A HISTÓRICA TERRITORIALIZAÇÃO DA ILHA GRANDE DE...

17
1 A HISTÓRICA TERRITORIALIZAÇÃO DA ILHA GRANDE DE SANTA ISABEL/PI E PRAIA DA PEDRA DO SAL/PI Ricardo Rayan Nascimento Rocha 1 Leandro Inakake de Souza 2 Kesley Paiva da Silva 3 RESUMO Com a necessidade de problematizar o espaço geográfico em nível local a partir de suas contradições sócio históricas e assim evidenciar a sua relevância enquanto fator social, este artigo objetiva analisar o processo de territorialização da Ilha Grande de Santa Isabel/PI e Pedra do Sal/PI, objetos de estudos desse trabalho, que repercute histórica e socialmente nas relações de poder, entre os atores envolvidos, a partir da histórica apropriação e dominação de terras no contexto local. Para isso, metodologicamente, este artigo tem como abordagem qualitativa, tendo em vista o englobamento de perspectivas analíticas que tal pesquisa pode gerar, através do levantamento bibliográfico, revisão em periódicos que retratem tal problemática, pesquisa documental em órgãos públicos, entrevistas semiestruturadas com a comunidade local, além de incursões realizadas para se compreender a vivência do extrativismo com os autóctones que ocupam tal área. Assim, ficou evidente que existe um dualismo entre as informações dos entrevistados x documentos de aforamento da terra pela SPU, no qual, alguns contrapontos são questionadores. Além disso, percebe-se uma histórica relação social dos entrevistados com o comércio, sobrevivência e ligação cultural/social como forma de afirmação territorial. Percebe-se novos cenários emergindo e assim, o “homem territorial”, construído nos diversos agentes envolvidos, atuará em novas configurações de territorialização, desterritorialização e reterritorialização, sendo palco de transformações, rupturas e contradições a serem problematizadas. Portanto, é relevante, aprofundar a pesquisa local acerca das relações sociais/espaciais locais caminho de retaliação histórica em busca de um território livre e múltiplo. Palavras-chave: Território. Territorialidade. Ilha Grande de Santa Isabel/PI. Pedra do Sal/PI. 1 INTRODUÇÃO Ao longo do tempo, a organização social e econômica das sociedades aconteceu por meio de variadas formas, imprimindo no espaço geográfico, as transformações de cunho político, econômico, social, etc. Isto acontece devido ao homem globalizado que, pós- revolução industrial, materializa suas transformações dentro do modo de produção vigente, o modo de produção capitalista, dentro de uma lógica. Partindo deste contexto global, o 1 Turismólogo/Comissão Ilha Ativa/E-mail: [email protected] 2 Zootecnista/ Especialista em Educação do Campo e Agricultura Familiar Camponesa/ Presidente da Comissão Ilha Ativa – CIA/ E-mail: [email protected] 3 Bióloga/ Especialista em Ecologia/ Comissão Ilha Ativa/ E-mail: [email protected]

Transcript of A HISTÓRICA TERRITORIALIZAÇÃO DA ILHA GRANDE DE...

1

A HISTÓRICA TERRITORIALIZAÇÃO DA ILHA GRANDE DE SANTA ISABEL/PI

E PRAIA DA PEDRA DO SAL/PI

Ricardo Rayan Nascimento Rocha1 Leandro Inakake de Souza2

Kesley Paiva da Silva3

RESUMO Com a necessidade de problematizar o espaço geográfico em nível local a partir de suas contradições sócio históricas e assim evidenciar a sua relevância enquanto fator social, este artigo objetiva analisar o processo de territorialização da Ilha Grande de Santa Isabel/PI e Pedra do Sal/PI, objetos de estudos desse trabalho, que repercute histórica e socialmente nas relações de poder, entre os atores envolvidos, a partir da histórica apropriação e dominação de terras no contexto local. Para isso, metodologicamente, este artigo tem como abordagem qualitativa, tendo em vista o englobamento de perspectivas analíticas que tal pesquisa pode gerar, através do levantamento bibliográfico, revisão em periódicos que retratem tal problemática, pesquisa documental em órgãos públicos, entrevistas semiestruturadas com a comunidade local, além de incursões realizadas para se compreender a vivência do extrativismo com os autóctones que ocupam tal área. Assim, ficou evidente que existe um dualismo entre as informações dos entrevistados x documentos de aforamento da terra pela SPU, no qual, alguns contrapontos são questionadores. Além disso, percebe-se uma histórica relação social dos entrevistados com o comércio, sobrevivência e ligação cultural/social como forma de afirmação territorial. Percebe-se novos cenários emergindo e assim, o “homem territorial”, construído nos diversos agentes envolvidos, atuará em novas configurações de territorialização, desterritorialização e reterritorialização, sendo palco de transformações, rupturas e contradições a serem problematizadas. Portanto, é relevante, aprofundar a pesquisa local acerca das relações sociais/espaciais locais caminho de retaliação histórica em busca de um território livre e múltiplo. Palavras-chave: Território. Territorialidade. Ilha Grande de Santa Isabel/PI. Pedra do Sal/PI. 1 INTRODUÇÃO

Ao longo do tempo, a organização social e econômica das sociedades aconteceu por

meio de variadas formas, imprimindo no espaço geográfico, as transformações de cunho

político, econômico, social, etc. Isto acontece devido ao homem globalizado que, pós-

revolução industrial, materializa suas transformações dentro do modo de produção vigente,

o modo de produção capitalista, dentro de uma lógica. Partindo deste contexto global, o 1 Turismólogo/Comissão Ilha Ativa/E-mail: [email protected] 2 Zootecnista/ Especialista em Educação do Campo e Agricultura Familiar Camponesa/ Presidente da Comissão Ilha Ativa – CIA/ E-mail: [email protected] 3 Bióloga/ Especialista em Ecologia/ Comissão Ilha Ativa/ E-mail: [email protected]

2

espaço geográfico passa a problematizar outros patamares, como por exemplo, o território,

que conota duplamente, entre o material e o simbólico, aproximando-se de terra-territorium

quanto de térreo-territor (terror, aterrorizar), tem ligação com dominação de terra e inspira

medo para aqueles que são dominados, ou seja, impedidos de entrar ou ter acesso a terra

(Haesbaert, 2005).

No Brasil, a questão agrária possui um desafio a ser alcançado no qual a maior parte

das terras estão em posse de corporações nacionais e multinacionais, alimentando o

agronegócio indo de encontro à agricultura familiar (FERNANDES et al 2012), além de que,

políticas publicas precisam ser efetivadas, principalmente, a partir do momento em que se

vive uma negação dos direitos territoriais e criminalização de movimentos sociais que

defendem a socialização do território. Comunidades pesqueiras, quilombolas, indígenas, que

territorializam-se no espaço geográfico como forma de reproduzir seus modos de vida,

imbuídos de um direito social sobre a terra, vivem a realidade de terem seus territórios,

rifados/mercantilizados pela iniciativa pública e privada.

Quanto ao contexto econômico do espaço, fator determinante de suas novas relações,

no litoral piauiense4, existem variadas formas de geração de renda, principalmente no tocante

das comunidades pesqueiras e extrativistas. Por mais que o turismo que, timidamente, se

inicia como forma de geração de emprego e renda no litoral, tais comunidades vivem

principalmente por meio de atividades de subsistência como o extrativismo de frutícetos,

pesca, cata de caranguejo, além da dependência dos autóctones com as políticas sociais e

emprego público local.

É importante destacar as relações incrustradas no espaço geográfico, que

territorializam-o, por meio de novas relações estabelecidas que fogem da concretude.

Lefebvre, em A produção do espaço afirma que o espaço não é autônomo, estruturalmente, ou

seja, alheio ao externo, e sim, peça que se relaciona, dialeticamente com as relações de

produção, e paralelamente, relações sociais e espaciais (FILHO, 2013).

O território, construído socialmente por essas comunidades, apesar de rico e

“territorializado” com suas práticas socioeconômicas, apresenta alguns paradoxos que 4 O litoral piauiense representa 66 km, iniciando na Barra das Canárias – fronteira com o Maranhão e segue pela Ilha Grande de Santa Isabel, passando pelo farol e Praia da Pedra do Sal, indo até a Barra da Timonha, foz do rio São João da Praia, na fronteira com o Ceará.

3

implicam em problemas de ordem social/espacial, no qual moradores de algumas

comunidades inseridas na Ilha Grande de Santa Isabel/PI e Pedra do Sal/PI, objetos de estudo

desta pesquisa, não possuem direito jurídico sobre a terra, mesmo estando há muito tempo,

ocupando tal área. Paralelo a tal contrassenso, uma onda de empreendimentos de cunho

“ambiental”5 e turístico6, vem instalando-se em áreas de extrativismo da comunidade,

instabilizando o modo de vida local.

Assim, cabe ressaltar que tal pesquisa faz parte de ações da Comissão Ilha Ativa –

CIA7, entidade que possui várias linhas de atuação no contexto local por meio de um

compromisso socioambiental, através de atividades de pesquisa e extensão, no qual percebeu

o cenário do espaço geográfico e consequentemente, territorial da Ilha Grande de Santa

Isabel/PI e Pedra do Sal/PI, como alarmante a ser problematizado por meio de um trabalho

científico.

Metodologicamente, este trabalho buscou caminho na pesquisa de natureza qualitativa,

por meio da análise de entrevistas transcritas realizadas com autóctones do objeto de estudo já

citados e documentos da SPU, além de revisão de documentos, materiais bibliográficos

pertinentes que tivessem como foco a terra e seu valor de apropriação (Lefebvre, Haesbaert,

Santos, etc.) e periódicos que problematizam tais objetos de estudos nos últimos anos. Optou-

se por alguns autores/teóricos pela convergência acerca de território e espaço, uma vez que no

campo da geografia, existem variadas contribuições, seja do espaço enquanto físico e social.

Ressaltamos que o presente artigo representa um recorte de dados adquiridos durante o

Projeto “Sociobiodiversidade da Ilha”, financiado pelo Tropical Forest Conservation Act -

TFCA e executado pela ONG “Comissão Ilha Ativa”, que tem como área de atuação, a

Unidade de Conservação Área de Proteção Ambiental – APA Delta do Parnaíba que envolve

os estados do Maranhão, Ceará e Piauí.

Portanto, busca-se dentro desta pesquisa, analisar, por meio de uma abordagem

5 De acordo com a pesquisa realizada por Ibiapina (2013), a geração de energia eólica aparece como oportunidade por representar uma fonte renovável e apresentar “baixos” impactos, porém, tais impactos de cunho social e ambiental não podem ser negligenciados. 6 Atualmente, a Pure Resorts & Residences vem analisando a proposta de inserção de um resort e condomínio de luxo natural na comunidade da Pedra do Sal, com promessa de geração de emprego e renda, além de alavancar a atividade turística em nível municipal e estadual. 7 Disponível em: http://comissaoilhaativa.org.br/

4

histórica, o processo de territorialização da Ilha Grande/PI e Pedra do Sal/PI, viabilizando um

olhar crítico sobre necessidade de observar o espaço e seus fatores sociais/espaciais e

evidenciando a contemporaneidade dos processos de desterritorialização que colocam em

questionamento, os impactos a serem gerados, futuramente. De um lado, comunidades que

reproduzem seus modos de vida nessas áreas e de outro, herdeiros que se dizem donos da terra

e paralelo a esses cenários, outro cenário se constrói no qual, grandes empreendimentos com

propostas turísticas e ambientais vem instalando-se com promessa de progresso e

desenvolvimento. Vale salientar que existem poucas produções científicas que problematizem

o fator território enquanto processos de territorialização (multirerritorialidade x

desterritorialidade, tal dualidade no contexto colocado por Haesbaert) e sua apropriação em

nível local e este vazio, já coloca como desafiador, analisar tais objetos de estudos por meio

dessa perspectiva. A partir deste contexto, é necessário buscar informação a partir de um fio

condutor histórico sobre tais ocupações que materializam a territorialidade, pois isto reflete

em resultados e problemas atuais das comunidades citadas, como é o caso desse novo cenário

ameaçador dos interesses das comunidades tradicionais, aqui problematizadas.

Conhecer o passado e contrapor com presente, obriga-nos a investigar tais

problemáticas neste artigo, objetivando construir reflexões que possibilite um caminho de

retaliação histórica dos direitos agrários em nível local ainda a ser alcançado.

2 ABORDAGEM METODOLÓGICA 2.1 REVISÃO DE LITERATURA

Conforme pesquisa realizada pela Comissão Ilha Ativa – CIA (2012), um dos objetos

de estudo deste trabalho científico, Ilha Grande de Santa Isabel/PI8, faz parte da Área de

Proteção Ambiental – APA Delta do Parnaíba, no qual, tal unidade de conservação foi criada

objetivando proteger o “Delta do rio Parnaíba”, por meio da fauna, flora, dunas, recursos

hídricos, melhoria de qualidade de vida dos autóctones locais, preservação de suas culturas e

tradicionalismo assim como fomento da prática do turismo ecológico.

Com 240 km² de território, a Ilha Grande de Santa Isabel/PI possui uma organização 8 Representa a maior ilha do Delta do Rio Parnaíba, possui toda sua área dentro da Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba, Unidade de Conservação de Uso Sustentável (CRESPO, 2007).

5

social que engloba diversos grupos, associação e colônias se atendo na defesa da pesca,

artesanato, cata do caranguejo, cata do marisco e dentre outros (CIA, 2012). Isto reforça a

ligação/territorialização dos autóctones para com a terra, permitindo analisar o fator de

convívio e subsistência social que um território tem para quem os ocupa.

Já a Pedra do Sal/PI está localizada ao norte de Parnaíba, tendo como divisa, a cidade

de Ilha Grande/PI, distanciando-se em 19 quilômetros do município-sede. Tal comunidade

aqui problematizada é “conhecida por sua singularidade e tradicionalismo do seu povo,

representando um dos grandes atrativos do local” (CUNHA, MÉLO e PERINOTTO, 2014).

Além disso, também configura-se por meio de entidades que defendem categorias como as

artesãs, barraqueiras de praia, associações comunitárias, etc.

Por meio de uma análise documental dos processos que deram aforamento da terra

para “herdeiros”, é importante destacar que somente em 1989 (SPU, 2014), tal posse de terra

foi concedida, ultrapassando (leia-se como negação) a existência de famílias que se

apropriaram do espaço local conforme, serão apresentadas comprovações, no decorrer desse

trabalho analítico. Esta relação: Herdeiros x comunidade imprimem relações de poder e

desigualdade na posse da terra, devido aos diversos interesses envolvidos, demonstrando o

papel “territorializador” desses atores sociais, demostrado pelas suas motivações de ordem

política, social, econômica, ambiental, etc. De um lado, o caráter social do território

legitimando a multiplicidade que uma terra pode materializar enquanto no outro, a lógica

funcional do capital de produção para a reprodução do capital.

Assim, por meio desse mote, cabe aqui, conceituar o termo território que nos obriga a

recorrer a variadas vertentes de estudos, embora priorizemos contribuições teóricas que

partam da geografia crítica. Assim, a concepção mais breve coloca o espaço territorial como

instrumento que imprime poder e dominação por parte de agentes sociais (estado,

organizações não governamentais, setor privado, etc.) ou como Brito (2008, p. 19) situa

território com um viés social citando Milton Santos: Os territórios, como lócus de manifestação das materialidades sociais em meio às forças universalizantes do sistema capitalista, resultam no que Santos M. (1994) designa de uma “forma impura”. Nesse sentido, a territorialidade humana aparece como um conjunto de relações mediadas pelo poder entre os distintos atores sociais (estado/governo, empresas, instituições sociais..., cidadãos), que se interessam por algum objeto comum

6

localizado numa dada porção do espaço geográfico.

Neste contexto, a relação do homem com o espaço geográfico submete-o a processos

de dominação e poder de um grupo sobre outro, materializando-o enquanto agente territorial.

Essa contextualização do território já situa o termo territorialidade que é tida como um reflexo

das relações sociais ora conflituosa, ora não, do homem para com o seu espaço. Lefebvre

distingue dominação de apropriação, apresentando singularidades que situam estes dois

aspectos como extremos: O uso reaparece em acentuado conflito com a troca no espaço, pois ele implica “apropriação” e não “propriedade”. Ora, a própria apropriação implica tempo e tempos, um ritmo ou ritmos, símbolos e uma prática. Tanto mais o espaço é funcionalizado, tanto mais ele é dominado pelos “agentes” que o manipulam tornando-o unifuncional, menos ele se presta à apropriação. Por quê? Porque ele se coloca fora do tempo vivido, aquele dos usuários, tempo diverso e complexo. (Lefebvre, 1986:411-412 apud Haesbaert, 2005, p. 2).

Lefebvre proporciona uma discussão, dissociando um processo de dominação, reflexo

do modo de produção capitalista que mercantiliza a terra para minorias e positivando a terra

quando apropriada pelo seu caráter simbólico: Além do “ter”, a terra também representa o

“ser”. Este contexto colocado por Lefebvre é bastante atual, tendo em vista a

contemporaneidade de ocupação de terra no Brasil, sendo que na sua maioria, são

criminalizadas pela mídia burguesa (HAESBAERT, 2005).

Dentro destes processos de dominação materializados na relação do homem com o

espaço, englobando as dinâmicas globais de produção que refletem em dinâmicas locais de

organização urbana, reverbera em inúmeros processos, como por exemplo, a

desterritorialização, no qual, Haesbaert conceitua esse fenômeno como “a precarização do

território enquanto recurso ou apropriação material ou simbólica” (HAESBAERT, 2004 apud

CRUZ, 2007, p. 115).

Em contraponto a este fenômeno, Haesbaert coloca a “multiterritorialidade” como

alternativa conceitual, no qual configura-se a partir da seguinte afirmação no qual sempre

agimos territorialmente: (...) a existência do que estamos denominando multiterritorialidade, pelo menos no sentido de experimentar vários territórios [elou territorialidades] ao mesmo tempo e de, a partir daí, formular uma territorialização

7

efetivamente múltipla, não é exatamente uma novidade, pelo simples fato de que, se o processo de territorialização parte do nível individual ou de pequenos grupos, toda relação social implica uma interação territorial, um entrecruzamento de diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos vivido sempre uma “multiterritorialidade". (Haesbaert, 2004a: 344)

Assim, o homem enquanto “ser territorial” (ou territorialista como afirma Barel), atua

de diversas formas que materializam a multiplicidade de territórios criados e socializados e

essa experiência é evidente no convívio dos autóctones locais e suas diversas formas de

“territorializações” no meio em que vivem.

Com essas contribuições teóricas, buscamos dialogar algumas noções sobre “espaço”,

“território”, “territorialidade”, “desterritorialidade, “multiterritorialidade” e entre outros,

como forma repousar sobre o contexto local e assim compreender as problemáticas existentes.

Seguindo a abordagem metodológica deste trabalho, realizamos uma breve revisão

documental de processos antigos que deram aforamento de terra para tais herdeiros citados

anteriormente, no qual, teve como instituição responsável, a Secretária do Patrimônio da

União – SPU, endereçada no município de Parnaíba que foi responsável pela legalização de

terras da Ilha Grande de Santa Isabel/PI e Pedra do Sal/PI e possui documentação que

apresenta como se deu o processo de legalização das terras para esses herdeiros e que será

apresentada no capítulo “resultado e discussões” do presente artigo científico.

2.2 INCURSÕES/ENTREVISTAS COM A COMUNIDADE LOCAL

Por meio da observação participante junto aos autóctones, durante o ano de 2014,

foram realizadas uma série de incursões e entrevistas, objetivando conhecer historicamente,

por meio da fala da comunidade, como se deu processo de apropriação das terras dos objetos

de estudos aqui definidos (Ilha Grande de Santa Isabel/PI e pedra do Sal/PI), principalmente

pela problemática colocada no qual, as mesmas terras foram aforada em nomes de herdeiros.

Dessa forma, sob a participação de moradores, visitamos áreas já desocupadas que

demonstram uma ocupação histórica do município, apresentando ampla área de pesquisa para

o campo da arqueologia e ciências correlatas. Essas visitações duravam em média 1 a 4 horas,

proporcionando uma observação sobre o extrativismo local que já evidencia e legitima a

apropriação da área para fins sociais.

8

As incursões foram sistematizadas, fotografadas e com marcação de GPS dos locais

visitados, buscando registrar as diversas percepções concebidas e assim, servir de reflexão

para o presente artigo.

Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com as pessoas mais antigas da

comunidade. Optou-se escolher por tal faixa etária por conta de seus históricos convívios

dentro do território apropriado que deu base a Ilha Grande de Santa Isabel. No total, foram

seis entrevistados, tendo todas as informações gravadas e posteriormente, transcritas.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para início de análise, vale ressaltar que esta pesquisa configura-se como uma

tentativa de fornecer um instrumento teórico-empírico de análise em defesa da apropriação de

terra no seu contexto social pelas comunidades ocupantes aqui citadas, tendo em vista à

histórica negação de tal realidade e a ausência de material científico que possibilite uma

compreensão sobre tais contradições locais. Para se chegar aos resultados históricos e sociais

sobre como se deu o processo de apropriação das terras da Ilha Grande de Santa Isabel/PI e

Pedra do Sal/PI, buscou-se caminho em um guia de entrevista, embora outros

questionamentos tenham surgido de acordo com os acontecimentos supracitados.

Questionamentos como: Desde quando, você mora na Pedra do Sal? Você sempre morou

neste local ou já morou em outras casas? Quem foi a primeira pessoa da sua família a morar

na Pedra do Sal? O que deveria ser feito para essa situação problemática das terras na Ilha

Grande/PI e Pedra do Sal/PI? e dentre outros, direcionaram o levantamento de dados.

Na totalidade, foram seis moradores entrevistados, sendo pertencentes do município de

Ilha Grande/PI e comunidade da Pedra do Sal, pertencente ao município de Parnaíba/PI. Por

meio de uma entrevista semiestruturada, optou-se entrevistar pessoas que pudessem discorrer

sobre o processo histórico de ocupação das localidades citadas, ou seja, pessoas antigas e que

de alguma forma, fornecessem informações relevantes para contradizer fatos levantados pelos

“donos da terra” ou “herdeiros” no aforamento realizado pela SPU. Questionou-se de início,

sobre a história de ocupação das famílias no município de Ilha Grande/PI e comunidade da

Pedra do Sal. Seu Garajau, morador da comunidade da Pedra do Sal, casado com Dona Maria

da Conceição, também moradora local, mora na localidade desde 1977, porém nunca

9

possuíram documentação que comprovasse a posse de terra. Assim, a entrevistada 1 afirma:

“Eu nasci e me criei aqui na Pedra do Sal, nasci em 1947 em um sábado, 2 horas da tarde. Meu pai, Manoel Gonçalves do Nascimento, nasceu em 1922 e minha mãe, nasceu em 1928, e eles nasceram aqui na Pedra do Sal. Minha vô materna Cesária morava no “Ziburana” e meu pai morava aqui (Pedra do sal). Uma das minhas vó morava na Beira da Praia. Em 1979, nos casamos e fomos morar lá na praia. Na época, tinha umas 10 casas”.

E o entrevistado 2 complementa:

“Quando o João Tavares Silva chegou aqui, o avô “Vei Coringa” dela (Dona Maria da Conceição) já morava aqui... Quando ele chegava aqui, vinha em um cavalo e amarrava na budega que o “Vei Coringa” tinha e ia passear nas pedras... Ele vinha da Ilha Grande de Santa Isabel”.

Nas falas acima dos moradores, percebe-se nas datas, que a ocupação das terras da

Pedra do Sal/PI ocorreu a mais de 100 anos, porém, observando documentos públicos da

SPU, percebe-se que as suas existências nas terras aforadas, assim como suas atividades de

subsistências, foram negadas. Em pesquisa feita nos processos de aforamento de terra feita

pela SPU, conforme processos tendo como procedência, João Carvalho de Carvalho e Silva,

apresenta informações quanto a demarcação de terras para 7 (sete) herdeiros, tendo como data

de processo iniciado, o ano de 1987:

Fonte: Secretaria do Patrimônio da União – SPU (2014)

E em outra passagem do processo de aforamento, é falado que o herdeiro “João

Tavares de Carvalho e Silva” paga taxa de ocupação, desde 1921, paralelo à ocupação de

autóctones feita bem antes, brevemente apresentada anteriormente:

10

Fonte: Secretaria do Patrimônio da União – SPU (2014)

É importante perceber a seguinte situação: De um lado, moradores que, desde os anos

20, vivem e fazem do espaço local, seus modos de vida, unidos ao extrativismo e sua

comercialização, legitimando a ligação com a terra e materializando seus “territórios

pesqueiros”, “extrativistas”, etc e ao passo disto, tais terras ocupadas foram aforadas e

empossadas por “herdeiros”, negando a existência destes autóctones.

Haesbaert fala que o território imprime uma questão de “ser” e não somente de “ter”

(2005). A partir desta afirmação, é importante destacar um trecho de entrevista realizada com

a entrevistada 3, que fala de sua relação histórica com o extrativismo: Na época do Muricí, minha vô e eu juntava murici e enchíamos o balaio, botávamos a cabeça e íamos por ali, acordávamos 4h da manhã e quando o dia amanhecia, estávamos no porto de vazantina. Aí nós iamos para o mercado, minha vô botava o balaio e vendíamos por 50 cruzeiros o litro. Daí quando terminava compramos o que comer (Carne, ossada, o que o dinheiro desse. Vendiamos também o caju e a castanha nós assava e quebrava, raspava e levava pra vender, era 5 cruzeiros. Aí nós ia pescar e pegava de 15kg de peixe (Cará, traira, pial), salgava e empilhava. Quando era 2h da manhã, meu avô e minha mãe acordava eu e meu irmão, aí ela colocava um monte de peixe no plástico, amarrava e fazíamos os cambos. Cada cambo era um cruzeiro, dois cruzeiros e eu sempre ajudando, observando, pois tem filho que não observa o que o pai faz e eu sou muito curiosa e tudo isso (palha, peixe, murici, caju) era coletado perto de nossas casa. Plantávamos mandioca, macaxeira, batata, feijão, etc.

E a entrevistada 4 também fala sobre como era antigamente, sua relação social com o

território aqui problematizado: Tinha muita fartura, mais caju, murici e as belezas naturais que ainda temos um pouco, mas não como antes. Eu vejo assim... Até mesmo no mar e nas lagoas, tinha muito peixe que com o tempo foi acabando”. Então tinha lagoas que davam muito peixe que era a lagoa da Vareda que meu avô pescava muito, então tinha uma grande diversidade e com o tempo foi acabando. Eu lembro muito dessa fartura... Eu lembro muito dessa fartura e eu cresci vendo isso, nós íamos vender peixe no mercado em Parnaíba, íamos pelo

11

labino, enfim... Eu sei que saiamos pela vazantinha, atravessávamos o rio de canoa e chegávamos umas 4:30 5:00. E íamos com peso na cabeça no meio da areia, lama... Levávamos balde, bacia de caju.... Eu ia com minhas irmãs, eu como era novinha, tinha 8 anos, por ser menor eu sempre levava as sacolas de palha e o cofo e como minhas irmãs, eram mais velhas, uma levava bacia de caju e a outra de peixe (Cará, etc.) e levávamos para vender no mercado. Então assim, a gente cresceu assim.. A gente sempre trabalhou na roça, produzíamos de tudo um pouco, mas produzíamos arroz. Tinha arroz, milho, feijão, horta...então assim, nós não tivemos muita oportunidade de estudo pois não tínhamos condição, hoje eu vejo que chegávamos na escola esgotados...Mas eu estudei aqui na pedra do sal e eu fui ser alfabetizada aqui na Pedra do Sal... A primeira escolinha que foi criada aqui foi a Escola João Severo que foi criada por uma hippie muito inteligente, ela começou alfabetizando na casa dos pescadores. Então a maioria desse pessoal da minha época foi alfabetizado por ela, então vinha labino e pedra do sal e fomos alfabetizados por ela. Labino e Pedral. A gente vinha num grupo de adolescente e vinhamos estudar aqui, e ai ela começou a buscar recursos e fazer a escolinha. Na época, eu lembro que a gente ia fazer acerca e o Herbet mandou derrubar. Aí eu não entendia muito bem, mas todo mundo tinha muito bem, ai ela mandou cercar novamente, ele mandou derrubar, nós levantamos de novo, nós, estudantes, ele mandou derrubar três vezes e nas três vezes ela mandou construir, aí ele parou. E aí construiu... Aí ela fundou a associação, ai começou a trabalhar na comunidade... Mas aí embargou também na questão quando começou a divergir a comunidade... Ela chegou a fundar a associação, construiu a escola João severo... E aí tinha os barcos de pesca, São Pedro I e II, e a própria comunidade acabou tudo. Eu via e não entendia muito e aí assim... Depois agora, quando entrei na associação eu comecei a entender tudo que aconteceu atrás, quando começamos a luta pela terra, quando brigamos pelo bar, eu entendi o que ela tentou mostrar pra comunidade, e aí depois eu vi a casa da minha cunhada que ele mandou tocar fogo (Dona Ana), pois ela fez sem pedir a eles... E eles botavam fogo tudo escondido, ninguém sabe que foi eles. Então assim, essa é uma das coisas que acontecem, mas acontecem coisas bem piores... Agora mesmo, com esse incidente das terras, o morador Israel construiu a casa... O Roberto mandou um carro cheio de peão para derrubar a casa e foi recente, na época da luta contra a Ecocity e ele é um morador antigo, nativo daqui... Atualmente, tem muita gente de fora, inclusive a comunidade cresceu muito onde tem pessoas do Pará, RJ, buscando qualidade de vida, etc.

Na fala dos moradores, percebe questionamentos sobre a veracidade da legalidade

jurídica das terras herdadas pelo interessado do processo ou como já citado, pelos “donos da

terra”, por meio de suas declarações de apropriação de tal terra, no foco do comércio,

extrativismo e ligação social com o território aforado. Além da indignação acerca dos dias de

hoje em comparação com o passado quanto ao acesso das terras.

12

Insistimos que, em nível local, inexistem produções científicas sobre as conflituosas

relações de ocupação de terra na Ilha Grande/PI e Pedra do Sal/PI, tornando os objetivos deste

trabalho científico como papel desafiador e relevante daqui para frente. Porém, cabe refletir

sobre a realidade de outras comunidades tradicionais que vivem tal problemática, como por

exemplo, Prainha do Canto Verde/CE9 e Tatajuba/CE, no qual historicamente vivem conflitos

quanto à dominação de seus territórios, conforme observação em visitas técnicas já realizadas.

A entrevistada 4, moradora da comunidade da Pedra do Sal sofreu um embate com um

dos herdeiros da terra, sendo que este último não deu “permissão” para que a moradora

construísse um estabelecimento, contextualizado a seguir:

A minha primeira história com a comunidade foi quando eu vim para cá e resolvemos colocar um ponto de venda, que era barzinho na praia pra mim trabalhar. E daí então, foi que eu fui conhecer mais a realidade da comunidade. Assim, sempre ouvi dizer que aqui não se podia construir nada, nem casa, sem o consentimento dos Silva. Quando se tinha de construir uma casa tinha que pedir permissão a Família Silva (Roberto Silva, Alberto, etc.) no qual eles eram os coronéis aqui dentro. Já aconteceram casos da família do meu marido que foram construir casas e a família Silva chegou a queimar e mostravam que eram os coronéis aqui dentro. Então fomos construir o bar e não pedimos ele (Roberto Pilim). Chegaram ao ponto que eles mandaram guinchar e foi a primeira luta que tivemos na comunidade e na época, quando estávamos construindo o Roberto veio e pediu para não construirmos mais, pois não tínhamos pedido a ele, pois a terra era deles, pois eles eram o dono da praia e nós falamos que só queríamos trabalhar e viver dignamente. Daí foi quando veio o guincho e eles falaram que iriam guinchar e falamos, poxa, o nosso não vai guinchar. E aí, ficou eu, minha cunhada, meu cunhado e o rapaz construindo, e eles mandando parar e nós dizendo, pode continuar. E daí o homem disse que ia guinchar e falamos que não, senão iria morrer gente. E a comunidade ficou só observando e todo mundo ficou esperando no que ia dar. E daí, Roberto Pilim reuniu os barraqueiros... E na época, a comunidade, em vez de apoiar, ficou foi contra, mas hoje em dia, eu vejo que eles tinham medo de encarar e enfrentar a família Silva. Já éramos mais de 100 famílias. E assim, não se podia construir casa de telha, de tijolo... Só de parede de palha, casa de palha e com o consentimento deles. (Dona Norma - Moradora da comunidade da Pedra do Sal)

Este episódio apresenta a correlação de forças que a comunidade da Pedra do Sal

está inserida, conflitando sua permanência no território, historicamente, ocupados e o quão

problemático representa a comunidade buscar inserir-se em atividades geradoras de 9 No ano de 2009, foi criada a Reserva Extrativista Prainha do Canto Verde – CE com objetivo de assegurar por terra e por mar, os direitos da referida comunidade tradicional.

13

emprego e renda.

Souza contextualiza poder e território da seguinte forma: O território, objeto deste ensaio, é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. A questão primordial, aqui, não é, na realidade, quais são as características geoecológicas e os recursos naturais de uma certa área, o que se produz ou quem produz identidade em um dado espaço, ou ainda quais as ligações afetivas e de entre um grupo social e seu espaço. Estes aspectos podem ser de crucial importância para a compreensão da gênese de um território ou do interesse por tomá-lo ou mantê-lo, como exemplificam as palavras de Sun Tzu a propósito da conformação do terreno, mas o verdadeiro Leitmotiv é o seguinte: quem domina ou influencia e como domina ou influencia esse espaço? (SOUZA, M., 1995, p. 79, grifos do autor).

Outro morador da Pedra do Sal fala sobre a não regularização da terra. Questionado

sobre a existência de documentação que comprova a posse do território, o entrevistado 5

Jonas afirma: Tenho não. Pois quando chegamos aqui, tínhamos o entendimento (Já era conhecido como Pedra do Sal) que era um lugar deserto... O Roberto Pilim levou o João Severo no cartório para ele testemunhar que essas terras são da Família Silva... Então isso aqui era aberto, não tinha dono, existiam poucas casas e hoje em dia você vê a quantidade de casa... O que acontece é que a Família Silva tem um monte de dinheiro, pois eu já fui na reunião da eólica e a o rapaz disse pra nós que isso aqui (a terra) estava alugado pela família Silva por 20 anos. Que menos eles ajudassem a comunidade, pois nós que fizemos o cemitério e a igreja ainda teve ajuda do Herbet. Um trabalhador desses me falou que daqui a 2 anos, serão instalados 90 cataventos.

A entrevistada 6 também falou do descaso da falta de regulamentação:

Nunca tivemos documento da terra. Ninguém aqui da Pedra do Sal tem documento da terra e nunca falaram nada disso!... Seria muito bom que tivesse uma regularização, mas hoje em dia, as coisas tão assim... As pessoas não estão dando mais valor, ou seja, as pessoas venderiam... Regularizar por regularizar não funciona (Moradora da Pedra do Sal).

De acordo com a SPU, as glebas divididas para cada herdeiro correspondem a grandes

áreas territoriais:

14

Fonte: Secretaria do Patrimônio da União – SPU (2014)

Como já falado pelos moradores da Pedra do Sal e Ilha Grande, o processo de

regulamentação do território pelos “Donos da terra” é de caráter inverídico, uma vez que não

se levou em conta, as famílias que já ocupavam ás áreas tornadas propriedades de

particulares. Contextualizando as noções de poder, Foucault salienta que: “[...] o poder não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação, como também da afirmação que o poder não é principalmente manutenção e reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de força” (FOUCAULT, 1999, p. 175).

E partindo de um contexto econômico sobre território, Marx fala que (1986, p. 87):

A noção de território estaria dada em sua declaração, “[...] o que faz com que uma região da terra seja um território de caça é o fato das tribos caçarem nela [...].” Com isso, o autor aponta a condição de suporte da vida material de um dado grupo social que se apropria e usa uma parte do espaço geográfico, em um período historicamente datado. É evidente que Marx (1986) não estava preocupado em compreender o território em si, mas sim as formações econômico-sociais pré-capitalistas, que forneceria elementos de análise para seu trabalho de maior fôlego – O capital.

Destaca-se que o território aqui contextualizado, remete poder e desigualdade, tendo

em vista a realidade local colocada no qual de um lado, proprietários de longas extensões de

terra emitem poder, gerando instabilidade para os moradores e de outro, a comunidade que

15

vive a mercê dos mandos e desmandos dos primeiros.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Concluindo”, a apropriação de terras, acompanhada de um contexto social/espacial e

em negação ao processo acumulativo capitalista que nas palavras de Lefebvre que configura-

se como como “dominação”, nos coloca em uma posição de enxergar a terra como uma

questão de “ter” e “ser”.

Assim, a partir dos resultados obtidos, faz-se necessário realizar algumas

considerações sem a pretensão de concluir a presente pesquisa, tendo em vista o longo

processo de análise dos novos cenários que são evidenciando nos objetos de estudos aqui

problematizados, colocando como potencial, as contradições existentes a partir das relações

ocasionadas pelos agentes terriorializadores, desterritorializadores e reterritorializadores no

contexto local. Analisar o espaço e percebe-lo para além dos seus aspectos físicos, é um

papel desafiador quando tal realidade imprime relações sociais/espaciais em constante

movimento a serem investigadas, sendo um compromisso, pesquisar para transformar a

realidade que está colocada e a partir das provocações de rupturas, buscar alternativas em

nível de políticas públicas que desmistifiquem alguns mitos quanto ao espaço, território, lugar

e suas inerências, dialeticamente, a serem travadas. Dessa forma, privilégios e privilegiados

tornaram-se mitos para as gerações futuras.

A ilha Grande de Santa Isabel/PI e Pedra do Sal/PI, comunidades estas que

reproduzem a pesca, o artesanato, o extrativismo e de encontro a isto, a especulação

imobiliária ambiental e turística como forças contrárias a seus interesses, necessitam de seu

protagonismo na defesa do território. Para além disso, o protagonismo das iniciativas públicas

enquanto públicas de fato, precisam urgentemente serem percebidas, tendo em vista a

ausência de políticas públicas que poderiam contribuir para a comunidade local, como a

regulamentação fundiária, partindo do entendimento que tal iniciativa precisa de

acompanhamento técnico; geração de emprego e renda que dialoguem com a estrutura social,

econômica e ambiental destas comunidades, práticas socioambientais com foco na proteção

social e ambiental do espaço ocupado pelo autóctones e dentre outros.

16

A partir dos discursos dos autóctones entrevistados, são perceptíveis alguns

contrapontos históricos quanto ao aforamento da terra para a família herdeira, fazendo-se

relevante alcançar novos patamares de pesquisa local para que assim, cumulativamente,

possamos contribuir, junto aos órgãos responsáveis, na desapropriação de tal área para essas

comunidades tradicionais. É evidente a ligação social com a terra a partir de suas reafirmações

territoriais por meio do espaço local a partir de inúmeros aspectos: econômico, ambiental,

político, social, etc.

Quanto aos cenários antigos e atuais, no qual empreendimentos turísticos,

condomínios de luxo e empresas com propostas supostamente ambientais como usinas eólicas

disputam o espaço de tais comunidades, é profético desenhar os novos processos de

desterritorialização, ocasionando impactos de caráter duvidoso. Assim, faz-se como

responsável, a academia, por meio da pesquisa, buscar evidenciar tais contradições e assim,

desconstruir para construir novas alternativas para as comunidades tradicionais do litoral

piauiense.

Por fim, este artigo se propôs como um ensaio inicial de pesquisa em nível local que

problematize o espaço geográfico e seus conflitos que aparecem implícitos-velados para o

poder público municipal e a partir disto, perceber tal problemática como relevante,

necessitando ser vista como norte de debate da sociedade civil organizada local, poder público

estadual/municipal e meio acadêmico, no sentido de tais contradições sejam avançadas como

retaliação histórica para as comunidades tradicionais, desde o início, aqui retratadas.

REFERÊNCIAS

COMISSÃO ILHA ATIVA – CIA. Cartilha Sociobiodiversidade da Ilha Grande de Santa Isabel. Gráfica e Editora Sieart, 2012. CRESPO, M. F. V.; GOMES, J. M. A. Estratégia de desenvolvimento do arranjo produtivo local da carnaúba em Ilha Grande de Santa Isabel (PI) – Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba. Disponível em: <http://www.ecoeco.org.br/conteudo/publicacoes/encontros/vii_en/mesa2/trabalhos/estrategia _de_desenvolvimento.pdf> Acesso em 5 de março de 2015. CRIAÇÃO DA RESEX. Disponível em: <http://prainhadocantoverde.org/um-conflito-divide-

17

os-moradores-da-prainha-do-canto-verde-desde-a-criacao-da-resex/>. Acesso em 5 de março de 2015. CRUZ, Rita de Cássia Ariza da Cruz. Geografias do turismo de lugares a pseudo-lugares. São Paulo: Roca, 2007. CUNHA, J. M. A.; MÉLO, I. C.; PERINOTTO, A. R. C. Disponível em: http://periodicos.uern.br/index.php/turismo/article/viewFile/1076/591. Acesso em 5 de março de 2015. HAESBAERT, Rogério. Da desterritorialização à multiterritorialidade. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina. Universidade de São Paulo – USP, 2005. IBIAPINA, M. M; SANTOS, B. R.; VALE, L. M.; ASSIS, E. G. Conflitos Socioambientais entre as obras de Ampliação da Usina Eólica e a Comunidade Pedra do Sal – Parnaíba – PI. Disponível em: <http://www.portalpet.feis.unesp.br/media/grupos/enapet2014- santamaria/atividades/enapet- 2014/artigos/Conflitos%20Socioambientais%20entre%20as%20obras%20de%20Amplia%C3 %A7%C3%A3o%20da%20Usina%20E%C3%B3lica%20e%20a%20Comunidade%20Pedra %20do%20Sal%20%E2%80%93%20Parna%C3%ADba%20%E2%80%93%20PI..pdf>. Acesso em 5 de março de 2015. PIAUÍ. Disponível em: <http://www.piauihp.com.br/litoral_piaui.htm>. Acesso em 5 de março de 2015. PURE RESORT.Disponível em: <http://www.portalaz.com.br/noticia/geral/288150_jornalistas_conhecem_o_projeto_da_pure _resorts_no_piaui.html>. Acesso em 5 de março de 2015.