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OPERAÇÕES DE PAZ, USO DIFERENCIADO DA FORÇA E SEGURANÇA
HUMANA EM FACE DAS NOVAS AMEAÇAS – Um novo paradigma para a paz.**
Ronaldo Viana Gotschalg*
RESUMO
O presente artigo possui o escopo de elaborar um breve estudo sobre o desempenho das
Operações de Paz das Nações Unidas, demonstrando, por meio de críticas, a necessidade de
um novo paradigma ao modelo de Operações de Paz existente, bem como ao tema de
Defesa e Segurança. Tendo em vista que as Novas Ameaças (documento da ONU
A/59/565, 29 de novembro de 2004) merecem uma maior atenção dos Estados, uma vez
que possuem caráter transnacional, sustentamos a ideia da Integração Regional no âmbito
da Segurança Humana, tutelada por meio da criação de contingentes militares de Paz de
competência Regional, sendo certo que seus agentes atuarão de forma desvinculada de seus
Estados de nacionalidade, fazendo-se analogia aos funcionários civis da ONU, bem como
sob o auspício do princípio do “uso diferenciado da força”, dando-se, também, preferência
a utilização de armas não letais.
Palavras-chave: Operações de Paz – Uso Diferenciado da Força – Segurança Humana –
Novas Ameaças.
ABSTRACT
This article has the scope to make a brief study on the performance of Peacekeeping
Operations United Nations, demonstrating, through criticism, the need for a new paradigm
to model existing peacekeeping operations, as well as the topic of Defence and Security.
Given that the New Threats (UN document A/59/565, November 29, 2004) deserve further
attention of the State, since they have a transnational nature, we defend the idea of Regional
Integration in the Human Security, safeguarded through the creation of military contingents
of Peace Regional competence, given that its agents will act in a manner unrelated to their
States of nationality, by making analogy to UN civilian staff, and under the auspices of the
principle of "differentiated use of force”, giving up, too, preference the use of nonlethal
weapons.
Keywords: Peace Operations - Differential Use of Force - Human Security - New Threats.
** Artigo elaborado em forma de resenha da Dissertação de Mestrado de minha autoria – Tema: “O Conselho de Defesa Sul-Americano como Instrumento das Nações Unidas nas Operações de Paz”. * Mestrando em Direito - Especialização em Ciências Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Bacharel em Direito pela PUC Minas. Advogado.
INTRODUÇÃO
“O mundo diminuiu, mas as nações ainda não se aproximaram”.
Henry Kissinger
A história da guerra, bem como dos conflitos armados, em
geral, desencadeados entre os povos, confundem-se com a história dos homens, desde
épocas remotas o derramamento de sangue de pessoas é vertido por mãos humanas,
envolvendo razões políticas, culturais, econômicas, territoriais, sob diferentes argumentos,
fins e pretensões, geralmente em relação a recuperação de fronteiras históricas, interesses
nacionais, bem como tendo como escopo a purificação étnica1.
A atuação da Igreja, no cenário internacional, é significativa,
uma vez que por muitos séculos, os papas exerceram um importante papel na solução dos
conflitos internacionais. Porém, houve casos em que sua atuação foi belicosa, sendo certo
que em determinados momentos históricos foram marcados pela utilização de exércitos
pessoais, bem como caracterizado pelo financiamento de guerras. Por outro lado, na
maioria dos casos, atuavam de forma pacífica, como árbitros e mediadores.
Entretanto, há que ser reconhecido que em determinados
momentos as soluções pacíficas conhecidas atualmente, na resolução de ameaças e
conflitos, não será possível e/ou eficiente, restando-se, tão somente, a atuação de
contingentes multinacionais (Operações de Paz coercitivas), que deverá ocorrer em menor
tempo possível, sob pena de serem ceifadas vidas da população civil.
Em sua obra: “A doutrina política do Vaticano e o direito
internacional na busca pela paz”, o Prof. Dr. Israel Souza, cita o comentário do Papa Pio
XII sobre a atuação das Nações Unidas. Vejamos2:
“Pio XII já defendia a criação de um órgão investido, por
consentimento, de suprema autoridade e capaz de sufocar
qualquer ameaça de agressão, mantendo a paz. Como sanção
aos Estados rebeldes, a doutrina pontífice defende um juízo
internacional e afastamento ou isolamento completo dos
perturbadores da paz. A Organização das Nações Unidas
(ONU) pode ser o caminho. Pio XII afirmou sobre ela: "Que
a Organização das Nações Unidas possa chegar a ser a plena
e pura expressão da solidariedade internacional da paz".
1 WRIGHT, Quincy. “A Guerra”. Condensação de Louise Leonard Wright; Tradução de Delcy G. Doubrawa – Biblioteca do Exército, Rio de Janeiro. 1988, pág. 16 e SS; ARENTZ, Carlos Eduardo Horta. “O direito internacional ante as ameaças à paz mundial e o papel das forças armadas”. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1866, 10 ago. 2008. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/11586>. Acesso em: 12 jan. 2011. 2 SOUZA, Israel Alves Jorge de. “A doutrina política do Vaticano e o direito internacional na busca pela paz”. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1198, 12 out. 2006. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9031>. Acesso em: 12 jan. 2011. Ver: Exemplos de soluções pacíficas por meio da atuação dos papas no capítulo: 5. Histórico de Participação Papal.
Entretanto, pode-se verificar a ocorrência de alguns exemplos
de fracassos das Operações de Paz, cuja missão deveria evitar os massacres em Ruanda, na
África, em Srebrenica, na Bósnia, bem como demonstrou fragilidade operacional, no caso
do massacre no Congo, na África, em que o enviado especial das Nações Unidas no Congo,
Sr. Atul Khare, reconheceu que as forças de paz no país falharam, relatando ainda, o
registro de estupros em massa (cerca de 500 vítimas), massacres (cerca de 150 vítimas), e
ainda, de uma serie de violências e violações aos direitos humanos, acontecimentos
ocorridos a menos de 1,5 Km de proximidade a uma base dos capacetes azuis, cujo
contingente era de 100 (cem) agentes internacionais. Referida inércia decorreu do número
insuficiente de equipamentos a disposição, da falta de homens preparados, bem como da
falta de um grupo de Inteligência, com capacidade para descobrir informações necessárias a
respeito do grupo rebelde que atuava na cidade. O trágico acontecimento foi tema de uma
sessão extraordinária da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova
York, no dia 08/09/2010.
Dessa forma, segundo declaração do Sr. Khare3:
"Ainda que a responsabilidade principal de proteger os civis
seja claramente do governo congolês, nós também falhamos,
já que não cumprimos nossa obrigação de proteger os civis
no leste do Congo. Nossas ações não foram adequadas e isso
resultou em uma agressão brutal à população local.
Precisamos melhorar", afirmou Khare, que era subsecretário
da ONU para Operação de Paz, do Conselho de Segurança.
Nesse sentido, é o comentário da Prof(a). Dr(a). Simone
Martins Rodrigues. Vejamos4:
“As reações da ONU, e especialmente do Conselho de
Segurança, quanto às ameaças à paz e à segurança têm sido
desorganizadas e seletivas. Cada medida tem sido criada ad
hoc, geralmente quando o desastre principal já ocorreu. Se
isto vai se resolver com o fortalecimento da Organização no
pós-Guerra Fria depende do aumento do consenso, dos
interesses comuns, de melhoramentos no sistema de
vigilância e das normas internacionais para que as ações
coletivas possam ocorrer com o amplo respaldo dos membros
da ONU e apoiadas em sólidas construções legais. A
preocupação que cresce com importância são os dilemas a
respeito de como agir a situações de violência maciça,
3 Disponível: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/09/100907_congo_estupros_mb.shtml>. Acesso em: 02 de janeiro de 2011. 4 Citação de: BIZAWU, Sébastien Kiwonghi. “O Conselho de Segurança da ONU e os Conflitos nos Grandes Lagos”. Ed. Manole. São Paulo - 2008, pág. 32.
emergências humanitárias, colapso de autoridade e abusos
aos direitos humanos, que não representam combates
interestatais, mas questões internas de cada Estado”.
(Rodrigues, 2000, p.45-6c).
Dessa forma, pode-se concluir que o modelo de Operações de
Paz existente é deficiente em sua atuação, fazendo-se necessário a criação de um paradigma
inovador (sem precedentes) para a atuação de contingentes militares em Operações de Paz,
cujo escopo principal é a proteção da vida humana nas áreas de conflitos.
CAPÍTULO 1. OPERAÇÕES DE PAZ
“Operações de paz não é trabalho para soldados, mas só os soldados podem realizá-las.”
Dag Hammarskjold
1.1. Conceito
Constitui tarefa extremamente complexa a elaboração de um conceito exato do
termo: “Operações de Paz”, em decorrência das inúmeras mutações práticas ocorridas
durante o seu nascimento até os dias atuais.
O conceito é um juízo universal, aplicado igualmente a todas as coisas em sua
extensão, que comporta um significado próprio, passível de ser expresso em qualquer
número de linguagens/idiomas.
Numa linguagem mais iluminista, o Conceito é:
"um juízo sintético a priori". (Cf. KANT, I. Crítica da Razão
Pura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001 ).
Dessa forma, o conceito de operações de paz foi muito bem construído pelo Dr.
Prof. António Lobo, em sua obra. Vejamos5:
“Assim, para efeitos do presente estudo entender-se-á por
operações de paz as acções das Nações Unidas que tenham
por objectivo a manutenção ou a restauração da paz, não
impliquem o emprego de meios coercivos, e cujo
empreendimento e execução se baseie no consentimento dos
Estados interessados”.
Por outro lado, a vasta doutrina consultada apresenta variações na forma de
conceituar as operações de paz, estabelecendo requisitos diversos e temporais, tendo em
5 LOBO, António da Costa. “Operações de Paz das Nações Unidas”. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XLVII, pp. 53 a 183. Coimbra. 1971, pág. 59.
vista a ocorrência de reiteradas práticas em territórios comprometidos por conflitos, como
por exemplo: a formação do exército multinacional, composto por agentes oriundos de
pequenas e/ou médias potências, excluindo-se os nacionais dos Estados-membros
permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Vejamos6:
“(Operações de Paz) São aquelas formadas por forças
dependentes dos órgãos das Nações Unidas e por
contingentes militares de pequenas ou médias potências e que
são enviadas para os focos de tensão, a pedido ou com o
consentimento dos Estados interessados, com o intuito de
evitar que a ruptura da paz internacional gere graves
perturbações na ordem interna. Estão sujeitas a deveres de
imparcialidade e o uso da força apenas para os casos de
legítima defesa”.
Nesse sentido, há ainda, conceitos que variam terminologicamente, bem como sob
o ponto de vista administrativo/normativo, tendo em vista a sua subordinação ao Conselho
de Segurança das Nações Unidas. Vejamos7:
“As operações de paz são por definição ações envolvendo o
uso de pessoal militar com o consenso de todas as partes
envolvidas, sem o recurso à força armada, exceto em casos de
legítima defesa. Sob o ponto de vista administrativo, afirma
FONTOURA que: as operações de paz são órgãos
subsidiários do CSNU, com base no artigo 29 da Carta da
AGNU, ao abrigo do artigo 22. Cada uma delas está sob a
autoridade política do órgão colegiado que a criou e sob a
autoridade administrativa do Secretário-Geral da
Organização”.
Em decorrência da conceituação acima, é importante diferenciar o termo
“operações de paz”, do termo “forças multinacionais”, uma vez que aquele dependerá da
aprovação do Conselho de Segurança da ONU, tratando-se de um instrumento pacificador
do sistema internacional de segurança; enquanto este, por exclusão, é todo procedimento
que independerá de qualquer aprovação ou conhecimento do Conselho de Segurança,
porém, limitando-se apenas as situações e assuntos internos dos Estados, ou seja, que não
possuem caráter transnacional.
6 LIMA, Cristiane Helena de Paula. “O Caráter Obrigatório das Decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas”. Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. IV, pp. 413-458. 1º semestre de 2009, arquivo eletrônico: pág. 21. 7 MORE, Rodrigo Fernandes. “Fundamentos das Operações de Paz das Nações Unidas e a Questão do Timor Leste”. Dissertação de Mestrado em Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo. 2002. Pág. 57.
Conclui-se, portanto, que o termo “forças multinacionais” é gênero, que possui
duas espécies: i) as operações de paz da ONU, do sistema internacional de segurança; ii) as
operações de paz referentes aos assuntos interno dos Estados, instrumentalizado pela
utilização de um exército multinacional.
Há autores ainda, que relembram o surgimento de um novo conceito de operações
de paz, como uma forma híbrida da combinação de forças de paz, sanções, bons ofícios,
assistência humanitária e suporte político, tendo em vista sua ocorrência prática no período
pós-guerra fria. Conforme citação abaixo8:
“No pós Guerra Fria, apareceu uma forma híbrida da
combinação de forças de paz, sanções, bons ofícios,
assistência humanitária e suporte político; conhecida como
“operações de paz”, ou seja, contingentes nacionais
separados, agindo em nome da ONU, através de
monitoramento e manutenção de cessar-fogo, observação de
fronteiras, interposição entre beligerante, monitoramento de
eleições e ajuda humanitária; consequência da
impossibilidade do estabelecimento de um sistema coercitivo.
Hoje absorvem a maior parte dos recursos financeiros da
Organização”.
Quanto a justificativa das operações de paz, um dos primeiros autores a fazê-lo
juridicamente, foi o ex-Secretário Geral Dag Hammarskjold (1953-61), que segundo ele9:
“(...) operações de paz eram aquelas acções que podiam ser
executadas sem recorrer ao tipo de força previsto no Capítulo
VII da Carta, e que por isso tinham que ser baseadas no
consentimento dos Estados interessados”.
1.2. O modelo das Nações Unidas
Elencado na Carta das Nações Unidas de forma objetiva encontra-se o enunciado
que vincula os povos do mundo a “unir forças para manter a paz e a segurança
internacionais”, atribuindo uma importante competência ao Conselho de Segurança, que
constitui em “determinar a existência de qualquer ameaça à paz e decidir que medidas serão
tomadas” para a imediata obtenção da paz.
Porém, as operações de paz não foram sempre estabelecidas apenas pelo Conselho
de Segurança, no decorrer da vida das Nações Unidas, houve várias tentativas para a
solução de embargos, que tinham como escopo contornar barreiras, vetos e conflitos de
8 ELIAS, Fernando Lopes Ferraz. “O Novo Sistema de Segurança Coletiva Internacional”. Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. II, pp. 307. 1º semestre de 2008, pág. 23. 9 LOBO, António da Costa. “Operações de Paz das Nações Unidas”. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XLVII, pp. 53 a 183. Coimbra. 1971, pág. 57.
interesses, que decorrem geralmente de conflitos de ideais políticos e geoestratégicos entre
as grandes potências vencedoras, que possuem status de membros permanentes do
Conselho de Segurança, beneficiadas com o poder de veto em suas tomadas de decisões.
Todavia, a prática das operações de paz, tornou-se reconhecida pela sociedade
internacional como uma forma inteligente de intervir em conflitos, aceita pela maioria dos
seus membros, mas que foram e sempre são atacadas pela minoria, a mesma minoria que
utilizava e ainda utiliza o poder do veto.
Destarte, o Conselho de Segurança possui um papel de instância máxima de poder,
fiscalização e respeito ao Direito Internacional, em especial, na área de segurança coletiva,
cuja competência inclui a aplicação de sanções, que visam impedir ameaças e eclosões de
conflitos, bem como colocando fim aos conflitos armados iniciados.
Nesse sentido, é o pensamento do Prof. Dr. Henrique Afonso10:
“A Carta da ONU conferiu ao Conselho de Segurança a
responsabilidade de manutenção da paz e segurança
internacionais. O Capítulo VII da Carta da ONU traz a
competência do Conselho de Segurança sobre a aplicação de
medidas que não envolvam o emprego de força armada para
fins de solução de determinada controvérsia. Caso as
medidas adotadas revelem-se insuficientes, é competente o
Conselho para decidir sobre o recurso à força militar a fim
de restaurar a paz e a segurança internacionais. As exceções
contempladas à proibição do uso da força seriam, portanto, a
autorização do Conselho de Segurança e a legítima defesa
frente agressão de outros Estados”.
Entretanto, elaboram-se constantemente críticas ao sistema sancionatório da ONU,
relativamente ao uso da força militar coletiva, uma vez que o artigo 43 da Carta nunca teve
aplicação prática. Referido artigo é considerado por muitos autores como “letra morta”,
bem como é certo que as decisões do Conselho de Segurança estão muitas vezes
relacionadas ao sistema de alianças e à balança de poder.
Tanto o é que, é possível verificar claramente tomando-se, por exemplo, duas
decisões recentes do Conselho de Segurança: i) a decisão que autorizou a utilização de
“todas as medidas necessárias” para a proteção dos civis na Líbia – 10 votos a favor, zero
contra e 5 abstenções (China e Rússia); ii) por duas vezes a utilização do veto pela China e
Rússia na tentativa de proteção dos civis nos conflitos armados na Síria.
Dessa forma, conclui-se que a importância da Líbia no cenário mundial não é o
mesmo que o da Síria, especialmente quanto ao status geopolítico.
10 AFONSO, Henrique Weil; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. “Estado de exceção como paradigma para o direito internacional”. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2383, 9 jan. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/14163>. Acesso em: 12 jan. 2011.
Por outro lado, há que ser reconhecido o mérito das Operações de Paz, que
nasceram de forma prática e encontra-se em constante processo evolutivo, bem como sua
requisição é de forma crescente atualmente, devido a sua credibilidade internacional.
Igualmente, em decorrência de sua crescente utilização, as Operações de Paz estão
acarretando efeitos negativos e preocupantes no sistema das Nações Unidas, tendo em vista,
a título de exemplificação, as crescentes deficiências nas áreas de recursos financeiros, de
materiais específicos (materiais bélicos, uniformes, alimentos, veículos, etc.), e,
principalmente, de pessoal especializado.
1.3. Princípios
Os princípios jurídicos do direito internacional, em especial, os princípios das
operações de paz, possuem a natureza de ordenamentos jurídicos, construídos
historicamente e gradualmente introduzidos na consciência jurídica da sociedade
internacional, sua peculiaridade encontra-se na possibilidade de estarem expressamente ou
implicitamente estabelecidos no texto de determinado tratado. Encontram-se ainda
reconhecidos, bem como positivados na Carta das Nações Unidas, e, constitui fonte para a
integração, conhecimento, interpretação e especialmente, na aplicação do direito
internacional.
No “Curso de Direito Internacional Público”, do Dr. Prof. Jorge Miranda,
encontram-se elencados, de forma objetiva e clara, todos os princípios inerentes as
Operações de Paz11:
“1º) As operações são actividades das Nações Unidas, desenrolam-se sob a sua
bandeira, os seus participantes usufruem dos privilégios e imunidades da Organização e à
Organização é imputável a responsabilidade pelos prejuízos que delas venham resultar;
2º) Elas implicam o consentimento do Estado em cujo território se
realizem(embora haja ou tenha havido situações-limite em que, na falta de poder
instituído, apenas existiu uma decisão externa) e pressupõem sempre o respeito pela sua
independência e pela sua integridade territorial;
3º) Têm natureza não coercitiva, só se admitindo o recurso à força em caso de
legítima defesa;
4º) Postulam imparcialidade perante as partes envolvidas no conflito – Estados ou
facções no interior do Estado;
5º) Têm duração limitada; e cessam ou por se ter alcançado o seu objetivo, ou por
ele se ter tornado impossível, ou a pedido do Estado em cujo território se efectuam;
6º) O órgão competente para decidir a realização das operações é o Conselho de
Segurança, como órgão a que cabe “a responsabilidade principal na manutenção da paz”;
7º) A constituição das forças intervenientes é sempre multilateral, envolve
contingentes de vários Estados;
11 MIRANDA, Jorge. “Curso de Direito Internacional Público”. 4ª Ed. Principia. 2010, pág. 277-278.
8º) A direcção das operações compete ao Secretário-Geral, o qual determina a
composição das forças, celebra os necessários acordos com os Estados que fornecem
destacamentos e com os Estados em cujos territórios eles são colocados e comanda
superiormente as acções;
9º) O financiamento recai sobre a Organização através das contribuições
(obrigatórias) dos Estados-membros nos termos a fixar pela Assembléia Geral, órgão
competente em matéria financeira (art. 17)”.
Princípio primordial, aplicável não apenas nas operações de paz, mas, aplicável a
todo o direito internacional é o princípio da “não intervenção em assuntos internos dos
Estados”, presente no art. 2, parágrafo 7 da Carta, cujo escopo é o de tutelar as garantias da
exclusividade das competências do Estado em seu território. O que consisti, portanto, na
afirmação política de um dever de não intervenção, ressalvando-se apenas, os deveres de
ingerência humanitária12.
Nesse sentido, Byers (2007), salienta que a utilização da força militar por parte dos
Estados, poderá ser utilizada em dois casos não codificados e largamente empregados, de
forma prática e excepcional, que foram desenvolvidos principalmente nas últimas duas
décadas. Vejamos13:
“o direito de intervir por meios militares para promover ou
restabelecer a democracia e o direito de intervir para
prevenir graves abusos contra os direitos humanos ou
contrários ao Direito Humanitário Internacional, tal como o
genocídio”.
Cumpre salientar que a força militar referida acima somente será utilizado em
casos excepcionais, e, desde que inexistam empecilhos que dizem respeito às questões
geopolíticas das grandes potências14, ou seja, daqueles Estados que possuem grande poder
bélico.
1.4. As Novas Ameaças
Inicialmente, deve-se ressaltar que os conflitos armados confundem-se com a
história do ser humano, e que muitas das vezes, sua origem envolve razões políticas,
culturais, econômicas, territoriais, sob diferentes argumentos, fins e pretensões. Dessa
forma, por meio de uma interpretação histórica de efeitos sequenciais, pode-se deduzir que
12 DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. “Direito Internacional Público”. 2ª ed. Lisboa. 2003, pág. 445. 13 Citação de: AFONSO, Henrique Weil; MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. “Estado de exceção como paradigma para o direito internacional”. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2383, 9 jan. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/14163>. Acesso em: 12 jan. 2011. 14 Sobre as grandes potências: KISSINGER, Henry. “A Diplomacia das Grandes Potências”. 3ª. ed. revista. Tradução de Saul S. Gefter e AnnMary F. Perpétuo. Rio de Janeiro: UniverCidade; Ed. Francisco Alves. 2001.
sempre haverá conflitos armados nas relações internas e internacionais, uma vez que
sempre haverá conflitos de interesses entre os povos.
Por essa razão, é que os estudiosos do tema “Conflitos x Paz”, realizam pesquisas
constantes de novas estratégias, instrumentos e procedimentos quanto ao melhor emprego
das instituições das Forças Armadas e das Polícias administrativas e judiciárias. Os
referidos esforços tendem a possuir sempre o escopo de proporcionar conhecimentos
técnicos e instrumentais capazes de melhorar os resultados práticos de prevenção e
eliminação de conflitos.
Várias são as medidas disponíveis de resolução pacífica de conflitos, porém,
tratando-se de conflitos armados, que ainda encontram-se ativos, há que ser empregado
resoluções pacíficas de pronta defesa armada, capazes de eliminar e manter o convívio
pacífico entre povos, sendo que, de outra forma, o sangue humano continuará sendo
derramado por mãos humanas.
Como se já não bastassem os conflitos armados clássicos, cumpre salientar a
importância do estudo sobre os temas críticos elencados no Relatório das Nações Unidas do
Grupo de Alto Nível sobre as Ameaças, Desafios e Mudanças em curso para a segurança
coletiva, documento da ONU A/59/565, 29 de novembro de 2004, que apresentou as
ameaças que o mundo deverá enfrentar nas próximas décadas15:
A. Ameaças econômicas e sociais, inclusiva de situações de pobreza, doenças
infecciosas e degradação do meio ambiente;
B. Conflitos internos, inclusive guerras civis, genocídios e outras atrocidades em
larga escala;
C. Armas nucleares, radiológicas, químicas e biológicas;
D. Terrorismo;
E. Conflito entre Estados;
F. Crime organizado transnacional.
Ora, tendo em vista que as Operações de Paz das Nações Unidas encontram-se
atualmente com o orçamento debilitado; bem como os problemas em relação as
divergências políticas, que por consequência afetaram, afetam e afetarão as decisões
tomadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, em decorrência do polêmico
instrumento denominado “direito de veto”, há que ser repensado, em caráter de urgência,
um novo paradigma capaz de suportar as novas ameaças acima descritas.
15 SOUSA, Rodolfo Milhomem de. “Mudanças Climáticas e Segurança Internacional: Conflitos e Novos Desafios do Direito Internacional”. Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. IV, pp. 391-412. 1º semestre de 2009, pág. 5.
1.5. Processos de Regionalização
Necessariamente, os projetos de integração regional tinham como escopo a
proteção contra invasões estrangeiras, conforme salientavam os autores16:
“Os Estados não cooperam devido ao altruísmo ou empatia
pelas demandas dos outros, nem pela busca de interesses
internacionais. Eles buscam a riqueza e a segurança para o
seu próprio povo, e a busca do poder seria um meio para
estes fins”.
Porém, essa afirmativa relativizou-se após a globalização, com o crescimento das
relações internacionais, ou seja, com o aumento das interdependências entre os países, bem
como com a formação de alianças com fins de garantir a defesa e a segurança internacional,
principalmente por meio da utilização de forças multinacionais, a regionalização obteve
posteriormente, um forte caráter econômico.
Cumpre salientar que a partir da segunda guerra mundial, tornou-se igualmente
forte, a regionalização no âmbito da defesa e segurança internacional.
Dessa forma, toda a instrumentalização no campo da regionalização da segurança
internacional ocorreu pela observação, entre os Estados, de que a Liga das Nações,
antecessora das Nações Unidas, foi ineficiente em sua atuação global, bem como
encontravam indícios de que também faltaria às Nações Unidas essa capacidade efetiva no
âmbito global, uma vez que seu aparato logístico, e, de certa forma, influências políticas
impediriam a conclusão de um sistema de segurança internacional, capaz de atuar sob a
forma de Operações de Paz coercitivas.
A delegação do emprego da força, de responsabilidade das Nações Unidas para as
instâncias regionais, encontra-se descrita expressamente na Carta das Nações Unidas, no
Capítulo VIII, artigo 52, que trata da licitude de acordos regionais, estabelecendo, dessa
forma, condições para sua efetivação. Vejamos:
“Capítulo VIII
ACORDOS REGIONAIS
Artigo 52º
1. Nada na presente Carta impede a existência de acordos ou
de organizações regionais destinados a tratar dos assuntos
relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais
que forem susceptíveis de uma acção regional, desde que tais
acordos ou organizações regionais e suas actividades sejam
16 SANTOS, Marcos Cardoso dos. “Os Estados Unidos da América e o Princípio da Proporcionalidade: Um Regime Internacional em Xeque”. Revista Eletrônica de Direito Internacional, vol. VI, pp. 240 – 268. 1º semestre de 2010, pág. 9.
compatíveis com os objectivos e princípios das Nações
Unidas.
2. Os membros das Nações Unidas que forem parte em tais
acordos ou que constituírem tais organizações empregarão
todos os esforços para chegar a uma solução pacífica das
controvérsias locais por meio desses acordos e organizações
regionais, antes de as submeter ao Conselho de Segurança.
3. O Conselho de Segurança estimulará o desenvolvimento da
solução pacífica de controvérsias locais mediante os
referidos acordos ou organizações regionais, por iniciativa
dos Estados interessados ou a instâncias do próprio Conselho
de Segurança.
4. Este artigo não prejudica de modo algum a aplicação dos
artigos 34º e 35º”.
Todavia, o sentimento de regionalismo ocorreu concomitantemente ao sentimento
de descolonização propagado e efetivado pela “Declaração sobre a Concessão de
Independência aos Países e aos Povos Coloniais”, de 196017, bem como ao período em que
o Conselho de Segurança encontrava-se inerte pela utilização do veto, em especial, durante
a Guerra Fria.
Esses acontecimentos foram, dentre outros motivos, os responsáveis pelo
fortalecimento da pretensão política de integração regional, que tem como escopo, defender
os interesses regionais, buscando soluções pacíficas para o desenvolvimento local. Dessa
forma, em paralelo a criação da ONU, os atores internacionais, que tinham dentre outras
características semelhantes, em especial, a localização geográfica, criaram organismos
regionais e sub-regionais, que passaram a auxiliar na atuação do Conselho de Segurança da
ONU, sem a interferência de atores terceiros, ou seja, de outros continentes/regiões.
Portanto, nesse período, eclodem por todos os continentes, Organizações Internacionais
Regionais dentro das Nações Unidas, como por exemplo: A Liga dos Estados Árabes
(1945), A Organização dos Estados Americanos (1948), A Organização da Unidade
Africana (1963), A Associação dos Estados do Sudeste Asiático (1967), A Comunidade
Caribenha (1973), A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (1975), A
Comunidade para o Desenvolvimento dos Estados da África Austral (1980)18.
17 Notícia: Descolonização: ONU festeja os 50 anos da Declaração sobre a Concessão de Independência. Disponível em: <http://www.unric.org/pt/actualidade/30115-descolonizacao-onu-festeja-os-50-anos-dadeclaracao-sobre-a-concessao-de-independencia>. Acesso em: 03 de Março de 2011. 18 Nota de rodapé: NASCIMENTO, Márcio Fagundes do. “Uma perspectiva sobre a privatização do emprego da força por atores não-estatais no âmbito multilateral”. Brasília: FUNAG, 2010, pág. 180.
O artigo 52, do capítulo VIII, é muito bem tratado pelo Prof. Dr. Allain Pellet, ao
dissertar sobre o papel dos sistemas regionais de segurança. Para o autor19:
“O capítulo VIII da Carta rege as relações entre o Conselho
de Segurança e as organizações regionais de segurança
estabelecidas pelos Estados membros. Ele estabelece uma
espécie de federalismo – mais funcional que institucional -,
do qual o Conselho de Segurança ocuparia o topo”.
Importante observar que a Resolução 30/1 (24/10/2005), da Assembleia Geral das
Nações Unidas tratou do tema da segurança internacional regional, dando extrema
relevância quanto o papel das organizações regionais, em especial, quanto ao cumprimento
de missões que possuem alto nível de complexidade, uma vez que as ameaças
contemporâneas tomaram caráter transnacional. As repressões regionais encontram-se
atuantes principalmente nos campos em que houve maior crescimento das ações
criminosas, como por exemplo, o tráfico transnacional de entorpecentes, armas e mulheres;
o terrorismo; a corrupção; lavagem de dinheiro; violações ambientais, etc.
No caso em especial, da Organização dos Estados Americanos, houve a criação de
órgãos especializados para trabalharem de forma pacífica e preventiva nas áreas críticas de
âmbito regional, como a Secretaria Executiva da Comissão Interamericana para o controle
do uso de drogas (CICAD), a Secretaria do Comitê Interamericano contra o Terrorismo
(CICTE) e o Departamento de Segurança Pública (DPS).
Entretanto, a atuação da Organização dos Estados Americanos é realizada por
meio da promoção da diplomacia preventiva, da assistência humanitária, e ainda, por
iniciativas que visam consolidar a paz. Portanto, sua competência não é dotada de
capacidade militar, bem como em sua Carta Constitutiva, em nenhum dos seus artigos
prevê o emprego da força capaz de executar missões delegadas pelo Conselho de Segurança
das Nações Unidas.
Dessa forma, alguns Estados, Americanos principalmente, defendem a prioridade
das iniciativas regionais sobre as intervenções das Nações Unidas, sob a alegação de que
além dos argumentos práticos de rapidez e eficácia em sua atuação regional, possui
fundamentação jurídica, decorrente do cumprimento de obrigações celebradas em seus
Estatutos Regionais, que estabelecem, em regra, a obrigação em intervir preventivamente
contra iminentes ameaças, por exemplo: i) o artigo 2º do Tratado Interamericano de
Assistência Recíproca; ii) o artigo 23 da Carta da OEA.
Em contrapartida, a Carta das Nações Unidas prevê a faculdade de intervenção do
Conselho de Segurança, justificando assim, a inversão hierárquica quanto a Segurança
Internacional.
Porém, é certo que a referida argumentação de inversão hierárquica fere o
estabelecido no artigo 103 da Carta das Nações Unidas, uma vez que o seu teor reafirma o
19 DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. “Direito Internacional Público”. 2ª ed. Lisboa. 2003, pág. 1.027.
primado da Carta face aos outros tratados de segurança coletiva, ou seja, de qualquer
tratado originário de Organizações regionais, bem como entre Estados/Governos, que
atuam por meio de forças multinacionais.
Portanto, natural que os referidos atores (Organizações Regionais) tenham um
nível de preocupação elevada quanto à aceitação pela Comunidade Internacional de sua
atuação coercitiva em determinado território, vinculando, consequentemente, a referida
aceitação ao sucesso final da missão.
Conclui-se, portanto, que em casos práticos, os Governos e/ou Organizações
Regionais certificam e reafirmam os propósitos de uma rápida e necessária intervenção
coercitiva por meio do endosso posterior do Conselho de Segurança. As Operações de Paz
Multinacionais certificadas por meio de endosso posterior são tratadas, na prática pelo
menos, como procedimentos não violadores dos fundamentos da Segurança Internacional,
como previsto na Carta das Nações Unidas, embora passíveis de críticas.
CAPÍTULO 2. USO DIFERENCIADO DA FORÇA
“Os limites da guerra civilizada são definidos por dois tipos humanos antitéticos, o pacifista
e o “portador de armas”. Este último sempre foi respeitado, quando mais não seja por
possuir os meios para fazer-se respeitar; o pacifista passou a ser valorizado nos 2 (dois) mil
anos da era cristã”. John Keegan
2.1. Conceito
“Evitar que o resultado final da ação seja sempre a letalidade”, foi o escopo
principal do Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e do
Tratamento dos Infratores, realizado em Havana – Cuba, entre os dias 27 de Agosto a 07 de
Setembro de 1990. Durante o congresso, houve a aprovação do texto que se refere aos
Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (P.B.U.F.A.F), cujo teor
apresentou solução inovadora e eficiente aos Estados sobre matéria de competência interna
dos mesmos, dispondo de forma a atender as necessidades dos operadores da segurança
pública de qualquer parte do mundo.
A referida norma internacional (Princípio Básico “2”), dispôs a respeito do “uso da
força”, utilizando a inovadora expressão “Uso Diferenciado da Força”. Vejamos:
“2. Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem
desenvolver um leque de meios tão amplo quanto possível e
habilitar os funcionários responsáveis pela aplicação da lei
com diversos tipos de armas e de munições, que permitam
uma UTILIZAÇÃO DIFERENCIADA DA FORÇA e das
armas de fogo. Para o efeito, deveriam ser desenvolvidas
armas neutralizadoras não letais, para uso nas situações
apropriadas, tendo em vista limitar de modo crescente o
recurso a meios que possam causar a morte ou lesões
corporais. Para o mesmo efeito, deveria também ser possível
dotar os funcionários responsáveis pela aplicação da lei de
equipamentos defensivos, tais como escudos, viseiras, coletes
anti-balas e veículos blindados, a fim de se reduzir a
necessidade de utilização de qualquer tipo de armas”.
Dessa forma, o emprego do adjetivo “diferenciado” no termo “uso da força”,
vinculou os operadores da segurança pública e internacional (Operações de Paz), a fazerem
uso de uma análise prévia do caso concreto, sempre dando preferência a uma abordagem
menos prejudicial à integridade física do suspeito, aumentando, assim, sua potencialidade
de forma diretamente proporcional a ameaça ou resistência a sua abordagem, detenção e
condução.
O agente deverá ainda, identificar os variados níveis de força necessários e
aplicáveis, de forma eficaz, em cada caso e momento, tendo em vista que sua conduta
deverá guardar coerência com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,
sempre com o escopo, a priori, de preservar a toda vida humana envolvida, em especial,
sua própria integridade física.
Destarte, os referidos princípios, deverão ser tomados como norte para qualquer
ação com o emprego adequado da força, sendo certo que cada indivíduo reagirá de uma
forma peculiar ao ser perseguido e abordado por uma autoridade militar ou policial.
Alguns autores utilizam o termo “progressivo”20 no lugar de “diferenciado”,
todavia, o termo progressivo transmite uma ideia de utilização obrigatória crescente de
força bruta e de armamentos, com relação a sua capacidade de produção de danos. Porém,
não é esse o sentido e intenção do legislador no termo utilizado no ordenamento
internacional, uma vez que o termo “diferenciado” é o correto, tendo em vista que não
denota a ideia crescente e sim variável e proporcional a agressividade do agente suspeito.
Vejamos:
“9. Os responsáveis pela aplicação da lei não USARÃO
armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima
defesa própria ou de outrem contra ameaça iminente de
morte ou ferimento grave; para impedir a perpetração de
crime particularmente grave que envolva séria ameaça à
vida; para efetuar a prisão de alguém que represente tal risco
e resista à autoridade; ou para impedir a fuga de tal
indivíduo, e isso apenas nos casos em que outros meios
menos extremados revelem-se insuficientes para atingir tais
objetivos. Em qualquer caso, o uso letal intencional de armas
20 MARQUES, Carlos Alexandre. “Uso progressivo da força no Estado Democrático de Direito”. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2010. Disponível em: <http://www2.forumseguranca.org.br>. Acesso em 02 de jan. 2011.
de fogo só poderá ser feito quando estritamente inevitável à
proteção da vida.” (Princípio Básico do Uso da Força e
Armas de Fogo nº 09).
Diante de todo o exposto, conclui-se, que a utilização de armas de fogo deverá ser
uma exceção na atuação dos agentes policiais ou internacionais (Operações de Paz).
2.2. Armas Letais
A atividade Administrativa dos Estados é caracterizada pela possibilidade da
utilização do poder de polícia21 em suas atividades executórias, as quais permitem o uso da
força física, que deverá ser revestida sempre de legalidade, necessidade e proporcionalidade
em sua ação. “O poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício
dos direitos individuais em benefício do interesse público”. (DI PIETRO 2000, p. 94-95).
Nesse sentido, a Prof(a). Dr(a). Hannah Arendt, salienta que22: “O poder é de fato
a essência de todo governo, mas não a violência. A violência é por natureza instrumental;
como todos os meios ela sempre depende da orientação e da justificação pelo fim que
almeja. (...) esta pode ser até justificada, mas nunca legitimada”.
Nesse sentido, é o que dispõe o teor legal, constante no documento das Nações
Unidas, que estabelece os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo –
PBUFAF (ONU, 1990). Vejamos:
“(...) os policiais, no exercício das suas funções, devem, na
medida do possível, recorrer a meios não violentos antes de
utilizarem a força ou armas de fogo. Só poderão recorrer à
força ou a armas de fogo se outros meios se mostrarem
ineficazes ou não permitirem alcançar o resultado desejado.
Paralelamente instrumentos de controle das polícias são
instituídos, a exemplo de ouvidorias, julgamentos de policiais
militares em tribunais civis, cursos de direitos humanos,
empregos de armas não letais e reformas curriculares”.
Por outro lado, no âmbito da Guerra, não há qualquer possibilidade, em campo de
batalha, dos agentes recorrerem a meios não violentos antes de utilizarem a força ou armas
de fogo. O soldado deverá utilizar a sua arma letal sob pena de ser alvejado primeiramente
por seu inimigo.
21 MEDAUAR, Odete. "Poder de Polícia". In: Revista de Direito Administrativo, n° 199. Rio de Janeiro: Renovar, p. 89:96. jan/mar. 1995. 22 ARENDT, Hannah. “Sobre a violência”. Tradução de André Duarte. Rio de Janeiro: Reluma Dumara, 1994, pag. 40-1.
Entretanto, há uma rejeição natural do homem em tirar a vida de um semelhante,
conforme pesquisas realizadas no pós-guerra23. Vejamos:
“Durante a II Guerra, relatos do Historiador S.L.A. Marshall
do Exército dos Estados Unidos, introdutor da “Entrevista
Pós-Ação”, verificou que somente 15% a 20% dos soldados
que participavam dos combates usavam suas armas contra o
inimigo. Diante destes dados, as Forças Armadas dos EUA
concluíram que o motivo do não uso da arma seria a rejeição
natural do homem de tirar a vida de seu semelhante”.
Ainda, de acordo com o mesmo autor, o governo dos Estados Unidos da América
iniciou suas pesquisas na área da psicologia comportamental, o behaviorismo, com o
escopo de inibir, nos soldados, qualquer sentimento relativo a rejeição natural do homem
em matar um outro ser humano, por meio do princípio básico do condicionamento operante
pelo processo. Vejamos:
“estímulo/resposta condicionada – reforço positivo ou
negativo (recompensa ou castigo). O objetivo era criar os
“matadores profissionais”, que iriam sempre usar suas
armas em combate diante do estímulo, “inimigo”, pois não
estariam sob a égide de seu superego”.
Tendo em vista que, após o trabalho de criar verdadeiros matadores profissionais,
por meio do princípio básico do condicionamento operante pelo processo, a ideia
primordial do Governo foi, tão somente, impor a atuação do soldado de forma a fazer no
campo de batalha, exatamente aquilo que treinaram, ou seja, “atirar contra o inimigo sem
restrições”. Segundo o autor, o resultado veio a ser comprovado na Guerra do Vietnã.
Vejamos:
“O resultado veio a ser comprovado na Guerra do Vietnã,
onde o próprio S.L.A. Marshall verificou, por meio de suas
entrevistas pós-ação, que o percentual de utilização da arma
de fogo pelos soldados aumentou para 90%; em
contrapartida, a estatística da Guerra mostrou que para cada
inimigo morto as forças americanas dispararam 50.000
(cinqüenta mil) tiros”.
Por outro lado, há que ser levado em consideração que muito embora o resultado
da atuação dos soldados em conflito foi superiormente satisfatório, por outro lado, o
23 STORANI, Paulo. “O Treinamento perceptivo-motor na melhoria da performance do tiro policial, em confrontos nas áreas de risco”. Monografia. Universidade Gama Filho. Rio de Janeiro, 2000, pág. 11.
Governo, em nenhum momento, levou em consideração os inevitáveis efeitos colaterais do
referido processo, tendo em vista que os mesmos “matadores profissionais”, criados por
meio do princípio básico do condicionamento operante, iriam regressar a sociedade norte-
americana, e, que, jamais levariam uma vida social normal novamente, sendo certo que
houve casos em que alguns dos ex-soldados atiraram a esmo e contra compatriotas civis
que transitavam pelas ruas.
2.3. Armas Não Letais
O conceito de armas não letais foi estabelecido simultaneamente nos EUA e na
Europa, no início da década de 1990, tratando-se dessa forma, de uma tecnologia muito
recente.
A Organização para o Tratado do Atlântico Norte (OTAN) conceitua armas não
letais como sendo24: “as especificamente projetadas e empregadas para incapacitar
temporariamente pessoal ou material, ao mesmo tempo em que minimizam mortes e
ferimentos, danos indesejáveis à propriedade e comprometimento do meio ambiente”.
A utilização de armas não letais é o melhor método, atualmente, que os Governos
e Organizações Internacionais dispõem como forma de humanizar os conflitos armados,
bem como pelas forças policiais no desempenho de suas funções25. Esse posicionamento
decorre de sucessivas evoluções em matéria de celebrações de Tratados, cuja matéria
envolvida consiste na proibição da produção e utilização de armamentos de destruição em
massa, bem como de qualquer outro material bélico capaz de causar dor e sofrimento
demasiado ao inimigo e/ou suspeitos.
Nesse sentido, o Prof. Dr. Dennis Herbert, em seu trabalho, salienta para a
necessidade de assegurar o cumprimento da lei internacional na fabricação e utilização das
armas não letais aplicadas em qualquer conflito26. Vejamos:
“Também é necessário assegurar o cumprimento da lei
internacional. Laseres que causam cegueira permanente
violam o Blinding Laser Ban de 1995 – um tratado iniciado
pelos Estados Unidos. Armas de energia direcionada que
afetam o sistema nervoso central e causam doenças
neurofisiológicas podem violar a Convenção de Certas Armas
Convencionais de 1980. Outrossim, armas que vão além de
intenções não letais e causam “ferimento supérfluo ou
sofrimento desnecessário” podem violar o Protocolo I das
convenções de Genebra de 1977”. 24 BRASIL. Governo do Distrito Federal – Polícia Militar do Distrito Federal. “Plano Estratégico 2011- 2022 – Planejando a Segurança Cidadã do Distrito Federal no Século XXI”. Disponível em: <http://www.pmdf.df.gov.br/PlanoEstrategicoPMDF.pdf>. Acesso em: 20 de Maio de 2011, pág. 51. 25 NUNES, Leandro Guimarães. “A importância da utilização de armas não-letais pelas forças policiais no desempenho de suas funções”. Disponível em: <http://www2.forumseguranca.org.br/>. Acesso em: 27 de Dezembro de 2010. 26 HERBERT, Coronel (Res) Dennis B. “Armas não-letais: das aplicações Táticas às Estratégicas”. Traduzido da revista JFQ, Spring de 1999. Military Review: 2º Trim. 2001, pág. 53.
Atualmente, as novas tecnologias utilizadas na manufatura de armas não letais são
empregadas de várias formas e em inúmeros casos no âmbito da segurança pública e
internacional, o Prof. Dr. John Alexander explica sobre a possibilidade do emprego de uma
arma não letal, no mínimo interessante, com um objetivo especial, identificar determinadas
pessoas na multidão, denominado de “projétil identificador de líderes”, cujo instrumento é
capaz de pintar líderes que incitam os outros a organizarem a resistência contra os esforços
dos mantenedores da ordem. Segundo o autor27:
“Quando se marca esses infratores-chaves com tintas
brilhantemente coloridas, eles podem ser fotografados para
fins de identificação enquanto se deslocam em meio à
aglomeração. Isso pode ser valioso para as equipes de
captura que podem facilmente localizar os suspeitos. Ao
passo que existem técnicas para enfrentar uma multidão,
penetrar nela e aprisionar líderes selecionados, tal operação
pode ser muito arriscada para os homens da lei”.
Ainda, de acordo com o mesmo autor, a utilização de armas não letais proporciona
a obtenção de resultados corretos e eficientes, bem como é segura quanto: i) seu manuseio;
ii) em relação a pessoas alvejadas pela arma, seja em qualquer condição, em especial, na
diminuição de acidentes fatais com armas de fogo, manuseadas principalmente por crianças
que encontram as armas guardadas pelos seus pais28. Vejamos:
“Se um jovem fizer uso impróprio de uma dessas armas não-
letais, o máximo que pode acontecer é ele sentir dolorido por
curto período de tempo. A despeito de alguma dor e
desconforto, ele sobreviverá, mas o mesmo não se pode dizer
de uma arma de fogo”.
Entretanto, acontecimentos recentes demonstraram que quando as armas não-letais
da espécie TASERs atordoantes, utilizadas em indivíduos que apresentavam indícios de
estar sob o efeito de entorpecentes, o resultado foi o óbito.
Dessa forma, as armas não letais da espécie TASERs atordoantes, por ser uma
tecnologia recente, é merecedora de uma maior atenção, estudos e pesquisas,
principalmente quanto a sua utilização em indivíduos que estejam supostamente sob o
efeito de entorpecentes.
27 ALEXANDER, Coronel John B. “Vencendo a Guerra. Armas Avançadas, Estratégias e Conceitos para um Mundo Pós 11 de Setembro”. Tradução de Joubert de Oliveira Brízida. Rio de Janeiro. 2005, pág. 49. 28 ALEXANDER, Coronel John B. “Vencendo a Guerra. Armas Avançadas, Estratégias e Conceitos para um Mundo Pós 11 de Setembro”. Tradução de Joubert de Oliveira Brízida. Rio de Janeiro. 2005, pág. 52.
CAPÍTULO 3. INTEGRAÇÃO REGIONAL NO ÂMBITO DA SEGURANÇA
HUMANA
“Da relação cada vez mais intensa entre segurança interna e segurança internacional,
decorre a noção de segurança humana, relevante também para a evolução do conceito de
consolidação da paz como elemento de composição da segurança coletiva internacional”.
Gilda Motta Santos Neves
3.1. Segurança e Defesa
É dever de todo Estado defender seu território e sua população de invasões
externas e conflitos internos (direito fundamental de defesa e conservação), esse dever
constitui também um primordial instrumento de sua sobrevivência. Porém, pode-se
observar atualmente, que todos os métodos de resolução de ameaças e conflitos,
anteriormente conhecidos, encontram-se desatualizados com a realidade, sejam de conflitos
denominados guerras (prescrita pela Carta das Nações Unidas), guerrilhas, ou, de até
mesmo, de atentados terroristas. Frisa-se o termo “desatualizado”, uma vez que dentre os
diversos órgãos e organismos (nacionais e internacionais), cujo escopo é a busca da paz
interna e internacional, o referido objetivo não é alcançado.
Relatos de mortes decorridas por conflitos são frequentemente abordados pela
mídia, e, sempre nesses casos, a vítima mais atingida é a população civil de baixa renda,
que é impossibilitada de refugiar-se em países vizinhos, sendo certo que buscam
sobreviver, a qualquer custo, no mesmo território atingido pelos conflitos29.
Os conceitos de defesa e segurança diferenciam-se da seguinte forma: i) o de
defesa pressupõe a unidade política estatal em disputa com outras unidades políticas no
sistema internacional; ii) o conceito de Defesa Coletiva pressupõe unidades políticas
agrupadas, em disputa com outras unidades políticas no sistema internacional; iii) o
conceito de Segurança interna sugere uma cooperação entre as autoridades internas dos
Estados, visando cessar ameaças ou conflitos em seu território; e, finalmente, iv) o conceito
de Segurança Coletiva sugere uma cooperação entre todas as unidades políticas que
compõem determinada comunidade de interesses, sem qualquer tipo de disputas no sistema
internacional30.
Tratam-se, portanto, de matérias comuns a sociedade internacional, uma vez que o
desempenho dessas determinadas atividades interessa e encontram-se inter-relacionadas a
todos os Atores Internacionais. Todavia, essas atividades executivas (administrativas) no
modelo atual – unicamente unilateral, não apresenta atualmente resultados satisfatórios. As
ameaças, bem como os crimes e conflitos transnacionais exigem um novo paradigma de
intervenção Estatal, seja de forma global ou regional.
29 MOMBACH, Arthur Becker. “A população civil no Direito humanitário de guerra”. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/2315>. Acesso em: 10 jan. 2011. 30 FILHO, Oscar Medeiros. “Cenários Geopolíticos e Emprego das Forças Armadas na América do Sul”. Dissertação de Mestrado em Geografia Humana. Universidade de São Paulo, São Paulo – 2004, pág. 5.
Nesse sentido, o Prof. Dr. Fabrício Dreger , salienta que31: “a falta de
territorialidade específica associada à transnacionalidade das ameaças leva os Estados a
assumir a necessidade de cooperação para a resolução de questões multidimensionais”.
Cumpre salientar que a Resolução 30/1 (24/10/2005), da Assembleia Geral das
Nações Unidas tratou do tema da Segurança Internacional Regional, dando extrema
relevância quanto o papel das Organizações Regionais, especialmente em relação ao
cumprimento de missões que possuem alto nível de complexidade, sendo certo que as
ameaças contemporâneas tomaram caráter transnacional.
As repressões/atuações regionais encontram-se atuantes principalmente nas áreas
críticas, ou seja, que sofreram um maior crescimento das ações criminosas, como por
exemplo: i) o tráfico transnacional de entorpecentes, armas e mulheres; ii) o terrorismo; iii)
a corrupção; iv) lavagem de dinheiro; v) violações ambientais, etc...
No caso em especial, da Organização dos Estados Americanos, houve a criação de
órgãos especializados para trabalharem de forma pacífica e preventiva nas áreas críticas de
âmbito regional, sendo as seguintes: i) a Secretaria Executiva da Comissão Interamericana
para o controle do uso de drogas (CICAD)115; ii) a Secretaria do Comitê Interamericano
contra o Terrorismo (CICTE), iii) e o Departamento de Segurança Pública (DPS). Porém, a
Organização dos Estados Americanos, atua apenas por meio da promoção da diplomacia
preventiva, da assistência humanitária, e ainda, por iniciativas que visam consolidar a paz.
Portanto, a OEA não é dotada de capacidade militar, talvez em razão da superpotência
bélica que a integra - EUA; bem como em decorrência do texto de sua Carta Constitutiva, o
qual não prevê o emprego da força capaz de executar missões delegadas pelo Conselho de
Segurança das Nações Unidas.
Em relação à Segurança Cooperativa, trata-se de um modelo já utilizado na
prática, cujo conceito teve seus primeiros desenvolvimentos no início da década de 90,
quando Carter, Perry e Steimbruner publicaram, em 1992, a obra “Excerpts from A New
Concept of Cooperative Security”, no qual desenvolveram um modelo teórico que
interpretava a ideia de Segurança por meio da cooperação, em lugar da confrontação,
buscando, dessa forma, definir um novo modelo de estratégia de Segurança Internacional.
Como bem salienta os autores, trata-se da adoção da ideia de “comprar Segurança por
diplomacia”, consistindo em prática nova na Região da América Latina, mas, trata-se de
prática antiga na Europa.
Nesse sentido, é o comentário do Prof. Dr. Castro. Vejamos32:
“Os Estados buscaram convergir através de objetivos comuns
e compatíveis em matéria de segurança e defesa,
considerando que, frente aos novos desafios que se
apresentavam no cenário regional, os esforços e as políticas 31 DREGER, Fabrício Brugali. “Integração na América do Sul: A Unasul e o Conselho de Defesa Sul- Americano”. Monografia de graduação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS – Faculdade de Ciências Econômicas – Curso de Relações Internacionais, Porto Alegre. 2009, pág. 59. 32 CASTRO, Gustavo Fabián. “A cooperação entre Argentina e Brasil no Setor de Defesa: visão e ação da Argentina: 1983-2008”. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” – UNESP, UNICAMP e PUC-SP. São Paulo – 2010, pág. 20 e 21.
de segurança e defesa somente poderiam ser alcançados
através da cooperação, tanto bilateral como multilateral”.
Entretanto, o processo de Integração Regional no âmbito da Defesa e Segurança
Internacional choca-se diretamente com o princípio da Soberania Estatal. Em decorrência
do referido conflito de princípios, os procedimentos de Integração Regional tramitam em
menor velocidade, se comparado com os procedimentos de Cooperação.
Nesse sentido, o Prof. Dr. Eloi Senhoras diferencia, em seu trabalho, as duas
figuras (Integração Regional e Cooperação Regional) acima mencionadas. Vejamos33:
“A estratégia de integração de políticas em segurança e
defesa, por sua própria natureza e amplitude, impõe um
elevado grau de exigência de seus países membros devido à
transferência progressiva de certas competências relevantes
da soberania dos Estados em Segurança e Defesa Nacional a
instâncias administrativas ou eletivas transnacionais. O fio
conductor é a supranacionalidade, onde as tomadas de
decisão decorrem de votação majoritária. A estratégia da
cooperação em segurança e defesa é menos ambiciosa que a
estratégia de integração, pois propõe a harmonização e
coordenação de políticas originadas dos próprios Estados,
sem contrariar a manutenção do nível de soberania de cada
Estado. As Ações conjuntas, estabelecidas por instâncias
intergovernamentais, são tomadas por unanimidade a fim
diminuir uma agenda de complexa negociação”.
Todavia, todo e qualquer procedimento de Integração Regional deverá ser regido
por meio de acordos entre os Estados, jamais por meio de imposições, sob pena de
desintegrar-se perante a eclosão de qualquer espécie de crise. Porém, a celebração dos
referidos acordos, entre Estados, dependerá primordialmente de uma importante questão
extrajurídica e anterior a qualquer reunião de plenipotenciários, trata-se do esquecimento
das agressões mútuas entre os Estados ex-beligerantes.
3.2. Conceito de Segurança Humana
Como se já não bastassem os conflitos armados clássicos, houve o surgimento de
novas ameaças que possuem caráter multinacional, como por exemplo, as ameaças do
terrorismo e das armas de destruição em massa, o crime organizado, as drogas, a corrupção,
a lavagem de dinheiro, o tráfico de armas, necessitando, dessa forma, de uma abordagem e
33 SENHORAS, Eloi Martins. “O Conselho Sul-Americano de Defesa e as Percepções da Construção da Segurança Cooperativa no Complexo Regional da América do Sul”. Centro de Estudos Hemisféricos de Defensa – Conferência Subregional. Retos a la Seguridad y Defensa en un Ambiente Político Complejo: Cooperación y Divergencia en Suramérica; Julio 27-31, 2009, pág. 5.
atenção sem precedentes, sendo certo que referidas ameaças causam preocupação global
desde o período do pós Guerra Fria até os dias atuais.
Por outro lado, o conceito de Segurança Humana não se restringe as ameaças
citadas acima, existem também outras que merecem atenção por parte dos Estados, como
por exemplo: a pobreza extrema e a exclusão social, tendo em vista que afetam a
estabilidade da convivência pacífica da população, bem como, vem sendo enumeradas
como objetos de Segurança Interna e Internacional, sendo certo que tendem a abalar a
coesão social e vulnerarem a Segurança dos Estados.
De acordo com a definição adotada pelas Nações Unidas, o termo “Segurança
Humana” é o conceito que consegue conjugar as dimensões de paz, segurança e
desenvolvimento (“Human Security Now: Protecting and Empowering People”, Comission
on Human Security, New York, 2003). Trata-se dessa forma, de uma noção que ultrapassa a
ausência de conflito de qualquer espécie, abrangendo também, os direitos fundamentais, de
governança, de acesso à saúde, à educação, etc.
Nesse sentido, é o conceito elaborado pela Prof(a). Dr(a). Gilda Neves34:
“Da relação cada vez mais intensa entre segurança interna e
segurança internacional, decorre a noção de segurança
humana, relevante também para a evolução do conceito de
consolidação da paz como elemento de composição da
segurança coletiva internacional. A utilização do termo
“segurança humana” enseja, entretanto, complexo debate.
De forma restrita, significa proteção contra ameaças
violentas como guerra civil, genocídio ou deslocamentos
forçados. A visão “ampla” de segurança humana inclui
proteção também contra ameaças não violentas, como fome,
miséria, doenças, iniqüidades sociais e incapacidade do
Estado de prover padrões mínimos de qualidade de vida. O
conceito está fortemente associado à idéia de
desenvolvimento humano e de vulnerabilidade, em razão de
conflito armado ou de marginalização social e econômica, e
decorre da constatação de que fome e doenças tratáveis
matam muito mais que guerras civis ou genocídios”.
Ainda sobre o tema, o Prof. Dr. Bernardo Sorj disserta em seu trabalho que
existem diversas concepções sobre o conceito de “Segurança Humana” na esfera
internacional. Uma das versões, consiste na proposta elaborada pela Comissão de
Segurança Humana, presidida pelo Sr. Dr. Sadako Ogasa e a Sr(a). Dr(a). Amartya Sen, e
patrocinada pelo governo japonês, cuja versão é considerada por demais ampla e imprecisa.
Vejamos:
34 NEVES, Gilda Motta Santos. “Comissão das Nações Unidas para Consolidação da Paz: perspectiva brasileira”. Brasília: FUNAG, 2009, pág. 32.
“(...) um mundo livre de necessidades e livre de medo”.
O escopo do conceito geral acima é o de incluir no conceito de desenvolvimento
humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, todos os riscos e
ameaças à segurança física e ambiental (epidemias, acesso a atendimento médico, pobreza,
suprimento de água, crises de desenvolvimento e econômicas, acesso a armas de fogo,
violência física e desastres ecológicos). Por outro lado, de acordo com o entendimento do
autor citado, a inclusão conceitual acabou propondo uma visão holística e difusa do que
deveria ser uma Política Nacional ou Internacional de Segurança ou Insegurança.
Dessa forma, o mesmo autor enumera ainda 5 (cinco) concepções à Segurança
Humana, elaborada pelo Governo e por pesquisadores Canadenses. Vejamos:
“Concepções de foco mais definido, em especial as
apresentadas pelo governo e por pesquisadores do Canadá,
atribuem cinco características à segurança humana:
1. É um conceito holístico que abrange todas as variadas
fontes de insegurança individual, incluindo as associadas à
pobreza e à violência física.
2. Concentra-se nos direitos humanos dos indivíduos. Na
verdade, enfatiza o papel do governo como fonte de
insegurança para seus cidadãos.
3. Valoriza a sociedade civil como ator privilegiado,
reduzindo assim, de forma implícita, o papel do governo.
4. Procura ter uma perspectiva global.
5. Justifica a intervenção externa da comunidade
internacional em países que estejam atravessando crises
humanitárias”.
Há que ser verificado, portanto, que o emprego do conceito de Segurança Humana
como termo justificativo de aplicação de medidas preventivas de proteção dos indivíduos,
torna-os verdadeiros sujeitos de direito internacional, à semelhança dos Estados (quiçá,
hierarquicamente superiores). Vejamos entendimento nesse sentido35:
“Ao considerar o indivíduo como centro das preocupações
em matéria de Segurança, transforma-se ele em sujeito de
direito internacional, à semelhança dos Estados. Nessa ótica,
a ‘Segurança Humana’ poderia justificar medidas
preventivas de proteção dos indivíduos, recaindo no mesmo
35 Citação: NEVES, Gilda Motta Santos. “Comissão das Nações Unidas para Consolidação da Paz: perspectiva brasileira”. Brasília: FUNAG, 2009, pág. 34.
arcabouço intervencionista do direito de ingerência e da
responsabilidade de proteger”.
(Amorim, 2003).
Conclui-se, portanto, que a definição adotada pelas Nações Unidas, ao termo
“Segurança Humana”, conjuga coerentemente as dimensões de Paz, Segurança e
Desenvolvimento (“Human Security Now: Protecting and Empowering People”, Comission
on Human Security, New York, 2003), cujo conceito de Desenvolvimento era
anteriormente separado dos conceitos de Segurança e Paz. Trata-se, dessa forma, de uma
noção que ultrapassa a ausência de conflitos de qualquer espécie, abrangendo também, a
tutela dos direitos fundamentais, de governança, de acesso à saúde e à educação.
3.3. Sociedade de Segurança
Atualmente, as Nações Unidas e a mídia internacional encontram-se em alerta, em
decorrência do aumento populacional crescente, considerado por elas como um problema
sério a nível global, tendo em vista a possibilidade do mundo ter que enfrentar a escassez
de alimentos, de água potável, minérios e petróleo, dentre outros combustíveis, bem como
de energia elétrica. Referida escassez poderá ainda, levar a humanidade a práticas de
conflitos de interesses, passíveis até de provocarem conflitos bélicos entre os Estados.
Da mesma forma, o meio ambiente sofrerá, ainda mais, com o aquecimento global,
constantes elevações do nível do mar, poluições do solo, ar e água, fenômenos de
desertificação ou alagamentos. Todos esses referidos fatores que no futuro, poderão,
efetivamente, potencializar as ameaças e a própria eclosão de conflitos, sejam eles internos
ou transnacionais.
De acordo com a Divisão de População do Departamento de Desenvolvimento
Econômico e Assuntos Sociais (DESA) da ONU, estima-se que a população mundial deve
chegar a 7 (sete) bilhões de pessoas em 31 de outubro de 2011, e ainda, segundo o Diretor
Executivo do UNFPA, Dr. Babatunde Osotimehin. Vejamos36:
“Um mundo com 7 bilhões é tanto um desafio quanto uma
oportunidade. Globalmente, as pessoas estão vivendo vidas
mais longas e saudáveis, e escolhendo ter famílias menores.
Mas a redução das desigualdades e a busca do bem-estar das
pessoas que vivem hoje – assim como as gerações que virão –
vão exigir novas formas de pensamento e de cooperação
global sem precedentes”
36 Para ONU, população mundial chegará a sete bilhões em 31 de outubro de 2011. Informação Disponível em: <http://www.geodireito.com/Conteudo/Geojuridicas.asp?notCodigo=3826&acao=DetalheNoticia>. Acesso em: 02 de Junho de 2011.
Dessa forma, verifica-se que o tema da Segurança Humana é cada vez mais tema
de trabalhos acadêmicos e profissionais, sendo certo que a Paz perpétua entre os homens
dependerá de ideais integracionistas, considerado procedimento mais ambicioso que o da
cooperação global na área da Segurança Internacional, que em longo prazo possibilitará o
surgimento de uma verdadeira “Sociedade de Segurança” de âmbito global. Entretanto, os
processos/procedimentos de Integração Regional é o método mais eficiente para chegar
aquele, em decorrência de fatores como a proximidade física, cultural, moral e jurídica.
Vejamos o conceito de Sociedade de Segurança descrito pelo Prof. Dr. Diego
Leira37:
“Para esses autores uma Sociedade de Segurança é uma
região transnacional formada por Estados Soberanos, cujas
populações mantenham expectativas de trocas pacíficas.
Estas Sociedades implicam uma intensidade de relações entre
os atores políticos, emitindo sinais claros de confiança, em
que as informações são compartilhadas e as regras do jogo
estão previamente estipuladas, mas também implicam uma
participação da Sociedade Civil em que a cidadania
compartilha visões similares sobre a realidade regional, e
que seus interesses sejam apresentados pela Sociedade”.
Dessa forma, cumpre salientar que embora não exista ainda um modelo prático de
Integração no âmbito da Defesa e Segurança, há que ser considerado a importância e
eficiência dos modelos práticos de Cooperação existentes.
Atualmente, a União Africana é a maior organização em atuação no mundo, em
relação ao número de seus Estados-membros, contando atualmente com 53 (cinquenta e
três) membros. Possui também, um importante e atuante Conselho de Paz e Segurança da
União Africana, que atua por meio de um contingente denominado “African Standby
Force”, capaz de enviar missões de paz rapidamente, chegando ao local antes mesmo que
os efetivos das Nações Unidas nas regiões de conflitos, evitando dessa forma, perdas de
vidas humanas em maiores proporções38.
Em relação a criação de efetivos permanentes regionais (das forças armadas e
policiais), defendemos que é necessário que todo o contingente seja formado apenas por
agentes públicos de nacionalidade dos Estados Membros da Organização Regional, bem
como desvinculados dos seus Estados de nacionalidade, e, subordinados apenas a
respectiva Organização Internacional de modo permanente, como acontece com os
servidores civis das Nações Unidas. Esse requisito constituirá instrumento de harmonização
37 LEIRA, Mag. Diego Escuder. “Cooperación internacional: La regionalización y las Comunidades de Seguridad. El caso del MERCOSUL”. Disponível em: <http://www.gedes.org.br>. Acesso em 07 de Dezembro de 2010, pág. 2. Obs: O autor utiliza do termo Comunidade, porém, preferimos o de Sociedade. 38 Mais informações a respeito do tema: Paz e Segurança em África, ver: OECD; African Development Bank; UNECA. “Perspectivas Económicas em África 2010”. Tema Especial: Mobilização de Recursos Públicos e Ajuda em África. 2010, pág. 65 e ss.
e imparcialidade no cumprimento dos deveres decorrentes do poder de polícia de âmbito
regional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente, vimos que os conflitos armados confundem-se com a história do ser
humano, sendo certo que muitas das vezes há o envolvimento de razões políticas, culturais,
econômicas e territoriais, sob diferentes argumentos, fins e pretensões. Dessa forma, por
meio de uma interpretação histórica de efeitos, pode-se deduzir que sempre haverá conflitos
armados nas relações internas e internacionais, tendo em vista que sempre haverá também
conflitos de interesses entre os povos.
Dessa forma, inúmeras são as medidas práticas disponíveis de resolução pacífica
de conflitos, porém, os conflitos armados ainda existem.
Como se já não bastassem os conflitos armados clássicos, o documento da ONU
A/59/565, de 29 de novembro de 2004, apresentou as novas ameaças que o mundo deverá
enfrentar nas próximas décadas. Consistem dessa forma, nas: A. Ameaças econômicas e
sociais, inclusiva de situações de pobreza, doenças infecciosas e degradação do meio
ambiente; B. Conflitos internos, inclusive guerras civis, genocídios e outras atrocidades em
larga escala; C. Armas nucleares, radiológicas, químicas e biológicas; D. Terrorismo; E.
Conflito entre Estados; F. Crime organizado transnacional.
Vimos também, que as Operações de Paz das Nações Unidas encontram-se
atualmente com o orçamento debilitado, que possui problemas em relação às divergências
políticas existentes, e, que, por consequência, afetaram, afetam e afetarão as decisões do
Conselho de Segurança das Nações Unidas, por meio da utilização do polêmico
instrumento “direito de veto” das grandes potências.
Dessa forma, pode-se concluir que a melhor solução para a manutenção da Paz e
da Segurança em face das antigas e novas ameaças, por enquanto, é a utilização de Forças
Multinacionais de Paz, provenientes de Organizações Regionais, tendo em vista os
argumentos práticos de rapidez e eficácia em sua atuação, bem como o caráter obrigatório
de atuação decorrente de obrigação celebrada em seus Estatutos Regionais.
Por outro lado, o conceito de Sociedade de Segurança ainda encontra-se distante
da realidade mundial. Entretanto, é importante salientar que não é impossível sua criação e
atuação prática, dependerá tão somente da efetiva aproximação das Nações por meio de
procedimentos de Integração, cujos passos caminham lentamente.
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