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Experiências de vida e formação na zona rural da região de Balsas no Maranhão ODALÉIA ALVES DA COSTA Apresenta-se 2 entrevistas com estudantes de programas para formação de professores leigos (FPL) no Maranhão. As 2 alunas cursistas do EDURURAL/NE e LOGOS II, na cidade de Balsas-MA narraram experiências como: escolha da profissão docente na zona rural, dificuldades encontradas ao longo da formação, continuidade dos estudos pós-formação. As 2 entrevistadas realizaram o curso FPL em nível de 1º grau, pelo programa EDURURAL, convênio MEC/BIRD. Posteriormente, cursaram o 2º grau pelo Projeto LOGOS II, convênio MEC-DSU/Secretaria de Educação, obtendo o título de professoras do ensino de 1º Grau. As docentes escolheram a docência rural por terem residência fixa naquelas localidades; a principal dificuldade para cursar a formação quer seja através do EDURURAL e do LOGOS II, era o deslocamento que faziam da zona rural até a zona urbana, por longos períodos, em especial no EDURURAL, que aconteceu nos meses de férias (dezembro/janeiro e julho), deixando para trás maridos e filhos pequenos. Conclui-se que estes projetos de FPL atingiram um público específico, os docentes da zona rural e pelo menos nos casos analisados cumpriram o seu papel, contribuindo com a FPL na zona rural do MA. INTRODUÇÃO O presente artigo é fruto de uma investigação em andamento sobre o Programa de Expansão e Melhoria da Educação Básica do Nordeste (EDURURAL/NE), no Estado do Maranhão, estudo de pós-doutorado realizado na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP, Araraquara. O Estado do Maranhão possui um grande percentual de professores leigos, quando comparado a outros Estados do Brasil, em especial, em escolas multisseriadas, escolas que possuem um único professor para lecionar de 1ª à 4ª série, conforme Tabela 1. Tabela 1 Percentual de professores leigos, em salas multisseriadas, nos Estados do Maranhão e São Paulo, anos 1977 e 1987 % de professores leigos Ano 1977 Ano 1987 Total Urbano Rural Total Urbano Rural Maranhão 97,36 80,28 98,07 92,98 82,16 93,64 São Paulo 2,08 2,09 2,08 0,35 0,00 0,36 FONTE: BARRETO, 1991, p. 49 e 59. Doutora em Educação pela USP. Pós-doutoranda em Educação pela UNESP Araraquara. Profa. da área de Educação do IFMA, Campus Timon. Este artigo é fruto de uma investigação realizada através do projeto de pesquisa “História e Memória do EDURURAL/NE no Estado do Maranhão: 1980 -1987”. Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), Edital Universal, 31/2016, processo: 01108/17. E-mail: [email protected]

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Experiências de vida e formação na zona rural da região de Balsas no Maranhão

ODALÉIA ALVES DA COSTA

Apresenta-se 2 entrevistas com estudantes de programas para formação de professores leigos

(FPL) no Maranhão. As 2 alunas cursistas do EDURURAL/NE e LOGOS II, na cidade de

Balsas-MA narraram experiências como: escolha da profissão docente na zona rural,

dificuldades encontradas ao longo da formação, continuidade dos estudos pós-formação. As 2

entrevistadas realizaram o curso FPL em nível de 1º grau, pelo programa EDURURAL,

convênio MEC/BIRD. Posteriormente, cursaram o 2º grau pelo Projeto LOGOS II, convênio

MEC-DSU/Secretaria de Educação, obtendo o título de professoras do ensino de 1º Grau. As

docentes escolheram a docência rural por terem residência fixa naquelas localidades; a

principal dificuldade para cursar a formação quer seja através do EDURURAL e do LOGOS

II, era o deslocamento que faziam da zona rural até a zona urbana, por longos períodos, em

especial no EDURURAL, que aconteceu nos meses de férias (dezembro/janeiro e julho),

deixando para trás maridos e filhos pequenos. Conclui-se que estes projetos de FPL atingiram

um público específico, os docentes da zona rural e pelo menos nos casos analisados

cumpriram o seu papel, contribuindo com a FPL na zona rural do MA.

INTRODUÇÃO

O presente artigo é fruto de uma investigação em andamento sobre o Programa de

Expansão e Melhoria da Educação Básica do Nordeste (EDURURAL/NE), no Estado do

Maranhão, estudo de pós-doutorado realizado na Universidade Estadual Paulista Júlio de

Mesquita Filho – UNESP, Araraquara.

O Estado do Maranhão possui um grande percentual de professores leigos, quando

comparado a outros Estados do Brasil, em especial, em escolas multisseriadas, escolas que

possuem um único professor para lecionar de 1ª à 4ª série, conforme Tabela 1.

Tabela 1 – Percentual de professores leigos, em salas multisseriadas, nos Estados do Maranhão e São

Paulo, anos 1977 e 1987

% de

professores

leigos

Ano 1977 Ano 1987

Total Urbano Rural Total Urbano Rural

Maranhão 97,36 80,28 98,07 92,98 82,16 93,64

São Paulo 2,08 2,09 2,08 0,35 0,00 0,36 FONTE: BARRETO, 1991, p. 49 e 59.

Doutora em Educação pela USP. Pós-doutoranda em Educação pela UNESP Araraquara. Profa. da área de

Educação do IFMA, Campus Timon. Este artigo é fruto de uma investigação realizada através do projeto de

pesquisa “História e Memória do EDURURAL/NE no Estado do Maranhão: 1980-1987”. Pesquisa financiada

pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA),

Edital Universal, 31/2016, processo: 01108/17. E-mail: [email protected]

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A escassez de instituições para formação docente no Maranhão vem de longa data.

Haja vista que, em 1951, o Maranhão possuía apenas 2 escolas normais, enquanto São Paulo,

possuía no mesmo período 135 escolas normais (LOURENÇO FILHO, 2001, p. 82).

Não é por acaso que em 1979, 28 anos depois, no Maranhão 56,17% dos professores

eram leigos, ocupando a primeira posição, entre os Estados brasileiros. Enquanto que em São

Paulo o percentual de professores leigos era de apenas 13,06% (BRASIL, 1979, p. 40). Os

Estados que também possuíam altos índices de professores leigos eram: Bahia 55,08%, Rio

Grande do Norte 52,14%, Piauí 51,49%, Paraíba 48,50% (BRASIL, 1979, p. 40), mostrando

que os Estados com maior índice de professores leigos, todos estavam localizados na Região

Nordeste do Brasil.

Por conta do grande percentual de professores leigos no Brasil, sobretudo no Nordeste,

foram criados inúmeros programas de formação de professores leigos, a exemplo do

EDURURAL/NE (formação ginasial, com disciplinas pedagógicas) e LOGOS II (formação

em nível de 2º grau, com habilitação para o Magistério).

Para iniciar nossa discussão, buscamos os fundamentos legais sobre a formação de

professores. De acordo com o Decreto-Lei n. 8.530, de 2 de janeiro de 1946 (Lei Orgânica do

Ensino Normal), “o ensino normal seria ministrado em dois ciclos. O primeiro daria o curso

de regentes de ensino primário, em quatro anos, e o segundo, o curso de formação de

professores primários, em três anos” (BRASIL, 1946, Art. 2º).

Os professores regentes eram formados pelas escolas normais regionais, em cursos

ginasiais, primeiro ciclo do ensino secundário, e os professores primários eram formados

pelas escolas normais, em cursos de segundo ciclo do ensino secundário.

Posteriormente, em 1961, é promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, a Lei 4.024 de 20 de dezembro de 1961. Segundo esta lei, a formação do

magistério para o ensino primário deve atentar-se para:

Art. 52. O ensino normal tem por fim a formação de professôres,

orientadores, supervisores e administradores escolares destinados ao

ensino primário, e o desenvolvimento dos conhecimentos técnicos

relativos à educação da infância.

Art. 53. A formação de docentes para o ensino primário far-se-á:

a) em escola normal de grau ginasial no mínimo de quatro séries

anuais onde além das disciplinas obrigatórias do curso secundário

ginasial será ministrada preparação pedagógica;

b) em escola normal de grau colegial, de três séries anuais, no

mínimo, em prosseguimento ao vetado grau ginasial.

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Art. 54. As escolas normais, de grau ginasial expedirão o diploma

de regente de ensino primário, e, as de grau colegial, o de

professor primário.

Art. 55. Os institutos de educação além dos cursos de grau médio

referidos no artigo 53, ministrarão cursos de especialização, de

administradores escolares e de aperfeiçoamento, abertos aos

graduados em escolas normais de grau colegial.

Art. 56. Os sistemas de ensino estabelecerão os limites dentro dos

quais os regentes poderão exercer o magistério primário.

Art. 57. A formação de professôres, orientadores e supervisores para

as escolas rurais primárias poderá ser feita em estabelecimentos que

lhes prescrevem a integração no meio.

A posteriori, em 1971, a Lei 5.692 de 1971 prevê que:

Art. 29. A formação de professôres e especialistas para o ensino de 1º

e 2º graus será feita em níveis que se elevem progressivamente,

ajustando-se às diferenças culturais de cada região do País, e com

orientação que atenda aos objetivos específicos de cada grau, às

características das disciplinas, áreas de estudo ou atividades e às fases

de desenvolvimento dos educandos.

Art. 30. Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do

magistério:

a)

no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries, habilitação específica

de 2º grau;

b)

no ensino de 1º grau, da 1ª à 8ª séries, habilitação específica de

grau superior, ao nível de graduação, representada por

licenciatura de 1º grau obtida em curso de curta duração;

c)

em todo o ensino de 1º e 2º graus, habilitação específica obtida

em curso superior de graduação correspondente a licenciatura

plena.

Art. 77. Quando a oferta de professores, legalmente habilitados, não

bastar para atender às necessidades do ensino, permitir-se-á que

lecionem, em caráter suplementar e a título precário:

a)

no ensino de 1º grau, até a 8ª série, os diplomados com

habilitação para o magistério ao nível da 4ª série de 2º grau;

b)

no ensino de 1º grau, até a 6ª série, os diplomados com

habilitação para o magistério ao nível da 3ª série de 2º grau;

c)

no ensino de 2º grau, até a série final, os portadores de diploma

relativo à licenciatura de 1º grau.

Parágrafo único. Onde e quando persistir a falta real de

professores, após a aplicação dos critérios estabelecidos neste artigo,

poderão ainda lecionar:

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a) no ensino de 1º grau, até a 6ª série, candidatos que hajam

concluído a 8ª série e venham a ser preparados em cursos

intensivos;

b) no ensino de 1ºno té no ensino de 1º grau, até a 5ª série, candidatos habilitados em

exames de capacitação regulados, nos vários sistemas, pelos

respectivos Conselhos de Educação;

c)

nas demais séries do ensino de 1º grau e no de 2º grau,

candidatos habilitados em exames de suficiência regulados pelo

Conselho Federal de Educação e realizados em instituições

oficiais de ensino superior indicados pelo mesmo Conselho.

Como vimos na legislação temos o professor regente, com formação a nível ginasial,

que estava habilitado para ministrar aulas de 1ª a 4ª série de acordo com a Lei Orgânica do

Ensino Normal de 1946, e também de acordo com LDB 4.024 de 1961. Já com a Lei 5.692 de

1971, o professor com essa formação só era aceito a título precário, ou seja, aceitava-se o

professor regente para ministrar aulas no ensino primário, apenas nas localidades onde não

existiam professores normalistas, normalmente nas zonas rurais.

Os cursos de formação de professores leigos, tais como o LOGOS II, estavam

previstos na Lei 5.692/1971, Art. 77, parágrafo único, alínea a, como “cursos intensivos”.

Mas o que sabemos é que há uma grande diferença entre o que é previsto na legislação

e aquilo que acontece no cotidiano das escolas. Sabe-se que no Brasil, temos uma grande

quantidade de professores leigos.

Diante do exposto, é importante conceituar quem é o professor leigo: “professores que

não possuem as habilitações específicas previstas em lei” (BARRETO, 1991, p. 8). O

professor leigo é a incapacidade da escola normal em formar professores.

Por conta do grande percentual de professores leigos no Brasil, sobretudo no Nordeste,

devido à carência de escolas normais para formar professores, foram criados inúmeros

programas de formação de professores leigos, a exemplo do EDURURAL/NE (formação

ginasial, com disciplinas pedagógicas) e LOGOS II (formação em nível de 2º grau, com

habilitação para o Magistério).

O LOGOS I foi ofertado pelo Departamento de Ensino Supletivo através da educação

à distância, cujos alunos/professores leigos recebiam os módulos (apostilas) “em cinco

unidades federadas – Piauí, Paraíba, Rondônia, Roraima e Amapá – [...] cuja proposta foi

qualificar professores num processo de 12 meses. Tal testagem obteve excelentes resultados”

(GONDIM, 1982, p. 19-20).

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Após a implantação dessas experiências piloto, com o LOGOS I “foi então

implantado, em fase experimental, o projeto LOGOS II, voltado para habilitação de

professores a nível de 2º grau, via supletivo, utilizando o ensino à distância” (GONDIM,

1982, p. 20).

O objetivo do LOGOS II era:

Habilitar, a nível de 2º grau, para lecionar até a 4ª série do 1º grau, com avaliação no

processo, via ensino supletivo, mediante ensino à distância aplicado através de

módulos de ensino, professores não titulados, com exercício no magistério, nas

quatro primeiras séries do 1º grau, nos Estados do Piauí, Paraná, Rio Grande do

Norte e Território Federal de Rondônia (GONDIM, 1982, p. 20).

Embora, implantado inicialmente em apenas 4 Estados do Brasil, no ano de 1975, “o

projeto LOGOS II, do MEC, desenvolvido em convênio com Secretarias de Educação e

Cultura atingiu 19 unidades federadas” (STAHL, 1986, p. 21).

O LOGOS II fora organizado em “28 disciplinas, totalizando 208 fascículos”

(GOUVEIA, 2016, p. 37).

O LOGOS II foi um programa de educação à distância inspirado em modelos

europeus e norte-americanos que já vinham desenvolvendo esta forma de ensino

para “estudantes trabalhadores com custos mais baixos”. O programa tinha um

plano de atividades diversificado e flexível, no qual o aluno estabelecia seu próprio

ritmo de aprendizagem e os encontros com o orientador de ensino eram mensais,

para aplicação de testes, bem como, conforme a necessidade, para esclarecimento de

dúvidas em relação ao conteúdo proposto. Os professores que se matriculavam no

Logos II tinham níveis de escolaridade variados, sendo exigida como escolaridade

mínima para participar do projeto, a 4ª série do 1º grau (GOUVEIA, 2016, p. 58-59).

Outro programa de formação de professores leigos que daremos destaque neste texto é

o Programa de Expansão e Melhoria da Educação Básica do Nordeste (EDURURAL/NE).

O EDURURAL/NE foi desenvolvido nos 9 estados do Nordeste brasileiro, alcançando

248 municípios da região, conforme quadro 1:

Quadro 1 - Municípios abrangidos pelo EDURURAL/NE

ESTADOS

ABRANGIDOS

TOTAL DO

Nº DE

MUNICÍPIOS

NÚMERO TOTAL DA

PORCENTAGEM

Alagoas 94 13 14

Bahia 336 36 11

Ceará 141 53 38

Maranhão 130 22 17

Paraíba 171 31 18

Pernambuco 164 29 18

Piauí 114 35 31

Rio Grande do Norte 150 14 9

Sergipe 74 15 20

TOTAL 1.374 248 18

FONTE: QUEIROZ, 1997, p. 172 (apud Informações gerais MEC, 1983, p. 15)

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O EDURURAL/NE tinha os seguintes objetivos: “reorganização da rede física,

capacitação profissional, valorização funcional, incentivo financeiro, material didático e de

ensino e merenda escolar” (QUEIROZ, 1997, p. 11).

Neste texto vamos abordar apenas a capacitação profissional (formação de

professores) por ser a nossa preocupação enquanto objeto de estudo.

Segundo Barreto (1983, p. 27),

O objetivo do Edurural é concentrar os esforços na qualificação de professores

leigos pretendendo oferecer-lhes formação a nível de 8ª série de 1º grau. Essa

medida seria reforçada pela atuação do Projeto Logos II, do DESU, destinado à

habilitação ao magistério de 2º grau ao nível de suplência.

A seguir, iremos apresentar a metodologia e os resultados parciais da pesquisa de

campo realizada no Sul do Maranhão, onde entrevistamos professoras leigas, que participaram

do EDURURAL/NE e do LOGOS II.

METODOLOGIA

A pesquisa de campo para realização das entrevistas aconteceu entre 20 de dezembro

de 2017 e 28 de janeiro de 2018. Ao todo foram realizadas 19 entrevistas, nos municípios

maranhenses de Balsas, Loreto, São Domingos do Azeitão, Benedito Leite e São Luís, bem

como em Teresina, Piauí. Foram entrevistadas 5 coordenadoras, 11 alunas cursistas e 3

professoras formadoras. Deste total, selecionamos duas (2) entrevistas com alunas cursistas

egressas dos programas EDURURAL/NE e LOGOS II, entrevistas estas realizadas no

município de Balsas, Maranhão.1

O projeto de pesquisa e o roteiro de entrevistas foram submetidos ao Comitê de Ética

em Pesquisa (CEP), atendendo às Resoluções 466 de 2012 e 510 de 2016, ambas do Conselho

Nacional de Saúde. O projeto foi avaliado e aprovado pelo CEP da Faculdade de Ciências e

Tecnologia do Maranhão (FACEMA), possuindo como Certificado de Apresentação para

Apreciação Ética (CAAE), n. 76289317.6.0000.8007.

É importante registrar que as maiores dificuldades encontradas para a realização desta

pesquisa, diz respeito às condições impostas pelo Comitê de Ética, através do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No modelo de TCLE da FACEMA, o

entrevistado precisa assinar o TCLE, e fornecer também o número de identidade e CPF. Parte

1 Participaram da coleta de dados o aluno bolsista FAPEMA, Elivelton dos Santos Silva e as alunas voluntárias:

Eulina da Silva Lima e Mariana Cardoso de Abreu.

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das professoras leigas que entrevistamos eram mulheres muito simples, que atuavam como

trabalhadoras rurais e como professoras ao mesmo tempo. Algumas se aposentaram como

trabalhadoras rurais, e temiam gravar uma entrevista falando de suas experiências enquanto

professoras. Outras receavam que fizéssemos empréstimo bancário em suas aposentadorias,

uma vez que teríamos seus documentos pessoais. Houve também casos de lideranças que não

queriam se comprometer com o passado, que davam depoimentos interessantes sobre o

programa EDURURAL, mas não aceitavam gravar a entrevista. Ao todo 9 pessoas se

negaram a dar entrevistas, devido às imposições feitas pelo Comitê de Ética, o que é

lamentável.

O roteiro de entrevistas foi dividido em quatro partes: ficha técnica do entrevistado,

perguntas direcionadas às supervisoras ou coordenadoras, outra seção com perguntas para às

professoras formadoras, e por fim, perguntas feitas às alunas cursistas/professoras leigas.

Aqui neste artigo, vamos nos ater apenas às perguntas e respostas feitas pela

pesquisadora às alunas cursistas/professoras leigas: motivo para escolha da profissão docente

na zona rural, principais dificuldades encontradas pelas professoras para participar das

formações de professores leigos, continuidade dos estudos pós-formação, dentre outras

questões.

RESULTADOS

A primeira aluna cursista entrevistada, nesta pesquisa, foi Maria Aparecida Sousa

Costa, na cidade de Balsas-MA, no Hotel Santa Maria. Ao falarmos de nossa pesquisa com a

proprietária do hotel, a senhora Maria Alves Lopes (minha tia) nos indicou a senhora

M.A.S.C., moradora da Comunidade São Bento, município de Nova Colinas, MA, uma vez

que a mesma tinha sido aluna do EDURURAL/NE e do LOGOS II. Entramos em contato por

telefone e ela nos informou que tinha uma viagem pessoal para Balsas-MA. M.A.S.C. foi ao

nosso encontro onde livremente nos concedeu a entrevista, e ainda nos doou 6 módulos do

LOGOS II, foto 1.

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Foto 1 – Capa de alguns módulos das apostilas do

programa LOGOS II

FONTE: Acervo pessoal da entrevistada Maria

Aparecida Sousa Costa (22/12/2017)

A segunda aluna cursista entrevistada nesta pesquisa foi Joana Santos da Silva, na

comunidade Belos Aires, em sua residência, zona rural de Balsas-MA. Em uma viagem que

fizemos para Balsas-MA e Loreto-MA, decidimos parar na comunidade Belos Aires para

conhecermos um prédio escolar construído com recursos do EDURURAL/NE, foto 2.

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Foto 2 – Placa de inauguração

Grupo Escolar Raimundo L. dos

Santos, construído com recursos

do EDURURAL, comunidade

Belos Aires, zona rural de

Balsas-MA, 1984.

FONTE: Dados da pesquisa de

campo (21/12/2017).

Ao visitarmos o prédio escolar, a pessoa que se encontrava na escola nos disse: “se

vocês quiserem entrevistar a professora que trabalhou a vida inteira nesta escola, desde os

tempos em que ela foi construída, ela se chama Joana e mora aqui atrás da escola”. O

motorista que conduzia o veículo, o senhor Clodomir Alves Ferreira, (meu tio) nos levou até a

casa de Dona Joana, que nos recebeu prontamente, nos concedeu a entrevista e ainda nos

forneceu uma preciosa fonte, o convite de formatura da turma do EDURURAL/NE que

aconteceu em Balsas-MA, foto 3.

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Foto 3 – Convite de formatura EDURURAL: formandos de 84, Balsas-

MA

FONTE: Acervo pessoal da entrevistada Joana Santos da Silva

(21/12/2017)

Com este convite, tivemos conhecimento da lista dos formandos, lista dos professores,

patronos, paraninfos, enfim, a partir do convite seria fácil identificar quantos sujeitos

quiséssemos entrevistar.

No que diz respeito à primeira categoria, Escolha da profissão docente, Maria

Aparecida Sousa Costa, nos falou que escolheu ser professora “porque o professor ele é tipo

uma mãe, ele dá luz à comunidade, ele abre portas para o mercado, ele abre portas para a

felicidade e para o sucesso” (M.A.S.C., 2017, p. 2).

Nas palavras de M.A.S.C. ser professora está associado a inúmeros aspectos

sentimentais que perpassam desde a maternidade, até mesmo às orientações para o mercado

de trabalho. Por sua vez, Joana Santos Silva, destaca que escolheu ser professora por

necessidade da comunidade e por não ter a possibilidade de continuar seus estudos, uma vez

que o pai dela não tinha como mantê-la estudando na cidade de Balsas-MA.

No primeiro ano que eu fui ser professora, eu fui por necessidade da

comunidade, eu morava em outro interior e aí a comunidade precisou

de professor e eu nessa época só tinha a sexta série. Meu pai não

pode mais me colocar em Balsas para estudar, aí falou pra mim ir e

eu não queria assim, toda sem jeito, mas eu fui e passei a gostar e no

outro ano eu já não quis mais sair, só um ano eu já gostei (J. S. S.,

2017, p. 2).

Continuamos indagando às nossas entrevistadas, porque as mesmas optaram pela

docência na zona rural. Maria Aparecida afirma: “é porque lá onde eu morava, tinha uma

grande necessidade, tinha muitos alunos” (M.A.S.C., 2017, p. 2).

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Os motivos pelos quais Joana optou por trabalhar na zona rural foram semelhantes

àqueles apresentados por Maria Aparecida.

Porque eu morava na zona rural, meu pai não tinha casa na cidade

para botar a gente para estudar lá, então a gente quase não tinha

opção assim de ter outro jeito. Hoje tem muita facilidade o aluno

mora na zona rural e estuda na cidade, tem ônibus para pegar e tudo

mais. Naquele tempo não tinha, no interior só tinha até a quarta série,

era muito difícil, aí eu optei para o magistério e graças a Deus deu

certo, que eu gostei (J.S.S., 2017, p. 3).

As nossas entrevistadas moravam na zona rural e exerceram a docência na zona rural,

diferentemente das características das professoras rurais entrevistadas pela pesquisadora

Sandra Cristina Fagundes de Lima (2012) em Uberlândia-MG. As professoras de Uberlândia-

MG quando se deslocavam da cidade para a zona rural, estranhavam os meios de transporte,

cavalo, por exemplo, a infraestrutura das salas de aulas, características essas corriqueiras para

as professoras que entrevistamos.

No que se refere às dificuldades encontradas ao longo da formação, Maria Aparecida

Sousa Costa relata que a principal dificuldade encontrada para cursar o ginásio pelo

EDURURAL era a distância entre o Povoado São Bento, onde ela residia e trabalhava e São

Raimundo das Mangabeiras, local de realização do curso intensivo no período de férias

(Escola São Raimundo Nonato). A distância entre as duas localidades era de

aproximadamente 130 quilômetros. Esse deslocamento era feito utilizando diferentes meios

de transporte. Assim relata a entrevistada:

[De São Bento] a gente vinha para Fortaleza [dos Nogueiras], vinha

a cavalo, [24 quilômetros] de lá pegava um carro que vinha para

Balsas, (D-20, camionete, caminhão) ficava no entroncamento. No

entroncamento [MA 006 com a BR 230, Rodovia Transamazônica]

pegava carona pra São Raimundo das Mangabeiras em kombis.

Joana Santos da Silva estudou o EDURURAL no polo de Balsas, onde as aulas do

ginásio aconteciam na Escola Luiz Rego. A distância entre a comunidade Belos Aires e

Balsas era 20 quilômetros. Sobre esse deslocamento a entrevistada relata: “daqui até Balsas

eu ia de carro, naquela época não tinha van, era pau-de-arara, chegava lá a pessoa ia tomar

banho porque o cabelo estava vermelhinho da piçarra, não tinha asfalto também” (J.S.S.,

2017, p. 6).

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O deslocamento de Belos Aires até Balsas não era o maior empecilho para a formação

de Dona Joana. A maior dificuldade para ela era conciliar a formação e a atenção à família,

esposo e filha. Ela mesma descreve:

A dificuldade era grande assim porque eu já era casada, já tinha

filhos, tinha marido aí aquela confusão, marido uma hora quer que eu

vá, outra hora não quer que eu vá [...]. É difícil, eu tinha menino

pequeno, tinha menino de peito, quando eu comecei eu estava dando

de mamar, estava com um mês que eu tinha ganhado minha menina

mais velha, aí eu deixava ela na casa de uma tia minha e ia lá para o

Luiz Rego a pé de manhã, voltava meio dia, almoçava, dava de

mamar a neném e voltava de novo, foi difícil, mas eu consegui (J.S.S.,

2017, p. 4).

Quanto à continuidade dos estudos não podemos generalizar, porque aqui

apresentamos apenas dois casos de professoras rurais. Mas ambas as professoras que

participaram do EDURURAL/NE, cursando o ginásio, posteriormente, fizeram o magistério

em nível de 2º grau pelo LOGOS II, e posteriormente, fizeram curso superior de Licenciatura

pelo Programa de Capacitação Docente (PROCAD).

FONTES ORAIS

Entrevista com Joana Santos da Silva, concedida a Odaleia Alves da Costa, no dia 21 de

dezembro de 2017, duração 17 minutos e 36 segundos.

Entrevista com Maria Aparecida Sousa Costa, concedida a Odaleia Alves da Costa, no dia 22

de dezembro de 2017, duração 20 minutos e 53 segundos.

REFERÊNCIAS

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e perspectivas. Brasília: IPEA, 1991.

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