O USO DO ESPAÇO PÚBLICO PARA A PRÁTICA ESPORTIVA...

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1 O USO DO ESPAÇO PÚBLICO PARA A PRÁTICA ESPORTIVA NOS TRECHOS DE PRAIA ENTRE JARDIM DE ALAH E ARMAÇÃO – SALVADOR/BAHIA Breno Braga de Souza Freitas 1 Flávio Oliveira Mota 2 RESUMO A área litorânea da cidade do Salvador abrange a Baía de Todos os Santos e o oceano Atlântico. Considerada espaço público, a praia é o tipo de ambiente propício à prática de esportes. Foi escolhida como área de estudo o trecho de praia entre Jardim de Alah e Armação, duas praias da orla Atlântica onde há grande concentração de pessoas em prática esportiva no ambiente de praia. A prática de esporte não ocorre em praias vizinhas às mesmas. Nessas praias, há produção e (re)organização do espaço geográfico pelo uso diferenciado do ambiente. O trabalho tem como objetivo geral analisar o uso do espaço público de praia por meio das práticas esportivas, com foco nos esportes praticados na faixa de praia entre Jardim de Alah e Armação, buscando entender a atuação do poder público no ambiente de praia. Os resultados demonstram a prática de esportes como surf, frescobol, futevôlei e vôlei de praia, os três últimos incentivados por escolas de prática e treinamento. As pessoas praticantes dos esportes se diferenciam em grupos, nos quais apresentam escolaridade do superior incompleto ao completo, residem em variados bairros da cidade e diferenciam o ambiente de praia, entre Jardim de Alah e Armação, pelas particularidades da composição da areia e da largura da faixa de praia. O poder público, segundo os praticantes de esporte, somente atua na limpeza do lixo em praia. Foi notado, em campo, que a prefeitura do Salvador realiza na área em estudo projeto de requalificação da orla Atlântica com construção e alargamento da calçada e muro de alvenaria orientados para o mar, o que diminuirá a faixa de praia e gerará consequências físico-sociais. Palavras-chave: Espaço geográfico. Zona costeira. Praia. Prática esportiva. 1 INTRODUÇÃO A prática de esportes no Brasil, segundo levantamento realizado pelo Atlas do esporte no Brasil em 2003 organizado por DaCosta (2004), fica evidenciada no século XIX, na cidade de Santa Cruz do Sul, no estado do Rio Grande do Sul, com o surgimento da primeira cancha de bolão e fundação de uma sociedade deste esporte em 1896 por imigrantes alemães (MULLER, 2004). Já em 1679 havia a prática recreativo-esportiva do jogo da argolinha em São Luís, Maranhão (VAZ, 2004). 1 Universidade Federal da Bahia - Bolsista CNPq. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia - [email protected] 2 Universidade Federal da Bahia - Bolsista FAPESB. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia - [email protected]

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O USO DO ESPAÇO PÚBLICO PARA A PRÁTICA ESPORTIVA NOS TRECHOS DE PRAIA ENTRE JARDIM DE ALAH E ARMAÇÃO – SALVADOR/BAHIA

Breno Braga de Souza Freitas1 Flávio Oliveira Mota2

RESUMO A área litorânea da cidade do Salvador abrange a Baía de Todos os Santos e o oceano Atlântico. Considerada espaço público, a praia é o tipo de ambiente propício à prática de esportes. Foi escolhida como área de estudo o trecho de praia entre Jardim de Alah e Armação, duas praias da orla Atlântica onde há grande concentração de pessoas em prática esportiva no ambiente de praia. A prática de esporte não ocorre em praias vizinhas às mesmas. Nessas praias, há produção e (re)organização do espaço geográfico pelo uso diferenciado do ambiente. O trabalho tem como objetivo geral analisar o uso do espaço público de praia por meio das práticas esportivas, com foco nos esportes praticados na faixa de praia entre Jardim de Alah e Armação, buscando entender a atuação do poder público no ambiente de praia. Os resultados demonstram a prática de esportes como surf, frescobol, futevôlei e vôlei de praia, os três últimos incentivados por escolas de prática e treinamento. As pessoas praticantes dos esportes se diferenciam em grupos, nos quais apresentam escolaridade do superior incompleto ao completo, residem em variados bairros da cidade e diferenciam o ambiente de praia, entre Jardim de Alah e Armação, pelas particularidades da composição da areia e da largura da faixa de praia. O poder público, segundo os praticantes de esporte, somente atua na limpeza do lixo em praia. Foi notado, em campo, que a prefeitura do Salvador realiza na área em estudo projeto de requalificação da orla Atlântica com construção e alargamento da calçada e muro de alvenaria orientados para o mar, o que diminuirá a faixa de praia e gerará consequências físico-sociais. Palavras-chave: Espaço geográfico. Zona costeira. Praia. Prática esportiva. 1 INTRODUÇÃO

A prática de esportes no Brasil, segundo levantamento realizado pelo Atlas do esporte

no Brasil em 2003 organizado por DaCosta (2004), fica evidenciada no século XIX, na cidade

de Santa Cruz do Sul, no estado do Rio Grande do Sul, com o surgimento da primeira cancha

de bolão e fundação de uma sociedade deste esporte em 1896 por imigrantes alemães

(MULLER, 2004). Já em 1679 havia a prática recreativo-esportiva do jogo da argolinha em

São Luís, Maranhão (VAZ, 2004). 1 Universidade Federal da Bahia - Bolsista CNPq. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia - [email protected] 2 Universidade Federal da Bahia - Bolsista FAPESB. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Geografia - [email protected]

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O que antes era uma prática elitista, onde é devido mencionar Bourdieu (1983) quanto

à prática esportiva inserida no contexto da educação das burguesias inglesas e francesas,

tornou-se uma prática com tendências populares, embora alguns esportes ainda mantenham as

características elitistas, a exemplo dos elevados recursos financeiros necessários para a

execução dos mesmos.

Diferenciando esporte de outras práticas de exercícios físicos, de jogos, Tubino (1999)

afirma que esporte “[...] é uma das manifestações da cultura física, que também compreende a

dança e a recreação (atividades de fim de semana no campo, por exemplo), e se fundamenta

na educação física” (TUBINO, 1999, p. 09). O futebol tem desempenhado papel de destaque

no âmbito da prática de esportes no Brasil, sendo considerado o esporte mais popular, com 30

milhões de praticantes em todo país (HELAL; SALLES; SOARES, 2004).

O Brasil agrega variadas possibilidades para a prática de diversos esportes aquáticos,

aéreos e terrestres, propiciadas por condições climáticas dos tipos equatorial, tropical e

temperado atuando por território continental constituído de planícies, depressões e planaltos,

conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2014). Ou seja, a

constituição físico-natural da paisagem brasileira é facilitadora da prática esportiva.

Com um vasto litoral de mais de 8000 km de extensão, o Brasil apresenta inúmeras

possibilidades para a execução esportiva litorânea, cujos aspectos físico-naturais são

fundamentais na diferenciação das distintas práticas esportivas pela costa litorânea brasileira.

Tais elementos caracterizadores da paisagem natural litorânea propiciam a prática de esportes

na faixa de praia e no mar como: futebol de areia, vôlei de praia, basquete de praia, carro à

vela, frescobol, futebol americano de praia, futevôlei, handebol de praia, sandboarding, surf,

windsurf, bodyboarding, surf de peito, vela, jetski, maratonas marítimas, dentre outros

(COSTA; COSTA NETO; GARRIDO, 2004).

Nesse sentido, emerge a ideia do sítio geográfico como importante elemento para a

prática dos esportes citados no parágrafo anterior, senão o principal elemento, pois é o espaço

físico de realização das tais práticas e onde tais práticas são materializadas no espaço. Sem o

condicionamento necessário dos aspectos físico-naturais dos ambientes de prática desses

esportes não há a realização dos supracitados e em condições de tempo chuvoso a recíproca é

verdadeira.

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Seguindo a contextualização exposta até aqui, surge a necessidade de questionamentos

referentes à prática de esportes no ambiente de praia entre Jardim de Alah e Armação, praias

do litoral Atlântico da cidade do Salvador/Bahia. O trabalho em questão busca responder

questionamentos baseados na assertiva que “existe a prática de esportes nas praias de Jardim

de Alah e Armação”. Então, a partir desta realidade, surgem as demandas: quais os esportes

praticados nessas praias?; Por que determinados esportes?; Por que são praticados na faixa de

praia?; Por que praticados nos trechos de praia entre Jardim de Alah e Armação?; Quem são

os praticantes?; Há conflitos entre os praticantes de esporte de diferentes modalidades e entre

eles e os banhistas? O poder público incentiva a prática dos esportes? Qual a atuação do poder

público na produção e (re)organização deste espaço?

O trabalho tenta compreender, por meio dos questionamentos exibidos acima, como

ocorre a prática de esportes na faixa de praia entre Jardim de Alah e Armação, a questão da

escolha dessas referidas praias, quem e de onde são as pessoas que compõem o conjunto das

práticas esportivas dessas praias e a possível atuação do poder público no espaço da prática de

esportes, neste caso a praia. A seguir, são expostas a localização e caracterização da área de

estudo.

2 LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

O trecho de praia entre Jardim de Alah e Armação (figuras 1 e 2) com extensão de

2.874 metros (CARVALHO, 2002) compõe parte da orla Atlântica da cidade do Salvador,

capital do estado da Bahia. O município soteropolitano tem população equivalente a

2.675.656 habitantes e densidade demográfica de 3.859,44 hab./km² (IBGE, 2010) assentados

em material geológico dos tipos arenitos, conglomerados/brechas, depósitos costeiros,

depósitos fluviais, folhelhos, gnaisses e metatexitos, e por formas geomorfológicas compostas

por baixada litorânea, planícies marinhas e fluviomarinhas e tabuleiros pré-litorâneos,

influenciados por clima úmido a subúmido (SEI, 2013).

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Figura 1: Trecho de praia entre Jardim de Alah e Armação.

Fonte: Breno Freitas, 2014.

Figura 2: Mapa de localização do município do Salvador/ bairro Jardim Armação.

Fonte: IBGE/CONDER. Elaboração: Breno Freitas.

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3 METODOLOGIA

Para a elaboração do presente estudo, norteada pelos questionamentos levantados,

foram seguidas as etapas: i) pesquisa bibliográfica acerca do tema esporte, do conceito de

espaço geográfico, das relações sociais entre praticantes de esporte, dos aspectos físico-

naturais do ambiente de praia para caracterizar a área de estudo e da legislação referente ao

espaço público da praia com o auxílio de artigos, atlas, livros, documentos de legislação e

sítios da internet; ii) realizado o referencial teórico, partiu-se para o trabalho de campo com o

objetivo de responder os questionamentos colocados, pelo qual foi executado formulário com

um indivíduo pertencente ao grupo praticante de esporte específico, sendo considerado esse

indivíduo como representante do grupo pesquisado. A execução das entrevistas por

formulários (GIL, 1999) com praticantes de esportes na faixa de praia entre Jardim de Alah e

Armação versou sobre os esportes praticados no ambiente praial referido, o porquê da prática

esportiva na praia, o porquê da escolha por determinado esporte, o porquê de serem as praias

de Jardim de Alah e Armação e não outra(s), se há conflitos entre os praticantes esportivos e

banhistas por conta da área praial, quem e de onde são os praticantes esportivos e se o poder

público interfere de algum modo na prática esportiva nas praias em estudo, produzindo e/ou

(re)organizando o espaço; iii) por fim, a realização da análise dos dados coletados em campo

e produção da pesquisa ora citada acerca do espaço geográfico, segundo Santos (2006), da

zona costeira brasileira, da praia como espaço público e do uso dela alicerçada na legislação

do tema para a cidade do Salvador, os conceitos de praia e algumas ideias sobre a prática

esportiva para Bourdieu (1983), revelando os resultados e exprimindo as considerações finais

e referenciais teóricos.

4 O ESPAÇO PÚBLICO DE PRAIA NA ZONA COSTEIRA BRASILEIRA: DEFINIÇÃO E LEGISLAÇÃO NAS ESCALAS BRASIL E SALVADOR

O estudo geográfico em questão é norteado pela teoria do espaço geográfico conforme

Milton Santos (2006). Para entender como a sociedade se relaciona e se apropria do espaço

geográfico, o espaço público de praia contido nesse, é preciso, ainda que rapidamente, expor o

conceito e analisar a partir desse as ações dos indivíduos sobre a base física cuja sociedade se

desenvolve. O espaço geográfico para Santos (2006) “[...] é formado por um conjunto

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indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações,

não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”

(SANTOS, 2006, p. 39). Nesse conjunto, que o espaço público de praia está inserido, ocorre a

interação dos indivíduos, dos setores privados e públicos no espaço urbano da orla Atlântica

do Salvador. A interação dos sistemas de objetos e sistemas de ações é exposta da seguinte

maneira por Santos: De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma (SANTOS, 2006, p. 39).

O espaço público de praia compõe delimitação do espaço geográfico da zona

costeira e possui importante promoção do poder público. Esse incentiva e constrói as

condições de infraestrutura para o desenvolvimento das relações socioespaciais e, muitas

vezes, para o setor privado se apropriar do espaço, estabelecendo contradições e, ao mesmo

tempo, solidariedade. Neste contexto, vale ressaltar como o espaço é criado através das

técnicas. Conforme Santos (2006), "as técnicas são um conjunto de meios instrumentais e

sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço"

(SANTOS, 2006, p. 29). As técnicas diferenciam a maneira como o homem interage com o

meio, no caso estudado, a prática de esporte no ambiente de praia.

A zona costeira do Brasil é definida pela lei nº 7.661 de 1988, que institui o Plano

Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC) juntamente com outras providências. O

PNGC conceitua zona costeira como o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da

terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra

terrestre, as quais serão definidas pelo mesmo. Com relação ao espaço público de praia, o

PNGC expõe no artigo 10 que as praias são bens públicos de uso comum do povo, onde o

livre e franco acesso a elas e ao mar é assegurado em qualquer momento, direção e sentido,

com restrição dos trechos considerados de interesse nacional (a exemplo de terrenos de

marinha) ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica (BRASIL, 1988).

O inciso 1º do artigo 10, citado anteriormente, não permite a urbanização ou

qualquer forma de utilização do solo na zona costeira que impeça ou dificulte o acesso

assegurado às praias. Nesse caso, é percebido na realidade litorânea do país, e, em foco, da

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cidade do Salvador, que a ocupação urbana, muitas vezes de grandes empreendimentos

hoteleiros e residências de elevado padrão, está situada em áreas costeiras com total

controle da praia, quando não está sobre a faixa de praia. No inciso 2º do mesmo artigo, é

exposto que a regulamentação da presente lei determinará as características e as

modalidades de acesso que garantam o uso público das praias e do mar (BRASIL, 1988).

Cabe a cada estado e município desenvolver os planos de gerenciamento costeiro em

suas instâncias de acordo com o PNGC (1988) e criar mecanismos para o disciplinamento

do uso do ambiente de praia que se faz público, tendo que atentar para o conceito legal que

estabelece a praia como espaço federal. No caso do município, ocorre também através do

Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), responsável pelas ações de

planejamento e de gestão dos espaços da cidade. O estado da Bahia e o município do

Salvador (FREITAS; MOTA, 2014) não possuem plano de gerenciamento costeiro,

contudo, o município soteropolitano contém em seu PDDU uma seção destinada ao

gerenciamento costeiro.

O PDDU 2007 do município do Salvador, quanto às práticas recreativas e esportivas

na faixa de praia, nada menciona no capítulo VI intitulado “Do Lazer, Recreação e

Esportes” que introduz o tema no plano. No entanto, tem como uma das diretrizes para o

lazer, recreação e esportes o aproveitamento dos mesmos pelo potencial dos aspectos

públicos e o estabelecimento de convênios e parcerias com os governos federal e estadual e

com a iniciativa privada para implementação de serviço de segurança no mar durante a

prática dos esportes náuticos, envolvendo habilitação de praticantes amadores, serviços de

socorro, guarda costeira, sinalização, dentre outros aspectos, e, por último, estímulo e

criação de condições para a prática de esportes náuticos utilizando os atrativos naturais do

município (SALVADOR, 2008).

É importante entender como é caracterizado o ambiente de praia, definido por

legislação e estudiosos do tema. No inciso 3º do artigo 10, o PNGC (BRASIL, 1988)

caracteriza o ambiente costeiro praia desta forma: a área coberta e descoberta

periodicamente pelas águas, acrescida de faixa subsequente de material detrítico, tal como

areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou,

em sua ausência, onde comece um outro ecossistema. Para Christofoletti (1980), a praia é

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uma forma de relevo gerada pela deposição de sedimentos ao longo do litoral. Esses

sedimentos podem ser areia, cascalhos, seixos e elementos mais finos que as areias.

Conforme Muehe (2012), os sedimentos que formam a praia são acumulados pela ação das

ondas, sendo a praia importante para a proteção do litoral e para o lazer.

Baptista Neto et al. (2004) explicam que a praia tem como principal agente

modificador as ondas ou marés, constituindo áreas muito dinâmicas. O litoral é configurado

por ambientes costeiros variados: baías, estuários, deltas, lagoas, praias arenosas, campos

de dunas, costões rochosos ou falésias e manguezais (BAPTISTA NETO et al., 2004). O

ambiente costeiro mais comum no Brasil, principalmente no litoral nordeste, é a praia

arenosa, que compõe todo o litoral do Salvador. Em trechos da costa litorânea do Salvador,

a formação da areia da praia ocorre por meio da ação do intemperismo químico sobre as

rochas granulíticas. A partir deste processo de desgaste das rochas pela ação marinha,

somente a sílica pura (SiO2) formará os sedimentos da areia, os outros minerais serão

lavados pelo mar.

A exposição até o momento mostra os instrumentos da legislação brasileira

concernentes ao ambiente de praia, à gestão e uso do mesmo, com ênfase nas práticas

esportiva e recreativa. Todavia, é notada a falta de relação desses instrumentos nas esferas

federal, estadual e municipal, quando existem nas esferas estadual e municipal,

negligenciando totalmente o ambiente de praia como espaço público das práticas

referenciadas. Adiante, as questões levantadas por Bourdieu (1983) embasam teoricamente

a compreensão das práticas esportivas e recreativas no âmbito da sociedade ocidental, que

no trabalho em questão faz analogia a tais práticas no ambiente de praia.

5 AS PRÁTICAS ESPORTIVAS PARA BOURDIEU: DA PRÁTICA DO JOGO AO PROCESSO DA LUTA DE CLASSES

O objeto de estudo do presente trabalho está envolto nas ideias fundamentais

colocadas por Bourdieu (1983) quando adentra na análise acerca das práticas esportivas, e,

assim entendido, do sucessivo consumo esportivo, exprimindo a ideia do espaço de produção

relacionado ao “produto esportivo” – o universo das práticas e consumos esportivos

disponíveis e socialmente aceitáveis num determinado momento. A oferta de determinadas

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práticas com relação ao encontro de certa demanda social, no sentido de certa classe social

querer praticar um esporte e esse ir ao encontro da referida classe. O autor menciona o

potencial das pessoas em consumir os “produtos esportivos”, relacionando as condições

sociais de apropriação.

A busca no diferenciar a prática do jogo da prática esportiva remete Bourdieu (1983) à

transformação do jogo em esporte nas grandes escolas reservadas às “elites” das sociedades

burguesas inglesa e francesa. A escola era conhecida como o local do lazer e passa ao local

dos exercícios físicos. O jogo é visto como a prática de exercícios físicos sem rigor técnico e

torna-se esporte com a criação de regras estabelecidas, com função e significado novos e

distinção social dos praticantes, espectadores e participantes.

O campo esportivo defendido por Bourdieu (1983) é constituído das práticas

esportivas acompanhado da elaboração de uma filosofia política do esporte. Pois, a prática

esportiva tem uma função social para além dos movimentos do corpo, perpassando por

diferenciações sociais e controle/manipulação das classes burguesas e não burguesas, sendo

objeto de lutas entre frações da classe dominante e também entre as classes sociais. Então, o

esporte, expõe Bourdieu (1983), tem sua criação nas escolas burguesas e diferencia a

educação dessas perante outras. Assim, o esporte é apreendido como dimensão de uma

aprendizagem de outro tipo que vai opor uma definição de educação burguesa à uma

definição pequeno-burguesa e professoral.

O autor mencionado expõe um importante conceito para o campo das práticas

esportivas, o “habitus”, no qual a escolha de determinada prática esportiva pelas classes

sociais envolve as variações das práticas com base nos custos econômicos, percepção e

apreciação dos lucros sociais e aquilo que se espera para o próprio corpo. Os lucros sociais

abrangem tudo aquilo que garante um benefício social para o praticante diante da sociedade,

pode ser o bem-estar do corpo, distinção do indivíduo entre grupos praticantes e nos grupos

praticantes.

Concluindo a discussão da teoria de Bourdieu (1983) em relação à prática esportiva, é

suposto que a probabilidade de praticar os diferentes esportes depende, em graus diversos

para cada esporte, do capital econômico e, de forma secundária, do capital cultural e do tempo

livre correlacionados às disposições éticas e estéticas associadas a uma posição determinada

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no espaço social e o que se espera do lucro social advindo da própria prática esportiva.

Partindo das ideias expostas por Bourdieu (1983), segue a análise dos dados coletados em

campo.

6 RESULTADOS

A partir da realização das entrevistas e observação de campo, foi identificada a prática

dos seguintes esportes nos trechos de praia entre Jardim de Alah e Armação: surf de

bodyboarding e prancha, frescobol, voleibol de praia e futevôlei (figura 3).

Os praticantes de surf bodyboarding são residentes de bairros como Cabula,

Amaralina, Itapuã, Barra, Garcia e Boca do Rio. Possuem grau de escolaridade, em média,

superior incompleto e praticam este esporte nas praias em estudo devido ao sítio geográfico

da cidade, composta por litoral Atlântico e aos aspectos físico-naturais das próprias praias,

sendo composta por “mar mais cavado” e boa condição de prática na “maré cheia para

secante”, que facilitam a prática deste tipo de surf. As respostas dos surfistas tem analogia

com o conhecimento científico referente aos aspectos morfodinâmicos dos trechos de praia

entre Jardim de Alah e Armação, constituídos por ondas que quebram de forma mergulhante e

deslizante (CARVALHO, 2002).

A explicação para a escolha do surf bodyboarding deve-se à vida litorânea da cidade, à

proximidade do mar. Foi colocado pelo grupo que o poder público atua na limpeza da praia,

por meio da LIMPURB (Empresa de Limpeza Urbana de Salvador), e reclamaram quanto ao

despejo de efluentes (esgoto) na praia como principal problema para a prática do esporte. Foi

mencionado que não há conflitos entre os outros praticantes de esportes e nem com banhistas.

Os praticantes de frescobol estão inseridos numa escola de prática e treinamento, onde

delimitam com recursos próprios uma área para a prática da modalidade. A média de

escolaridade é superior completo e os praticantes são residentes dos bairros da Boca do Rio,

Pituba, Pituaçu, Itapuã, Ribeira e Imbuí. A escolha das praias para a tal prática esportiva é

devido à largura da faixa de praia e distanciamento dos banhistas do espaço de prática. Das

praias da área litorânea em estudo, Jardim de Alah e Armação foram ditas as melhores para a

prática do frescobol. Também foi mencionada a ausência de conflitos entre outros praticantes

de esporte e a falta de ação do poder público para o incentivo de prática esportiva nas praias.

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O surf de prancha é praticado por pessoas com grau de escolaridade superior

completo, em média, que moram em bairros próximos como Stiep e Boca do Rio, e no

próprio bairro de Jardim Armação. A escolha das praias é definida pelas “boas ondas” que

favorecem a prática do surf de prancha e a escolha pela prática deste esporte é devido à

admiração por surfistas profissionais que já surfaram nessas praias. Mais uma vez, o poder

público foi citado como ausente e houve reclamação da falta de segurança, resíduos sólidos na

areia e falta de equipamento de ambiente de praia como chuveiro para tomar ducha.

O voleibol é praticado por membros da escola de prática e treinamento de voleibol,

com escolaridade superior incompleto ao completo em média. Os praticantes residem em

bairros como Brotas, Imbuí, Pituba e Stiep. Foi citada a “areia fofa” da praia como

propiciadora da prática desse esporte, além do espaço da faixa de praia. Segundo Carvalho

(2002), a granulometria da areia nessas praias é média e média a grossa, o que proporciona a

sensação da areia “fofa” relatada pelos praticantes. A escolha pelo voleibol deve-se à falta de

contato físico, ao divertimento e bom preparo físico proporcionados pelo esporte. A entrevista

revelou que não há conflitos entre os diversos praticantes e nem com banhistas. O poder

público foi citado como ausente.

A prática de futevôlei também é exercida por escola de prática e treinamento. Os

praticantes, em média, detém grau de escolaridade superior completo e residem em bairros

como Piatã, Itapuã, Barra, Canela, Graça, Boca do Rio e Imbuí. A proximidade da praia em

relação às residências dos praticantes e a “areia fofa” foram os fatores relatados para a escolha

dos trechos de praia em estudo. A preferência pela prática do futevôlei é devida ao gosto pelo

futebol e pelo ambiente de praia, ou seja, a junção dos dois fatores. Foi relatado que o poder

público não atua nessas praias e, também, que falta chuveiro para a ducha após a prática

esportiva.

Todos os praticantes de todas as modalidades esportivas praticam os esportes

diariamente nos trechos de praia entre Jardim de Alah e Armação, e a prática recreativa está

condicionada à calçada da orla Atlântica nos atos das pessoas de caminhar e correr. O poder

público utiliza o espaço das praias citadas para a realização de eventos esportivos (figura 3) e

de lazer, já estabelecidos em calendário próprio, nas esferas federal, estadual e municipal fora

do âmbito dos praticantes de esporte das praias.

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Figura 3: Práticas de esportes, de recreação, evento esportivo e requalificação nos trechos de praia entre Jardim de Alah e Armação. Prática de surf bodyboarding (A), frescobol (B), voleibol (C), futevôlei (D); Projeto de requalificação da orla de Jardim de Alah (E); Uso da praia pelo poder público para evento esportivo (F); Prática recreativa na calçada da orla Atlântica (G) e praia contígua com falta de balneabilidade e estreita faixa de praia (H). Fonte: Breno Freitas, 2014.

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As praias contíguas a Jardim de Alah e Armação não são próprias para o uso nem na

faixa de praia nem no banho de mar por conta dos rios poluídos que deságuam nessas praias,

Camurugipe e Rio das Pedras. O poder público municipal atua na orla de Jardim de Alah com

projeto de requalificação, aumentando a largura da calçada em direção à linha d’água,

resultando em descumprimento da legislação vigente que não permite nenhuma construção

sobre a praia, já que estes trechos estão sobre a faixa de praia.

7 CONCLUSÕES

A prática de esporte no espaço público de praia é uma realidade do Brasil, porém nem

todos os trechos de praias são propícios para as práticas esportivas, no que tange ao

cumprimento da legislação vigente, PNGC e PDDU, quanto à ocupação das praias por classes

sociais distintas. Os esportes praticados nas praias de Jardim de Alah e de Armação são

variados e a explicitação do nível de instrução dos praticantes, do superior incompleto ao

completo, demonstra quem são os praticantes e quem pode praticar tais esportes no ambiente

de praia. Também, são residentes, majoritariamente, dos bairros litorâneos e possuem tempo

livre para a prática diária.

Pode-se entender que os trechos de praia da área em estudo correspondem a uma

centralidade na busca pelas práticas esportivas ali inseridas. As praias contíguas a Jardim de

Alah e Armação não possuem balneabilidade e nem largura e extensão da faixa de praia

suficientes para o adequado uso destes espaços públicos. A situação geográfica das referidas

praias as tornam localidades centrais, pois que estão contidas no miolo econômico da cidade

do Salvador.

A ausência de integração das políticas de gerenciamento costeiro e de planejamento

urbano dificultam e inibem qualquer tipo de gestão do espaço costeiro e da manutenção da

qualidade ambiental dos ambientes costeiros. Além do mais, a integração dos conhecimentos

físicos-naturais do ambiente de praia e dos aspectos das práticas esportivas ajudaria na

classificação dos trechos de praia do litoral soteropolitano para a prática do esporte mais

adequado para o determinado trecho de praia. Essa ausência citada prejudica os moradores, os

turistas e o próprio poder público gestor do ambiente de praia, quando da falta de cuidados,

incentivos e condições para o uso apropriado do espaço público em questão.

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REFERÊNCIAS

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