OBRA LISIOAI · 2017. 4. 27. · Fala da esperteza do Bolota e dos passos que tem dado por ele....

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Redaeçll o, Admialetraç&o e Pro prietária Dircctor e Editor --;:- CASA DO GAIATO-PAÇO DB SOUSA - T elf. 5 PADRI AM&RICO AYEMÇA 16 de Setembro de 1950 Composto e na Valea do Correio paza CRTB TTPOORAPlA DA CASA DO GAI ATO-PAÇO DE SOUSA foo do pelo Co11111nõo de Censuro OBRA OE. RAPAZES, PARA RAPAZES ... ... " PREÇO 1$00 , _____ PEDITÓ----'RIOS AIJ u 1 o peditório da Nazaré. A LI mar é subiu um pouquinho do ano passado para este. Houve alvoroço nos corações, como nos outros anos. Nem po- dia deixar de ser: são pobres os naturais e a maioria dos vera- neantes. Ao passar por entre as bancadas, ouve-se um gemido que impressionou toda a assistência: <<'rese pelos meus filhos, para que eles 515,zm os vossos exemplos». Outra modesta Senhora arranca discretamente a aiiança e coloca-a na bandeja, no que é imitada por mais duas. Hd operdrias que àes- pejam quanto tra zem, e, até as pobres peixeiras, de luto carrega- do, com os seus · carecteristicos trajos regionais, desatam a ponta do lenço onde trasem a sua jortu- na e deitam-na totalmàíll! no p1 a- to. Devia segufr-se a Costa do Sol. E' para ld que vão os grandes. Mas não : a Obra encontrou as portas das igrejas fechadas. Hd outras obras e o medo de que o pão não chegue para os de casa. - Mas olhe que Deusddaquem dd, e ajuda quem nos ajuda ... Isso é muito lindo em teoria, mas na p1'ática, não dd nada». - E' pena que quem prega o Evangelho, 1tão acredite nele . .. Toda a Obra da Rua é um des- mentido daquelas palavras, e a confirmaçtí.o plena e categórica do Texto Sagrado: dai e dar-se· vos· à. Não adn-m·a pois que na Costa do Sol haja tantas trevas. Para mais andava ainda no ar aquela poeira que o P. e Américo levantou da outra ves . .. Tat recusa permitiu-me l evar o Evangelho a outras paragens. Ouviram-no, como out 1·ora os pei- xinhos de S .to Antónt'o, quatro centenas de garotos de L isboa instalados em S. Julião da Ericei- ra. Havia ali representantes do Bairro Alto, da Mouraria; Casal Ventoso, 1J.fonsantoetc. A uma vos ao terminar, todos insistem : sió pade volte amanhã., sim? Tantas vezes me lembrei daque- le convite de papa S. Gregório ao clero do seu tempo: passemos aos bdrbaros ! Passem.o-nos aos bdr- baros I .. . Mas, na Costa do Sol, gente boa e amiga. Se assim não fora teria jd vindo novo dilúvio. Oma1 teria entrado pela Boca do Infer- no para lavar os pecados do mun- do. Pois que esses de boa vontade venham até nós, tn nomini Domi- ni. Nem as igrejas .. nEm TUDO QUE p LUZ ' OIRO. .... esca am ao ven- daval de poeira que alastra e dei xa muita gente a esfregar os olhos, sem ver bem o Caminho. Tambémhdpoeira nas 1grejas . .. Pt or ,quando dourada. Esc1 'e ue -nos alguém da Alatne- da de D. Ajonso Henriques, a pe- dfr um lugar para um filho que disia andar por niaus caminhos. Respondi que as nossas Casas se destinavam aos filhos dos pobres, aos sem eira nem beira, que la- mentava muito o desgosto que lhe da va o seu filho mas não ti- nha possibilidade de lhe valer. Sugeria até a ideia de prociáar o internamento dele num Colégio de rapazes da sua classe social, que os havia muito bons ... Não se jes esperar a resposta mais dura que até ao presente te- nho recebido: que era a senhora que tinha dado unt anel quando do peditório de A7·roios; que a cul- pada tinha sido um a beata, que elas e os padres e que eram os culpados de todo o mal que vai pelo mundo, e queria ld o seu ri- co anel. Mandei o Pedro à morada indicada para restituir a joia. Não é para contar o que ele dlsse, ou- viu e viu. Nunca os seus pés cal- caram tapetes tão rz'cos, 11em nim- ca tinha visto paredes adornadas com baixelas e quadros ?'aros. Dei- xou a aliança e sacudiu o pó . .. .rpode ser que ela seja uma santa> ... Todos os dias NOTICIAS DA os vapor es OUTRA BA ... DA do Tejo des- " pejám na margem es- querda, inúme1 os foragidos da provtncia, que vão à procura da fortuna. Dantes ia-se até ao Bra- sil, à Argentina, lndia ou A'jrica. Agora, que os cabedais são me- nores, muitos se contentam com com a travessia do Tejo. Tu- do é andar de barco. Não é novi- dade para ninguém a situação precária que espera tais Joragi- dos. Não hd trabalho, não ca- sas nem instalações que compor- tem tal excesso de população. As consequências sociais são inevitd- veis. Ainda bem que os di1 igentes das jdbricas locaís têm acomp1 ee"!.- sao da sua missão e procuram melhorar constantemente a situa- çdo dos seus operários e jami- lia. LISIOAI Apesar da distdncia, a Casa do 1 ojal é muitas vezes alvejada, com pedidos relativos a crianças de ld, que necess1·tam de amparo . Hd dias veio simultdneamente, de vd- rías procedêncios, ú pedido para pequeno de doze anos que ja- sia parte duma quadrilha aprisio- naáa. O menor, pelas inúmeras queixas que havia contra ele, era retido por vários dias, sob custó- dia. . Fui por ele logo que pude, mas ;d se encontrava em liberdade. O Capitão do Posto da Guarda N. R. contou-me das inúmeras dificuldades que depara no desem- penho da sua missão. Lamenta ·a inconsistência da jam.il:ia, a des- moralização dos costumes e tudo o mai s que o obriga a um traba- lho esgotante e doloroso. Fala da esperteza do Bolota e dos passos que tem dado por ele. Acabou por mandar um agente comigo à procura do nosso peque- no ladrtí.o. Cor remos o Barr eiro de ponta a ponta. Paramos a ce1-ta altura . Viu- ·nos uma mulher quevieracasual- mente à porta, e que exclama pa- ra quem a quis ouvir: «Olha, pa- d1'es e policias: duas raças de ge n- te que podiam desaparecer que ndo jaziam cd falta nenhu- ma ... > Ni'sto o Bolota entra no carro; constou. que ia para a Casa do Gaiato e tanto bastou para que a mulher mudasse logo de tom: dsso é uma grande Caridade I Leve-o, que ele é um injelisinho por ai». Quem tem ouvidos de ouvir que ouça ... - Atravessamos de OUTRA VEZ novo o Tej o ao O BOLOTA cajr da tarde. Nao temos tem- •-------1 po para passear, mas o Bolota deu-nos ensejo de gosar por momentos a belesa da Capital iluminada pelo sol doura- do. Sentado a um canto do carr o mal humorado, ninguém va uma palav ra ao rapazinho. No Lumiar, o Bolota aponta para o campo do Sporting e pro- nuncia as primeiras palavras: a minha mãe estd num Sanatório aqui ao pé. Estava ali a vida errante da criança. Orjão de pai, sem o cari- ( Continua na 4.ª página ) A ROSSA llPOGIAFIA Aqui ao pé, vai um visitante com 500$00. E a última presta- ção de uns Noivos. E Coimbra. E meia ração de Viseu. E. uma d.irectora de Escola. E o Fundão. E Torres Novas. E o Porto. Ou. tra vez o Fundão com 40$00. E Mértola com um quar teirão E a Maria Gomes de Chaves. E a Murtosa com 150$00. E um visitante. E outro visitante. E Teixoso com 200$00. Mafra com 25$00. Abrantes com 50$00. Lis- boa na marca. Covilhã da mesma sorte. Caramulo também. Porto nem se fala. Aquele que Cristo Jesus assinalou, pelo uso de seus bens; esse e seus companheiros não vão. Não po- Andou-se um bocadi- nho ; ficamos nos 146 contos. dem. Não têm movimentos livres. Não fazem seu o que é deles. Es- tão presos pelo coração. Oh mento dos tormentos! Andou-se um bocadinho; fica- mos nos 146 contos. Olhando em redor e ao longe, não enxergamos caras tristes, e mais a procissão tem alguns quilóme- tros 1 Não se ninguém constran- gido. Os filhos de Deus são li- vres; nada os prende a nada. O rico do Evangelho, não vai aquí.

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Redaeçllo, Admialetraç&o e Proprietária Dircctor e Editor --;:-

CASA DO GAIATO-PAÇO DB SOUSA - Telf. 5 Ce~ PADRI AM&RICO AYEMÇA 16 de Setembro de 1950

Composto e Impr~so na Valea do Correio paza CRTB TTPOORAPlA DA CASA DO GAIATO-PAÇO DE SOUSA

foodo pelo Co11111nõo de Censuro OBRA OE. RAPAZES, PARA RAPAZE~, PELO~ RAPAZES

... " 1~'1 ~ ... "

PREÇO 1$00

, _____ PEDITÓ----'RIOS 1 r~~:~! AIJ a~ u 1 o peditório da Nazaré. A ~ LI maré subiu um pouquinho do ano passado para este.

Houve alvoroço nos corações, como nos outros anos. Nem po­dia deixar de ser: são pobres os naturais e a maioria dos vera­neantes. Ao passar por entre as bancadas, ouve-se um gemido que impressionou toda a assistência: <<'rese pelos meus filhos, para que eles 515,zm os vossos exemplos». Outra modesta Senhora arranca discretamente a aiiança e coloca-a na bandeja, no que é imitada por mais duas. Hd operdrias que àes­pejam quanto trazem, e, até as pobres peixeiras, de luto carrega­do, com os seus · carecteristicos trajos regionais, desatam a ponta do lenço onde trasem a sua jortu­na e deitam-na totalmàíll! no p1 a­to.

Devia segufr-se a Costa do Sol. E' para ld que vão os grandes. Mas não : a Obra encontrou as portas das igrejas fechadas. Hd outras obras e o medo de que o pão não chegue para os de casa.

- Mas olhe que Deusddaquem dd, e ajuda quem nos ajuda ...

-«Isso é muito lindo em teoria, mas na p1'ática, não dd nada».

- E' pena que quem prega o Evangelho, 1tão acredite nele . ..

Toda a Obra da Rua é um des­mentido daquelas palavras, e a confirmaçtí.o plena e categórica do Texto Sagrado: dai e dar-se· vos· à. Não adn-m·a pois que na Costa do Sol haja tantas trevas.

Para mais andava ainda no ar aquela poeira que o P. e Américo levantou da outra ves . ..

Tat recusa permitiu-me levar o Evangelho a outras paragens. Ouviram-no, como out1·ora os pei­xinhos de S .to Antónt'o, quatro centenas de garotos de L isboa instalados em S. Julião da Ericei­ra. Havia ali representantes do Bairro Alto, da Mouraria; Casal Ventoso, 1J.fonsantoetc. A uma vos ao terminar, todos insistem : sió pade volte amanhã., sim?

Tantas vezes me lembrei daque­le convite de papa S. Gregório ao clero do seu tempo: passemos aos bdrbaros ! Passem.o-nos aos bdr­baros I .. .

Mas, na Costa do Sol, há gente boa e amiga. Se assim não fora teria jd vindo novo dilúvio. Oma1 teria entrado pela Boca do Infer­no para lavar os pecados do mun­do. Pois que esses de boa vontade venham até nós, tn nomini Domi­ni.

Nem as igrejas .. nEm TUDO QUE p LUZ ' OIRO. .... esca am ao ven­

daval de poeira que alastra e

deixa muita gente a esfregar os olhos, sem ver bem o Caminho. Tambémhdpoeira nas 1grejas . .. Ptor,quando dourada.

Esc1'e ue-nos alguém da Alatne­da de D. Ajonso Henriques, a pe­dfr um lugar para um filho que disia andar por niaus caminhos. Respondi que as nossas Casas se destinavam aos filhos dos pobres, aos sem eira nem beira, que la­mentava muito o desgosto que lhe dava o seu filho mas não ti­nha possibilidade de lhe valer. Sugeria até a ideia de prociáar o internamento dele num Colégio de rapazes da sua classe social, que os havia muito bons ...

Não se jes esperar a resposta mais dura que até ao presente te­nho recebido: que era a senhora que tinha dado unt anel quando do peditório de A7·roios; que a cul­pada tinha sido uma beata, que elas e os padres e que eram os culpados de todo o mal que vai pelo mundo, e queria ld o seu ri­co anel. Mandei o Pedro à morada indicada para restituir a joia. Não é para contar o que ele dlsse, ou­viu e viu. Nunca os seus pés cal­caram tapetes tão rz'cos, 11em nim­ca tinha visto paredes adornadas com baixelas e quadros ?'aros. Dei­xou a aliança e sacudiu o pó . ..

.rpode ser que ela seja uma santa> ...

Todos os dias NOTICIAS DA os vapores OUTRA BA ... DA do Tejo des-

" pejám na margem es-

querda, inúme1 os foragidos da provtncia, que vão à procura da fortuna. Dantes ia-se até ao Bra­sil, à Argentina, lndia ou A'jrica.

Agora, que os cabedais são me­nores, muitos ;á se contentam com com a travessia do Tejo. Tu­do é andar de barco. Não é novi­dade para ninguém a situação precária que espera tais Joragi­dos. Não hd trabalho, não há ca­sas nem instalações que compor­tem tal excesso de população. As consequências sociais são inevitd­veis.

Ainda bem que os di1 igentes das jdbricas locaís têm acomp1 ee"!.­sao da sua missão e procuram melhorar constantemente a situa­çdo dos seus operários e jami­lia.

LISIOAI Apesar da distdncia, a Casa

do 1 ojal é muitas vezes alvejada, com pedidos relativos a crianças de ld, que necess1·tam de amparo. Hd dias veio simultdneamente, de vd­rías procedêncios, ú pedido para u~ pequeno de doze anos que ja­sia parte duma quadrilha aprisio­naáa. O menor, pelas inúmeras queixas que havia contra ele, era retido por vários dias, sob custó­dia. . Fui por ele logo que pude, mas

;d se encontrava em liberdade. O Capitão do Posto da Guarda

N. R. contou-me das inúmeras dificuldades que depara no desem­penho da sua missão. Lamenta ·a inconsistência da jam.il:ia, a des­moralização dos costumes e tudo o mais que o obriga a um traba­lho esgotante e doloroso.

Fala da esperteza do Bolota e dos passos que tem dado por ele. Acabou por mandar um agente comigo à procura do nosso peque­no ladrtí.o.

Corremos o Barreiro de ponta a ponta.

Paramos a ce1-ta altura. Viu­·nos uma mulher quevieracasual­mente à porta, e que exclama pa­ra quem a quis ouvir: «Olha, pa-

d1'es e policias: duas raças de gen­te que podiam desaparecer que ndo jaziam cd falta nenhu­ma ... >

Ni'sto o Bolota entra no carro; constou. que ia para a Casa do Gaiato e tanto bastou para que a mulher mudasse logo de tom: dsso é uma grande Caridade I Leve-o, que ele é um injelisinho por ai».

Quem tem ouvidos de ouvir que ouça ...

- Atravessamos de OUTRA VEZ novo o Tejo ao

O BOLOTA cajr da tarde. Nao temos tem-

•-------1 po para passear, mas o Bolota deu-nos ensejo de gosar por momentos a belesa da Capital iluminada pelo sol doura­do. Sentado a um canto do carro mal humorado, ninguém arranca~ va uma palavra ao rapazinho.

No Lumiar, o Bolota aponta para o campo do Sporting e pro­nuncia as primeiras palavras: a minha mãe estd num Sanatório aqui ao pé.

Estava ali a vida errante da criança. Orjão de pai, sem o cari-

( Continua na 4.ª página )

A ROSSA llPOGIAFIA

Aqui ao pé, vai um visitante com 500$00. E a última presta­

ção de uns Noivos. E Coimbra. E meia ração de Viseu. E. uma d.irectora de Escola. E o Fundão. E Torres Novas. E o Porto. O u. tra vez o Fundão com 40$00. E Mértola com um quarteirão dele~ .

E a Maria Gomes de Chaves. E a Murtosa com 150$00. E um visitante. E outro visitante. E Teixoso com 200$00. Mafra com 25$00. Abrantes com 50$00. Lis­boa na marca. Covilhã da mesma sorte. Caramulo também. Porto nem se fala. Aquele que Cristo Jesus assinalou, pelo uso de seus bens; esse e seus companheiros não vão. Não po-

Andou-se um bocadi­

nho ; ficamos nos 146

contos.

dem. Não têm movimentos livres. Não fazem seu o que é deles. Es­tão presos pelo coração. Oh t01•~ mento dos tormentos!

Andou-se um bocadinho; fica­mos nos 146 contos.

Olhando em redor e ao longe, não enxergamos caras tristes, e mais a procissão já tem alguns quilóme­tros 1 Não se vê ninguém constran­gido. Os filhos de Deus são li­vres; nada os prende a nada. O rico do Evangelho, não vai aquí.

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• O GAIATO 18-9-1950

ISTO fE~ A CASA DO GAIATO CHEGUEI ontem de fora e Risonho

vem ter comigo informando que tinha mesmo acabado de sair

um grande espada :om uns senhores de Lourenço Marques que ficaram a gostar muito dele, que lhe vão mandar uma coisa e que se ele estudasse, po­deria vir a dar um bom advogado. E o rapaz eerguntou-me o que é ser advogado. Ora eu tenho sempre mui­to prazer em dar aos roeus rapazes respostas adequadas, mas a este disse simplesmente que mais tarde falaría­mos. E caminhei. E' que é muito difícil dar a definição daquele subs­tantivo como eu a tenho para mim. Na minha, advogado é homem de leis que trabalha e que se esforça por compor as partes litigantes, ainda que isso redonde em seu prejuízo.

Nisto consiste, s1?gundo eu, a com­petência. Se eu soubesse que o Risonho, estudando leis, viesse a dar num homem assim, seria eu o pri­meiro a dar-lhe a mão. Mas eu te­nho medo. Eu tenho medo do contá­gio. Eu tenho medo do mundo.

EU vinha do Porto e encontro no caminho, a caminho de Cête, o Risonho mai-lo Ernesto. O pri­

meiro, mal vê o carro, planta-se no meio da estrada. e fá-lo parar, de contente. Nem sequer pensou que estava ali sem licença., tamanha a. ale­gria de me ver. O carro parou. Per­guntei-lhe o que fazia ali e como ti­nha largado o seu lugar de porteiro. Foi então que o rapaz caiu em si, pôs os olhos no chão e confessou a

1:1• .... . •• • I OUTRA VEZ • .. •• .. •a

I

I OS POBRES D

ESEJO desde já informar os meus leitores que neste luga. a palavra Barreáo significa a cintura de casebres que se estende à beira rio desde os arcos de Miragaia ao monte do Seminário E' o esgoto da cidade.

Eu tinha ido na companhia de um rapaz do Lar do Porto, de folga naquele dia. Hatemos de mansinho e entramos numa porta que diz para a rua, é uma loja. O rapaz tapou o nariz e daf a um minuto já não estava ao pé de mim: não posso mais. E saiu imediatamente para a rua. Por este pequenino e terrível episódio pode cada um julgar da nossa desumanidade! Eu deixei-me ficar. Ando afeito. Estou salgado. Tenho visto muito pior. Por isso mesmo tudo quanto se diz de civilização e progresso aborrece e faz-me virar a cara. Ela estava deitada numa enxerga. Quere-se levantar, mas não pode. E' a tosse ... Duma alcova interior surge o marido. E' trabalhador do rio, nem sempre trabBlha. A água tem marés, três filhos daque­le casal andam por lá. Não admira. O rapa7 que foi comigo não pode estar um minuto dentro daquela casa. Nós somos tão desumanos 1 Somos tão cruéis 1 Nós não amamos o nosso semelhante e dizemos que sim à boca cheia! A volta prossegue. O dia era para a romaria. Mais um casebre; era uma ilha. O mesmo clima. As mesmas vistas. Igual vida. Em uma casa estava deitado na cama um rapaz de desassete. Daf a nada entra a mãe e informa que os outros filhos tinham ido à Carva­lhosa e este, por não ter forças, ficou deitado na cama. Em outros sítios tinha ouvido dizer Cedofeita. Agora oiço Carvalhosa e venho a saber que se trata da mesma coisa: é um Dispensário aonde multidões vão ao engano. Eles· estão de pé para que se não diga que nós não fazemos caso dos doentes pulmonares, mas toda a gente sabe que não havendo casa nem pão os remédios perdem a força de curar, e os que vão ao Dispensário não têm casa nem pão. Nós todos sabemos isto, para maior culpa, para mai9r castigo. Os vizinhos daquelas re­giões conhecem-se. fazem uns aos outros pequenos favores. Amam-se. Há um que vem ter comigo a dizer que o outro precisa mais do que ele e pede-me que lhe dê uma boa esmola 1 Dir·se·à que o mal da ln· veja que tanto nos ataca tem medo de penetrar naqueles sítios. Agora é um espectáculo novo. Na !age extreme da rua, encostada à parede, está uma mulher ainda nova com estígmas de muito sofrer; cancro. Gostaria de falar com ela, mas ali não era sítio. Soube que mora nu­ma pequenina alcova e quando for ocasião hei-de vir a tsse mirante dar notklas desta nossa irmã, que vem para a rua curtir uma doença até hoje incurável. Esta ignorância das coisas mais necessárias à vida deveria ser suficiente para causar humilhação aos senhores cientistas e fazer deles criaturas humildes.

O povo persegue-me naquelas paragens. Sou mirado e remirado. Homens, mulheres, crianças- tudo espreita; a pontos que ontem, em plena rua, fiz paragens, levantei a voz e declarei que não poderia tor· nar àqueles sítios por via dos reparos de tanta gente. E disse e disse e disse. No meio do grupo destacava-se um homem novo alto e loiro, que chorava como uma criança e responde, por entre s0Íuços1 venha. Venha sempre padre. Venha-nosve1 padre. A nosscl alegria équenos fas vir at1ds de si. Afasto-me e o ~rupo dispersa. fico sõzinho com os meus botões a ruminar coisas interiores.

Verifico com muita dor que se repare e se admire o trivial. Que um padre, na missão que lhe é natural seja apontado a dedo e ande na boca de toda a gente; e parece-me ver nisto um pequenino descré­dito.

Mais. Se tal acontecesse por eu ir às Ateneias à hora alta do chá, es­taria muito ce rto. Era sinal de compreensão e de equilíbrio moral. Mas não. Não é assim. julga-se que fora do Altar o padre é um homem como os mais e que pode ir a toda a parte aonde vão os ou­tros homens. Ninguém repara. Ninguém aponta. Ninguém seadmi· ra; só no Barredo é que não.

Dei a missão daquele dia por concluída. Enquanto me dirijo pa­ra a cidade, sinto mãos estranhas a tocar nas minhas com notas e moe­das. Eu aceito em nome do Senhor sem me importar de nomes. E' o selo branco daquela jornada de amor. O nosso Deus é vivo e vive nas suas c riatu ras . Quando as palavra têm o poder de revelar aos homens quem eles são e arrancar do fundo dos seus corações actos de bondade, essas palavras são decididamente poesia divina. O nosso Deus é vivo. E' por isso mesmo que de Vouzela alguém responde com mil escudos para os pobres do Barredo, e de Lisboa alguém faz o mesmo com duas notas de cem, e de muitas outras terras levanta-se igual voz. Bendito seja o Senhor Deus de Israel.

! ! I

sua culpa.; como o Ernesto tivesse de ir a Cête aviar um recado, ao passar pela porta. convidou o Risonho e ele disse imediatamente que sim. Eis.

Momentos depois recebo o se­guinte bilhete dita.do pelo Risonho, que me apraz trazer a. lume, para ri­queza do nosso Jornal. O Risonho

exagera. O rapaz não é um desgra­ça.do; muito ao contrário ele é cheio de vida e de promessas. Não é um desgraçado não senhor. Agora, por­teiro como o seu antecesso! Rola, isso é que ele não é. Risonho não cumpre sem ser mandado e mesmo assim cumpre mal. Ele não limpa a nossa avenida. Ele não rega as árvores marginais. Ele não rega os cedros da entrada. Ele nem sempre está no seu lugar. Ele não chega. aos calca­nhares do seu antecedor. E' bom que todos saibam destas faltas, para lhe não darem ma.is do que ele mete· ce.

DESDE que foi a volta a. Portugal tem havido aqui em casa uma extraordinária actividade de

voltas a Po11tu.g.al. O que sobrema­neira me espanta é a iniciativa dos rapazes, que vão buscar não sei aon­de arcos e ganchetas para darem a volta pelas nossas avenidas. Mal

toca. a cessar trabalhos, lá v~o eles todos começar o trabalho da '10lta.

VENHO agora do hospital, a.onde encontrei o Faísca de cama. Quis saber que ordens tinha.

da.do o médico e o :rapaz declarou-me que não fora o médico mas sim o Moléstia que o mandou para a cama.. Chamei este para indagar e soube tu­do. Faísca come e come e come, mas anda sempre muito mal, pelo que Moléstia. resolveu metê-lo na cama para ele engordarl Admirei o zêlo e deixo correr.

O rapaz do torno está em Paço de Sousa; o nosso apaixonado do torno, teve de deixar a. oficina

e encontra-se actua.lmente no nosso hosoital a tomar canecas de leite. O pat°era ... A mãe também e disso morreu... Ele também já teve caver­nas. Não estou desanima.do. 'feridas que Deu~ faz são boas de curar. Um doente destes valoriza. a noss 1.

Obra. É urna benção do céu. Cresce no meu peito o amor a esta fundação, quando vou pelos casebres e vejo ra­pazes da idade deste, abandonados à doença. À pena que sinto de 111es não poaer valer, junta-se a alegria de poder a.o menos salvar um.

Eu estava a fazer o meu retiro no Seminário de Vilar, muito chei­nho e muito contente. Além do

mais, o Superior da Casa designou~me um quarto com vistas para. o mar . Eu gosto do mar. Não é pot ser marinheiro; é o Infinito 1 Ora no segundo dia, ao entrar no meu quar· to, dou de cara com o Carlos Veloso e Carlos Rebelo. Estranhei a visita. Não era própria nem conveniente. E perguntei-lhes em voz baixa ao que tinham vindo. Vimos pedir licença. para ir à Feira Popular e também umas co1•oitas . . . Isto disse-me o Carlos Veloso e o dito Re.belo acrescentou que em vistas de estar ali sem fazer despesa., podia mais fàcilroente dar as coroas. Uma extorquidela.

NO PRELO 1

«ISTO É A CASA DO GAIATO»

Colectânea de artigos de maior projecção

publicados nas páginas de «Ü Gaiato»,

com esse título.

Obra original, que interes­

sará vivamente milhares de leitores.

Que assim será, provo o elevodb­

simo número de pedidos, que

diàriomente recebemos, de todo o

país, ultramar e estrangeiro ! ! !

Para se inscrever como pretendente à aquisição deste livro, basta enviar-nos o seu pedido, num simples bilhe­te postal, dirigido à Editora

TIPOGRAFIA DA CASA DO GAIATO

PAÇO DE SOUSA

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3 O GAIATO . 18-9-1950

NOTICIAS DA CONfERENCIÂ L À R Por JÚLIO MENDES DR NOSSA RLDEIA DO EX-PUPILO O que precisamos ...

As conferencias de S. Vicente de Paulo, não têm ·.er..... Vivem cio pão de cada dia; não sendo, por Isso mesmo, sociedades capitalistas. Desta forma, tudo aceitam e tudo dão. Nós, os vicentinos, somos os intermediários en • tre o que dá e o que recebe; mas não de percentagens ... Eis.

Agora, uma vez mais sublinhando as nossas últimas palavras escrita• no FAMOSO, aguardamos a vossa generosidade, enviando1 dinheiro, vestuários, etc. Tudoo,que tiver uso e valor, é riqueza; por lsao, aceitamos.

A propósito: presentemente, temos 9 protegidos, outros virão intermlnà· velmente; no entanto só com estes, a distribuir 10$00 por semana, façam caros lei­tores as contas e depois respondam-nos, realmente, qual o nosso dlpendio. Elas são simples; é só multiplicar . .•

• . . e o que recebemos Graças a Deus já alguém se lembrou de nós. Chegou-nos 100$00 duma

senhora de algures, numa carta bem escrita. Muito nos consolou! Mais 50$00 e este o último donativo que nos ofereceram. Foi com os mingados escudos que apresentamos, com os quais abrimos o activo, nas visitas à Senhora Poltreaa. A todos os que nos lêm, reflictam e digam-nos, sõmente, numa resposta breve: os que precisam não têm tanto direito a viver como nós? A resposta é simples; tào simples e tão natural como a água cristalina. E só Isto, nada mais, a não ser um muito obrigado em nome dos pobrezinhos.

Conhecendo os nossos irmãos /?RA ta1·dinha, tá o sol nos dava ~ a1'es de pouca dura. Cinco mi­

(/ ntttos dec.on·idos e eis q.ue me enconfro det1·onte do casebre do

Sm•. Dias, c.omo o povo lhe chama; paredes meias c.om um oufro da mes­ma feição. Po1• soalho a tet•1•a solta; po1' pa1'edes a ped1 a descoberta, ene­g.1'eci.da pelo tumo da la1•ei1•a h.utJtilde, tão portuguesa e acalentado1•a nos dias de inve1'no; po11 teto, a telha simples, abPig.o do tempo chuvoso, q,u.e taz penei1'a1• a chuva ai.é aos ossos, dos q,ue túío possuem. uma guarida pa11a se livParem. das intempéries. Ao menos Deus os encorage TWS so/1'imentos a q,ue estiío poste1'gados.

B::Il.o à po1•úi, de madeit•a carcomi­da, e apa1'ece-me o pobre. Entrudo na idade, humilde e bom ta,lado1'. Estava deitado . . .

E' o S1t1'. Dias, não é verdade? -Sitn, meu senhor. - Esta é que é a sua casa? -E' isto que vê . .. E sentámo-nos; ele na sua cama, eu

11.um mocho, um tanto q.uanto C.01'rom­pid7, que lá existe. Para o caso, no lugar tudo era adeq.uado. E entabula­mos c.onversa, de ca1•a a cara; c.on­versando vidas, a sua vida! V amos vivendo assim ... Dú.ia o pobre hom.R,m. O seu Posto reilectia visível friste:c.a; tinha quaÚ/uu c.oisa para me desco­bt•ir; iá estavamas familiari:uidosl Que seria? Mais úirde ex.planámos e então escutei: vivi bem. Fiz uma terrinha. Tive contos de reis. Foi a falecida; eia. deixava correr e os fi­lhos... E' con•en.t.e diur-se que en­quanto os amigos oodem, tados o cer­cam. Depois... Foi o que sucedeu a este velhinho. Enquanto poude, os filhos eram 'seus; mas, ex.pirou o perí.o­do das vacas gm•das e ei-lo quase só. São 7, mas graças ó senhor, alguns ainda me dão uma tegelinha de so­pa; quando podem. Os outros ... E' um dos chamados pobres enve11g.onha­dos; a pob1'ua que ma is faz. doer. Mais adiante pede-me: não diga nada pra môr de ... Já isto disse a outt'a pessoa q.ue o visitava. pois não qtw• que digamos n.ada. Entretanto, no meio do nosso colóquio, cheguei à c.onclusão que os seus filhos menos abastados, são os que ainda sentem uma po11.tada:cinha pelo pai. T aloez. a situação ? 1 mpos· sível sabe1• concretamente; o que pode-1'em.os ittte1•p1•eta1• é que casos como

este, não são 1•a1'os. Cada ve:c. papa pio1•; ai.é nos meios rurais! Nas cida­des isso é que é! Remédio? Ao menos, 11ós vicentinos, tapemos a lacuna que o h.om.en:c.inho sente dent1·0 de si. Ani­má-lo, enco1·a{á-lo; dando-lhe um pouc.o de vitalidade mo1•al.

O pior é quando eu empregar ... O S nr. P. e Amér' co deu-me este col­chão ... E adei ainda não agradeci... Não vale a pena. Disse-lhe eu. O nos· so Pai Amé11ic.o não se indispõe com isso; tem. V. poucas /o1•ça.s e não pode· rá vi11 à nossa Aldeia, atalltei.

Gratidão: eis a sua moeda. É vul.gar diu.1•-se, que nas aldeias isto não é moeda c.o1•.Pente. Que duma m.anei1'a geral o pobre t'ural tem todos os q.ualificativos. N 6s não os visitam.os se­não c.om o intuito de lh.es se1'mos úteis, sem rec.ompensa; se nos maltratarem, paciencia. C1•isto não toi ultra­fa.do? N6s somos os ir:.t.éf.p1•etes do seu Evangelho.

Em seg.uida mirei a lareit•a, q.ue dominava a sua choupana. Po1• cima da cinz.a., erguia-se uma trempe peq.n.e· ttita e iá c.om o seu uso. E' ali onde eu faço caldo .. . E declarou-me ainda e.orno e de q.ue m.a1tei1'a se alimentava. Hote aqui, amanhã ali, e vai-se man· tendo, também, c.om os caldos dados por ca:"idade, na terra. Sabia que #uma· va o seu cigarrito, da pt•im.ei.ra vu que lá tui; preveni-me nesta, e ofereci .

- Quu um cig.a1'rinho? - ! ... Obrigado. Quem não gosta dum. pouw de

supértlu.o ? Sabe tão bem de vu em q.uan.do um extra01•dinário ... E ele c.on­tinuava na sua conve1'sa e também minh.a; um nadinha mais desemba1'a­çado. A nic.otina fa:c.ia a sua 1•eacç.ão! E' assim q.ue se conquistam os nossos irmãos; se nós gostamos do nosso ci­gan•inh.o, eles na mesma. Diferenças de posse? Sim, de pleno acordo. Mas até nos praures os homens se apro­ximam ... Pe1•guntei-lhe se ainda sen­tia torças para tt•aóalhar. Disse-me t1'istemente: nesta banda (no lado es­q.u.et'do ), tenho uma dorzita. Caí de· baixo duma. ramada em rapaz e adei doi-me. Até ao meio dia, ainda faço alguma coisinha; depois não posso ... E hote, de fa.cto, tinha acamado. A idade a impossibilitar; claro tudo isto são males dela. Mas enquanto puder, esto1'f..a1'-se-à pot' produzfr; ~1·q.ut., co-

por HERLAHDER FREITAS

<:::::!\ ESD_ E ~CLl'ço v_assado ~ .LJ na.o vunos aqut, nas pag.t.-nas deste cósmico j,omal,

patentea1• a continuação da nossa . vida e a sobrevivênci.a do nosso Lar. Não queil'a isto sig.n#iw.r que vamos lemamente pet'ece.ndo ao em­bate da dureza das reali.dades e m.ergulhar na /antasia. de um poen­te que breve aceitou o seu ocaso. Não. O silên.ci.o nem se"1.pre é mor­te, estagnação de vida. Dele brota, por vezes, expontaneidades de seiva revú,Jo11ada, emergências de legíti­mos anseios e aspi.1-ações de ideias ornadas do mais puro q,uilate. Assim resultou deste nosso silên­do.

Somos eni.es, se11es viventes, e o nosso Lar pode dizer-se que possui alma, pela alma dos seus Pupilos. Se aceitamos esta maneil'a de se11

wntestável, aceitamos o drama in­contestado das quedas e elevações da pessoa humana.

Assim acaha o Lar de sairei' um desnível negativo na sua perma­nência. Conjessá-lo não deve dimi­nuir o mérito dos Cl'eni.es que o apreciam nem aumentar o desmé-1•ito dos cépticos que o m.enospre­w.m. O coni.rá1'io, isto é, ocultar a ve1•dade que não é uma inc.otwe­ni.ênda, seria leva1• o leitor e admi­rador a um conceito demasiado simplista e opti.tnista, que não deve convi11 em obras de natureza huma­na.

Mas como a toda a q,ueda na­tural se seg.ue uma elevação, quan­do somos servidos por ,uma vontade e pe1•severança i:n.iludi.veis, o Lar 11essu1•g.e da sua passageira apatia e brota da sua vivificação, mais sangue e mais seiva, mais dm·e:ro. de luz e sol no seu horiz.oni.e, em suma, mais vida que transmuda e alegra a vida dos seus habitan­tes.

Voltamos a sei' o que e1•amos, talvez com um pouco de mais au­tonomia e personalidade e, p01• conseq,u.ênci.a, com mais um.a pa1•-

merís o pão com o suor do teu rosto. Vt1.Jw e cansado, sem nada, a não se1• os tare.e.os do casebre; vida de trabalho e no #m humanamente mal rec.ompen­sadal Eis, também, a situação dos ou­tros oelhos, nossos protegidos, q.ue so­corremos, no mesmo estado. Velho e cansado, sem n..ada; nem o conto1•to dos tilh.osl ...

Despedi-me, apertando na. minha a mão dele. Mão de trabalh.o, enru­gada pelas energias dispendidas na labuta do homem. na tet•ra.

- Até sexta leira Sm•. Dias. - Deus llz.e dê muita saúde e mui-

to ag.11adecido, respondeu. --Adeus ... Lá o deixei ermo, no sett ninho

tosc.o, mas betn a'f'etado, pel.o a11 puro dos campos. Na cidade, isto uaimpos­sivel; são as ilhas ... E dei por finda aquela visita de amigo, fraundo den­tro de mim estes pensamentos: o das t1acas gordas e a itnp11evidê~ia.

cela de responsabil.idades. Os va-­dadeiros acréscimos de vida • vêm com a experiência da própl'UL vi da, seni.ida bem. no âmago dtt seu /luxo e re/lux.o. Aliás, na felisl e oportuna imagem do nosso Bom Amig,o Padre Américo, os #lhos nem sempre carecem do peito das Mães e vão-no dispensando p.Jos anos e pela vida fora.

Vivem.os, pois, e conti.luLa11dnills a viver .

Com este silêncio, /icou sem 11.

costumada cróniw. o quadro cÁei.o de beleza e de misticismo ang.éliw, que loi o da nossa desobriga coU... tiva na altura devida. Mais do que fieis à tradição, sentimos sem­pre a necessidade daqueles momen­tos de indizível êxtase celestial. A vida não é só renovação de células biol6gicas, mas sim e também de lim.peza e em.bele.wm.ento interio1•. Pois lá fomos à Mesa Eucamtica, mais tL1li.dos pelo espírito do que pela presença do corpo.

* * * Também passou sem. c.omentó-

1•ios o ap1•oveitam.eni.o do ano e.sco­la.1•. Os 1•esultados fo11am lisong.ei-1•os. No ensino p1'imá1•io, por não termos rapazes sem o respectivo diploma não houve alegria nem tristeza. No ensino técnico, o Ant6-nic Fernando Lobo passou ao 4. • ano do comércio, com ap11ovei.ta­m.ento e o Carlos de B1'ito Henri­q,u.es ao 3. 0 ano do wmérdo, tam­bém com ap1•oveitamento. No ensinD supe1•ior, o único alutw, por enquan­to, passou ao 4. 0 ano de Direito.

Pode 1•epa11a1'-se na pouca /r8.­quênci.a do ensino técnico. Na verdade, muitos são os que se ma­triculam no prindpio do ww lectivo e poucos são os q,ue chegam ao /im.

Demanda 絕ande es/orço da pat•te de q,uem nele se mat1•iaJ.la. Depois de um dia de trabalho na oficina, prolong.a11 o cansaço na vontade e na perseverança para além. do normal , é privil.égio tú poucos. Gló1'ia a estes para <µu coni.ÍJ"LUem; estímulo àqueles papa q.ue não at1•ouxem. as suas tentatf." vas.

* * * Mais dois Rapazes q,ue deixa­

rama comunidade do La1•. Foram. eles: Benjamim. T erezo e Cidá1.io F errei1'a, qae casm•am, respectiva­men.te, em Julho e Ag.osto passa­dos. Mais dois lares cristãos qi.u se levantam, mais <Juatro vidas unidas nc mesmo laço sacramental. O Lar do ex~Pupilo não é let1•a morta. Continua a p11eparat• os Rapazes nubentes paM o passo que. vão da1•, para a mudança do seu

{CONTINUA NA QUARTA PAGINA)

Page 4: OBRA LISIOAI · 2017. 4. 27. · Fala da esperteza do Bolota e dos passos que tem dado por ele. Acabou por mandar um agente comigo à procura do nosso peque no ladrtí.o. Corremos

' O GAl .. ATO 16-9-1950

AQU 1, LI s DO Â ! - CONCLUSÃO DA t.• PA<L'

Por PADRE ADRIANO

sos, jacínoras e outr<Js nomes feios, quando, afinal, a maior ~arte das vezes, são apenas pobres Vitimas.

Se o Bolota não era já da po­bre mãe, nosso não era também. No dz"a seguinte desapareceu.

Pouco depois nova comum·ca­ção do Posto:

- ((O Bolota está outra vez na prisão, que quer que lhe faça?)>

-Mande-o de novo logo que possa.

Cá o temos, até ver ... Vivo, esperto, endiabrado, va·i­

-se deixando prende?' nesta prisão sem grades.

Vamos a ver, mas parece-me l[ue temos Bolota.

1 MAIS UM PEDITÓRIO 1 ~~iM=~ tinho do

Porto. O Pároco tem a cura d'al­mas e mais algumas Obras de As­sistência. Trabalha, e como todos os que trabalham neste campo, so­frem a falta de recursos. Mas vê ao largo e não teme concorrência. Chama até por nós. Em Setem­bro há menos gente e a que está é menos remediada. Não importa. O Evangelho presta-se: fala das aves do céu que não semeiam e dos lírios do vale que não tecem. E' um grito à confiança dos ho.­mens na Providência.

Resultado: 10.617$00; mais três que no ano passado.

NOTICIAS DA CONFERÊNCIA 'º" CARLOS RHUO DO LAR DO PORTO

J nossa Conjerência entrou ~ numa jase de grande desen­

volvimento em que os con­frades mostram um graruie inte­resse pelos seus pobres.

A campanha que ultimamente o Carlos Veloso tem jeito em prol dos pobres tem dado resultado. Jd muitos leitores responderam ao seu apelo. Estamos a socor­rer seis pobres; mas queremos so­correr vinte ou t? inta. Querido leitor ajuda-nos p01que nós p1e­cisamos do teu auxílio. A nossa Obra vive das vossas generosas ofertas, por isso a Conferência te­rá de ser na mesma.

Temos um pobre que tem doze filhos! ... Só um é que trabalha, porque aos outros a idade não lhes permite. Dentro de casa, pe­quena como é, hd só duas camas onde dormem alguns; o resto dor­me no chão, que durante o dia ser­ve de sala de jantar.

No mês passado umas Senho­ras telefonaram para o Lar do Porto, perguntando se havia al­gu.m rapaz que jd tivesse ido com o Paz Américo ao Ban edo, por­que o gostava de conhecer. O Pai Américo estava '/>1'esente e indi­cou-me para que fosse com as Senhoras. Começamos pela Ba­nharia e jomos ate aos lrfercado­res. Faltava ir ao verdadeiro Bar-

LAR DO EX-PUPILO e.stado civil. Saem dum LaP fami­liaP para out.Po idêntico sem dile­rença1 salvo a extensão daquele em. relação a este. Que os dois que acabam de sair da nossa comuni­dade se{am telizes em comunhão com suas extremosas e dilectas es­posas.

Também nos deixou o José Pimenta Teles1 antigo Maioral e1eit.o do nosso Lar. A esta hora, há muito que se enconfra no Bra­sil, tunto de seu tio. Como bom ti.lho, mantem con•espondênci.a com • Lar, na pessoa dos seus amigos

redo onde há os arcos, as vielas e becos; mas estavam com pressa e viemos embora. Mostrei-lhes on­de estava a verdadeira misér~a. entrando dentro de algumas ca­sas que nem sequer a luz do dia lá penetrava. Indiquei-lhes aque­les pobres de doença pulmonar sentados às portas a pedir esmo­las.

Quando vínhamos embora ou­vi isto da boca duma: Não hd di­reito! ...

E concluindo a frase, diz a Senhora: estraga-se todos os dias comida!

Leitor; são estes restos que te pedimos; essas sobras que tanto precisamos para os nossos pobres.

Doze jz"lhosl ... E só um é que trabalha. Vamos jazer o possível para conseguir colchões para ek;s, para que não durmam em cima das tabuas.

Socorremos um casal muito velhinho. E' triste e condendvel quando os filhos não querem sa­ber dos pais. Este é o caso deste casal. Tem uma filha que tra1Jia casacos de pele e que vai passar as férias pa1a umas águas mui­to faladas,· enquanto que os pa1s estão a viver das esmolas. Sim! é triste e condendve l quando não se amam os pais.

_._ CONCLUSÃO DA 3 ... PAO.ª

mais lntimos. Numa das cartas, diz que muito #ca devendo ao Lar e à Obra da Rua. A longa distân.­cia que nos sepa1•a, a nós e a ele, não diminui os laços de amb.a& e a solidariedade nascida da convi­vência no Lat·~

* Entrou no Lar mais um ele­

mento-motivo de atracção e encan­to: animais de criru;,ão-galitz.áceos~ patos, coelhos e um suitw. Po1•que o La1• é a Obra da Rua, é ve1• os nossos Rap~es, como os gaiatos,

'

NOTICIAS DE MIRANDA

Os exames este ano correram admiràvelmente. Da 3-ª. fize­ram cinco, da 2·ª. fizeram a

psasagem para a 3.ª seis. Da primei­ra classe, por infelicidade não houve passagens, visto estes serem muito pequenos e não saberem o suficiente. E finalmente a 4.ª. Tudo aprovado, isto é~ tudo bem! Da quarta classe os que fizeram exame foram estes: eu, Joaninha, Afonso, Gil, Delfim, Sar­dinha., e Fala-Barato. Quando viemos para casa, cada um trazia dois fo­guetes, que o Ti Pedro deitou. Ago­ra o que nos falta é ter juízo, para no futuro, virmos a ser uns homens. Se não for assim nunca seremos na­da. Para o ano que vem começam outros sete. Deus queira, que fiquem todos bem.

AGRADECEMOS muito aos a1u­n'os do Liceu D. João III por nos oferecerem uma bola. Já

fizemos um desafio com ela, para nos treinarmos um pouco. Nós os Gaiatos, quem nos tira a bola, é como quem nos tira a vida. Para haver mais ot­dem ficou destinado que só se joga com ela contra grupos que nos visi­tam. É para a poupar mais. Já rece­bemos cinco pneus de um senhor da

por José Maria Saraiva

Fábrica de Moagem e Panificação do Norte ... Recebemos também outra re­messa de pneus da COVILHÃ. Agra­decemos muito e contamos com a generosidade de todos os nossos benfeitores.

JÁ temos as capoeiras novas a funcionar. Estão muito bonitas. Hão-de ter rede por cima, que é

para as pombas não fugirem. Nós temos cá muitas aves de capoeira, que são: perús, galinhas, galos e ga­linhas holandesas, patos e patas e galinhas de outra raça. Nós gosta~ vamos muito de ter pavões. Se hou­"er alguém que queira mandar. era favot.

ULTIMAMENTE. temos sido visi­tados por muitos benfeitores. No domingo passado recebe­

mos o simpático grupo Serralheiros Mecânicos da Auto-Beira, de Coim­bra. Com o seu patrão, vieram todos em automóveis. À tarde realizamos um desafio de futebol, em que empa­tamos dois-dois. Com este desafio terminou a nossa época de futebol. Agora esperamos ansi os~mente a que vem.

NOTICIAS DE LISBOA Por Pedro João

A nOSSA COOFER&OCIA-Dentro da Obra há'já quatro conferên­cias; em Miranda do Corvo,

no Lar do Porto, aqui no Tojal1 e em Paço de Sousa.

Os fundadores todos saíram de Miranda 1

A conferência é útil à nossa for­mação. Não nos deixa esquecer que era.mos pobres também; todavia não deixamos de ser pobres na mesma porque a Obra da Rua é pobre, mas miseráveis como aqueles que visita­mos todas as semanas, não. O rapaz pensando nisto a fundo dá-lhe von­tade de trabalhar pelos pobres e isso tem-se observado. Ainda nesta última semana se passou uma cena agradá­vel. Faltavam cinco coo.frades, eu es-

tava para a reunião de chefes em Pa­ço de Sousa e os restantes em S. Ju­lião da Ericeira, na praia. Só cá esta­vam dois dos confrades e eles pega­ram nas seis esmolas e foram na hora do seu recreio entregá-los aos pobres dos companheiros que esta.,am ausen­tes. Percoueram quase sete quilóme­tros e regressaram a casa ·contentes e sem canseiras.

A Conferência é utilíssima para a nossa Obra porque Jesus disse : «dai e recebereis». Ora para recebermos é preciso dar ê dar muito e de boa vontade, para que nos Mm tc.mbém muito e de boa vontade.

Já não falamos no bem que elas fazem aos pobres .. .

-NOTICIHS DE S. JOAO DA MHDEIRA Por JOSÉ CONSTANTINO

COMO já nos referimos no «Fa­moso» por algumas palavras

acerca da nossa casa em S. João da Madeira e eu como primeit:o crónista desta casa os meus amigos não reparem se isto for mal. Cá estão rapazes vindos de várias casas assim como de Paço de Sousa, do Tojal, rapa­zes já adaptados ao trabalho. Já andamos a construir caminhos em frente à casa e também com levan­tamentos de paredes dentro de ca­sa e já se encontram alguma!= em pé e depois lá virá a formosa ca-

a cuidarem ulozamen.te das espécies de sua p1•edilecção. Todos se arro­jam o di1•eito de tratar destes ou dacp.Leles. E, no enianto, são ho,.. mens leitos: 19, 20, 21 ... anos.

(A concluir no próximo número)

poeira mas sem galinhas não lhe podemos dar o nome por isso ca­ros leitores fiquem já com esta que depois lá virá mais.

Estamos recebendo constante,.. mente de Casaldelo e Macieira de Sarnes: frutas, alimentos, etc.

Os nossos rapazes consolam­-se de comer fruta 1 6h que delícia! São duas senhoras e uma delas já se ofereceu âe graça par~ coser as nossas roupas, agradecemos muito a estas senhoras as ofertas que nos têm dado e cá esperamos por mais e mais.

Peço também que nos mandem livros para a nossa Biblioteca que se encontra completamente vazia e cá esperamos por eles caros lei­tores. Abram bem os olhos ao ler esta crónica.