Terrorismo e Justiça...

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* Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, Doutorando em Ciências Jurídico-Internacionais e Europeias pela Universidade de Lisboa e Revisor na Revista Jus Scriptum. ** O presente artigo é dedicado a Ms. Tarryn Elliott, em agradecimento ao seu amor e companheirismo. Terrorismo e Justiça Internacional** Vladmir de Campos Pacheco Pires Ferreira* Resumo: Embora não seja um fenômeno recente, o terrorismo veio, após os atentados de 11 de Setembro de 2001, a adquirir novos contornos e a afirmar-se como a principal ameaça à segurança da comunidade internacional. Desta forma, o presente artigo visa analisar as medidas que vem sendo adotadas no combate a esta mazela e procura estabelecer os elementos necessários para compreender o terrorismo enquanto conduta ilícita violadora de bens jurídico-internacionais fundamentais. Em especial, visa analisar a responsabilidade penal do indivíduo enquanto sujeito de Direito Internacional; e em que medida o Tribunal Penal Internacional é um órgão jurisdicional apto a oferecer uma resposta efetiva aos atos de terror, cumprindo, desta forma, os seus objetivos de preservação da paz e segurança internacionais. Abstract: Although not a recent phenomenon, terrorism has, since 9/11, acquired new dimensions and asserted itself as the main threat to the security of the international community. This article aims to study the measures being taken by the international community in assessing terrorist threats. More specifically, it seeks to examine the criminal responsibility of individuals within the context of international law, and the extent to which the International Criminal Court is able to effectively respond to acts of terror, thereby fulfilling its objective of protecting international peace and security. Introdução O terrorismo não é um fenômeno recente e suas origens remontam as primeiras organizações humanas em sociedade. No entanto, essa prática viria a ganhar notabilidade ao longo do século XX, especialmente durante a sua segunda metade, no contexto das guerras de libertação nacional e do direito de autodeterminação dos povos, quando a estratégia terrorista passou a ser utilizado por grupos insurgentes e revolucionários. É somente a partir deste período que a comunidade internacional passa a encarar o terrorismo como um problema grave, um instrumento capaz de atingir os seus bens jurídicos mais fundamentais e valiosos.

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* Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, Doutorando em Ciências Jurídico-Internacionais e Europeias pela Universidade de Lisboa e Revisor na Revista Jus Scriptum. ** O presente artigo é dedicado a Ms. Tarryn Elliott, em agradecimento ao seu amor e companheirismo.

Terrorismo e Justiça Internacional**

Vladmir de Campos Pacheco Pires Ferreira*

Resumo: Embora não seja um fenômeno recente, o terrorismo veio, após os atentados

de 11 de Setembro de 2001, a adquirir novos contornos e a afirmar-se como a principal

ameaça à segurança da comunidade internacional. Desta forma, o presente artigo visa

analisar as medidas que vem sendo adotadas no combate a esta mazela e procura

estabelecer os elementos necessários para compreender o terrorismo enquanto conduta

ilícita violadora de bens jurídico-internacionais fundamentais. Em especial, visa analisar

a responsabilidade penal do indivíduo enquanto sujeito de Direito Internacional; e em

que medida o Tribunal Penal Internacional é um órgão jurisdicional apto a oferecer uma

resposta efetiva aos atos de terror, cumprindo, desta forma, os seus objetivos de

preservação da paz e segurança internacionais.

Abstract: Although not a recent phenomenon, terrorism has, since 9/11, acquired new

dimensions and asserted itself as the main threat to the security of the international

community. This article aims to study the measures being taken by the international

community in assessing terrorist threats. More specifically, it seeks to examine the

criminal responsibility of individuals within the context of international law, and the

extent to which the International Criminal Court is able to effectively respond to acts of

terror, thereby fulfilling its objective of protecting international peace and security.

Introdução

O terrorismo não é um fenômeno recente e suas origens remontam as

primeiras organizações humanas em sociedade. No entanto, essa prática viria a ganhar

notabilidade ao longo do século XX, especialmente durante a sua segunda metade, no

contexto das guerras de libertação nacional e do direito de autodeterminação dos povos,

quando a estratégia terrorista passou a ser utilizado por grupos insurgentes e

revolucionários. É somente a partir deste período que a comunidade internacional passa

a encarar o terrorismo como um problema grave, um instrumento capaz de atingir os

seus bens jurídicos mais fundamentais e valiosos.

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Nos anos 90 do século XX, em razão de uma série de fatores internacionais,

em especial a implosão do bloco soviético e a consolidação da hegemonia norte-

americana, o mundo assistiria ao desaparecimento de diversas organizações terroristas

ideológicas, para, em finais desta mesma década, assistir o ressurgimento do terrorismo

internacional, que, então, passaria a ter, de modo geral, um fundamento religioso. Esta

‘renovação’ do terrorismo internacional que o consagraria, em definitivo, como ameaça

a paz e a segurança internacionais, viria a se consolidar com os atentados terroristas

perpetrados em 11 de Setembro de 2001, no interior do território dos EUA, contra

símbolos econômico e militar de sua hegemonia.

Este trabalho tem por escopo proceder a uma análise jurídica das medidas

que vem sendo adotadas pela comunidade internacional no combate ao terrorismo

moderno.

Em especial, temos por objetivo tentar compreender o terrorismo enquanto

conduta ilícita violadora de bens fundamentais da comunidade internacional; analisar a

responsabilidade penal do indivíduo enquanto sujeito de direito internacional; e, mais

especificamente, verificar até que ponto o Tribunal Penal Internacional, estabelecido

pelo Tratado de Roma, de 1998, é um órgão jurisdicional apto a oferecer uma resposta

efetiva aos atos de terrorismo internacional, cumprindo assim, neste aspecto, os seus

objetivos de preservação da paz e segurança internacionais.

Para alcançar tais fins, realizaremos algumas considerações gerais acerca da

origem do terrorismo, do desenvolvimento de uma noção capaz de dotar o fenômeno em

questão de elementos que o pudessem tipificar enquanto crime internacional e ainda

perceber como os Estados podem prestar apoio e, até mesmo, em determinados casos,

através de seus órgãos, praticar atos de terror.

Analisaremos, de maneira sucinta, as principais iniciativas desenvolvidas no

âmbito da cooperação internacional nos últimos 40 anos e verificaremos, ainda, a

legalidade das respostas que impliquem a utilização de meios militares ao fenômeno em

questão, especialmente no contexto do artigo 51 da Carta das Nações Unidas.

Por último, após tecermos algumas considerações acerca dos principais

elementos do Tribunal Penal Internacional, analisaremos a relação entre a competência

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desta instituição jurisdicional internacional e o crime de terrorismo, compreendido de

forma autônoma ou enquanto subcategoria de outras espécies de crimes internacionais.

1. Do Terror ao Terrorismo

1.1. Considerações Históricas

A História é repleta de exemplos de grupos armados que, motivados por

elementos ideológicos, religiosos ou políticos, utilizaram a estratégia terrorista como

uma forma de alcançar suas metas específicas. Poderíamos citar, por exemplo, os atos

perpetrados pelos Nizarins, ou Ordem dos Assassinos, por volta do século XI, o

assassinato do Czar Alexandre II, em 1881, na Rússia, pela organização Narodnya

Volya e, ainda, uma série de atentados realizados por terroristas anarquistas e

nacionalistas durante os séculos XIX e XX (GOMES; SALGADO, 2005). No entanto, o

que verdadeiramente releva para o nosso trabalho é observar que, independentemente da

época, do local e da motivação que estiveram na origem de tais ações, os objetivos,

mediato e imediato, buscados com a prática de atos de terror, se mantiveram,

rigorosamente, os mesmos ao longo dos séculos.

Basta considerarmos, por um lado, a organização conhecida como ‘Sicarii’,

possivelmente o primeiro grupo terrorista de que se tem notícia (GOMES; SALGADO,

2005, p.13), composto por judeus que se opunham a ocupação das terras palestinas pelo

Império Romano e que tinham como modus operandi o assassinato seletivo e em locais

públicos de romanos e judeus colaboracionistas; e, por outro lado, a organização

terrorista Al Qaeda, possivelmente responsável pelos atentados aos Estados Unidos da

América, em 11 de Setembro de 2001.

Tanto os Sicarii quanto a Al Qaeda, perseguiam, em última análise, uma

finalidade política. Os primeiros aspiravam à retirada das tropas romanas das terras

palestinas, enquanto os segundos, pretendiam que os seus atos viessem a alterar, ou pelo

menos, influenciar, a política externa norte-americana para o médio oriente (CASSESE,

2008, p. 167). A estratégia desenvolvida por ambas organizações, na persecução de um

objetivo imediato, é similar: a prática de atos, tendo por objetivo a propagação do

pânico e do terror em determinados sectores sociais. A única diferença entre as duas

organizações é relativa aos meios empregados para atingir estes objetivos: enquanto os

Sicarii utilizavam punhais para promover seus assassinatos; a Al Qaeda, nos atentados

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de 11 de Setembro, sequestraram uma série de aeronaves e as fizeram colidir contra

prédios nas cidades de Nova York e Washington. O perigo que a ameaça terrorista

representa à comunidade internacional nos dias hodiernos, reside, justamente, neste

“salto qualitativo” verificado em relação aos meios empregados (MACHADO, 2004, p.

587).

Sob uma perspectiva etimológica, a expressão “terrorismo” surge em

França, durante a Revolução Francesa, em finais do século XVIII, durante o chamado

“período do terror”. Neste episódio histórico, os líderes revolucionários conceberam

uma forma de realizar a manutenção e consolidação do poder, através da privação de

qualquer garantia processual aos acusados de atentar contra a ordem revolucionária

estabelecida. Assim, diversas pessoas consideradas ‘inimigas da Revolução’ foram

perseguidas e executadas, no desfecho de processos judiciais nos quais não se

verificavam quaisquer garantias, e que não tiveram, sequer, o direito a constituir um

defensor. Além disso, nestes processos não existiam recursos e a única sanção prevista

era a pena capital (PELLET, 2003, pp. 10-11).

Dessa forma, sob a autoridade de Robespierre, foram guilhotinados, em um

período de 49 dias, 1380 opositores da ordem revolucionária. Esta estratégia foi

denominada por “terror” e tinha justamente a finalidade de eliminar os contra-

revolucionários, ou, assim chamados todos aqueles que oferecessem qualquer oposição

ao novo governo, ou a nova ordem.

Mas a política do “terror” não atingiu o resultado esperado. Assim,

Robespierre perde prestígio político e acaba por ser condenado à morte na guilhotina. A

acusação pendente sobre ele é a perpetração do “terrorismo”, isto é, o exercício

arbitrário do ‘terror’, compreendido enquanto meio de defesa e consolidação da ordem

revolucionária.

1. 2 Natureza Jurídica

Apesar do terrorismo ser uma presença constante nas organizações sociais

humanas que se desenvolveram ao longo da história, até os nossos dias, um conceito

exato acerca do que se deve entender por esta noção não foi estabelecido no seio da

comunidade internacional.

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No entanto, apesar desta questão não ter sido totalmente solucionada, os

Estados viriam a dar os primeiros passos no sentido de, pelo menos, alcançar algum

acordo a respeito das principais características desta ameaça comum.

É durante os anos 70 do século passado que os Estados, frente a uma

multiplicação de atos de terror perpetrados em todo o mundo, começam a empreender

esforços na tentativa de se alcançar uma noção comum desta prática, buscando atribuir,

pelo menos às suas formas mais graves, elementos que permitissem tipificá-la como

conduta violadora de bens e valores jurídicos internacionais.

No entanto, face ao contexto internacional verificado na época,

especialmente no que se relaciona com as guerras de libertação e o reconhecimento de

direitos como a autodeterminação dos povos e resistência contra tiranos, tal objetivo era

quase impossível. A este respeito, deve-se ressaltar que no período em questão, o

mundo estava dividido em dois pólos sobre os quais os Estados Unidos e a União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas exerciam influência direta. Assim, o que era

considerado por alguns Estados como o mais odioso paradigma terrorista, era, para

outros, a mais pura expressão dos movimentos de libertação dos povos.

Desta forma, a falta de consenso acerca de um conceito único de terrorismo

compreende-se em razão deste fenômeno apresentar uma natureza muito mais política e

social do que jurídica (KASTANIDOU, 2004, p. 18). Além disso, vale a pena lembrar

que determinadas pessoas consideradas como terroristas em um determinado momento,

passaram a ser reconhecidas por suas contribuições à paz mundial1.

A questão da distinção entre terroristas e ‘freedom fighters’ somente veio a

ser abrandada em 1977, com o Primeiro Protocolo Adicional às Convenções de

Genebra. Este documento internacional, ratificado por 167 Estados, garante, na parte

final do nº 3, de seu artigo 44, o estatuto jurídico de ‘prisioneiro de guerra’ àquele

indivíduo que não é membro regular das forças armadas de um Estado e que,

normalmente, não carrega suas armas abertamente (GENEBRA, 1977). Desta forma,

mitigava-se o rigor estabelecido pelo artigo 4 da III Convenção de Genebra para a

concessão do referido estatuto.

1 Nelson Mandela e Yasser Arafat são dois exemplos paradigmáticos do dissenso internacional acerca da noção de terrorismo, uma vez que, designados por terroristas no passado, vieram a obter reconhecimento de seus esforços para a preservação da paz internacional, recebendo, inclusive, o prêmio Nobel da paz (WEIS, 2003, p. 611).

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Tal fato consistiu em um importante passo no caminho da definição do

crime de terrorismo, mas, infelizmente, as dificuldades políticas persistiam, o que

impedia a existência de qualquer acordo neste sentido.

Diante da necessidade de implementar medidas eficazes de combate ao

terrorismo no plano internacional e a perspectiva de chegar a algum consenso, a

comunidade internacional retoma uma estratégia iniciada nos anos 60 e que consistia na

celebração de diversos instrumentos internacionais que proibiam a prática de atos

específicos2. Estas convenções se referiam a práticas diversificadas, como o sequestro

de aeronaves, a tomada de reféns, entre outras, sem, no entanto, mencionar em nenhum

momento a palavra “terrorismo”.

Todos estes eventos foram de grande importância para a consagração do

terrorismo enquanto fato típico internacional, mas foi somente com o fim da guerra-fria

que a comunidade internacional conseguiu delimitar uma noção comum de terrorismo.

Esse consenso geral foi plasmado na resolução 49/60, da Assembleia Geral das Nações

Unidas, de 09 de Dezembro de 1994, que no § 3º de sua declaração anexa, estabelecia

que:

“Criminal acts intended or calculated to provoke a state of terror in the general public, a group of persons or particular persons for political purposes are in any circumstance unjustifiable, whatever the considerations of a political, philosophical, ideological, racial, ethnic, religious or any other nature that may be invoked to justify them” (NAÇÕES UNIDAS, 1994).

Esta noção foi reafirmada ainda no artigo 1º da resolução 51/210, adotada

pela Assembleia Geral em de 17 de Dezembro de 1996. Apresenta ela dois importantes

aspectos: i) acaba com a concepção de “terrorismo justificado”, uma vez que classifica

como terrorista qualquer ato criminoso direcionado a provocar um estado de terror na

população civil, independentemente do seu fundamento e justificativa; ii) esta noção

reflete o consenso de toda a Comunidade Internacional (NAÇÕES UNIDAS, 1996).

A doutrina, nesta mesma linha evolutiva, também realizou esforços na busca

de um conceito jurídico de terrorismo. Pretendia-se atribuir elementos que o dotassem

de um maior grau de precisão legal e que permitisse a tipificação penal internacional de

um verdadeiro crime de terrorismo.

2 Esta estratégia tem início com a celebração da Convenção Internacional sobre as ofensas e certos atos

cometidos a bordo de aeronaves, de 14 de Setembro de 1963.

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Antonio Cassese, desenvolvendo o conceito apresentado pelas resoluções

49/60 e 42/210, ensina que os atos terroristas, para serem juridicamente classificados

como condutas ilícitas violadoras dos mais valiosos bens jurídicos da Comunidade

Internacional, isto é, crimes internacionais em sentido estrito, devem apresentar três

características: (i) ser tipificados como crimes pelos ordenamentos jurídicos nacionais;

(ii) tenham por finalidade disseminar o terror/ pânico entre a população civil, com o

objetivo de intimidar, coagir ou influenciar a política de um determinado governo; (iii)

ser política ou ideologicamente motivados (CASSESE, 2008, pp. 162-165).

Em sentido semelhante, M. Cherif Bassiouni, afirma que o terrorismo “is a

strategy of violence designed to instill terror in a segment of society in order to achieve

a power-outcome, propagandize a cause, or inflict harm for vengeful political purpose”

(BASSIOUNI, 2002, p. 84).

Existem entre os dois conceitos propostos, diversas similitudes. No entanto,

nos parece que a definição apresentada por Antonio Cassese se revela mais completa,

uma vez que a expressão “política ou ideologicamente motivada” constitui uma noção

mais ampla e adequada para abarcar situações diversas, que vão além de “atingir um

objetivo de poder, divulgar uma causa ou levar a cabo uma vingança política”

(BASSIOUNI apud MACHADO, 2004, p. 588).

A definição elaborada por Antonio Cassese possui duas características

fundamentais a toda norma jurídica, mas que adquirem uma especial importância em

relação às normas penais incriminadoras: a generalidade e a abstração. Além disso, a

mesma traz em si a presença dos elementos constitutivos, objetivos e subjetivos,

necessários para a consagração do terrorismo enquanto crime autônomo internacional,

como salientaremos em momento oportuno. Por esta ordem de razões, adotamos tal

definição jurídica de terrorismo durante o curso deste trabalho.

Superada a problemática acerca da natureza jurídica do terrorismo,

passamos agora ao estudo de suas formas de manifestação.

1. 3 Modalidades de Terrorismo

A doutrina, de modo geral, distingue a existência de duas modalidades de

terrorismo, consoante a qualidade das pessoas que realizam sua execução. Tal distinção

parece ter relevância no que se trata de estabelecer o grau e a espécie da

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responsabilidade de um determinado Estado pela prática de um ou vários atos

terroristas, devendo, logicamente, tal responsabilidade ser determinadas em uma análise

caso-a-caso.

Desta forma, quando não exista qualquer vinculação direta entre a

organização terrorista e um determinado Estado, estamos diante de um terrorismo de

natureza não-governamental. Ocorre que, mesmo nestes casos, a organização pode vir a

receber, de variadas formas, algum auxílio estatal, seja através do fornecimento de

armas, apoio logístico ou financeiro, seja permitindo que estas organizações descansem

ou busquem refúgio em seu território (CASSESE, 2005, pp. 470-471).

Sob uma ótica tradicional, estas formas de auxílio e suporte indireto, podem

ser suficientes para estabelecer a responsabilidade civil do Estado que as presta, mas

não o são para justificar a utilização da força por parte do Estado que sofre tais

atentados em face do país que presta o auxílio. No entanto, como veremos adiante, a

repercussão dos atentados de 11 de Setembro de 2001 parecem ter tido grandes

implicações na compreensão da utilização da força em legítima defesa como resposta a

atentados terroristas.

Por outro lado, teremos a figura do terrorismo de Estado, quando os atos

terroristas forem perpetrados por atores estatais, através dos órgãos e agentes de um

determinado governo. Esta modalidade de terrorismo pode se verificar tanto em razão

de um vínculo jurídico, hipótese em que o agente atua de forma oficial, ou de fato,

quando o grupo terrorista, embora não integre os quadros de um determinado governo, é

por ele dirigido, organizado, financiado e controlado. Esta modalidade é menos comum,

embora existam registros sobre a mesma3.

É interessante notar que é sob a modalidade governamental que o terrorismo

internacional alcança os seus resultados mais nefastos. De fato, em regra, os atos de

terror perpetrados em nome de um Estado, revelam-se, geralmente, inseridos em uma

política ou orientação estatal de violações sistemáticas de prerrogativas morais básicas,

reconhecidas a todos os seres humanos pela ordem internacional (BASSIOUNI, 2002,

p. 84-85).

3 Veja, por exemplo, o caso Lockerbie, no qual agentes do serviço de inteligência do governo Líbio explodiram um avião americano na Escócia. Ou, ainda, o atentado bombista realizado em 1986 na discoteca La Belle, em Berlim, sobre o qual as autoridades Líbias assumiram a responsabilidade. (CASSESE, 2005, p. 468).

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No entanto, raros são os instrumentos jurídicos internacionais que proíbam

ou condenem esta modalidade de terrorismo. Na verdade, a este respeito, os Estados

parecem, em sua maioria, não admitir que os seus componentes possam praticar atos

desta natureza.

A este respeito é interessante atentar para a ressalva feita, por exemplo, pela

Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba, de 1997,

que exclui do seu âmbito de aplicação as atividades realizadas pelas forças militares de

um Estado no curso de um conflito armado. Neste mesmo sentido, recentemente, o

Departamento de Estado norte-americano, em 2003, definiu os atos de terrorismo como

suscetíveis somente de serem praticados por grupos armados não-governamentais, mas

nunca por agentes das forças convencionais de um Estado (WEISS, 2003, pp. 615)4.

2 Respostas da Comunidade Internacional ao Terrorismo

As respostas da Comunidade Internacional à ameaça terrorista reconduzem-

se a duas grandes vertentes. A primeira traduz-se na utilização de meios pacíficos,

enquanto a segunda está relacionada com a utilização da força e de meios coercivos.

De certa forma, as respostas pacíficas compreendem todos os meios

desenvolvidos no âmbito da cooperação intergovernamental e que estão direcionados à

prevenção e punição das práticas terroristas, sendo o seu principal expoente a

celebração de diversos tratados internacionais sobre esta matéria. Um outro exemplo de

resposta pacífica ao terrorismo pode ser apontado nas “medidas não envolvendo o uso

de forças armadas”, que o Conselho de Segurança pode determinar ao abrigo do artigo

41 da Carta das Nações Unidas, como, por exemplo, a “interrupção completa ou parcial

das relações econômicas, dos meios de comunicação [...] e o rompimento das relações

diplomáticas” (NAÇÕES UNIDAS, 1945).

As respostas coercivas, por sua vez, são todas aquelas que implicam a

utilização de forças armadas, por um ou mais Estados, atuando unilateralmente ou

agindo sob a égide do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

4 Para esta doutrina, a única explicação para a recepção, pelo Departamento de Defesa norte-americano,

de um conceito de terrorismo tão contraditório com as afirmações realizadas, na época, pelo então presidente norte-americano acerca da existência de um ‘eixo do mal’, formado por Estados que apoiavam organizações terroristas, lhes fornecendo, inclusive, armas de destruição massiva, é a finalidade, por parte dos EUA, de assegurar que nenhum de seus militares venham a ser, porventura, processados e julgados por tais práticas ante o Tribunal Penal Internacional.

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Em relação a estes dois grupos de respostas é importante recordarmos que o

artigo 2, números 3 e 4 da Carta das Nações Unidas, ao estabelecer que os membros

desta organização internacional estão obrigados à resolução pacífica das controvérsias

que, porventura, venham a ser suscitadas entre os mesmos, devendo evitar em suas

relações o uso da força, deixa clara a existência de uma hierarquia concernente às

respostas da comunidade internacional ao terrorismo, estabelecendo a precedência das

respostas pacíficas em relação às coercivas.

Uma outra distinção respeitante as formas de respostas ao terrorismo pode,

ainda, ser traçada consoante o âmbito geográfico em que as mesmas se desenvolvem.

Isto é, conforme a representatividade da organização internacional em cujo seio estas

respostas são adotadas. Assim, sob esta ótica, estas respostas podem apresentar uma

natureza universal, quando desenvolvidas no seio de uma organização desta natureza,

como, por exemplo, a ONU, ou um caráter regional, quando adotadas por organizações

internacionais representativas de Estados de uma determinada região do globo.

2.1 Respostas Pacíficas

Como afirmamos anteriormente, a principal forma de resposta pacífica ao

terrorismo internacional verifica-se por meio da celebração das diversas convenções

internacionais, visando o combate a esta prática criminosa. Busca-se, além da

prevenção, assegurar que tais práticas sejam, de alguma forma, reprimidas.

Entre os principais instrumentos internacionais sobre atos terroristas

específicos5, podemos citar:

1 – A Convenção para a supressão da tomada ilegal de aeronaves, assinada em Haia, em 16 de Dezembro de 1970;

2 – A Convenção para a Supressão de Atos Ilegais contra a Segurança da Aviação Civil, assinada em Montreal em 23 de Setembro de 1971.

3 – A Convenção sobre a prevenção e a punição de crimes contra pessoas internacionalmente protegidas, incluindo agentes diplomáticos. AG da ONU, 14 de Dezembro de 1973.

4 – Convenção internacional contra a tomada de reféns. AG da ONU, 17 de Dezembro de 1979.

5 – Convenção Internacional para a Repressão de Atentados Terroristas à Bomba (AG da ONU, 15 de Dezembro de 1997).

5 Estes tratados internacionais podem ser consultados, integralmente, em

<http://treaties.un.org/Pages/DB.aspx?path=DB/studies/page2_en.xml>.

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6 – Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo, AG da ONU, 09 de Dezembro de 1999.

7 – Convenção Internacional para a Supressão de Atos de Terrorismo Atômico/ Nuclear, Nova York, 13 de Abril de 2005.

Além destes tratados internacionais específicos, é importante ressaltar os

diversos tratados de direito humanitário que abordam de uma forma menos direta, mas

não menos importante, as práticas terroristas. Uma vez que este tipo de crime

internacional, em decorrência de sua própria definição, também pode ser praticado no

curso de um conflito armado, seja por membros das forças convencionais estatais, seja

por combatentes de milícias ou outros corpos de voluntários, é fundamental que o

mesmo seja fortemente coibido no curso destes eventos, que, naturalmente, parecem ser

propícios para a prática de arbitrariedades e violações de bens jurídicos fundamentais da

comunidade internacional. Desta forma, merece destaque a IV Convenção de Genebra,

de 1949, que, em seu artigo 33, nº 1, proíbe categoricamente as ações terroristas em

tempo de guerra (GENEBRA, 1949)6.

São relevantes ainda os diversos tratados bilaterais em matéria de extradição

e cooperação judiciária que, apesar de não estarem diretamente relacionados com o

terrorismo internacional, garantem a extradição de pessoas acusadas da prática de atos

de terrorismo em um determinado Estado e que tenham tentado se refugiar no território

de um outro Estado que seja parte nestes acordos (CASSESE, 2005, p. 466).

O objetivo principal de todos esses tratados é que os acusados de tais

práticas não se furtem à persecução judicial. Trata-se, na verdade, da afirmação por

estes tratados do princípio aut dedere aut prosequi, que impõe ao Estado em cujo

território se encontre um acusado de praticar atos de terrorismo, que ou o extradite ou,

no caso de negativa de tal pedido, exerça o seu ius puniendi a respeito do crime em

questão. Estes tratados afirmam ainda o princípio da Jurisdição Universal sobre práticas

terroristas: qualquer Estado signatário, que não deseje extraditar um acusado de

perpetrar atos de terror, poderá exercer jurisdição sobre o mesmo. Tal fato é resultado

6 O artigo 33, nº 1 da IV Convenção de Genebra, preceitua que “Nenhuma pessoa protegida pode ser

castigada por uma infracção que não tenha cometido pessoalmente. As penas colectivas, assim como todas as medidas de intimidação ou de terrorismo, são proibidas” (GENEBRA, 1949). Confira ainda, neste mesmo sentido, o artigo 51, nº 2 do 1º Protocolo Adicional e artigos 4, nº 2, ‘d’ e 13, nº 2 do 2º Protocolo Adicional.

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de uma compreensão da comunidade internacional, na qual o terrorista é reconhecido

como “hostis humanis generis7”.

Outra forma de resposta pacífica da comunidade internacional consiste nas

recomendações e decisões do Conselho de Segurança, adotadas a luz do artigo 41 da

Carta, relativas ao estabelecimento de sanções ou contramedidas sobre Estados que

apóiem organizações terroristas ou que, de forma direta ou indireta, venham a participar

na prática de atos desta natureza (CASSESE, 2005, p. 468).

A nível regional, de forma geral, as respostas pacíficas consistem em

diversas convenções internacionais, visando à extradição de supostos terroristas. Entre

estes instrumentos jurídicos, citamos:

1 - Convenção para Prevenir e Punir os Atos de Terrorismo Configurados

em Delitos contra as Pessoas e a Extorsão Conexa quando Tiverem Eles Transcendência

Internacional8.

2 – Convenção Européia para a Repressão do Terrorismo9.

3 - Convenção Árabe para a Repressão do Terrorismo10.

4 - Convenção da União Africana sobre a Prevenção e Combate ao

Terrorismo11.

5 - Convenção da Organização da Conferencia Islâmica sobre a luta contra o

terrorismo internacional - adotada em Ougadougo, Burkina Faso, em 1º de julho de

199912.

2.2 Respostas Coercivas

7 No entanto, estes tratados apresentam uma série de limitações: a falta de número suficiente de

ratificações pelos Estados; o não estabelecimento de sanções em razão do incumprimento de seus preceitos; e o fato de não especificarem que atos terroristas não podem se beneficiar da qualificação de crime político para fins de asilo (CASSESE, 2005, pp. 467-468).

8 Celebrada na cidade de Washington, em 02 de Fevereiro de 1971. Disponível, na versão em espanhol, em <http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/a-49.html>.

9 Adoptada na cidade de Estrasburgo, em 27 de Janeiro de 1977 pelo Conselho da Europa. Disponível em <http://www.gddc.pt/cooperacao/materia-penal/textos-mpenal/ce/lei19_1981.html>.

10 Adoptada na cidade do Cairo, em 22 de Abril de 1998, pela Liga dos Estados Árabes. Disponível em <http://www.al-bab.com/arab/docs/league/terrorism98.htm>.

11 Adoptada na cidade de Argel, em 14 de Julho de 1999. Disponível em <http://www.africa-union.org/root/au/Documents/Treaties/Text/Algiers_convention>.

12 Adoptada na cidade de Ougadougo, em 1 de Julho de 199. Disponível em <http://www.oic-un.org/26icfm/c.html>.

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As respostas coercivas ao terrorismo consistem na utilização da força por

um ou mais Estados, atuando unilateralmente ou sob a égide do Conselho de Segurança

das Nações Unidas13. Essas ações são geralmente realizadas no território de terceiros

Estados e, de forma menos comum, em áreas subtraídas à soberania estadual, como o

espaço aéreo internacional e o alto-mar.

O principal problema em responder a um ataque terrorista através do

emprego de meios militares reside no fato de a utilização da força ser, a princípio,

proibida pelo Direito Internacional. Segundo a Carta das Nações Unidas, os Estados

estão obrigados à resolução pacífica das controvérsias14 que eventualmente surjam entre

eles (NAÇÕES UNIDAS, 1945). Assim, o sistema contido no capítulo VII da Carta

funda-se na afirmação do monopólio da coação legítima na ordem internacional pela

ONU, atribuindo ao Conselho de Segurança a competência para tomar as decisões e

elaborar as recomendações que julgar necessárias para a manutenção da paz e da

segurança internacionais.

Mas é a própria Carta das Nações Unidas, em seu artigo 51, que prevê a

exceção a esta regra. Segundo este preceito, o recurso à força se justifica nas situações

em que esteja em causa o exercício do direito de legítima defesa individual ou coletiva,

diante da verificação de um ‘ataque armado’ realizado contra um membro da

comunidade internacional (NAÇÕES UNIDAS, 1945).

Como se extrai da própria norma objeto de análise, a atuação defensiva

estatal está condicionada, para que seja legítima, a observância de determinados

aspectos, devendo, então, ser provisória – pois, após os primeiros momentos, compete

ao Conselho de Segurança adotar medidas para garantir a paz – subsidiária – o que

implica a concepção da ação defensiva como o último recurso viável para assegurar a

integridade territorial do Estado e a de seus cidadãos15 – e estar sujeita ao princípio da

proporcionalidade em sentido amplo – o que importa uma relação entre a legitimidade

13 Confira o artigo 42 da Carta das Nações Unidas. 14 Ver artigo 2, 4 da Carta das Nações Unidas. 15 Muito embora o emprego da força para a protecção de nacionais no exterior, desde que observados

requisitos muito específicos (1 – a vida dos nacionais deve estar em risco; 2 – o emprego da força deve, quando possível, ser precedido de tentativas pacíficas para a colocação de nacionais em segurança; 3 – a utilização de forças militares deve se limitar a finalidade de salvar e resgatar seus cidadãos; 4 – a força empregada deve ser proporcional ao perigo ou a ameaça; 5 – Uma vez que os nacionais estiverem a salvo, o uso da força deve ser interrompido; 6 – o Conselho de Segurança deve ser imediatamente notificado) possa ser enquadrada dentro da noção de legítima defesa contida no artigo 51 da CNU, o tema não se revela isento de críticas (GRAY, 2004, pp. 126 -129)

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do meio empregado, a adequação do meio ao fim e a necessidade do meio em relação ao

fim (MACHADO, 2004, p. 572). Além disso, as ações realizadas em legítima defesa

devem ser imediatamente comunicadas ao Conselho de Segurança.

Mas a noção de legítima defesa contida no artigo 51 da Carta das Nações

Unidas, não é uma instituição isenta de controvérsias. Na verdade, desde o advento

desta organização internacional que os Estados se dividem acerca do alcance daquele

preceito e apesar de a maioria ter se posicionado, ao longo dos anos, a favor de uma

interpretação estrita daquela norma, posição contrária sempre foi defendida por países

com bastante influência na Comunidade Internacional. Países como os EUA, o Reino

Unido, Bélgica, Israel e a Rússia, defendem, ou defenderam em um determinado

momento, a necessidade de uma reinterpretação do artigo 51 da Carta, de forma a

permitir o direito de utilização da força antes que seus territórios ou forças armadas no

exterior sejam atacados.

Os defensores dessa noção ampla de defesa, afirmam existir situações

específicas em que a necessidade de realização de um ataque preventivo por parte de um

Estado, que se encontre sob uma ameaça iminente, séria e intensa e que traduza a

existência de elementos suficientes para crer que um ataque armado será realizado, é,

por si, justificação aceitável para o recurso à força. Nisto consiste a doutrina da legítima

defesa preventiva ou, do inglês, anticipatory self-defense (MACHADO, 2004, p. 573).

Como dissemos, esta noção de legítima defesa não é aceita por grande parte

da comunidade internacional. Na verdade, mesmo os seus defensores relutam à sua

invocação para justificar o emprego da força, preferindo adotar uma noção ampla de

ataque armado a invocar abertamente um direito de legítima defesa preventiva (GRAY,

2004, p. 130)16.

Mas o conflito inerente ao alcance do artigo 51 da Carta das Nações Unidas

também repercutiu no âmbito da utilização da força em resposta a atentados terroristas,

sendo que alguns Estados, como EUA, Israel17 e Reino Unido, invocaram seu direito de

16 Para esta doutrina, tal relutância de invocação da legítima defesa preventiva por parte de seus

defensores é, por si, uma indicação clara do quão duvidoso é este instituto para justificar a utilização da força à luz do Direito Internacional.

17 Israel utilizou tal doutrina para justificar o uso da força contra o Líbano, em 1968, e contra a Tunísia, em 1985. Os Estados Unidos, por sua vez, afirmaram estar actuando em legítima defesa quando realizaram acções de beligerância contra a Líbia, em 1986, Iraque, em 1993, e contra o Sudão e o Afeganistão em 1998. Em todos estes casos, os Estados que sofreram as ‘acções defensivas’ foram

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legítima defesa para justificar o uso da força em resposta a ataques terroristas

perpetrados contra seus nacionais no estrangeiro. E se durante toda a segunda metade do

século passado grande parte da comunidade internacional, apesar de demonstrar apoio,

solidariedade ou compreensão, fazia questão de demonstrar sua oposição a tal doutrina

(GRAY, 2004, p. 163) 18, esta realidade seria drasticamente alterada após os atentados à

cidade de Nova York, em 11 de Setembro de 2001, como teremos a oportunidade de

analisar adiante.

Outra questão respeitante à legalidade da utilização da força para responder

a atentados terroristas prende-se com a noção de ‘ataque armado’. Trata-se de saber,

principalmente, se uma organização terrorista pode praticar tais atos e em que medida

um Estado pode ser responsabilizado pela ação destas organizações.

Estas questões foram objeto de desenvolvimento jurisprudencial pelo

Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), no caso Nicarágua, de 1986, no qual este

tribunal teve a oportunidade de desenvolver o conceito de ‘ataque armado’ em moldes

muito consistentes e compatíveis com a prática internacional.

A primeira questão que o TIJ enfrentou foi a de saber se somente os

exércitos regulares de um Estado estavam aptos a realizar um ataque armado, ou se

outros agentes também eram capazes de praticar hostilidades desta natureza. Neste

sentido, utilizando a Definição de Agressão contida na resolução 3314 (XXIX), da

Assembléia Geral das Nações Unidas, de 14 de Dezembro de 1974, aquele egrégio

tribunal afirmou que:

“the sending by or on behalf of a state of armed bands,

groups, irregulars, or mercenaries which carry out acts of armed

force against another state of such gravity as to amount to an actual

armed attack conducted by regular forces, or its substantial

involvement therein19”. TRIBUNAL INTERNACIONAL DE

JUSTIÇA (1986).

acusados de conceder refúgio às organizações terroristas responsáveis pelos atentados (GRAY, 2004, p. 161).

18 Para grande parte da comunidade internacional, as ações mencionadas na nota anterior, realizadas por Israel e pelos EUA, pareciam ter uma natureza muito mais punitiva e repressiva do que propriamente defensiva. (GRAY, 2004, p. 163).

19 O negrito é nosso.

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Desta forma, este tribunal parece ter consolidado a noção de que atores não

estaduais podem realizar um ataque armado para fins de exercício do direito de legítima

defesa, por parte do Estado contra o qual o ataque é dirigido. E apesar do acórdão não

mencionar expressamente ‘organizações terroristas’ entre os grupos susceptíveis de

realizarem um ato de agressão, a extensão destas capacidades a tais organizações, por

analogia, nos parece perfeitamente válida.

Atualmente, parece existir acordo entre os membros da comunidade

internacional, no que respeita a idéia de que grupos não pertencentes à estrutura

organizacional de um Estado podem realizar um ataque armado. No entanto, o mesmo

não se pode dizer em relação acerca do grau de envolvimento necessário entre o grupo

rebelde que pratica o ato e um determinado Estado, de modo que este venha a sofrer as

ações defensivas.

Sobre este aspecto, ainda no caso Nicarágua, o Tribunal Internacional de

Justiça afirmou que a mera assistência através do fornecimento de armas, ou apoio

logístico a grupos rebeldes, muito embora pudesse ser uma violação ao princípio da

não-ingerência, não é suficiente para justificar o emprego da força contra um Estado que

preste este tipo de assistência (TRIBUNAL INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 1986)20.

Ainda na década de 90 a situação começaria a alterar-se. Em 31 de Março

de 1992, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, ao adotar a resolução 748

(1992), relativa à imposição de sanções contra a Líbia pelos atentados terroristas

Lockerbie e UTA 772, viria a se manifestar no sentido de que, se um Estado assiste ou

consente que grupos terroristas desenvolvam atividades em seu território, das quais

derivem a ameaça ou utilização de força contra um outro Estado, então o primeiro

encontra-se em violação do artigo 2, 4 da Carta das Nações Unidas, podendo ser

responsabilizado pelo ataque armado e estando sujeito à ações em legítima defesa

(CASSESE, 2005, p. 471).

Esta posição viria a ganhar força com os atentados perpetrados na cidade de

Nova York, em Setembro de 2001. Estes trágicos eventos tiveram por conseqüência

direta a condenação do terrorismo internacional, quase que de forma unânime, por todos

20 Em oposição a este entendimento, confira as Dissenting Opinions dos Juízes Schwebel (EUA) e Jennings (Reino Unido), para os quais, o mero fornecimento de armas ou apoio logístico é suficiente para responsabilizar o Estado que as fornece pelo ‘ataque armado’. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/index.php?p1=3&p2=3&k=66&case=70&code=nus&p3=4>. Acesso em: Abril de 2012.

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os membros da comunidade internacional, implicando, conseqüentemente, o

reconhecimento, aos EUA, do direito a responder aqueles atentados por meio do

emprego de força. Tal direito de legítima defesa veio a ser reconhecido no preâmbulo da

resolução 1368, adotada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 12 de

Setembro de 200121.

Desta forma, os atentados de 11 de Setembro vieram a repercutir de forma

revolucionária no instituto da legítima defesa, propondo uma verdadeira

reconceitualização da noção de ‘ataque armado’. A afirmação do ex-presidente norte-

americano de que não faria qualquer diferença entre terroristas e Estados que os

apoiassem, independentemente da forma que este suporte se manifestasse, parecia

demonstrar que o requisito de vinculação efetiva do grupo rebelde ou terrorista a um

Estado, contido na ‘Definição de Agressão’ de 1974, estava superado.

É interessante notar que este pode ser considerado um primeiro passo no

sentido da reformulação da noção de legítima defesa, e de uma nova proposta de

interpretação do artigo 51 da Carta das Nações Unidas.

Assim, nos anos imediatamente posteriores aos atentados de 11 de

Setembro, assistimos a emergência da chamada ‘Doutrina Bush’, que consiste,

justamente, em uma revalorização da legítima defesa preventiva, de modo que os

Estados possam “neutralizar ameaças extraordinárias, geradoras de uma situação

global de perigo, desde que real, mesmo que causada por atores não estaduais,

revestindo contornos ocultos, difusos e indeterminados, e empregando meios não

tradicionais, localizados à margem de uma interpretação meramente literal do art. 51

da Carta” (MURPHY apud MACHADO, 2004, p.574).

Trata-se de uma doutrina, denominada legítima defesa preemptiva, ou, do

inglês, preemptive self-defense, que, além de suprimir qualquer diferenciação entre as

noções de terrorismo de Estado e terrorismo independente, parece reconhecer a

legitimidade do recurso à força, independentemente da verificação de um ataque

armado, sendo suficiente que tais ações coercivas se destinem a prevenir ou evitar

21 Tal fato expressou a clara intenção dos membros do Conselho de Segurança em aceitar a legalidade de

uma eventual utilização da força pelos EUA em resposta aos atentados de 11 de Setembro (GRAY, 2004, p. 165).

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futuras e incertas ameaças22. Este raciocínio tem por base a realização de uma defesa

próactiva, reconhecendo a necessidade de os Estados combaterem, através do recurso à

força, a ameaça terrorista em suas origens, de modo a evitar futuros ataques a seus

territórios ou cidadãos23.

3 Estrutura e Organização do Tribunal Penal Internacional

3.1 Criação e Organização

O Tribunal Penal Internacional (TPI) foi criado em 1998, por uma

Convenção Diplomática realizada em Roma. Trata-se de uma instituição permanente,

dotada de personalidade jurídica internacional e de capacidade jurídica funcionalmente

adequada. Apesar de sua origem convencional, esta instituição apresenta-se, cada vez

mais, como uma “entidade dotada de efetividade jurídico-internacional erga

omnes”(MACHADO, 2004, p. 361). Sua jurisdição se impõe sobre as pessoas

responsáveis pelos crimes de maior gravidade, dotados de alcance internacional.

3.2 Objetivos do Tribunal Penal Internacional

Os principais objetivos do TPI estão relacionados com a preservação da paz

e da segurança no cenário internacional, e com o combate ao clima de “terror, tortura e

tirania” (ROMA, 1998) que, ao contrário das expectativas, continuam presentes na

ordem internacional. Este órgão jurisdicional internacional tem, ainda, um papel

importante na proteção dos valores fundamentais da comunidade internacional, através

da afirmação da justiça e do combate à cultura de impunidade dos crimes internacionais.

O TPI se propõe a oferecer respostas àqueles crimes especialmente graves,

verificados pela prática de inimagináveis atrocidades, visando, em última análise,

possibilitar a reconciliação e a paz entre os povos.

22 Neste sentido, é esclarecedor o trecho da carta enviada pelos EUA ao Conselho de Segurança das NU,

na seqüência dos atentados de 11 de Setembro, na qual este Estado afirma que: “There is much we do not know. Our inquiry is still in its early stages. We may find that our self-defense requires further actions with respect to other organizations and other States” (CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS, 2001).

23 Mas a Doutrina Bush parece ter mais adeptos nos meios acadêmicos do que na comunidade internacional. Se a operação ‘Enduring Freedom’, ao ter tido um apoio quase que universal, parece ter consolidado um direito de recurso à força contra Estados que, simplesmente, concedem refúgio a terroristas, a intervenção norte-americana no Iraque, em 2003, justificada em um suposto plano iraquiano de desenvolver e utilizar contra os EUA armas nucleares, parece ter deixado clara a intenção de grande parte da comunidade internacional em não aceitar a noção de legítima defesa preemptiva - preemptive self-defense - (GRAY, 2004, pp. 175-179).

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Para além desses objetivos gerais, ganha força na doutrina, a afirmação de

que este órgão possa constituir um importante instrumento de combate ao terrorismo

internacional (SCHEFFER apud MACHADO, 2004, p. 363), aspecto particularmente

interessante para este trabalho.

3.3 O Princípio da Subsidiariedade

O princípio da subsidiariedade impõe que a jurisdição do TPI seja

complementar a dos Estados. Isto implica que a atuação deste órgão jurisdicional

internacional somente se verificará naqueles casos em os tribunais de um determinado

Estado, assim não o façam, seja por falta de vontade, incapacidade de agir, ou colapso

das instituições judiciárias.

Estamos, assim, diante de uma situação em que não existe uma reserva de

jurisdição internacional em matéria de determinados crimes em favor do TPI, mas sim

uma premissa de jurisdição universal em matéria de crimes internacionais. Isto

significa que o TPI preocupa-se com a punição dos responsáveis por crimes

internacionais, mas entende que esta deva ser exercida, preferencialmente, pelos

Estados (MACHADO, 2004, p. 363).

Sobre este aspecto é importante atentarmos para o fato de que o princípio da

subsidiariedade não constitui a regra, no que respeita a jurisdição penal internacional24.

Desta forma, é importante notar que, ao contrário do que se possa pensar em

uma primeira leitura do estatuto do TPI, a complementaridade deste tribunal em face

das jurisdições nacionais é uma solução provisória e instrumental para a harmonização

do Direito Internacional Penal entre as ordens jurídicas (PALMA, 2003, p. 630) [...],

sendo apenas uma expressão do possível e não do desejável nem, necessariamente, uma

solução legitimadora inultrapassável” (PALMA, 2003, p. 630-631). Assim, o caráter

subsidiário da jurisdição do TPI se justifica muito mais por questões de ordem prática,

especialmente pela necessidade de respeitar ao máximo possível a soberania dos

24 Neste sentido, confira o artigo 8 do Estatuto do Tribunal Internacional Penal Ad Hoc para a antiga

Iugoslávia e o artigo 9 do Estatuto do Tribunal Internacional Penal Ad Hoc para Ruanda, que afirmam a primazia da jurisdição destes tribunais. No entanto, tal fato justifica-se como uma opção metodológica, isto é, em razão de elementos específicos que se verificam naquelas regiões, entendendo-se que uma jurisdição principal consistiria no meio mais idôneo para promover a pacificação e a reconciliação regional.

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Estados25, única forma de garantir a assinatura e ratificação do tratado constitutivo pelos

mesmos, do que por uma maior adequação dos órgãos jurisdicionais nacionais para

prevenir e punir violações contra bens fundamentais de toda a comunidade

internacional.

Os tribunais nacionais, ao contrário dos internacionais26, não foram

pensados ou direcionados para a pacificação dos conflitos que assolam a comunidade

internacional, ou de modo a dar uma resposta adequada a um tipo de macro-

criminalidade. Além disso, os órgãos jurisdicionais nacionais parecem estar mais

susceptíveis às pressões políticas do Estado a que pertencem, pondo em causa, assim,

sua neutralidade e imparcialidade (PALMA, 2003, p. 629).

Neste sentido, a complementaridade “não exprime a verdadeira juridicidade

do Direito Internacional Penal, que pressupõe uma des-nacionalização do Direito

Penal, uma extraterritorialidade e uma supremacia dos direitos fundamentais

relativamente à soberania dos Estados” (PALMA, 2003, p. 628) e se revela, não apenas

como uma cláusula de salvaguarda da primazia da aplicação das normas processuais e

materiais penais dos Estados signatários, mas, principalmente, como “uma

característica predominante da actual fase do Direito Internacional Penal” (PALMA,

2003, p. 628).

Apesar de o TPI poder funcionar, em última análise, como uma

superinstância internacional, podendo, em conformidade com seu estatuto, impor de

ofício sua jurisdição sobre a dos Estados, a crítica anteriormente mencionada permanece

válida, na medida em que somente em situações extraordinárias tal fato poderá ser

25 Antonio Cassese (2008, p. 343) aponta como uma eventual explicação para o carácter subsidiário da

jurisdição do TPI, mais duas razões: a incapacidade do TPI, em razão de seu número limitado de juízes e de recursos, para conhecer de todos os casos de sua competência; e a melhor posição dos tribunais nacionais, em alguns casos, para coletar provas ou capturar o acusado. Embora possamos concordar com esta última razão, não nos parece aceitável justificar a complementaridade do TPI em razão da escassez de recursos deste tribunal.

26 Muito embora a jurisdição penal internacional também venha sofrendo críticas no sentido de, individualmente considerada, ser incapaz de dar respostas às questões políticas, ideológicas, econômicas, religiosas, sociais e culturais susceptíveis de gerar violência no futuro (MACHADO, 2004, p. 380) . Neste mesmo sentido, Alfred Rubin (2002, p. 67) afirma que o TPI dificilmente irá alcançar o objetivo de trazer a paz e estabilidade para as regiões nas quais se tenha verificado a perpetração de crimes internacionais, uma vez que este órgão jurisdicional apresenta-se, inevitavelmente, como uma justiça dos vitoriosos. Assim, ao citar o exemplo de conflitos nos quais ambas as partes tenham adotados condutas típicas internacionais, este autor nos deixa a difícil pergunta: “What kind of peace and stability will result if only one is tried and convicted, or if both are tried and only one is found guilty?”.

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verificado. Além disso, entre a pura e nobre intenção de tais preceitos permissivos desta

avocação jurisdicional e a sua aplicação a situações concretas, da forma que seria

desejável à realização dos fins do Direito Internacional Penal, ainda se verifica uma

distância abissal.

4 O Papel do Tribunal Penal Internacional no Combate ao Terrorismo

Internacional

4.1 Crimes Internacionais

O conceito de crime internacional27 pode variar conforme a perspectiva

sobre a qual a análise do mesmo se realiza. De um modo geral, tal noção pode ser

compreendida tanto em sentido estrito, isto é, crimes internacionais propriamente ditos,

como em sentido amplo.

Sob uma análise restritiva, o conceito de ‘crimes internacionais’ está

relacionado à prática de determinadas condutas cuja reprovação internacional exista há

tempo suficiente para que tenha se consolidado como costume internacional. Isto é, em

sentido estrito, os crimes internacionais consistem em violações de normas

consuetudinárias, que podem, ou não, estarem codificadas em Tratados Internacionais,

orientadas à proteção de valores fundamentais28 de toda a comunidade internacional e

que, por isso, devem ser observadas por todos os Estados e indivíduos. A violação

destas normas acarreta a responsabilidade criminal do indivíduo perante toda a

comunidade internacional.

Nesta perspectiva, os crimes internacionais são condutas que atentam contra

valores comuns de toda a Comunidade Internacional e que se revelam através da

27 Para Antonio Cassese (2008, p. 11) os crimes internacionais apresentam quatro características: 1 – consistem na violação de normas internacionais de base consuetudinária; 2 – tais normas devem destinar-se a proteção de valores importantes à toda comunidade internacional; 3 – exista um interesse universal em reprimir tais crimes, permitindo, em princípio, que as pessoas acusadas de tais práticas sejam julgadas e punidas por qualquer Estado; 4 – Se a pessoa que pratica tais atos houver atuado na qualidade de agente estatal, seja tal qualidade de facto ou de jure, o Estado em nome do qual o agente atuou não pode invocar qualquer imunidade de jurisdição sobre o mesmo, exceto se tal agente gozar de imunidade pessoal.

28 Estes ‘valores fundamentais’ podem ser encontrados nos mais importantes instrumentos internacionais, muito embora é comum não se limitarem aos mesmos. Confira, por exemplo, a Carta das Nações Unidas de 1945; a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948; a Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950, a Convenção Americana de Direitos do Homem de 1969; e diversos outros. De forma indireta, isto é, não proclamando estes valores, mas proibindo as condutas que os violam, temos: a Convenção sobre Genocídio de 1949; a Convenção contra a Tortura de 1984; e os diversos tratados e convenções, já mencionados em ponto anterior deste trabalho, relativos à punição e repressão das diversas formas de terrorismo.

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perpetração de atos extremamente sérios e graves, originários de uma mega ou macro-

criminalidade29. Destas características decorrem, naturalmente, duas conseqüências: em

primeiro lugar, existe um interesse universal na repressão destes atos ilícitos, podendo

qualquer Estado exercer sua jurisdição sobre os mesmos, bastando, para isso, apenas

que o acusado se encontre em seu território30; por outro lado, em razão da especial

gravidade destes crimes, estes são imprescritíveis. É importante ressaltar que os crimes

internacionais em sentido estrito geralmente traduzem-se na execução de políticas

estatais, ou são praticados com a aquiescência dos Estados. Por último, vale ressaltar

que as imunidades funcionais não operam em relação às práticas desta modalidade de

crimes internacionais31.

Segundo esta lógica, seriam modalidades de crimes internacionais32 os

‘crimes de guerra’, os ‘crimes contra a humanidade’, o ‘genocídio’, ‘tortura’, ‘agressão’

e, em alguns determinados casos, o ‘terrorismo’.

Por outro lado, compreende-se por crimes internacionais em sentido amplo,

todos aqueles atos ilícitos que apresentem natureza transnacional, isto é, cuja prática

venha a repercutir em dois ou mais Estados. Tais condutas ilícitas podem consistir na

violação de normas de direito interno ou de preceitos contidos em tratados

internacionais, e em resoluções emitidas por organismos internacionais, mas, em

nenhuma hipótese, se revelam violadores de normas consuetudinárias.

Outra característica distintiva deste ramo da criminalidade internacional

reside no fato de que a pessoa que os pratica, tal como acontece em relação às condutas

tipificadas como crime pelos ordenamentos jurídicos internos, geralmente o faz em

interesse próprio, de modo a obter alguma vantagem ilícita, ou auferir um ganho

29 Tais condutas criminosas versam sobre “atrocidades inimagináveis, que nada tem que ver com os

crimes de delito comum” (MACHADO, 2004, pp. 365-366). 30Desta forma, a princípio, os acusados pela prática de tais crimes poderiam ser objeto da persecução

penal de qualquer Estado, independentemente da existência de um foro de competência judicial internacional com base em critérios de nacionalidade ou territorialidade (CASSESE, 2008, p. 11 e 12).

31 No entanto, as imunidades pessoais inerentes aos chefes de Estado, chefes de Governo e diplomatas mantêm-se operativas (CASSESE, 2005, pp. 115 e 436).

32 O crime de ‘apartheid’ e a ‘pirataria’ não são considerados crimes internacionais em sentido estrito. Isto ocorre, em relação ao primeiro, pelo fato da proibição de tal conduta ainda não ter-se tornado costume internacional, embora o mesmo possa constituir uma subcategoria de crimes contra a humanidade. No que se refere a pirataria, muito embora esta prática já perdure há alguns séculos e exista um interesse universal em reprimi-la, a mesma não pode ser classificada como crime internacional em sentido estrito, uma vez que não atenta contra valores fundamentais da comunidade internacional, mas constitui uma ameaça a interesses comuns de diversos Estados (CASSESE, 2008, pp. 12-13).

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patrimonial indevido. Mesmo que tais crimes, porventura, venham a ser praticados por

agentes estatais ou por indivíduos que atuem em condição oficial, estes visam, em

última análise, o auferimento de vantagens ou lucros pela pessoa que os pratica, e não a

realização de uma política estatal mais ampla.

São exemplos de crimes internacionais em sentido amplo o tráfico

internacional de drogas, o contrabando de armas convencionais, nucleares e de outros

materiais especialmente perigosos, a lavagem de dinheiro, o comércio de escravos e o

tráfico internacional de pessoas.

Nos limitaremos nas próximas linhas ao estudo dos crimes internacionais

em sentido estrito, exclusivamente em relação aqueles sobre os quais o Tribunal Penal

Internacional possui jurisdição na forma do artigo 5º do Estatuto de Roma. No entanto,

a esta regra exceptuamos o crime de ‘terrorismo’, uma vez que, por ser uma peça

fundamental para o nosso trabalho e por apresentar características híbridas de ambas

formas de criminalidade, terá uma abordagem autônoma.

4.1.1 Crimes de Guerra

De um modo geral, crimes de guerra podem ser definidos como graves

violações do jus in bellum33.

O estatuto do Tribunal de Nuremberg de 1946, além de estabelecer a

competência deste tribunal para processar e julgar os crimes de guerra praticados no

curso da 2ª Guerra Mundial, definiu este tipo penal como toda e qualquer violação do

comportamento que os membros das forças armadas dos Estados beligerantes deveriam

observar no curso de um conflito armado internacional (MACHADO, 2004, p. 353).

Tal noção apresentava um grave defeito: impunha que os crimes de guerra

somente pudessem ser classificados como tal quando houvessem sido praticados no

curso de um conflito armado internacional, não abrangendo os atos de barbárie

praticados em guerras civis ou conflitos armados internos.

33 CASSESE, 2005, p. 437. O Jus in bellum, Direito da Guerra, ou ainda Direito Humanitário

Internacional consiste em um corpo jurídico cujo objetivo é a regulação do comportamento das partes beligerantes e a proteção dos indivíduos que não estejam diretamente envolvidos em um conflito armado. Tal corpo jurídico, cuja origem é consuetudinária, está, em sua maior parte, codificado nas Convenções de Haia, de 1899 e 1907, e nas quatro Convenções de Genebra de 1949 e seus dois Protocolos Adicionais de 1977.

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No entanto, esta situação viria a ser alterada com o acórdão proferido pela

Câmara de Apelação do Tribunal Internacional Penal para a antiga Jugoslávia (TIPJ), no

caso Tadíc, em 1995. Nesta importante decisão, este tribunal, reconhecendo a alteração

paradigmática que vêm sofrendo o Direito Internacional e que se verifica desde meados

do século passado até os nossos dias, afirmou, em seu considerando 97, que graves

violações às normas de direito humanitário internacional, perpetradas no seio de um

conflito armado interno, podem vir a ser classificadas como crimes de guerra, desde que

a conduta por meio da qual a violação em causa se verifica, implique a responsabilidade

criminal do agente que a adota (TRIBUNAL INTERNACIONAL PENAL PARA A

ANTIGA JUGOSLÁVIA, 1995). Uma evidência clara de que esta nova tendência foi

claramente acolhida pela comunidade internacional é o teor do artigo 8º, nº 2, ‘c’ a ‘f’

do Estatuto do TPI (CASSESE, 2008, p. 81).

Mas esta jurisprudência viria a ter, ainda, profundas implicações na própria

noção de crime de guerra. Este tribunal, embora estivesse fazendo uma referência ao

artigo 3 do seu Estatuto, estabeleceu, em seu considerando 94, uma definição

geralmente aplicável para os crimes de guerra, segundo a qual, estes se manifestam

através de (i) uma séria e grave violação de uma norma que proteja valores

extremamente importantes para a Comunidade Internacional, e gere prejuízos graves à

sua vítima; (ii) que o preceito violado seja, ou uma norma consuetudinária, ou contida

em um tratado internacional aplicável; (iii) que a violação da norma em questão seja

suficiente para implicar a responsabilidade criminal do indivíduo que atenta contra a

mesma (TRIBUNAL PENAL…, 1995)34.

34 Assim, Antonio Cassese (2008) ensina que nem toda violação de Direito Humanitário Internacional é

um crime de guerra. Para saber se a norma violada acarreta a responsabilidade criminal individual é necessária a verificação de alguma dessas hipóteses: 1 –a violação em questão pode ter sido anteriormente considerada um crime de guerra pela jurisprudência de diversos tribunais nacionais e internacionais. Neste caso, a existência maciça de casos judiciais anteriores, é suficiente para demonstrar que a violação acarreta responsabilidade criminal do indivíduo; 2 – quando a acção em causa for tipificada como crime de guerra pelo Estatuto de um tribunal internacional (ou, como sustentado nos considerandos 135-136 do caso Tadic´, por uma norma de direito interno que imponha a responsabilidade criminal internacional pela adoção da conduta), tal como o do TIPJ, do TIPR, ou do TPI, não haverá qualquer dúvida acerca da responsabilidade criminal individual cabível; 3 – quando não existir jurisprudência ou normas internacionais (ou nacionais) que imponham a responsabilidade criminal de um indivíduo pela grave violação de uma norma de Direito Humanitário, como, por exemplo, a utilização de armas que causem sofrimento desnecessário ao inimigo, é possível buscar tal responsabilidade através da análise de códigos militares, jurisprudências análogas, princípios gerais do direito internacional penal e da legislação e prática jurídica do Estado cujo acusado seja nacional..

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O artigo 8º do Estatuto do TPI elenca em seus incisos, de forma bastante

específica, diversas condutas violadoras de normas de direito humanitário internacional.

No entanto, é importante mencionar que o rol do artigo 8º não é exaustivo, isto é, não

codifica todas as subespécies de crime de guerra, mas apenas exemplifica as diversas

formas que estes crimes podem assumir.

É por este motivo que, para identificarmos os elementos objectivos dos

crimes de guerra, devemos levar em consideração o conteúdo da norma substantiva

supostamente violada, em uma análise caso-a-caso.

Assim, por exemplo, no que concerne especificamente aos crimes de guerra

praticados contra pessoas que não participem nos atos de beligerância, é indispensável

que a conduta criminosa seja dirigida contra civis ou pessoas que já não participem nos

esforços de guerra, como, por exemplo, combatentes feridos e prisioneiros de guerra

(CASSESE, 2008, pp. 88-89).

Além disso, merecem uma menção especial as chamadas ‘infracções graves’

praticadas contra pessoas e bens protegidos pelas Convenções de Genebra35, que

parecem apresentar um elemento objetivo específico: devem ter sido praticadas no curso

de um conflito armado internacional ou, pelo menos, estarem a ele relacionadas36.

Em relação aos elementos subjetivos dos crimes de guerra, de modo geral,

estes são especificados nas normas internacionais incriminadoras. Assim, a título

exemplificativo, o artigo 130 da Terceira Convenção de Genebra, ao tratar das

‘infracções graves’ de direito humanitário, utiliza a expressão ‘willfull killing37’, não

deixando dúvidas que a pessoa que pratica tais condutas deva atuar com dolo direto ou,

pelo menos, dolo eventual.

Quando as normas incriminadoras não especificarem os elementos

subjetivos, é possível afirmar que as mesmas requerem dolo direto ou, conforme

35 Tais ‘infracções graves’ consistem no homicídio doloso, tortura e outros tratamentos desumanos contra

pessoas ou bens protegidos. Confira o art. 50 da I Convenção de Genebra, o art 51 da II Convenção de Genebra, o art. 130 da III Convenção de Genebra, o art. 147 da IV Convenção de Genebra e o art. 85 do Primeiro Protocolo Adicional as Convenções de Genebra.

36 Muito embora a Câmara de Apelação do TIPJ tenha defendido em Tadic que uma norma costumeira estava in statu nascendi, segundo a qual as ‘infrações graves’ contidas nos diversos preceitos das Convenções de Genebra e seus Protocolos Adicionais, também se aplicariam aos conflitos armados internos (TRIBUNAL INTERNACIONAL PENAL PARA A ANTIGA JUGOSLÁVIA, 1995).

37 Preferimos manter a expressão original ‘willfull killing’ do que substituí-la por “homicídio voluntário” constante da versão em português da 3ª Convenção de Genebra.

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circunstâncias específicas, dolo eventual. Em determinadas categorias de crimes de

guerra, bastará a culpa grave, compreendida como o conhecimento do risco por parte do

agente que, apesar de adoptar uma determinada conduta, está convencido de que a

violação da norma humanitária não irá se verificar (CASSESE, 2005, pp. 93-94). Este

elemento subjetivo é comum naqueles casos em que esteja em causa a responsabilidade

dos comandantes pelos atos de seus subordinados.

4.1.2 Crimes Contra a Humanidade

A expressão “crimes contra a humanidade” foi cunhada em 1915, na

declaração conjunta dos governos francês, inglês e russo, condenando o ‘massacre dos

armênios’ realizado pelos jovens turcos já no fim do Império Otomano (CASSESE,

2008, pp. 101). No entanto, apesar da forte reprovação de tais atos por parte das

potências vitoriosas da 1ª Guerra Mundial, os responsáveis, por uma série de questões

práticas, nunca chegaram a ser julgados por nenhum órgão jurisdicional internacional.

Os crimes contra a humanidade somente viriam a estar sob a competência

de um tribunal internacional 30 anos depois, após o final da 2ª Guerra Mundial. Durante

este conflito armado internacional, os Aliados se surpreenderam com fato de que os

piores atos perpetrados pelos nazistas não eram proibidos por nenhum instrumento

jurídico de caráter universal38. Assim, o Estatuto do Tribunal Militar Internacional

(TMI), estabelecido pelo Acordo de Londres, de 1945, em seu artigo 6, ‘c’, atribuía a

este órgão jurisdicional competência para processar e julgar as pessoas acusadas de

terem praticado ‘crimes contra a humanidade’, definidos como:

“murder, extermination, enslavement, deportation, and other inhumane acts committed against any civilian population, before or during the war; or persecutions on political, racial or religious grounds in execution of or in connection with any crime within the jurisdiction of the Tribunal, whether or not in violation of the domestic law of the country where perpetrated39” (NUREMBERG, 1945).

A única crítica que se pode fazer a esta definição, que estabelecia com

bastante precisão os principais elementos desta modalidade de crimes internacionais,

38 O corpo jurídico humanitário existente à época somente previa violações relativas a combatentes ou

populações civis inimigas e não criminalizava ou afirmava ser uma violação do direito internacional, os atos desumanos praticados por um Estado contra seus próprios nacionais.

39 O grifo é nosso.

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situa-se na relação de dependência que estabelece entre os crimes contra a humanidade

e os demais tipos penais previstos no Estatuto do TMI. Isto tinha como implicação

prática a impossibilidade deste tribunal conhecer dos crimes contra a humanidade que

houvessem sido praticados de maneira autônoma, isto é, que não estivessem conexos

com os ‘crimes de guerra’ ou com os ‘crimes contra a paz’ (CASSESE, 2005, p. 440).

Em outras palavras, o Tribunal Militar Internacional somente pôde julgar os crimes

contra a humanidade que, na prática, afetassem diretamente o interesse de outros

Estados (SCHWELB apud CASSESE, 2008, p. 104). Desta maneira, todos os crimes

perpetrados pelos nazistas contra o povo alemão, ou contra outros povos no interior do

Estado alemão, durante a 2ª Guerra Mundial não puderam ser conhecidos pelo Tribunal

de Nuremberg.

De qualquer forma, a criação de uma nova categoria de crimes

internacionais pelo artigo 6, ‘c’ do Estatuto do TMI, representou uma grande evolução.

Por um lado, este preceito ampliou o catálogo das atividades criminosas consideradas

lesivas aos interesses de toda Comunidade Internacional, repudiando as mesmas

enquanto violações a valores básicos inerentes e comuns a todos os seres humanos.

Por outro, o Estatuto do TMI teve o mérito de afirmar expressamente que os

crimes contra a humanidade seriam passíveis de punição, mesmo quando perpetrados

em conformidade com as leis internas de um determinado Estado. Tal dispositivo teve

grandes repercussões, na medida em que permitiu, pela primeira vez, a abertura de um

espaço para a limitação, em determinados casos, da soberania estadual e para a

consagração do indivíduo como sujeito por excelência do direito internacional

(CASSESE, 2008, p. 104).

Em 11 de Dezembro de 1946 a Assembléia Geral da ONU adotou, por

unanimidade, a resolução 95-1, intitulada “Confirmação dos princípios do direito

internacional reconhecidos pelo Estatuto do Tribunal de Nuremberg40”. Esta resolução

40 Princípios de Nuremberg: I – Qualquer pessoa que cometa um crime sob o direito internacional é

responsável por ele e passível de punição; II – o fato de o direito interno não impor uma pena sobre um ato que constitua crime sob o direito internacional não exime a pessoa que cometeu o ato de responsabilidade sob o direito internacional; III – o fato de a pessoa que cometeu o ato ter agido como Chefe de Estado ou de Governo não o exime da responsabilidade sob o direito internacional; IV – o fato de a pessoa ter agido em prossecução de uma ordem do seu governo ou de um superior não o exime de responsabilidade sob o direito internacional, desde que o mesmo tivesse de fato a possibilidade de escolha moral; V – Qualquer pessoa acusada de um crime sob o direito internacional tem direito a um julgamento justo em questões de fato e de direito; VI – os crimes mencionados são

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representa o início do processo de consagração dos crimes contra a humanidade

enquanto violação de normas de direito consuetudinário internacional, encontrando-se

eles, atualmente, tipificados na generalidade dos Estatutos dos tribunais internacionais

criminais.

Segundo Antonio Cassese (2005), os crimes contra a humanidade parecem

abranger, atualmente, condutas que partilham diversas características em comum:

1. Em primeiro lugar, os crimes contra a humanidade consistem em graves ataques à dignidade da pessoa humana ou uma igualmente grave humilhação ou degradação de uma ou mais pessoas.

2. Esta modalidade criminosa não se revela em eventos isolados ou esporádicos, mas antes, como parte de uma política governamental ou de práticas generalizadas e sistemáticas toleradas ou aceitas por um governo ou autoridade de facto. Assassinato, extermínio, tortura, violações, perseguição política, racial ou religiosa e outros atos desumanos somente atingem a qualidade de crimes contra a humanidade quando inseridos em uma prática comum e sistemática. Tais atos isolados podem constituir graves violações dos direitos humanos ou, em determinadas circunstâncias, crimes de guerra, mas, se não integram uma política governamental ou práticas sistemáticas e generalizadas, não podem ser classificados como crimes contra a humanidade. Por outro lado, um indivíduo pode ser responsabilizado pela prática de crimes de contra humanidade ainda que tenha praticado um desses atos por uma ou duas vezes, desde que sua conduta esteja relacionada com a de outras pessoas, integrando, assim, um plano ou política comum destes com aquele.

3. Crimes contra a humanidade devem se punidos independentemente de serem praticados em tempo de paz ou guerra. Atualmente, ao contrário do que ocorria em 1945, esta classe de crimes não requer a existência de qualquer conexão com a existência de um conflito armado. Este elemento foi substituído, em nossos dias, pela necessidade que o ato ilícito se verifique como parte de uma prática geral ou sistemática de violência contra uma determinada população.

Por outro lado, em relação aos elementos subjetivos das diversas categorias

de crimes contra a humanidade, é importante salientar que não se limitam à intenção de

querer praticar determinados atos ilícitos e de alcançar seus resultados. Além do dolo

direto ou do dolo eventual respectivo a cada subcategoria criminosa, é de fundamental

importância que o agente tenha conhecimento de que seus atos estão inseridos em um

contexto superior, em outras palavras, trata-se da consciência de que a conduta adotada

puníveis sob o direito internacional: crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade; VII – a cumplicidade com alguns dos crimes elencados no princípio anterior é um crime autônomo a luz do direito internacional (MACHADO, 2004, p. 355).

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faz parte de uma política sistemática ou generalizada de abusos, realizados em larga

escala41.

4.1.3 Genocídio

Genocídio é a destruição ou o extermínio de um grupo, ou o homicídio

intencional de membros de um determinado grupo étnico, rácico, nacional ou religioso.

Esta modalidade criminosa foi primeiramente concebida como uma

subcategoria de crimes contra a humanidade, não sendo explicitamente citada no artigo

6, ‘c’ do Estatuto do Tribunal Militar Internacional. No entanto, ao se referir ao

extermínio de judeus e de outros grupos étnicos, este órgão jurisdicional costumava

denominá-los como ‘perseguição’42.

O genocídio somente seria abordado como modalidade criminosa autônoma

em 1948, com a adoção, pela Assembléia Geral da ONU, da Convenção sobre

Genocídio43. Esta convenção teve o mérito de, entre outras coisas, estabelecer um

conceito geralmente aceitável de genocídio, determinar a punição de outros atos

conectados com tal prática, como, por exemplo, a cumplicidade, e reafirmar a

responsabilidade criminal individual e a responsabilidade internacional do Estado, cujas

autoridades participaram ou consentiram com a realização do genocídio44.

O genocídio distingue-se dos crimes contra a humanidade justamente por

não exigir que se trate de uma prática generalizada ou sistemática.

Os elementos objetivos desta modalidade de crime internacional estão

expressos no artigo IV da Convenção sobre o Genocídio. São eles:

41 Quando esta modalidade criminosa assume a forma de perseguição é necessário ainda um dolus

especialis: a intenção de perseguir ou descriminar (CASSESE, 2008, pp. 114-116). 42 Como tivemos a oportunidade de verificar no tópico adequado, o crime de perseguição era, a luz do

artigo 6, ‘c’ do Estatuto do Tribunal de Nuremberg, uma subcategoria de ‘crimes contra a humanidade’.

43 Algumas das mais importantes disposições desta convenção sobre genocídio consolidaram-se, gradualmente, como direito consuetudinário. Ademais, tais normas são consideradas jus cogens e vinculam mesmo os Estados não signatários da mencionada Convenção.

44 Trata-se, assim, de uma convenção internacional que estabelece um duplo regime de responsabilidade: a responsabilidade criminal pelo indivíduo que adota a conduta ilícita; e a responsabilidade internacional do Estado que praticou ou foi conivente com a prática de genocídio (CASSESE, 2008, p. 129). Por outro lado, esta convenção pode ser criticada por não englobar na definição de genocídio o extermínio de um grupo político, nem o chamado genocídio cultural (destruição do idioma ou da cultura de um determinado povo). Além disso, a mesma não contempla mecanismos que visem assegurar o cumprimento de suas normas pelos Estados.

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1 – assassinar membros de um grupo étnico, rácico ou religioso;

2 – causar ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;

3 – sujeitar intencionalmente o grupo a condições de vida pensadas para provocar a sua destruição física total ou parcial;

4 – impor medidas destinadas a impedir nascimentos no seio de um grupo;

5 – transferir à força crianças do grupo para outro.

Seus elementos subjetivos são fornecidos pelo artigo II, §1º da Convenção

sobre Genocídio. Constam entre os mesmos a “intenção de destruir, no todo ou em

parte, um grupo étnico, rácico, nacional ou religioso”. Ou seja, é necessária a intenção

de perpetrar tais atos e, ainda, um dolo especial de destruir um determinado grupo.

4.1.4 Agressão

A ‘agressão’ foi prevista como crime internacional, pela primeira vez, no

Acordo de Londres de 1945, que estabeleceu o Tribunal Militar Internacional, e que, em

seu artigo 6, ‘a’, preceituava:

“The following acts, or any of them, are crimes coming within the jurisdiction of the Tribunal for which there shall be individual responsibility: (a) Crimes Against Peace: namely planning, preparation, initiation or waging of a war of aggression, or a war in violation of international treaties, agreements or assurances, or participation in a Common Plan or Conspiracy for the accomplishment of any of the foregoing” (NUREMBERG, 1945).

Em sua origem, o crime de agressão era compreendido como uma

subcategoria de crimes contra a paz45.

A principal questão relativa ao crime de agressão está relacionada ao fato de

que as potências vencedoras da 2ª Guerra Mundial preferiram não estabelecer uma

definição exata deste tipo penal, preferindo manter alguma discricionariedade no que

toca a aplicação deste instituto por cada uma delas e, especialmente, de forma coletiva,

pelo Conselho de Segurança. Desta forma, o crime de agressão permaneceu em aberto,

tanto enquanto ato estatal contrário ao artigo 2, 4 da Carta das Nações Unidas, passível

45 Os Aliados afirmavam que esta categoria de crimes já havia sido estabelecida antes de 1945 e, por isso,

não colidiam com o princípio do nullum crimen sine lege (CASSESE, 2005, p. 447).

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de acarretar a responsabilidade internacional do mesmo, como crime internacional

imputável a algum indivíduo (CASSESE, 2005, p. 447).

Em 14 de dezembro de 1974, em uma tentativa para proceder à definição

dos crimes de agressão, a Assembléia Geral da ONU adotou a resolução 3314 (XXIX),

não tendo alcançado, no entanto, sucesso. Este objetivo não pôde ser logrado em razão

dos inúmeros defeitos contidos nesta resolução, uma vez que (i) nada desenvolveu

acerca da responsabilidade estatal e nem da responsabilidade criminal individual46 pela

prática de tais atos; (ii) deixou, em seu art. 4º, um amplo grau de discricionariedade para

o Conselho de Segurança, por conceder a este órgão liberdade para caracterizar os atos

que entendesse como ‘agressão’47.

Atualmente, o artigo 5º, nº ‘2’, do Estatuto do TPI, ao tratar da competência

deste tribunal para conhecer do crime de agressão, estabelece que este exercerá sua

jurisdição sobre o crime em questão, assim que o mesmo for definido, o que até a

presente data não foi concretizado.

Em razão de todos estes fatores, não é de surpreender que, desde 1948,

nunca houve um único julgamento, nacional ou internacional, por crimes de agressão,

apesar de o Conselho de Segurança das Nações Unidas, em diversas resoluções, ter

afirmado que determinados Estados haviam praticado tais atos48.

Como tivemos a oportunidade de observar anteriormente, em matéria de

‘agressão’ enquanto crime internacional, os membros da Comunidade Internacional

preferem manter uma certa margem de liberdade. De qualquer maneira, algumas formas

mais tradicionais de agressão49 são proibidas pelo direito internacional e podem ser

utilizadas para fornecer, pelo menos em linhas gerais, os elementos constitutivos deste

crime.

46 Em termos extremamente amplos, o artigo 5.2 da resolução 3314 (XXIX) afirmava apenas “que a

agressão era um crime contra o direito internacional e que a sua prática acarretava ‘responsabilidade internacional’” (ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1974).

47 No entanto, como pudemos verificar em momento oportuno, esta resolução foi utilizada como fundamento, pelo Tribunal Internacional de Justiça, no caso Nicarágua, para estabelecer uma noção de ‘ataque armado’.

48 Confira, por exemplo, a resolução 573 de 4 de Outubro de 1985 e a resolução 577 de 6 de Dezembro de 1985, do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

49 Estas traduzem-se, basicamente, na noção apresentada pela resolução da Assembléia Geral, de 1974, e no desenvolvimento jurisprudencial realizado pelo TIJ no caso Nicarágua, considerando 195 (CASSESE, 2005, p. 448).

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Assim, entre os elementos objetivos, incluem-se o planejamento, a

preparação, a organização e a participação na primeira utilização de forças armadas, por

agentes de um Estado, ou membros de organizações terroristas, contra a integridade

territorial de um outro Estado, em violação da Carta das Nações Unidas, desde que tais

atos de agressão se revelem graves e sejam praticados em larga escala.

Quanto aos elementos subjetivos, este crime requer intenção criminosa, isto

é, dolo. Deve-se demonstrar que o acusado teve a intenção de participar na agressão e

tinha conhecimento do significado, escopo e conseqüências de seus atos.

4.1.5 Terrorismo

Ao abordarmos a questão da compreensão da noção de crimes

internacionais, em sentido amplo ou estrito, mencionamos que o terrorismo pode se

manifestar sob qualquer uma das duas. Assim, o terrorismo transnacional de menor

gravidade, praticado por organizações não-governamentais, ou, pelo menos, não

apoiado por nenhum Estado, de forma esporádica e em tempos de paz, reconduz-se a

noção de crime internacional em sentido amplo.

Por outro lado, os atos de terror praticados em larga escala por uma

organização que tenha o apoio de um governo ou que atue enquanto órgão estatal, de

jure ou de facto, gerando graves conseqüências a um número considerável de vítimas,

devem recair sob a classificação de crimes internacionais em sentido estrito. Esta

compreensão estrita do crime internacional de terrorismo é a que releva para o nosso

trabalho.

Atualmente, a comunidade internacional parece ter chegado a um acordo

acerca da noção de terrorismo, compreendido enquanto crime internacional autônomo,

susceptível de ser praticado em tempos de paz (CASSESE, 2008, pp. 162-165)50.

Segundo esta noção, o terrorismo consiste na prática de atos (i) tipificados como crimes

em todos os ordenamentos jurídicos nacionais; (ii) tais práticas devem ter por finalidade

mediata a disseminação do pânico entre a população civil e o objetivo último de

50 Para esta doutrina, a noção de terrorismo enquanto crime autônomo internacional passível de ser praticado em tempo de paz, consolidou-se como norma consuetudinária internacional. Assim, indica como elemento fático uma série de instrumentos jurídicos internacionais, adotados, por exemplo, pela Liga Árabe, pela Organização da União Africana, diversas resoluções, já mencionadas ao longo deste trabalho, da Assembleia Geral das Nações Unidas, entre outros, e que contém uma definição semelhante a ora apresentada.

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intimidar, coagir ou influenciar a política de um determinado governo; por último, (iii)

devem ser política ou ideologicamente motivados, isto é, não devem buscar satisfação

de interesses privados.

Assim, podemos extrair desta noção geral os principais elementos

constitutivos do crime de terrorismo.

Em relação aos elementos objetivos deste tipo penal, podemos inferir que os

atos de terrorismo, por consistirem na realização de ações tipificadas como crimes51 por

todos os ordenamentos jurídicos nacionais, consistem em condutas como homicídio,

assassinatos em larga escala, lesões corporais graves, seqüestro de pessoas ou

aeronaves, entre outras.

Além de constituir um crime a luz dos ordenamentos jurídicos nacionais, a

conduta deve apresentar uma natureza transnacional, isto é, não deve se limitar ao

território de um único Estado, devendo apresentar algum elemento internacional.

No que toca as vítimas desta modalidade criminosa, podem ser elas

indivíduos específicos, a população civil amplamente considerada ou agentes estatais.

Os elementos subjetivos do crime de terrorismo se revelam complexos. De

qualquer forma, esta modalidade criminosa exige a intenção, isto é o dolo direto ou,

pelo menos, o dolo eventual, de praticar os atos, ou adotar condutas, tipificados como

crimes pelos diversos ordenamentos jurídicos internos.

Para além destes elementos subjetivos específicos de cada uma das variadas

práticas ilícitas, por meio das quais o terrorismo internacional possa se verificar, é

fundamental que o agente atue com a intenção, ou com o dolo especial, de disseminar o

terror ou o pânico no segmento de uma sociedade, visando, em última análise,

constranger um Estado ou uma organização internacional a realizar, ou se abster de

praticar, determinado ato. Finalmente, o terrorismo, enquanto exemplo de criminalidade

coletiva (CASSESE, 2008, p. 167), deve ter uma motivação política, ideológica, ou

religiosa, não sendo nunca motivado por interesses pessoais.

4.2 Foros de competência do Tribunal Penal Internacional

51 No entanto, em casos raros, a conduta adoptada poderá ser lícita per se, como acontece, por exemplo,

em relação ao financiamento a uma organização terrorista (CASSESE, 2008, p. 166).

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O TPI possui competência ratione materia para processar e julgar os crimes

mais graves com alcance internacional, como o genocídio, crimes contra a humanidade,

crimes de guerra e crime de agressão (ROMA, 1998)

A jurisdição deste órgão é limitada ratione temporis, aplicando-se o

princípio da não retroactividade das suas normas, tanto a fatos anteriores a sua entrada

em vigor, como em relação a cada Estado parte. Existe ainda uma limitação ratione

personae à jurisdição do TPI, isto é, este tribunal somente poderá exercer sua jurisdição

se o Estado em cujo território, aeronave ou embarcação, foram cometidos tais crimes

(territorialidade), - ou o Estado de nacionalidade do argüido (nacionalidade) - for parte

no Estatuto (MACHADO, 2004, pp. 370-371).

4.3 Adequação do crime de terrorismo aos foros de competência do Tribunal Penal

Internacional

O terrorismo, enquanto crime internacional autônomo, não é contemplado

em nenhum foro de competência judicial do Estatuto do TPI. No entanto, esta

modalidade de crime internacional poderá vir a ser incluída no âmbito da jurisdição do

TPI se algum Estado Parte no Tratado de Roma assim o propuser, em consonância com

o artigo 121 do Estatuto.

Mas, a não previsão no artigo 5º do Estatuto do TPI da competência deste

órgão jurisdicional para processar e julgar os supostos autores dos crimes de terrorismo

internacional, não impede que outras formas de terrorismo venham a recair enquanto

subcategoria das outras modalidades de crimes internacionais sujeitos a jurisdição do

TPI. A este respeito, é importante mencionar que os elementos objetivos dos crimes de

‘genocídio’, ‘guerra’ e ‘contra a humanidade’, estabelecidos, respectivamente, nos

artigos 6, 7 e 8 do Estatuto do TPI, não estão inseridos em uma listagem taxativa, isto é,

as categorias elencadas nestes preceitos não constituem as únicas formas pelas quais

estes crimes podem se verificar (CASSESE, 2008, p. 14) 52. O Estatuto do TPI não visa,

em regra, a codificação das normas de direito consuetudinário relativas aos tipos penais

sobre os quais o tribunal possui jurisdição (CASSESE, 2008, p. 87).

52 Neste sentido, confira o artigo 8º, nº 2, ‘b’ do Estatuto de Roma, que utiliza a expressão “outras

violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados internacionais […]” (ROMA, 1998).

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Nas próximas linhas iremos verificar quais os tipos penais constantes do

artigo 5º do TPI que podem se manifestar através da perpetração de atos de terror, isto é,

importa conferir em quais situações o terrorismo pode vir a se revelar como uma

subcategoria daquelas modalidades de crimes internacionais, sendo de grande

importância, neste sentido, a análise dos elementos constitutivos de cada uma delas.

Neste sentido, ao contrário do que acontece com a noção de terrorismo

enquanto crime internacional autonomamente considerado, cujo escopo é a coerção de

um Estado, ou organização internacional, a adoção ou abstenção da prática de um ato, o

terrorismo compreendido como elemento constitutivo de outros crimes internacionais,

deve se verificar, ao menos, através da disseminação do pânico ou do terror no

segmento de uma sociedade.

O primeiro tipo penal elencado no artigo 5º, nº 1 do Estatuto do TPI é o

crime de genocídio, cujos elementos constitutivos podem ser auferidos do artigo 6º

deste corpo normativo internacional.

Em decorrência da natureza desta modalidade criminosa, e até por este

crime internacional ter constituído, durante certo tempo, uma subcategoria de crimes

contra a humanidade, não nos parece que o terrorismo possa ser uma das formas por

meio da qual o crime de genocídio pudesse se concretizar, mesmo naquelas hipóteses

em que, em decorrência de um ato terrorista, viessem a resultar a morte de um número

considerável de indivíduos pertencentes a um mesmo grupo étnico, rácico ou religioso.

A finalidade última do genocídio não é compatível com a disseminação de um estado de

pânico, ou terror, no público em geral, na medida em que consiste no extermínio de um

grupo específico de indivíduos53.

Mas tal incompatibilidade não se revela tão manifesta em relação aos

demais crimes internacionais previstos no Estatuto de Roma. Na verdade, a idéia de

terrorismo enquanto uma subcategoria de crimes contra a humanidade ou crimes de

guerra é bem aceita por grande parte da doutrina (CASSESE, 2008, 175-177;

MACHADO, 2004, p. 591; BASSIOUNI, 2002, p. 90).

Em relação aos crimes de guerra, é importante notar que diversos preceitos

de Direito Humanitário Internacional proíbem as práticas terroristas no curso de um

53 Cherif Bassiouni (2002) se manifesta em sentido contrário, defendendo o terrorismo como uma modalidade de genocídio.

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conflito armado54, seja de índole internacional ou interna. No entanto, como vimos

anteriormente, para que uma violação ao jus in bellum possa ser considerada um crime

de guerra, é necessário que tal violação seja suficientemente grave, de forma que exista

uma norma internacional que a criminalize.

Assim, importa saber se a violação a proibição de disseminar o terror no

seio de uma população civil, durante o curso de um conflito armado, é suficiente, a luz

do direito consuetudinário ou convencional, para acarretar a responsabilidade criminal

internacional do indivíduo que adota a conduta proibida. A Câmara de Julgamento do

Tribunal Internacional Penal para a antiga Jugoslávia, no caso Galic´, em 2003, sobre

esta questão, veio a se manifestar acerca da existência de inúmeros preceitos de direito

humanitário55 que criminalizam a perpetração de atos cujo objetivo seja a disseminação

do terror em uma determinada população civil. No considerando 138 de sua decisão,

este órgão jurisdicional afirmou expressamente que

“an offence constituted of acts of violence wilfully directed

against the civilian population or individual civilians causing death or

serious injury to body or health within the civilian population with the

primary purpose of spreading terror among the civilian population –

namely the crime of terror as a violation of the laws or customs of war –

formed part of the law to which the Accused and his subordinates were

subject to during the Indictment period”. (TRIBUNAL

INTERNACIONAL PENAL PARA A ANTIGA JUGOSLÁVIA,

2003).

A posição defendida pelo TIPJ no caso Galic´, a respeito da criminalização

dos atos terroristas praticados no curso de um conflito armado, conta com o suporte de

outras normas internacionais, como, por exemplo, o artigo 4, ‘d’ do Estatuto do

Tribunal Penal Internacional Ad Hoc para o Ruanda, que atribui competência a este

tribunal para julgar atos de violação do artigo 3º comum às quatro Convenções de

Genebra e, ainda, de atos de terrorismo (CASSESE, 2008, pp. 172-173).

54 Confira os artigos 33, nº 1, da 4ª Convenção de Genebra de 1949; 4, nº 2, ‘d’ e 13, nº 2 do Segundo

Protocolo Adicional de 1977; e 51, nº 2 do Primeiro Protocolo Adicional as Convenções de Genebra. 55 Entre as normas citadas pelo TIPJ estão, entre outras, o artigo 33 da 4ª Convenção de Genebra de 1949

e o artigo 51, nº 2 do Primeiro Protocolo Adicional. Confira, respectivamente, os considerandos 119 e 120 do caso Galic´.

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Enquanto subcategoria dos crimes de guerra, o ato de terrorismo deve

consistir em violência ou grave ameaça dirigida contra civis ou outras pessoas que não

estejam participando diretamente nas hostilidades (CASSESE, 2008, pp. 173-174) e,

ainda, contra prédios e lugares públicos, ainda que, no momento do ataque, os mesmos

se encontrem vazios.

Além disso, no que toca aos elementos subjetivos, basta que o indivíduo que

perpetre a ação terrorista tenha a intenção de espalhar o pânico, isto é, de aterrorizar o

inimigo. Neste contexto, o escopo principal do terrorismo não é constranger uma

autoridade pública ou privada a adotar uma linha determinada linha de ação, mas sim a

contribuir para o esforço de guerra, o que implica, necessariamente, dolo direto e exclui,

de imediato, o dolo eventual (CASSESE, 2008, p. 114).

O terrorismo poderia, ainda, cumpridas determinadas condições, constituir

uma subespécie de crimes contra a humanidade56, independentemente de ser praticado

em tempos de paz ou no curso de um conflito armado57.

Como vimos, enquanto espécie de crimes de guerra, o terrorismo possui

elementos menos complexos do que aqueles que apresentaria sob a forma de crime

internacional autônomo. Tal fato não se verifica em relação a esta modalidade

criminosa, quando a mesma se insere em uma subcategoria de crimes contra a

humanidade.

Na verdade, o terrorismo como crime contra a humanidade é uma forma

agravada do crime internacional de terrorismo. Assim, este deve, para além de seus

elementos constitutivos gerais, cumprir ainda dois requisitos próprios dos crimes contra

a humanidade: (i) ser parte de um ataque, sistemático ou em larga-escala, contra uma

população civil, praticado com o apoio ou aquiescência de um Estado ou de uma

organização não estatal; (ii) além do elemento subjetivo necessário para a prática do ato

ilícito por meio do qual o terrorismo se verifica, o agente deve ter conhecimento que sua

ação está inserida em uma política de violência sistemática ou em larga escala.

56 Quando elevados à categoria de crimes contra a humanidade, os atos de terror se concretizam por

condutas como homicídio, lesões físicas ou mentais graves e que causem grave sofrimento às vítimas, tortura, violação e, ainda, desaparecimento forçado de pessoas (CASSESE, 2008, p. 175).

57 Neste caso, os atos de terrorismo devem atingir a seriedade e a magnitude dos crimes contra a humanidade, de modo a não recaírem no âmbito dos crimes de guerra. (CASSESE, 2008, p. 177).

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O terrorismo poderia, ainda, na opinião de alguma doutrina, ser considerado

uma modalidade do crime de agressão. Essa idéia não nos parece, de forma alguma,

absurda, mas diante da falta de uma definição pelo Estatuto de Roma do que é

exatamente o crime de agressão, qualquer especulação nesse sentido se revelaria, pelo

menos, sem sentido.

Em todo o caso, concordamos com Antonio Cassese (2005) quando afirma

que, podem estar incluídos no âmbito de uma noção tradicional de agressão, os “ataques

armados em larga-escala, perpetrados por organizações terrorista contra a população

ou o território de um determinado Estado, tendo por finalidade que um determinado

Estado entre em colapso ou mude radicalmente sua política de governo”. No entanto,

nos parece que, para constituir uma espécie de agressão, o ato terrorista deve ter sido

praticado por uma organização, atuando em conformidade com uma política estatal. Em

outras palavras, estamos convencidos de que o terrorismo, enquanto modalidade do

crime de agressão, deve ser perpetrado por agentes estatais de facto ou de jure.

Conclusão

O principal instrumento que a comunidade internacional utiliza na

prevenção e repressão dos atos de terrorismo global, consiste em uma série de tratados e

convenções internacionais que visam cobrir as mais variadas formas por meio das quais

este fenômeno se manifesta. No entanto, se os objetivos do terror permanecem os

mesmos ao longo dos séculos, os seus métodos se apresentam dotados de um grande

poder de mutação, o que faz com que tais instrumentos internacionais específicos

acabem por se defasar ao longo do tempo.

Esta forma fragmentada de responder ao terrorismo internacional tem sua

origem, seguramente, na falta de um acordo da medida exata do que vem a ser este

fenômeno. Por mais que tenha sido possível, graças às transformações que se tem

verificado no cenário internacional, em especial, o final da guerra-fria, a consolidação

de uma noção ampla, capaz de ser aceita pelos membros da comunidade internacional,

quase que de forma unânime, não existem dúvidas acerca da inexistência de um

instrumento jurídico internacional que estabeleça um conceito sólido, claro e preciso.

Tal fato constitui, certamente, um empecilho à que a comunidade

internacional possa responder de forma eficaz a esta chaga que já perdura por tempo

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suficiente e, como demonstram os atentados perpetrados no início deste século nas

cidades de Nova York, Madrid e Londres, só têm vindo a aumentar. Será somente

superando este obstáculo que os Estados poderão, através do estabelecimento de uma

cooperação verdadeiramente concertada, estabelecer medidas verdadeiramente efetivas.

Por outro lado, no que respeita a utilização da força em resposta aos atos de

terror, nos parece que, ainda que possam, em determinados casos e medidas, serem

considerados legítimos, constituem apenas meios paliativos, susceptíveis de gerarem

efeitos verificáveis a curto prazo, cuja duração se verificará em igual período. A

utilização da força não constitui, em razão de seu caráter superficial uma resposta

adequada, se a finalidade é a prevenção da prática de futuros atos da mesma espécie.

É por esta ordem de razão que não concordamos com a reinterpretação do

instituto da legítima defesa preventiva proposta pela ‘doutrina Bush’. A ‘guerra contra o

terrorismo’ não poderá ser ganha pela força das armas ou pelo desrespeito as normas

internacionais consagradoras de prerrogativas morais inalienáveis a todos os seres

humanos, uma vez que os respectivos meio e fim são incompatíveis. Neste sentido, não

há dúvidas de que as medidas adotadas pelos EUA, nos anos subseqüentes aos atentados

de 11 de Setembro, serviram, apenas, como combustível ao terrorismo internacional.

No campo da reprovação do terrorismo enquanto crime internacional em

sentido estrito, acreditamos que o TPI é uma instituição apta a dar respostas

jurisdicionais efetivas aos indivíduos que perpetram ações terroristas especialmente

graves, e que, geralmente, inserem-se em uma política sistemática suportada por

entidades governamentais. Esperamos e torcemos que, nas futuras alterações que o

artigo 5 do Estatuto de Roma venha a sofrer, seja incluído em seu rol de condutas

típicas a figura do terrorismo internacional.

Neste sentido, na ausência do conceito único a que nos referimos acima,

consideramos que os desenvolvimentos doutrinários realizados com base na noção

comum expressa na resolução 49/60 de 09 de Dezembro de 1994 da Assembléia Geral

das Nações Unidas, constitui um bom ponto de partida para que tal tipificação seja

possível.

Enquanto tal fato não se verifica, parece ser tema pacífico que o terrorismo

internacional possa recair, pelo menos, como subcategorias de crimes de guerra ou

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crimes contra a humanidade, cabendo ao próprio Tribunal Penal Internacional, ou a

outros tribunais penais internacionais, desenvolver jurisprudência neste sentido.

Na verdade, a questão objeto de controvérsias acerca deste tema, não recai

sobre a competência do TPI para processar e julgar terroristas, mas sim a respeito da

adequação que este tribunal poderá oferecer a esta mazela. No entanto, tais críticas não

se referem a adequação do tribunal para responder ao terrorismo, mas na própria

efetividade de suas respostas a modalidades criminosas tão graves.

Nos parece que a jurisdição penal permanente apresenta vantagens que os

tribunais estatais não possuem. De modo geral, por que consiste em uma resposta única

e em nome de toda a comunidade internacional, e ainda que não seja suficiente para

expurgar esses males da terra, demonstram, pelo menos, a condenação internacional

destas práticas odiosas.

De maneira especifica, poderia garantir aos acusados de perpetrarem tais

atos um julgamento justo e o respeito aos seus direitos fundamentais, garantias que os

tribunais nacionais nem sempre podem garantir, quando diante de atos de tal magnitude,

perpetrados contra os seus nacionais ou território.

Desta forma, para além de responder aos atos de terror praticado, o TPI

poderá exercer um papel preventivo. No entanto, este aspecto deverá vir a ser

complementado com um combate concertado às causas ao terrorismo internacional.

Causas estas que, como afirmam as Resoluções 40/61 de 1985 e 42/159 de 1987 da

Assembléia Geral das Nações Unidas, se encontram em questões sociais e políticas,

como o “[...] colonialismo, o racismo, situações de graves violações aos direitos

humanos e liberdades fundamentais”.

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