Optimização horária da gestão de recursos hídricos, usando … · Tudo o que foi dito...

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Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Optimização horária da gestão de recursos hídricos, usando uma Meta

ambiente de mercado

Nuno Boaventura Faria da Silva

Dissertação realizada no âmbito do

Mestrado Integrado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores

Orientador: Prof. Dr.

Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Optimização horária da gestão de recursos hídricos, usando uma Meta-Heurística, em

ambiente de mercado

Nuno Boaventura Faria da Silva

Dissertação realizada no âmbito do

Mestrado Integrado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores

Major Energia

Orientador: Prof. Dr. João Paulo Tomé Saraiva

26 de Junho de 2011

Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Optimização horária da gestão de recursos Heurística, em

Mestrado Integrado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores

© Nuno Boaventura Faria da Silva, 2011

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Resumo

Hoje em dia, a electricidade é um negocio aberto, descentralizado e rege-se por leis de mercado. Esta alteração de paradigma relacionado com um bem tantas vezes associado a um regime de monopólio, levanta não só novos problemas mas também, e sobretudo, novas oportunidades.

Em países como Brasil, Venezuela, Canada, Noruega e Suíça a maior parte da

produção de energia é feita com recurso a aproveitamentos hidroeléctricos. A produção hidroeléctrica para além de ser estocástica (depende do acaso, ou melhor, da chuva) tem outra particularidade: como a água tem custo nulo, a remuneração das centrais hídricas em ambiente de mercado seria também nula se correspondesse aos seus custos marginais de produção de curto prazo. Em Portugal, 2010 foi um ano bastante chuvoso o que fez com que a percentagem de energia produzida a partir de afluências hidrológicas tenha chegado a 30%. Compreensivelmente, apesar de custos nulos, o facto de a produção hidroeléctrica ter tamanha importância na produção total leva a que a gestão deste recurso seja cuidadosa e exacta. Por último, há que ter em conta que este tipo de produção de energia é dos poucos que permite armazenamento, quer por retenção de água nas albufeiras quer por bombagem. Este fenómeno (passagem de água de jusante para montante), permite não só o acerto entre oferta e procura (quando nas horas de vazio a oferta é superior à procura) como também a transferência de água para dias mais secos.

Tudo o que foi dito anteriormente torna relevante um trabalho sobre a

optimização da gestão de recursos hídricos. Assim, neste trabalho foi desenvolvido um modelo, usando uma meta-heurística, em que se pretendia encontrar um ponto óptimo de caudais turbinados e bombados que leve a uma maximização do lucro obtido.

Este modelo foi testado em dois casos distintos: no primeiro, de carácter mais

simples, foi verificado se a meta-heurística consegue definir uma estratégia base viável do ponto de vista técnico; no segundo, o algoritmo foi implementado numa situação mais complexa – quatro aproveitamentos em cascata – e verificar-se-á se é possível obter um planeamento de operação a curto prazo mais elaborado, por exemplo, considerando que uma das centrais deverá armazenar água para ser utilizada nas horas de preço de mercado mais elevado.

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Abstract

Nowadays, electricity is an open business, decentralized and ruled by the laws of free market. This new paradigm regarding a commodity often associated to a monopoly, raises not only new issues as well, and most of all, new opportunities.

In countries like Brazil, Venezuela, Canada, Norway and Switzerland electricity is

mainly produced using to hydroelectric power plants. Hydroelectric generation, apart from being stochastic (depends on chance, or must we say rain) has another particularity: as water has a null cost, the remuneration of hydraulic generations in a market environment would also be zero if corresponded directly to its short term marginal costs of generation. In Portugal, 2010 was a rainy year which increased the percentage of power produced from hydroelectric power plants to reach 30%. Understandably, despite the low generation costs, the fact hydroelectric production has such influence on the overall production of electricity, the management of this resource must be done in a careful and accurate way. At last but not least, we must keep in mind that this way of generating electricity is one of the few that permits storage, either by withholding water in the reservoirs either by pumping water from downstream towards upstream. The latter one allows not only the settlement between supply and demand (during off-peak hours when supply exceeds demand) but also the saving of water for drier days.

All that was said previously brings relevance to a work addressing the

optimization of hydro resources’ management. In this work, it was developed a model using a metaheuristic in which the main goal is to find the optimal point of either dammed and pumped water flow that will lead to profit maximization.

This model was tested in two different case studies: in the first one, more

simplistic, it was verified if the metaheuristic was able to outline a strategy that takes into account all technical constraints of the problem; the second case study considers a cascade of four hydro plants and it will be verified if it was possible to obtain a more elaborated short time operation plan, for instance, if one of the hydro plants saves water to use it during more profitable hours – larger market prices.

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Agradecimentos

Sendo a dissertação de mestrado um trabalho de encerra o percurso académico, não posso deixar de agradecer a todos os que fizeram com que fosse uma jornada de sucesso...

Aos meus familiares e amigos que sempre estiveram presentes e não só me

acompanharam nos bons momentos como me ajudaram nas fases menos boas. À EDP Gestão da Produção de Energia, SA, nomeadamente ao Eng.º Virgílio

Mendes, por me ter proposto um desafio tão aliciante e por me ter proporcionado uma experiência em regime empresarial. Em especial gostaria de agradecer ao Eng.º José Sousa por todos os emails, reuniões e acima de tudo a disponibilidade para me esclarecer todas as dúvidas que foram surgindo.

A todos os meus colegas de faculdade que, de uma maneira ou de outra, me

ajudaram ao longo destes cinco mas em especial ao Roberto que me facultou dicas e conselhos valiosíssimos para a elaboração deste trabalho.

Ao Professor Jorge Pereira, pela disponibilidade para me esclarecer todas as

duvidas sobre o funcionamento do Simulated Annealing. Ao Professor Tomé Saraiva em primeiro lugar por me inspirar a seguir o caminho

dos mercados energéticos mas essencialmente por ter sido um verdadeiro orientador, insistindo e dando indicações nas horas certas e cuja dedicação, conhecimento e espírito crítico foram determinantes para a conclusão deste trabalho.

A todos um muito obrigado.

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Índice

Capítulo 1 ......................................................................................... 1 Introdução ...................................................................................... 1 1.1. Objectivos e campo de orientação ............................................... 2 1.2. Organização do texto .............................................................. 2

Capítulo 2 ......................................................................................... 5 Contextualização e estado da arte ......................................................... 5 2.1. Panorama Energético ............................................................... 5 2.2. Energias renováveis em Portugal: presente e objectivos futuros ............ 7 2.3. Energia hídrica ...................................................................... 8 2.4. Energia hidroeléctrica em Portugal: passado, presente e metas futuras .. 11 2.5. Mercado de electricidade: o novo desafio ..................................... 13 2.5.1. Como tudo começou ......................................................... 13 2.5.2. Os novos modelos ............................................................ 15 2.5.3. Mercado em Pool ............................................................. 18 2.5.4. Planeamento em ambiente de mercado .................................. 21

2.6. Aspectos Gerais sobre a Operação de Sistemas Hídricos ..................... 22 2.7. Programação Dinâmica ............................................................ 23 2.8. Programação Linear vs Não Linear .............................................. 24 2.9. Meta-Heurísticas ................................................................... 25

Capítulo 3 ........................................................................................ 27 Algoritmo de optimização da gestão de recursos hídricos .............................. 27 3.1. Optimização da gestão de recursos hídricos ................................... 27 3.2. Formulação do problema ......................................................... 30 3.3. Variáveis ............................................................................ 30 3.4. Restrições ........................................................................... 32 3.5. Formulação completa do problema ............................................. 33 3.6. Aplicação do Simulated Annealing .............................................. 34

Capítulo 4 ........................................................................................ 40 Apresentação e discussão dos resultados obtidos ........................................ 40 4.1. Caso 1 – Sistema com dois aproveitamentos hídricos ......................... 40 4.2. Caso 2 – Sistema com cascata de quatro aproveitamentos .................. 43

Capítulo 5 ........................................................................................ 50 Conclusões e Perspectivas de Desenvolvimento ......................................... 50

Referências ....................................................................................... 54

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Lista de figuras

Figura 2.1 - Evolução da produção de energia discretizada por tipo de matéria prima até 2008 ........................................................................................... 6 Figura 2.2 - Consumo de energia em Portugal no ano de 2007 ............................ 6 Figura 2.3 - Produção de energia eléctrica nos anos de 2009 e 2010, discretizada por fonte ............................................................................................... 7 Figura 2.4 - Importação de energia primária em relação à procura nacional total e capacidade instalada hídrica total em relação ao potencial hídrico teórico ........... 12 Figura 2.5 - Percentagem de potencial hídrico aproveitado: meta para 2020 ......... 13 Figura 2.6 – Estrutura verticalmente integrada do sector eléctrico ..................... 14 Figura 2.7 - Novo modelo desagregado do sector eléctrico ............................... 16 Figura 2.8 – Modelo de mercado em Pool .................................................... 20 Figura 2.9 - Modelo misto de exploração do sector eléctrico............................. 21 Figura 3.1 – Impacto da perda de carga no valor da potência ............................ 29 Figura 3.2 - Esquema hidráulico de dois aproveitamentos em cascata. ................. 31 Figura 3.3 – Fluxograma correspondente ao algoritmo utilizado para resolver o caso mais simples ..................................................................................... 37 Figura 3.4 - Fluxograma correspondente ao algoritmo utilizado para resolver o caso mais complexo ................................................................................... 39 Figura 4.1 - Esquema hidráulico do sistema utilizado no Caso 1. ........................ 41 Figura 4.2 - Potências turbinadas e bombadas referentes ao aproveitamento 1 e preços de mercado. ............................................................................. 42 Figura 4.3 - Potência turbinada referente ao aproveitamento 2 e preços de mercado. ..................................................................................................... 42 Figura 4.4 - Variação horária dos volumes das albufeiras 1 e 2. ......................... 43 Figura 4.5 - Esquema hidráulico do sistema utilizado no Caso 2. ........................ 44 Figura 4.6 - Potências turbinadas e bombadas referentes ao aproveitamento 1 e preços de mercado. ............................................................................. 45 Figura 4.7 - Potência turbinada referente ao aproveitamento 2 e preços de mercado. ..................................................................................................... 45 Figura 4.8 - Potência turbinada referente ao aproveitamento 3 e preços de mercado. ..................................................................................................... 46 Figura 4.9 - Potência turbinada referente ao aproveitamento 4 e preços de mercado. ..................................................................................................... 46 Figura 4.10 - Variação horária dos volumes das albufeiras 1, 2, 3 e 4. ................. 47

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Figura 4.11 - Evolução em escala logarítmica da função de avaliação do Simulated Annealing obtida ao longo do processo iterativo ........................................... 47

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Lista tabelas

Tabela 2.1 - Aproveitamentos integrados no PNBEPH ...................................... 8 Tabela 3.1 - Variáveis de decisão, estado e parâmetros usados no algoritmo ......... 31 Tabela 4.1 – Dados referentes ao primeiro caso dos aproveitamentos 1 e 2 ........... 41 Tabela 4.2 – Resultados finais obtidos para o Caso 1 ...................................... 43 Tabela 4.3 – Dados referentes ao segundo caso para os aproveitamentos 1, 2, 3 e 4. 44 Tabela 4.4 - Resultados finais obtidos para o caso 2 ....................................... 49

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Capítulo 1

Introdução

É inegável que a electricidade desempenha um papel fundamental nas nossas vidas. Desde a produção dos bens que consideramos essenciais até ao papel que desempenha nas nossas actividades lúdicas, a sociedade de hoje não existiria sem este precioso bem.

Esta importância unanimemente reconhecida acarreta elevada responsabilidade, ou seja, os utilizadores são extremamente exigentes. O sector eléctrico tem então de desempenhar as suas funções com eficiência, eficácia, segurança e qualidade [1]. Desde a produção à distribuição, passando pelo transporte, todos os passos têm de ser tomados de acordo com os quatro princípios enunciados anteriormente já que, qualquer falha, pode ter um sério impacto económico e/ou social. Para além disto, é preciso ter a noção que a electricidade é um bem com características especiais e únicas [2]:

• Uma vez que não pode ser directamente armazenada em grandes quantidades, tem de haver correspondência directa entre a oferta e a procura;

• O seu transporte tem de obedecer a leis físicas tais como as Leis de Kirchoff e, por isso, não pode ser determinado por um agente exterior;

• A sua procura varia constantemente o que torna mais complicado o cumprimento do primeiro ponto;

• É necessário haver uma série de mecanismos de controlo bem como reservas passíveis de entrar rapidamente em acção de modo a responder de forma adequada a qualquer falha que possa surgir.

Tendo em conta estas particularidades e o mundo em constante desenvolvimento

em que nos encontramos, os agentes de decisão (chefes políticos, por exemplo) têm de assumir a responsabilidade de explorar as melhores fontes de energia de maneira a satisfazer as necessidades da população enquanto protegem ao máximo o ambiente [3].

2 Introdução

1.1. Objectivos e campo de orientação

Este trabalho, proposto pela EDP - Gestão da Produção de Energia, SA, tem como principal objectivo o uso de uma meta-heurística que permita realizar o planeamento operacional diário (discretizado por hora) de um conjunto de aproveitamentos hidroeléctricos, em ambiente de mercado, e calculando a remuneração prevista. Este planeamento deve-se traduzir numa estratégia base que consiste em turbinar água nas horas de preço mais elevado e efectuar bombagem nas horas de preço mais baixo; estratégia esta que respeite todos os condicionalismos técnicos inerentes à operação de um aproveitamento hidroeléctrico. Para a resolução deste problema foi utilizada a meta-heurística Simulated Annealing, associada a um modelo iterativo onde se inclui o processo de bombagem. Este modelo poderá constituir uma ferramenta de apoio à gestão diária de aproveitamentos hidroeléctricos, com vista à maximização de lucros obtidos.

A aplicação desenvolvida permite realizar a optimização de uma cascata de

centrais hídricas, tendo em conta os seguintes factores: • influência da interligação das centrais na mesma cascata; • inclusão de grupos reversíveis com bombagem; • inclusão de mais do que um grupo para cada albufeira; • as centrais hídricas são encaradas como “price takers” considerando-se que os

preços de mercado são dados de entrada.

A gestão de um recurso tão importante como a água deve envolver um cuidado particular. Acresce a isto a necessidade das empresas se tornarem o mais rentáveis possível de maneira a serem bem sucedidas no presente ambiente de mercado. A ferramenta desenvolvida poderá ser útil neste campo da maximização dos proveitos sendo que, ao fazê-lo, fica definida uma estratégia optimizada de exploração que passa necessariamente pela racionalização do recurso “água”. Deste modo, fica garantida não só a máxima eficiência da empresa como também a sustentabilidade ambiental do meio onde o aproveitamento se insere. 1.2. Organização do texto

Este documento está organizado em cinco capítulos. Neste, Introdução, descrevem-se sucintamente as particularidades do bem energia e os objectivos do trabalho e constata-se a motivação, campo de aplicação e estrutura da tese.

No segundo capítulo, Contextualização e Estado da Arte, transmite-se uma imagem do panorama actual quer a nível de políticas energéticas em geral quer a nível da energia hidroeléctrica em particular, descreve-se o contexto de mercado e aborda-se a optimização em sistemas hídricos, descrevendo-se brevemente diferentes ferramentas existentes e dando-se especial atenção à ferramenta usada neste trabalho.

No terceiro capítulo, metodologia do planeamento, chegar-se-á ao tema principal desta tese: a optimização da gestão de recursos hídricos em ambiente de mercado.

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Será apresentado o modelo utilizado e será detalhada a sua formulação e descrição pormenorizada.

No quarto capítulo, aplicação da metodologia, apresentam-se os resultados obtidos aquando da aplicação do algoritmo. Numa primeira fase, o caso de estudo incluiu dois aproveitamento hídricos ligados entre si e, seguidamente, considerou-se um conjunto de quatro aproveitamentos, também eles interligados.

Por último, o quinto capítulo, Conclusão, incluirá as considerações finais acerca deste trabalho bem como uma síntese das considerações obtidas aquando da realização deste. Apontam-se ainda algumas propostas de melhoria futuras, assim como as principais direcções de investigação que poderão ser seguidas no futuro.

4 Introdução

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Capítulo 2

Contextualização e estado da arte

2.1. Panorama Energético

Hoje em dia, cerca de 80% da energia é obtida a partir de fontes térmicas tais como carvão, petróleo ou gás natural [3]. No entanto, cada vez mais, são levantadas questões quanto à sustentabilidade deste panorama bem como ao uso destas matérias-primas num futuro a longo prazo. Estas questões são deveras pertinentes uma vez que estes recursos são finitos, o seu preço é muito volátil e há uma crescente consciencialização acerca da importância da protecção e preservação do meio ambiente. Por outro lado, considerando desastres recentes (Japão, por exemplo) pode-se afirmar que a aposta em energia nuclear está em declínio. Tudo isto fez com que o foco se virasse para as energias renováveis.

À semelhança do que aconteceu no resto do mundo, devido à pressão demográfica e à melhoria de condições de vida das populações, em Portugal, a procura de electricidade tem crescido consideravelmente nos últimos dez anos (em média 4,4% ao ano enquanto o PIB cresceu, em média, 2% ao ano) [4]. Tal como está evidenciado na Figura 2.1, de maneira a que a procura seja correspondida, teve de haver um aumento da oferta, tendência esta que se manterá nos próximos anos. O consumo residencial e pequeno comércio é responsável por mais de metade desta procura, sendo o sector industrial responsável por quase 40% [4] tal como evidenciado na Figura 2.2.

6 Contextualização e estado da arte

Em Portugal, o consumo e a produção de energia eléctrica está fortemente

relacionado com as condições atmosféricas mais propriamente no Inverno [4]. A produção está dividida em dois regimes regulatórios: regime ordinário – que se refere à produção através de fontes não renováveis ou produção hídrica em centrais com capacidade superiora 100 MW – e regime especial – que se refere ao uso de fontes de energia renováveis e endógenas, como por exemplo, a energia eólica e a cogeração.

Figura 2.2 - Consumo de energia em Portugal no ano de 2007

Figura 2.1 - Evolução da produção de energia discretizada por tipo de matéria prima até 2008

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2.2. Energias renováveis em Portugal: presente e objectivos futuros

As energias renováveis são as que são repostas durante o tempo de vida do homem, nomeadamente as energias hídrica, eólica, solar, geotérmica, da biomassa, das ondas e das marés [1]. Recentemente, a aposta em energias renováveis tem sido uma imagem de marca do estado Português sendo que a sua política energética se tem pautado bastante pelo apoio a energias amigas do ambiente [4]. Aliás, e segundo a Agência Internacional de Energia, como uma nação que é dependente de combustíveis importados, Portugal tem feito progressos assinaláveis em aproveitar e tirar partido das suas fontes de energia renovável [4]. Como podemos ver na Figura 2.3, em 2009 a parcela de energia produzida a partir de fontes renováveis era 35% sendo que se atingiu o patamar de 52% no ano passado [5].

Outro dado importante a retirar do gráfico anterior é que o vento e a água são os recursos considerados de maior valor, ou seja, os que têm maior contribuição para que sejam atingidas as metas, quer nacionais quer Europeias, em termos de redução da dependência energética, redução das emissões de poluentes e sustentabilidade energética.

No que à energia eólica diz respeito, o governo definiu como objectivo os 5100 MW de capacidade instalada até 2012 sendo que, se isto se concretizar, Portugal terá o nível mais alto de produção eólica no mundo em termos de carga total [4].

Quanto à energia hídrica, o objectivo é atingir a capacidade instalada de 7000 MW em 2020 [4]. Para tal, foi posto em pratica desde 2007 o Programa Nacional de

Figura 2.3 - Produção de energia eléctrica nos anos de 2009 e 2010, discretizada por fonte

8 Contextualização e estado da arte

Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH) [6]. Este programa identificou dez novos aproveitamentos que, no total, corresponderão a um aumento de capacidade na ordem dos 1100 MW com uma produtibilidade média anual de 1519 GWh (Tabela 2.1).

2.3. Energia hídrica

A construção e/ou desenvolvimento de qualquer infra-estrutura envolve inevitavelmente um certo nível de mudança [3]. A construção de um aproveitamento hidroeléctrico e as albufeiras e barragens que lhes estão associados levantam certas questões físicas e sociais tais como o impacte ambiental e o deslocamento de populações. Nos últimos tempos tem-se dado muita importância aos aspectos negativos e pouca importância aos benefícios destes aproveitamentos bem como à vontade existente de antecipar, amenizar e compensar os seus efeitos negativos [3].

A energia hidroeléctrica é aquela que, sendo limpa e renovável, é mais passível de ser produzida em maior quantidade [3]. Para além disso, um aproveitamento hidroeléctrico tem geralmente a denominação de fins múltiplos já que, após a sua criação, para além da produção de electricidade as albufeiras contribuem para um conjunto alargado de benefícios sociais tais como a criação de melhores condições para a captação de água para abastecimento urbano, agricultura e indústria, possibilidade de regularização e amortecimento de cheias, ajuda ao combate a incêndios florestais, oportunidades de melhoria para a navegação com fins lúdicos ou comerciais e para o turismo [7]. Aliás, face à sua localização em locais remotos e de difícil acessibilidade, a construção dos aproveitamentos hidroeléctricos representa uma melhoria nas condições de vida das populações da zona, nomeadamente através da criação de emprego e de vias de comunicação.

Tabela 2.1 - Aproveitamentos integrados no PNBEPH

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Há também que ter em conta, tal como referido em [3] que este tipo de energia

já é utilizada há mais de cem anos, tem provas dadas e é altamente eficiente (rendimentos à volta de 90%). Entre outras, tem como principais vantagens a racionalização da matéria-prima, ou seja, pode-se armazenar água e utilizá-la no melhor momento, em oposição à energia eólica, por exemplo, onde se tem de produzir quando há vento; tem uma resposta rápida o que lhe permite responder às flutuações na procura; em comparação com outras opções de produção em larga escala tem o mais baixo custo operacional e o maior tempo de vida – depois de feito o investimento inicial, o tempo de vida pode ser alargado com manutenção relativamente barata e periódica substituição de equipamento electromecânico; a matéria-prima, a água, não está sujeita a flutuações de mercado [3].

Por último, há que considerar os benefícios da utilização da energia hidroeléctrica para o sistema eléctrico de energia. O facto de se poder armazenar energia a montante da barragem bem como a possibilidade de esta energia acumulada poder ser rapidamente posta à disposição do sistema, faz com que estes aproveitamentos desempenhem um papel fundamental na prestação de serviços auxiliares (reserva e controlo) sem os quais o sistema não seria seguro nem fiável. Outro aspecto muito importante é a possibilidade de os grupos hidroeléctricos poderem ser reversíveis, ou seja, poderem não só turbinar água fornecendo energia mas também bombar água gastando-a. Isto tem especial importância nesta altura em que o investimento em energia eólica é forte [4] uma vez que se trata de um tipo de recurso com um carácter muito volátil. Imagine-se que durante a noite, horas de menor consumo, há uma enorme quantidade de vento num parque eólico; se esse vento for usado para produzir energia, corre-se o risco de a oferta exceder a procura o que não pode acontecer; há também a hipótese de se manterem os geradores eólicos desligados o que se traduziria numa perda de dinheiro uma vez que se estaria a desperdiçar matéria-prima; a melhor solução consiste então em produzir energia e acertar a oferta com a procura colocando os aproveitamentos hidroeléctricos a funcionar bombando água de jusante para montante; desta maneira, não há desperdício de energia e ainda se armazena água que pode ser usada em períodos futuros, por exemplo, em que o preço da electricidade seja mais elevado.

As centrais hídricas podem ser classificadas segundo a sua capacidade de armazenamento e queda como [8]:

• Fio-de-água – centrais hídricas com pequena capacidade de armazenamento, que aproveitam a afluência natural dos cursos de água para produzir energia;

• Albufeira – centrais que permitem a regularização das afluências naturais, podendo utilizar a água nos períodos mais rentáveis. Neste tipo de centrais distinguem-se as com bombagem das sem bombagem;

• Centrais de Alta Queda – alturas de queda superiores a 200 metros; • Centrais de Média Queda – alturas de queda entre os 20 e os 200 metros; • Centrais de Pequena Queda – alturas de queda inferiores a 20 metros.

10 Contextualização e estado da arte

Como referido em [8], o seu circuito hidráulico é composto por: • Câmara de carga ou pressão – Quando a diferença de cota entre a tomada de

água e as turbinas é superior a 15m convém que a entrada de água nas turbinas seja feita por meio de condutas forçadas e, para isso, deve ser prevista uma câmara de carga ou pressão entre o canal de adução e as condutas forçadas; este elemento tem como funções distribuir a água às condutas forçadas, deter os últimos corpos flutuantes, impedir a entrada de pedras e areias nas condutas forçadas, criar ondas de translação no caso de fecho das turbinas e ter um volume suficiente para satisfazer solicitações rápidas;

• Chaminé de equilíbrio – depósito de compensação para evitar os choques hidráulicos. É, basicamente, um poço vertical ou inclinado, aberto na parte superior e situado na conduta forçada o mais perto possível das turbinas;

• Condutas forçadas; • Câmara das turbinas – espaço destinado, numa central hidroeléctrica, ao

alojamento das turbinas hidráulicas. Pode ser aberta (pequenas quedas até 15 metros) ou fechada (quedas maiores que 15 metros);

• Tubo de aspiração ou difusor – serve de ligação entre a turbina e o canal de descarga da água turbinada (importante nas turbinas Francis e Kaplan);

• Canal de descarga – recolhe a água do tubo de aspiração e devolve-a ao rio a jusante em sítio conveniente;

• Comportas e outros órgãos de obturação; • Central – local onde se montam as turbinas e os geradores assim como a

restante maquinaria e demais aparelhagem auxiliar necessária ao seu funcionamento; as centrais podem ser a céu aberto (central pé de barragem ou central longe da barragem) ou subterrâneas ou de cavernas;

• Turbina - Elemento primário de um sistema de produção de energia eléctrica que, em conjunto com um gerador, utiliza a energia contida num fluido (água):

a. Turbinas de Acção – a água incide sobre a roda móvel através de jactos individualizados (máquinas de injecção parcial). Não funcionam imersas na água turbinada nem possuem tubo de aspiração ou difusor (tipo Pelton usada em aproveitamentos de alta queda e baixo caudal);

b. Turbinas de Reacção – trabalham no seio do fluído turbinado sendo que a água penetra na roda móvel por toda a periferia (máquinas de injecção total). Podem ser do tipo: i. Turbina Francis – a câmara de entrada (voluta em forma de

espiral) encaminha a água para o distribuidor, onde é orientada da periferia para o eixo da turbina, caindo, a seguir sobre as pás da roda dando origem à sua rotação por um fenómeno de reacção (usada em aproveitamentos de média ou baixa queda);

ii. Turbina Kaplan – também é uma turbina de reacção que se diferencia da Francis por apresentar menor número de pás, com inclinação regulável e em forma de hélice (usada em aproveitamentos de baixa queda e grande caudal → aproveitamentos a fio de água);

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iii. Grupos bolbo – são constituídos por uma cuba em forma de bolbo, totalmente submersa na água onde se aloja a turbina-tipo Kaplan de eixo horizontal e o alternador (são instalados muitas vezes em aproveitamentos de muito baixa queda).

2.4. Energia hidroeléctrica em Portugal: passado, presente e metas futuras

Tal como referido em [7], no século XIX a água começou a ser usada a nível mundial como fonte de energia eléctrica. Em Portugal, os pioneiros nesta área eram movidos pela necessidade de satisfazer consumos locais, nomeadamente para alimentar pequenas instalações de iluminação pública e pequenas indústrias. No entanto, a partir de 1930 começa a ganhar forma a ideia de que é necessário aproveitar a energia da água dos rios para a produção de electricidade, tendo como objectivo a industrialização. Esta política nacional, da qual mais tarde também viria a resultar a constituição da rede eléctrica nacional, começa a ser projectada por volta de 1940 e a produzir efeitos práticos a partir de 1950. O primeiro passo foi a construção dos grandes aproveitamentos hidroeléctricos dotados de albufeiras com significativas capacidades de regularização nas bacias dos rios Cávado e Zêzere sendo que mais tarde (até cerca de 1965) se prosseguiu com os aproveitamentos do troço internacional do Douro reservado para Portugal.

Durante este tempo entrou em serviço o aproveitamento do Alto Rabagão que é

dotado de uma albufeira de grande dimensão e está equipado com bombagem permitindo a criação de regularização e transferência sazonal e interanual.

Nos anos 70, devido à crise dos preços do petróleo e ao aumento dos consumos, aumentou o interesse na energia hidroeléctrica havendo o desenvolvimento de know-how específico na área de projecto, construção e exploração de aproveitamentos hidroeléctricos. Foi neste contexto que se construíram os aproveitamentos de fins múltiplos na bacia do Mondego e os cinco aproveitamentos no troço nacional do Douro, aproveitando a regularização que os espanhóis haviam realizado na sua parte da bacia do rio.

No final da década de 1980 foi criado o regime especial para a produção de energia eléctrica por pessoas singulares ou colectivas incentivando-se a produção de electricidade a partir das pequenas centrais hidroeléctricas, com potência instalada até 10 MW.

Entretanto, a legislação passa a reflectir a preocupação crescente com o impacto ambiental deste tipo de centrais o que leva a que o processo de decisão se torne bastante rigoroso e demorado muitas das vezes praticamente incompatíveis com os prazos de construção destes empreendimentos e as necessidades de evolução do parque electroprodutor (o caso mais mediático foi a barragem de Foz Côa que acabou por não ser construída). Este novo contexto resultou numa redução na aposta em grandes centrais (na década de 90 construiu-se apenas um grande aproveitamento hidroeléctrico de raiz - Alto Lindoso em 1992 - e deu-se o reforço de potência do

12 Contextualização e estado da arte

aproveitamento de Miranda, com a construção de nova central, em 1995) havendo agora uma dinamização e incentivo aos pequenos aproveitamentos hidroeléctricos cuja gama foi aumentada de 10 para 30 MW. Ultimamente, apenas se realizou a construção do empreendimento de fins múltiplos de Alqueva, no rio Guadiana, e o reforço de potência de Venda Nova, com a construção da Central de Frades.

Como foi dito anteriormente, desde 2007 está em prática o PNBEPH [6] que tem como objectivo diminuir a actual dependência energética do exterior e cumprir os objectivos da Directiva 2001/77/CE. Estes duas metas estão evidenciadas nas Figura 2.3 e Figura 2.4.

Figura 2.4 - Importação de energia primária em relação à procura nacional total e capacidade instalada hídrica total em relação ao potencial hídrico teórico

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2.5. Mercado de electricidade: o novo desafio

Outra componente da política energética em vigor é a liberalização dos mercados de electricidade, gás natural e combustíveis líquidos. Este processo tem-se vindo a desenrolar no âmbito do MIBEL desde 2001 e constitui hoje o segundo maior mercado integrado da Europa fornecendo 30 milhões de consumidores. O seu desenvolvimento aumenta as vantagens de investir na produção de energia eléctrica em Portugal, aumenta a segurança de fornecimento, aumenta a competição no mercado doméstico e, eventualmente, permitirá a agentes Portugueses um maior acesso a outros mercados de energia Europeus [4].

2.5.1. Como tudo começou

Os modernos sistemas eléctricos de energia começaram a ser criados no final do século XIX. De então para cá, as suas três grandes componentes - produção, transporte e distribuição – sofreram bastantes alterações. Devido à pequena dimensão das cargas e potências mas principalmente devido às limitações tecnológicas, o sector eléctrico era inicialmente formado por redes de potência e dimensão pequenas [9].

Com o avançar do tempo, a tecnologia foi-se desenvolvendo, as potências de cargas foram aumentando e as redes expandiram-se e deu-se um aumento nas potências envolvidas. Paralelamente, começou-se a explorar recursos muitas vezes afastados dos centros de consumo. O resultado foi o aumento continuado do investimento uma vez que havia necessidade de melhoramento e expansão da rede. Estas adaptações incluíram a progressiva interligação dos sistemas eléctricos

Figura 2.5 - Percentagem de potencial hídrico aproveitado: meta para 2020

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nacionais de maneira a garantir uma maior fiabilidade da rede bem como um aumento da estabilidade no fornecimento de energia [9].

Após a 2ª Guerra Mundial, de maneira a finalizar o esforço de electrificação, entre outras obrigações de serviço público, diversos países Europeus decidiram nacionalizar o sector eléctrico.

Em Portugal e até 1975, o sector eléctrico encontrava-se organizado em termos de concessões atribuídas a entidades privadas mas, nesse ano, ocorreu a nacionalização e integração vertical (Figura 2.6) do sector com a criarão da EDP e EP (posteriormente transformada em EDP SA), sendo que a electrificação rural ficou concluída nos anos 80. Esta integração vertical significa que as empresas se dedicavam à produção, transporte e distribuição de energia eléctrica dando origem às seguintes implicações [9]:

• Os consumidores não tinham qualquer possibilidade de escolher a entidade com a qual se desejavam relacionar do ponto de vista comercial e técnico;

• Uma vez que a entidade administrativa que regulava e a entidade que era regulada não estavam bem separadas, os processos de regulação tarifária eram pouco claros;

• Esta falta de clareza associada ao grande peso do sector eléctrico em termos de emprego, investimento e contribuição para o produto interno bruto fazia com que os níveis tarifários fossem, com frequência, sujeitos a uma gestão política;

• As actividades de planeamento eram realizadas de forma centralizada; • Até ao choque petrolífero dos anos 70, a conjuntura económica (baixas taxas

de inflação e de juro), a estabilidade no custo das infra-estruturas e o grande aumento anual da carga (na ordem dos 7 a 10%) tornavam previsível a evolução da potência de carga facilitando as tarefas de planeamento realizadas no âmbito de uma estrutura centralizada;

• A ausência de risco e incerteza levava ao sobredimensionamento de equipamentos.

Figura 2.6 – Estrutura verticalmente integrada do sector eléctrico

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Em [9] constata-se que após as décadas de 50, 60 e início dos anos 70, houve uma grande alteração no panorama económico principalmente nos países industrializados. As taxas de inflação e de juro aumentaram e a economia tornou-se mais volátil o que fez com que o consumo energético se tornasse mais errático. Os governos puseram então em prática programas de diversificação e de redução de consumo de energia e, em muitos casos, a electricidade foi substituída pelo carvão (ou outras fontes energéticas). Para além disto, na década de 80 outras actividades de índole social como a indústria aérea e as redes fixas de telecomunicações, por exemplo, começaram a ser desreguladas ou liberalizadas dando ao cliente a hipótese de escolher a entidade fornecedora de serviços. Este novo contexto despoletou o debate sobre a liberalização do sector energético e, consequentemente, desencadeou o seu processo de restruturação. A intensificação deste processo está associada aos seguintes aspectos:

• Com o objectivo de se criarem condições para o aparecimento de competição em alguns segmentos do sector e para a identificação transparente de custos desses segmentos, eliminando a possibilidade de ocorrência de subsidiação cruzada deu-se a separação de empresas verticalmente integradas. Separação esta que foi em muitos casos forçada pela publicação de nova legislação;

• Nos anos 80 e 90 houve grandes evoluções tecnológicas a nível das telecomunicações e meios computacionais que tornaram viável a adopção de diversas estratégias de automação, supervisão e controlo das redes eléctricas em tempo real. Estes desenvolvimentos foram cruciais uma vez que o ambiente de mercado é caracterizado pela coexistência de diversas entidades utilizadoras da rede. Sem o acompanhamento em tempo real da exploração destas redes, não seria possível garantir a sua segurança e a sua fiabilidade;

• O uso crescente do gás natural, quer pelos avanços tecnológicos realizados na construção de centrais de ciclo combinado a gás natural quer pela disponibilidade deste recurso em quantidades e preços atractivos, originou a diminuição do carácter capital intensivo e com largos prazos de amortização do sector eléctrico, bem como a diminuição da importância da realização de economias de escala;

• A crescente consciencialização ambiental levou ao incentivo de soluções de menor dimensão e com carácter distribuído, contribuindo para a utilização mais eficiente e racional de energia e o aproveitamento de energias renováveis;

• Por último, o facto de o sector energético ter sido dos últimos a ser privatizado faz com que seja bastante atractivo para novos investidores. Na Europa, uma vez que os países são de menor dimensão, uma experiencia bem sucedida (comprovada pela diminuição dos preços para o consumidor) num país iria pressionar os países vizinhos a seguirem o mesmo caminho.

2.5.2. Os novos modelos

Tendo em conta as razões enumeradas anteriormente, diversos países ou regiões geográficas deram início à liberalização do sector energético. No entanto, este é um processo complexo e o seu sucesso depende de alguns requisitos como por exemplo a

16 Contextualização e estado da arte

criação de novas estruturas empresariais decorrentes do processo de desverticalização das empresas tradicionais, a independência dos mecanismos de coordenação e de regulação e o cuidado que deverá ser colocado nas acções de planeamento da expansão uma vez que é necessário haver uma noção correcta dos custos que as tarifas precisam de recuperar. A desverticalização das empresas anteriormente integradas inerente à criação de um mercado liberalizado faz emergir um grande número de agentes com diversas responsabilidades. Distinguem-se então as seguintes actividades:

• Actividade de Produção - inclui a produção de energia eléctrica em regime normal, em regime especial e o fornecimento de serviços auxiliares. Os serviços auxiliares correspondem à disponibilização de reservas quente e fria e regulação de frequência (telerregulação), de produção de potência reactiva e controlo de tensão, entre outras, e podem ser assegurados por entidades produtoras ou quaisquer outras que disponibilizem os meios correspondentes. A disponibilização destes serviços pode ser estabelecida como condição obrigatória para participar no mercado da electricidade ou, em alternativa, os serviços necessários podem ser contratados no âmbito de mercados específicos, envolvendo, por exemplo, a oferta de preços e serviços de reserva ou de produção de potência reactiva;

• Actividade de Rede - esta actividade decompõe-se em actividade de rede de transporte (incluindo planeamento da expansão, manutenção, construção e operação) e actividade de rede de distribuição (incluindo planeamento da expansão, manutenção, construção e operação).

O mercado de electricidade é considerado um mercado desagregado como está evidenciado pela Figura 2.7.

Segundo [9], nele se distinguem: • CB - Contratos Bilaterais - estabelecimento de contratos bilaterais físicos ou

de natureza financeira. Estes contratos supõem o relacionamento directo entre entidades produtoras, por um lado, e comercializadores ou clientes elegíveis, por outro, que estabelecem acordos englobando preço e modulação

Figura 2.7 - Novo modelo desagregado do sector eléctrico

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da energia a produzir/absorver ao longo de um intervalo de tempo, em geral longo;

• MC - Mercados Centralizados - administração de mercados centralizados que recebem propostas de compra e de venda de energia eléctrica, tipicamente para cada hora ou meia hora do dia seguinte. Essas propostas incluem valores disponíveis de potência e preço mínimo a receber (no caso das propostas de venda) ou preço máximo a pagar (no caso das propostas de compra). Estes mercados procedem ao encontro destas propostas construindo um despacho puramente económico para cada intervalo de tempo em que o dia seguinte se encontra discretizado;

• ISO - Independent System Operator - esta entidade tem funções de coordenação técnica da exploração do sistema de produção e de transporte. Para esse efeito, deverá receber informação relativa aos contratos bilaterais em termos dos nós da rede e das potências envolvidas, bem como informação sobre os despachos económicos resultantes da actividade dos mercados centralizados. O ISO deverá então proceder a um conjunto de estudos por forma a avaliar a viabilidade técnica do conjunto contratos/despachos para cada intervalo do dia seguinte, prestando atenção especial as situações de congestionamento. Os congestionamentos correspondem a possíveis situações de funcionamento em que diversos equipamentos de rede veriam os seus limites técnicos ultrapassados. Se o conjunto contratos/despachos não originar congestionamentos, a exploração do sistema é viável do ponto de vista técnico, seguindo-se a identificação e a contratação dos níveis necessários de serviços auxiliares. Existindo situações de congestionamento o despacho não é viável e deverá ser sujeito a modificações induzidas ou forçadas através de diversos mecanismos;

• RT - Rede de Transporte - entidades que detêm activos na actividade de transporte de energia eléctrica e que, pelas razões de índole económica e ambiental já referidas, actuam em termos de monopólio natural nas áreas geográficas em que se encontram implantadas. Estas empresas, tal como as detentoras de activos na actividade de rede de distribuição, são remuneradas através de Tarifas de Uso das Redes;

• SA - Serviços Auxiliares - representa entidades fornecedoras de serviços auxiliares correspondentes, por exemplo, a reservas, produção de potência reactiva e controlo de tensão, regulação de frequência/telerregulação. Estas entidades não correspondem necessariamente a entidades produtoras. Poderão corresponder, por exemplo, a empresas de transporte de energia eléctrica que possuam instalados nas suas redes bancos de condensadores ou transformadores com tomadas com regulação em carga. Os níveis de serviços auxiliares necessários poderão ser contratados no âmbito de mercados específicos, ou podem estar definidos níveis mínimos que e obrigatório respeitar como condição para participar no mercado.

Note-se que, nas extremidades do modelo estão actividades fortemente

competitivas, como é o caso da produção (P), comercialização (C) e intermediação financeira (IF) [9]. A rede de distribuição (RD) é operada em regime de monopólio.

18 Contextualização e estado da arte

2.5.3. Mercado em Pool

Uma das formas de relacionamento entre empresas produtoras, por um lado, e comercializadores ou clientes elegíveis, por outro, corresponde aos mercados spot centralizados, habitualmente conhecidos como mercados em Pool [9]. Estes mercados integram ou administram mecanismos a curto prazo nos quais se pretende equilibrar a produção e o consumo através de propostas comunicadas pelas entidades produtoras, por um lado, e pelos comercializadores e consumidores elegíveis, por outro. Este tipo de mercados funciona normalmente no dia anterior àquele em que será implementado o resultado das propostas de compra/venda que tiverem sido aceites. Neste caso, considera-se que as decisões relativas a investimentos de médio/longo prazo já foram tomadas pelo que se pretende apenas optimizar o funcionamento do sistema no curto prazo. Desta maneira, as propostas de venda de energia eléctrica tendem a ser estruturadas de forma a reflectir custos marginais de curto prazo.

As alterações diárias da carga e a necessidade de colocar em funcionamento centrais eléctricas possuindo custos marginais diferenciados leva a que os mercados a curto prazo tenham de ser estruturados de modo a acomodar as variações de carga e a poder reflectir as variações dos custos de exploração. Assim, o intervalo de tempo de um dia, que está a ser alvo de negociação no dia anterior, é normalmente discretizado em 24 ou 48 intervalos de 1 hora ou de 30 minutos, respectivamente. Para cada um desses intervalos, os agentes que actuam no mercado deverão apresentar as suas propostas de compra/venda, incluindo, nas versões mais simplificadas, a indicação do preço máximo que se encontram disponíveis para pagar, do preço mínimo a que estão aptos a vender, do nó da rede onde se fará a absorção ou injecção e da potência pretendida. No final do período de negociação, são obtidos 24 ou 48 despachos económicos para cada hora ou meia hora do dia seguinte [10].

A coordenação da exploração do sistema é assegurada pelos Operadores de Mercado e de Sistema [9]. O Operador de Mercado, que administra o mercado para o dia seguinte, deverá receber propostas de compra/venda de energia eléctrica por parte dos agentes autorizados a actuar no mercado - produtores, comercializadores, consumidores elegíveis ou intermediários financeiros. As propostas de compra/venda deverão ser em número correspondente ao número de intervalos de tempo em que cada dia se encontra discretizado. Para cada um desses períodos, o Operador de Mercado organiza as propostas de compra e venda de forma adequada, de modo a identificar as propostas de venda para as quais existem propostas de compra com preço de compra superior ao preço de venda. O resultado deste encontro corresponderá a uma forma eficiente do ponto de vista económico de alocar a produção à carga. Os despachos puramente económicos já referidos devem, em seguida, ser comunicados ao Operador de Sistema. Esta entidade realiza um conjunto de estudos para avaliar a viabilidade técnica desses despachos, atendendo, por exemplo, à existência de restrições associadas aos limites de capacidade dos equipamentos de rede. Se se verificar que não ocorrem situações de congestionamento - restrições de limite de

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capacidade que se encontrem violadas -, os despachos são viáveis e serão implementados no dia seguinte. O Operador de Sistema comunica então os valores obtidos aos produtores, contrata os níveis necessários de serviços auxiliares e transmite a informação relativa aos trânsitos de potência obtidos para cada intervalo de comercialização aos proprietários das redes de transporte. Se se verificar a ocorrência de congestionamentos torna-se necessária a interacção entre o Operador de Mercado e o Operador de Sistema de modo a eliminar essas situações. Para este efeito e a título de exemplo, os agentes actuando no mercado poderão ser informados sobre quais os congestionamentos que foram detectados, bem como sobre os valores dos coeficientes de sensibilidade reflectindo o impacto de variações de potências produzidas e de carga nos trânsitos de potência cujo limite tenha sido ultrapassado. Com estes elementos, poderão ser activados mercados de ajustes de potências produzidas ou de carga destinadas a aliviar os congestionamentos. Se, mesmo assim, os congestionamentos não forem ultrapassados, o Operador de Sistema deverá ter autoridade para impor alterações aos despachos iniciais. Para este efeito, deverão ser estabelecidas regras claras e transparentes de actuação do Operador de Sistema, uma vez que poderá ter de assumir decisões que, afectando os trânsitos de energia eléctrica, alteram os fluxos financeiros entre as diversas entidades [9].

Neste tipo de mercado distinguem-se o modelo simétrico e o modelo assimétrico. O Pool simétrico caracteriza-se pela existência da possibilidade de transmitir ofertas de compra e de venda de energia eléctrica sendo que a procura influencia o mercado. Este modelo funciona melhor quanto mais agentes actuarem nos segmentos de compra e venda e quanto menos concertação existir na preparação das respectivas propostas. No Pool assimétrico, o mercado está estruturado de forma a permitir apenas a apresentação de propostas de venda de energia eléctrica sendo que se admite que a carga é totalmente inelástica. Neste tipo de mercado há grande volatilidade de preços já que estes são influenciados pelos preços de venda oferecidos, pelo nível de procura e pela ocorrência ou não de saídas de serviço (programadas ou por avaria). O Pool também pode ser obrigatório – se for obrigatória a apresentação de propostas de venda/compra a todos os agentes de mercado – ou voluntário - os agentes poderão apresentar propostas ao mercado ou estabelecer contratos bilaterais entre si. Por último, resta diferenciar propostas simples de propostas complexas. As primeiras não admitem qualquer tipo de interacção temporal entre as propostas transmitidas por uma mesma entidade: propostas para diferentes intervalos de tempo são independentes entre si. Nas segundas, o despacho de uma central num dado intervalo de tempo pressupõe a existência de valores mínimos ou máximos de potências despachadas em intervalos adjacentes: esta situação ocorre devido à impossibilidade de diversas centrais variarem livremente a sua produção já que têm de respeitar características técnicas, condições legais ou ter em conta as afluências hídricas [10]. Na Figura 2.8 está esquematizado o funcionamento previamente descrito.

20 Contextualização e estado da arte

O modelo em Pool não possibilita o relacionamento directo entre entidades

produtoras e comercializadores ou clientes elegíveis [9]. Para que haja este relacionamento directo tem de haver contratos bilaterais que consistem em acordos englobando preço e modulação da energia a produzir/absorver ao longo de um intervalo de tempo. As empresas produtoras, por um lado, e as empresas distribuidoras, comercializadores, clientes elegíveis, por outro, são livres para negociar a duração do contrato, quantidades, preços, qualidade, etc. sendo que os agentes podem ser solicitados a fornecer energia para compensar perdas, controlo de tensão/potência reactiva ou outros serviços auxiliares (de acordo com o montante de potência contratada). Estes contratos podem ser físicos ou financeiros. Os contratos bilaterais físicos englobam um prazo alongado (geralmente 1 ano) e afectam de forma efectiva as condições de exploração do sistema eléctrico, nomeadamente ao nível dos trânsitos de potência no sistema; isto acontece uma vez que estes contratos integram diversas disposições relativas ao preço do serviço a fornecer e às condições de fornecimento (relativas por exemplo à modulação da potência ao longo do período de contrato e à indicação dos nós em que será realizada a injecção e a absorção de potência). Os contratos bilaterais financeiros coexistem muitas vezes com o mercado diário (Figura 2.9) e, em geral, são usados para evitar a volatilidade do STMP (short term marginal price) e podem ou não afectar o despacho: correspondem a instrumentos financeiros que têm como objectivo tornar o fluxo de dinheiro a pagar ou a receber mais previsível, facilitar a justificação dos investimentos e diminuir o risco associado a flutuações do preço de mercado; por exemplo, Contracts for Differences. Neste mecanismo, um produtor, por um lado, e um comercializador ou consumidor elegível estabelecem um contrato indicando um preço alvo, PA. Depois, se no mercado diário o STMP for menor que o preço acordado (PA), então o comercializador ou consumidor elegível paga a diferença (PA-STMP); se STMP for maior que PA, o produtor paga a diferença (STMP-PA) [10].

Figura 2.8 – Modelo de mercado em Pool

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2.5.4. Planeamento em ambiente de mercado

O planeamento de qualquer actividade do sistema eléctrico de energia, quer seja ao nível da Produção, Transporte e/ou Distribuição representa um problema bastante complexo uma vez que é necessário prever diversas grandezas tais como preços de mercado, consumos de energia e preços de combustível. A incerteza e o risco são elevados.

Há dois tipos de planeamento bastante diferentes: planeamento de expansão e planeamento operacional. No primeiro define-se que equipamentos se deve construir e no segundo, que equipamentos pôr a funcionar bem como o seu despacho e que topologia de rede a adoptar. Estes dois planos abrangem, como seria de esperar, um horizonte temporal vasto (desde curto até longo prazo) e trata-se com frequência de problemas multi-critério ou multi-objectivo.

No âmbito dos estudos de planeamento, por exemplo, define-se plano robusto por aquele que é seleccionado qualquer que seja o futuro a considerar face às incertezas especificadas; o grau de robustez é medido através de índices de risco (grau de arrependimento do decisor ao seleccionar um determinado plano associado a um determinado futuro face à ocorrência de um futuro diferente) sendo que um plano completamente robusto tem grau de arrependimento zero [10].

Em ambiente centralizado, o planeamento operacional tinha como principal objectivo a minimização dos custos de produção do sistema eléctrico sendo que, para isso, eram usualmente resolvidos problemas de coordenação hidrotérmica. Em ambiente de mercado, as empresas tiveram necessariamente de substituir o

Figura 2.9 - Modelo misto de exploração do sector eléctrico

22 Contextualização e estado da arte

objectivo de minimização de custos pela maximização das receitas sendo esse o objectivo adoptado neste trabalho. 2.6. Aspectos Gerais sobre a Operação de Sistemas Hídricos

A recente liberalização do sector energético um pouco por todo o mundo e o consequente aparecimento de mercados de electricidade deu origem a um grande número de possibilidades de investimento e de negócio. No entanto, para serem bem sucedidas, as empresas competidoras neste novo mercado têm de ser o mais eficientes possível de maneira a terem vantagem competitiva sobre as restantes. Esta realidade é relativamente recente pelo que ainda há uma carência ao nível de aplicações computacionais que ajudem no processo de tomada de decisão e definição de estratégias de operação.

Como foi referido anteriormente, durante os anos 70, a indústria de produção de electricidade apresentava uma grande fiabilidade devido à sua elevada redundância e um baixo custo de produção resultante dos preços baixos dos combustíveis. No entanto, este panorama mudou e o aumento dos custos de construção e de operação fez com que a principal prioridade se tornasse a minimização dos custos mantendo um elevado nível de fiabilidade. Com a criação dos mercados energéticos e o aumento da competitividade daí resultante, o problema não se resume aos custos mas foca-se também no aumento das receitas. A este novo paradigma junta-se uma nova política energética. De facto, tal como foi referido anteriormente, durante estes últimos anos tem sido feito um esforço para diminuir a dependência energética que Portugal tem do exterior [4]. Esta nova aposta traduziu-se nomeadamente numa série de incentivos às energias renováveis uma vez que a matéria-prima utilizada no seu processo de fornecimento de energia é não só de custo reduzido como de fácil acesso em território nacional. No âmbito desta dissertação deu-se relevância à parte hídrica do sector eléctrico. Ora, em ambiente de mercado caracterizado pela existência de competição, os recursos têm de ser ainda melhor usados, sendo o objectivo obter a máxima produtividade e eficiência. Estas novas exigências associadas à complexidade do problema em questão forçaram o recurso a ferramentas computacionais uma vez que só assim é possível levar em consideração todas as nuances tais como [2]:

• a característica não linear da potência gerada por um aproveitamento hidroeléctrico;

• os efeitos da propagação temporal das decisões tomadas num certo momento; • a incerteza associada a este tipo de problema; • a configuração das cascatas; • o efeito da bombagem.

A relação entre a potência produzida por um aproveitamento hidroeléctrico e a

queda e o caudal – variáveis das quais depende – é não linear. Por outro lado, os caudais dependem da queda através de uma relação igualmente não linear e a queda varia com o volume armazenado na albufeira que, normalmente, apresenta uma característica também ela não linear [2]. Para além disso, há que ter em conta os limites de volume armazenado nas albufeiras e as restrições técnicas de operação dos

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aproveitamentos hídricos. Embora seja possível adoptar estratégias para considerar a queda constante, por vezes, esta simplificação envolve erros demasiado elevados. Por isso, é necessário representar o funcionamento de um sistema hidroeléctrico o mais próximo possível da realidade de maneira a se obter uma estratégia de exploração mais adequada. Por último mas certamente não menos importante, há o problema da relação intertemporal uma vez que as decisões tomadas num dado período influenciam as decisões que podem ser tomadas nos períodos seguintes, ou seja, a estratégia de utilização da água tem de ser posta em prática não apenas com vista à situação presente mas com vista a, no mínimo, um horizonte de curto prazo já que, por exemplo, pode ser mais rentável num dado período de tempo não usar água e guardá-la para o futuro em que o seu uso será melhor recompensado. Todas estas particularidades e dificuldades são agravadas pelo facto de, normalmente, os aproveitamentos estarem ligados entre si (em cascata, por exemplo) o que faz com que a gestão de uma central hídrica influencie a operação das que estão a jusante. Tendo em conta as questões levantadas anteriormente, há ainda que considerar o factor bombagem: tal como foi referido anteriormente, a possibilidade de um grupo ser reversível é de bastante utilidade e praticamente indispensável no panorama energético actual e futuro sendo por isso obrigatório que qualquer ferramenta de optimização inclua esta característica na sua formulação. É preciso não esquecer que a potência de bombagem apresenta a mesma relação não linear em relação à queda e, uma vez que representa um custo, é necessário avaliar se compensa ou não realizar este processo, e quais os períodos mais adequados.

Obviamente, quanto mais alargado for o horizonte temporal a analisar, maior será a dimensão do problema. De seguida apresentam-se sucintamente algumas das ferramentas computacionais usadas para a resolução deste complexo problema.

2.7. Programação Dinâmica

Os primeiros trabalhos realizados nesta área usaram técnicas de programação dinâmica [2]. Tal como referido em [11], esta é uma técnica computacional de optimização apoiada no princípio de optimalidade (o problema completo pode ser resolvido se os valores das melhores soluções de certos subproblemas forem determinados). Frequentemente, as soluções são obtidas por um processo regressivo, trabalhando o problema do fim para o princípio. Desse modo, a dificuldade será reduzida uma vez que se decompõe o problema numa sequência de problemas inter-relacionados mais simples. Esta abordagem pode ser utilizada sempre que se verifiquem três condições:

• é um problema de decisão decomponível em etapas de decisão distintas; • em cada etapa de decisão é possível definir o estado da solução; • em cada etapa decide-se, para cada estado, qual o estado da etapa seguinte

que oferece melhor retorno para a solução do problema. Deste modo, definem-se trajectórias, cada uma correspondente à selecção de um estado em cada período, ficando associado a cada trajectória um custo global que é a soma dos custos totais de funcionamento de todos os estados e dos custos de transição entre cada par de estados consecutivos. Assim, o problema

24 Contextualização e estado da arte

passará a estar associado à identificação da trajectória óptima, ou seja, aquela que apresenta o custo global mínimo.

Como resultado, verifica-se que a utilização da programação dinâmica neste tipo

de problemas permite reduzir muito o espaço de pesquisa, ao evitar repetições de cálculos que ocorrem na enumeração total de soluções (mesmo limitada a soluções viáveis em cada intervalo). A desvantagem deste método, tal como referido em [12] reside no facto de que, quando o número de grupos e de períodos tem dimensão real, a aplicação da programação dinâmica ocasiona tempos de execução incomportáveis. Uma maneira de resolver este problema consiste em recorrer a uma versão da programação dinâmica em que se considera, em cada período, apenas um número limitado das sub-trajectórias com menor custo, ignorando-se as restantes. Isto pode diminuir bastante o número de avaliações (e o tempo de execução), mas deixa de ser garantida a obtenção da solução óptima [12].

Note-se que, apesar disto, este método é utilizado mas com algumas modificações à sua forma original [13]. 2.8. Programação Linear vs Não Linear

O modelo típico dos problemas de programação linear é aquele no qual se pretende maximizar uma função utilizando recursos limitados. Nestes problemas, procura-se a decisão óptima x* que permita obter o óptimo z*=c'.x*, respeitando as restrições (x*�X, sendo X={x�0 | A.x�b}). Os valores dos recursos disponíveis b supõem-se conhecidos, bem assim como os coeficientes c da função objectivo [14]. Note-se que todas as relações matemáticas entre as variáveis são funções lineares. Este método é facilmente explicado através de uma analogia geométrica: uma vez que é assumido um problema inteiramente linear, pode-se constatar que o conjunto de restrições dá origem a um poliedro convexo. Desta maneira, qualquer óptimo local é um óptimo global e situa-se necessariamente na extremidade deste poliedro. Os últimos desenvolvimentos nesta área particular da optimização consistem nos chamados métodos de ponto interior. Neste caso, a busca não realizada ao longo das faces do poliedro mas sim no interior do espaço de soluções [15]. Desta maneira, é construído um caminho que possibilita alcançar o óptimo ao fim de poucas iterações evitando, desta forma, a necessidade de percorrer um número, por vezes elevado, de vértices da região admissível. Um dos exemplos do uso desta ferramenta na resolução do problema em causa encontra-se detalhado em [16].

No entanto, grande parte dos problemas reais são não-lineares. Mais particularmente, os fenómenos físicos ou económicos envolvem relações observadas empiricamente, tais como variações não-proporcionais em custos, resultados de processos e características de qualidade ou mesmo relações deduzidas estruturalmente (englobam fenómenos físicos deduzidos matematicamente e regras administrativas) [17]. Os principais métodos para resolução de problemas de programação não-linear dividem-se em modelos com e sem restrições sendo que o principal conceito usado nesta ferramenta computacional é o de taxa de variação

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(associada a derivadas e gradientes) [17]. O grande problema é o facto de envolverem cálculos muito complexos e morosos o que torna o algoritmo lento e obriga a uma grande disponibilidade ao nível da memoria do computador. Outra grande desvantagem reside facto de, ao funcionar com recurso ao cálculo de derivadas, poder ficar preso em óptimos locais [18].

Note-se que, apesar disto, este método é utilizado mas com algumas modificações à sua forma original [19].

2.9. Meta-Heurísticas

As Meta-Heurísticas são ferramentas computacionais baseadas em estratégias de pesquisa local integrando mecanismos que permitem abandonar zonas de óptimos locais, possibilitando assim cobrir de forma mais alargada o espaço de soluções. São métodos normalmente usados para resolver problemas de natureza discreta e combinatória e surgiram por volta dos anos 80 [2]. São alguns exemplos os Algoritmos Genéticos, os Algoritmos Evolucionários, as Redes Neuronais, o Tabu Search e o Simulated Annealing.

Os primeiros três são baseados em processos naturais, sendo os Algoritmos Genéticos e os Algoritmos Evolucionários inspirados nos princípios da evolução natural. O Simulated Annealing explora uma possível analogia com a termodinâmica, enquanto os métodos de Tabu Search fazem uso de uma memória flexível para tornar o processo de busca mais eficaz.

Estes métodos são caracterizados essencialmente por: • Constituírem procedimentos destinados a encontrar uma boa solução,

eventualmente a óptima, consistindo na aplicação, em cada passo, de uma heurística subordinada, a qual tem que ser modelizada para cada problema específico;

• Terem um carácter geral (aplicam-se a quaisquer tipos de problemas: combinatórios, discretos, lineares ou não lineares) e serem métodos muito simples e fáceis de programar;

• Incluírem mecanismos que permitem evitar a convergência para óptimos locais;

• Basicamente diferenciam-se entre si pelas seguintes características: critério de escolha de uma solução inicial, definição da vizinhança de uma solução, método de selecção de uma solução vizinha dentro do espaço de soluções, critério de paragem e utilização ao longo do processo iterativo de uma solução em cada iteração ou de uma população de soluções.

A principal desvantagem destes métodos resulta do facto de a optimalidade não

poder ser garantida, ou mesmo pior, não existir nenhuma indicação sobre a distância à solução óptima. Estas metodologias podem ser usadas, por exemplo, para obter um

26 Contextualização e estado da arte

bom ponto de partida para outros métodos. Contudo, trabalhos recentes mostram a crescente eficácia destes métodos [2].

No que diz respeito à resolução do planeamento a curto prazo de um

aproveitamento hidroeléctrico, sobressaem a utilização dos métodos de Tabu Search [20] e Simulated Annealing [21].

No trabalho que foi desenvolvido no âmbito desta dissertação utilizou-se o Simulated Annealing. Esta meta-heurística consiste num procedimento de busca local de índole probabilística [22]. Este método começa por gerar uma solução aleatória inicial e vai procurando novas soluções na sua vizinhança. A substituição de uma solução por outra, com vista a obter o melhor valor para a função objectivo, é feita de acordo com um parâmetro chamada de Temperatura. Como referido em [22], a utilização deste parâmetro faz com que o método não pare a sua procura em mínimos ou máximos locais (dependendo do que se pretende para a função objectivo). A Temperatura vai sendo diminuída de forma progressiva e desejavelmente lenta à medida que o algoritmo progride, ou seja, no início a probabilidade de uma solução pior que a anterior ser aceite é mais elevada mas esta probabilidade vai diminuindo à medida que o processo iterativo avança começando o algoritmo a convergir para uma solução de boa qualidade [23]. Como foi dito anteriormente, este método não fornece informação sobre a distância da solução corrente à solução óptima global.

Regista-se que, em [24] foi utilizada uma variante do Simulated Annealing

denominada Enhanced Simulated Annealing que se encontra descrita em [25]. Esta ferramenta apresentou resultados bastante satisfatórios e inclui melhorias ao nível do processo de arrefecimento bem como um mecanismo de passo adaptativo posto em prática na geração de novas soluções. Verificou-se uma diminuição substancial do número de iterações necessárias para atingir uma solução de boa qualidade.

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Capítulo 3

Algoritmo de optimização da gestão de recursos hídricos

Há diversos obstáculos à criação de um modelo completo e eficaz que resolva o problema da optimização da gestão dos recursos hídricos. De facto, estes têm de ter em consideração não só um elevado número de restrições físicas como também a interdependência temporal entre as variáveis e a interdependência dos aproveitamentos (caso se trate de uma cascata, por exemplo).

O ambiente de mercado em vigor nos dias de hoje faz com que as empresas

busquem não só uma minimização de custos mas sobretudo uma maximização do lucro. Partindo deste pressuposto, é necessário desenvolver uma estratégia de curto prazo, com horizonte temporal diário ou semanal, que possibilite à empresa a eficaz e racional utilização dos recursos ao seu dispor, quer a nível de matéria-prima (água) quer a nível de infra-estruturas (centrais hídricas). Como foi referido anteriormente, algumas destas infra-estruturas estão dotadas de grupos reversíveis o que permite efectuar bombagem. A estratégia base passa então por turbinar água nas horas de preço mais elevado e bombar nas horas de preço mais reduzido. No entanto, é preciso ter conta que o custo de efectuar bombagem tem de, no mínimo, ser recuperado pela receita obtida através do turbinamento [2]. Mais uma vez importa referir que esta estratégia está limitada por condicionalismos operacionais rígidos bem como pela incerteza nas afluências, a interdependência entre os aproveitamentos e a interdependência temporal entre as variáveis bem como pela relação não linear entre a potência, a queda e o caudal.

No ponto seguinte será dada uma descrição mais pormenorizada deste problema

referindo-se e explicando-se as simplificações efectuadas.

3.1. Optimização da gestão de recursos hídricos

Como o próprio nome indica, este problema corresponde a um problema de optimização. O objectivo é maximizar o lucro obtido através da venda de energia

28 Algoritmo de optimização da gestão de recursos hídricos

eléctrica produzida por um conjunto de aproveitamentos hidroeléctricos ligados entre si. Os preços em vigor são os que o mercado define. A dimensão e complexidade deste problema obrigam a que sejam feitas algumas simplificações:

• Admite-se que as empresas que vendem a energia produzida nos aproveitamentos não têm capacidade para influenciar os preços de fecho do mercado;

• Consideram-se nulos os custos de arranque e paragem das centrais; • Usam-se rendimentos constantes independentemente da variação dos caudais

turbinados; • Ignora-se o efeito de subida do nível da água a jusante do aproveitamento

causado pelo turbinamento, ou seja, o nível neste local é considerado constante;

• A perda de carga do circuito hidráulico é nula; • Considera-se nulo o tempo de reverter o grupo, isto é, de passar do modo de

turbinamento para o modo de bombagem; • Admite-se que a queda é constante.

Estas simplificações não influenciam consideravelmente o objectivo do trabalho uma vez que o modelo implementado retrata as restrições de operação, a possibilidade de bombagem e a interligação entre os reservatórios.

No entanto, as simplificações efectuadas têm impacto na modelização do problema, tornando-o mais simples de construir. O facto de se considerar que a venda de energia eléctrica resultante dos aproveitamentos em análise, não influencia os preços de mercado faz com que se possa encarar estes preços como dados de entrada do problema obtidos quer através de históricos quer através de previsões externas a este modelo.

Uma das vantagens da utilização da energia hídrica é que o arranque de um

aproveitamento hidroeléctrico é bastante rápido. Aliás, já há aproveitamentos capazes de entrar em acção num minuto e meio a preço reduzido. Isto faz com que não seja grosseiro o facto de desprezar os custos de arranque e de paragem e de considerar nulo o tempo de reversão de um grupo produtor.

No que ao rendimento diz respeito, esta simplificação já foi utilizada noutros

trabalhos (como em [2]) sendo constatado que a sua variação ao longo do problema é bastante pequena podendo por isso ser desprezada. Tal como referido em [2], um dos problemas mais difíceis de tratar no estudo de aproveitamentos hidroeléctricos diz respeito à questão dos regolfos. Chama-se regolfo à elevação do nível a jusante do aproveitamento resultante do turbinamento de água. Isto acontece quando o leito do rio não permite o escoamento rápido da água descarregada levando a que o nível suba e, consequentemente, haja diminuição da queda. Devido à complexidade do tratamento deste fenómeno, o nível médio a jusante dos aproveitamentos é considerado constante correspondendo por isso a um dado de entrada para o modelo. Este valor constante corresponde a um nível médio estimado, que considera o efeito da perda de queda devido aos regolfos [2]. Na Figura 3.1 apresentada em [2] ilustra-se a diferença entre considerar a perda de carga nula, de valor médio constante, de

29

valor máximo constante ou resultante de usar a expressão completa e não linear, através do cálculo iterativo da perda de carga.

Como se pode verificar, ao usar-se a perda de carga nula como é feito nesta modelização, estará a ser cometido um erro por excesso. No entanto, tendo em conta o propósito do modelo, optou-se por se proceder a esta simplificação. O mesmo se aplica ao facto de se usar a queda constante. Estas duas simplificações permitem encarar o problema de forma linear.

A produção de energia eléctrica num aproveitamento hidroeléctrico faz-se a partir da transformação da energia potencial gravítica da água armazenada na albufeira em energia cinética desta mesma água que servirá para mover as pás de uma turbina. Uma vez que a energia potencial é dada por �� � � � � e tendo em conta que a massa volúmica da água é 1000 kg/m3, constata-se que a potência gerada por uma turbina hidráulica sem perdas de carga e com rendimento � é dada pela expressão (3.1):

� � 1000 � 9,8 � � � � �� (W) (3.1)

Em que:

1000 – � – massa volúmica em kg/m3;

9,8 – – aceleração da gravidade em m/s2;

� - caudal em m3/s;

- queda em metros;

�� – rendimento de turbinamento.

No caso de se tratar do processo de bombagem, a expressão é idêntica à anterior sendo que a potência consumida é dada pela expressão (3.2).

� � 1000 � 9,8 � � � � 1 ��� (W) (3.2)

Figura 3.1 – Impacto da perda de carga no valor da potência

30 Algoritmo de optimização da gestão de recursos hídricos

Note-se que o que diferencia esta expressão em relação à expressão anterior reside no facto de, neste caso, se utilizar o rendimento de bombagem (��) e de este aparecer em denominador.

3.2. Formulação do problema

A liberalização do sector eléctrico abriu caminho a um vasto conjunto de novas oportunidades. Novas oportunidades estas que estão ligadas a novos desafios derivados da mudança de paradigma. O que anteriormente era centralizado hoje é global o que faz com que a concorrência seja forte tal como é o desejo de atingir a máxima eficiência. Só assim é possível prevalecer num ambiente de mercado competitivo em que os consumidores podem escolher os seus fornecedores. Em suma, e como já foi várias vezes referido, o objectivo deixou de ser apenas produzir e fornecer um produto com elevado nível de segurança cumprindo todas as restrições e tendo em vista a minimização de custos operacionais e passou a incluir a maximização de lucros.

Trata-se então de um problema de maximização (3.3) com um grande número de restrições (3.4) que pode ser enunciado da seguinte maneira:

��� ���� (3.3)

Sujeito a:

���� � � � �� ! (3.4)

3.3. Variáveis

Na resolução de um problema de optimização, as variáveis possibilitam a modelização do sistema bem como a caracterização do seu estado ao longo do horizonte temporal no qual o problema é resolvido. Podemos dividir as variáveis em três grupos: estado, decisão ou controlo e parâmetros. As variáveis de estado descrevem completamente o sistema e, neste caso, correspondem aos volumes nas albufeiras; ora, sabendo isto é possível inferir o comportamento passado e futuro do aproveitamento (por exemplo, se a albufeira estiver vazia, sabe-se que no período anterior o aproveitamento esteve a turbinar e que no próximo período, caso não haja afluências, não vai poder continuar a fazê-lo). As variáveis de controlo são as que influenciam o comportamento do sistema; neste caso referem-se aos caudais turbinado, bombado e descarregado sendo que estes afectam directamente o volume nas albufeiras, variáveis de estado, de forma predeterminada. Por último, há os parâmetros que correspondem a dados do problema e não são influenciados pela

resolução deste. A Tabela 3.1a notação utilizada. Note-se que a letra i corresponde ao índice do aproveitamento e k corresponde ao índice horário. Neste caso, uma vez que se trata da analise diária, k {1, 2, ..., 24}.

Tipo Variáveis

Decisão

Estado

Parâmetros

Tabela 3.1 - Variáveis de decisão, estado e parâmetros usados no algoritmo

Na Figura 3.2 expõe-se um sistema composto por dois aproveitamentos onde é visível a interligação entre edesta natureza. Note-se que considerando dois aproveitamentos, num horizonte temporal de 24 horas o número

Figura 3.2 - Esquema hidráulico de dois aproveitamentos em cascata

Tabela 3.1 resume as variáveis usadas neste problema bem como se que a letra i corresponde ao índice do aproveitamento e

k corresponde ao índice horário. Neste caso, uma vez que se trata da analise diária, k

Variáveis Descrição

qtik Caudal turbinado pela central i na hora kqbik Caudal bombado pela central i na hora ksik Caudal descarregado pela central i na hora kvik Volume da albufeira i na hora kaik Afluência à albufeira i na hora kπk Preço de mercado da horaµi Rendimento da central ivi0 Volume inicial da central ihi Queda da central i

Variáveis de decisão, estado e parâmetros usados no algoritmo

se um sistema composto por dois aproveitamentos onde é visível a interligação entre eles bem como as variáveis em análise num problema

se que considerando dois aproveitamentos, num horizonte número de variáveis de decisão seria de 144.

Esquema hidráulico de dois aproveitamentos em cascata.

31

roblema bem como se que a letra i corresponde ao índice do aproveitamento e

k corresponde ao índice horário. Neste caso, uma vez que se trata da analise diária, k

turbinado pela central i na hora k Caudal bombado pela central i na hora k

Caudal descarregado pela central i na hora k Volume da albufeira i na hora k Afluência à albufeira i na hora k Preço de mercado da hora k Rendimento da central i Volume inicial da central i

Variáveis de decisão, estado e parâmetros usados no algoritmo

se um sistema composto por dois aproveitamentos onde é lise num problema

se que considerando dois aproveitamentos, num horizonte

.

32 Algoritmo de optimização da gestão de recursos hídricos

3.4. Restrições

A operação de um aproveitamento hidroeléctrico está condicionada a restrições bastante rígidas sendo que o conjunto por estas formado define o espaço das soluções viáveis [2]. Importa por isso estruturar e representar o mais completamente possível estes condicionalismos.

Numa primeira fase é preciso assegurar que os limites técnicos das turbinas são respeitos, ou seja, os caudais turbinados e bombados têm de estar dentro de uma certa gama. No caso dos caudais descarregados, assume-se que uma barragem pode libertar qualquer quantidade de água por descarregamento, pelo que este tipo de caudal não tem limite máximo. Efectivamente, na resolução deste problema, este tipo de caudal é usado apenas como acerto da equação do balanço da água que será referida em seguida.

No entanto, os caudais influenciam o volume nas albufeiras sendo que também estes têm limites bem específicos relacionados com o controlo de cheias, mínimos técnicos para o funcionamento das máquinas ou volumes obrigatórios que é preciso manter.

Matematicamente, pode-se então definir as restrições da seguinte maneira:

"���� � "�# � "�� ! (3.5)

�$���� � �$�# � �$�� ! (3.6)

�%���� � �%�# � �%�� ! (3.7)

0 � &�# � ∞ (3.8)

Por fim, há que referir a restrição mais importante para o funcionamento global do sistema. Trata-se da equação de balanço da água. Segundo esta, o volume de água numa albufeira numa determinada hora tem de ser igual ao volume de água na albufeira na hora anterior acrescido da variação de volume ocorrida na hora actual. Esta equação também contém informação acerca da forma como os aproveitamentos estão ligados entre si e será dada por (3.9).

"�# � "��#()� * ��# + �$�# * �%�# + &�# * , ��$�# + �%�# * &�#���-.

(3.9)

Nesta equação:

"�# - volume de água na albufeira i na hora k;

��# - afluência de água à albufeira i na hora k; �$�# - caudal turbinado pela central i na hora k; �%�# - caudal bombado pela central i na hora k;

33

&�# - caudal descarregado pela central i na hora k; �� - conjunto de reservatórios ligados ao reservatório i.

3.5. Formulação completa do problema

A função objectivo serve para avaliar e comparar diferentes soluções do problema associados a valores das variáveis de decisão que permitem obter o conjunto de valores que corresponde a uma estratégia óptima de operação. O seu valor representa o máximo do lucro e é calculado pela diferença entre os proveitos obtidos pelo turbinamento de água pelas centrais i juntamente com a valorização da água acumulado na última hora do horizonte temporal, por um lado, e o custo de bombar água (3.10), por outro. A valorização da água acumulada na última hora do horizonte temporal é feita assumindo-se que esse volume será turbinado, originando uma potência que será vendida pelo preço máximo verificado no horizonte temporal em análise. O problema é então descrito por (3.10) a (3.16):

��� /,0�"1��2

�3)*,,�4# � �$�# + 4# � �%�# + �56�#�

7

#3)

2

�3)8 (3.10)

�56�# � �569:;_��� � |"�#|>? 9.@1:A �?�:A BC? D?A: (3.11)

Sujeito a:

"�# � "��#()� * ��# + �$�# * �%�# + &�# * , ��$�# + �%�# * &�#���-.

(3.12)

"���� � "�# � "�� ! (3.13)

�$���� � �$�# � �$�� ! (3.14)

�%���� � �%�# � �%�� ! (3.15)

0 � &�# � ∞ (3.16)

Nesta formulação:

E - número total de aproveitamentos;

F - número total de horas;

0 - valorização dada ao volume de água na ultima hora em função de "1�em €;

"1� - volume de água na ultima hora na albufeira i em m3;

4# - preço de mercado na hora k em €/MWh;

�$�# - potência turbinada pela central i na hora k em MW;

�%�# - potência bombada pela central i na hora k em MW;

�569:;_��� - penalização atribuída pela violação da restrição (3.12) em €;

34 Algoritmo de optimização da gestão de recursos hídricos

"�# - volume na albufeira i na hora k em m3;

��# - afluência à albufeira i na hora k em m3;

�$�# - caudal turbinado pela central i na hora k em m3/h;

�%�# - caudal bombado pela central i na hora k em m3/h;

�� - conjunto de aproveitamentos a montante do aproveitamento i;

"���� - volume mínimo da albufeira i em m3;

"�� ! - volume máximo da albufeira i em m3;

�$���� - caudal turbinado mínimo pela central i em m3/h;

�$�� ! - caudal turbinado máximo pela central i em m3/h;

�%���� - caudal bombado mínimo pela central i em m3/h;

�%�� ! - caudal bombado máximo pela central i em m3/h;

&�# - caudal descarregado pela central i na hora k em m3/h.

Os parâmetros enunciados na Tabela 3.1 correspondem a dados de entrada. Quanto às penalizações, elas são determinadas de uma forma empírica e, uma vez que se trata de uma meta-heurística, correspondem ao mecanismo adoptado para garantir que as restrições não são violadas. Ao penalizar-se uma solução inviável, faz-se com que origine um pior valor de função objectivo e, consequentemente, ao ser comparada com uma solução viável e não penalizada, a solução inviável será descartada. A determinação destes factores será abordada mais à frente.

3.6. Aplicação do Simulated Annealing

De maneira a resolver o problema enunciado anteriormente usou-se o Simulated Annealing. Recorde-se que o objectivo do trabalho é verificar se, utilizando esta ferramenta, é possível identificar uma estratégia base em que as centrais turbinem nas horas em que o preço é mais alto e bombem nas horas em que o preço é mais baixo respeitando as restrições associadas a este problema.

O sucesso desta meta-heurística depende de um ponto fundamental que é possuir uma boa estratégia para gerar novos conjuntos de variáveis de decisão [24]. Para além disto, tal como eu qualquer algoritmo de pesquisa, ter um bom ponto de partida diminui bastante o tempo necessário para atingir uma solução óptima.

O algoritmo desenvolvido parte de uma solução inicial que seguidamente é avaliada segundo a expressão (3.10) considerando nulo o factor �56�#. Este factor é definido consoante a avaliação feita à solução inicial de maneira que tenham a mesma ordem de grandeza. Ou seja, se a solução inicial, com factor de penalização nulo, originar um valor de função objectivo de 4,34 � 10I, �56�# será 1 � 10I, por exemplo.

35

Partindo desta solução inicial começa então o processo iterativo. Este processo consiste em sucessivas modificações ao conjunto definido pelas variáveis de decisão (geração de vizinhos) e sua avaliação consoante a expressão (3.10). Entre estas duas fases, verifica-se se cada nova solução respeita a equação de balanço da água. Caso infrinja o limite mínimo, é penalizada pelo factor �56�#, caso infrinja o limite máximo, é feito um acerto através do descarregamento de água.

Como foi referido anteriormente, a parte fundamental desta meta-heurística reside na geração de soluções na vizinhança na solução anterior, isto é, como se trata de um algoritmo de pesquisa local, a solução a analisar na iteração n+1 deverá ser próxima da solução analisada na iteração n mas não exageradamente perto, de tal forma que torne a convergência para um óptimo muito demorada.

Com vista a atingir o objectivo previamente enunciado construiu-se primeiro um modelo mais simples que foi testado numa cascata composta por dois aproveitamentos cujos limites operacionais foram fornecidos pela EDP Produção. De seguida, construiu-se um modelo mais complexo que foi testado numa cascata composta por quatro aproveitamentos. Desta feita, os limites operacionais foram especificados com vista a por à prova a eficácia do algoritmo.

De seguida, explicam-se as principais diferenças dos dois modelos e no capítulo seguinte são apresentados os resultados obtidos.

No modelo mais simples, a solução inicial consiste em colocar as centrais a turbinar ao máximo nas cinco horas de preços mais elevados e bombar ao máximo nas cinco horas de preço mais reduzido. A geração de novas soluções, tal como referido em [13], é feita a partir de um número aleatório. Consoante este número, escolher-se-á um caudal respectivo a uma hora de uma central. A este caudal será subtraído ou somado (escolha esta que também é feita aleatoriamente) um passo previamente definido. Compreensivelmente, se o caudal escolhido já estiver no seu limite técnico máximo ou mínimo, o facto de se tratar de uma subtracção ou adição já não é deixado ao acaso. Ou seja, se o caudal já for o máximo só será possível subtrair e se o caudal for o mínimo só será possível somar. Desta maneira fica garantida o cumprimento das restrições referentes aos limites técnicos das turbinas (3.14 e 3.15). Posteriormente, verifica-se se esta nova solução respeita o balanço da água e calcula-se o valor da função objectivo de acordo com a expressão (3.10). Por último compara-se o valor da função objectivo resultante da nova solução com o melhor valor obtido até então. Se for maior, actualiza-se o melhor lucro obtido e o ponto de partida da nova iteração é esta solução. Se for menor, a solução é descartada e o ponto de partida da nova iteração é a solução da iteração anterior. Há no entanto que ter em consideração que no Simulated Annealing há a hipótese de uma solução pior ser aceite. Este mecanismo evita que o algoritmo fique preso em óptimos locais e actua consoante o cálculo de uma probabilidade que é comparada a um número aleatório. De facto, se o lucro obtido numa iteração for menor que o lucro obtido na iteração anterior mas se se verificar a condição (3.17) essa solução é aceite. O processo termina ao fim de 100.000 iterações.

36 Algoritmo de optimização da gestão de recursos hídricos

5�JCKA: ��?A çã: K�C ; – JCKA: ��?A çã: ��?A�:A�#�� O 6ú�5QR �S5�$óQUR (3.17)

Este algoritmo encontra-se representado na Figura 3.3.

37

Figura 3.3 – Fluxograma correspondente ao algoritmo utilizado para resolver o caso mais simples

38 Algoritmo de optimização da gestão de recursos hídricos

No modelo mais complexo, as diferenças residem na solução inicial e na geração de novas soluções. Quanto à primeira, consiste em turbinar ao máximo em todas as horas excepto nas cinco de preço mais reduzido; nestas horas, o aproveitamento que possui um grupo reversível efectua bombagem. Quanto à segunda, o processo de geração de novas soluções é mais elaborado que no modelo anterior. Assim, no início de cada iteração verifica-se se na iteração anterior as restrições referentes à equação de balanço da água foram cumpridas. Caso isso tiver acontecido, o algoritmo prossegue tal como no modelo anterior. Caso contrario, sorteia-se um dos aproveitamentos em que a restrição referida tiver sido violada e actua-se sobre a hora de menor preço subtraindo ao caudal turbinado definido pela iteração anterior o passo previamente estabelecido. Quanto à avaliação da nova solução, o processo decorre tal como explicado no modelo anterior. Este novo modelo foi também dotado de um mecanismo que faz com que o algoritmo termine caso o lucro obtido não varie mais que 1% nas mil iterações anteriores. Em suma, o algoritmo pode ser sistematizado tal como se apresenta na Figura 3.4.

39

Figura 3.4 - Fluxograma correspondente ao algoritmo utilizado para resolver o caso mais complexo

40 Apresentação dos resultados

Capítulo 4

Apresentação e discussão dos resultados obtidos

O algoritmo desenvolvido neste trabalho foi aplicado a duas situações distintas. A primeira era caracterizada por dois aproveitamentos ligados entre si. Os dados referentes a estes aproveitamentos são reais mas foram ligeiramente alterados por motivos de confidencialidade. A segunda era caracterizada por quatro aproveitamentos ligados entre si, possuindo um deles capacidade de bombagem. Neste último caso, os limites não são reais mas foram estipulados de maneira a testar a robustez do algoritmo, nomeadamente a sua resposta à ausência de água e como esta particularidade afecta o comportamento das centrais em cascata.

Em ambos os casos, como foi referido anteriormente, tanto os preços como as afluências foram considerados dados de entrada. Os preços foram obtidos no site do Operador de Mercado Ibérico e correspondem a um dia de Janeiro de 2011, ou seja, são fruto de um histórico e não de uma previsão. As afluências foram fornecidas pela EDP Produção e consideradas constantes ao longo de todo o horizonte temporal.

Os testes foram todos realizados numa máquina Intel Core(TM)2 Duo a 2.67 GHz com 4 GB de memória RAM.

Assinala-se ainda que os resultados finais das potências turbinadas, tal como os preços, foram normalizados para uma escala entre zero e um de maneira a ser mais perceptível se efectivamente as centrais produzem energia nas horas de melhor preço e efectuam bombagem nas horas de preço mais baixo.

4.1. Caso 1 – Sistema com dois aproveitamentos hídricos

Neste caso utilizaram-se dados referentes a aproveitamentos reais que se apresentam na Tabela 4.1.

Volume mínimo - Volume máximo -

Caudal Turbinamento máximoCaudal Bombagem máximo

Queda - [m]Rendimento de Turbinamento Rendimento de Bombagem

Volume inicial - v

Tabela 4.1 – Dados referentes ao primeiro caso dos aproveitamentos 1 e 2

A configuração hidráulica deste caso é a seguinte:

Nas Figura 4.2, Figura este primeiro caso.

Figura 4.1 -

Aproveitamento 1 Aproveitamento 2 [hm3] 84 [hm3] 106

máximo - [m3/s] 320 máximo - [m3/s] 251

[m] 50 Rendimento de Turbinamento - [%] 88 Rendimento de Bombagem - [%] 92

vi0 [hm3] 95

Dados referentes ao primeiro caso dos aproveitamentos 1 e 2

A configuração hidráulica deste caso é a seguinte:

4.3 e Figura 4.4 apresentam-se os resultados obtidos para

Esquema hidráulico do sistema utilizado no Caso 1.

41

Aproveitamento 2 132 148 705 - 33 91 -

140

Dados referentes ao primeiro caso dos aproveitamentos 1 e 2

os resultados obtidos para

42 Apresentação dos resultados

Figura 4.2 - Potências turbinadas e bombadas referentes ao aproveitamento 1 e preços de mercado.

Figura 4.3 - Potência turbinada referente ao aproveitamento 2 e preços de mercado.

43

Como se pode ver pela Figura 4.2 e pela Figura 4.3, o objectivo principal foi cumprido. De facto, as centrais estão a turbinar nas horas de preço mais elevado e a central 1 está a efectuar bombagem nas horas em que o preço está mais baixo, sem que os limites técnicos sejam violados. No entanto, refira-se que a solução podia ser melhor já que ficou muita água por turbinar nas albufeiras tal como se pode verificar na Figura 4.4. O resumo dos resultados obtidos para este caso estão representados na Tabela 4.2.

Energia Produzida (MW.h) 2167

Consumo por Bombagem (MW.h) 654

Proveitos (k€) 139,43

Custo por Bombagem (k€) 2,54

Remuneração total (k€) 136,89

Tempo (s) 4,74

Tabela 4.2 – Resultados finais obtidos para o Caso 1

4.2. Caso 2 – Sistema com cascata de quatro aproveitamentos

Neste caso os dados utilizados não correspondem a valores reais e são apresentados na Tabela 4.3.

Figura 4.4 - Variação horária dos volumes das albufeiras 1 e 2.

44 Apresentação dos resultados

Aproveitamento

Volume mínimo - [hm3]

Volume máximo - [hm3]

Caudal Turbinamento máximo - [m3/s] Caudal Bombagem

máximo - [m3/s] Queda - [m] Rendimento de

Turbinamento - [%] Rendimento de

Bombagem - [%] Volume inicial - vi

0 [hm3]

Tabela 4.3 – Dados referentes ao segundo caso para os aproveitamentos 1, 2, 3 e 4

A configuração hidráulicaFigura 4.5.

Figura 4.5 - Esquema hidráulico do sistema utilizado no Caso 2.

Aproveitamento 1

Aproveitamento 2

Aproveitamento 3

8,4 8,4 8,4

10,6 10,6 10,6

25 100 50

25 - -

50 30 30

89 80 80

93 - -

1,1 1,1 1,1

Dados referentes ao segundo caso para os aproveitamentos 1, 2, 3 e 4

hidráulica do sistema estudado neste caso é a representada na

Esquema hidráulico do sistema utilizado no Caso 2.

Aproveitamento Aproveitamento 4

8,4

10,6

25

-

30

80

-

1,1

Dados referentes ao segundo caso para os aproveitamentos 1, 2, 3 e 4

do sistema estudado neste caso é a representada na

45

Nas Figura 4.6 a Figura 4.11 apresentam-se os resultados obtidos para este segundo caso.

Figura 4.6 - Potências turbinadas e bombadas referentes ao aproveitamento 1 e preços de mercado.

Figura 4.7 - Potência turbinada referente ao aproveitamento 2 e preços de mercado.

46 Apresentação dos resultados

Figura 4.8 - Potência turbinada referente ao aproveitamento 3 e preços de mercado.

Figura 4.9 - Potência turbinada referente ao aproveitamento 4 e preços de mercado.

47

Neste segundo caso, o algoritmo permitiu obter resultados notáveis. De facto, partindo de uma solução má foi possível chegar à solução espectável. Com efeito, a Figura 4.11 permite verificar que as primeiras soluções são muito penalizadas devido

Figura 4.10 - Variação horária dos volumes das albufeiras 1, 2, 3 e 4.

Figura 4.11 - Evolução em escala logarítmica da função de avaliação do Simulated Annealing obtida ao longo do processo iterativo

48 Apresentação dos resultados

à violação da restrição de volumes mínimos enquanto as últimas não sofrem penalizações.

No aproveitamento 1, nas horas de preço mais baixo efectua-se bombagem (Figura 4.6) fazendo com que o volume aumente (Figura 4.10). Quando o preço de mercado começa a subir, a central passa a turbinar ao máximo gastando a água disponível na albufeira (Figura 4.6 e Figura 4.10).

A central hidroeléctrica do aproveitamento 2 guarda a água disponível até às horas de preço mais elevado (a partir das 20h - Figura 4.7) sendo que o volume se mantém constante até lá (Figura 4.10).

O aproveitamento 3 tem como afluências os turbinamentos e descarregamentos dos aproveitamentos 1 e 2 tal como se pode verificar na Figura 4.5. Por isso, nas primeiras horas (preços mais baixos), o seu volume diminui em virtude da bombagem do aproveitamento 1 (Figura 4.10). Nestas horas poupa água para as horas de preço mais elevado e por isso não turbina. A partir das 8h, o aproveitamento 1 começa a turbinar (Figura 4.6) e o volume na albufeira 3 começa a aumentar (Figura 4.10). A partir das 10h, este aproveitamento já tem água suficiente para turbinar ao máximo nas horas de preço mais elevado e fá-lo como se pode ver pela Figura 4.8. Entre as 10h e as 20h, os aproveitamentos 1 e 3 estão a turbinar ao máximo e o aproveitamento 2 continua parado (Figura 4.6, Figura 4.7 e Figura 4.8). Ora, uma vez que os caudais turbinados pelos aproveitamentos 1 e 2 correspondem às afluências da albufeira 3 e o caudal máximo de turbinamento da central 3 é superior ao da central 1 (Tabela 4.3), o volume na albufeira 3 diminui (Figura 4.10). A partir das 20h, o aproveitamento 2 começa a turbinar ao máximo (Figura 4.7) e como a soma dos caudais máximos de turbinamento dos aproveitamentos 1 e 2 é superior ao caudal máximo de turbinamento do aproveitamento 3, o volume nesta albufeira aumenta (Figura 4.10).

O aproveitamento 4 tem como afluência o caudal turbinado pelo aproveitamento 3 tal como se verifica na Figura 4.5. No entanto, tem volume inicial suficiente para turbinar ao máximo durante todas as horas, inclusive naquelas em que o aproveitamento 3 está parado (Figura 4.9). Ou seja, no início, como o aproveitamento 3 está parado, o aproveitamento 4 não tem afluências mas está a turbinar ao máximo o que faz com que o volume na albufeira diminua (Figura 4.10). A partir das 10h, o aproveitamento 3 começa a funcionar turbinando ao máximo (Figura 4.8) e como o seu caudal máximo de turbinamento é superior ao caudal máximo de turbinamento do aproveitamento 4 (Tabela 4.3), dá-se um aumento do volume desta albufeira (Figura 4.10).

Por fim, a Tabela 4.4 apresenta um quadro resumo dos resultados obtidos neste caso.

49

Energia Produzida (MW.h) 573,74

Consumo por bombagem (MW.h) 75,72

Proveitos (k€) 29,7

Custo por bombagem (k€) 0,42

Remuneração total (k€) 29,3

Tempo de execução (s) 1,9

Número de iterações 12000

Tabela 4.4 - Resultados finais obtidos para o caso 2

50 Conclusão

Capítulo 5

Conclusões e Perspectivas de Desenvolvimento

Ao longo do trabalho que agora findou um pressuposto esteve sempre presente: a mudança de paradigma que o sector energético sofreu nestes últimos anos fez com que as empresas encarassem o negócio antigamente tão tradicional da produção de energia eléctrica de uma maneira completamente diferente. De facto, o ambiente de mercado que é suposto ser altamente competitivo obriga a que as empresas desenvolvam estratégias de operação tendo em vista não só a minimização de custos e a fiabilidade no fornecimento de energia mas também a maximização dos proveitos. Para tal, é necessário gerir o recurso água e as infra-estruturas associadas com máxima eficiência e racionalidade: apesar de a água ter custo marginal de curto prazo nulo, trata-se de um recurso com bastante valor, quanto mais não seja tendo em vista a sua retenção para futuro uso melhor remunerado. Esta particularidade bem como outras dificuldades expostas em capítulos anteriores tornam este problema num exercício de optimização bastante complexo. Este novo desafio fez com que o interesse em ferramentas computacionais e novas metodologias aumentasse significativamente.

Este trabalho tinha como objectivo demonstrar que as meta-heurística, em

particular o Simulated Annealing, constituem ferramentas úteis uma vez que permitem obter estratégias viáveis que não só respeitam as restrições físicas como também levam em consideração a interdependência entre aproveitamentos e a reversibilidade dos grupos – possibilidade de haver bombagem. Da análise do caso mais simples, pode-se concluir que esta estratégia é não só viável como também corresponde à percepção geral de que uma boa solução deve corresponder a turbinar água nas horas de preço mais elevado e efectuar bombagem nas horas de preço mais baixo (Figura 4.2 e Figura 4.3). No caso mais complexo verificou-se que, com as alterações necessárias relativamente ao caso inicial, é possível obter uma estratégia mais elaborada para uma cascata mais complexa e de cálculo ainda mais difícil. Nesta situação é bem visível a importância de considerar a interligação entre aproveitamentos pois o turbinamento de um pode ser a afluência de outro (Figura 4.5). Recorde-se que no caso de quatro aproveitamentos, possuindo um deles

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capacidade de bombagem, durante 24 horas, o número de variáveis de decisão ascende a 216.

Pode-se então afirmar que o trabalho realizado apresenta como principais contribuições:

• Apresentação de um algoritmo capaz de identificar uma estratégia de operação a curto prazo de um aproveitamentos hidroeléctricos sendo que este algoritmo tem por base uma meta-heurística. Esta estratégia é tecnicamente viável e tem em conta a possibilidade de bombagem e a interligação entre os aproveitamentos;

• Demonstração das desvantagens resultantes da não consideração da bombagem e da interligação dos aproveitamentos.

As restantes vantagens deste modelo decorrem da ferramenta utilizada uma vez

que o Simulated Annealing é fácil de programar e bastante rápido. Note-se que a interdependência temporal entre variáveis foi incluída e este modelo trata com precisão o problema do balanço da água. A metodologia utilizada permite também lidar com o elevado número de variáveis que caracterizam este problema bem como com as suas restrições.

As principais desvantagens do modelo são o elevado número de simplificações

sendo que as que podem introduzir erros mais elevados são o facto de se considerar a queda constante ao longo do horizonte temporal e o facto de se considerar que as empresas detentoras dos aproveitamentos hidroeléctricos não influenciam os preços de mercado. Este último ponto é relevante tendo em conta que em diversos países há empresas que gozam de uma posição dominante.

Como foi referido anteriormente, o modelo desenvolvido poderá ser alvo de diversas melhorias. Com efeito, a elevada gama de soluções computacionais e ferramentas de optimização existentes dão bastante espaço para futuros desenvolvimentos nesta área, nomeadamente:

• Desenvolvimento de um modelo usando uma meta-heurística que, no mínimo, incluísse a relação não linear entre a queda e a potência;

• Calculo mais preciso do valor futuro da água. Tal como referido em [2], o estudo de uma metodologia baseada em métodos estocásticos como por exemplo Simulação de Monte Carlo, ou Programação Dinâmica Estocástica seria também um ponto a abordar

• Inclusão da incerteza quanto aos preços de mercado. Para este efeito poderia ser utilizado um algoritmo que modelizasse o comportamento de mercado onde interactuavam não só centrais hídricas como também centrais térmicas. Desta maneira, os preços não seriam apenas dados de entrada mas sim resultantes de valores fornecidos pelo algoritmo. Estes valores teriam de ter em conta a posição relativa das diferentes empresas participantes no mercado;

52 Conclusão

• Aplicação de um modelo que utilize o Enhanced Simulated Annealing [25] mas que incluísse o efeito de bombagem bem como a relação não linear entre a queda e a potência;

• Aumentar o horizonte temporal do problema em análise de modo a ser possível obter uma estratégia de exploração médio prazo;

• Avaliar o impacto dos custos de manutenção dos sucessivos arranques, paragens e inversão do sentido de operação dos diferentes grupos na estratégia de operação.

Apesar de todos estes melhoramentos que podem ser feitos, é de salientar que o

trabalho desenvolvido é pioneiro no uso de uma meta-heurística num problema onde é considerada a bombagem. Ficou bem claro a dificuldade que há em modelizar a operação de um conjunto de aproveitamentos hidroeléctricos nomeadamente ao nível do tratamento do número de variáveis e da interdependência entre elas, da interligação das diversas centrais e do tratamento das restrições técnicas. Espera-se que este trabalho tenha contribuído para uma aposta futura nas meta-heurísticas já que são uma ferramenta com muito potencial e que se podem tornar indispensáveis para a resolução destes problemas cada vez mais complexos. Espera-se igualmente que este trabalho seja útil para a EDP - Gestão da Produção de Energia, SA e que possa constituir uma primeira abordagem que seja alvo de melhorias e desenvolvimentos futuros.

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54 Referências

Referências

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