou outras obrigações resultantes do Acordo.67
O OSC pode autorizar a aplicação coativa do direito, até que seja suprimida a
medida declarada incompatível com o acordo abrangido, ou até que o Membro afetado
ofereça solucionar a anulação ou a restrição de benefícios, ou chegar a uma solução
mutuamente satisfatória.68
. Essa decisão do OSC é recorrível, e o Membro afetado pode
impugnar o nível da suspensão proposta ou os procedimentos seguidos. Nesse caso, a
controvérsia se submetera à arbitragem do Painel original, se este estiver disponível, caso
não esteja, o Diretor Geral designara um arbitro para analisar a questão.69
65
Vid. art. 19 do ESC
66 Vid. art. 22 do ESC
67 ibdem
68 ibdem
69 ibdem
173
2.3. A responsabilidade e a aplicação coativa do direito na OMC.
De acordo com BROTONS “se dice de un régimen internacional que es
autónomo cuando las normas primarias – aquéllas que describen las obligaciones
sustanciales o de fondo – van acompañadas por especificas normas secundarias,
reguladoras de las consecuencias de su implemento”70
.
Nesse sentido, segundo as disposições do ESC, podemos enquadrar a OMC no
regime autônomo, pois suas normas secundárias são suficientes para reger todos os
aspectos das normas primarias. O ESC dispõe, em seus arts. 21, 22 e 23, sobre o
cumprimento das normas e obrigações provenientes do acordo e das decisões dos Órgãos
competentes. Esse fato, nas lições de BROTONS, faz da OMC um regime internacional
autônomo71
.
2.3.1 A responsabilidade
A análise da responsabilidade é importante para melhor compreensão da aplicação
coativa do direito. Para tanto, vamos utilizar o conceito de responsabilidade internacional,
para chegar até este conceito no âmbito da OMC.
Para BRONTÓS “la responsabilidad se genera tras la comisión de un hecho
ilícito, la violación de una norma o de una obligación internacional”72
. Nesse sentindo,
no âmbito da OMC, a responsabilidade surgirá quando um país membro violar uma
norma ou uma obrigação de um dos seus acordos.73
As reclamações são apresentadas por
70
BROTÓNS, Antonio Remiro. Derecho Internacional. Tirant lo Blanch: Valencia, 2007. p. 743.
71 Vid. MOTTA, Pedro Infante. A Organização Mundial do Comércio. ESAF/GAPTEC: Brasília, 1998, p.
139 e ss. 72
Ibid... p. 744. Nesse sentido, MACHADO expõe que a responsabilidade do Estado por atos ilícitos
internacionais ficou entendida como “violações de uma obrigação jurídico-internacional imputável a um
Estado, como tal caracterizadas pelo direito internacional” (MACHADO, Jónatas E. M.. Direito
Internacional..., cit., p. 573).
73 Vid. ROESSLER, Frieder. ―The responsibilities of a WTO Member found to have violated WTO law‖.
In The WTO in the Twenty-first Century: Dispute Settlement, Negotiations, and Regionalism in Asia.
Edited by Yasuhei Taniguchi, Alan Yanovich and Jan Bohanes. Cambridge University Press, 2007, p. 141
e ss; Vid. também DISTEFANO, Marcella. Soluzione delle controversie nell'OMC..., cit., p. 209 - 213
174
Membros que se sentiram lesionados, o que aproxima a prática nessa Organização da
utilizada no Direito Internacional geral.
―Como se ha avanzado, según las norma del derecho internacional general y
atendiendo a la indicada caracterización de las obligaciones dimanantes de
los acuerdos de la OMC como obligaciones disociables en haces o ramilletes
de relaciones bilaterales, solo aquel o aquellos miembros que pudieran
considerarse como <<lesionados>> tendrían derecho a reclamar contra el
Miembro responsable”74
.
O art. XXIII do GATT de 1994, assim como no GATT de 1947, prevê também a
possibilidade de um Membro reclamar contra outro em defesa dos objetivos do Acordo
Geral75
. Diante desse dispositivo, expande-se o rol de legitimados ativos, não exigindo
tão somente o requisito da anulação ou da restrição de benefícios, para que um Membro
figure no pólo ativo de uma reclamação.76
Em um primeiro momento a responsabilidade não justifica a aplicação coativa do
direito, uma vez que o ESC prevê um tempo para que a parte vencida na demanda – o
responsável – aplique as recomendações e resoluções do OSC. Seu incumprimento, de
acordo com a norma do art. 22.1 do ESC, justificaria a aplicação coativa do direito, uma
vez que são “medidas temporárias disponíveis no caso de as recomendações e decisões
não serem implementadas dentro de prazo razoável”.
Em síntese, a violação de uma norma ou obrigação de um acordo abrangido gera a
responsabilidade, que, a princípio, gera a obrigação de cumprir as recomendações e
resoluções do OSC, e seu incumprimento que justificaria a aplicação coativa do Direito
na OMC. Nos termos da CDI (Comissão de Direito Internacional), ―la responsabilidad
dimana del derecho internacional independientemente de su invocación por otro Estado,
siempre es necesario especificar lo que pueden hacer otros Estados ante la violación de
74
FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial del comercio..., cit., p. 354
75 Cfr. BARRAL, Welber. ―Organização Mundial do Comercio (OMC)‖..., cit., p. 36
76 De acordo com FERNÁNDEZ PONS, não é uma pratica muito usual, e, quando se utilize, é somando-se
a ação baseada em uma anulação ou restrição. (FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial
del comercio..., cit., p. 354)
175
una obligación internacional, y qué medidas pueden adoptar a fin de asegurar el
cumplimiento de las obligaciones de cesación y reparación por el Estado responsable”.77
2.3.2 Aplicação coativa do direito no direito internacional geral.
Para compreender a aplicação coativa do direito no âmbito da OMC, vamos fazer
uma remissão ao mesmo instituto no Direito Internacional geral.
A aplicação coativa do direito é, “en el contexto internacional, la intervención
autoritativa de un Estado, una Organización o uno de sus órganos a fin de compeler al
cumplimiento de una norma u obligación internacional a un sujeto de DI que
previamente la ha infringido, volviéndose a la situación anterior a la comisión del
ilícito”78
. Nesse contexto, a aplicação coativa não é, a priori, punitiva. Seu objetivo
principal é a cessação do ilícito e sua possível reparação. Mas é importante lembrar que
isso ocorre, em regra, por meio de outro fato ilícito, o que não distancia essa medida de
um caráter punitivo.
Com o princípio da soberania dos Estados, o recurso a autotutela segue sendo
comum nas relações entre Estados, algo que não ocorre no direito interno, onde é quase
inexistente. A autotutela, no Direito Internacional, pode ser caracterizada como as ações
de um Estado para proteger seus interesses frente a outros sujeitos internacionais.79
Além
disso, o mesmo princípio da soberania que permite a um Estado apreciar o
comportamento de outro como infrator e atuar em conseqüência disso permite que esse
outro Estado, o suposto infrator, discorde, dando origem a uma controvérsia80
, o que
caracterizaria uma forma descentralizada da aplicação do direito, uma vez que não existe
uma organização ou um poder central para aplicá-lo.
Com o aumento e progresso dos regimes autônomos, a aplicação coativa do
direito descentralizada foi perdendo seu espaço para as institucionalizadas, como é o caso
77
CDI. informe sobre la labor realizada en su 53° período de sesiones (23 de abril a 1° de junio y 2 de
julio a 10 de agosto de 2001), Capítulo IV, Responsabilidad de los Estados, Doc. A/56/10, p. 316
78 BROTÓNS, Antonio Remiro. Derecho Internacional..., cit., p. 796
79 Cfr. Ibid... p.797
80 Cfr. BROTÓNS, Antonio Remiro. Derecho Internacional..., cit., p. 798
176
da OMC. Esta Organização tem seu ordenamento jurídico e, também, normas para
regulamentar as possíveis situações de seu incumprimento. Estas normas são ‗direitos e
obrigações‘ de todos os Membros, e a OMC se estabelece como único foro para
solucionar as divergências provenientes dos acordos abrangidos. Isso, por conseqüência,
exclui o uso de meios elegidos unilateralmente para aplicar o direito, como por exemplo,
a autotutela.
2.3.2.1 Os meios de aplicação coativa do direito.
Diante de um fato internacional ilícito, um Estado pode utilizar algumas ações
para responder ao país que o cometeu. Essas ações, hoje, podem denominar-se
‗contramedidas‘ ou ‗retorsão‘. As contramedidas “puede describirse como el
incumplimiento por el Estado lesionado de una o más obligaciones internacionales que
se justifica como respuesta al hecho internacionalmente ilícito cometido por el Estado
responsable”81
. Já a retorsão é uma medida inamistosa, mas legal, que não corresponde a
um ilícito internacional82
. Além disso, as contramedidas abarcam o conceito de
represálias e sanção, visto que ambos correspondem a um fato ilícito, cometidos em
resposta a um ilícito prévio. As represálias podem ser consideradas como “un acto de
propia justicia del Estado lesionado, que responde – después de un requerimiento
infructuoso – a un acto contrario al Derecho de Gentes de Estado infractor. Será ilegal
si no suministra un motivo para la reacción un acto previo contrario al Derecho de
Gentes”83
. A sanção seria o “acto punitivo, adoptado por una instancia superior, dotada
de la facultad de sancionar los ilícitos internacionales”, mais precisamente “las
reacciones institucionales en el marco de un OI”.84
Nesse sentido FERNÁNDEZ PONS
diz que “ciertamente, la paulatina institucionalización de la sociedad internacional,
81
FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial del comercio..., cit., p. 371 e 372
82 Ver. SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito
Internacional Publico. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, pp. 463 e 464
83 BROTÓNS, Antonio Remiro. Derecho Internacional..., cit., p. 802. Ver também SILVA, Geraldo
Eulálio do Nascimento e; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Publico..., cit., pp.
464 e 465.
84 BROTÓNS, Antonio Remiro. Derecho Internacional..., cit., p. 803 e 804.
177
mediante la creación de organizaciones internacionales, ha supuesto la introducción de
sanciones institucionalizadas”.85
Essas sanções que tem características institucionais foram reconhecidas pela
CDI86
, quando declarou que as lex specialis podem modificar o regime jurídico geral das
contramedidas. E assim foi feito pela OMC, ao regulamentar seu próprio regime de
aplicação coativa do direito.
2.3.3 A aplicação coativa do direito no GATT47
Desde os trabalhos preparatórios para a formação da OIT – Carta de Havana – a
preocupação dos países negociadores era a de criar um sistema institucionalizado de
aplicação coercitiva do direito, suficiente para evitar conflitos comerciais, como os que
geraram muitos conflitos armados a nível mundial.
Os arts. XXII e XXIII do GATT47 tratavam, respectivamente, sobre as consultas
e a anulação ou restrição. Estes dois dispositivos eram os competentes para regulamentar
as divergências entre as Partes Contratantes no âmbito do referido Acordo. Apresentada
uma solicitação de consultas, as partes deveriam analisá-las, e, se possível, chegar a um
acordo satisfatório para ambos. Se isso não ocorresse, a questão seria submetida às Partes
Contratantes, que, por força do ―consenso positivo‖, só poderiam aprovar a aplicação
coativa do direito com a autorização de todos, inclusive da parte vencida. Assim, ficou
claro o caráter político das decisões durante a vigência do GATT47. Em virtude disso, a
aplicação coativa do direito só foi autorizada em uma oportunidade, mas precisamente no
caso Países Baixos contra os EUA, quando foi autorizada aos primeiros a imposição de
uma cota discriminatória das importações de farinha de trigo provenientes dos EUA. Por
causa disso, o GATT47 ficou conhecido como o ―model of non-coercive system‖87
.
85
FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial del comercio..., cit., p. 372.
86 Vid. RIPHAGEN, Willem. Preliminary report on the content, forms and degrees of international
responsibility (Part 2 of the draft articles on State responsibility). Doc. A/CN.4/330, de 1 de abril de 1980,
pp. 77 – 89 e 123 e ss
87 OSTRIHANSKY, R.. Settlement of Interstates Trade Disputes – The Role of Law and Legal Procedures.
NYIL, vol.22, 1991, pp. 163-214, pp. 176 e 213. Apud FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización
mundial del comercio..., cit., p. 377.
178
De acordo com FERNÁNDEZ PONS88
, o caso dos Países Baixos contra os EUA
foi o único expressamente autorizado, o que não impediu que alguns países utilizassem a
aplicação coativa do direito. Em alguns casos utilizaram dispositivos do próprio GATT,
como as medidas de salvaguarda. Nesse momento, é possível observar um retorno aos
princípios da autotutela. Importante se faz dizer que estas medidas, na maioria dos casos,
foram utilizadas pelos países desenvolvidos, o que mostra a dificuldade dos países em
desenvolvimento em aplicar o direito de forma coativa no âmbito das relações comerciais
internacionais.
A pesar dessas deficiências, não podemos esquecer o progresso do GATT no
sentido de solucionar as controvérsias existente entre as Partes Contratantes, visto que
houve um considerável índice de cumprimento espontâneo de suas normas. O
incumprimento, em seus muitos casos, poderia refletir a perda da credibilidade do
‗incumpridor‘ no sistema, fato que influenciou nas relações comerciais e nas
controvérsias que surgiram durante o GATT47.
2.3.4 A aplicação coativa do Direito na OMC.
Com todas as falhas do GATT47, o Uruguay Round aconteceu rodeado por muita
expectativa e perspectiva de melhora. Esperava-se que fosse criado um regime autônomo,
com normas suficientes para regular as controvérsias que viessem a ocorrer. Essa
perspectiva e a busca por um sistema autônomo foram os motores das negociações para o
novo Sistema de Solução de Controvérsias. Os casos de cumprimento espontâneo no
GATT47 foram consideráveis, mas os casos de incumprimento não foram esquecidos, o
que fortaleceu a necessidade de mudanças.
Durante as negociações duas potências mundiais se destacaram, principalmente
por suas divergências de posicionamento. De um lado os Estados Unidos lutando pelo
reconhecimento automático da aplicação coativa do direito, quando o ‗reclamado‘ for
vencido na disputa ou não cumprir as recomendações e resoluções do OSC; do outro lado
88
FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial del comercio… ob. cit. Pp. 376 e ss.
179
estavam as Comunidades Européias, que desejava a manutenção da exigência de uma
autorização de todas as Partes Contratantes, é dizer, do consenso positivo.
As negociações, como em outros acordos, não foram fáceis, mas no final um
acordo foi assinado. Foi então que surgiu o Entendimento sobre Solução de
Controvérsias.89
“El procedimiento previsto por la OMC para resolver los desacuerdos
comerciales en el marco del Entendimiento sobre Solución de Diferencias es vital para
garantizar el cumplimiento de las normas y asegurar así la fluidez del comercio”90
.
Além disso, tinha a função de colaborar com o “fortalecimento do sistema multilateral”91
e “conjurar el unilateralismo”92
.
Como resultado das negociações, a aplicação coativa do direito era possível
através da ―suspensão de concessões ou outras obrigações‖, assim como no GATT47.
Para utilizar a referida medida, contudo, era necessária uma previa autorização da OMC.
É mister ressaltar que a utilização da aplicação coativa do direito deve ser
utilizada como ‗última medida‘, conforme o disposto no art. 3.7 do ESC, ao dizer que
“deverá ser sempre dada preferência à solução mutuamente aceitável para as partes em
controvérsia e que esteja em conformidade com os acordos abrangidos [...]”, caso não
chegue a uma solução satisfatória para as partes “o primeiro objetivo do mecanismo de
solução de controvérsias será geralmente o de conseguir a supressão das medidas de que
se trata, caso se verifique que estas são incompatíveis com as disposições de qualquer
dos acordos abrangidos” e ainda prevê a possibilidade de compensação
93.
O ‗último recurso‘ está previsto no art. 22 do ESC e, de acordo com o referido
dispositivo, pode utilizar-se mediante autorização, quando as recomendações e resoluções
adotadas não são observadas no prazo determinado. Uma das inovações e, a nosso
entender, um grande progresso no novo sistema é o ‗consenso negativo‘, previsto no art.
89
Vid. capitulo 2
90 OMC. Solución de diferencias. Disponivel em:
http://www.wto.org/spanish/tratop_s/dispu_s/dispu_s.htm. Acesso em 05 de março de 2010.
91 Art. 23 do ESC
92 FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial del comercio..., cit., p. 385
93 Vid. JACKSON, John H. ―Dispute Settlement and a New Round‖…, cit., p. 275; e BARRAL, Welber.
―Organização Mundial do Comercio (OMC)‖..., cit., p. 52 e 53.
180
22.6 do ESC. Agora, a aplicação é ‗quase automática‘, uma vez que a desestimação da
petição que a solicita depende do consenso de todos os Membros, inclusive do solicitante.
Mesmo com essa prerrogativa, podemos observar um alto índice de cumprimento das
recomendações ou resoluções do OSC, visto que o art. 22.2 do ESC só foi invocado 18
vezes, e, em 7 casos, foi solicitada a suspensão das obrigações ao OSC94
, sendo, em todos
os casos, autorizada a medida.95
2.3.4.1. Natureza jurídica da suspensão de concessões e outras obrigações.
O ESC prevê como meio de aplicação coativa do direito no âmbito da OMC, o
uso da ―suspensão de concessões e outras obrigações‖. É válido recordar que o ESC é um
―compromisso único‖, o que vincula todos os Membros, e é o foro exclusivo para
solucionar as controvérsias que venham a surgir com respeito à aplicação de qualquer
acordo da OMC. Assim sendo, fica excluída as forma de aplicação coativa do direito
internacional geral para solucionar as controvérsias no âmbito dos acordos da OMC.
Para poder qualificar a natureza jurídica da suspensão de concessões e outras
obrigações, vamos analisar os institutos do Direito Internacional geral, retorsão,
contramedidas, represálias, sanções internacionais e casos híbridos. Com as
características de cada um desses institutos, veremos em qual deles as medidas adotadas
pela OMC se enquadram.
A Retorsão é uma medida inamistosa, mas legal, que não corresponde a um ilícito
internacional. Na ‗última medida‘, o fato de suspender concessões ou outras obrigações,
apesar de autorizado, é ilegal, uma vez que, como o próprio nome sugere, será adotada
uma medida que vai ―suspender‖, ou seja, a norma de um determinado acordo vai deixar
de ser aplicado para aquele caso especifico, para a relação entre aqueles países. Este
elemento é o suficiente para que a suspensão de concessões ou outras obrigações não seja
caracterizada como uma ―retorsão‖.
94
Outro fator importante é que em todos os 7 casos, a medida de suspensão foi impugnada.
95 Cfr. OSD. Informe anual (2005) Addendum: Panorama general de la situación de las diferencias en la
OMC, Doc WT/DSB/43/Add.1, de 7 de diciembre de 2007, pp. 99-101.
181
As Sanções internacionais são atos punitivos, adotados por uma instância
superior, dotada da faculdade de sancionar os ilícitos internacionais, mais precisamente,
as reações institucionais no marco de uma OI. A autorização do OSC ao Membro
solicitante poderia enquadrar a medida adotada pelo ESC como uma sanção
internacional, mas o que se questiona nos debates acerca do tema é que essa autorização
não tem caráter vertical, uma vez que o OSC, mediante a vontade de ―todos‖ os
Membros, não pode aplicar coativamente o direito. Além disso, a sanção não é aplicada
pela Organização, mas sim pelo Membro autorizado. Nesse sentindo, nem a decisão e
nem a aplicação da sanção tem um caráter puramente vertical, mas sim horizontal. Por
conseqüência, isso distancia a suspensão de concessões e/ou outras obrigações de se
enquadrar no regime das sanções institucionalizadas.
As Contramedidas “puede describirse como el incumplimiento por el Estado
lesionado de una o más obligaciones internacionales que se justifica como respuesta al
hecho internacionalmente ilícito cometido por el Estado responsable”; As represálias
pode caracterizar-se como “un acto de propia justicia del Estado lesionado, que
responde – después de un requerimiento infructuoso – a un acto contrario al Derecho de
Gentes del Estado infractor”96
. As medidas utilizadas no âmbito da OMC não se
enquadram nas características das represálias ou contramedidas, uma vez que, mesmo
que não se possa observar o caráter vertical na decisão de autorizar a aplicação coativa do
direito, o elemento institucional existe e se faz presente no controle sistemático da
―última medida‖, na vigilância e administração do sistema de solução de controvérsias.
Além disso, a medida adotada por um País Membro é conseqüência de uma infração já
analisada pelo Grupo Especial, Órgão de Apelação ou Arbitragem, que caracteriza a
previa determinação institucionalizada. O Estado pode utilizar-se de um meio ilícito
contra um ilícito anterior, mas este não é um poder movido pela discricionariedade, mas
sim controlado por um poder institucionalizado – OMC -, que é uma jurisdição
obrigatória.
96
Vid. FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial del comercio..., cit., nota 151; e
BROTÓNS, Antonio Remiro. Derecho Internacional..., cit., p. 806
182
O Caso híbrido é, de acordo com a etimologia da expressão, uma medida formada
por elementos de distinta natureza. Em consideração às analises anteriores, esse nos
parece ser a natureza do regime da OMC. De acordo com XAVIER, a “„suspensión de
concesiones u otras obligaciones‟ no ocupa una posición equidistante, pues su lógica
está más cerca de las contramedidas del Derecho internacional general que de las
sanciones institucionalizadas […]”97
. Isso se justifica na medida em que, mesmo
existindo uma organização para regulamentar as relações no âmbito do comércio
internacional, concede uma ampla discricionariedade ao Membro para escolher quais
concessões ou obrigações suspender. Além disso, “ciertamente, la OMC ha „integrado‟
las contramedidas sujetándolas a un régimen especial […] ante la disyuntiva de
aproximar este caso híbrido a un régimen de sanciones institucionalizadas
„descentralizado‟ o a un régimen de contramedidas „institucionalizado‟, me inclino por
esta segunda alternativa”98
. Compartilhamos deste posicionamento, uma vez que o
elemento essencial das sanções institucionalizadas é o inexistente no regime da OMC.
Por sua vez, o elemento caracterizador das contramedidas esta presente nesse regime,
mesmo que sofra algumas restrições.
O posicionamento defendido por nós é corroborado por um Grupo Especial
(painel) ao dizer que “en virtud del Derecho internacional, estos tipos de contramedidas
están actualmente sujetos a ciertos requisitos, como los indicados por la Comisión de
Derecho internacional […] Sin embargo, en la OMC las contramedidas […] están
estrictamente reguladas y sólo pueden llevarse a cabo en el marco de la OMC/ESD”99
.
Como exposto, a utilização da ―suspensão de concessões ou outras
obrigações‖ como aplicação coativa do direito, esta regulamentada pela OMC, ficando
sujeita a condições de forma e de fundo, previstas pelo ESC. Entre elas, podemos
destacar a equivalência100
com a medida utilizada (o ilícito que gerou a controvérsia) e
97
FERNÁNDEZ PONS, Xavier. La Organización mundial del comercio..., cit., p. 393
98 Ibid. p. 394 e 395.
99 OMC. Informe del Grupo Especial, Estados Unidos – Medidas aplicadas a la importación de
determinados productos procedentes de as Comunidades Europeas.. WT/DS165/R. de 17 de julio de 2000,
nota 100.
100 JACKSON, John H. ―Dispute Settlement and a New Round‖..., cit., p. 206.
183
seu caráter temporal. Essa condição de equivalência deu margem para a impugnação em
todos os casos em que foi requerida a aplicação coativa do direito no âmbito da OMC.
3 CONCLUSÃO
Assim como em outros regimes internacionais, a OMC tem um marco
institucional próprio e conta com normas secundarias, o que confere a eles uma parcela
de autonomia, visto que essas normas não são suficientes para reger todos os aspectos das
normas primarias. Nesse mesmo sentido, Pascal Lamy, Diretor Geral da OMC, diz que o
direito da OMC é “sistema jurídico „sui generis‟ dentro del orden jurídico
internacional” 101
.
No Uruguay Round, além da criação da OMC, outro passo importante foi o novo
sistema de solução de controvérsias. A expectativa em torno do novo sistema foi muito
grande, pois este seria o responsável em garantir o cumprimento das normas da
Organização. Os países negociadores buscaram um sistema autônomo, no qual suas
normas fossem suficientes para regulamentar às controvérsias entre as Partes
Contratantes.
A responsabilidade na Organização Mundial do Comercio está regulamentada por
algumas normas, mas, em sua essência, obedece a preceitos do Direito Internacional
Geral. De acordo com as normas secundarias da OMC, a figura do responsável não esta
somente conectada com a ―anulação de vantagens‖, mas também, por força do artigo
XXIII do GATT de 1994, pela violação dos objetivos gerais do Acordo. No primeiro
caso, o país lesionado seria legitimo para invocar a responsabilidade do Membro
violador, no segundo, qualquer Membro pode fazê-lo. A responsabilidade não gera
automaticamente o direito do reclamante de aplicar coativamente o direito. O país
responsável tem a prerrogativa de cumprir as recomendações e resoluções do OSC, ou
ainda tentar negociar ou oferecer uma compensação. Em ―último caso‖, se o responsável
101
LAMY, Pascal. WTO NOTICIAS: DISCURSOS — DG PASCAL LAMY. El lugar y la función (del
derecho) de la OMC en el orden jurídico internacional. Intervención ante la Sociedad Europea de Derecho
Internacional. Sorbonne, Paris, 19 de mayo de 2006. Disponivel em:
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184
não cumprir, não conseguir chegar a um consenso ou não compensar o reclamante, este,
se for de sua vontade, deverá solicitar ao OSC a autorização para aplicar de forma coativa
seus direitos provenientes dos Acordos da OMC.
A aplicação coativa do direito é possível através da ―suspensão de concessões ou
outras obrigações‖, assim como foi no GATT47. Mas algumas coisas mudaram do velho
regime para o novo. O ―consenso positivo‖, que era o principal responsável pela
característica não coercitiva do Acordo, foi substituído pelo ―consenso negativo‖. Antes,
diante de uma solicitação de autorização para aplicação coativa do direito, era necessária
a anuência de todos os Membros para a utilização de qualquer medida, o que só ocorreu
uma única vez. Hoje é o inverso. Para que não seja autorizada a suspensão de concessões
ou outras obrigações, todos os Membros tem que estar de acordo, inclusive o Membro
que foi lesionado. Isso, para nós, faz com que esse que esse procedimento seja quase
automático, uma vez que o Membro lesionado não vai se opor a uma decisão que lhe
confere um direito, e justamente o direito que pediu que fosse reconhecido ao procurar o
sistema de solução de controvérsias.
Essa ―suspensão de concessões ou outras obrigações‖ tem uma característica um
pouco peculiar, posto de que não corresponde a essência das sanções institucionalizadas e
não se enquadra como uma contramedida. No Direito Internacional Geral,
enquadraríamos o regime da OMC como sendo ―caso híbrido‖, pois corresponde a uma
intercessão entre as sanções institucionalizadas e as contramedidas, da qual guarda mais
características, uma vez que o elemento essencial das sanções institucionalizadas é o
inexistente no regime da OMC, e o elemento caracterizador das contramedidas esta
presente nesse regime, mesmo que sofra algumas restrições.
Por fim, é importante destacar que a aplicação coativa do direito na OMC não é
muito usual (7 casos em 405 casos), não por deficiência das suas normas, mas sim por
causa do grande influencia que o ―poder‖ ainda tem nas relações comerciais no âmbito da
OMC.102
102
“The most salient feature of the World Trade Organization (WTO) dispute settlement system is the
possibility of authorizing a trade sanction against a scofflaw member government […] it fortifies WTO
rules and promotes respect of them”. CHARNOVITZ, Steve. Should the teeth be pulled? An analysis of
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