o Tempo de Um Cigarro: Uma Crítica de Processo Entre a Performance e o Teatro
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7/24/2019 o Tempo de Um Cigarro: Uma Crtica de Processo Entre a Performance e o Teatro
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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAO, CINCIA E TECNOLOGIA DO CEAR
DEPARTAMENTO DE ARTES
LICENCIATURA EM TEATRO
DYEGO STEFANN FREIRE DE CASTRO
O TEMPO DE UM CIGARRO: UMA CRTICA DE PROCESSO ENTRE A
PERFORMANCE E O TEATRO
Fortaleza
2014
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DYEGO STEFANN FREIRE DE CASTRO
O TEMPO DE UM CIGARRO: UMA CRTICA DE PROCESSO ENTRE A
PERFORMANCE E O TEATRO
Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Teatro, doInstituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Cear, comorequisito parcial para a obteno do grau de licenciada em teatro.
Orientador: Prof. Dr. Pablo Assumpo Barros Costa (UFC)
Fortaleza
2014
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DYEGO STEFANN FREIRE DE CASTRO
O TEMPO DE UM CIGARRO: UMA CRTICA DE PROCESSO ENTRE A
PERFORMANCE E O TEATRO
Monografia apresentada ao Curso de Licenciatura em Teatro, doInstituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Cear, comorequisito parcial para a obteno do grau de licenciada em teatro.
Conceito: ______
Data de Apresentao 14 de novembro de 2014
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. Pablo Assumpo Barros Costa (UFC)
(Orientador)
_____________________________________________
Prof. Dr. Francimara Nogueira Teixeira (IFCE)
_____________________________________________
Ms. Edilberto da Silva Mendes (UFRN)
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a todos os lugares e pessoas por onde eu passei e que passaram por mim.
A todos os momentos afetivos que tive a possibilidade de viver e que me
atravessaram.
A todos que participaram do meu percurso.
A todos os e as de mim, de ti, de tantos.
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RESUMO
Esse estudo reflete sobre alguns conceitos que surgem do encontro entre performance e teatro,
enunciados por Eleonora Fabio e Josette Fral, e que foram geradores de um trabalho cnico
experimental de minha autoria (com colaboradores), intitulado O Tempo de um Cigarro.Os
conceitos e questes que elas levantam aparecem aqui atravs de uma exposio tambm
experimental dos arquivos que compuseram o processo de trabalho ao longo de 10
apresentaes do esquete, realizadas entre 2013 e 2014. Partindo da proposta metodolgica da
crtica de processo (Ceclia Salles), exploro nesta escrita como O Tempo de um Cigarro
efetua, a partir da influncia da arte de performance e do teatro performativo, um processo de
criao horizontal de experimentao aonde meio, atuante e audincia tm seus lugares,tradicionalmente assegurados, desestabilizados e reagrupados em novas possibilidades
dramatrgicas.
Palavra Chave: O Tempo de um Cigarro, performance, teatro, crtica de processo.
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ABSTRACT
This study discusses some concepts that emerge from the encounter between performance and
theater, listed by Eleonora Fabio and Josette Feral, and were generating an experimental
theatrical work of my own (with collaborators), titled "O Tempo de um Cigarro". The
concepts and issues appear here through an experimental archiving that made up the work
process over 10 presentations performed between 2013 and 2014. Starting from the "process
critique" methodological proposal (Cecilia Salles), I explore how "O Tempo de um Cigarro"
effects, from the influence of performance art and performative theater, a process of
horizontal experimentation where "space", "performer" and "audience" have their traditionally
ensured place destabilized and reassembled in new dramaturgical possibilities.
Palavra Chave: O Tempo de um Cigarro, performance, theater, process critique.
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SUMRIO
CARTILHA DE VIAGEM OU MANUAL DE INSTRUES ........................................... 8
SOBRE O CAMINHO QUE (NO) PROCURO SABER O FIM | INCIO .................... 10
INTRODUO ...................................................................................................................... 14
CAPITULO 1 - ENTRE A PERFORMANCE E O TEATRO: ATRAVESSAMENTOS
TERICO-PRTICOS ......................................................................................................... 18
Outrar-se ............................................................................................................................................ 18
Obra-Processo ................................................................................................................................... 20
Teatro Performativo .......................................................................................................................... 23
O que faz (ser) real? .......................................................................................................................... 25
Dispositivos Mveis de Criao ........................................................................................................ 29
CAPITULO 2CRITICAR-SE ............................................................................................ 35
Arquivar ............................................................................................................................................ 35
1 - Ator Performer ............................................................................................................................ 37
2 - Mostra de Teatro IFCE ............................................................................................................... 40
3 - Semana de Boas Vindas.............................................................................................................. 42
4 - Mostra de Solos e Duos .............................................................................................................. 45
5 - FESFORT 2013 .......................................................................................................................... 47
6 - Cenas Curtas (Teatro Antonieta Noronha) ................................................................................. 51
7 - 10 FECTA ................................................................................................................................. 53
8 - IV ManiFesta .............................................................................................................................. 57
9 - Tera SeDana ............................................................................................................................ 60
10 - Piollin........................................................................................................................................ 61
CONCLUSOE AGORA? ................................................................................................ 66
REFERNCIA BIBLIOGRFICA ...................................................................................... 68
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CARTILHA DE VIAGEM OU MANUAL DE INSTRUES
Primeiro, antes de comear essa jornada, gostaria de explicar melhor alguns aspectos
metodolgicos da forma desta pesquisa. Farei isso para que voc, leitor, no se perca ou sinta-se confuso durante a leitura. O que busco realizar aqui um mergulho nas minhas memrias,
referncias e leituras do processo de criao do esquete/performance O Tempo de um
Cigarro (2013) de minha autoria. Mas eu entendo que este mergulho s ser relevante na
medida em que o processo de construo da obra aparea como possibilidade de uma
abordagem crtica sobre a prpria obra. Portanto, na escrita, obra e processo constroem-se
novamente a partir das relaes entre eles, apontando para os modos como teoria e prtica se
retroalimentam continuamente.
Devemos entender que a complexidade desta reconstruo de O Tempo de um
Cigarro na escrita, demande ela prpria de uma abordagem experimental sobre a prpria
escrita, que tambm vai refletir o carter processual da obra original. No busco com isso uma
inovao simplesmente formal da escrita, mas sim uma perspectiva criativa para o ato de
analisar uma dada obra, de modo a aproxim-lo ainda mais das descobertas que fizemos ao
longo da trajetria de criao. Apoiando-se nos estudos de Cecilia Sales sobre crtica de
processo e sobre o lugar do arquivo nos processo de criao contemporneos, irei comporuma teia de assuntos e abordagens tericas da relao entre performance e teatro que depois
serviro para analisar meu arquivo de dez apresentao realizadas entre 2013 e 2014. Depois,
finalizarei com um depoimento pessoal que aponte novas possibilidades de criao para o
futuro.
Acredito que nenhum formato j dado seja capaz de abarcar todos os aspectos desta
obra, j que uma obra em movimento e em transformao constante. Ento, como gerar essa
aproximao do leitor a obra que, talvez, ele nem tenha visto? Durante o processo de criao
desta escrita me dei conta de algumas possibilidades que poderiam nos auxiliar nessa questo.
Ento gostaria de lhe apresentar uma tentativa. A ideia lhe aproximar da sala de ensaio, do
processo da obra e, posteriormente, do prprio processo desta escrita. Para isso, gostaria de
sugerir um breve manual de leitura para apreciao e degustao dos captulos e subcaptulos
a seguir:
1. Nos cantos superiores das pginas de abertura dos captulos e subcaptulos, entrecolchetes, fao sugestes de msicas para acompanhar sua leitura. Estas msicasembalaram o processo e as vrias descobertas para a criao deste trabalho. Parafacilitar, criei um usurio na plataforma Youtube:
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https://www.youtube.com/watch?v=PGrdGCcOJEg&list=PLgnujTpH9-V5kmIyauO84_6RJVqtOU5kW;2. Abra uma boa cerveja ou um bom vinho para influenciar sua conscincia de leitor;3. Busque assistir as sugestes de filmes abaixo:
a.
Os SonhadoresDir: Bernardo Bertoluccib. Pierrot Le FouDir: Jean-Luc Godardc. Cachorro!Dir: Jos Henrique Fonseca
Boa viagem!
https://www.youtube.com/watch?v=PGrdGCcOJEg&list=PLgnujTpH9-V5kmIyauO84_6RJVqtOU5kWhttps://www.youtube.com/watch?v=PGrdGCcOJEg&list=PLgnujTpH9-V5kmIyauO84_6RJVqtOU5kWhttps://www.youtube.com/watch?v=PGrdGCcOJEg&list=PLgnujTpH9-V5kmIyauO84_6RJVqtOU5kWhttps://www.youtube.com/watch?v=PGrdGCcOJEg&list=PLgnujTpH9-V5kmIyauO84_6RJVqtOU5kWhttps://www.youtube.com/watch?v=PGrdGCcOJEg&list=PLgnujTpH9-V5kmIyauO84_6RJVqtOU5kW -
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SOBRE O CAMINHO QUE (NO) PROCURO SABER O FIM | INCIO
H vrias maneiras srias de no dizer nadamas s a poesia verdadeira.1
[Raindrops Keep Falling On My Head,
de B. J. Thomas.]
Estou diante de um dos momentos mais difceis e complexos para mim. Pensar e
escrever sobre algo que talvez no saiba o que ou para onde vai ou como pretende ir ouporque vai. O que acredito saber so apenas alguns pequenos lampejos de sobriedade que
buscam significar essa nossa relao. Ento o que ofereo a voc a possibilidade de um
dilogo to escorregadia quanto o meu casamento com a obra em questo. Pode ser
interessante. Pode no ser. Pode inclusive ser e no ser.
Aqui. Fortaleza. Cear. Nordeste. Brasil. Amrica do Sul. Banhada pelo Atlntico que
no tem nada de pacfico, incluindo seu tringulo vestido de bermudas logo ali. Abaixo da
linha do Equador. Latitude: -3.71839; Longitude: -38.5434. H 3 436 Sul, 38 3236
Oeste. Encontrou? Estou. Desde que nasci. Saindo brevemente para voltar. Preso talvez. Mas
um dia fugirei para depois, talvez, voltar. Fortaleza que uma cidade de pessoas, muitas
pessoas e poucas, pouqussimas rvores. rea metropolitana de 313,8 km e quase 3.6
milhes de habitantes. Cidade do sol, cidade minha, cidade sua e muitas vezes cidade de
ningum. Foi aqui que me disseram artista e foi aqui que me descobri gente que gente. Aqui
tambm vivi tantos outros momentos e vidas que modificariam, inclusive, a minha forma de
ver o outro e a mim. Aqui conheci os paneleiros2
. Conheci Wldia Torres minha esposa eparceira de cena, Paulo Soares meu grande amigo e eterno provocador, Evan Teixeira parceiro
de tantas outras, e outros parceiros de cena e de vida. Aqui morei, aqui estou. Aqui.
Foi aqui onde me encontrei primeiramente poeta. Ao olhar, da minha janela, para as
ondas no escuro da noite e ouvir o som meldico que vinha de l sempre bastante temperado
de uma densa maresia, escrevia. Muitas vezes poemas ou frases de um jovem apaixonado pela
paixo. Pieguismos juvenis que talvez cometa nessa escrita. Sim, cometerei! Ou j cometi.
1Manoel de Barros;2Paneleiros so os membros do Grupo Panelinha de Teatro.
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Depois, mas ainda aqui, me descobri ator. Ator? Em 2010, quando completei 20 anos,
ingressei no curso de Licenciatura em Teatro no Instituto Federal de Educao, Cincia e
Tecnologia IFCE. Logo que cheguei pedi para um professor3que me sugerisse uma lista
com nomes importante do teatro para estudar. Appia, Craig, Stanislavski, Meyerhold,
Decroux, Grotowski, Brecht e tantos outros. Estudei praticamente todos e buscava ler mais e
mais sobre cada um. Sentia-me velho por ter comeado a fazer teatro com 20 anos enquanto
alguns tinham nascido ali. O tempo! O mesmo tempo que andava ou anda comendo, fora, a
filsofa Viviane Mos. O mesmo que ela diz ter encarado de frente, conquistado e remoado.
Mas eu no sei se consegui encar-lo de frente, seduzi-lo, conquist-lo. No, mas sempre
perto, a beira de.
Por ultimo, sem fugir daqui, me descobri direto/criador. Um convite inusitado
provocou a descoberta. Apresentar em uma mostra chamada Amostragem IV Exposio
Livre de Artes que aconteceria no Mercado dos Pinhes. Convite recebido e aceito.
Rapidamente estvamos eu e uma amiga4ensaiando uma proposta de interveno, inspirada
em alguns movimentos do Teatro Fsico, chamada Caixa Preta (2010). Futuramente
dirigiria outros experimentos, solos e em grupo, como o esquete Monlogo do Corpo
(direo e atuao) em 2010, a performance O Nascimento do Homem (direo e atuao)
em 2011, a performance/interveno Concretizando Toques com o Grupo Poticas do
Corpo, o esquete/performance O Tempo de um Cigarro em 2013 (objeto de estudo principal
aqui), Fluxos/Experimentos Criativos em 2014 e atualmente o esquete Palndromo
(direo e atuao) com o Grupo Panelinha de Teatro. Todos esses trabalhos pareciam tudo,
menos teatro! Bem, o que me diziam.
E aqui, mais especificamente em uma mesa de bar, comea definitivamente a surgir os
lampejos de sobriedade que havia mencionado. Aqui os lampejos ainda no buscavamsignificar nada ao certo, mas geravam inquietaes e provocaes tantas. Foi aqui que
conhecemos Paulo Soares5 e desde ento no o largamos mais. Um encontro que geraria,
meses depois, uma experincia nica para todos os envolvidos. Uma vivncia que costumo
lembrar como uma espcie de anarquia teatral. Um pequeno embrio comeava a nascer. Algo
mudou, mas continuava aqui! Trs atores. Um provocador. Vrios filmes, documentrios e
textos escolhidos a dedo. Uma pequena sala de ensaio. Pouco dinheiro no bolso. Um tempo
3
Danilo Pinho, professor da disciplina de Conscincia Vocal e futuro amigo e famlia;4Iole Godinho;
5Paulo Soares ator, nasceu em Fortaleza e formou-se no Rio de Janeiro. Atualmente ator do Piollin Grupode Teatro (Joo Pessoa - PB).
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cada vez mais curto. Um tempo que at se sabia o fim. Mas o que poderia acontecer com
esses ingredientes?
Paulo nos trouxe a possibilidade de trabalhar com a tcnica dos Viewpoints
6
. Tudo eranovo. Como uma receita feita pela primeira vez, sabendo-se apenas que existia a vontade de
provar algo que no se sabia o que poderia vir a ser. Entre queimaduras e sabores, nesse jogo
de vivncias, surgiram textos, cenas, msicas e tantas outras que comeavam a aparecer. Na
sala a experincia apenas ganhava forma, pois a criao vinha dos momentos que vivamos
juntos em lugares quaisquer. O que se criava era a vontade de estar junto. E talvez a fora
viesse exatamente desse espao movedio da criao compartilhada. Dessa forma sem forma.
Do fazer no fazendo. Pois nada era criado pela necessidade de criar, mas pela vontade de
estar. Aqui. Juntos!
Quando ele voltou para o Rio de Janeiro, ainda tentamos continuar, mas parecia
impossvel. No continuamos. Mas no queria deixar que aquelas mudanas em mim
desaparecessem, no sem um encontro com o pblico. Pensei bastante como fazer. Sabendo
ou achando saber que no seria prximo da intensidade do que vivemos no trabalho com
Paulo Soares, adoraria ainda assim arriscar e correr o risco do fracasso. E entre conversas e
cigarros algumas coisas comearam a ganhar forma. Entre cigarros e leituras alguns conceitossaltavam na minha face. Entre cigarros e cigarros, na minha solido, o tempo foi passando
arrancando a coragem de continuar. Entre cigarros e cigarros o tempo foi crescendo e me
devorando por partes.
De quantos cigarros se fazem uma obra?
Quanto tempo dura um cigarro? Tempo fsico ou potico?
O que pode ser feito no tempo de um cigarro?
Como transpirar essa realidade existida em uma performance to potente como a
experincia vivida?
Experincia-Obra-Processo?
(...)
6A proposta explora processos de criao por meio de improvisao e composio corporal e vocal envolvendo
estados de percepo, ateno, escuta e memria. Viewpoints definido por Bogart e Landau (2005) como um
processo aberto, e no tcnica rigidamente formatada. (NUNES, s.d., p. 1).
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Do ponto de vista platnico, a cena do teatro, que simultaneamenteespao de uma atividade pblica e lugar de exibio dos "fantasmas",embaralha a partilha das identidades, atividades e espaos. O mesmoocorre com a escrita: circulando por toda parte, sem saber a quemdeve ou no falar, a escrita destri todo fundamento legtimo dacirculao da palavra, da relao entre os efeitos da palavra e as
posies dos corpos no espao comum.(RANCIRE, 2005, p. 17)
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INTRODUO
Pensar numa Introduo a este projeto me leva a refletir sobre as diversas formas
possveis que ele poderia ter tomado. Diante de tantas possibilidades, o que escolho apresentar
a voc uma crtica de processo, numa escrita em deriva. Esse Trabalho de Concluso de
Curso brota de um conjunto de apresentaes, questionamentos e leituras a respeito do
esquete/performance O Tempo de um Cigarro (2013). Uma obra-processo que surge da
possibilidade de troca e compartilhamento de afetos entre os participantes que compuseram a
proposta da obra e entre o pblico que a constitui. Essa relao plstica, processual, de onde
as noes de pblico e de ator-performer se constroem mutuamente no tempo real do
acontecimento teatral, a base primeira desta escrita.
A metodologia utilizada por mim durante o processo de escrita desta crtica de
processo levar em considerao o prprio carter processual da escrita, que mesmo a
posteriori capaz de transformar a obra. Ou seja, na minha escrita ps-obra, crio arquivos da
obra que a sua maneira reencenam esta obra na escrita diferentemente, sempre. O Tempo
de um Cigarro no uma obra fixa, como ficar claro. Para Ceclia Salles, h obras
processuais na arte contempornea que, ao no se fixarem, demandam ateno crtica
daqueles que a acompanham como criadores:
H tambm obras processuais, que acontecem na continuidade, ou seja, na rede empermanente construo que fala de um processo, no mais particular e ntimo. (...)So obras que nos colocam, de algum modo, diante da esttica do inacabado; nosincitam seu conhecimento e consequente acompanhamento crtico dessas mutaes.(SALLES, 2005, p. 755)
Se uma obra processual demanda um acompanhamento crtico, isto que me cabe
aqui: escrever uma crtica do processo de O Tempo de um Cigarro. Entendendo que todos
os processos, tanto da obra quanto da crtica do processo por escrito, partilham de uma basede reflexo e prtica comum, ambos aproximam-se do processo como construtor de
possibilidades. Desta forma, a escrita replica caractersticas que so das artes cnicas: ela
catalisa processos em tempo real. Esta uma discusso que tem ocupado a terica da
performance Peggy Phelan. Como se apresenta performance na escrita? Seria possvel fixar
um evento performativo sem alter-lo? Segundo Phelan os crticos e os tericos da
performance, ao se dedicarem a registrar sempre s o lado psquico do evento [aquilo que
acontece na experincia interior do performer] ou, ao contrrio, s o seu lado puramentematerial [aquilo que se d a ver], cometem uma boa dose de negligncia. (PHELAN apud
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COSTA, 2006p. 11). Seria necessrio, para Phelan, que o crtico de performance ache um
entre-lugar, e que faa de sua escrita uma oportunidade de reencenao da pea assistida.
Uma das formas de no cometer negligncias, acredito, o escritor manter umapostura aberta em relao s pessoalidades presentes nos depoimentos, registros e arquivos
guardados anteriormente, e tambm colocar-se na escrita com sinceridade, atravs de uma
postura reflexiva sobre si mesmo. Esse processo de refletir sobre a prpria escrita durante o
seu percurso me sugere a aceitao das possibilidades que se apresentam quando a memria
deste artista-em-processo se mostra falha ou lacunar. A escrita, assim, pode se construir como
uma performance de descoberta de si mesmo. Uma escrita performativa. Assim, vejo a
possibilidade de criarmos outros sentidos de apreciao das reflexes a seguir.
O trabalho ser apresentado a partir de dois captulos principais e uma breve
concluso. O primeiro, nomeado Entre a performance e o teatro: atravessamentos terico-
prticos, reflete sobre o aparato conceitual que me possibilitou dialogar mais profundamente
com esta obra. A reviso bibliogrfica a contida delineia um campo de atrao entre o teatro
e da performance levanta conceitos pertinentes para os dilogos e reflexes desta pesquisa,
principalmente a partir das anlises de Eleonora Fabio sobre a performance e de Josette Fral
sobre teatro performativo. Tambm me refiro a artistas de teatro cujas pesquisas tambm seaproximam dessa relao entre teatro e performance, como Jerzy Grotowski e Antonin
Artaud. A segunda parte reflete sobre o lugar do arquivo na criao contempornea em teatro
e especialmente no percurso da performance/esquete O Tempo de um Cigarro. Nesse
segundo momento, ento, crio uma possibilidade de arquivar as 10 apresentaes desse
esquete durante os anos de 2013 e 2014. Nesse arquivo, passo a entender essa obra como
movedora do conhecimento e no o inverso. Em outras palavras, percebo ao memorializar
estas apresentaes que o processo prtico e criativo de apresentar e adaptar esse esquete adiferentes pblicos e lugares proporcionou a mim uma experincia de pesquisa, j que o
processo demandava contnua mudana a partir de coisas aprendidas fazendo a performance.
Procurei disponibilizar o mximo de informaes testemunhais sobre a obra e seus processos
de criao para possibilitar uma entrada mais profunda nesta obra que permanece em
movimento. O terceiro e ltimo momento da monografia uma tentativa de reflexo sobre
todo o percurso de escrita e sobre as possibilidades que se inauguraram para mim a partir
dessa metodologia da crtica de processo e sobre o ato de arquivar nas obras contemporneas.
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Eu poderia iniciar tranquilamente o processo de escrita formal de anlise dessa obra
sem admitir que, mais frente, falharia em tentar dizer o indizvel desta experincia. 7Mas
quero deixar claro que esta escrita um jogo labirntico e lacunar de derivas poticas. Assim
construiremos um ponto de flexibilidade entre ns. Ser possvel outrar-se8. Assim teremos
infinitas possibilidades de inveno. Logo, no pretendo lhe conduzir para algum lugar
especifico onde a experincia de entrar em contato com essa obra se fixar, repousado
embaixo de um guarda-sol multicorido que preto-e-branqueou com o tempo. O jogo entrar e
experimentar sem negar esse labirinto de memrias incertas. Isso no morrer ao encontrar o
minotauro que nos aguarda. E por que percorrer sozinho?
Uma sucesso de perguntas: O que faz voc pensar que a lembrana de algo vivido
realmente a memria/imagem real do acontecimento? O que se move ou pode mover atravs
do teatro? O que se espera de uma obra teatral e o que se pode com ela? Existem limites para
essa criao? Como proceder para analisar uma obra que nasce sem se saber nascer? O que
poderia ser considerado real dentro de uma obra teatral? O que o elemento relacional nas artes
pode nos proporcionar para pensar a possibilidade de criao de afetos? Qual ser o espao
adequado para essas perguntas dentro desse contexto? H esse espao? Dizer sim necessrio
para continuar.
7O indizvel s me poder ser dado atravs do fracasso de minha linguagem. S quando falha a constru o,
que obtenho o que ela no conseguiu. Clarise Lispector,A Paixo Segundo GH, 1998 ,p. 119.8Fernando Pessoa.
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L#B#R#NT#9
s vezes penso que sou um labirinto.
Um labirinto pra mim mesmo.
Olho meu reflexo no espelho e no o reconheo.
No o reconheo por que essa imagem refletida representa o meu passado.
Um passado nada distante, mas um passado que j no sou.
Pode ser engraado pensar, mas a cada instante algo em mim se modifica.
Tento entender o porqu, mas pra que?
(...)
Dizem que mais fcil entender certas coisas quando a olhamos de fora
Mas penso que to igual para ambas as partes.
Chego a esse ponto sem j no reconhecer minhas prprias palavras.
Muito menos aquelas que foram pronunciadas.
Cauteloso, penso que ao fim de tudo isso deveria jogar essas palavras fora.
(...)
No, no me desfao.
Dou de presente para aquelas pessoas que se sentem encorajadas a andar e se despir em uma
estrada que pensam enxergar o fim!
Boa sorte.
9 Eu poeta, poeta eu. Poema publicado em 29 de Julho de 2011(http://dyegostefann.blogspot.com.br/2011/07/lbrnt.html)
http://dyegostefann.blogspot.com.br/2011/07/lbrnt.htmlhttp://dyegostefann.blogspot.com.br/2011/07/lbrnt.htmlhttp://dyegostefann.blogspot.com.br/2011/07/lbrnt.htmlhttp://dyegostefann.blogspot.com.br/2011/07/lbrnt.html -
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CAPITULO 1 - ENTRE A PERFORMANCE E O TEATRO: ATRAVESSAMENTOS
TERICO-PRTICOS
[Odds And Ends,de Dionne Warwick.]
Outrar-se
Quando iniciei esse processo me sentia mergulhado, voluntariamente, em uma poa de
vazio10. Uma poa aparentemente rasa e que me fazia, antes de pular, ter a sensao de tocar o
cho com os ps. Preparei um salto. Pulei sem medo. Como um Yves Klein11contemporneo,
saltando no vazio. Aps pular, rapidamente fui levado para outro lugar. Um lugar onde as
possibilidades eram tantas, infinitas. Inicialmente o meu corpo pareceu rejeitar a ideia de ter
tantas possibilidades minha disposio. Por medo, parecia ser mais aceitvel a mediocridade
da vida cotidiana do que viver com essa exploso de possibilidades que se apresentavam de
tantas formas voc pode ser isso, voc pode ser aquilo, voc pode fazer assim, voc pode
fazer assado. Logo o meu apurado sentido de auto-sabotagem gritou nos meus ouvidos
pedindo para nadar para longe, fechar os olhos e ouvidos, tentar rapidamente preencher esse
lugar (des)conhecido com todos os outros nadas que existiam dentro de mim, s para
confortar meu corpo, aproximando-o do lugar mais familiar. Mas por que no experimentar a
desafiadora possibilidade do vazio? Algo dentro de mim preferia no correr. Preferia ficar. E
o vazio me preferia engolir e antropofagizar a mim mesmo. Precisaria eu me engolir por
inteiro. Precisaria eu dizer sim.
Sim! Agora estou dentro. E eis que o vazio tinha muito mais energia do que eu
imaginava. Tinha eu que preparar o corpo para no explodir. Mas a energia parecia no ser
sugada imediatamente para o meu corpo. Parecia querer ser seduzida ou me seduzir. Existia
um jogo ali. Logo percebi que no se tratava apenas de esvaziamento ou exploso, mas sim de
uma possibilidade de peregrinar por regies (des)conhecidas do prprio ser/saber. Aproximar-
se de cada local pontualmente e perceber a grandeza de cada espao/tempo. Desafiar o desafio
do novo e manter-se curioso e atento s pequenas descobertas. Descobrir esse vazio a partir da
10 Quando proponho dialogar sobre o vazio no estou dialogando com um conceito fechado, estou apenas
sugerindo uma imagem. Do vazio. Mas no estou me reportando a um lugar sem potncia, inspido ou frgido.Estou refletindo sobre um lugar repleto de possibilidades de ser/estar, um lugar de ocupao.11
Yves Klein (1928-1962) foi um artista francs que causou grande polmica com suas obras. Enquanto algunsestudiosos de sua poca o classificam como neodadasta outros dizem que Klein foi o precursor da artecontempornea. Em uma de suas foto-montagens, ele aparece saltando de cima de uma casa, prestes amergulhar na calada.
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relao com o(s) outro(s). Outrar-se12. Construir vagarosamente um espao de saberes
coletivo. Preenchendo esse lugar inicial de provocaes at que transbordasse em formas de
sensvel. Forava-me a um desnudamento. Um desnudar-se de si. Um ser intensamente
escorregadio. Um ser coletivo.
A expresso outrar-sede Fernando Pessoa traduz esse primeiro procedimento do qual
fui obrigado a lanar mo. Esse jogo potico que Pessoa faz com a palavra, que se refere ao si
diante das possibilidades de coletivizar esse si:
Em Fernando Pessoa temos o devir do eu como um outro que pode ser enunciadonuma verso radical como as formas eu poder ser tu sem deixar de ser eu porque,de sada, o eu que enuncia vrio; o significante eu e o fato de ser um eu de eus (eu
deus) constitui o prprio dilogo da heteronmia. [] O eu pretensamente centro dapersonalidade uma iluso ficcional, para ele, adquirimos uma personalidade, porhbito ou defeito existencial, pois, na verdade, o eu feito de eus, isto , eumltiplo, s por conveno e economia lingstica, concebido como eu unitrio ecoeso. (GOMES, 2005, p. 95)
Precisei despir-me e outrar-me para comear a criar. Habitar diferentes verses de
mim mesmo. Isso me despertava para uma crtica da ideia de real. Um estudante de teatro
outrado que passa a se perguntar o que o real? Posso compor com o real? Poderia eu
manipular alguma dimenso um pouco mais distante da ideia ou ideal de teatralizao no
teatro? Buscar uma forma de mostrar que a prpria vida capaz de virar arte medida quefao dela esse lugar de outrar-se? Talvez essa postura experimental diante de si mesmo seja a
tal intencionalidade que Kaprow dizia diferenciar o praticante da no -arte, que ele vai
chamar de a-artista, do artista praticante da [mais tradicional e comercializvel] arte-arte
(COHEN, 2002, p. 46).
Essa tentativa de desartificializao das artes, buscando a diluio de toda e qualquer
artificialidade que se coloca nesse espao como as oposies entre atuante e platia, vida e
arteme interessava. Mas o que poderia ser considerado esse real em uma obra teatral? Sua
qualidade de se fazer e se construir no presente, impossibilitando a diferena de tempo entre o
visto e o vivido? Entre a cena e o pblico?Quem comanda essa cena? Como fazer? Ou, como
refazer?
A cena da vida se faz, se executa: necessria, implacvel, livre de qualquer saber
prvio tanto dos atores como dos espectadores13. Um risco, assumidamente, duplo. Mas como
colocar o performer nessa situao de risco real sem prejudicar a continuidade da obra?
12Fernando Pessoa13Helga Finter: A Teatralidade e o Teatro. 2007, Revista Camarim.
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Como segurar o interesse do pblico ou como seduzi-los para esse lugar de criao onde todos
so responsveis pela obra? Como sustentar a qualidade de real dentro de uma obra teatral
sem a utilizao de estratagemas que excluiriam a possibilidade desse duplo? Seria preciso o
uso de estratgias de manuteno desse lugar medida que o risco do esvaziamento da
encenao se mostrasse com dentes pontudos.
Pela necessidade de desbravamento desse lugar do real no teatro, a obra se fez
processo. Obra-processo. Digo obra-processo, com hfen, por entender a no dissociao de
ambos como potncias criadoras e por tambm acreditar nesse procedimento como germe que
possibilita novas perspectivas para os performers envolvidos e sua audincia, formando um
conjunto de consonncias reais de experimentaes e experincias. Esse eterno lugar de
descoberta era o que me instigava a continuar.
Obra-Processo
As Lies de R.Q.
[...]Arte no tem pensa:
O olho v, a lembrana rev, e a imaginao transv. preciso transver o mundo.Isto seja:Deus deu a forma. Os artistas desformam.[...] (BARROS, 2010, p. 350)
[Cest la quate,
de Caroline Loeb.]
Quando decidi sugerir essa imagem de obra-processo com hfen a ideia era a de
reforar a proximidade entre ambos, numa co-existncia. A questo no a de fazer uma obra
do seu processo, sendo a obra uma transferncia direta da sala de ensaio para o espao cnico,
mas sim uma obra cuja dramaturgia se estrutura como processo, medida em que a
experincia do encontro com o pblico transforma o fazer durante o prprio fazer. A questo
da obra aberta, com pluralidade de significados, uma perspectiva muito refletida pelos
idealizadores de um teatro que se diz experimental medida que cria, como prope Tania
Alice, uma resistncia ao mundo globalitarista, s estticas dominantes, ao teatro de
consumo, evoluo ps-moderna (ALICE, 2010, p. 21). Resiste tambm, em alguma
medida, s normas, regras e convenes teatrais que buscam produzir uma espcie de
cardpio de pratos certos. O lugar do processo nessa obra diz respeito arte que se coloca em
um lugar de des-utilidade para produzir uma possibilidade de afetar e recriar percepes. Uma
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obra-processo, assim, cria possibilidades de Manoel de Barriar-se junto sua audincia.
Deus deu a forma. Os artistas deformam. (BARROS, 2010, p. 350)
Como ento fazer uma obra aberta ou obra-processo no teatro? Em O Tempo de umCigarro, procuramos por exemplo afirmar o espectador como parte constitutiva da cena,
possibilitando um lugar movedio de criao, horizontalizando o estar diante da obra. O
espectador tambm move a cena, no s o ator-performer. Ele tambm a cena. Essa
interveno do espectador na cena na realidade revela um procedimento formal muito forte na
cena contemporna, uma abertura fundamental que aparece em muitas experincias estticas
do sculo XX. De alguma forma, o procedimento da participao do espectador tambm se
enquadra no que Renato Cohen chamou de work in progress. Segundo Cohen:
Como trabalho, tanto no termo original quanto na traduo acumulam-se doismomentos: um, de obra acabada, como resultado, produtor; e, outro, do percurso,
processo, obra em feitura. Como processo implica interatividade, permeao; risco,este ultimo prprio de o processo no se fechar enquanto produto final. (COHEN,2006, p. 20)
O inacabado e o imprevisvel parecem qualidades que atualizam aquele estado de
iminncia que eu sentia antes de saltar e mergulhar no vazio. Atravs das ideias de obra-
processo e de work-in-process, novos processos e possibilidades se inauguram, j que os
artistas rompem com as convenes em prol de uma atitude de experimentao. O vazio que
sugeri pensar no inicio desse processo se relaciona com essa atitude: um vazio como um
lugar de criao, transformao, um lugar onde se precisa mergulhar para descobrir novas
possibilidadesinclusive novas verses de mim mesmo, implicada no que Pessoa chamou de
outrar-se.
Pensando nessa abertura/permisso de estar em processo, e visivelmente em estado de
desconforto, criamos uma estrutura teatral com O Tempo de um Cigarro em que o fator
processo vem de fora para dentro, isto , tendo a audincia como inauguradora de mudanas
na prpria obra. O pblico, portanto, como ncleo gerador de movimento; movimento como
possibilidade de trnsito; e trnsito como imitao do caos. Sendo assim, o espectador seria
um movedor/criador da cena e tambm se caracterizaria como gerador de caos, entendendo o
caos como fluxos desordenados de momentos imprevisveis:
A insero do elemento caos na cena contempornea elege o campo "irracionalista"como campo de trfego desses procedimentos que operam narrativas subliminares e
outros nveis de captao de realidade. O territrio "irracionalista", normalmenteassociado a esquerdas, assimetrias, loucura, estabelece um campo antpoda aos toposlogocntrico. (COHEN, 2013, p. 23)
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O irracionalismo em questo no estabeleceria uma cena improvisasional, no entanto.
Acredito que a questo principal dessa obra seja o que se inaugura como cena a partir da
participao ativa da audincia como elemento constituinte do jogo cnico. A qualidade deperformar programas (FABIO, 2009), diante de uma audincia, ativa essas zonas que
Cohen chama de campos irracionalistas, que por sua vez afloram, em todos que esto diante
da obra, um refluxo que corri as convenes de interpretao medida que destri, atravs
de atos instintivos, as mscaras sociais.
Esse tipo teatro-em-processo est, claro, sempre na iminncia de falhar. Segundo
Schechner em todos os tipos de performance uma certa fronteira definida cruzada. E se no
, a performance falha. (SCHECHNER, 2011, p. 217). Mas nessa proposta de processo,
falhar ruim? Se existe a possibilidade de falhar, qual o objetivo do performer diante da
cena? Em se referindo ao que chamou de teatro performativo, Josette Fral escreveu que o
objetivo do performer no absolutamente o de construir ali signos cujo sentido definido de
uma vez por todas, mas de instalar a ambiguidade das significaes, o deslocamento dos
cdigos, o deslizamento de sentido (FRAL, 2009, p. 205). Mas nO Tempo de um Cigarro
a falha no era uma possibilidade restrita ao sentido semitico. Na nossa experincia, cuja
forma dependia do envolvimento do pblico, a falha se deu em vrios lugares. Alis, nsnunca paramos de falhar. Porm, a performance continuou funcionando. Mesmo em
momentos em que o pblico no respondia e institua uma falha forma, o objetivo geral da
cena se mantinha ntegro. Com o tempo, percebemos que exaltar a falha durante a mesma,
revelando-a como falha, como erro, era uma possibilidade de exerccio nova, aonde um pacto
se estabelecia entre todos numa busca por outras possibilidades de estar/continuar juntos.
Na perspectiva do nosso trabalho, a dramaturgia processual da obra se estabeleceu
como uma espcie de ritual de palavras e fumaa. Os atores entravam em cena conduzidos
pelo programa que conduzia o objetivo central: provocar o pblico a compor a cena conosco.
O cigarro o primeiro dispositivo gerador de provocaes: algum quer fumar comigo?
Seduzidos pela cena os espectadores so conduzidos ao palco onde so bombardeados com
estmulos. Ao reagirem, continuamente deslocam a cena para um lugar novo e cheio de
possibilidades. Uma tima imagem seria a de um circo, s que s avessasos domadores de
lees geralmente conduzem-nos a saltarem, rodarem e fazerem truques j certos, mas no
nosso caso os lees so cutucados com vara curta e so extremamente desobedientes e
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podem a todo o momento devorar os domadores. Dessa tenso nasce o trabalho, que hoje eu
associo ao teatro performativo.
Teatro Performativo
[Mic Check,
de Cornelius.]
O teatro uma arte em trnsito, uma eterna descoberta de novas poticas e de formas
de criaes que possibilitam novos modos de sensibilizao da audincia e do prprio artista.
Esse trnsito reflete a forma como a arte est em dialogo constante com seu meio medida
que a sociedade transforma-se e recria-se. Na contemporaneidade, o gnero artstico das artes
cnicas que vai radicalizar o elemento de transitoriedade e efemeridade presente no teatro a
arte da performance. Peggy Phelan j anunciava que a nica vida da performanced-se no
presente (PHELAN, 1998, p. 171), portanto esse gnero ou forma artstica pura
transitoriedade.
Hoje em dia se fala muito de uma aproximao entre teatro e performance. O que se
inaugura a partir dessa possibilidade de hibridizao? Segundo Fral, a expanso da noodeperformancesublinha [...] (ou quer sublinhar) o fim de um certo teatro, do teatro dramtico
particularmente e, com ele, o fim do prprio conceito de teatro tal como praticado h algumas
dcadas. (FRAL, 2009, p. 199). Essa aproximao com a arte de performance inaugura um
novo olhar sobre a criao teatral a partir de novas possibilidades de composio. Mas o que
podemos esperar dessa imbricao e o que se deseja com essa aproximao? Para Eleonora
Fabio (2009) essa aproximao favorece de forma prtica e terica, mutuamente, as duas
linguagens, como por exemplo:
[...] a ampliao de pesquisas corporais e o investimento em pesquisa especficasobre dramaturgia do corpo; ampliao do repertrio de mtodos composicionais eo investimento em pesquisas especficas sobre dramaturgia do ator; investigaosobre dilogo entre gneros artsticos e sobre gneros hbridos; discurso deconceitos atravs de mais outro vis alm da teoria do drama e das histrias deidentidade e polticas de produo de recepo; valorizao de uma investigaoespecfica sobre dramaturgia do espectador. (FABIO, 2009, p. 241)
Assim emerge um novo campo de pesquisa: o teatro performativo. E com ele novas
possibilidades de inveno da cena teatral contempornea. Mas o que se entende como
performance? Definies no so fceis. Acredito at que sejam impossveis, pois esse gnero
escapa pelos dedos ao passo que se tenta enquadra-lo em definies fechadas. Geralmente
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quando se pretende refletir um pouco mais sobre esse gnero buscamos aproximaes,
traamos tendncias a partir do que se pode visualiza nas obras j executadas. Alguns tericos
apresentam questes bastante interessantes. Segundo Fral, se h uma arte que se beneficiou
das aquisies da performance, certamente o teatro, dado que ele adotou alguns dos
elementos fundadores que abalaram o gnero (FRAL, 2009, p. 198). Esse abalo provocado
pela performance talvez tenha sido gerado pela sua caracterstica de fronteira (COHEN,
2002, p. 27). Para Cohen, esse estar entre linguagens possibilita uma nova percepo da
cena. Novos elementos passam a despertar provocaes sobre a cena como, por exemplo, o
ator que se transforma em performer, no interpretando um personagem, mas emprestando
seu corpo como um danante ou um sacerdote da cena, para o acontecimento teatral.
Grotowski clarifica: "o performer, com maisculo, o homem de ao. No ohomem que faz o papel do outro. o danante, o sacerdote, o guerreiro: est forados gneros estticos (...) O performer no deve desenvolver um organismo-massa,organismo de msculos, atltico, mas um organismo canal atravs do qual as forascirculam (FRAL, 2009, p. 241)
Alm dos novos regimes de atuao para quem est em cena, reflexes sobre a
importncia do espectador tambm se tornam um dos focos da cena performativa. V-se nas
relaes com o espectador uma possibilidade de reinveno. Ele ganha mais notoriedade
dentro de algumas criaes performativas ao passo que intervm diretamente sobre ela,recriando-a durante sua execuo. Ele fala, toca, modifica, intervm nos programas, na
dramaturgia. um novo performer. Segundo Fral, a negao da mmese tambm se torna
uma questo marcante do teatro performativo. H um deslocamento da dramaturgia, que antes
era focada no texto e que agora diluda em todos os elementos. Para Fral, todas essas
mudanas sugerem um jogo de desconstruo que busca outras possibilidades de criao:
Essa desconstruo passa por um jogo com os signos que se tornam instveis,
fluidos forando o olhar do espectador a se adaptar incessantemente, a migrar deuma referncia outra, de um sistema de representao a outro, inscrevendo semprea cena no ldico e tentando por a escapar da representao mimtica. O performerinstala a ambigidade de significaes, o deslocamento dos cdigos, os deslizes desentido. Trata-se, portanto, de desconstruir. (FRAL, 2009, p. 203)
Nesse tipo de teatro o performer geralmente busca um engajamento total com a obra.
Por exemplo, com a diminuio do artifcio na cena o performer busca causar uma distoro
na percepo de sua audincia buscando estabelecer um jogo entre o que est sendo
representado e o que realidade. Para isso ele precisa mais do que uma pulso de energia, ou
de um bom preparo fsico e vocal, ou de um bom desenho de cena. Ele precisa se preparar
para doar-se por inteiro e encenar a sua prpria subjetividade. Fral fala que essa entrega:
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consiste no engajamento total do artista colocando em cena o desgaste quecaracteriza suas aes (Nadj, Fabre). No se trata necessariamente de umaintensidade energtica do corpo no modelo grotowskiano, mas de um investimento
de si mesmo pelo artista. Os textos evocam a vivacidade (liveness) dosperformers, de uma presena fortemente afirmada que pode ir at uma situao derisco real e implica em um gosto pelo risco (FRAL, 2009, p. 207)
Percebo claramente alguns desses aspectos em composies contemporneas de
grupos brasileiros e estrangeiros. Eleonora Fabio por exemplo cita o Teatro da Vertigemde
So Paulo, que traz como marcas:
a criao de uma cena hbrida onde elementos fictcios e no-fictcios sojustapostos e um curto-circuito representacional ativado; a fora polticadeslanchada por tal operao; a ocupao de espaos extracnicos (para que
possam circular outras dinmicas relacionais); a ampliao de caractersticasparticulares (em busca de uma dramaturgia pessoal); a valorizao da experincia eda experimentao psicofsica atravs dos mtodos criativos utilizados; avalorizao do ator-dramaturgo e do artista-etngrafo. (FABIO, 2009, p. 242)
Mas ao longo da minha experincia na graduao e trabalhando em Fortaleza, poderia
tambm citar outros grupos de teatro que adotam procedimentos similares: a Cia P, o
EnFoco, o C.E.M., o No Barraco da Constncia Tm!, o Coletivo Soul, entre outros.
inegvel que esse campo de pesquisa cnica vem ganhando espao nas discurses atuais.
Acredito que esse espao vem sendo conquistado pela presena de vrios grupos produzindo edesenvolvendo pesquisas aprofundadas sobre questes relacionadas com a
expanso/hibridizao das possibilidades de criao, todos fortemente estimulados pelos
movimentos artsticos inaugurados na segunda metade do sc. XX, com os happenings, a
body art, a performance art. Hoje, os artistas de teatro passam a experienciar suas obras de
outras maneiras e tambm a questionarem modelos que parecem, para alguns, no fazer mais
sentido diante da sociedade que os circunda. De modo geral, percebo que h nessas pesuisas
um investimento na des-ficcionalizao, isto , um investimento numa dramaturgia do real. Oatravessamento do real na cena teatral uma marca tambm da gnese de O Tempo de um
Cigarro.
O que faz (ser) real?
[Count Five or Six,
de Cornelius.]
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Durante as apresentaes de O Tempo de um Cigarromencionava alguns depoimentos
que habitaram a cena. Abaixo citarei alguns, mas apenas um deles REAL. Qual?
1. Roubei dinheiro, mais de uma vez, de um amigo prximo;
2. J bati em uma mulher, por dio e amor;
3. Quando criana eu fui assediado por um professor;
4. Relacionei-me com uma mulher casada por curiosidade;
5. Cheguei a segurar uma faca para matar algum;
6. S consigo me masturbar vendo filmes porns bem diferentes na internet.
(O leitor gostaria de arriscar algum?)
Para mim, todos de alguma forma so possveis. Por que no? Quem nunca roubou algo?
Chocolate, por exemplo?! Um beijo. Quem nunca agrediu algum por amor? Curiosidade,
quem nunca teve? Ou vontade de matar por vingana, raiva ou at amor? Existem tantasformas de sentir prazer, por que a minha no poderia ser essa? Caso todos fossem reais eu
seria apenas um criminoso e/ou mau carter? E se todos fossem irreais seria eu apenas um
mentiroso? E se de fato apenas um fosse real, qual seria? E se caso todos tivessem um pouco
de real e irreal?
Essa questo sobre o que real me intriga bastante. Fico tentando elaborar essa
questo o tempo inteiro e pareo no chegar a lugar algum. Sim, essa questo demandaria, a
meu ver, uma base filosfica recheada de questes profundas e densas. O que no quero nemposso fazer aqui. O que quero apenas levantar ideias sobre o real no teatro que informam
a dramaturgia dessa obra e, tambm, gerar um possvel dialogo entre a questo do real e
esta escrita.
Assim, o que a terica da performance Peggy Phelan afirma que A performance
aproxima-se do Real ao resistir reduo metafrica de dois em um. Mas, ao distanciar-se dos
objetivos da metfora, reproduo e prazer, para se aproximar daqueles da metonmia,
deslocamento e dor, aperformancemarca o corpo em si mesmo como perda. (1998, p.179).
No toa, grande parte das obras de performance que trabalham com a operao da
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metonmia, implicam em aes fisicamente dolorosas para o performer. Quando Phelan trs
essa reflexo sobre a metonmia contestando o lugar da metfora, me parece sugerir uma
questo que dialoga diretamente com o contexto das encenaes contemporneas: realidade
(metonmia) e/ou teatralidade (metfora) presentes na cena produzindo diferentes nuances e
qualidades de presena. Estas presenas no teatro performativo nem sempre so prazerosas,
mas sim dotadas de dor e de risco. Isto me faz lembrar a oposio entre o ator corteso e
ator santo anunciado pelo teatro laboratrio de Jerzy Grotowski:
A diferena entre o ator corteso e o ator santo a mesma que h entre a perciade uma cortes e a atitude de dar e receber que existe no verdadeiro amor: em outras
palavras, auto-sacrifcio. O fato essencial no segundo caso a possibilidade deeliminar qualquer elemento perturbador, a fim de poder superar todo limite
convencional. No primeiro caso, trata-se do problema da existncia do corpo, nooutro. A tcnica do ator santo uma tcnica indutiva (isto , uma tcnica deeliminao), enquanto a do ator corteso uma tcnica dedutiva (isto , umacmulo de habilidades). (GROTOWSKI, 1992, p. 30)
A metfora14parece faz parte do exerccio prtico do ator corteso, enquanto a
metonmia15parece definir o ator santo. Na classificao de Grotowski, o ator santo, ao
eliminar as convenes de representao mimtica entre ele o a personagem, elimina tambm
as fronteiras entre arte e vida, ou seja, entre representao e real. Logo, a operao
metonmica nos faz pensar na possibilidade de cena-no-cena ou de teatro-no-
representacional16 vislumbrado pelo francs e visionrio Antonin Artaud. Para Artaud, o
teatro, a exemplo da peste, deveria provocar no corpo reaes instantneas, fortes e
verdadeiras. O ator opera um ato de crueldade medida que ele se aproxima da peste e a
expe como parte fundante dele prprio.
Ento j que o teatro como a peste, no por ser contagioso, mas porque, como a
peste, ele a revelao, a afirmao, a exteriorizao de um fundo de crueldade latente
atravs do qual se localizam num indivduo ou num povo todas as possibilidades perversas doesprito (ARTAUD, 2006, p. 27), ento ele revelaria a potncia da vida como provocadora de
tenses reais, imediatassem deixar de ser teatro. Diferente da mediao teatral que causaria
essa tenso atravs da metfora da vida, ou seja, da representao do real, tanto o ator
santo de Grotowski quanto o ator empesteado de Artaud oferecem possibilidades muito
valiosas de se pensar uma dramaturgia do real na cena teatral.
14Entendendo-a como uma ao de emprstimo do corpo, e este como ferramenta do ser, para apropriao
de outro (personagem) diante de uma audincia que dialoga com o reconhecimento daquela ao.15 Entendendo-a como uma co-extenso da singularidade do eu na personagem em prol de uma obra que
busque trocar qualidades de afetos.16Termos propostos por Eleonora Fabio, 2009.
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Mas quando afirmamos a presena do real dentro de uma obra teatral o que estamos
realmente apontando? Algo que foge das regras da teatralizao (questo formal)? uma
tentativa de representar o real ou de criar outras realidades (questo conceitual)? Mas o real
continua real dentro de uma obra teatral? Existem possibilidades de controle? O teatro do
real seria uma esttica/conceito teatral que busca um choque e/ou uma tenso entre as
normas/cnones teatrais e os atos experimentais da arte enquanto ritual?
Esses questionamentos me levaram a pesquisar a live art, que nada mais que a arte
ao vivo e tambm a arte viva. uma forma de fazer arte numa aproximao direta com a vida,
em que se estimula o espontneo, o natural, em detrimento do elaborado, do ensaiado
(COHEN, Renato. 2002 p. 38). Pode aperformancenos ajudar a entender essa invaso do real
na cena teatral contempornea?
Durante o processo de criao de O Tempo de um Cigarro, eu e a atriz Wldia
Torres17 passvamos por um grande problema fsico e financeiro: parar ou no parar de
fumar? Conseguiramos? Essa era nossa grande questo. Fsica por ser algo que influenciava
diretamente nossa sade e financeira por conta do preo de cada carteira multiplicada pela
quantidade delas por semana/ms. Decidimos parar. Antes da primeira apresentao eu j
estava h semanas sem fumar. Estava extremamente ansioso e mal humorado. Em casa, natentativa de finalizar a apresentao de logo mais, me veio uma questo: como reagiria o
corpo de um ex-fumante ao se deparar com a possibilidade de fumar? Qual a sensao do
primeiro trago? O corpo reagiria a favor ou contra? Como ficaria a voz? Seria a necessidade
de colocar o real em cena apenas uma estratgia do corpo de me induzir a voltar a fumar?
Logo, estava eu no posto comprando uma carteira de cigarros. Pensei em vrias estratgias de
cenas para justificar a presena dessas questes. Todas, de alguma forma, se chocavam com
convenes de um teatro que dizia: no pode! Mas por que no pode? J que eu estou mecolocando em risco, por que tambm no arriscar no fazer teatral?
Lembrei-me de vrios momentos em que o cigarro se fez um grande companheiro para
preencher a solido. E, para mim, estar s perceber a grandeza do tempo18. O tempo tem que
estar presente. O no visto tem que ser visto, vivido. O cotidiano tambm uma potica.
Deve-se perceber o belo do cotidiano para degustar a vida. Estava agora com um cigarro
17Atriz, performer e pesquisadora do Grupo Panelinha de Teatro.18http://dyegostefann.blogspot.com.br/2010/10/futil.htmlLeia para entender um pouco mais.
http://dyegostefann.blogspot.com.br/2010/10/futil.htmlhttp://dyegostefann.blogspot.com.br/2010/10/futil.htmlhttp://dyegostefann.blogspot.com.br/2010/10/futil.htmlhttp://dyegostefann.blogspot.com.br/2010/10/futil.html -
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aceso na mo. Apago antes do primeiro trago! Ser o cigarro a droga que me desperta para ver
a vida? Ser que apenas eu sou assim? Devo contar esse segredo?
Pesquisar uma forma teatral de abordar essas questes banais ou pessoaisimpulsionou o processo de criao. Essa obra parecia ser to eu, ns, que passava a nos
assustar.19. Mas justamente aqui que justifico meu interesse pelo real nesse processo,
como estratgia difcil de criao, que inclui o risco da pieguice e do narcisismo, mas tambm
o risco de uma nova relao afetiva com o pblico. Uma tentativa de expor o que de real no
ator sem esconder-se atrs de uma forma forjada, teatralizada ou representacional. Assim
surgiram as primeira ideias que vinham a se transformar na performance O Tempo de um
Cigarro: numa crise de ex-fumante que voltou a fumar.
O processo de criao comeou com um problema pessoal, mas aos poucos fui
percebendo que falar de mim no era suficiente. Era preciso estender esse espao da fabulao
de si tambm ao pblico. Essa exposio da intimidade causava sempre uma mistura de
sensaes e desconfortos que, penso eu, potencializaria a obra medida que permitisse
plateia uma possibilidade de tambm experimentar esse lugar a partir de um convite feito por
mim: quem quiser acender o seu cigarro fique a vontade. isso. Dizer sim para o cigarro
dizer sim para possibilidade de ser o que se quer ser dentro dessa obra. A partir danegociao e da criao de corpo aqui e agora (FABIO, 2009, p. 245). Essa seria a
potncia presente nessa cena: a possibilidade do pblico de experimentar o seu real atravs
do dialogo com o teatro.
Dispositivos Mveis de Criao
[Magoo Opening,de Cornelius.]
Quando iniciamos as primeiras investidas desta pesquisa encontramos algo
interessante no que Eleonora Fabio chama de programas ou programas performativos. Na
perspectiva de Fabio, performar programas fundamentalmente diferente de lanar-se em
jogos improvisacionais (FABIO, 2009, p. 237). Eu j comentei acima que O Tempo de
19
Algo que me fazia lembrar o movimento de Dana Desabafo, da coregrafa Silvia Moura. Percebo na DanaDesabafo de Silvia Moura a questo do real. Ela dana sua histri a, suas inquietaes, suas propostas e seupensamento. Pessoalmente, quando a vejo danando, sinto conhece-la um pouco mais. como se, nessadana, existisse a fora do corpo como meio de conexo com suas pessoalidades.
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sustento cena. Como j mencionei antes, o objetivo deste esquete era possibilitar uma
experimentao em fluxo de si, do outro, num regime mais assentado na realidade dos atores e
espectadores que ali estavam do que na mmese de uma histria previamente escrita. O
programa de ao que servia de base teria de ser um programa composto de alguns
dispositivos catalisadores de ao, portanto.
Ento, como fazer do trabalho algo que contemple essa ideia de real, buscando cria-lo
a partir de um local movedio de partilha entre ns e o pblico? Seria possvel fazer isso sem
forar uma imagem teatralizada? Afinal chegamos a um mtodo que seria composto de
dispositivos de aes decididos previamente, mas que sofreriam uma alterao a partir da
influncia do pblico sobre a cena. Chamamos esses dispositivos de dispositivos mveis de
criao. A imagem que tnhamos era a de um aparelho ou um boto de disparo contendouma espcie de dimmerpara controlar o fluxo de ampliao do dispositivo sobre a cena a
partir do que seria movido pelos atores, porm eles seriam mveis durante o espetculo para
se adaptarem s necessidades das cenas, possibilitando assim essa liberdade de criao que
seria compartilhado por todos. Tentarei dar um exemplo para facilitar o entendimento.
Decidimos iniciar o esquete com um monlogo teatral, no sentido tradicional, e intervir nesse
monlogo com alguns dispositivos dentro da cena. O performer se apresenta:
Boa noite! Meu nome Dyego. Dyego Stefann. Dyego com Y e Stefann: S-T-E-F-A-N-N. Com 2 ns no final. por que nome de pobre assim mesmo, tem que terum Y ou um H onde no existe. Duas letras juntas: NN, TT... Um W. Eu tenho tudoisso ai... Bem tenho X anos. Nasci no dia 22 do 4 de 1990. Sou Taurino. Tem algumTaurino na plateia hoje? (dilogo direto com o pblico) Bem, por ser Taurino eu soucabea dura, mas sou super p no cho. Sou ciumento, possessivo... Mas cozinhosuper bem! Tenho uma namorada que odeia quando a carne fica entre os dentes e elano consegue tirar com a lngua e tenho um amigo que odeia janelas pequenas. Semmais delongas (repete todo o texto o mais rpido que puder tentando lembrar cada
pausa) Bem, na verdade nada disso tem a ver com o trabalho, mas eu preferi meapresentar agora para vocs saberem um pouco mais de mim. Na verdade eu fiz essetrabalho por que eu sempre tive uma vontade muito grande de fumar em cena, mas
eu nunca consegui. Hoje eu vou. (tirando um mao de cigarros do bolso) Mas no apenas pelo motivo de fumar em cena. Existe tambm o fator esttico da obra, porque afinal fumar em cena sempre muito elegante. E quem quiser fumar tambmfique a vontade, mas eu s penso uma coisa: FUME CNICAMENTE!.
Durante o texto a atriz Wldia Torres escolheria onde acionar os seguintes dispositivos
iniciais:
1. Entrar em cena com um par de patins. Solt-los no cho (fazendo barulho).Coloc-los. Andar com eles pelo palco;2. Dar massagem em algum;
3.
Surpreender o parceiro de cena com um programa novo;4. Oferecer caf para o pblico. (deixar no palco para que eles viessem at olocal se servir);5. Arremessar carteiras de cigarro em cima do outro ator;
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6. Falar uma frase aleatria das coxias.
A partir da escolha em tempo real dos dispositivos, tudo se modifica. O pblico que
convidado para o palco se mobiliza para responder a esses dispositivos fazendo com que toda
a cena se transforme e gere novas possibilidades de materializao. como um jogo de
tabuleiro onde os jogadores percorrem um caminho certo, mas podem voltar duas casas ou
ganhar o jogo a depender de cada movimento. Dessa forma tornam-se parte do jogo e da cena,
induzindo muitas vezes, o momento de ligar novamente as turbinas de energia e tambm de
lanar em cena novos dispositivos e novas provocaes. Como proposto por Gusmo (2007),
o espectador torna-se o elo que possibilita que as vrias funes da obra se articulem e se
realizem. (GUSMO, 2007, p. 140). Ento, sem a participao ativa dele sobre a cena nada
se desenvolveria.
Para a criao de cada ao mencionada anteriormente a ideia inicial era a de
contrapor formas e cnones estabelecidos do fazer teatral para evidenciar possibilidades de
criaes que escapam das regras gramaticais da cena. Buscvamos correr pelas lacunas, gerar
fagulhas desconhecidas e provocar a criao de um espao coletivo onde todos fossem parte
desse mesmo fenmeno tentando excluir essa dicotomia entre atuante e audincia. Esse era
nosso objetivo inicial.
Levando em considerao essa pequena reviso bibliogrfica que apresentei sobre a
relao entre teatro e performance, da ideia de obra-processo e de teatro performativo, hoje
entendo que a criao dos dispositivos mveis de criao como base dramatrgica do
esquete O Tempo de um Cigarro sintetiza um pouco uma juno dos interesses tericos que
me acompanhavam. Eram esses dispositivos a forma ou mtodo que achamos para investigar
essa aproximao do real com a representao, e da performance com o teatro. Logo mais, a
seguir, vou apresentar um memorial das diferentes apresentaes desse esquete, e comentarcomo esse mtodo ou dramaturgia se desenrolou no encontro com a plateia.
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FUTIL (um poema a der iva)20
Sinto que poderia escrever todo um livro.
Um livro onde dissertaria sobre tudo ao meu redor.Provavelmente falaria sobre solido, olhares, momentos, energias, incertezas, medos, amores e
desejos...
No!
No, mesmo!
No vou escrever um livro.
(...)
At por que, uma pessoa que no esteja na mesma sintonia no entender nada.
(...)
Hoje o cu est lindo.
Celestemente Azulado.
Apenas uma nuvem.
Nossa! Ela tem formato de corao.
(...)
Eu admirando o cu e pessoas conversando do meu lado sobre sapatos e calas.
(O vento parece abraar-me)
Amaciante. Alvejante. Sabo...
Bota s as velhas pra lavar na mquina.
Mags
(...)
H um vazio por perto.
To vazio que se torna translcido.
Dois vazios.
No, so trs. Esqueci de contar com os meus bolsos.
(...)
20http://dyegostefann.blogspot.com.br/2010/10/futil.html
http://dyegostefann.blogspot.com.br/2010/10/futil.htmlhttp://dyegostefann.blogspot.com.br/2010/10/futil.htmlhttp://dyegostefann.blogspot.com.br/2010/10/futil.htmlhttp://dyegostefann.blogspot.com.br/2010/10/futil.html -
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Deu uma vontade de mandar algum se fuder.
Acho que por que est no final da folha...* Acabou a folha *
No gosto de fins de folhas.
(...)
Quero falar agora sobre olhares.
Um olhar que eu no queria mais ver...
Quero. Gosto dessa perdio, tentao, teso. Opa. Acabaram os cedilhas.
No, agora parei.
(...)
Um, dois, trs....
Gotas caem. Gotas caem. Gotas caem.
Que cho glido.
Paraleleppedos verticais e horizontais.
De dois em dois.
(...)
Aquele poste parece uma chamin.
Que bizarro.
(...)
Celular tocando. o meu.
Uma amiga liga para contar as novidades. Dar notcias.
Deus vai lhe ajudar.
(...)
Fim de tarde...
J j eu volto e continuo.
NO VOLTEI.
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CAPITULO 2CRITICAR-SE
Arquivar
[Teach me tonight,
de Dinah Washington.]
Segundo Cecilia Salles, a crtica precisa, permanentemente, criar novas ferramentas
capazes de compreender as provocaes artsticas contemporneas que se reinventam
medida que os processo e pesquisas se aprofundam, e que a arte contempornea coloca
desafios mutantes para a crtica de arte que podem, em muitos casos, representar a falncia de
seus modelos de anlise (SALLES, 2005, p. 750). Nesse captulo, o objetivo apresentar
uma crtica do processo de criao do Tempo de um Cigarro. Acredito ou espero que essa
escolha ajude a aumentar o debate sobre as obras de artes cnicas contemporneas, para alm
dos modelos de anlise usados para refletir sobre outros modelos de teatro, como o moderno,
por exemplo. Penso ser saudvel assumir novas posturas diante das produes
contemporneas por se tratarem de experincias que buscam deslocar conceitos e modelos na
produo e na anlise de criao e apresentao das obras.
O que se segue uma espcie de arquivo das nossas apresentaes. O debate sobre os
arquivos de obras se faz necessrio no contexto contemporneo pela importncia que se
passou a dar para o percurso de criao de uma obra. Ao pensar nesses documentos, que
armazenam informaes sobre as transformaes de uma obra que est em processo de
experimentao, se entende a importncia desse rastro de erros e acertos do percurso. O
artista est (sempre) em processo e buscando algo que ainda no alcanou. Um processo de
pesquisa(o).
Essa questo me faz refletir sobre a aproximao do conceito de arquivo com o
conceito de memria, sendo esta um conceito pessoal e subjetivo do artista que tenta arquivar
em si mesmo momentos efmeros de sua criatividade. O arquivo parece ser o oposto do
efmero, aquilo que criado para fazer permanecer. Mas ao mesmo tempo, a concretude da
memria em forma de escrita/arquivo possibilita a anlise do prprio percurso do artista e das
obras que cria. No que tange essa escrita, eu mergulhei em mim mesmo para entender como
alguns processos se deram na minha forma de criar e depois apresentar para uma audincia.
Essa escrita-arquivo assemelha-se ao caderno de anotaes do artista contemporneo,
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conformo o define Ceclia Salles. Os cadernos de anotao guardam, muitas vezes, as
selees feitas pela percepo, ou seja, o modo como o artista apreende e apropria-se da
realidade que o envolve. (SALLES, 2005, p. 757). Muitas vezes esse retorno ao caderno de
processos to intenso que o prprio se torna obra.
(...) experimentao, deixando transparecer a natureza indutiva da criao. Nessemomento de concretizao da obra, hipteses de naturezas diversas so levantadas etestadas. So documentos privados responsveis pelo desenvolvimento da obra. So
possibilidades de obras. (...) Mais uma vez, a experimentao comum, assingularidades surgem nos princpios que direcionam as opes. (SALLES, 2005, p.751)
Ser que meu arquivo ser bem sucedido ao ponto de virar uma outra obra? Bem, o
leitor poder tirar suas prprias concluses. Olhando para trs, percebo que j tentamos
concretizar essa ideia de arquivo numa ocasio antes do processo de criao que estou
analisando aqui, quando criamos uma cena experimental chamada Fluxos/Experimentos
Criativos. O mote inicial dessa cena era o de produzir um quadro a partir de impulsos de
criao. A audincia foi convidada a participar dessa criao e o resultado foi um objeto
visual que demonstrava o ato criativo.
(Foto/Arquivo de apresentao)
Entendo uma pea de teatro acabada como um objeto visual desses: um conjunto de
escolhas que so remodeladas para produzirem um desenho/grfico do que surgiu no
processo. Muitas vezes essas decises/escolhas so usadas para adequao da obra em funo
do espao de apresentao e outras vezes sofrem por serem dependentes de presses de
dinheiro, espao e/ou tempo. (LOPES & BERNARDINO, 2011, p. 101). Ento o que vira
obra nem sempre o desejo ideal do artista. Alguns processos se mantm no ambiente
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marcado pelo inacabamento e interaes, aparecem como um sistema aberto que exibe
tendncias, como a construo e satisfao de um projeto potico (SALLES, 2007, p. 127).
Como venho escrevendo, na busca por esse projeto potico de um teatro do real,interativo, performativo, cuja autoria partilhada com o espectador, surgiu O Tempo de um
Cigarro. Nas pginas a seguir realizarei, durante o processo de escrita e anlise das 10
apresentaes, uma ponte entre os conceitos apresentados no captulo anterior e os arquivos
da obra. Conceitos que surgem das necessidades e dos desafios que se manifestaram a cada
apresentao e que aqui sero comentados.
1 - Ator Performer
Ator o que?
Foi como exerccio de concluso da disciplina Ator Performer no curso de
Licenciatura em Teatro do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Cear
IFCE, que O Tempo de um Cigarro foi apresentado para o pblico pela primeira vez. Esse
pblico era formado por alunos desta e outras disciplinas do IFCE. Esse trabalho no nasce
exatamente a partir dessa disciplina, mas apropria-se de algumas questes que me
desagradavam bastante enquanto aluno que estuda em um curso de graduao em teatro. Para
comear, no tnhamos professor nessa disciplina. Onde estava nosso professor? Onde
estavam as condies para a execuo de uma aula de corpo?
Dentro dessa disciplina, dada falta do professor, tivemos alguns instrutores, que
eram ex-alunos, que vieram nos auxiliar na tentativa de criarmos o nosso prprio plano
pedaggico. Todas as aulas foram muito bem recebidas e apreciadas por todos, mas em mim
criava-se um desconforto em ter que produzir as condies para o nosso prprio ensino. Fora
o espao fsico que era inadequado para nossa prtica dos exerccios propostos. Tnhamos que
falar baixo, por exemplo, para no atrapalhar a aula que acontecia no espao de cima por
conta de um erro arquitetnico um vo que unia acusticamente as duas salas e que servia,
tambm, para o envio de papis com frases como Silncio!!!, Vocs esto nos
atrapalhando!, Queremos ter aula, pode?!. Mas ns tambm queramos ter aula. E a?!
Como fazer?! Como tudo estava muito complicado propomos que as aulas parassem para
possibilitar a criao de alguns trabalhos de finalizao daquela disciplina. Dividimos a turma
em 3 trabalhos. Eu preferi ficar s.
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Tentei pensar em alguma coisa legal para apresentar, mas nada vinha. Nesse mesmo
perodo eu estava trabalhando em conjunto com Evan Teixeira, Paulo Soares e Wldia Torres
em um processo nosso. Muitos textos, filmes e msicas serviam de referncia para aquela
criao. Foi ento que me deparei com Provocaes! Sim. O ator e diretor Antnio
Abujamra interpretando um texto do grande Mrio de Andrade.
Contei meus anos e descobri que tenho menos tempo para viver daqui para frente doque j vivi at agora. Tenho muito mais passado do que futuro. Ento, j no tenhotempo para lidar com mediocridades. No quero reunies em que desfilam egosinflamados. Inquieto- me com invejosos cobiando o lugar de quem eles admiram.J no tenho tempo para conversas inteis sobre vidas alheias que nem fazem parteda minha. J no tenho tempo para administrar melindres de pessoas idosas, masainda imaturas. Detesto pessoas que no debatem contedos, mas apenas rtulos!...Quero viver ao lado de gente que sabe rir de seus tropeos, no se encanta com
triunfos, no se considera eleita antes da hora, no foge de sua mortalidade. Querocaminhar perto de coisas e pessoas de verdade. Apenas o essencial faz a vida valer a
pena. E para mim, basta o essencial!21
Diante desse texto a minha cabea comeou a criar imagens. Desenvolvi uma pequena
cena experimental e chamei, dias antes da apresentao, Wldia Torres para a sala de ensaio e
mostrei o que havia preparado. Um homem sentado em uma cadeira fumando. A cena duraria
o exato tempo de um cigarro. E quanto tempo dura um cigarro? Esse tempo sempre o
mesmo? Esse era o mote inicial para a cena. Durante a combusto desse cigarro outras vrias
coisas aconteciam, mas nada ligado diretamente ao cigarro. O cigarro era apenas um marcador
de tempo, um relgio, um cronometro. Em cena existia um cabide, uma cadeira e alguns
brinquedos luminosos. E tambm confetes. O texto era dito enquanto o cigarro queimava.
Partituras corporais eram danadas entre cada trago. Existia uma relao direta com o tempo,
mas no com o ato de fumar. Depois que apresentei para ela o que havia preparado
conversamos um pouco e percebemos que talvez no fosse por a. A conversa sempre voltava
para o ponto inicial: o desconforto como a disciplina foi realidade. Ser que a questo seria
essa? Se fosse apresentada daquela forma, certamente demostraria toda a fragilidade de umadisciplina cursada sem professor, sem orientador. Mas o que fazer?
Somou-se a isso o fim/pausa do projeto piloto que estvamos trabalhando. Com essa
pausa do projeto inicial, pensei em beber um pouco mais das descobertas desse processo.
Vrias imagens que estavam na minha cabea, inquietaes e vontades foram, como um grito,
expurgadas de mim. Algo feito de forma rpida, sem muita conscincia. Quase que de um dia
para o outro, mas com a consistncia de vrios meses de ensaios, reflexes e referncias que
transbordavam do meu corpo e queria ganhar forma.
21Programa Provocaes n 582:https://www.youtube.com/watch?v=62PBhLFTcuM#t=54
https://www.youtube.com/watch?v=62PBhLFTcuM#t=54https://www.youtube.com/watch?v=62PBhLFTcuM#t=54https://www.youtube.com/watch?v=62PBhLFTcuM#t=54https://www.youtube.com/watch?v=62PBhLFTcuM#t=54 -
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Esse foi, de fato, o primeiro momento que senti, no corpo, uma sensao de estar
diante da potncia do vazio com a qual iniciei essa monografia. Essa sensao era latente em
mim e foi ela que induziu todo o novo processo de criao. Ali comeou de fato o trabalho:
descobrindo-me no vazio. Assim o mote do trabalho se transformou. Agora a ideia era causar
desconforto. Desconforto que eu senti ao fazer aquela disciplina sem professor, naquela sala
com ar condicionado sem controle de temperatura, daquele cho sujo, dos erros
arquitetnicos. Desconforto pelo que julgava um desrespeito aos alunos desta instituio,
deste curso. As faltas que empobreciam as possibilidades de ensino. A ideia era dar tudo isso
de volta. Devolver para as pessoas aquele desconforto ocultado por um grande sorriso.
Hipocrisia total! Talvez colocar tudo isso em uma lente de aumento e perguntar: Ento, vocs
esto tranquilos com tudo isso?
Ento nos lanamos dentro dessa atmosfera de desconfortos com a proposta de gerar
outros. Nos preparamos para executar um programa de aes, j elaboradas anteriormente, e
nos moldar aos acontecimentos daquele momento, sabendo que toda ao possui uma reao
de mesma fora em sentido oposto. fsica. Indo ao encontro desse lugar de desconforto, mas
querendo experimentar, mais do que isto, o que s aquele momento poderia nos proporcionar.
A primeira apresentao portanto foi pura provocao: manifestando-me insatisfeito,
provoquei o pblico. A busca de interao foi moldada pelo ataque.
Porm, durante a apresentao, as pessoas riam, colocavam panos no nariz, abanavam-
se, mas no saam da sala. Aquilo me provocou de volta: por qu ningum se sentiu atacado?
Parecia existir algo mais interessante do que o desconforto na apresentao. Sentindo isso,
essa receptividade, empurrei mais o p no acelerador. Ali, sem muito planejar, o pblico virou
obra, a obra processo e o espao lugar de jogo. Com isso percebemos o quanto poderamos ir
mais e mais fundo nesse dispositivo de agregar o pblico. E fomos. Experimentando.Vivemos e criamos algo que s depois iramos entender um pouco melhor.
Essa apresentao foi uma surpresa para ns. Esse lugar de vazio e de desconforto nos
aproximou do que queramos fazer enquanto arte. No sei bem se teatro, dana, performance
ou o que . Mas com certeza para mim era interessante.
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Foto/Arquivo de apresentao (Sala de aula no IFCE)
2 - Mostra de Teatro IFCE
Ento natal...
Nessa segunda apresentao, o corpo tremia. Uma sensao de medo surgia em mim.
Medo de que? Talvez de que no aparecesse ningum ou de que aparecessem pouqussimas
pessoas. De dar tudo errado. No sei. Medo de ter pessoas ali que, por algum motivo,
quisessem prejudicar o trabalho por j saberem do que se tratava a proposta. Ser quefuncionaria novamente para o mesmo pblico? Ser que eu conseguiria repetir? Fiquei um
pouco nervoso com isso e tambm pela presena do Paulo Soares na plateia. Esse desconforto
nos impulsionou a pensar em mudanas para a obra. No por desacreditar no que fizemos,
mas para tentar surpreend-los, principalmente aqueles que j tinham visto. Para isso
buscamos pensar em modificaes que tivessem relaes diretas com o que acontecia dentro
da instituio, em Fortaleza e no Brasil. Buscar outros desconfortos reais, do dia a dia, da vida
fora dos palcos. Trazer para a cena, novamente, o risco do incerto, do novo, da
experimentao. Tanto para ns quanto para o pblico. Mas para que gastar mais energia?
No seria melhor fugir dos problemas? Quando se pensa emperformance, talvez no! Talvez
a questo seja exatamente o contrrio ou apenas outra. Talvez seja necessrio pr-se
eternamente em risco para dar vida a algo sem regras, sem forma. Algo que pulsa de dentro
para fora. Andar pela contramo. Na beira.
Dias antes da apresentao eu entrei em contato com um texto incrvel que relacionava
o teatro com a performance art. O texto se chama Performance e Teatro Poticas epolticas da cena contemporneada pesquisadora Eleonora Fabio. Antes de terminar de l-lo
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a minha cabea j comeava a dar um n, mas muitas coisas comeavam a fazer sentido.
Principalmente essa questo de pr-se em risco. Mas que tipo de risco seria esse? fsico?
Psicolgico? Do novo? Do incerto? Bem, acredito que a palavra risco venha como uma
metfora que tenta adjetivar uma caracterstica desse gnero que sempre ser difcil de
balancear: sua condio anrquica diante do entendimento que se tem sobre arte. Mas no
pense que se trata de pura anarquia desmedida. Em relao a isso, uma citao em especial me
marcou.
Fcil seria dizer que se tratam de operaes adolescentemente provocativaspromovidas por um punhado de sadomasoquistas e/ou idiossincrticos para chocar osenso-comum (que aturdido perguntasse o que isso? para qu isso? afinal,o que eles querem dizer com isso? isso arte?). Porm, no h nada de fcil em
lidar com a potncia cultural dessas presenas, verdadeiras fantasmagoriasassombrando noes clssicas ou tradicionais de arte, comunicao, dramaturgia,corpo e cena. (FABIO, 2009, p. 237)
Bem, acredito que quando um artista busca esse risco ele busca, na verdade, ouvir a
pulso da obra que aponta e conduz os caminhos a serem seguidos, sejam eles prximos de
atos sadomasoquistas ou absurdamente enlouquecidos. O artista vira um veculo de
manifestao da obra, mas no como personagem, pois ele assume o risco de encarar o
acontecimento com seus prprios medos. Outra imagem interessante que Fabio nos prope
sobre esse risco a de que um performer no apenas coloca propositalmente pedras em seu
sapato, mas usa sapatos de pedra para que outros fluxos e outras maneiras de percepo e
relao possam circular (2009, p. 243). Portanto, qual seria o risco de mudar o programa a
ser executado sem mudar o objetivo central desta obra?
Essa segunda apresentao aconteceu no ms de dezembro. Prximo ao natal. As
pessoas estavam eufricas com o fim do semestre. Ao mesmo tempo, no Brasil, aconteciam
vrios acontecimentos interessantes. Logo, tudo isso acabou respingando sobre o trabalho. A
obra estava em processo de transformao rumo a uma ideia de acontecimento. E de fato
disso que, talvez, se trate a obra. Uma pausa ou uma desculpa para parar, ascender um cigarro,
fumar, perceber o outro, o entorno e conversar sobre tudo isso. Uma pausa para o caf da
tarde. Dar um tempo para perceber mais do que o tempo. Para isso o cigarro comeou a
ganhar outra caracterstica. Ele virou um artigo de seduo. Algo que provocasse o pblico a
percorrer a cena. Talvez nosso primeiro dispositivo mvel de ao.
Algumquer fumar comigo? Voc quer fumar? Pois toma! Vem aqui buscar. Querque eu ascenda? J fumou em cena? bom no ?! Agora, como voc j est emcena, fume cenicamente. Isso... Anda pelo espao ocupando os lugares vazios...
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Interpreta! Usa o cigarro em cada ao. Joga como ele. Elegncia... Nossa, quecharme!. (Texto desenvolvido para essa apresentao)
Foto/Arquivo de apresentao
Solidificava-se ento a obra como processo. Como descoberta. Essa foi a melhor
reflexo que tiramos dessa apresentao. Para no desvirtuar o conceito da obra ela deveria
estar sempre em processo tentando se encontrar no meio. Sempre com novas possibilidades.
Dessa vez deu tudo certo!
3 - Semana de Boas Vindas
Sejam todos bem vindos!
Essa foi primeira apresentao em um espao diferente. E na verdade foi muito
esquisito. Paulo e Evan estavam na plateia, mas isso no me incomodava mais. O espao eratotalmente diferente. Bem menor. Profundidade e largura. Tudo menor. Uma sala pequena no
segundo andar da Casa de Artes. Duas janelas. Imediatamente senti falta dos espelhos do
outro espao, das tantas janelas. Tive que passar a considerar a falta de ar-condicionado, pois
estava muito quente l em cima. O piso estava com problemas tambm. Alguns pedaos
saam, caso fossem puxados ou algum topasse em algum deles. Dava-me a sensao de que
existiam mais pessoas. Em cena subiram trs, mas a sensao foi de terem sido cem. O espao
comeou a ser percebido de outra forma, pois era outro lugar. Antes da apresentao
chegamos e examinamos todo o espao. Tentvamos entender todas as possibilidades. Alguns
armadores, duas porta. Desenhos? Em uma sala de teatro? Sim. L estavam os trs. Ludwig
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Van Beethoven, Maria Bethnia e Pina Bausch. Pina estava a danarCaf Mllertalveze
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