OFíCIO N°0244/2011-PRESID/ADVOSF · SENADO FEDERAL OFíCIO N°0244/2011-PRESID/ADVOSF Brasília,...
Transcript of OFíCIO N°0244/2011-PRESID/ADVOSF · SENADO FEDERAL OFíCIO N°0244/2011-PRESID/ADVOSF Brasília,...
SENADO FEDERAL
OFíCIO N° 0244/2011-PRESID/ADVOSF
Brasília, 31 de agosto de 2011.
Excelentíssimo Senhor Ministro,
Em resposta à solicitação contida no Ofício nO5.332/R, de 17 de
agosto de 2011, encaminho a Vossa Excelência as informações elaboradas
pela Advocacia do Senado Federal destinadas a instruir a Ação Direta de
Inconstitucionalidade n° 4636.
Atenciosamente,
JOSÉ SARNEYPresidente do Senado Federal
A Sua Excelência o SenhorMinistro GILMAR MENDESMO. Relator da ADI N° 4636Supremo Tribunal FederalNESTA
SENADO FEDERALADVOCACIA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUaONALIDADE N.o4636REQUERENTE: CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL.REQUERIDO: CONGRESSO NAOONAL
PRESIDEN1E DA REPúBuCA
Informações prestadas para instruçãoda Ação Direta deInconstitucionalidade nO 4636,proposta pelo Conselho Federal daOAB em face de dispositivos da LeiComplementar nO80, de 1994, com aredação dada pela Lei ComplementarnO 132, de 2009.
Senhor Advogado-Geral,
Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade com pedido de
medida cautelar proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil em face do art. 4°, inc. V e ~6°, da Lei Complementar nO80, de 12 de janeiro
de 1994, com a redação que lhe foi atribuída pelo art. 1° da Lei Complementar nO
132, de 7 de outubro de 2009.
Mirma a autora que a regra constante do art. 4°, inc. V, da lei
impugnada, ao estabelecer a possibilidade de defesa de pessoas jurídicas pela
defensoria pública, houve por "ampliar a área de atuação da D(ensaria Púliica, com total
alhearrEnto de sua missão ronstitucianal", incorrendo dessarte em violação ao disposto
no art. 134 e no art. 5°, inc. LXXIV, da Constituição da República.
Senado Federal - Anexo I-24° andar - Brasflia - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303-4750 - Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected]
SENADO FEDERALADVOCACIA
Aduz que a ausência de limitação à atuação da defensoria pública,
instituída no dispositivo vergastado, não se compadece com a específica missão
constitucional de assistência aos necessitados.
Ressalta que "a Carta Maior ddimitou o aa:ssogratuito ela m:essitada que
não tenham amdiçrx:s para suportar ~ atS~ finarmra; das derrurdas, o que, nattlra/mente.não se awry;a sobreas JX5SQ:1Sjwúlü:as" [destaquei].
Requer, portanto, a declaração de inconstitucionalidade da expressão
"e jwúlü:as" contida no inciso V do art. 4° da Lei Cnmplementar nO 80/94, na
redação atual. Pede a autora, ainda, que o STF dê interpretação conforme ao
restante do dispositivo para restringir seu âmbito de incidência às pessoas físicas
que comprovarem insuficiência de recursos para arcar com as despesas processuais.
A seguir, invectiva a autora contra o disposto no ~6° do art. 4° da
mesma Lei, que dispõe que "a capaddade ~tu1dtária do D(ensar Púliim daurre
exdusiwmmte de sua ~ ep~se m cargJ púliim".
Mirma que, pela própria natureza das funções que desempenham,
os defensores públicos são advogados. Por isso, prossegue, devem ser inscritos na
OAB, dado que a Cnnstituição não limita o âmbito de atuação da Ordem aos
advogados privados, bem assim porque há necessidade de exercício de fiscalização
ético-profissional sobre a atuação dos defensores públicos.
Desse modo, o dispositivo impugnado contraria, segundo a autora,
o comando contido no art. 133 da Cnnstituição da República, estando ainda em
desconfonnidade com o disposto no art. 26 da mesma Lei Cnmplementar 80/94,
2
Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasília - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303-4750 - Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected]
SENADO FEDERALADVOCACJIA
que exige a inscrição na ordem como requisito de participação no concurso público
para a carreIra.
Aduz que "a capacidade ~tu1a1:Óri4de tais prrfissWnaisdemrreda cordit;ãoirEXará7£1de serem na (5sêrrid, adrugada e, cunv tais, inscrit:a na OAB, daí a
irronstitueionalidadedo dis~itiw em relaçãoao art. 133, da Carta Maior". Invoca, em
sequência, o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais para
amparar a interpretação ampliativa do art. 133 da Constituição.
Destaca que a eventual retirada dos defensores públicos do âmbito
da fiscalização ético-profissional instituÍda pela Lei nO8.906/94 contraria a unidade
de regulamentação que a Constituição pretendeu atribuir aos que "wmparwm em
juízo repnsentarrlo ~ interesS(5de alí!flém", além de dar aos Estados- Membros a
regulamentação funcional dos profissionais em questão, via leis locais.
Recorda. que a Constituição, nas normas que disciplinam a
composição dos tribunais, prevê a regra do quinto, compartilhada entre Ministério
Público e Advocacia (!dto sensu), donde se extrai que as atividades de defensoria e
advocacia pública se inserem na última. A mesma divisão (Magistratura - MP -
Advocacia) se verifica, segundo a autora, na composição do CNJ e do S1J.
Pede a autora medida cautelar para suspender a eficácia dos
dispositivos impugnados, invocando como periadum in rrvra o fato de que muitos
defensores públicos vêm pedindo cancelamento de suas inscrições nas seccionais
da OAB, provocando, segundo sustenta, a nulidade de suas manifestações e o
tumulto processual.
3
Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasflia - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303-4750 . Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected]
SENADO FEDERALADVOCACIA
No mérito, pede a procedência da ADI para declarar a
inconstitucionalidade do trecho "e jwúlicas" constante do art. 4°, inc. V, da Lei
Complementar nO 80/94, na redação atual, bem assim seja dada interpretação
conforme ao restante do dispositivo para limitá-lo aos necessitados, nos termos da
Constituição; e para declarar a inconstitucionalidade do ~6° do art. 4° da mesma
Lei.
o Relator, Ministro Gilmar Mendes, adotou o rito do art. 12 da Lei
nO9.868, de 10 de novembro de 1999.
É a exposição da inicial, em breve síntese.
BREVE SUMÁRIO DO PROCESSO LEGISLA TIVO.
Quanto à tramitação legislativa da matéria, tem-se a informar que a
Lei Complementar nO132, de 2009, originou-se de projeto de lei inaugurado pela
Mensagem nO139, de 14 de março de 2007, do ExcelentÍssimo Senhor Presidente
da República, autuada na Câmara dos Deputados sob o nO28/2007, e no Senado
Federal nO137/2009.
A minuta original do projeto de lei já continha as disposições que
ora são impugnadas pela Ordem dos Advogados do Brasil, ipsis litteris:
Art. 4° São funções institucionais da Defensoria Pública,dentre outras fonnas de prestação de assistência judicial, integral egratuita, aos necessitados:
(00.)V - exercer, mediante o recebimento dos autos com vista, a
ampla defesa e o contraditório em favor de pessoas naturais ejurídicas, em processos administrativos e judiciais, perante todos osórgãos e em todas as instâncias, ordinárias ou extraordinárias,
Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasflia - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303-4750 - Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected]
SENADO FEDERALADVOCACIA
utilizando todas as medidas capazes de proPICIar a adequada eefetiva defesa de seus interesses;
(...)~ 6° A capacidadepostulatória do Defensor Público decorre
exclusivamentede suanomeação e posse no cargo público.
Na exposição de motIvos do anteproJeto encaminhado ao
Presidente da República, o então mmlStro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos,1\expos:
"16. O art. 4°, ao explicitar as funções da DefensoriaPública, coerente com o conceito de assistência jurídica integral,dota-a do seu papel de orientador de direitos, formador de cidadaniae garantidor dos direitos fundamentais, como na prevenção dequalquer forma de abuso e no direito de comunicação imediata daprisão em flagrante pela autoridade policial, quando o preso nãoconstituir advogado, e na possibilidade de prestar atendimentointerdisciplinar, para o exercício de suas atribuições. Além disso,prioriza as medidas extrajudiciaisna composição dos conflitos, cujosinstrumentos terão força de tÍtulo executivo extrajudicial;estabeleceas tutelas coletivas, inclusive impetrar mandado de segurançacoletivo, podendo promover ações civis públicas na defesa dosdireitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos que possambeneficiar hipossuficientes ou patrocinar entidadeshipossuficientes ou filantrópicas que incluam entre suasfinalidades institucionais a defesa dos direitos protegidos pelaDefensoria Pública. O ~6° do art. 40 afirma o caráter público eestatal da assistência jurídica ao necessitado". [destaquei].
Na Câmara dos Deputados, o projeto tramitou pelas seguintes
Comissões Permanentes: Trabalho, Administração e Serviço Público; Finanças e
Tributação; e Constituição e Justiça e de Gdadania.
No que tange às impugnações apresentadas na presente ação direta,
vale dizer que a Comissão de Constituição e Justiça e de Gdadania da Câmara
avaliou a constitucionalidade da proposta por meio de parecer de relato ria do
Senado Federal - Anexo I-24° andar - Brasflia - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303-4750 - Fax: (61) 3303-2787 - e.mail: [email protected]:br
~ENADO FEDERAJLADVOCACiA
Deputado Mauro Benevides, aprovado por unanimidade, mantendo-se a redação
dos dispositivos atacados. Em plenário, o projeto recebeu emenda substitutiva
aglutinativa, que, entretanto, nada modificou em relação aos pontos em questão na
presente ação.
Enviado ao Senado Federal, o projeto aqui recebeu o nO 137, de
2009 - Complementar. Na Comissão de Constituição e Justiça, realiwu-se
audiência pública para tratar da matéria, com representantes das diversas entidades
representativas dos atores processuais na legislação brasileira: Magistratura, OAB,
Ministério Público e Defensoria Pública. Em seqüência, o teor do projeto foi
analisado em parecer da lavra do Senador Antônio Carlos Valadares, cujo excerto
reproduw:
Em síntese, o projeto está rigorosamente em consonânciacom as necessidadespostas nos dois Pactos de Estado, fortalecendoa Defensoria Pública brasileira com os mecanismos necessários àconsecução de sua nobre função constitucional: promover a ampladefesa dos direitos das pessoas carentes.
A garantia à população carente do direito constitucional deampla defesa em juízo se revela, com absoluta clareza, o objetivoprincipal do projeto, tanto em sua redação original, como atravésdos aprimoramentos realizados pelo Nobre Deputado MauroBenevides - ex-Senador e Presidente do Congresso Nacional-, quefoi o relator da matéria na cq da Câmarados Deputados e autor dosubstitutivo aprovado naquela casa.
O fonalecimento da Defensoria Pública resultará tambémno fonalecimento do Sistema de Justiça como um todo, poisnenhum organismo é fone se um de seus membros está debilitado.A nobre instituição do Ministério Público, que tão relevantesserviços presta ao país, não terá nenhuma de suas funções privativasabaladas ou mesmo minimamente arranhadas com a aprovaçãodeste projeto.
Diante de uma defesa pública mais fone e bem estruturada,o Ministério Público saberá se organizar ainda mellior para travar,em igualdade de condições, sua função precípua exclusivade órgãode acusaçãoe titular da ação penal pública.
Destaco que, através deste projeto, o Congresso Nacionalnão está apenas tratando da Defensoria Pública, mas do próprio
Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasflia - DF - CEP 70165-900 - Te!': (61) 3303-4750 - Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected]
SENADO FEDERALADVOCAClIA
direito de ampla defesa da grande maioria da população brasileira e,assim, constnúndo um Estado mais democrático e garantidor dosdireitos fundamentais de seus cidadãos.
Embora o parecer não mencione expressamente a questão da
capacidade postulatória dos defensores ou o patrocínio de interesses de pessoas
jurídicas, vê-se que a preocupação central do legislador foi conferir máximo alcance
ao princípio da integralidade da assistência jurídica, de estatura constitucional, e que
será explorado mais adiante.
Finalmente, levada a plenário, a matéria foi aprovada por ampla
maioria, sendo submetida à sanção presidencial.
É a síntese do processo legislativo.
CONSTITUCIONALIDADE PLENA DO ART. 4°, INC. \I, DA LEICOMPLEMENTAR N° 80/94, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI COMPLEMENTAR N°132/2009.
G:>m relação à alegação de inconstitucionalidade da expressão «e
jurídicas", contida no inciso V do art. 4° da lei sob juízo, bem assim acerca de sua
abrangência, pelo que se formulou pedido de interpretação conforme, tem-se que
são improcedentes, data 1.£11Ía, os argumentos coligidos pela autora.
Inicialmente, é necessário destacar que a G:>nstituição da República
instituiu o princípio da integralidade e gratuidade da assistência judiciária aos
necessitados. Esse princípio emerge da leitura conjugada do art. 5°, inc. LXXIV e
inc. XXXV. O último estabelece o princípio da proteção judicial efetiva, que
redunda em diversas garantias processuais e materiais às pessoas que buscam o
amparo da Justiça; o primeiro, mais específico, garante aos rHJ3sit:atla - assim
. Senado Federal - Anexo I - 240 andar - Brasilia - DF - CEP 70165-900 - Te!': (61) 3303-4750 - Fax: (61) 3303:2787 c e-mail: [email protected]\(.br
SENADO FEDERALADVOCACIA
entendidos os que comprovarem insuficiência de recursos, nos termos da
Constituição - o direito de assistênciajurídicagratuitae integral.
Enquanto rrundado de otimização, o princípio da proteção judicial
efetiva impõe que a leitura das normas constitucionais e legais pertinentes à
facilitação do mais amplo e irrestrito acesso à justiça seja efetuada de modo a
garantir a sua mixirru efetiWiade.
Nessa esterra, quis o legislador complementar ampliar
institucionalmente as atribuições da defensoria pública dentro do que permite a
moldura constitucional, ao permitir sua atuação em defesa de pessoas jurídicas -
evidentemente, com as mesmas restrições das pessoas físicas, ou seja, aquelas que
não dispõem de recursos para custear o processo, nos termos da Constituição da
República.
Vale ressaltar, neste ponto, que a Constituição não estabeleceu
qualquer fator de restrição de atuação da defensoria pública, ou do direito
fundamental à assistênciajurídica integral, com base na natureza do destinatário -
se pessoa físicaou jurídica.
Importa ressaltar, ainda, que os direitos fundamentais, embora
tenham sido originariamente concebidos como destinados às pessoas humanas,
podem ser aplicados às pessoas jurídicas naquilo que seja compatÍvel com suanatureza.
Paulo Gustavo Gonet Branco, em obra que compartilha com os
professores GilmarMendes e Inocêncio O:>elho,assevera:
8
Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasília - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303-4750 - Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected]
SENADO FEDERALADVOCACll:A
"Não há, em princípio, impedimento insuperável a quepessoas jurídicas venham, também, a ser consideradas titulares dedireitos fundamentais, não obstante estes, originalmente, terem porreferência a pessoa física. Acha-se superada a doutrina de que osdireitos fundamentais se dirigem apenas às pessoas hwnanas. Osdireitos fundamentais suscetíveis, por sua natureza, de seremexercidospor pessoas jurídicaspodem tê-las por titular"1.
Nessa esteira, é preciso marcar dois pontos.
Em primeiro lugar, o alegado estágio atual de organização da
defensoria pública, que seria incompatÍvel com o incremento de suas atribuições,
não pode servir de justificativa à inconstitucionalidade da previsão legal de
assistência judiciária a pessoas jurídicas.
Isso porque os direitos fundamentais não comportam interpretação
restritiva ou limitação de vigência em face da realidade social, devendo o Poder
Público diligenciar para a sua realização, na medida de suas possibilidades, sem
prejuíw da validade constitucional da proteção oferecida.
Em segundo lugar, embora não explicitado este aspecto pela autora,
no conflito que põe de frente o princípio da integralidade da assistência judiciária e
acesso à justiça com o da livre iniciativa e valorização do trabalho, para a questão
posta em análise, devem preponderar os primeiros em face do último.
A ponderação responde ao seguinte procedimento.
Inicialmente, destaca-se que há número significativo de pessoas
jurídicas - com e sem fins lucrativos - que, embora ostentem personalidade jurídica
1 MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso deDireito Constitucional. 38 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 271.
9
Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasília - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303-4750 - Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected]
~ENADO FEDERALADVOCACiA
e, portanto, sejam obrigadas a responder em juízo, não detêm condições
econômicas para custear o processo. Dessa categoria se destacam sociedades
limitadas familiares ou empresários individuais, bem assim certas associações e
entidades filantrópicas.
Dessa forma, revela-se adequada a prestação de assistência
judiciária gratuita pelo Poder Público, a fim de viabilizar a realização do valor
jurídico de amplo acesso à justiça, que tem dignidade constitucional.
Em seguida, salta aos olhos o fato de que o meio empregado - a
assistência por meio da Defensoria Pública - é necessário na exata medida em que
não haveria outro meio menos gravoso para a realização plena do amplo acesso àjustiça de tais pessoas jurídicas senão por uma prestação gratuita, embora se
reconheça a priori que, em tese, essa prestação possa interferir dalgum modo na
livre concorrência e na economia do mercado de advocacia privada.
Finalmente, com relação à proporcionalidade em sentido estrito,
tem-se que o grau de restrição imposto à livre iniciativa e à ordem econômica, no
que diz respeito ao mercado de trabalho dos advogados privados, é mínimo, já quea demanda por serviços jurídicos de entidades hipossl}ficientes e filantrópicas écontida significativamente pelos custos dos mesmos serviços; em contraface, o
benefício obtido pela prestação gratuita é considerável, tendo em vista que a
atuação da defensoria pública efetivamente abrirá uma frente de acesso à justiça queanteriormente estava obstada pela insuficiência de recursos financeiros por parte
dos interessados.
Vale dizer: assim como ocorreu nos Juizados Especiais, espera-se
que a atuação gratuita da defensoria pública não vá interferir significativamente na
Senado Federal - Anexo I-24° andar - Brasília - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303-4750 - Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected]
SENADO FEDERALADVOCACiA
assistência jurídica dos atuais clientes do Poder Judiciário, mas que importe na
abertura de um novo nicho, até então inexistente ou reprimido em virtude das
vicissitudes econômicas, correspondente às pessoas jurídicas hipossuficientes (por
que não dizer, necessitadas).
Assim, a restrição aos princípios da ordem econômica são mínimos
em comparação com os benefícios esperados no que tange à ampliação do acesso àjustiça e da realização plena do princípio da integralidade.
Essa eleição, ademais, dos princípios que deveriam preponderar no
caso concreto foi realizada pelo legislador, que rejeitou as emendas que buscavam
reformar ou suprimir o citado dispositivo no curso do processo legislativ023•
Vale recordar, nesse ponto, a lição de Luís Roberto Barroso,
segundo o qual
Não devem jtÚzes e tribunais, como regra, declarar ainconstitucionalidade de lei ou ato nonnativo quando: (...) b) sejapossível decidir a questão por outro fundamento, evitando-se ainvalidaçãode ato de outro Poder.4
Essa regra está encerrada no princípio da presunção de
constitucionalidade dos atos normativos, pelo qual o Poder Judiciário deve prezar
2 Houve emendas rejeitadas do Senador Osmar Dias (Emenda 18-CCJ) e do Senador Raimundo Colombo(Emenda n. 4-CCJ) que buscavam a supressão da expressão "e jurídicas" ou de todo o inciso.3 "A regra consiste numa espécie de decisão parlamentar preliminar acerca de um conflito de interesses e, porisso mesmo, deve prevalecer em caso de conflito com uma norma imediatamente complementar, como é o casodos princípios. Daí a/unção eficacial de trincheira das regras". ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: dadefinição à aplicação dos princípios jurídicos. 12"ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 103.4 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais ea construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 300.
11
.'Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasllia - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303-4750 - Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected]
~ENAD(J) FEDERALADVOCACIA
por uma "atitude de diferên:ia para curn a interpretdção leuuIa a efeitopela ~ dois rarmdogm:rm, em 'YKJJrl? da indeperKlêrcid e harrrvrlÍd da PaIeres »5
Da mesma forma, com relação ao pedido de interpretação conforme
a Constituição, não procedem as alegações da autora.
A hermenêutica constitucional e as técnicas de desafio da
constitucionalidade das leis somente devem ser utilizadas, reafirma-se, quando não
seja possível decidir a questão por outro fundamento.
Ocorre que o pedido do autor, no sentido de que o inciso V do art.
4° da Lei seja lido com limitação do alcance da atuação da defensoria pública aos
necessitados, já está contemplado pela via da hermenêutica tradicional, clássica, das
leis. Ora, o art. 1° da Lei Complementar nO80/946, na redação atual, já deixa claro
o âmbito de atuação da Defensoria Pública - limitada aos necessitados na forma da
Constituição -, sendo absolutamente desnecessária a utilização da técnica da
interpretação conforme a Constituição, diante da inocorrência de ambigüidade ou
polissemia no texto normativo impugnado.
Desse modo, pugna-se pelo reconhecimento da plena
constitucionalidade do art. 4°, inciso V, da Lei Complementar nO 80/94, com
redação dada pela Lei Complementar nO132/2009.
5 Idem. Ibidem.6 Art. 1°A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoçãodos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos,de forma integral e gratuita, aos necessitados. assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5° daConstituição Federal.
12
Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasília - DF - CEP 70165.900 - Tel.: (61) 3303-4750 • Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected]
SENADO FEDERAlLADVOCACIA
CONSTITUCIONALIDADE PLENA DO ART. 4°, ~6°,DA LEI COMPLEMENTAR
N° 80/94, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI COMPLEMENTAR N° 132/2009.
Em relação à impugnação da validade do ~6° do art. 4° da Lei,
tampouco merecem acolliida as alegações da autora.
CDm a devida vênia, a autora parece haver 'constitucionalizado' as
disposições contidas na Lei nO8.906/94 a fim de invocá-las como paradigma para o
controle de validade da Lei ora impugnada.
CDm efeito, se é verdade que a CDnstituição "não limita o ârrhito de
atuação da entidade apenas ~ adrng,ada pri'l.J:llia", como afirma a autora, tampouco a
Carta Política prescreve expressamente o âmbito ou o alcance do controle
desempenhado pela OAB, estendendo-os a outras categorias profissionais do
direito.
Cabe ao legislador defini-los.
As atividades de postular em juízo, de alinhavar alegações, de
defender direitos, sustentar oralmente, de fato, estão relacionadas à advocacia. Mastambém o estão ao Ministério Público. Ademais, não é a natureza das coisas que
define e cria o dever de filiação aos 6rgãos públicos de controle profissional, mas a
Lei - art. 5°, inc. II e inc. XIV, e art. 170, parágrafo único, da CDnstituição da
República.
Por outro lado, o fato de a advocacia estar tratada de modo
separado da defensoria pública na CDnstituição manifesta a segregação das citadas
funções, que são independentes, embora correlatas.
13
Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasília - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303:4750 - Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: advcisf@senadC?gov:br
~ENADO FEDERALADVOCACiA
É inegável que a defensoria seja atividade derivada da advocacia.
Entretanto, é um múnus especial, que não se identifica com o geral, e que admite
regramento próprio e independente, como demonstra a identificação em separado
que faz a Gmstituição. Quisesse o constituinte identificar a Defensoria como parte
da Advocacia, ter-lhe-ia descrito em parágrafo do artigo destinado à última.
Ademais, o fato de a lei ordinária afirmar que tais ou quais atividades
são privativas do advogado não toma essas atividades imutáveis e exclusivamente
consagradas a esta categoria. Pelo contrário, a mesma forma normativa (1e~pode
estabelecer exceções, deferindo capacidade postulatória a outros em situações
determinadas.
Do mesmo modo, a previsão legal de que a capacidade postulatória
decorre de inscrição na OAB, contida na Lei nO8.906/94, não pode ser elevada ao
status de norma constitucional, e nem serve de paradigma para o controle de
constitucionalidade de lei complementar.
A questão candente, a rigor, é saber qual o alcance da expressão
constitucional que define o advogado como indispensável à Administração da
Justiça.
O Supremo Tribunal Federal, ao manifestar-se sobre a questão na
ADI 1.127, como também na ADI 1.5397, decidiu que a indispensabilidade do
advogado não é absoluta, podendo a lei definir hipóteses excepcionais em que a
atuação do advogado perante a Justiça não é necessária.
7 "Não é absoluta a assistência do profissional da advocacia em juízo, 'p~ndo a lei ever situações em que éprescindível a indicação de advogado(",)". Ementa do Acórdão na ADI 1.:5-s-9
14
Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasília - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303-4750 - Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected]
•
SENADO FEDERALADVOCAClIA
Ora, se pode a lei definir hipóteses em que o advogado nem mesmo
é necessário - como o ius~tulandi da Justiça do Trabalho, bem assim os juizados
especiais, a impetração de hah?as wrpus -, com ainda maior força poderá atribuir
capacidade postulatória a uma categoria deriuula da Advocacia, como é a defensoria
pública.
As implicações práticas do dispositivo impugnado em nada
prejudicam a qualidade ou a segurança dos serviços profissionais prestados pela
defensoria pública, ao contrário do que sustenta a autora.
Com efeito, nem o Ministério Público nem a magistratura - para
ficar nos dois atores mais relevantes, junto com a advocacia, na Administração da
Justiça - estão sujeitos a controle ético-profissional por uma entidade de classe,
mas tão-somente respondem à estrutura a que institucionalmente estão vinculados.
A experiência jurídica, no entanto, não evidencia que tais categorias estejam mais
sujeitas a qualquer tipo de violação ética.
Do mesmo modo, o regime público aplicável aos defensores é
suficiente para exercer o controle de suas atividades, sendo desnecessária a
inscrição nos quadros da OAB.
Por essas razões, é constitucional o preceito contido no ~6°do art.
4° da Lei Complementar nO80/94, com redação atual.
15
Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasflia - DF - CEP 70165-900 - Tel.: (61) 3303-4750 ~Fax: (61) 3303-2787 - e-mail: [email protected],br
•SENADO FEDERALADVOCACIA
CONCLUSÃO
Em vista de tudo quanto exposto, conclui-se que os dispositivos
impugnados não padecem de vícios de inconstitucionalidade, razão pela qual se
entende que deva ser a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e,
no mérito, julgadaimprocedente in totum
São as informações pertinentes.
De acordo. Ao Advogado-Geral.
JOSÉ M..EXANDDiretor da Coordena o
GAZINEOe ProcessosJudiciais
Adoto. Encaminhe-se ao Senhor Presidente do Senado Federal
como sugestão destinada ao atendimento da solicitação contida no Ofício nO
5332/R, de 17 de agosto de 2011, do Senhor Ministro GILMAR 11ENDES,
Relator da ADI nO4636.
Brasília,31 de ag~osto~~1.
M..B ,oCASCAISAdvoga t:..G~0 Senado Federal
16
Senado Federal - Anexo I - 24° andar - Brasília. DF. CEP 70165-900 - Te!': (61) 3303-4750". Fax: (61) 3303.2787. e-mail: [email protected]