Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF...

13
Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana Artigos Meloteca 2009

Transcript of Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF...

Page 1: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração:

o timbre

e as suas

particularidades

expressivas

em

“Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana

Artigos Meloteca 2009

Page 2: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 2

Andersen Viana1

RESUMO

Este artigo reúne informações e tópicos para reflexão sobre um dos aspectos mais

fascinantes da orquestração: o timbre na Suíte Ma Mère l’Oye de Maurice Ravel.

Procurou-se atingir o cerne de questões que se colocam como fundamentais no

processo composicional: Qual a importância do timbre? Qual a razão de se utilizar

um ou outro instrumento? Será a resultante de combinações orquestrais suficientes

para expressar algo que vai além do sonoro?

1 Doutorando em Música-Composição pela Escola de Música da UFBA, maestro-compositor, produtor cultural e professor na Fundação Clóvis Salgado-Palácio das Artes, Escola Livre de Cinema em Belo Horizonte. Site: http//www.andersen.mus.br.

Page 3: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 3

INTRODUÇÃO

Através deste trabalho, procurou-se atingir - além da parte puramente técnica - horizontes poéticos

que se extraem da oportuna coincidência de diferentes sons orquestrais e os mais variados efeitos de

instrumentação. É neste particular que trataremos neste artigo: da poética dos sons no seu aspecto mais

subtil: o timbre, na obra de um dos maiores compositores e orquestradores da história da música:

Maurice Ravel (1875-1937). Além dos diversos tratados, também Ravel - através da sua obra musical -

nos revela a importância de se eleger o timbre como força expressiva máxima da contemporaneidade

musical. É óbvio que inicialmente o estudante deve iniciar-se na arte da orquestração de forma gradual:

primeiramente reconhecendo a sonoridade própria de cada instrumento que compõe a orquestra, depois

combinar os instrumentos e secções, e, paulatinamente, agregar novos timbres ao grupo orquestral ou

mesmo, formar novos grupos timbrístricos2. Neste particular, a Suite Mãe Ganso revela-se como uma

preciosa tapeçaria nos mostrando artifícios sonoros que vão muito além da originalidade.

MÃE GANSO

Sem dúvida um dos maiores expoentes da arte da orquestração no século XX, Maurice Ravel

atingiu com as suas obras orquestrais um nível de excelência muito alto. A razão deste sucesso deve-se

a vários factores mas, sobretudo, à concepção original e estruturada da essência da sua música e do seu

pensamento musical maduro. O factor orquestração veio somar às suas qualidades artísticas, fazendo

com que as suas obras orquestrais resultassem em algo raro. Raridade é o que se pode atribuir a Ravel

por utilizar o timbre dos instrumentos de forma incomum. Isto é para ele um elemento de especial força

expressiva onde o compositor pode alcançar níveis transcendentes, chegando até os limites onde a

música encontra os seus símbolos extra-musicais. Do mesmo modo que Korsakov3, Ravel utiliza na suíte

Mãe Ganso (Ma Mère l’Oye – 5 Pièces Enfantines) recursos timbrísticos que vão além do convencional,

numa tentativa de expressar factores sonoros extra-musicais (apenas para aqueles que conseguirem

2 Uma memorável experiência criativa timbrística foi realizada no ano de 2005 no Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado-Palácio das Artes onde pude reunir com os meus alunos da classe de Improvisação, um conjunto instrumental formado por: violino, violoncelo, saxofone tenor, flauta doce, flauta transversa, clarinete (Bb), trompete (Bb), piano e violão, resultando em uma sonoridade novíssima e de grande efeito, com múltiplos timbres que formavam estruturas sonoras ímpares e, ao mesmo tempo, complementares.

3 No Tratado, Korsakov discorre sobre a música como um todo - harmonia, ritmo, melodia, movimento, dinâmica - enfim, da essência musical que compõe aquilo que se deve orquestrar. Interessante é a questão que ele levanta sobre o ponto de vista “psicológico” do timbre, indicando que cada instrumento possui um carácter próprio, bem como sua relação com a tonalidade (flauta: melodias de caráter ligeiro e gracioso no modo maior e de tristeza superficial no modo menor; oboé: timbre alegre no modo maior e doloroso no modo menor, clarinete:carácter alegre e meditativo no modo maior ou meditativo e triste no modo menor; fagote: senil e pouco sério - ou burlesco? - no modo maior e sofrido e triste no modo menor).

Page 4: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 4

visualizar as estruturas sonoras e literárias de forma única) de maneira a agregar um valor pictórico à

forma musical, representando personagens e situações do real e do imaginário numa paleta sonora de

rara magnitude.

TRADIÇÃO ORAL

Antes de comentar analiticamente sob o ponto de vista timbrístico alguns aspectos interessantes

da Suíte Mãe Ganso, é importante ressaltar aquilo em que a obra musical se baseia. Neste caso, sobre

contos campesinos europeus oriundos da tradição oral.

Os contos camponeses medievais foram criados no fazer social, por sujeitos que

viviam no acontecer cotidiano, subjugados pelo poder do senhorio, dos poderosos,

sem nenhuma lei que os amparasse e os protegesse. Criar, imaginar e narrar

histórias baseadas no cotidiano, numa sociedade fundamentada na oralidade, eram

os meios encontrados pelo povo para manifestar sentimentos de alegria, tristeza,

injustiça, revolta, dificuldades e comportamentos imaginários de que os

camponeses lançavam mão ou não para sair do estado de miséria em que viviam.

Estes contos camponeses transmitidos oralmente no final do século XVII, foram

registrados por Charles Perrault e reconhecidos nos salões literários franceses,

sendo fundamentalmente, os atuais contos infantis, tão bem estudados e

explorados por Darnton. São as versões das histórias da Cinderela, Joãozinho e

Maria, Capuchinho Vermelho, Mãe Ganso, O Gato de Botas. (Zamboni, Ernesta -

1998).

Observa-se a utilização de instrumentos - e consequentemente dos seus timbres característicos - que

não são muito frequentes na função de solistas na orquestra, bem como novos efeitos orquestrais

resultantes de novas combinações. Para uma correcta utilização de correspondência entre ideias sonoras

e literárias, observam-se as variadas opções realizadas por Ravel, a qual se inicia pelo título da obra

literária, com um animal encontrado na natureza que possui uma emissão de som igualmente inusitado: o

ganso.

Warner esclarece que os ditados populares na Europa enfocam os

gansos como criaturas emblemáticas de mulheres mexeriqueiras.

Além disso, o ganso era associado com funções inferiores, realizadas

por mulheres. Também, o verbo francês cacarder significa tanto a

conversa das mulheres como o grito dos gansos. É pertinente,

Page 5: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 5

portanto, a escolha de Charles Perrault em colocar no frontispício de

seu livro Histoires ou Contes de Temps Passè, avec les Moralités, em

1697, o subtítulo Contes de ma Mère l’Oye - Contos da minha mãe

Ganso. (Warner, Marina – 1999)

Ravel inicia a sua suíte com uma pavane de carácter idílico, e utiliza a segunda flauta no registro grave4 -

ele aguarda o momento certo para usar a primeira flauta que tocará o mesmo tema na região aguda -

para expor o tema principal na região do instrumento onde ele tem pouca reverberação em pp, em

contraponto aos pizzicati das violas em uníssono com a trompa. O timbre escolhido juntamente com a

dinâmica, sugere uma atmosfera de tranquilidade, pois de acordo com o carácter literário do título

“Pavane de La Belle au Bois dormant” a música procura o seu objectivo: ser descritiva e pastoril. As

cordas - estrutura sonora fundamental de uma orquestra e sobre a qual a grande maioria dos

compositores tem utilizado para o desenvolvimento da maioria das suas obras - encontram-se alteradas

na sua sonoridade original, ou seja, utilizam-se as surdinas, tornando o som dos instrumentos mais suave

e delicado, mantendo a dinâmica PP. Nos seus poucos compassos - um total de apenas vinte - Ravel

consegue criar um ambiente calmo no meio da natureza, onde nada poderia perturbar uma paz que reina

infinita e duradoura. À exposição pela flauta do tema principal, segue-se um timbre de um instrumento

análogo em cristalinidade: o clarinete. Os dois instrumentos equivalem-se em intensidade e sonoridade,

trazendo com esta troca de instrumentos, uma variação timbrística não muito distante, já que os dois sons

se assemelham.

4 Nota-se que cada flautista possui um timbre sonoro próprio, pois este origina-se também da formação

física dos lábios e não somente da escola pela qual o instrumentista foi formado.

Page 6: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 6

Exemplo1:

“Les oiseaux étaient venus qui avaient tout mangé...” na segunda peça - “Petit Poucet”-, Ravel utiliza no

compasso 51 - ou número 5 de ensaio - um artifício único e de grande efeito sonoro timbrístico

característico do som do canto dos pássaros. O violino solista toca glissandos com harmónicos artificiais

de quarta - sem surdina, o que abre o som do instrumento, deixando o timbre mais brilhante - repetindo

esta estrutura sonora duas vezes, sendo a mesma intermediada por uma outra de timbre misto - flautim

em flatterzungue, flauta, segundo violino solo, terceiro violino solo sem surdina e com trinados, e violinos

tutti com surdina em glissando sobre o espelho - ambas as estruturas sonoras funcionam como pergunta

e resposta. Juntamente a estas estruturas o fagote solo toca p e expressivo, a melodia que tem o motivo

inicial do quarto compasso apresentado pelo oboé, transposto uma quarta abaixo - mais uma oitava, com

contraponto às violas-, enquanto os contrabaixos - em divisi - tocam um pedal sobre a nota ré - um com a

nota natural, esta, sendo dobrada pelo fagote em uníssono; e a outra em harmónico natural, perfazendo

uma oitava, com a primeira trompa oitava acima - sendo estas estruturas acompanhadas por um trinado -

ré,dó - pelos segundos violinos em surdina e sobre o espelho.

Page 7: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 7

Exemplo 2:

Na terceira peça, “Laideronette, Impératrice des Pagodes”, Ravel usa um tema que tem a sua construção

baseada na escala pentatónica - apresentado inicialmente pelo flautim - para representar musicalmente a

imperatriz chinesa. Todas as cordas estão em surdina e tocadas em cima do espelho. Esta sonoridade é

característica das obras de Ravel e Debussy aquando do uso do conjunto de cordas para determinado

efeito, e este recurso é utilizado para se conseguir uma sonoridade diversa da habitual, menos brilhante e

um pouco mais escura. Somam-se a isto, as notas em trinado e dinâmica em pp com a adição de um

harmónico natural de terça - sobre a corda lá - tocado pelos contrabaixos, que colabora para que o

resultado do timbre final das cordas seja uma textura de tons pastéis, ponteada por notas contínuas da

harpa, do primeiro fagote e da trompa - esta, tocada também com surdina.

Exemplo 3:

Mas é no compasso 24 - ou número 3 de ensaio estrategicamente posicionado pelo editor - que um

notável efeito orquestral é obtido. Nesta parte da música, nota-se um grande contraste de tessituras que

se contrapõe e se complementam. As ideias extra-musicais nesta parte podem ser as mais diversas, tais

Page 8: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 8

como uma dança feita pelos mandarins, um salto, o levantar de pernas ou braços, jogar instrumentos

para cima etc. Analisando apenas sob o aspecto sonoro timbrístico, temos um grande impacto de

estruturas complementares. O flautim, flauta, clarinetes e o glockenspiel, apresentam uma estrutura

pulsante que na sua construção tem saltos de quarta e quinta sucessivamente - estes dois como

apogiaturas duplas -, perfazendo um intervalo de oitava e chegando à apenas duas notas - dó# e sol# -

que simbolizam a utilização de elementos da música chinesa mas, pela óptica ocidental europeia. Os

primeiros e segundos violinos reforçam a nota de chegada do flautim, flautas, clarinetes e glockenspiel,

bem como a harpa e as trompas - estas agora sem surdina, complementado pelo ataque dos pratos em

dinâmica f. Esta estrutura complexa timbrísticamente é o resultado da fusão destes variados sons,

formando uma nova sonoridade de efeito surpreendente, a qual se repete integralmente mais outras cinco

vezes até o final da obra.

Exemplo 4:

Um dos pontos mais expressivos da obra sob o aspecto timbrístico encontra-se no movimento “Les

entretiens de la Belle et de la Bête”, onde citações do texto podem ser encontradas de modo a sugerir o

encontro amoroso da Bela com o Monstro. A questão fundamental nesta peça reside no facto de Ravel

ter escolhido dois instrumentos pertencentes à família das madeiras - que se complementam mas, soam

distintamente opostos - para sugerir personagens tão diversos. O clarinete - bastante usado como

instrumento solista por Ravel, assim como a flauta – caracteriza-se pela sonoridade clara e transparente,

simbolizando a Bela.

Page 9: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 9

Exemplo 5:

Em oposição, Ravel utiliza um instrumento que tem a função de dobrar os contrabaixos e violoncelos,

actuando na orquestra como contrabaixo das madeiras: o contrafagote. Este instrumento é utilizado na

orquestra “porque era realmente necessario contar con un instrumento profundo e pesado para las

maderas, más allá de las possibilidades de los fagots y de los clarinetes bajos, a fin de equilibrar la

sección moderna de las cuerdas y metales” (Piston, 1984:218), como contrabaixo, instrumento apoiador

dos instrumentos graves e semi-graves. Piston cita as novas possibilidades do uso do contrafagote como

instrumento solista por compositores como Gustav Mahler e Richard Strauss5, contudo, as utilizações

deste instrumento como solo são raras. Isto deve-se também às suas frequências graves, que emitem um

zumbido nas vibrações sonoras lentas que é escutado conjuntamente com as notas musicais. No trecho

da obra em questão, tem-se notas agregadas: os intervalos de segunda maior em pizzicato pelos

violoncelos e contrabaixos.

Exemplo 5.1:

Algo interessante de se observar é a junção destes dois temas que simbolizam a Bela e o Monstro -

clarinete e contrafagote. Os mesmos, após serem apresentados separadamente, são colocados em

5 Também A.Casella e V.Mortari citam as novas possibilidades expressivas do uso do contrafagote no

seu Tratado.

Page 10: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 10

contraponto com o acompanhamento da orquestra em pp, no número 4 de ensaio. Neste ponto pode-se

aproximar da ideia literária que consta da partitura: “Non, ma chère Bête, vous ne mourrez pás: vous

vivrez pour devenir mon époux”...

Exemplo 5.2:

Nos últimos vinte compassos, tem-se o ponto culminante em ff, marcados pelo diálogo entre o clarinete e

o contrafagote, apoiados ora pelos contrabaixos, ora pelos violoncelos. Pode tentar-se relacionar a

entrada de um timbre novo - extraído de um instrumento que já toca na peça: o violino, mas, que se

apresenta como solista, sem surdina e em harmónicos artificiais de quinta - estes são de uso raro na

literatura musical -, modificando sobremaneira o timbre inicialmente apresentado. Esta importante entrada

temática é precedida por um novo timbre: pelo único glissando de harpa que existe na peça, onde se

pode fazer uma tentativa de se encaixar o sentido do texto “La Bête avait disparu et elle ne vit plus à sés

pieds qu’un prince”, como forma de anunciar um evento musical novo de sonoridade mais cristalina

possível em região sobre-aguda do instrumento e, ao mesmo tempo extra-musical: a transformação do

monstro em príncipe.

Page 11: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 11

Exemplo 5.3

Com as diversas possibilidades expressivas do último movimento “Le jardin féerique” - desde o início com

os violinos, violas e violoncelos em pp até o “gran finale” em tutti ff onde todos os instrumentos estão

representados através de contrastes coloridos - uma passagem sobressai. Assim como o contrafagote, a

viola era pouco utilizada como instrumento solista na orquestra: “La viola, fra tutti gli strumenti d’orchestra

é quella le di cui eccellenti qualità furono più a lungo ignorate” (Berlioz, 1912:32).

Isto pode ser devido à timidez dos violistas - em parte por insegurança, pois muitas das vezes são ex-

violinistas que passam a tocar este instrumento - percebida pelos compositores que optavam, na maioria

das vezes, por destinar uma parte mais aguda para o violino, com medo de que a interpretação não

venha a ficar condizente com a escrita. Ravel, invertendo esta lógica no “Le jardin” - número 3 de ensaio -

utiliza uma viola solista na sétima posição - posição raramente utilizada na orquestra e onde o timbre

agudo é mais contundente - em oitavas juntamente com o violino solista. Ambos os instrumentos são

duplicados pela celesta o que traz um novo timbre resultante das forças empregadas: brilhante e

luminoso, mas que se mantém em dinâmica pp, tendo como acompanhamento flautas, clarinetes, trompa

e harpa. Esta tessitura rara contrasta com o final ff onde toda a orquestra potencializa a sua máxima

sonoridade expressiva nos últimos seis compassos.

Page 12: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 12

Exemplo 6:

ÚLTIMAS QUESTÕES

É importante ressaltar que a grande aventura sonora do timbre está longe de se esgotar, não

somente com as variações que ainda podem - não sem árduo trabalho - ser realizadas com os

instrumentos convencionais - acústicos e/ou amplificados -, mas, sobretudo, com a inclusão dos inúmeros

instrumentos étnicos encontrados nas mais variadas partes do mundo, novas fontes sonoras - como a

descoberta do ruído como fonte geradora -, instrumentos Smetak, instrumentos Uakti, instrumentos feitos

com sucata, instrumentos eletrónicos e meios computacionais, manipulação eletroacústica, bem como as

inúmeras possibilidades de fusão destas forças, tais como a Orchestra Virtual. Há-de pesquisars-e e

avançar muito ainda sobre este importante item da orquestração que tem fascinado gerações, fascínio

que tem estado presente - com certeza - antes do surgimento da opera Orfeo de Cláudio Monteverdi

(1567-1643) e que promete ir muito além dos dias actuais.

Page 13: Orquestração: o timbre e as suas particularidades ... · PDF fileOrquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas em “Ma Mère l’Oye” Andersen Viana > Meloteca

Orquestração: o timbre e as suas particularidades expressivas

em “Ma Mère l’Oye”

Andersen Viana > Meloteca 2008 Pág. 13

REFERÊNCIAS

Berlioz, Hector.1912. Grande Tratatto di Istrumentazione e D’Orchestrazione Moderne. Milano:Ricordi.

Casella, Alfredo e Mortari, Virgilio.1950. La Tecnica de La Orquesta Contemporanea. Buenos Aires:

Ricordi Americana.

Gomes, Wellington. 2002. Grupo de Compositores da Bahia - Estratégias Orquestrais. Salvador:

EDUFBA.

Korsakov, Nicolas Rimsky. 1946. Princípios de Orquestación. Buenos Aires: Ricordi Americana.

Piston, Walter. 1984. Orquestación. Madrid: Real Musical.

Ravel, Maurice.1989. Four Orchestral Works. Mineola-New York: Dover Publications.

Warner, Marina. 1999. Da fera à loira: sobre contos de fadas e seus narradores. Tradução de Thelma

Médici Nóbrega. São Paulo: Companhia das Letras.

Viana, Andersen. 1995. Orchestra Virtual (encarte do CD). Belo Horizonte: Edição do Autor.

Zamboni, Ernesta. 1998. Representações e linguagens no ensino de história. Rev. bras. Hist., São

Paulo, v. 18, n. 36, (www.scielo.br).

IMAGEM DA CAPA

Ravel, de Colbert Cassans (pormenor)