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OCUPAÇÃO, RESISTÊNCIA E PRODUÇÃO: UM ESTUDO DE CASO DO ASSENTAMENTO MÁRIO LAGO DE RIBEIRÃO PRETO (SP)

Dorival Borelli Filho1

Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante2

Introdução: a construção do referencial teórico

O principal objetivo deste artigo desenvolvido junto ao Programa de Pós-

Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente do Centro Universitário de

Araraquara, área de concentração em dinâmica regional e alternativas de sustentabilidade,

é uma análise do processo de ocupação, dos momentos de conflitos e do modelo de

produção do projeto de assentamento Mário Lago de Ribeirão Preto (SP), entre os anos de

2003 a 2008, a partir de um referencial teórico-analítico em torno da política nacional de

reforma agrária.

Antes de iniciar uma análise mais detalhada do universo empírico da pesquisa,

faz-se necessário salientar que não é da pretensão deste estudo realizar uma minuciosa

revisão bibliografia da ampla literatura voltada à reforma agrária e, em especial, a

assentamentos rurais, nem muito menos criar, a partir de um estudo de caso, paradigmas

gerais de análise a respeito de políticas públicas voltadas a um processo mais amplo de

reforma agrária (FERRANTE et al, 2000).

A principal intenção deste estudo é tão somente contribuir com a vasta literatura

existente sobre assentamentos na região de Ribeirão Preto, podendo auxiliar na formulação

de um referencial analítico, que considere os assentamentos como instâncias em

permanente transformação e evolução nos distintos tempos sociais e trajetórias de vida,

caracterizadas por pressões, conflitos e lutas (FERRANTE et al, 2000).

A fim de delimitar o universo empírico da pesquisa, utilizou-se como recorte,

para efeito de análise social, política e econômica regional, a micro-região de Ribeirão

Preto, e, mais especificamente, como principal núcleo urbano dessa região, a cidade de

Ribeirão Preto, intitulada a “Califórnia Brasileira”, denominação que lhe foi conferida em

meados da década de 1970, em virtude da grande migração de trabalhadores das regiões

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pelo Centro Universitário de Araraquara (UNIARA). [email protected] 2 Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente do Centro Universitário de Araraquara (UNIARA). [email protected]

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mais carentes do país, em busca de oportunidade de emprego na lavoura canavieira, na

época áurea do Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL).

A escolha do assentamento Mário Lago como universo empírico desta pesquisa

está diretamente relacionada a sua localização, a poucos quilômetros do centro da cidade

de Ribeirão Preto, que também recebe o título de a “Capital Brasileira do Agrogenócio”.

A ocupação das terras da Fazenda da Barra, em 2003 e a oficialização do assentamento, em

2007, constituiu-se em um verdadeiro “tiro no pé” do agrobusiness. Desta maneira, o

assentamento configura-se como de importância sumamente estratégica e simbólica para o

MST, como um modelo alternativo de organização, resistência e enfrentamento à

agroindústria canavieira do interior do estado de São Paulo.

Embora a variável ambiental não seja priorizada na análise do assentamento, esta

será abordada no decorrer da caracterização do processo de produção do assentamento,

todo voltado para o desenvolvimento sustentável, em um contraponto ao modelo de

degradação ambiental estabelecido pelo agronegócio.

Ocupações de terra na região de Ribeirão Preto

De acordo com dados oficiais divulgados pelo Incra, como realizações da política

nacional de reforma agrária do governo Lula, no ano de 2007, existiam, na região de

Ribeirão Preto, seis acampamentos: o Horto Guarani, na cidade de Pradópolis, com 53

famílias acampadas; a Fazenda Santa Maria, no município de São Simão, com 164

famílias; dentro dos limites do município de Ribeirão Preto, havia o Terra Sem Males, com

109 famílias, o Santo Dias, com 150 núcleos familiares, o Índio Galdino, com 49 famílias.

Destacando-se entre esses acampamentos, encontrava-se o atual assentamento Mário Lago,

com um número bem superior de famílias com relação aos demais acampamentos, pois do

total de 823 famílias acampadas na região, 298 encontravam-se provisoriamente instaladas

na Fazenda Barra (INCRA, 2007).

No entanto, o que a frieza desses números divulgados pelo Incra não revelavam

era a difícil situação de sobrevivência em que se encontravam essas famílias de

trabalhadores rurais, com relação a algumas garantias e direitos fundamentais previstos na

legislação federal. Acampados provisoriamente em propriedades rurais improdutivas que

reivindicavam sua desapropriação para fins de reforma agrária ou às margens de rodovias,

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estavam sujeito a toda espécie de intempérie que pudesse ser ocasionada pela natureza e

sem nenhum auxílio por parte do poder público local.

Ainda segundo os números oficiais do Incra, no ano de 2008, na região de

Ribeirão Preto, existiam dois assentamentos federais administrados por esse órgão estatal:

como projeto de assentamento, a Fazenda da Barra (Mário Lago), em Ribeirão Preto, e,

como projeto de desenvolvimento sustentável, o Sepé Tiarajú, no município de Serrana,

perfazendo um total de 2.346, 23 hectares desapropriados para fins de reforma agrária e

467 famílias beneficiadas com lotes individuais de terra (INCRA, 2008).

Por sua vez, de acordo com o Incra, o Instituto de Terras do Estado de São Paulo

“José Gomes da Silva” (ITES) administrava, no ano de 2008, três assentamentos estaduais

na região de Ribeirão Preto: o Córrego Rico, em Jaboticabal; o Ibitiuva, em Pitangueiras e

o Guarany, em Pradópolis, com um total de 5.383, 23 de hectares desapropriados e com

334 famílias beneficiadas (INCRA, 2008).

Embora a implantação desses assentamentos esteja contabilizada entre os

números oficiais divulgados pelo Incra, como realizações da política nacional de reforma

agrária do governo Lula, estes assentamentos não nasceram de uma política estruturada de

reforma agrária encabeçada pelo Estado, mas de ocupações de terras lideradas por

movimentos sociais de acesso a terra, promovidas, em grande parte, pelo Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Dessa maneira, coloca-se a seguinte problemática social: circundados por grandes

latifúndios pertencentes ao agronegócio, estes assentamentos encontram-se isolados de

outros assentamentos, o que, por sua vez, dificulta em muito sua organização externa com

outros movimentos, a resistência, o enfrentamento e a criação de redes de cooperação entre

esses assentamentos.

Segundo Fernandes (2003), a reforma agrária não deve ser compreendida como

uma política compensatória, mas como uma política de desenvolvimento territorial, o que,

por sua vez, implica em uma desconcentração fundiária, fato este que nunca ocorreu na

história do país, pois todos os governos que se sucederam no poder a entenderam

justamente como uma política compensatória e, dessa maneira, a grande maioria dos

assentamentos que se estabeleceram por todo o país foram implantados em razão das

ocupações e fortes pressões dos movimentos sociais de luta pelo acesso a terra.

Esse paradigma de reforma agrária terá também que suplantar a separação

existente entre políticas públicas para assentamentos e para pequenos agricultores, pois

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ambos encontram-se em uma difícil situação de sobrevivência e, dessa maneira, políticas

públicas conjuntas são de fundamental importância. Atingidas essas perspectivas, os

embates fundiários tenderão a diminuir em todo o país e a luta dos movimentos sociais

passará a ser pela apropriação dos bens produzidos pela agricultura familiar

(FERNANDES, 2003).

A implantação de uma política agrária de caráter compensatório ocasionou, por

sua vez, uma distribuição geográfica generalizada de assentamentos por todo o país,

assentamentos esses, circundados de todos os lados por latifúndios, o que traz à tona a não

existência de uma política pública estruturada de reforma agrária por parte do Estado, pois

estes latifúndios constituíram-se a partir de ocupações promovidas pelos movimentos

camponeses (FERNANDES, 2003).

Compreendida como uma política de desenvolvimento territorial, a reforma

agrária, necessariamente, deverá estabelecer áreas para o rearranjo fundiário e anexação de

diversos assentamentos, pois, isoladamente, comportam grandes dificuldades de

estruturação, inclusão, enfrentamento e oposição ao mercado (FERNANDES, 2003).

Acampamentos do Estado de São Paulo

Município Acampamento Famílias

Ribeirão Preto Pradópolis Horto Guarani 53 São Simão Fazenda Santa Maria 164

Terra Sem Males 109 Mário Lago 298 Santo Dias 150

Ribeirão Preto

Índio Galdino 49 Total Geral 06 assentamentos 823

Fonte: INCRA – Divisão de Ordenamento da Estrutura Fundiária – 30 maio 2007

Assentamentos Federais Administrados pelo INCRA

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Município Assentamento Data de Criação Área (hec.) Famílias Ribeirão Preto Ribeirão Preto

PA Fazenda da Barra

20/06/2007 1.548,48 388

Serrana PDS Sepé Tiarajú 20/09/2004 797,75 79 Total Geral 02 assentamentos 2.346,23 467

Fonte: INCRA – Divisão de Desenvolvimento de Projetos – 16 abr. 2008

PA: Projeto de Assentamento / PDS: Projeto de Desenvolvimento Sustentável

Assentamentos Estaduais Administrados pelo ITESP

Município Assentamento Data de Criação Área (hec.) Famílias

Ribeirão Preto Jaboticabal PE Córrego Rico 04/10/2001 468 44 Pitangueiras PE Ibitiuva 27/12/2000 725,01 38 Pradópolis PE Guarany 27/12/2000 4.190,22 252 Total Geral 03 assentamentos 5.383,23 334

Fonte: INCRA – Divisão de Desenvolvimento de Projetos – 16 abr. 2008

As conquista do MST na região de Ribeirão Preto

Na região de Ribeirão Preto, além do assentamento Mário Lago, o Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) possui três outras estruturas nessa macro-

região: o Acampamento Salete Strozake, localizado na cidade de batatais, o Assentamento

Sepé Tiarajú e o Centro de Formação Dom Hélder Câmara.

O assentamento Sepé Tiarajú localiza-se em Serrana/SP. Enquanto acampamento,

esta comunidade de assentados existe desde 2004. Agregando 80 famílias de trabalhadores

rurais, possui por volta de 500 hectares. Entre outras culturas, essas famílias estão

produzindo mandioca, milho e quiabo. As famílias que auxiliaram na organização do

assentamento e que não conseguiram ser contempladas com o assentamento foram

deslocadas pelo MST até o Assentamento Mário Lago.

Cedido pela Arquidiocese de Ribeirão Preto, o Centro de Formação Dom Hélder

Câmara funciona como uma escola do MST para a formação política de seus quadros e

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militantes, mediante a realização de encontros, simpósios e seminários, além de ministrar

técnicas de cultivo da terra, que objetivam aumentar a produção em seus assentamentos.

A Fazenda da Barra: o maior latifúndio improdutivo da região

A Fazenda da Barra é uma propriedade agrícola que comporta uma gigantesca

extensão de terras, possuindo cerca de 1700 hectares, atingindo distâncias internas de até 7

km. Localizada na região nordeste do estado de São Paulo, a poucos minutos do centro da

cidade de Ribeirão Preto, mais especificamente, às margens da Rodovia Anhanguera e ao

lado do Aeroporto Leite Lopes, esta propriedade agrícola era o maior latifúndio

improdutivo da região, desmistificando a idéia que vigorava até então que a “Califórnia

Brasileira” ou a “Capital Brasileira do Agrogenócio” não possuía terras improdutivas.

A existência dessa propriedade degradada ecologicamente e que também estava

deixando de cumprir sua função social, contribuiu sobremaneira para derrubar um

questionamento que vinha sendo formulado pelo agronegócio local contra a não

necessidade do processo de reforma agrária na região e, conseqüentemente, contra a

própria existência do MST, enquanto estrutura organizacional e orgânica.

Em razão de constituir-se em uma área de recarga do Aqüífero Guarani, pois este

se encontra muito próximo à superfície terrestre, esta é uma região ecologicamente muito

sensível e, portanto inadequada para a prática do que atualmente denomina-se agronegócio,

caracterizado nessa região pela monocultura canavieira, pois a utilização de agrotóxicos e

fertilizantes químicos nas lavouras de cana-de-açúcar pode acarretar a contaminação deste

que é o maior manancial subterrâneo de água doce potável do mundo.

Um riacho que passa pela propriedade encontra-se contaminado por efluentes de

indústrias locais, sendo sua água inadequada para consumo humano. Uma área próxima à

Fazenda da Barra também havia sido degradada por seus proprietários, em razão da

retirada ilegal de terras por empresas da construção civil que operavam na cidade de

Ribeirão Preto.

O processo de ocupação da Fazenda da Barra: o primeiro passo na construção de um

sonho

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A ocupação das terras improdutivas da antiga Fazenda da Barra, que, atualmente,

constituem o Assentamento “Mário Lago”, insere-se entre as lutas sociais pela posse da

terra, que permeiam a história do país desde seu período colonial até a instituição do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), contra a concentração fundiária e

a industrialização do campo, em um projeto que pretende tornar-se um modelo de

desenvolvimento sustentável no centro do agronegócio brasileiro, servindo de referência

para demais assentamentos em todo o país.

A instalação do acampamento ocorreu em um dia de sábado, no mês de agosto de

2003, quando um grupo de trabalhadores rurais ocupou o sítio Bragheto, localizado ao lado

da antiga Fazenda da Barra, reivindicando a área para fins de assentamento da Reforma

Agrária. Esta foi a primeira ocupação de terras no município de Ribeirão Preto.

No momento da ocupação, encontravam-se acampadas, em uma área anexa à

Fazenda da Barra, cerca de 150 famílias de trabalhadores, vindas da cidade de Ribeirão

Preto e cidades vizinhas, pois a imediata ocupação desta propriedade retardaria em dois

anos o processo de assentamento junto ao Incra, em razão de uma medida provisória

advinda do governo Fernando Henrique Cardoso.

Em seu segundo mandado, FHC desenvolveu uma política de reforma agrária

altamente repressora, criminalizando os movimentos sociais camponeses e mercatilizando

o acesso à terra. Para viabilizar essa política, FHC editou duas medidas provisórias: a

primeira, determinava o não assentamento de famílias de trabalhadores rurais que tivessem

participado de ocupações de terras e a segunda dizia respeito à não vistoria das terras pelo

período de dois anos quando ocupadas uma vez e por quatro anos, quando ocupadas mais

de uma vez (FERNANDES, 2003).

Neste acampamento provisório, não existia água potável, pois o riacho da

propriedade estava contaminado e nem haviam condições de plantio de qualquer tipo

legumes ou hortaliça, de maneira que esses trabalhadores rurais dependiam da provisão de

alimentos que estes mesmos haviam levado para o local, de outros fornecidos pelo MST e

do fornecimento de água pelo DAERP.

Logo de imediato, a coordenadoria local do MST movimentou-se no sentido de

encontrar vagas disponíveis nas unidades escolas próximas ao acampamento provisório

para as 64 crianças em idade escolar, que no local encontravam-se no momento da

ocupação.

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A decisão presidencial e o processo judicial

O processo administrativo do assentamento Mário Lago junto ao Incra encontra-

se concluído, finalizado pelo Decreto Presidencial, que opinou pela desapropriação da área

para fins sociais de reforma agrária, em 29 de dezembro de 2004. Neste mesmo Decreto,

foram ainda declaradas pelo governo Lula de interesse social para fins de reforma agrária

outras duas propriedades rurais: a Fazenda Coru-Mirim, com área agrícola de 708 hectares,

7 ares e 78 centiares, localizada no Município de Tremembé, próximo à cidade de Taubaté

- SP, e a Fazenda Pendengo constituída por 4344 hectares, 29 ares e 66 centiares, situada

no Município de Castilho e pertencente à jurisdição de Andradina, localizada também no

interior do estado de São Paulo (BRASIL, 2004).

Ficaram excluídos das decorrências deste Decreto Presidencial os semoventes, os

maquinários, os implementos agrícolas e as benfeitorias realizadas nestas propriedades

agrícolas, pertencentes às pessoas que serão beneficiadas com a sua destinação. Pelo

mesmo documento estatal, o Incra ficou autorizado a realizar as desapropriações desses

imóveis e a conservar as áreas de Reserva Legal e Preservação Permanente, de preferência,

em uma única área, a fim de harmonizar o assentamento com a preservação do meio

ambiente (BRASIL, 2004).

Após a edição deste Decreto Presidencial, iniciou-se uma verdadeira batalha

jurídica entre o MST e a proprietária da Fazenda da Barra, a Fundação Sinhá Junqueira,

que interpôs um recurso na Justiça Federal, mediante uma declaração de produtividade da

propriedade, a fim de impedir a emissão do título de posse. No entanto, na capital paulista,

em uma decisão unanimidade, os três desembargadores do Tribunal Regional Federal

(TRF) julgaram improcedente, em 22 de março de 2007, o recurso da Fundação Sinhá

Junqueira, reconhecendo ao MST o direito ao assentamento.

De acordo com Fernandes (2003), com a promulgação da Constituição de 1988, a

reforma agrária sofreu uma derrota dos ruralistas, pois, embora regulamentada pela

Constituição Federal, necessitava de uma lei complementar que regularizasse as

desapropriações de terras improdutivas, o que somente veio a ocorreu em 1993, com a Lei

8.629/93. Entretanto, mesmo com a existência dessa lei complementar, os ruralistas

conseguiram barrar desapropriações na justiça, prolongando os processos administrativos e

revertendo inclusive decisões presidenciais.

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No entanto, na contramão desse processo, a unânime decisão dos

desembargadores foi, sumamente, progressista, podendo inclusive influenciar demais

julgamentos pelo restante do país, pois não tratou da questão a partir do Direto Civil, mas

no âmbito do Direto Agrário autônomo, asseverando que a reforma agrária é um dever do

Estado brasileiro. Na Justiça Federal, o Incra adquiriu a posse definitiva da Fazenda da

Barra em 22 de maio de 2007.

Ausências de infra-estrutura básica e de políticas públicas

Apesar de toda a organização interna do assentamento, as famílias instaladas no

Mário Lago vêm padecendo pela ausência de infra-estrutura e de políticas públicas neste

local. Entre as principais demandas dos assentados está a regularização da distribuição de

água. O assentamento tem sofrido com falta de água, pois a destinação de dois caminhões-

pipa por dia pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto para todo o local não é o

suficiente para as 350 famílias consumirem em alimentação e higiene.

O atendimento médico da comunidade é realizado no posto de saúde do bairro

Ribeirão Verde, o que acarreta uma sobrecarga nesta unidade, dificultando e, muitas vezes,

impedindo o acesso a esse atendimento público. Além desse fato, os assentados possuem

uma demanda de 130 casos de pessoas com problemas oftalmológicos, que necessitam

urgentemente de óculos, para poderem se alfabetizar no programa de EJA (Educação de

Jovens e Adultos) ministrado no assentamento.

Com relação à questão educacional, o assentamento possui cerca de 200

estudantes entre crianças e adolescentes que estudam em seis escolas da cidade, sendo uma

estadual e cinco municipais. Esta locomoção é precariamente realizada em ônibus de

responsabilidade da Prefeitura Municipal. Existe inclusive um inquérito civil aberto no

Ministério Público Estadual para investigar as diversas irregularidades que colocam em

risco a vida de centenas de crianças e adolescentes da comunidade. Além disso, existem

cerca de 30 crianças em idade pré-escolar que estão fora da escola por falta de atendimento

público.

Outra questão de suma importância relaciona-se ao cuidado com o meio

ambiente, mais especificamente, ao destino do lixo não-reciclável produzido no

acampamento. Atualmente, a comunidade se organiza para realizar a coleta seletiva do lixo

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reciclável, mas ainda sofre com a falta de infra-estrutura adequada para o recolhimento e

destinação do lixo inorgânico.

O principal acesso das famílias que residem no Assentamento encontra-se

praticamente intransitável. As vias internas do assentamento são todas de terra e consistem

em antigos e acidentados carreadores de cana-de-açúcar. Dessa maneira, a locomoção dos

assentados encontra-se bastante prejudicada, em razão das más condições destas vias.

Ainda a respeito do transporte dos assentados, a antiga Fazenda da Barra possui cerca de

1700 hectares, atingindo distâncias internas de até 7 km. Apesar desse fato, somente existe

um ponto de ônibus próximo ao Assentamento, e a maioria das famílias tem de percorrer

toda a distância interna para poder utilizar-se do seu direito ao transporte público.

Essas são as dificuldades infra-estruturais pelas quais passam as 350 famílias do

assentamento Mário Lago, e que poderiam ser sanadas mediante políticas públicas estatais

em continuidade a um verdadeiro processo de reforma agrária e não uma mera distribuição

de terra como de fato ocorreu neste local e vem ocorrendo em outros assentamentos pelo

restante do país, o que, por sua vez, dificulta em muito a permanência na terra conquistada.

A organicidade do processo de construção da luta pela terra

Organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o

assentamento Mário Lago de Ribeirão Preto constituí um importante foco de resistência

pela posse da terra no interior do estado de São Paulo, sendo de importância, sumamente,

estratégica para o movimento, pois se encontra instalado muito próximo a um município

que é centro de uma macro-região, onde a predominância da agroindústria canavieira, com

alto padrão tecnológico é praticamente absoluta.

As 350 famílias que constituem o assentamento encontram-se, internamente,

subdivididas em 21 núcleos de moradia, sendo que, cada um desses núcleos possui de 15 a

25 famílias assentadas. Necessariamente, para cada núcleo, existe um coordenador e uma

coordenadora geral, cujas responsabilidades são as orientações e a organização de cada

núcleo. Simultaneamente a essa organização, existem ainda coordenadores, de ambos os

gêneros, que são responsáveis pelos seguintes setores: segurança, saúde, educação, ciranda

infantil, esporte, cultura e lazer, jovens e produção. Todos esses núcleos foram

denominados com personalidades que abraçaram a luta revolucionária: Antônio Gramsci,

Rosa Luxemburgo, Paulo Freyre, Che Guevara, Zumbi dos Palmares, Dandara.

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A eleição desses coordenadores ocorre em cada núcleo de base, não significando

qualquer forma de estabilidade em seu cargo. Muito pelo contrário, podem inclusive serem

destituídos de sua função caso não cumpram as tarefas estabelecidas pelo núcleo ou pelo

conjunto das pessoas que compõem o assentamento.

As coordenadorias reúnem-se semanalmente para decidirem em conjunto, em

cada setor, quais as providências necessárias que devem ser tomadas. Os coordenadores do

setor de segurança, por exemplo, são responsáveis em organizar os turnos, escalando as

pessoas que poderão permanecer nas guaritas durante os períodos da manhã, da tarde, da

noite e da madrugada, que, por sua vez, possuem a função de controlar a entrada e a saída

de pessoas do assentamento, a fim de garantir a segurança dos que permanecem no

assentamento.

Por sua vez, os coordenadores do setor da saúde são responsáveis em atender,

com os medicamentos que os mesmos produzem em sua horta medicinal, as pessoas que

porventura sofreram algum ferimento leve ou que estão passando por uma enfermidade

corriqueira. Os casos mais graves, que não podem ser sanados pelos medicamentos

produzidos no assentamento, são conduzidos pelos coordenadores às unidades de saúde ou

ao pronto atendimento mais próximos. Nestes casos, os assentados contam igualmente nas

situações que envolvem enfermidades ou ferimentos mais graves, os assentamos contam

também com a solidariedade de outros assentados, que possuem a liberdade de conduzi-los

prontamente até o atendimento médico-hospitalar mais próximo, sem necessariamente

terem que comunicar ou pedir autorização aos coordenadores da saúde.

Os coordenadores do setor da educação possuem a incumbência de realizar um

levantamento das crianças, adolescentes e adultos que se encontram em idade escolar ou

que, por algum motivo, evadiram-se da escola, buscando vagas nas unidades escolares do

município, a fim de serem matriculados para a conclusão do ensino formal. Esses

coordenadores também são responsáveis por solicitar à Prefeitura Municipal o transporte

escolar. Com auxílio de voluntários, os coordenadores instalaram no assentamento um

programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA), a fim de atender ao déficit educacional

dos assentados que se evadiram da escola e que não podem deixar o assentamento para

estudar. A implementação da pré-escola mostra-se também necessária, pois a Prefeitura

Municipal de Ribeirão Preto não se responsabilizou pelo transporte escolar de crianças de

até sete anos de idade.

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O setor da ciranda infantil comporta uma organização um pouco distinta dos

demais setores. Possuindo uma coordenadora geral e 20 educadores entre homens e

mulheres dos demais núcleos, são de sua responsabilidade reunir as crianças de 1 a 6 anos

aos sábados à tarde, a partir das 14 h, organizando brincadeiras com as crianças, que

possuem como principal objetivo a construção de uma identidade destas crianças com o

universo rural.

Os coordenadores do setor de esporte, cultura e lazer são responsáveis por

organizar atividades culturais realizadas aos sábados à noite, além de espaços de

socialização entre os assentados. No mês de fevereiro de 2007, a comunidade realizou o

seu 1º Festival do Milho Verde e da Mandioca. A programação contou com apresentações

de Folia de Reis, declamações de poesias e moda de viola caipira. Ocorreu também a

realização de um bingo e barracas de comidas típicas, com alimentos produzidos no

próprio assentamento (MST, 9 fev. 2007).

Esses coordenadores também estão organizando um espaço que contará com

quadras de vôlei e um campo para a prática do futebol. O setor ou grupo de jovens

encontra-se integrado aos setores de esporte cultura e lazer e ciranda infantil, possuindo a

responsabilidade de colaborar com esses dois setores.

Finalizando a descrição da estrutura organizacional do assentamento, temos o

setor de produção, cuja incumbência é discutir coletivamente as bases do modo de

produção, ou seja, como e o que plantar, procurando incentivar a produção coletiva,

orgânica e agroflorestal.

O principal objetivo desta estrutura de organização implementada pelo MST, que

pode alterar-se de acordo com as especificidades e necessidades de cada assentamento, é

fortalecer a comunidade visando à resistência para o enfrentamento, na ausência de

políticas públicas estatais nos setores de saúde, educação, esporte, segurança, cultura, lazer

e apoio técnico à produção.

Esta é uma forma de organização que emerge da base para o topo e se reflete na

escolha dos coordenadores que, por sua vez, possuem a incumbência de organizar o todo

da comunidade, não significando uma relação hierárquica de poder ou de status, mas de

serviço por parte dos coordenadores com relação à comunidade, pois a qualquer momento

podem ser destituídos e substituídos dos cargos que temporariamente ocupam, caso suas

ações não estejam de acordo com o que foi estabelecido pelo núcleo de moradia que

representam ou pelo conjunto da comunidade.

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As famílias

O número de famílias do Mário Lago sofreu alterações no decorrer do processo

de assentamento, em razão das decisões jurídicas, variando de 600 a 80 famílias. Por

exemplo, foram concedidas pela justiça quatro reintegrações de posse, o que, por sua vez,

significa o imediato despejo dessas famílias.

Outras razões que levaram as famílias a evadirem-se do local encontram-se

relacionadas à instabilidade com relação à moradia, à educação dos filhos, mas,

principalmente, emerge do temor com relação à violência (abuso de autoridade e lesão

corporal) freqüentemente utilizada pelo poder coercitivo do Estado, ou seja, pela Polícia

Militar nessas ações de reintegração de posse.

A reestruturação dessas famílias vem ocorrendo em razão da intensa formação

política ministrada pelo MST. Em sua grande maioria, oriundas das periferias urbanas,

essas famílias sentem a dificuldade em lidar com o sistema de concessão de uso da terra e a

não divisão em lotes realizada pelo Incra, pois tal estrutura provoca uma mudança de

paradigma. Uma transição de valores individuais para valores mais cooperativos. Tais

valores também são trabalhados através das cooperativas estabelecidas no local.

Em pesquisa de extensão universitária militante realizada junto às famílias

assentadas3, as pesquisadoras constataram que as crianças identificam o assentamento

como um espaço de liberdade, como um local onde podem, tranqüilamente, se divertirem:

jogar futebol, brincar de pega-pega, correr, subir e pular de árvores, nadar no riacho,

participarem conjuntamente de jogos e das diversas brincadeiras organizadas pelo setor de

ciranda infantil do MST. Até mesmo as meninas, que, em razão das questões relacionadas

às relações de gênero, são mais controladas pelos pais, identificam o local onde moram

como um espaço de liberdade.

3 Entre os anos de 2004 a 2006, o Núcleo Agrário Terra e Raiz (NATRA) da UNESP - Campus de Franca -

realizou uma pesquisa de campo junto às famílias assentadas acerca de suas representações sobre a vida no

assentamento, identificando o assentamento como foco da luta pela terra na região de Ribeirão Preto e como

resultado dos conflitos da relação capital versus trabalho, na denominada “Capital do Agronegócio

Brasileiro”.

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Em contraposição a esta visão de liberdade e de segurança, as crianças

identificam os espaços onde residiram anteriormente ao assentamento, em sua grande

maioria, as periferias urbanas, como espaços de violência, de uso de entorpecentes, sem

segurança e entretenimento. Comparando os dois espaços, afirmam que sua preferência é

residir no assentamento.

O desemprego e a precariedade financeira vivenciadas por sua família enquanto

moradores da cidade eram percebidas pelas crianças. Em razão de sua convivência com

seus pais, algumas de suas preocupações são peculiares ao universo adulto, tais como a

violência e a precariedade das condições de vida em razão do desemprego, ainda mais se

tratando de uma região caracterizada pela agroindústria canavieira, que ocasiona a

sazonalidade do trabalho e o baixo rendimento financeiro, agravados quando a pessoa

possui mais de 45 anos de idade.

Em razão da superestrutura ideologia implantada pelo MST mediante o seu

modelo de educação marxista, principalmente através das atividades educacionais

realizadas nos encontros da ciranda infantil aos sábados à tarde, as crianças entendem a

posse da terra como fonte de produção, alimentação, partilha e como um bem que será por

elas herdado futuramente.

As mães dessas crianças afirmaram às pesquisadoras que apesar de toda a

precariedade vivenciada no assentamento, em razão das ausências infra-estruturais básicas

e de políticas públicas não realizadas pelo poder público local, a saúde de seus filhos havia

melhorado consideravelmente.

O intenso contato no assentamento com a natureza e a ampliação do espaço de

vida propiciou, por sua vez, uma melhoria na qualidade de vida dessa comunidade de

assentados, em termos de saúde física e metal. Em diversos depoimentos, os assentados

chegaram inclusive a afirmar que desapareceram sintomas de depressão, livrando-se ainda

de doenças cardíacas e vasculares.

Com relação aos depoimentos dos jovens, adultos e idosos residentes no

assentamento, as pesquisadoras constataram que o trabalho constitui-se como eixo

estruturador de suas vidas no assentamento, ou seja, suas vidas organizam-se mediante o

mundo do trabalho.

Momentos de enfretamento das famílias assentadas com o poder público local

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Desde a instalação do acampamento, foram diversos os momentos em que as

famílias de trabalhadores rurais resistentes no assentamento Mário Lago entraram em

litígio com o poder público local, em razão das ausências infra-estruturais básicas e de

políticas públicas nessa comunidade de assentados, principalmente, no que tange, a

distribuição de água por parte da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto e ao setor

educacional, mais especificamente, reivindicam essas à construção de uma escola do

campo no assentamento e à melhoria no sistema de transporte público dos assentados em

idade escolar.

Como uma forma de protesto contra a ação predatória ambiental do agronegócio

na região, na manhã de 24 de julho de 2007, um grupo de mais de 200 trabalhadores rurais

ocupou a Fazenda da Barra II, localizada ao lado do assentamento Mário Lago. A ação

contou com a participação de um grupo de 20 seminaristas da Igreja Católica, que faziam

estágio de vivência na região. No momento, a fazenda encontrava-se arrendada à Usina da

Pedra, contra a qual existe inquérito judicial com relação à prática de queimadas e ação

predatória ambiental (MST, 24 jul. 2007).

Desde o momento da instalação do acampamento, em agosto de 2003, esta

comunidade de assentados encontra-se em uma difícil situação de sobrevivência com

relação a algumas garantias e direitos constitucionais consagrados no artigo 5º da

Constituição Federal de 1988, que, por sua vez, também podem ser traduzidos por falta de

infra-estrutura e políticas públicas no assentamento, nas seguintes áreas: saneamento

básico, principalmente, fornecimento de água, coleta e destinação de resíduos inorgânicos,

transporte público, saúde e educação (MST, 11 set. 2007).

Motivados por essa precária situação de sobrevivência, na manhã do dia 11 de

setembro de 2007, um grupo de cerca de 80 assentados ocupou a Prefeitura Municipal de

Ribeirão Preto, com a intenção de entregar uma pauta de reivindicações ao Prefeito Welson

Gasparini (PSDB), o qual não se encontrava na cidade. O grupo foi recebido pelo seu

Secretário de Governo (MST, 11 set. 2007).

Dentre as principais reivindicações desse grupo de trabalhadores rurais junto à

administração pública local, estava em pauta a regularização da distribuição de água para o

assentamento, pois o envio de dois caminhões-pipa por dia não eram suficiente. Ao

término da reunião com o Secretário de Governo, ficou acordado entre as partes que a

instituição pública passaria a enviar mais dois caminhões por dia para o assentamento. O

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Incra também se comprometeu em auxiliar na distribuição de água para a comunidade

(MST, 11 set. 2007).

Ao final da reunião, também ficou acertado entre as partes que o agente público

regularizaria o transporte público escolar já que o assentamento não possui uma escola do

campo com todos os níveis de ensino e, dessa maneira, as crianças e adolescentes, em

idade escolar, necessitam deslocar-se até as unidades escolares mais próximas para

garantirem o seu direito constitucional de acesso à educação, o que de fato não se

concretizou até o mês de fevereiro de 2008, motivando mais uma ação política dessa

comunidade de assentados, que ocorreu logo no início do ano escolar de 2008 (MST,

2008).

No dia 19 de fevereiro de 2008, cerca de 100 adultos e 150 crianças fecharam

uma estrada que dá acesso ao Bairro Ribeirão Verde, localizado próximo ao assentamento,

reivindicando segurança no transporte escolar, pois além dos problemas mecânicos e de

documentação, existe também um problema de superlotação do ônibus, que transporta

todos os dias cerca de 90 educandos até os bairros mais próximos (MST, 21 fev. 2008).

No dia 17 de abril de 2008, um grupo de cerca de 150 integrantes do Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupou a sede da Secretaria Municipal da

Educação de Ribeirão Preto (ver foto), reivindicando a instalação de uma Escola do Campo

no assentamento Mário Lago (PITON, 2008).

Este enfrentamento local integrava-se a Jornada Nacional de Lutas do MST, que

rememora o Massacre de Carajás ocorrido no ano de 1996, assim como a impunidade de

seus infratores. No dia anterior (16), um outro grupo de integrantes do MST havia ocupado

a sede da prefeitura de Serra Azul, reivindicando da administração local a instalação no

assentamento Sepé Tiarajú de uma unidade básica de saúde, de uma Escola do Campo,

além de rede de esgoto e água encanada (PITON, 2008).

A produção: uma alternativa de desenvolvimento local sustentável

Localizado em uma região caracterizada pela lavoura açucareira, o assentamento

Mário Lago, apresenta-se como uma alternativa de desenvolvimento local sustentável ao

modelo monocultor e de degradação ambiental implementado pelo agronegócio. Embora

não exista ainda um consenso ou uma definição muito clara em torno do conceito de

desenvolvimento sustentável, pois este ainda apresenta-se como uma concepção em

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constante transformação e evolução, adotou-se para efeito de conceituação desta pesquisa a

seguinte formulação apresentada pelo filósofo, teólogo e ambientalista Leonardo Boff em

sua obra “Saber Cuidar: a ética do humano”:

Sustentável é a sociedade ou o planeta que produz o suficiente para si e para os seres dos ecossistemas onde ela se situa; que toma da natureza somente o que ela pode repor; que mostra um sentido de solidariedade generacional, ao preservar para as sociedades futuras os recursos naturais de que elas precisarão. Na prática a sociedade deve mostrar-se capaz de assumir novos hábitos e de projetar um tipo de desenvolvimento que cultive o cuidado com os equilíbrios ecológicos e funcione dentro dos limites impostos pela natureza. Não significa voltar ao passado, mas oferecer um novo enfoque para o futuro comum. Não se trata simplesmente de não consumir, mas de consumir responsavelmente (BOFF, 2000, p. 14-15).

O principal objetivo da coordenadoria regional do MST é recuperar esta área

devastada pela ação predatória do agronegócio, utilizando-a para a agricultura orgânica, ou

seja, sem a utilização de agrotóxicos, pretendendo construir um cinturão verde, que garanta

o fornecimento de produtos orgânicos para Ribeirão Preto.

Cada núcleo familiar recebeu um lote individual de terra, do qual retira uma

considerável parcela de sua subsistência, mediante a produção dos seguintes gêneros

alimentícios: banana, feijão, alface mandioca e milho, possuindo ainda, a liberdade de criar

gado como bem lhe convier, existindo ainda uma área que é cultivada pelo conjunto da

comunidade, o que auxilia em muito a construção de valores comunitários.

O assentamento possui um “banco de sementes”, cujo principal objetivo é

assegurar a qualidade da produção no assentamento, além de auxiliar os demais

acampamentos e assentamentos da região de Ribeirão Preto. Na sede do assentamento,

existe ainda um espaço destinado à produção de caldo de cana e rapadura.

Em sua primeira safra, colhida no ano de 2005, os assentados produziram (sem a

utilização de agrotóxicos ou fertilizantes químicos, pois se encontram sobre o Aqüífero

Guarani, o que, por sua vez, poderia acarretar uma contaminação desse manancial) cerca

de 30 toneladas de milho, 15 toneladas de feijão e 20 toneladas de mandioca, tornando-se,

dessa maneira, os maiores produtos desses bens alimentícios no município de Ribeirão

Preto.

Referências

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