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Para se aferir o valor da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges tem-se em conta não só o valor líquido advindo do salário ou dos bens de que é proprietário o obrigado mas a totalidade do património que constitui garantia dessa obrigação STJ, Ac. de 23 de Outubro de 2014 OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS. ALTERAÇÃO. A obrigação de alimentos entre ex-cônjuges deve ser fixada em montante situado entre o indispensável à subsistência do credor e o padrão de vida decorrente do dissolvido casamento. Por conseguinte, tais obrigações, ainda que fixadas por decisão judicial ou similar, são passíveis de sofrer modificações determinadas pela alteração das circunstâncias que estiveram presentes aquando da sua constituição, e que se prendem com as circunstâncias factuais relacionadas com as necessidades do credor ou com as possibilidades do devedor. Ora, no caso, o ex-marido veio requerer a diminuição do valor de obrigação de alimentos porquanto, apesar do nível dos seus rendimentos auferidos como funcionário público se ter mantido estável ao longo de dez anos, este foi sendo reduzido a partir de 2010, no âmbito da redução generalizada dos vencimentos dos funcionários e agentes do Estado e organismos públicos, ao mesmo tempo que assumiu o encargo com um empréstimo habitacional cuja amortização mensal é de cerca de 1.200,00€. Sobreleva, porém, o facto de em 2005 ter alienado uma participação social que detinha numa sociedade comercial e que se refletiu objetivamente no incremento da sua conta bancária, onde surgiu depositada uma quantia global de cerca de 660.000,00€. Apesar de no final do ano o saldo ser apenas de 5.519,39€, sem que se tenha explicado sobre qual o destino que foi dado a esse quantitativo, o certo é que, fosse qual fosse, não poderia ignorar que pelas responsabilidades de ordem alimentar que assumiu responde todo o seu património e não apenas os rendimentos líquidos produzidos pelos bens que possui ou que sejam auferidos pelo exercício da sua atividade ou da sua profissão. Assim, mantendo-se em traços largos as condições que existiam aquando da fixação por acordo da obrigação de alimentos, incluindo o nível bastante baixo dos rendimentos auferidos pela ex-mulher e o facto de um dos filhos continuar a estudar, não se justifica a redução da prestação alimentícia abaixo do valor que foi já fixado. Disposições aplicadas Jurisprudência relacionada TEXTO 1. AA vem interpor recurso de revista do acórdão que reduziu para EUR 650,00 mensais a prestação de alimentos pós-divórcio a cargo do seu ex-marido BB e que em 2004 fora fixada, por acordo, em EUR 1.250,00 no âmbito do divórcio de ambos por mútuo consentimento. Tal decisão foi proferida depois de o obrigado ter pedido a cessação dessa obrigação alimentícia com fundamento na alteração das circunstâncias que estiveram subjacentes ao aludido acordo. Tendo a 1ª instância reduzido para EUR 1.000,00 a referida prestação, a Relação acabou por fixá-la em EUR 650,00. No presente recurso de revista, a recorrente, para além de uma alegada contradição ou divergência entre os fundamentos e a conclusão, que em seu entender apontariam para a confirmação da sentença da 1ª instância, alega que a matéria de facto apurada relacionada com os rendimentos e encargos do A. e da R. determinam a confirmação da sentença da 1ª instância. Vejamos, em primeiro lugar, a matéria de facto que foi definitivamente apurada pelas instâncias Newsletter 14 | Novembro 2014 OBRIGAÇÕES DE ALIMENTOS ENTRE EX-CONJUGES

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Para se aferir o valor da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges tem-se em conta não só o valor líquido advindo do salário ou dos bens de que é proprietário o obrigado mas a totalidade do património que constitui garantia dessa obrigação STJ, Ac. de 23 de Outubro de 2014 OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS. ALTERAÇÃO. A obrigação de alimentos entre ex-cônjuges deve ser fixada em montante situado entre o indispensável à subsistência do credor e o padrão de vida decorrente do dissolvido casamento. Por conseguinte, tais obrigações, ainda que fixadas por decisão judicial ou similar, são passíveis de sofrer modificações determinadas pela alteração das circunstâncias que estiveram presentes aquando da sua constituição, e que se prendem com as circunstâncias factuais relacionadas com as necessidades do credor ou com as possibilidades do devedor. Ora, no caso, o ex-marido veio requerer a diminuição do valor de obrigação de alimentos porquanto, apesar do nível dos seus rendimentos auferidos como funcionário público se ter mantido estável ao longo de dez anos, este foi sendo reduzido a partir de 2010, no âmbito da redução generalizada dos vencimentos dos funcionários e agentes do Estado e organismos públicos, ao mesmo tempo que assumiu o encargo com um empréstimo habitacional cuja amortização mensal é de cerca de 1.200,00€. Sobreleva, porém, o facto de em 2005 ter alienado uma participação social que detinha numa sociedade comercial e que se refletiu objetivamente no incremento da sua conta bancária, onde surgiu depositada uma quantia global de cerca de 660.000,00€. Apesar de no final do ano o saldo ser apenas de 5.519,39€, sem que se tenha explicado sobre qual o destino que foi dado a esse quantitativo, o certo é que, fosse qual fosse, não poderia ignorar que pelas responsabilidades de ordem alimentar que assumiu responde todo o seu património e não apenas os rendimentos líquidos produzidos pelos bens que possui ou que sejam auferidos pelo exercício da sua atividade ou da sua profissão. Assim, mantendo-se em traços largos as condições que existiam aquando da fixação por acordo da obrigação de alimentos, incluindo o nível bastante baixo dos rendimentos auferidos pela ex-mulher e o facto de um dos filhos continuar a estudar, não se justifica a redução da prestação alimentícia abaixo do valor que foi já fixado.

Disposições aplicadasJurisprudência relacionadaTEXTO1. AA vem interpor recurso de revista do acórdão que reduziu para EUR 650,00 mensais a prestação de alimentos pós-divórcio a cargo do seu ex-marido BB e que em 2004 fora fixada, por acordo, em EUR 1.250,00 no âmbito do divórcio de ambos por mútuo consentimento.Tal decisão foi proferida depois de o obrigado ter pedido a cessação dessa obrigação alimentícia com fundamento na alteração das circunstâncias que estiveram subjacentes ao aludido acordo.Tendo a 1ª instância reduzido para EUR 1.000,00 a referida prestação, a Relação acabou por fixá-la em EUR 650,00.No presente recurso de revista, a recorrente, para além de uma alegada contradição ou divergência entre os fundamentos e a conclusão, que em seu entender apontariam para a confirmação da sentença da 1ª instância, alega que a matéria de facto apurada relacionada com os rendimentos e encargos do A. e da R. determinam a confirmação da sentença da 1ª instância.Vejamos, em primeiro lugar, a matéria de facto que foi definitivamente apurada pelas instâncias

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e que, depois de devidamente organizada, de forma cronológica, pode servir de base ao juízo apreciativo deste Supremo Tribunal de Justiça:

1. O A. e a R. contraíram matrimónio em 4-9-82, tendo-se divorciado por mútuo consentimento no dia 8-6-04.

2. Por decisão homologatória do acordo alcançado pelas partes, proferida em 8-6-04, transitada em julgado, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento, foi fixado que o A. pagaria à R., mensalmente, a prestação alimentícia de EUR1.250,00, actualizável, anualmente, de acordo com a taxa de inflação anunciada pelo INE, por transferência bancária para a conta n° ..., da agência do ....

3. A casa de morada de família, de tipologia T4, sita na R. ..., propriedade comum do casal, foi atribuída à R. por acordo alcançado no âmbito do processo de divórcio, ficando esta com o usufruto vitalício.

4. O A. é proprietário de uma carrinha marca Audi, cujo registo de propriedade data de 14-9-05.

5. O A. declarou para efeitos de IRS, no ano de 2004, o valor global bruto de rendimentos do trabalho de EUR40.541,65 e líquidos de EUR26.204,31 e rendimentos prediais de EUR1.145,20.

6. O A. declarou, para efeitos de IRS, no ano de 2005, o valor global bruto de rendimentos do trabalho de EUR 41.660,88 e líquidos de EUR 26.978,96 e mais-valias no valor ilíquido de EUR 47.666,67.

7. O A. foi sócio da sociedade comercial ... Ldª, sendo detentor de uma quota de 200.000$00 em 5-7-89, a qual alterou a designação para Jet Cooler-Águas e Cafés, S.A., a qual foi alienada em Março de 2005.

8. No mês de Abril de 2005 o A. recebeu duas transferências bancárias na sua conta n° ..., no ... nos valores de EUR 582.904,00 e EUR 83.391,00, sendo o saldo da referida conta, à data de 31-12-05 de EUR5.519,39.

9. O A. recebeu por doação, cuja data de registo é 17-2-06, juntamente com outras 5 pessoas, seus familiares, uma propriedade designada de ..., em Paranhos de Cima, com 586 m2 de superfície coberta, 359 m2 de dependências; 275 m2 de pátio e 500 m2 de jardim, e um prédio misto também sito em Paranhos de Cima com uma área total de 77.139 m2, composto por terra de cultura, vinha e árvores de fruta.

10. O A., da profissão que exerce como assessor parlamentar da Assembleia da República, auferiu no ano de 2007 e 2008 as importâncias ilíquidas de EUR 47.126,28 e de EUR 51.031,82, respectivamente.

11. A sua remuneração base no mês de Abril de 2008 foi no valor de EUR 2.085,06, a que acresceu a remuneração suplementar de EUR 1.607,23.

12. O A. declarou, para efeitos de IRS, no ano de 2010, o valor global bruto de rendimentos do trabalho de EUR 53.227,01 e líquidos de EUR 33.979,77.

13. O A. declarou, para efeitos de IRS, no ano de 2011, o valor global bruto de rendimentos do trabalho de EUR 48.481,59 e líquidos de EUR 29.754,43.

14. O A. transferiu para o filho ..., entre Maio e Setembro de 2011 o valor total de EUR 835,00 para ajudar nas suas despesas.

15. Em Junho de 2012 a sua remuneração base foi no valor de EUR 2.145,50, a que acresceu a

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remuneração suplementar de EUR 1.653,82.

16. O A. não procedeu ao pagamento voluntário da pensão de alimentos acordada, o que levou a R. a intentar acção executiva em 1-11-08, a qual corre termos neste juízo e secção como processo principal, relativo às prestações alimentícias vencidas desde Junho de 2004 a Dezembro de 2007 e juros de mora, tendo as partes acordado, a 17-7-09, num plano de pagamento da quantia exequenda desse processo, e um outro que corria termos na 3ª secção deste Tribunal, no montante total EUR29.708,00, em 58 prestações mensais iguais e sucessivas de EUR500,00, requerendo a suspensão da instância executiva nos termos do art. 882° do CPC, o que foi admitido.

17. O A. adquiriu uma casa para sua habitação, tendo recorrido a um empréstimo bancário contraído junto do ..., o qual se encontra a amortizar, cujo saldo devedor em 1-6-09 era de EUR230.926,02, liquidando prestações mensais no valor aproximado de EUR1.200,00, sendo a prestação 0491 de EUR 1.194,49 em Junho de 2009.

18. A R. declarou, para efeitos de IRS, no ano de 2004, o valor global de rendimentos do trabalho brutos de EUR 2.625,00, rendimentos de capitais o valor ilíquido de EUR 495,72 e rendimentos prediais de EUR 2.500,00.

19. A R. exerce a profissão de solicitadora, auferindo rendimentos incertos e variáveis, tendo declarado às finanças que auferiu pelos seus serviços as quantias ilíquidas de EUR10.225,00 em 2005, EUR18.750,00 em 2006, EUR31.514,05 em 2007, EUR5.060,00 em 2008, EUR4.600,00 no ano de 2009, EUR5.131,77 no ano de 2010 e EUR2.035,45 no ano de 2011.

20. Desde 2007 que a R. colabora com a sociedade de advogados ... e ... como solicitadora, sendo desta colaboração que vem retirando os seus rendimentos a título de serviços prestados.

21. A R. é comproprietária, na proporção de 1/3, de uma propriedade denominada ..., sita na freguesia da Urra, Portalegre, a qual se encontra arrendada por EUR7.500,00 por ano, dos quais a R. aufere o rendimento anual de EUR2.500,00.

22. Esta herdade propicia ainda tiragens de cortiça, de 9 em 9 anos, tendo a R. declarado rendimentos agrícolas ilíquidos de EUR 93.750,00 no ano de 2008.

23. A R. tem as seguintes despesas mensais: - quota mensal devida à Câmara dos Solicitadores: EUR28,21 - prestação mensal à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores: EUR144,84;

24. O A. suportou as seguintes despesas mensais em 2012: - PT: EUR44,08; - água: EUR3,93; - gás: EUR 44,49 - electricidade: EUR 93,63 - seguro de saúde (anual):EUR 77,48

25. O A. e a R. têm ainda as suas despesas de alimentação, vestuário, higiene e deslocações em montante não apurado.

26. A R., desde o divórcio com o A., ficou a viver com os filhos do casal que, embora sendo actualmente maiores de idade, em nada contribuem para as despesas do agregado.

27. O filho mais velho CC foi, em Julho de 2010, trabalhar para África, mas voltou a viver em Portugal, desde data não concretamente apurada, em casa da R., onde actualmente permanece.

28. No acordo relativo ao exercício do poder paternal do filho DD, então menor (nascido a 11-2-89), que foi celebrado em 8-6-04, no âmbito do processo de divórcio que correu termos

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entre as partes, estas acordaram que o filho menor ficava a residir com a mãe, suportando esta as despesas relacionadas com alimentação, calçado, assistência médica, medicamentosa, hospitalar, entretenimento, vida social e explicações e o pai as despesas relacionadas com a mensalidade do colégio e ainda pagando uma pensão de alimentos de EUR300,00 por mês, a actualizar anualmente.

29. O filho DD ainda se encontra a estudar, frequentando o curso de Gestão de Recursos Humanos na Universidade ....

III - Decidindo:1. Defrontamo-nos com uma pretensão que foi deduzida enquanto estava pendente o processo de execução que foi movido pela ora R. contra o ora A. para cobrança coerciva da dívida de alimentos fixados por acordo das partes no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento.Pediu o A. a declaração de cessação da obrigação alimentar a que se comprometera, por alteração das circunstâncias relacionadas quer com as suas possibilidades, enquanto obrigado, quer com as necessidades da R., enquanto beneficiária.As obrigações alimentícias em geral e, em particular, as assumidas por ex-cônjuges, ainda que fixadas por decisão judicial ou similar, são passíveis de sofrer modificações determinadas pela alteração das circunstâncias que estiveram presentes aquando da sua constituição. Alteração que tanto pode traduzir-se na cessação fundada no art. 2019º do CC, como na redução ou no aumento, sem limites taxativos, ao abrigo do disposto no art. 2012º.Sendo estas as normas substantivas que essencialmente importam para a solução do caso, as mesmas encontram respaldo em diversas normas adjectivas.Desde logo, no art. 619º, nº 2, do CPC, que expressamente admite a modificação da sentença em matéria alimentícia, num desvio ao princípio geral da intangibilidade do caso julgado material. Depois, no art. 282º que prevê a renovação da instância para dedução de pedido de cessação ou de alteração da obrigação de alimentos. A concluir, com o que dispõe o art. 936º que especificamente regula a tramitação da referida pretensão, quer esta seja deduzida por apenso ao processo de execução de alimentos, quer por dependência da acção declarativa em que tenham sido fixados.

2. Não sendo caso de aplicação do disposto no art. 2019º do CC que trata da cessação do direito a alimentos na sequência da modificação do estatuto familiar do cônjuge beneficiário derivada de novo casamento, de união de facto ou da verificação de comportamentos que tornem indigna a exigibilidade dos alimentos, restam as situações susceptíveis de serem abarcadas na norma genérica do art. 2012º do CC que atribui relevo à modificação das "circunstâncias determinantes da sua fixação".Uma tal expressão suscita, em abstracto, a dúvida em torno da sua delimitação, sendo de questionar se abarca apenas a modificação das circunstâncias factuais relacionadas com as necessidades do credor ou com as possibilidades do devedor que constituem os elementos fundamentais para a quantificação dos alimentos, nos termos do art. 2004º, ou se nela podem também inscrever-se eventuais modificações do quadro normativo atinentes à obrigação de alimentos. Pertinência esta que se justificaria em face das alterações introduzidas pela Lei nº 61/08, de 31-10. (JusNet 2139/2008)Sendo a obrigação de alimentos de conteúdo variável e sujeita a posteriores modificações, novas opções legislativas ligadas à sua exigibilidade ou quantificação poderiam, assim, ser ponderadas na ocasião em que as partes suscitassem perante o tribunal a redução, o aumento ou a cessação da obrigação de alimentos.Porém, no caso concreto, a resposta a uma tal questão encontra-se radicalmente prejudicada por uma clara opção legislativa. Com efeito, o art. 9º da referida Lei prescreve a inaplicabilidade do novo regime às acções pendentes, aqui se incluindo designadamente aquelas em que se discute, como é o caso, o montante da obrigação de alimentos (como se decidiu no Ac. da Rel. de Lisboa, de 13-7-10, relatado por Roque Nogueira e em que o ora relator interveio como adjunto).Por conseguinte, incidiremos apenas sobre a modificação das circunstâncias de ordem factual ocorridas na esfera do A. e da R.

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3. Estando tão só em causa apreciar a razoabilidade do quantitativo de EUR 650,00 mensais que foi fixado pela Relação, já que a R. se conformou com a anterior redução decretada pela 1ª instância, consideramos que os elementos factuais não permitiam aquela redução.

Do acórdão recorrido não ressalta propriamente uma contradição entre a fundamentação de facto e a respectiva conclusão, como advoga o recorrente quando arguiu com esse motivo a respectiva nulidade. Sem que o caso atinja dimensão que permita concluir pela existência desse vício decisório, somos levados, no entanto, a concluir que a matéria de facto não justifica a decisão que foi adoptada, sendo mais razoável a manutenção do que fora decidido pela 1ª instância.

4. A obrigação de alimentos entre ex-cônjuges encontra justificação no princípio da solidariedade pós-conjugal, devendo ser fixada em montante situado entre o indispensável à subsistência do credor e o padrão de vida decorrente do dissolvido casamento. Se tal não justifica que a obrigação de alimentos constitua para o cônjuge beneficiário um seguro de bem-estar, também não se justifica uma descida radical do estatuto económico que era garantido pelo casamento.

É neste sentido a solução para que aponta a jurisprudência deste Supremo Tribunal, de que são exemplos os Acs. de 20-2-14 (Rel. Granja da Fonseca) (JusNet 1091/2014), de 22-5-13 (Rel. Pereira da Silva) (JusNet 2672/2013) e de 23-10-12 (Rel. Hélder Roque) (JusNet 6395/2012), posto que proferidos no âmbito de acções que visavam a constituição do direito a alimentos entre ex-cônjuges e não a alteração ou a cessação da obrigação.

Entendimento que também é defendido por Maria João Tomé, Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, em Estudos em Homenagem ao Prof. Heinrich Hörster), e por Guilherme de Oliveira, A nova lei do divórcio, na Lex Familiae, nº 13, pág. 30.

5. No que à R. importa, os seus rendimentos obtidos do exercício da profissão liberal de solicitadora mantiveram-se num nível bastante baixo e, além disso, com acentuada redução a partir de 2008, sem que a matéria de facto apurada permita uma explicação para esses resultados. Aliás, nem sequer as partes entenderam que devesse discutir-se se a R., como profissional liberal, tinha ou não tinha possibilidades de incrementar o nível dos seus rendimentos por forma a libertar o A. da obrigação de prestar alimentos a que se vinculou.

A par desses rendimentos mantiveram-se estáveis os rendimentos prediais da R., ainda que a um nível igualmente baixo. Tais rendimentos traduzem-se simplesmente em 1/3 da renda anual de um prédio rústico e no valor da cortiça que, como é sabido, é distribuído pelo período vegetativo do sobreiro que a lei impõe (9 anos).

Quanto ao A., o nível de rendimentos auferidos como funcionário público manteve alguma estabilidade ao longo dos 10 anos que se iniciaram em 2004, quando foi assumida a obrigação alimentícia, com alguma redução a partir de 2010, no âmbito da redução generalizada dos vencimentos dos funcionários e agentes do Estado e de outros organismos públicos.

Sobreleva, no entanto, o facto de em 2005 ter alienado uma participação social que detinha numa sociedade comercial, o que se reflectiu objectivamente no incremento da sua conta bancária, onde surgiu depositada uma quantia global de cerca de EUR 660.000,00.

É verdade que em 2009 veio a assumir o encargo com um empréstimo habitacional no valor de cerca de EUR 230.000,00, cuja amortização mensal é de cerca de EUR 1.200,00. Mas, para além de tal corresponder a uma opção que seguramente terá ponderado os rendimentos que poderiam suportar esse encargo, não pode ignorar-se o anterior capital que esteve depositado na sua conta bancária e que, como os demais rendimentos, serve ou deve servir para garantia do cumprimento das suas obrigações presentes e dos compromissos futuros.

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Ao invés do que o A. invoca nas contra-alegações, não pode ser tratado com displicência o facto de a sua conta bancária ter apresentado aquele elevadíssimo montante e de no final do ano o saldo ser apenas de EUR 5.519,39. Para além de o mesmo não ter explicado qual o destino que foi dado a um tal quantitativo, o certo é que, fosse qual fosse, não poderia ignorar-se que pelas responsabilidades de ordem alimentar que assumiu responde todo o seu património e não apenas os rendimentos líquidos produzidos pelos bens que possui ou que sejam auferidos pelo exercício da sua actividade ou da sua profissão.

Na ponderação global das circunstâncias releva ainda o facto de terem diminuído as despesas familiares da R., na medida em que um dos filhos se autonomizou, tal como releva o facto de o A. ter sido beneficiário, em conjunto com mais 5 pessoas, de uma doação de dois prédios (um Solar e um prédio rústico), o que, independentemente dos rendimentos que possa gerar, constitui um bem que, como os outros, deve servir também para suportar o cumprimento das suas obrigações.

6. Tudo ponderado, não se mostra visível uma modificação substancial das circunstâncias que determinaram a fixação da prestação alimentícia em 2004 e, para o que agora nos interessa, não se encontra justificação que leve a penalizar a R. com uma redução ainda maior do que aquela que já foi decretada na 1ª instância.

Efectivamente, não podendo guiar-nos apenas pelos rendimentos auferidos pelo A., enquanto funcionário público, ou sequer pelos rendimentos produzidos pelos bens que estão no seu património, também não se pode concluir que a situação económica e financeira da R. tenha sofrido modificações significativas que, projectadas no futuro, permitam afirmar ser excessiva a quantia de EUR 1.000,00 que foi fixada na 1ª instância, depois de o A. se ter auto-vinculado, em 2004, a suportar um valor superior, de EUR 1.250,00, actualizável anualmente.

Importa para o efeito considerar que, sendo o nível de rendimentos que a R. aufere da sua profissão relativamente baixo, nada permite concluir que com o avançar dos anos exista uma melhoria significativa que dispense uma parte da pensão de alimentos a que o A. se obrigou aquando do divórcio.

Ora, mantendo-se em traços largos as condições que existiam aquando da fixação por acordo da obrigação de alimentos, incluindo o facto de ter sido atribuída à R. o uso da casa de morada de família, para além de não encontrar justificação na matéria de facto apurada a pretendida cessação, tão pouco se justifica a redução da prestação alimentícia abaixo do valor que foi fixado pela 1ª instância.

IV - Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a revista, revogando-se o acórdão da Relação e passando a subsistir a sentença da 1ª instância.

Custas da revista e da apelação a cargo do A.

Notifique.

Lisboa, 23-10-14Abrantes GeraldesBettencourt de Faria

João Bernardodas circunstâncias do crime em causa ou da personalidade do agente, por receio que continue a actividade criminosa ou perturbe a ordem e tranquilidade pública (art.º 194, nº2 do CPP).Antes da reforma não era permitido ao JIC aplicar medida de coação mais gravosa do que a promovida pelo MP.

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Processo sumárioFoi introduzido o processo sumário para quase todos dos casos de flagrante delito (art.º381 do CPP).Até o crime de homicídio qualificado, pode ser julgado em processo sumário, desde que cometido em flagrante delito.Tal questão tem suscitado muitas críticas por não respeitar as garantias de defesa do arguido constitucionalmente previstas (art.º 32 CRP).Exceptuam-se do processo sumário em caso de flagrante delito, apenas os crimes relativos a criminalidade altamente organizada, crimes contra identidade cultural e integridade pessoal, contra a segurança do Estado e os previstos na LEI Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário.O Tribunal Constitucional já se pronunciou quanto à constitucionalidade do art.º 381 do CPP, em dois dos seus acórdãos[1], faltando apenas um para que a norma seja declarada inconstitucional com força obrigatória geral nos termos do art.º 281, nº3 da CRP. Tribunal de JuriPassa a ser possível requerer Tribunal de júri quando se aplique o processo sumário, nomeadamente nos casos de crime em flagrante delito, nos termos do art.º 13, nº4 do CPP.Passa a ser necessário dizer expressamente que não se prescinde do prazo para preparação de defesa, condição “sine qua non” para requerer Tribunal de Júri. A audiência poderá ser adiada até ao limite máximo de 20 dias após detenção sempre que o arguido requerer prazo para preparação de defesa (art. 387, nº 2, c) conjugado com art.º 382 do CPP).Nos tipos de crimes previstos no nº 9 e 10 do art. 38º, a extensão do prazo poderá ir até aos 60 dias no nº 9 e 90 ou 120 dias no nº10.Nos casos em que seja aplicado o processo sumário por flagrante delito, tratando-se de crimes com pena superior a 8 anos, poderá ser preferível requerer Tribunal de Júri, uma vez que só assim poderá existir o chamado recurso per saltum para o STJ (art.º 432 do CPP). RecursosPassam a não admitir recurso nos termos do art.º 400, nº 1, d) e e) do CPP:- Os acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, excepto no caso de decisão condenatória em 1ª instância em pena de prisão superior a 5 anos;- Os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos.Também por esta razão há quem entenda ser preferível recorrer ao Tribunal de Júri de forma a evitar a impossibilidade de recurso da sentença de 1ª instância que possa ser proferida, salvaguardando a possibilidade de recurso per saltum.Aguarda-se que o Tribunal Constitucional se volte a pronunciar quanto à constitucionalidade do art.º 381 do CPP, que veio estabelecer a regra do processo sumário em casos de flagrante delito.A reforma veio ainda introduzir um prazo único de interposição de recurso de 30 dias, sendo que anteriormente o prazo era de 20 dias excepto quando o recurso tivesse por objecto a reapreciação da prova gravada, casos em que seria elevado para 30 dias (art.º 404, 411, e 413 do CPP). Aplicação no tempoAs alterações previstas pela reforma do processo penal aplicam-se aos processos pendentes, excepto quando comportem um agravamento situação processual do Arguido (art.º 5º, nº 2 do CPP). Uma justiça célere, mas sem garantias de defesa, não é verdadeiramente justiça.

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Decreto-Lei n.º 145/2014 - Diário da República N.º 194/2014, Série I de 2014-10-08Ministério das Finanças Clarifica o modo de contagem do tempo de serviço relevante para as pensões de reforma e de sobrevivência a atribuir após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 88/2012, de 11 de abril.

Decreto-Lei n.º 150/2014 - Diário da República N.º 197/2014, Série I de 2014-10-13Ministério da Justiça Clarifica o regime aplicável à prática de atos processuais enquanto se mantiverem os constrangimentos ao acesso e utilização do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (CITIUS)

Decreto-Lei n.º 158/2014 - Diário da República N.º 206/2014, Série I de 2014-10-24Ministério das FinançasNo uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 237.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, altera o Código do IVA e aprova o novo regime especial do IVA para sujeitos passivos não estabelecidos no Estado membro de consumo ou não estabelecidos na Comunidade que prestem serviços de telecomunicações, de radiodifusão ou televisão e serviços por via eletrónica a pessoas que não sejam sujeitos passivos, estabelecidas ou domiciliadas na Comunidade, transpondo parcialmente para o ordenamento jurídico interno o artigo 5.º da Diretiva n.º 2008/8/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008.

Acórdão do Tribunal de Contas N.º 1/2014 - Diário da República N.º 193/2014, Série de 2014-10-07Tribunal de ContasFixa a jurisprudência no sentido de que a citação é causa de interrupção da prescrição do procedimento por responsabilidades financeiras sancionatórias

Acórdão do Supemo Tribunal de Justiça N.º 14/2014 - Diário da República N.º 203/2014, Série I de 2014-10-21Supremo Tribunal de JustiçaOs arguidos que se recusarem à prestação de autógrafos, para posterior exame e perícia, ordenados pelo Exm.º Magistrado do M.º P.º, em sede de inquérito, incorrem na prática de um crime desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1 b), do Código Penal, depois de expressamente advertidos, nesse sentido, por aquela autoridade judiciária.

Resolução da Assembleia da República N.º 83/2014 - Diário da República N.º 189/2014, Série de 2014-10-01Assembleia da RepúblicaConstituição de uma Comissão de Inquérito Parlamentar à gestão do BES e do Grupo Espírito Santo, ao processo que conduziu à aplicação da medida de resolução e às suas consequências, nomeadamente quanto aos desenvolvimentos e opções relativos ao GES, ao BES e ao Novo Banco.

DIPLOMAS RELEVANTES PUBLICADOSREFERENTES A NOVEMBRO DE 2014

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Resolução da Assembleia da República N.º 86/2014 - Diário da República N.º 208/2014, Série de 2014-10-28Assembleia da RepúblicaOrçamento da Assembleia da República para 2015

Resolução do Conselho de Ministros N.º 60/2014 - Diário da República N.º 211/2014, Série de 2014-10-31Presidência do Conselho de Ministros Cria a Comissão Interministerial de Coordenação da Resposta ao Ébola.

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