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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

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AS PRÁTICAS DE LEITURA E DE ANÁLISE LINGUÍSTICA COM PIADAS NAS SÉRIES DE 7º ANO

Rosangela Monteiro Constantino 1 Prof.ª Dr.ª Lilian Cristina Buzato Ritter2

RESUMO: A partir do projeto desenvolvido no PDE, oportunizamos aos alunos do 7º

ano o contato com um gênero muito apreciado pelos alunos dessa faixa etária, dos 11 aos 12 anos, a piada. A justificativa para a escolha desse gênero, em primeiro lugar, é pelo interesse dos alunos. Além disso, é oportuno principalmente porque é nessa idade que o cérebro desenvolve as habilidades para a compreensão das inferências, do abstrato. O objetivo do projeto foi desenvolver a leitura crítica do aluno do ensino fundamental, por meio das práticas de leitura/análise linguística com o gênero discursivo piada. Percebemos que por tratar-se de textos lúdicos e atrativos, os alunos demonstraram interesse e dedicação ao realizarem as atividades organizadas na coletânea, gerando assim um ensino-aprendizagem eficiente.

Palavras-chave: Leitura. Análise Linguística. Piada.

Introdução

Na área dos estudos da Linguística Aplicada, muito se tem discutido e

afirmado a importância da leitura, no sentido de que seja concebida e praticada

como uma leitura compreensiva que ultrapasse a decodificação. Pesquisas apontam

que grande parte dos leitores, e que, infelizmente, são poucos em nossa sociedade,

encontram – se no estágio de leitor funcional, ou seja, leitores que ao ler não

compreendem os enunciados. Esse fato nos incomoda muito, principalmente por ser

composto por um quadro no qual a porcentagem de alunos é grande, são leitores

alunos funcionais que estão no ensino fundamental, médio e até mesmo em

universidades.

Pensando em amenizar esse quadro, realizamos no PDE, um projeto mais

elaborado voltado aos estudos da análise linguística, com ênfase na leitura como

reação ao texto, na qual o aluno assume uma posição crítica em relação ao

discurso, utilizando-se nas aulas de Língua Portuguesa o gênero discursivo piada.

1 Professora da rede estadual de ensino do Paraná, integrante do Programa de Desenvolvimento

Educacional (PDE-2013). 2 Orientadora PDE da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutora em Estudos da Linguagem

pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Dentre a grande variedade de gêneros discursivos sugeridos no quadro dos

conteúdos básicos das Diretrizes Curriculares, foi escolhido o gênero piada, por ser

este um gênero de característica lúdica e agradável aos alunos de 7º ano e por

oferecer múltiplas oportunidades de desenvolver a compreensão crítica do leitor,

além de ser um gênero muito conhecido por pertencer à esfera do cotidiano,

podendo esse se estender para o humor nas tiras e em charges, por exemplo.

Acredita-se que os textos pertencentes ao gênero piada são atrativos para

esse faixa etária pelo tamanho composicional e pelas temáticas humorísticas. Uma

vez conquistados os alunos para entenderem as diversas estratégias de leitura, com

a intervenção do professor, através deste gênero, acreditamos que tornar-se mais

eficaz a leitura de outros gêneros, já que a prática docente deve estar sempre atenta

a atividades de leitura que contemplem textos pertencentes aos diversos gêneros

discursivos.

Diante disso, o trabalho desenvolvido durante nossa inserção no PDE teve

como objetivo geral ampliar a competência linguístico-discursiva dos alunos do 7º

ano do ensino fundamental por meio da prática de leitura e análise linguística do

gênero discursivo piadas. Os objetivos específicos foram: levar o aluno a identificar e

reconhecer o gênero piada e suas especificidades a respeito de suas condições de

produção, conteúdo temático, estrutura composicional e estilo; possibilitar ao aluno o

acesso à leitura crítica de piadas. Para tanto, elaboramos um projeto e uma

produção didático-pedagógica, a qual foi implementada no Colégio Estadual Duque

de Caxias , bem como, divulgada e discutida no Grupo de Trabalho em Rede (GTR).

Este artigo é, portanto, o resultado do trabalho desenvolvido durante nossa

inserção no PDE. O seu objetivo é divulgar e socializar os resultados do trabalho por

nós desenvolvido. Para tanto, o presente artigo divide-se em três partes, a saber: (a)

algumas considerações teórico-metodológicas sobre as práticas de leitura e de

análise linguística e os gêneros discursivos nas aulas de Língua Portuguesa; (b)

uma breve caracterização do gênero piada; (c) o relato da aplicação o projeto e a

discussão de seus resultados.

1. As práticas de leitura/análise linguística e os gêneros discursivos

A concepção de linguagem como forma de interação concebe o ato de

interagir como uma necessidade humana, na qual é inegável a função de integração

que a língua oral e escrita realiza entre as pessoas, sendo esta a concepção que

vem sendo mais difundida na educação. Ela ampara todo o trabalho da língua nas

Diretrizes Curriculares que concebem como conteúdo estruturante da disciplina de

Língua Portuguesa o discurso como prática social e priorizam um trabalho centrado

na linguagem em uso, nos gêneros discursivos que circulam na sociedade,

principalmente os que exigem uma maior elaboração formal (PARANÁ, 2008).

Nessa perspectiva, o professor conta com uma gama de gêneros discursivos

que podem ser explorados em sala de aula, fazendo com que o aluno encontre

relações entre os textos trabalhados, com sua vida, não ficando apenas com textos

escolares didatizados. E ao falar em gêneros discursivos, vejamos como é visto por

Bakhtin:

O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma das esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua- recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais, mas também , e sobretudo, por sua construção composicional. Estes três elementos fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN, 1992, p. 279).

Vejamos ainda, que os gêneros discursivos “são formas comunicativas que

não são adquiridas em manuais, mas sim no processo interativo” (MACHADO, 2005,

p. 157). Portanto, visto dessa maneira, são práticas sociais, práticas de interação

verbal, devendo ter um locutor, um interlocutor, um enunciado, concentrando-se na

vontade enunciativa dos interlocutores, na preocupação com quem diz, o que se diz

e para quem se diz. Dessa forma, são as condições reais, a situação social mais

imediata, a interação entre dois indivíduos socialmente organizados que resulta na

enunciação, ou seja, o meio social que envolve o indivíduo que é o centro

organizador de toda enunciação e esta é produto da interação social. Conforme o

pensamento bakhtiniano:

A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade linguística (BAKHTIN, 1981, p. 121).

Esses gêneros discursivos ou gêneros textuais, por possuírem os aspectos

sócio-históricos e culturais da produção de todo e qualquer enunciado, considerando

tanto a situação de produção de discurso, como seu tema, sua construção

composicional e seu estilo verbal, tornam-se o objeto de ensino de Língua

Portuguesa. Nesse sentido, as DCEs defendem que:

Na abordagem de cada gênero, é preciso considerar o tema (conteúdo ideológico), a forma composicional e o estilo (marcas linguísticas e enunciativas), ao trabalhar com o tema do gênero selecionado, o professor proporcionará ao aluno a análise crítica do conteúdo do texto e seu valor ideológico [...] A forma composicional dos gêneros será analisada pelos alunos no intuito de compreenderem algumas especificidades e similaridades das relações sociais numa dada esfera comunicativa. Para essa análise, é preciso considerar o interlocutor do texto, a situação de produção, a finalidade, o gênero, para que o aluno compreenda os da língua e os sentidos estabelecidos pela escolha de um ou de outro elemento linguístico (PARANÁ, 2008, p.64).

Nessa perspectiva, a prática de leitura é vista como uma produção de sentido.

O autor Geraldi (1997) faz uma metáfora que evidencia sua opinião ao descrever a

leitura como um trabalho de co-produção de sentidos:

O produto do trabalho de produção se oferece ao leitor, e nele se realiza a cada leitura, num processo dialógico cuja trama toma as pontas dos fios do bordado tecido para tecer sempre o mesmo e outro bordado, pois as mãos tecem sempre o mesmo e outro bordado, pois as mãos agora tecem, trazem e traçam outra história. Não são mãos amarradas – se o fossem, a leitura seria reconhecimento de sentido e não produção de sentido; não são mãos livres que produzem o seu bordado apenas com os fios que trazem nas veias de sua história – se o fossem, a leitura seria um outro bordado que se sobrepõe ao bordado que se lê, ocultando-o, apagando-o, substituindo-o. São mãos carregadas de fios, que retomam os fios que no que se disse pelas estratégias de dizer se oferece para a tessitura do mesmo e outro bordado (GERALDI, 1997, p.166).

Podemos ainda confirmar com Menegassi (2010a) a respeito da leitura, na

perspectiva da interação, que o significado não está nem no texto nem na mente do

leitor, e sim formando um processo que integra tanto as informações contidas no

texto quanto as que o leitor traz para o texto em um processo de interação.

Evidencia que o leitor não deve se apoiar unicamente no texto ou em seus

conhecimentos prévios. Ainda fica claro na opinião de Menegassi e Angelo (2010),

na perspectiva discursiva, que um texto não deve ser lido como texto, mas sim,

como discurso, levando em considerações as condições de produção como já

citado, precisando levar em conta: quem escreve o texto; quando escreve; de que

posição social; para quem escreve; sobre o que escreve; como escreve e quais são

as vozes que perpassam esse texto. Esses pontos serão de suma importância para

o desenvolvimento da leitura crítica.

Completando ainda o processo de leitura, Ritter (2012) aponta que o trabalho

de análise linguística é essencial para a recepção de textos, para a produção ou

coprodução de seus efeitos de sentido, pois, segundo Mendonça (2009, p.204), ela

emerge como alternativa complementar às práticas de leitura e produção textual,

oportunizando a reflexão consciente sobre fenômenos gramaticais e textual-

discursivos que alcançam os usos da língua, tanto no ato de ler/escutar, de produzir

textos ou de refletir sobre a língua em uso. Refletir sobre a língua é um ato que

realizamos ao longo da vida, dentro ou fora da escola, no entanto, hoje, a atenção

está voltada para como acontece essa reflexão na escola, com que objetivos e com

que aspectos ela é vista.

Na fala de Mendonça (2009) fica evidente que Geraldi (1996) traz à tona a

crítica sobre o ensino da gramática tradicional nas escolas, pois esse caminho não

leva o aluno a realizar a análise linguística, na medida em que seria mais um tempo

ocupado sem saber para que estudar, para que aprender a gramática, já que não faz

relação com a língua usada no dia-a-dia. No entanto, de acordo com Mendonça

(2009), a análise linguística não dispensa o estudo da gramática, já que é impossível

usar a língua ou refletir sobre ela sem gramática, o que então, se deve rever é a

maneira como ela é ensinada, saber que os objetivos a serem alcançados são

outros. Sendo assim, precisamos repensar o que é importante ensinar nas aulas de

Língua Portuguesa e como ensinar.

2. O gênero piada: as condições de produção, o conteúdo temático, a estrutura composicional e o estilo

Embora se encontre pouco material pedagógico que defina o gênero piada e

ou relate sua riqueza textual, temos certeza de que o contato com esse gênero, na

perspectiva da linguagem interacionista, em sala de aula, pode render ótimos frutos.

De acordo com Possenti (1998), as piadas são importantes por tratarem de temas

socialmente controversos, podendo ser confirmadas diversas manifestações

culturais e ideológicas. As piadas também são marcadas com estereótipos,

oportunizando pesquisa sobre representações, talvez por veicularem uma visão

simplificada dos problemas, ou por tornarem compreensíveis aos leitores não

especializados. Há também a hipótese de que as piadas são interessantes por

serem , na maioria das vezes, um discurso proibido, escondido, que não se

manifesta, muitas vezes de outras formas. São nas piadas, por exemplo, que se

revelam o pensamento estereotipado e preconceituoso de que portugueses e loiras

são burros, além das sátiras aos governantes incompetentes.

No entanto, um argumento maior para se trabalhar com o gênero piada, na

opinião de Possenti é de que:

As piadas interessam como peças textuais que exibem com bastante clareza um domínio da língua de alguma forma complexo. Qualquer domínio que uma teoria linguística tematize pode ser exemplificado por uma piada cujo funcionamento depende basicamente de sua análise e interpretação. (...) Podemos ainda caracterizar a piada como um gênero pertencente ao domínio do humor, pelo fato de que o humor permite rir com e contra o outro, seja uma pessoa em particular ou uma instituição, e também porque demanda não apenas com o conteúdo, mas também com a linguagem(POSSENTI, 1998, p. 27).

Possenti (1998) seleciona vários conhecimentos linguísticos que são

acionados quando lidamos com as piadas, como: fonologia, morfologia, léxico,

dêixis, sintaxes, pressuposição, inferências, conhecimento prévio, variação

linguística, tradução. Para melhor entendimento de alguns desses aspectos, eles

serão exemplificados durante a elaboração da unidade didática da proposta do PDE.

Possenti (1998) ainda completa que as piadas também são ideais para se

explicar princípios de análise linguística, pois oferecem ótimos argumentos para

diversas teses ligadas às teorias textuais e discursivas. Cita como exemplo, as teses

contrárias à concepção da língua como código, devido frequentemente trazerem um

sentido indireto. As piadas evidenciam a tese da ambiguidade, ou, ainda melhor, do

engano que a linguagem pode produzir. Façamos uma breve análise de uma piada

para ilustrar o caráter interacional que a língua possui:

Um português telefona pra agência de viagem: -Por favor, quanto tempo leva um avião pra Lisboa? -Um minuto... -Obrigado - e desligou.

Fica evidente aqui que a expressão “um minuto” apresenta ambiguidade,

pois ao mesmo tempo em que um diz para esperar um minuto, há também a

interpretação de que o tempo do voo é de um minuto.

Um ponto muito interessante levantado por Possenti (1998) é de que:

Para quem trabalha em Análise do Discurso, elas oferecem material de extrema valia para defender teses como a da relevância das condições de produção – o que significa, em termos genéricos, que os discursos, para ocorrerem, exigem bem mais do que um locutor dotado de genialidade ou inspiração. Exigem bem mais do que um “solo”, por um lado, e regras que expliquem por que um enunciado pode ocorrer em uma e não em outra circunstância, por outro. Ora as piadas só podem ocorrer em solo forte de problemas [...] solos cultivados durante séculos de disputas e de preconceitos (POSSENTI, 1998, p.37).

De acordo com Muniz (2004), a piada trabalha muito com o não dito, do

que é inferido pelo ouvinte/leitor. E isso produz uma lacuna no texto, fazendo com

que o leitor ative seus conhecimentos e faça a sua compreensão. Vejamos esse

exemplo:

Numa conferência de deputados nos EUA, um deputado brasileiro vai visitar a casa de um deputado americano. Chegando lá ele fica impressionado com o imóvel e pergunta: — Seu salário permite ter uma casa dessas? O deputado americano vai até a janela e fala: — Tá vendo aquela ponte bem ali? — Sim! — responde o deputado brasileiro. O americano dá uns tapinhas no bolso, com a maior cara de safado e completa: — 50%! Meses depois, o americano vem ao Brasil e retribui a visita à casa do deputado brasileiro. Fica impressionado com o tamanho da mansão e pergunta: — Seu salário permite ter uma casa dessa? O brasileiro vai até a janela e fala: — Tá vendo aquele hospital público ali? O americano olha, olha, não vê nada e responde: — Não! O brasileiro então faz a cara mais sacana do mundo, dá uns tapinhas no bolso e completa: — 100%!

Para um leitor que não possui o conhecimento de que alguns políticos

desviam dinheiro de verbas públicas, com certeza não compreenderá que tantos por

cento está sendo roubado, havendo dessa forma um esforço mental para entender o

humor da piada. Possenti (1998, p.36) faz referência ao gênero piada como sendo

“um texto que parece falar de uma coisa mas na verdade fala de outra coisa, ou

seja, fala das duas, posicionando ora uma ora outra em primeiro plano”.

Uma das características típicas referentes ao estilo das piadas é conter algum

elemento linguístico com pelo menos dois possíveis sentidos, propondo ao leitor não

somente a tarefa de verificar quais são esses sentidos. “Mais que isso cabe-lhe

descobrir que, havendo dois ou mais óbvio deles deve de alguma forma ser posto de

lado, e o outro, o menos óbvio, é aquele que, em um sentido muito relevante, se

torna dominante” (POSSENTI, 1998, p.39).

Além da qualidade de texto ambíguo, outra característica referente ao seu

estilo é que a piada também se classifica como um humor que se constrói por meio

de palavras e frases e não apenas com gestos e desenhos. A consideramos como

um texto verbal com características específicas, uma unidade linguística concreta,

com elementos que a relacionam com o riso, usada em contexto de descontração e

interação entre os indivíduos, divertindo e provocando bem estar aos ouvintes.

De modo geral, na opinião de Costa (2008), o gênero piada funciona como

um texto anônimo caracterizado por uma história curta de final surpreendente,

contada para provocar risos. Possui temas bastante variados, seu conteúdo tem a

função de reprimir alguns pontos da sociedade. Para esse autor, a piada depende

da técnica, característica linguística ou controvérsia de pontos de vista para causar o

humor e possui um ponto de vista implícito a ser descoberto pelo leitor e pode ser

lida de duas maneiras diferentes, o que salienta a característica constitutiva do

gênero, a ambiguidade. Outra forte característica do gênero é a condensação, pois

dela também pode resultar o sentido duplo ou o deslocamento de sentido, o que

implica na quebra da exigência discursiva dos textos chamados “sérios”.

Vale ainda lembrar que, ao fazer uso das figuras ambíguas existentes na

grande parte das piadas, elas oportunizam aos alunos a observação da importância

da comunicação, o valor de cada expressão e quão imprescindível é escolher as

palavras certas para que não haja falha ao se comunicarem quando for algo

importante.

De acordo com Santos (2010), a piada é um gênero que apresenta diversas

formas de condensação e que pode ter sua caracterização, de forma geral, a partir

de algumas características perceptíveis:

1º) Texto curto;

2º) Estrutura narrativa em que primeiro acontece a contextualização do lugar ou

situação, depois apresenta o diálogo (discurso direto);

3º) Veicula variedades linguísticas assim como temáticas, abordando assuntos

cotidianos e/ ou polêmicos;

4º) Demanda várias relações intertextuais;

5º) Possui como finalidade de divertir, mas, ao mesmo tempo pode criticar, manter

relações de poder e difundir preconceitos;

6º) Possui uma carga de sentido múltiplos que opera na quebra de expectativa no

fechamento do texto, quando o leitor opta por escolhas ambíguas e deslocamento

de sentido;

7º) Pode ser transmitida por meio da linguagem oral ou escrita.

3. A piada em contexto escolar

Para que o trabalho com o gênero piadas acontecesse na sala do 7º ano

com êxito, houve o planejamento e a organização que contemplou desde a produção

do projeto de intervenção, a elaboração de uma unidade didática e a sua

implementação na escola. Para isso, realizamos estudo biográfico, a coleta e

análise de aproximadamente 30 textos pertencentes ao gênero piada, a elaboração

de atividades de leitura/AL que conduzissem ao aprimoramento das habilidades de

leitura/análise linguística dos alunos do Colégio Estadual Duque de Caxias do

município de São Manoel do Paraná e a sua implementação no mesmo colégio,

bem como, a interação com o grupo de Trabalho em Rede ( GTR).

A implementação do projeto de intervenção em questão que contempla a

unidade didático – pedagógica intitulada “ As práticas de leitura/análise linguística

com o gênero piada no 7º ano do ensino fundamental” foi planejada para

desenvolver-se em quatro etapas – oficinas de leitura, durante o primeiro semestre

de 2014, no Colégio Estadual Duque de Caxias de São Manoel do Paraná. Todos

os alunos do 7 º ano tiveram a oportunidade de participar da realização do projeto,

uma vez que foi aplicado no turno de aula, com o objetivo de atingir a todos da

turma.

O trabalho teve início com a apresentação do projeto aos alunos, nesse

momento os alunos entenderam qual seria o objetivo do projeto de intervenção

pedagógica e tiveram oportunidades de questionamento, após a apresentação, os

alunos receberam a tarefa de casa de realizarem uma pesquisa , podendo ser na

comunidade ou na biblioteca, na qual foi: ouvir e escrever ou ler e copiar uma

piada, para ser apresentada em uma roda de contação de piadas. Na aula

seguinte, eles apresentaram seus textos, e todos preferiram ler ao invés de contá-

las, demostrando muita insegurança e dificuldade em se expressar conforme o

discurso do gênero.

Dando sequência ao trabalho, trouxemos para a sala um dos possíveis suportes e

as condições de produção do gênero piada – os almanaques - estes não eram de

conhecimento dos alunos, já que eles não tinham contato com os almanaques.

Esse momento oportunizou o conhecimento sobre a organização, o público leitor, os

gêneros que circulam nessa esfera, quem escreve, periodicidade da publicação,

qual a função da circulação.

Em seguida, apresentamos a coletânea de textos do gênero humorístico,

elaborada para a sequência didático-pedagógica e iniciamos as atividades de leitura

e análise linguística. O material foi muito apreciado pelos alunos, isso ficou evidente

quando leram e fizeram os comentários. Durante o desenvolvimento das atividades

também houve muito entusiasmo e isso contribuiu para o ensino – aprendizagem,

por meio das atividades percebeu-se que vários alunos não possuem a

compreensão adequada para entender certos enunciados. Vejamos alguns

exemplos que evidenciou essa falta de compreensão.

“ Numa entrevista perguntaram a um rapaz se ele era racista. Ele disse que não, só não gostava de alemão. E o entrevistador disse: ___ Mas logo de alemão? Por quê? E ele respondeu: __ É que eles poderiam ter acabado com os judeus e não acabou, fez um serviço de preto.”

Depois de ler a piada os alunos responderam a seguinte pergunta: “ Lendo o

texto podemos afirmar que o jovem entrevistado era racista? Justifique a sua

resposta. Eis a resposta de alguns: “ Não, pois era só uma piada; Não, ele não era

racista, só não gostava”. Diante das respostas percebemos que esses alunos ainda

estão no nível da leitura explícita.

O trabalho com esse gênero também proporcionou a atenção para o texto cujo

foco foi o léxico – os vários sentidos que uma palavra pode ter, habilidade na qual o

aluno deve analisar o contexto. Ao meu ver, essa é uma atividade muito importante

a ser desenvolvida e que vem se revelando ser difícil quando o aluno precisa fazer

essa análise. Isso fica evidente nas avalições aplicadas Prova Brasil, Saeb e

mesmo as de rotina escolar. Partindo de experiência pessoal , os alunos sempre

questionam ao se deparar na leitura de um texto com um vocabulário desconhecido,

não fazendo nenhum esforço em pensar nesse vocábulo ali, no contexto, e sem

perceber que, muitas vezes, a palavra desconhecida não influencia fortemente no

Um conhecido especulador da bolsa, também banqueiro, caminhava com um amigo

na principal avenida de Viena. Quando passaram por um café, disse:

___ Vamos entrar e tomar alguma coisa? Seu amigo o conteve:

___ Mas, Herr Hofrat, o lugar esta cheio de gente!

entendimento do todo. E para fazer o aluno entender essa questão da palavra no

contexto o exemplo que segue foi muito bem aproveitado.

Bispo

Na aula de catecismo, o padre pergunta para as crianças: __ Alguém sabe me dizer o que o bispo faz? Do fundo da sala, o Zezinho grita. __ Eu sei, seu padre! Eu sei! __ Conte nos então! E o menino diz: __ Ele anda na diagonal, no tabuleiro de xadrez.

O bêbado Joãozinho estava pela rua, quando de repente um bêbado sentado na calçada fala para ele: ___Ei , menino, como se abre essa garrafa de refrigerante? __ Ah, é fácil. É só torcer a tampinha! __ disse Joãozinho. __ Ah, bão... já entendi. Vai tampinha! Vai tampinha! Você consegue! Vai, Vai! __ Disse o bêbado.

Nesses exemplos fica evidente que o sentido de uma palavra, no caso bispo e

torcer, deve ser atribuído dependendo de onde está empregada, e por falta de

prática a maioria dos alunos não conseguem realizar essa analogia em textos mais

densos.

Vejamos outro exemplo:

Nessa piada, a palavra “tomar” ganha dois significados – “beber e apossar-se

de”. Os alunos tiveram mais dificuldade de entender pois só direcionaram a palavra

tomar no sentido de beber. E alguns disseram “ Por que ele não queria beber onde

tinha bastante gente?”

Na realização das atividades de análise linguística, também houve uma

excelente participação dos alunos, eles procuravam trocar ideias com os colegas e

quando não conseguiam pediam ajuda, e pude comprovar que realmente eles

dominaram o conteúdo trabalho quando realizaram uma avaliação escrita com

atividades de análise linguística semelhantes a vista em aulas anteriores. Vejamos

um exemplo das atividades trabalhadas.

Abracadabra.

A bruxa estava com um problema muito grave, que a estava deixando

maluquinha.

Ela consultou diversos livros de bruxaria, mas nada dava jeito na situação. Aí, ela

acabou tendo que procurar um médico. Chegou ao consultório e disse:

___ Doutor, toda vez que eu falo “ abracadabra”

Alguém desaparece. Doutor? Doutor?

1) O que provavelmente aconteceu com o Doutor?

R: _____________________________________________________________________.

2) A função da palavra grifada na terceira linha da piada e de estabelecer uma ideia de:

( a ) tempo. (b ) soma dos argumentos.

(c ) contrario/oposição. ( d ) explicação.

3) Há varias outra palavras que tem essa mesma função da palavra mas , elas estão no

quadro abaixo. Com exceção de uma, você e capaz de descobrir qual é ?

porém

no entanto entretanto pois

contudo

todavia

1) Agora escolha duas palavras do quadro acima que corresponde ao mas e reescreva a

frase com elas.

R: _________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________.

R:_________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________.

Após a realização de todas as atividades de leitura/análise linguística dos

textos, os alunos participaram das oficinas de oralidade, explorando expressões

corporais, gestuais e a linguagem oral. Foi também uma experiência bem sucedida,

por ser lúdica e atrativa eles participaram com muita motivação. No final do projeto

Ela consultou diversos livros de bruxarias, mas nada dava Jeito na

situação

os alunos receberam a visita da coordenadora do Núcleo de Regional de Educação,

e em sala relataram o que estavam estudando e o que pensavam sobre o projeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabendo que a leitura é fundamental não apenas na formação do aluno, mas

também na formação do cidadão, e visto que uma considerável parcela no

cumprimento dessa tarefa recai sobre a escola, e que competir com os meios

midiáticos tornou-se um desafio, resta ao professor continuar buscando meios de

fomentar, incentivar, e principalmente, formar leitores no âmbito escolar. De acordo

com as Diretrizes Curriculares (2008) a leitura é compreendida como um ato

dialógico, interativo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas,

econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento, que precisa ser

muito bem conduzido para haver êxito.

Conhecer a realidade de seus alunos, descobrir o caminho que os mais

aproxima da leitura é o primeiro passo, pois é importante que o professor escolha

material que seja significativo para o aluno, pois só assim desenvolverá o seu

interesse em ler futuramente textos diferenciados do seu cotidiano. Se acreditamos

que todas as crianças devam ter o hábito da leitura, iniciando-se na pré - escola,

não podemos ignorar a tarefa de levá-la até o ensino médio. Todo educador

precisa estar convencido da importância da leitura para a vida individual, social e

cultural, não se esquecendo jamais que a leitura em nossa sociedade tem a função

primordial de despertar e proporcionar conhecimentos básicos que venham

contribuir para a construção integral da vida do aluno em sociedade e para o

exercício da cidadania.

E acreditando que o gênero piada pudesse fomentar a leitura no âmbito

escolar e a partir dele despertar o gosto por outros gêneros, foi realizado com muito

êxito o projeto de intervenção pedagógica – As práticas de leitura/análise linguística

do gênero piada, no Colégio Estadual Duque de Caxias.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 4a. ed. Trad. de M. Lahud e Y.W. Pereira. São Paulo: Hucitec, 1981. COSTA, S. R.. Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica Editora,

2008. GERALDI, J. W. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. MACHADO,I. Gênero discursivo. In Brait, Beth ( org.) Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto,2005. MENDONÇA, M. Análise linguística no Ensino Médio: um novo olhar, um outro objeto. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (Org.). Português no ensino médio e formação do professor. 2. ed. São Paulo: Parábola, 2006. p. 199 - 226.

MENEGASSI, R. J. Conceitos de leitura. In: MENEGASSI, J. R.(org.). Leitura e ensino. Maringá: EDUEM, 2010a, p. 15-40. MUNIZ, K. S.. Piadas: conceituação, constituição e práticas: um estudo de um gênero. 2004. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Federal de Campinas, Campinas. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua Portuguesa. Curitiba. 2008. POSSENTI, S.. Os humores da língua: análises linguísticas de piadas.

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