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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
O TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
NOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA DA REGIÃO SUDESTE
Beatriz Carvalho Nogueira1
Fabiana Cristina Severi2
Resumo: O presente trabalho pretendeu analisar decisões proferidas nos Tribunais de Justiça da
região sudeste do país relacionadas a condutas ocorridas no contexto do parto, consideradas como
violência obstétrica. Essa análise foi realizada para que se compreendesse, de forma crítica, as
dificuldades no acesso à justiça e à efetivação de direitos das mulheres parturientes. A partir da
amostra de julgados, buscamos analisar o perfil das demandas relacionadas à temática para que
pudéssemos verificar se o debate que já é realizado por diversos movimentos sociais e por políticas
públicas brasileiras de humanização do parto integra as fundamentações e as decisões proferidas pelos
membros dos tribunais. Assim, visamos observar se as violências narradas nas ações ajuizadas são
imputadas como violência obstétrica, sendo esta compreendida como violência de gênero. Os dados
sugerem que os casos de violência obstétrica judicializados não aparecem categorizados como
violência obstétrica. Além disso, o foco nem sempre está na análise da violação de direitos das
mulheres, mas sim na combinação de danos ao bebê e à mulher. Esperamos que a pesquisa forneça
subsídios para que os órgãos do sistema de justiça possam tratar os casos judicializados de violência
obstétrica sob uma perspectiva de gênero, garantindo os direitos humanos das mulheres, em especial
os seus direitos sexuais e reprodutivos.
Palavras-chave: Direito e Gênero, Direitos da Mulher, Direitos Sexuais e Reprodutivos, Violência
Obstétrica.
Introdução
No presente artigo, iremos analisar o tratamento jurisprudencial que tem sido conferido aos
processos que possuem como objeto a reparação por danos físicos, psicológicos e/ou sexuais
abrangidos no conceito de violência obstétrica.
Para que essa análise seja possível, iremos trazer o panorama internacional dos direitos
sexuais e reprodutivos e o enquadramento destes como direitos humanos. Partindo-se dos
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, iremos apresentar os critérios necessários para
que o Direito seja utilizado em uma perspectiva relacional, ou seja, que não considere os sujeitos
como neutros e universais, servindo como instrumento na eliminação de das assimetrias de gênero.
Para tanto, é necessário que os atores do sistema de justiça examinem os casos relacionados
à violência obstétrica e, consequentemente, aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, sob uma
perspectiva de gênero e antirracista que não exclua também outros marcadores sociais como classe
1 Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – USP, Ribeirão Preto, Brasil. 2 Professora Doutora do Departamento de Direito Público e do Programa de Mestrado da Faculdade de Direito de Ribeirão
Preto da USP/SP. Membro do IPDMS. Coordenadora do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular de Ribeirão Preto - SP
(NAJURP), Ribeirão Preto, Brasil.
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social, deficiências, dentre outros. No campo da violência obstétrica, isso requer, por exemplo, que
se reconheça as violações contra as mulheres como uma forma de violência institucional, pois
praticada no âmbito da prestação dos serviços de saúde nos períodos do pré-parto, parto e pós-parto.
Violência Obstétrica, Direitos Sexuais e Reprodutivos e Direitos Humanos
A violência obstétrica, termo empregado por diversos movimentos pela humanização do
parto e feministas, tem sido tratada pelos tribunais de justiça pátrios como situações de erros médicos,
sendo analisados conforme os requisitos de responsabilização civil. Contudo, conforme analisaremos,
a violência obstétrica deve ser entendida como violação aos direitos sexuais e reprodutivos das
mulheres, os quais, por sua vez, se enquadram no âmbito da proteção aos direitos humanos das
mulheres.
A violência obstétrica é conceituada como “qualquer ato ou intervenção direcionado à mulher
grávida, parturiente ou puérpera (que deu à luz recentemente), ou ao seu bebê, praticado sem o
consentimento explícito e informado da mulher e/ou em desrespeito à sua autonomia, integridade
física e mental, aos seus sentimentos, opções e preferências” (Fundação Perseu Abramo, 2013).
A violência obstétrica se insere no conceito de violência contra as mulheres, a qual é definida
pela Convenção de Belém do Pará3 como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause
morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na
esfera privada”. Ainda de acordo com a convenção, a violência contra a mulher abrange as violências
física, sexual e psicológica ocorridas no âmbito doméstico e público, inclusive, as perpetradas pelo
Estado ou seus agentes.
A violência obstétrica deve, portanto, ser analisada como violência contra as mulheres
institucionalizada e, mais especificamente, sob o aspecto dos direitos sexuais e reprodutivos, ou seja,
como uma verdadeira violação de direitos humanos das mulheres nos períodos do pré-parto, parto
e/ou pós-parto.
Os direitos sexuais e reprodutivos passaram a ter grande destaque na pauta dos movimentos
feministas a partir de 1970, principalmente no tocante ao direito de escolha e de liberdade de decisão
das mulheres (Corrêa; Alves; Januzzi, 2006, p. 39). No âmbito internacional, o reconhecimento desses
direitos como direitos humanos se iniciou em 1979 com a aprovação da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher4, resultado das reinvindicações
3 Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”.
Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994. 4 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, adotada e aberta à assinatura,
ratificação e adesão pela resolução n.º 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 18 de Dezembro de 1979.
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realizadas pelos referidos movimentos a partir da primeira Conferência Mundial sobre a Mulher, no
México, em 1975. A Convenção é considerada como a responsável pelos delineamentos iniciais dos
direitos sexuais e reprodutivos na esfera global, especialmente pela atribuição de um duplo papel ao
Estado: eliminar a discriminação contra as mulheres no âmbito da saúde (vertente repressiva/punitiva)
e assegurar o acesso aos serviços de saúde, notadamente no que tange ao planejamento familiar
(vertente promocional). Essas duas vertentes dos direitos sexuais e reprodutivos representam, pois, a
principal diferença no tocante aos tradicionais direitos civis e sociais (Piovesan, 2002, p. 6).
A garantia ao respeito dos direitos sexuais e reprodutivos passou a ocorrer de modo mais
efetivo, sendo tratados na formulação de políticas públicas em âmbito global na Conferência do Rio
de 1992 (ECO 92) - responsável pela articulação dos seguintes eixos: meio ambiente, pobreza,
desenvolvimento, direitos humanos, gênero e saúde reprodutiva - e na Declaração e Programa de
Ação de Viena (Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em 1993) – responsável por introduzir
a ideia de proteção dos direitos humanos das mulheres à comunidade internacional (Corrêa; Alves;
Januzzi, 2006, p. 35).
No âmbito interamericano da proteção dos Direitos Humanos, é necessário destacar a
importância da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher (“Convenção de Belém do Pará”)5, pois estabeleceu como compromisso formal dos Estados
signatários o combate à violência contra as mulheres.
Em 1994, com a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), do
Cairo, os direitos humanos das mulheres e a desigualdade de gênero passaram a ser tratados de modo
mais específico no campo dos direitos reprodutivos. Nesse momento, deslocaram-se as questões
relacionadas à reprodução da perspectiva econômica e ideológica para a área da saúde e dos direitos
humanos (Corrêa; Alves; Januzzi, 2006, p. 35).
Os avanços no tocante aos direitos sexuais e reprodutivos foram ainda mais significativos na
IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Pequim, no ano de 1995, uma vez que esta reafirmou e
ampliou as recomendações da CIPD, fazendo com que a sexualidade e os direitos sexuais fossem
tratados como direitos humanos das mulheres e recomendando aos países a revisão das legislações
que criminalizam ao aborto (Corrêa; Alves; Januzzi, 2006, p. 37).
Referida convenção foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto nº 4.377/2002, revogando o Decreto no 89.460/84, o qual
apesar de também promulgar referida Convenção, possuía algumas reservas. 5 Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”.
Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994.
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De acordo com Piovesan (2002, p. 6), os direitos sexuais e reprodutivos envolvem duas
vertentes diversas e complementares. A primeira compreende a liberdade e a autodeterminação
individual, exigindo o respeito ao livre exercício da sexualidade e da reprodução humana sem nenhum
tipo de coerção ou violência. Essa vertente consagra o poder de decisão no controle e no exercício da
fecundidade. Para que os direitos sexuais e reprodutivos sejam efetivados, exige-se a atuação ativa
na implementação de políticas públicas, representando estas, a segunda vertente.
Nesse sentido, a Declaração e a Plataforma de Pequim de 1995, reforçando a interdependência
e indivisibilidade dos direitos humanos, afirma que a violação dos direitos reprodutivos limita às
mulheres as oportunidades na vida pública e privada, seu acesso à educação e o pleno exercício dos
demais direitos (Piovesan, 2002, p. 13).
Os parâmetros internacionais exigem, portanto, que os direitos sexuais e reprodutivos das
mulheres sejam tratados e incorporados pelos Estados como direitos humanos. Todas as vertentes de
proteção dos direitos sexuais e reprodutivos: concepção, parto, contracepção, aborto, dentre outros,
devem ser encarados de forma interligada e a impossibilidade de sua concretização remete as
mulheres para um lugar de submissão (Ávila, 1994, p. 10).
No Brasil, a incorporação dos temas referentes à reprodução e sexualidade das mulheres foi
inicialmente realizada no âmbito da saúde e esteve intrinsecamente ligada às lutas pelas liberdades
democráticas, incluindo-se os movimentos pela democratização da saúde. O Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher (PAISM) foi formulado pelo Ministério da Saúde em 1983 e abordava os
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres em conjunto com as reinvindicações políticas pela
democratização (Ávila, 1994, p. 13). O programa foi responsável por conceber a saúde das mulheres
de forma integral e não apenas sob os aspectos da concepção e contracepção (Corrêa; Alves; Januzzi,
2006, p. 42).
A partir dos documentos e das práticas citados, observa-se a necessidade de implementação
dos direitos sexuais e reprodutivos sob a ótica dos direitos humanos, exigindo-se que os Estados
incorporem os compromissos internacionais em suas agendas de políticas públicas.
A efetivação desses direitos também depende de avanços legislativos internos e de atuação
qualificada pelos diversos atores do sistema de justiça, o que envolve a adoção de critérios específicos
que garantam a prestação jurisdicional adequada às mulheres, ou seja, a utilização de perspectiva de
gênero na análise dos casos que envolvam os direitos humanos das mulheres (transversalização da
perspectiva de gênero).
Violência obstétrica e o sistema de justiça
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A Justiça de Gênero, termo empregado por algumas feministas, sobretudo latino-americanas,
para designar a construção de um sistema formal de justiça sob a perspectiva de gênero, tem como
principais preocupações a efetivação dos Direitos Humanos das mulheres, a democratização do
sistema de justiça e do acesso à justiça pelas mulheres, uma vez que, apesar da revogação da maioria
dos textos normativos claramente discriminatórios com relação ao gênero, o Direito ainda é marcado
por fortes assimetrias (Severi, 2013, p. 55).
Dentre essas assimetrias, pode-se destacar a ausência de leis e normas que tratem da
violência obstétrica, seja responsabilizando os agentes de saúde e hospitais, seja garantindo Direitos
Fundamentais à mulher no momento do pré-parto, parto e pós-parto. A ausência de legislação
específica, além de dificultar a aplicação de punições aos agentes da violência obstétrica, também
pode significar a não preocupação do Direito em relação aos temas que afetem a saúde física e
psíquica da mulher.
Além da ausência de previsão normativa a respeito da violência obstétrica, notamos ainda
que o sistema de justiça, no julgamento de processos relacionados a essa temática não tem encarado
a violência obstétrica como violência institucional e de gênero (Nogueira; Severi, 2016, p. 465).
Em pesquisa por nós realizada, no período compreendido entre 03.02.15 e 13.02.15, na base
de jurisprudência de todos os Tribunais de Justiça do país pelo termo “violência obstétrica” não foi
encontrado nenhum resultado, ou seja, em nenhuma decisão judicial de segunda instância
disponibilizada eletronicamente foi utilizada essa categoria para nomear as situações de violência
relatadas. Além disso, em busca realizada nos Tribunais de Justiça da região sudeste (Espírito Santo,
Minas Gerias, Rio de Janeiro e São Paulo), nos períodos compreendidos entre 16.02.2015 a
26.02.2015 e entre 20.08.2015 e 24.08.2015 pelo termo “direitos reprodutivos” também não localizou
nenhum julgado que descrevesse situações de violência obstétrica (Nogueira; Severi, 2016, p. 442 e
446).
Assim, observamos que, apesar de o termo “violência obstétrica” ser amplamente utilizado
por movimentos sociais e políticos, ele ainda não aparecia em uso, pelas partes e pela Poder Judiciário
para categorizar e nomear as violações sofridas pelas mulheres nos períodos do pré-parto, parto e pós-
parto. Essas violações também não estavam sendo enquadradas no marco dos direitos sexuais e
reprodutivos das mulheres ou mesmo dos direitos humanos das mulheres (Nogueira; Severi, 2016, p.
446).
A pesquisa realizada também demonstrou que, em regra, as ações que buscam a reparação
pelas violências sofridas pelas mulheres são de natureza cível (88,5%) e ajuizadas pelas mães das
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crianças (60,1%) em face do hospital ou mesmo do hospital em litisconsórcio com alguma outra
categoria (Fazenda Pública, profissionais de saúde, plano de saúde) (55,3%). Os pedidos, em sua
grande maioria, referem-se à violência psicológica sofrida pela mulher/mãe (31,8%). Esse número
fica ainda mais evidente quando somado aos casos em que a violência psicológica é cumulada com
pedido de danos morais e/violência física (87,7%) (Nogueira; Severi, 2016, p. 448-450).
A partir dos acórdãos analisados, pareceu-nos que os casos foram decididos com base,
fundamentalmente, na combinação de danos às crianças e às mulheres, sem que houvesse enfoque na
violação de direitos das mulheres. Assim, o deferimento dos pedidos formulados pelas mulheres
dependeu mais do preenchimento dos critérios caracterizadores do erro médico (dano, nexo causal e
culpa) do que propriamente nas violações sofridas pelas mulheres nos momentos do pré-parto, parto
e pós-parto.
Contudo, no ajuizamento das ações com pedido de reparação dos danos decorrentes das
condutas praticadas no parto, as mulheres demonstraram não apenas a demanda pela reparação dos
danos sofridos, mas também a expectativa do reconhecimento de que os danos sofridos decorreram
da conduta dos profissionais e não do parto em si, desejando, portanto, a força simbólica da decisão
judicial na nomeação e no reconhecimento da violência institucional sofrida (Nogueira; Severi, 2016,
p. 465).
Nos casos analisados foram encontradas diversas decisões fundamentadas apenas em provas
periciais, tendo estas reproduzido conceitos e informações baseadas em práticas institucionalizadas e
em estereótipos que não apresentam respaldo pela Medicina baseada em evidências como é o caso da
episiotomia (Diniz, 2005, p. 631).
Foi recorrente, desse modo, encontrarmos fundamentações baseadas em laudos periciais que
informavam que “a episiotomia é um procedimento usual e adequado em parto normal, especialmente
tratando-se de primeiro filho. Assim, correto o procedimento médico nesse ponto” (São Paulo, 2006,
p. 4); “a ‘lesão’ ocorrida é decorrente da Episiotomia, normal nas mulheres submetidas a partos
normais, e não impede vida sexual dentro da normalidade, tanto que a autora ao ser examinada pelo
perito estava grávida de outro filho” (São Paulo, 2011, p. 4).
Salientamos que, apesar de haver diversas críticas à prática da episiotomia, os danos ao
períneo (fístula reto-vaginal e fístula reto-perineal) foram assuntos muito recorrentes no universo da
pesquisa realizada, superando 20%, o que demonstra sua expressiva utilização (Nogueira; Severi,
2016, p. 459).
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O fato de os danos ao períneo causados, principalmente pela episiotomia, e outras violências
narradas pelas mulheres (restrição ao direito de acompanhamento, danos permanentes às mães,
desrespeito à escolha do parto, ausência do médico, dentre outras) não serem consideradas como
violência institucional cometida contra as mulheres (ou ainda na categoria específica: violência
obstétrica), dificulta a própria problematização das conclusões apresentadas na prova pericial e
utilizadas pelos julgadores.
No caso da episiotomia, por exemplo, por ser um procedimento realizado frequentemente
pelos responsáveis à assistência da saúde da mulher, pode ocorrer de o perito, inserido também nesse
contexto, conceder laudo pericial afirmando que se trata de procedimento adequado e usual, sem
nenhum questionamento ou mesmo levantamento de evidências médicas que possam levar a
conclusões contrárias. Do mesmo modo, sem questionar a realidade da assistência à saúde e dessa
violência institucional, o julgador se utiliza, muitas vezes, unicamente da prova pericial apresentada.
Esse tipo de fundamentação, entretanto, pode violar compromissos internacionais firmados
pelo Brasil. O artigo 2º da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra
a Mulher6 (CEDAW) estabelece que os Estados-partes devem condenar a discriminação contra a
mulher em todas as suas formas e concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem
dilações a estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher em uma base de igualdade com os
do homem e garantir, por meio de seus tribunais nacionais e de outras instituições públicas, a proteção
efetiva da mulher contra todo ato de discriminação. Além disso, devem se abster de incorrer em
práticas de discriminação contra as mulheres e zelar para que as autoridades e instituições públicas
atuem em conformidade com essa obrigação.
A própria Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher (“Convenção de Belém do Pará”7) estabelece como dever dos Estados-partes a modificação
de padrões sociais e culturais, inclusive mediante a formulação de programas formais e não formais
que combatam preconceitos, costumes e práticas baseadas na inferioridade ou superioridade de
qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher, que legitimem ou
exacerbem a violência contra as mulheres. Os Estados-parte devem também promover a educação e
treinamento do pessoal judiciário e policial e demais funcionários responsáveis pela aplicação da lei,
6 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, adotada e aberta à assinatura,
ratificação e adesão pela resolução n.º 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 18 de Dezembro de 1979.
Referida convenção foi promulgada pelo Brasil pelo Decreto nº 4.377/2002, revogando o Decreto no 89.460/84, o qual
apesar de também promulgar referida Convenção, possuía algumas reservas. 7 Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”.
Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994.
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bem como do pessoal encarregado pela implementação de políticas para prevenção, punição e
erradicação da violência contra as mulheres (artigo 8º, “b” e “c”).
Além das referidas convenções internacionais, a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha), no
artigo 8º, VII, estabelece como diretriz na formulação de políticas públicas contra a violência
doméstica e familiar contra as mulheres a capacitação permanente do Poder Judiciário, do Ministério
Público e da Defensoria Pública nas áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação,
trabalho e habitação quanto às questões de gênero e de raça ou etnia. Apesar de a referida lei ser
destinada à proteção da mulher em situações de violência doméstica e familiar, traz importantes
considerações no tocante à eliminação das demais violências e discriminações sofridas pelas
mulheres, o que abrange, inclusive, situações de violência obstétrica.
Em 2011, o Comitê CEDAW, após denúncia internacional realizada pelo Center for
Reproductive Rights (Centro por Direitos Reprodutivos) e pela Advocacia Cidadã pelos Direitos
Humanos decidiu o caso “Alyne v. Brasil” e declarou a responsabilidade do Estado brasileiro pela
violação do acesso à justiça, da regulamentação das atividades de provedores de saúde particulares e
pela discriminação contra as mulheres. O caso refere-se à morte de Alyne da Silva Pimentel Teixeira,
brasileira, residente em uma das localidades mais pobres do Rio de Janeiro e negra, ocorrida em
novembro de 2002, logo após a indução de parto, a qual resultou em feto natimorto. A extração da
placenta ocorreu apenas quatorze horas após a indução do parto, o que resultou na deterioração do
estado de saúde de Alyne que, após mais de oito horas, foi transferida ao Hospital Geral de Nova
Iguaçu. Após mais de vinte e uma horas sem receber assistência médica, Alyne faleceu (Centro de
Derechos Reproductivos, 2014, p. 2; Conectas Direitos Humanos, 2010, p. 2).
O Comitê CEDAW declarou a responsabilidade do Estado brasileiro em razão de uma morte
materna evitável, sendo essa decisão importante no reconhecimento dos direitos reprodutivos,
especialmente nos direitos da mulher à maternidade segura e ao acesso a serviço público de qualidade,
sem que haja nenhuma forma de discriminação (Centro de Derechos Reproductivos, 2014, p. 2). O
Comitê recomendou ao Brasil que garantisse tutela jurisdicional efetiva às mulheres, pois ainda não
havia sido iniciado processo judicial para responsabilização dos profissionais de saúde responsáveis
pelo atendimento de Alyne. A ação ajuizada pela família de Alyne também não havia sido conhecida,
mesmo após mais de sete anos de tramitação e da negação de dois pedidos de antecipação de tutela.
Nesse aspecto, merece destaque a recomendação realizada pelo Comitê Cedaw referente à
garantia ao acesso aos recursos efetivos nos casos de violação dos direitos reprodutivos das mulheres
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e treinamento aos operadores do direito e membros do poder judiciário (Centro de Derechos
Reproductivos, 2014, p. 4)
O caso Alyne v. Brasil demonstra que, além do necessário julgamento com perspectiva de
gênero, é importante que outras diferenças sociais também sejam consideradas na tomada de decisões
pelos integrantes do Poder Judiciário. Assim, as características de raça, etnia, classe social,
preferência sexual, dentre outros marcadores, devem ser analisadas nas fundamentações judiciais,
pois também alteram as condições referentes ao acesso à justiça:
Quando consideramos grupos e categorias de mulheres como migrantes, campesinas,
prostitutas, profissionais do sexo, sem terra, sem teto, lésbicas, travestis, transexuais e
pertencentes às camadas populares, as problemáticas ligadas ao processo crescente de
institucionalização estatal das políticas para o enfrentamento da violência de gênero ganham
ainda maior complexidade e se imbricam com outras questões como colonialismo, racismo e
heteronormativismo (SEVERI, 2017, p. 21).
Essa observação é importante pelo fato de que essas categorias não afetam apenas o acesso
à justiça e sua efetividade, mas também o próprio acesso ao sistema de saúde. A população negra
apresenta os piores indicadores sociais e de saúde (Werneck, 2016, p. 539), fato corroborado por
pesquisa realizada sobre a variável raça/cor da pele em relação aos dados do inquérito “Nascer no
Brasil”, estudo de base hospitalar realizado com puérperas e seus recém-nascidos entre fevereiro de
2011 e outubro de 2012. Na pesquisa, foi possível identificar que há diferenças importantes no acesso
e na qualidade da assistência prestada às mulheres negras e ainda às mulheres negras em condições
econômicas mais precárias (DINIZ et al, 2016, p. 568).
Dentre os resultados que permitiram a confirmação das diferenças no atendimento das
mulheres negras durante o período do pré-parto, parto e pós-parto, destacam-se a menor frequência
no acesso ao pré-natal (31,1% e 37,5% para mulheres de cor parda e negra, respectivamente), a menor
presença de acompanhantes durante o parto (30,9% e 24,8% mulheres pretas e pardas ficaram sem
acompanhamento, enquanto 17,4% das mulheres brancas não contaram com acompanhante) e a maior
realização de partos vaginais e de períodos de trabalho de parto8 (Diniz et al, 2016, p. 570).
Diante da necessidade de que os sistemas de justiça atuem com perspectiva de gênero, alguns
países latino-americanos têm elaborado documentos que enfatizam essa obrigação internacional e que
buscam o estabelecimento de critérios aplicáveis pelos atores do sistema de justiça nos casos
relacionados aos direitos humanos das mulheres. Destacam-se, nesse sentido, os Protocolos para
8 Esse aspecto é denominado como paradoxo perinatal, pois representam casos em que a assistência à saúde possui tanto
peso negativo que pode, inclusive, anular as vantagens socioeconômicas e raciais. Isso não significa, contudo, que a
assistências às mulheres negras seja melhor, mas sim que a assistência médica concedida às mulheres brancas, em regra,
acaba gerando efeitos mais danosos: parto pré-termo e recém-nascido de baixo peso (Diniz et al, 2016, p. 570).
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julgamento com perspectiva de gênero (“Protocolo para juzgar con perspectiva de género”)
elaborados pelo México e pela Bolívia.
O julgamento com perspectiva de gênero pelos tribunais evita, assim, que sejam utilizados
argumentos baseados em estereótipos e que reforcem as desigualdades de gênero e de outros
marcadores sociais como, raça, etnia, classe social, dentre outros. Os estereótipos de gênero estão
“relacionados com as características social e culturalmente atribuídas a homens e mulheres a partir
das diferenças físicas baseadas principalmente em seu sexo9” (SCJN, 2013, p. 17 e 48-49 – tradução
nossa).
A adoção dessa abordagem no julgamento objetiva questionar o paradigma construído sobre
a ideia de sujeitos de Direito, os quais são tidos como neutros e universais, enquanto, na verdade,
representam o “homem branco, heterossexual, adulto sem incapacidades, não indígena e os papéis
que são atribuídos a esse paradigma”10 (TSJ, 2017, p. 33 – tradução nossa). É por essa razão que o
protocolo afirma que o julgamento com perspectiva de gênero não inclui somente mulheres, mas
também as diversidades sexuais e de gênero, questionando, inclusive, a própria ideia de
“masculinidade”.
Preconiza-se, portanto, a construção de uma Justiça de Gênero e antirracista que seja capaz
de eliminar as assimetrias de gênero e de reparar efetivamente as mulheres vítimas de violência,
inserindo-se aqui a violência obstétrica.
Conclusão
A partir do presente artigo, foi possível concluirmos que as práticas institucionalizadas de
violência obstétrica não devem apenas ser analisadas sob a disciplina aplicada à responsabilidade
civil, mas também como espécie de violência contra as mulheres, notadamente no que se refere aos
direitos sexuais e reprodutivos.
Isso significa dizer que as decisões dos casos que tenham como objeto os danos sofridos à
mulher nos períodos do pré-parto, parto e pós-parto não podem reproduzir estereótipos que reforcem
as violações cometidas contra as mulheres como ocorre, por exemplo, com o reforço da prática da
episiotomia.
Assim, nos casos que possuam relação com violações aos direitos sexuais e reprodutivos,
seguindo-se o que é preconizado por tratados internacionais, os tribunais devem fornecer resposta
9 “Los estereotipos de género están relacionados con las características social y culturalmente asignadas a hombres y
mujeres a partir de las diferencias físicas basadas principalmente en su sexo” (México, 2013, p. 49 – tradução nossa). 10 “Así, la perspectiva de género cuestiona el paradigma construido a partir de un ser humano neutral y universal, que
tiene como base al hombre blanco, heterosexual, adulto sin discapacidad, no indígena, así como los roles que a dicho
paradigma se le atribuyen” (Bolívia, 2017, p. 33 – tradução nossa)
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jurisdicional capaz de assegurar o reconhecimento das violências sofridas e do seu efetivo reparo.
Desse modo, não reforçarão as assimetrias de gênero, raça, etnia, classe social, origem social e outros
marcadores sociais.
Referências
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THE JURISPRUDENTIAL TREATMENT OF OBSTETRIC VIOLENCE IN THE COURTS
OF JUSTICE OF BRAZIL’S SOUTHEASTERN REGION
Astract: The present study aimed to analyze decisions rendered in the Courts of Justice of Brazil’s
southeastern region related to conducts occurring in the context of childbirth, considered as obstetric
violence. This analysis was done in order to understand, critically, the difficulties in access to justice
and the enforcement of parturient women's rights. Based on the sample of judges, we sought to
analyze the profile of the demands related to the issue so that we could verify if the debate that is
already carried out by several social movements and by brazilian public policies of childbirth’s
humanization integrates the reasons and the decisions pronounced by the members of the Courts.
Therefore, we aim to observe if the violence narrated in the lawsuits are imputed as obstetric violence,
understood as gender violence. The data suggest that cases of judicial violence are not categorized as
obstetric violence. In addition, the focus is not always on the analysis of the violation of women's
rights, but rather on the combination of harm to the baby and the woman.We hope that the research
will provide support for justice system bodies to handle cases of obstetric violence from a gender
perspective, ensuring women's human rights, especially their sexual and reproductive rights.
Keywords: Law and Gender, Women's Rights, Sexual and Reproductive Rights, Obstetric Violence.