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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

A EXPERIÊNCIA DOS NEGROS NO BRASIL-NOVOS ENFOQUES PARA UMA

NOVA HISTÓRIA

TÂNIA SALETE BUGHAY*

ORIENTADOR: DR. ILTON CÉSAR MARTINS**

RESUMO:

A elaboração deste artigo é requisito básico para a conclusão do PDE - Programa de

Desenvolvimento Educacional - como política pública de Estado, regulamentada pela Lei

Complementar nº 130, de 14 de julho de 2010. A partir dele, se estabelece o diálogo entre

professores do ensino superior e da educação básica, através de atividades teórico-práticas

orientadas, visando, como resultado, a produção de conhecimento e as mudanças qualitativas

tão necessárias na prática escolar do ensino público paranaense. Portanto, aproveitando as

possibilidades decorrentes de minha participação no PDE, mais as provocações advindas da

Lei 10.639/03 que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história africana e afro-brasileira,

no currículo das escolas, escolhemos, como tema central deste projeto, as novas

possibilidades de estudo sobre a escravidão no Brasil, agenciando o negro em sua própria

história, colocando-o como ser ativo de seu processo histórico. Além de uma bibliografia

atualizada sobre o tema, baseada em João José Reis, Carlos Moore, Robert W. Slenes, etc... e

os debates produzidos na Revista de História da Biblioteca Nacional, pudemos problematizar

junto aos nossos alunos e a outros professores do GTR (Grupo de Trabalho em Rede) um

novo olhar sobre a escravidão, sobre os negros escravizados e ver as contribuições histórico,

social, cultural e biológicas, na sociedade brasileira. Foi um grande desafio tentar mudar a

imagem do negro escravo, mostrando este indivíduo histórico enquanto agente de sua própria

história, mostrando e revelando que, em vários momentos, eles agiram, recuaram e fizeram

prevalecer até mesmo sua cultura.

PALAVRAS-CHAVE: Resgate, Negros, Afrodescendentes, cidadãos.

INTRODUÇÃO

A elaboração deste artigo é requisito básico para a conclusão do PDE - Programa de

Desenvolvimento Educacional - como política pública de Estado, regulamentada pela Lei

Complementar nº 130, de 14 de julho de 2010. A partir dele, se estabelece o diálogo entre

professores do ensino superior e da educação básica, através de atividades teórico-práticas

orientadas, visando, como resultado, a produção de conhecimento e as mudanças qualitativas

tão necessárias na prática escolar do ensino público paranaense.

* Professora PDE

** Professor Orientador IES

Portanto, aproveitando as possibilidades decorrentes de minha participação no PDE,

mais as provocações advindas da Lei 10.639/03 que instituiu a obrigatoriedade do ensino de

história africana e afro-brasileira, no currículo das escolas, escolhemos, como tema central

deste projeto, as novas possibilidades de estudo sobre a escravidão no Brasil, agenciando o

negro em sua própria história, colocando-o como ser ativo de seu processo histórico. Além de

uma bibliografia atualizada sobre o tema, baseada em João José Reis, Carlos Moore, Robert

W. Slenes, etc... e os debates produzidos na Revista de História da Biblioteca Nacional,

pudemos problematizar junto aos nossos alunos e a outros professores do GTR (Grupo de

Trabalho em Rede) um novo olhar sobre a escravidão, sobre os negros escravizados e ver as

contribuições histórico, social, cultural e biológicas, na sociedade brasileira.

Inicialmente, ficou acordado que contemplaríamos a Lei 10.639/03, que torna

obrigatório o ensino de História da África e dos afrodescentes, em todas as escolas públicas

do País. E, depois de se estabelecer quanto ao cumprimento desta Lei, fez-se um recorte

histórico, para uma abordagem mais direcionada dessa temática importante que é necessária

no cotidiano escolar.

A proposta de trazer para o cotidiano escolar, o negro que foi escravizado, tem a

finalidade de mostrar os valores de sua cultura e os meios encontrados por aqueles homens,

mulheres, jovens, crianças e velhos, como formas de resistência, para suportar e conviver a

dura realidade, inclusive demonstrando sua não aceitação ao relacionamento desumano que

viviam dentro do sistema escravista brasileiro.

Para iniciar a nossa prática em sala de aula, utilizamo-nos de historiadores que

trouxeram à tona uma historiografia, que discute o negro, enquanto agente de sua própria

história, mostrando e revelando que, em vários momentos, eles agiram, recuaram e fizeram

prevalecer até mesmo sua cultura. A partir disto, demonstramos que a participação dos

escravos e afro-brasileiros livres foi de diferentes formas importante na formação da

sociedade brasileira e para demonstrar, em consonância com João José Reis (2005, p. 10)

apud Salles e Soares, destacamos esse novo viés por ele mencionado:

Entre Palmares e os quilombos dos últimos anos da escravidão, os escravos

brasileiros escreveram uma empolgante história da liberdade. Mas uma história

cheia de ciladas e surpresas, sem um sentido linear, uma história que amplia e torna

mais complexa a perspectiva que temos de nosso passado.

Neste projeto não se nega a escravidão. Busca-se priorizar a maneira como estes

seres humanos encontravam estratégias, barganhas e outras formas inteligentes de resistir ao

cativeiro. Sendo assim, o direcionamento desta discussão sobre a cultura e a história destes

atores sociais é uma estratégia para inovar a abordagem tradicional que sempre considerou o

ser escravo, como um ser passivo, aculturado e sofredor, sem qualquer atitude que o

considerasse como ser humano, inteligente, criativo e observador. Para isto, os negros

conseguiam impor, nem sempre, mas tinham conhecimento de alguns direitos adquiridos e

mostravam o que entendiam de cativeiro justo ou pelo menos tolerável (CHALHOUB, 2011

pag. 217). Na verdade, sempre buscavam uma maneira de manter suas heranças culturais,

ludibriando seus algozes, para lograrem um convívio suportável, estável e adequado, dentro

das senzalas, nos terreiros, nas cercanias das casas grandes e no campo de trabalho.

Tais atitudes bem demonstravam o diferencial de cada um por suas competências e

habilidades. Pois, apesar de muitos senhores escravagistas não terem considerado que tinham

sob seu mando seres humanos muito especiais e não simples animais, que para eles apenas

representavam a força de trabalho. Entre eles estavam reunidos guerreiros que já tinham

enfrentado grandes batalhas, mineradores traquejados em extrair ouro das minas da África,

agricultores que perderam suas terras e a liberdade, pastores que foram subtraídos de seus

rebanhos, quando foram capturados, além de, naquela fazenda, estarem representadas várias

culturas e várias religiões.

Também para fundamentar o que trabalhamos e discutimos em sala, mudamos o

termo “escravo”, conforme é citado por Nascimento apud Leite (2008, p. 100) que não cita “o

escravo”, mas fala de uma raça, que foi escravizada, mostrando que este povo interagia o

tempo todo: capinando, colhendo café, cortando lenha ou transportando pesadas cargas.

Dizem que não se cansavam de trocar experiências, de analisar sua situação e de reverenciar

seus familiares que ficaram para trás na África. Tinham saudades. Recordavam seu passado.

Praticavam seus cultos e homogeneizavam-se, conforme suas próprias lideranças e

influências.

Entretanto alguém, numa sala de aula, poderá questionar que não era bem assim, pois

havia pelourinhos, escravos acorrentados pelo pescoço ou atrelados pelos tornozelos com

ferrolhos e que muitos permaneciam presos pelos pés nas senzalas, para que não fugissem. E

que essa abordagem seria apenas uma forma de justificar a escravatura, para desvalorizar o

escravo e eximir os grandes proprietários de terras que tinham grande contingente de pessoas

serviçais, sem remuneração.

Contudo, essa é a hora para reavaliar e contrapor-se às ideias perenizadas sobre a

escravatura, pois importantes e valiosos documentos foram trazidos à luz, para descortinar

uma nova visão sobre esse período tão obscuro que tinha um enfoque menos importante sobre

o papel das pessoas escravizadas. E belas e comoventes histórias estão sendo divulgadas, de

maneira inédita, para o estudo que vem mudar esta ideia de seres passivos e que se

submeteram sem qualquer resistência à vontade do seu senhor.

Portanto, para tornar nossas discussões mais dinâmicas e reais, trabalhamos um

dossiê da Revista de História da Biblioteca Nacional1, organizada pelo historiador Alberto Da

Costa e Silva que pergunta de que África teria saudades um africano no Brasil? De sua aldeia,

certamente. Ou do bairro da cidade, onde passou sua infância. No Brasil, deixou de ser

conhecido por sua terra natal, pelo nome que o seu povo dava a si mesmo ou recebia dos

vizinhos. Exceto para ele e para os conterrâneos ou vizinhos que os encontrava, no exílio,

quando não mais era um iaca, auori ou gun: passara a ser chamado de angola, nagô ou mina,

africano e negro.

O nosso objetivo foi e é o de contribuir para com a mudança de que a grande maioria

da população ainda pensa sobre a população africana e afrodescendente, cujos preconceitos e

atos de racismo, ainda tão recrudescidos, continuam em certos nichos da sociedade brasileira,

porque é dela que se trata.

Essa pecha tem sua origem no desdém, na desvalorização e na relutância histórica,

durante e depois da abolição da escravatura, em aceitar uma nova cultura, sendo este um fato

inegável de xenofobia, simplesmente marcada pela cor da pele, a que se somam a baixa

escolaridade e o reduzido poder aquisitivo, porque historicamente foram relegados ao deus

dará.

Fator este de difícil desconstrução. Porém, este esforço somente terá maior eficácia,

quando as crianças e jovens de todos os níveis de escolaridade tomarem consciência que tais

sentimentos e atitudes são totalmente contrários aos princípios naturais de convivência, sem

que haja qualquer razão que os justifique.

A unidade didática para a implementação em sala de aula, que acompanha esta

abordagem, foi embasada na historiografia que abre um novo foco nas discussões de homens

e mulheres negras, em sua trajetória dentro da escravidão, sobre os quais muito se falou, em

sala de aula, e foram elaboradas atividades para consolidar um novo conceito com valorização

e reconhecimento de suas lutas e seu modo de ser e agir.

Pois, no anseio de se construir uma sociedade e uma escola justa, solidária, livre de

preconceito e de discriminação, torna-se necessário identificar as razões que levam a um novo

estudo e a uma guinada abrupta em defesa desse povo, explicando o quê e o porquê a

sociedade brasileira seja preconceituosa e ainda se autoproclame, de maneira hipócrita e

1 Revista de História da biblioteca Nacional-Ano 7-nº 78-Março de 2012- Pag.17 à 39

enganosa, como sendo democrática e plena de direitos, sem desigualdades sociais e tolerante

com a diversidade, levando a considerar-se livre da discriminação quanto às raças.

Diante dessa conflitante situação, em que o conceito de democracia difere da

realidade, é preciso desentrelaçar esse nó, porque embora tenhamos uma Constituição cidadã,

que garante os direitos de saúde, educação, moradia, entre outros, para todos os cidadãos e

que cobra suas obrigações como o respeito às leis, ao bem comum, entretanto ainda não se

tem o essencial que precisa ser conquistado, que é a igualdade de condições no trato com

todas as pessoas, o respeito às diversidades, o atendimento pleno, em todos os níveis,

inalienável e inadiável quanto à saúde, educação, alimentação, moradia e segurança.

O ponto de partida para centrar o estudo na igualdade de condições, no trato com as

pessoas e no respeito às diversidades, considerou o conhecimento e o reconhecimento da

própria história, para a construção de uma nova realidade, mais condizente com os avanços

científicos e tecnológicos. Porém, com mais humanidade em todos os sentidos e que venha a

resolver as sequelas adquiridas na caminhada histórica do país.

Daí a importância da lei 10.639/03, que apresenta uma abordagem inovadora e com

perspectivas de mudanças com relação à História da África e dos afrodescentes, por serem

estas, como um dos aspectos centrais mais negativos da sociedade brasileira, que não só

envolve o preconceito e o racismo por causa da cor, mas também pelo nível de escolaridade,

de emprego, de ganho salarial e de poder aquisitivo.

Isto é possível e crível desde que se empregue este novo modelo de ensino, a partir

dos primeiros anos de escola das novas gerações, ou seja, partindo do ensinamento de

Mandela que deu clareza sobre a base dos preconceitos e racismo, como se formam, ao dizer

que ninguém nasce preconceituoso ou racista. E que esses conceitos e preconceitos são

aprendidos ou adquiridos no correr da vida, a partir da infância. Logo, o caminho para se

buscar a solução desse problema tão acintoso e grave - Mandela deu a dica - é a partir dos

primeiros anos da escola, a partir da infância e, num esforço conjunto, em toda a caminhada

escolar, acompanhando, orientando, discutindo e conversando com os jovens.

Este projeto não deve ser considerado tão inédito assim, porém não deixa de ser

inovador, porque não se partiu do zero. Foram as discussões, as pesquisas, os estudos de

muitos documentos e o rumo traçado por um orientador, com avançadas ideias, que

encaminharam para esta nova abordagem e, pelo que parece, muito criativa e inspiradora para

os rumos que a educação brasileira deve tomar.

Pois, considera-se que a escola é um centro de aprendizagem, onde se apropria de

todo o conhecimento já produzido, mas que tem como objetivo principal a inovação, a

transformação e o aprimoramento dos conceitos, cujos resultados devem ajudar no

aperfeiçoamento e melhoria na qualidade de vida das pessoas. Portanto, não se está

concedendo uma atribuição à escola, como uma obrigação que não seja dela, pois toda

evolução das sociedades tem dependido da irradiação ou da expansão dos conhecimentos,

produzidos nesses centros educacionais.

Depois desse estudo, que também levou em conta os dados levantados pela ONU,

desmascarando a falsa e propalada democracia racial brasileira, foram somando-se os ecos

provenientes de denúncias racistas que permanentemente chegam das quadras de esportes e

das redes sociais, afetando os ouvidos de todos os cidadãos.

Recentemente o Jornal Estadão divulgou uma pesquisa feita pela Organização das

Nações Unidas (ONU), onde relata que parte da sociedade ainda nega a existência da

discriminação e acredita no mito da democracia racial. E para conferir aquela pesquisa,

realizada no Brasil entre os dias 4 e 14 de dezembro de 2013, afirma o que já discutíamos há

muito tempo, dizendo que a população negra tem a menor escolaridade e a maior taxa de

desemprego, entre outras.

Não só a constatação destes dados, mas principalmente os movimentos internos de

lideranças, nas comunidades, que vinham realizando um trabalho muito organizado e

persistente, a partir da Lei 10.639/03, tornaram mais visíveis essa realidade e, nesse sentido,

até a imprensa vem colaborando.

Enfim, uma nova consciência nacional vem desafiando e provocando debates, porque

setores que se sentem prejudicados com medidas afirmativas de governo, como as cotas para

negros nas universidades e em outros setores da sociedade, são questionadas publicamente. E

isto vem reforçar este trabalho de conscientização e aceitação escolar, porque ficaram

evidentes as distorções da realidade que tinham, como base, uma confusa interpretação dos

fatos e que agora clamam por mais estudos, buscando-se informações mais precisas.

Assim, este trabalho foi de encontro a essa triste realidade, adequando-se aos ideais

da Lei, supramencionada, pela busca de uma nova abordagem sobre a História e cultura afro-

brasileira, como foi contemplada nas DCE, seguida das Diretrizes Curriculares Nacionais para

a Educação, com referência às relações étnico-raciais e para o ensino de História e cultura

afro-brasileira e africana.

Também chama a atenção de como é importante que, sobre este viés, a nova leitura

do mundo deu um novo foco, que modificou a maneira de pensar, dando-se destaque aos

sujeitos da História, que estavam encobertos, não merecendo referências, apesar de serem os

agentes que aí estão clamando por justiça e por igualdade de direitos, numa busca incessante e

desesperada por sua autonomia e cidadania. E que agora são trazidos para o centro das

discussões. Estão provocando debates e desafiando velhos preconceitos.

“Se o racismo não se tornar um assunto público pelo discurso público dos grupos

étnico-raciais minoritários, a dominação étnica continuará inalterada”. (DIJK 2008, p.16)

E amplia esse raciocínio, dizendo:

“(...) Quem define os discursos dominantes são os líderes dos grupos dominantes, ou

seja, aqueles que determinam a direção ideológica na política, estabelecem a linha

editorial na mídia, desenvolvem o currículo nos livros didáticos e da educação, bem

como, formulam as prioridades da pesquisa acadêmica ou investigação judicial.”

E, desse modo, ajudando-se com outros setores da sociedade que se instrumentalizam

através da Constituição Federal e da Lei 10.639/03, que obriga a inclusão do estudo sobre a

África e seus afrodescendentes, nos currículos escolares, dependerá, a partir de agora, do

esforço e da competência dos agentes de educação, no estudo e na dinâmica que deverão ser

aplicados em todos os níveis de ensino, para que, no futuro, se tenha uma nação realmente

irmanada e organizada, para se alcançar a paz entre as partes e por igualdade racial.

Referendando Serrano e Waldman (2010, p.16) dizem que

é necessário promover o conhecimento do continente africano na ótica de uma

metodologia diferenciada, capacitada a apreender a realidade sob o prisma das

especificidades que lhe são inerentes. E isto implica num conhecimento solidamente

vinculado à preocupação em compreender a realidade africana a partir dos próprios

pressupostos civilizatórios ou, como seria pertinente, a uma abordagem

antropológica, pensar o outro de modo que deixe de constituir um objeto para tornar-

se sujeito de dado processo social.

Portanto, o papel dos educadores é efetivamente executar a Lei 10.639/03, como

ferramenta importante no combate ao racismo, possibilitando às crianças negras o

conhecimento da própria história e às demais crianças, uma efetiva relação intercultural.

Por isso, precisamos fazer uma abordagem através das novas historiografias sobre o

sentido da escravidão, demonstrando que a participação de escravos e afro-brasileiros livres

foi de diferente forma importante na formação da sociedade brasileira.

Contudo, a identidade do povo brasileiro, que está em jogo, está sofrendo uma

conturbada transformação devido às manifestações públicas de racismo, quando pessoas que

se declaram pardas e negras estão reagindo à altura, quando são alvos de discriminação e,

através da imprensa e das redes sociais, quando ofendidas, não têm perdido a oportunidade de

cobrar seus direitos de cidadania, exigindo uma retratação pública dos agressores ou

justicializando, conforme o caso. E a sociedade, como um todo, tem sido solidária a essas

vítimas, porque ofensas preconceituosas e atos de racismo estão sendo criminalizados.

Foi a partir desse momento de reflexão, que a ideia tomou corpo, lembrando-se do

velho provérbio do povo iorubá2 que diz: “Enquanto os leões não tiverem seus contadores de

história, as histórias das caçadas glorificarão os feitos dos caçadores”.

Para tanto, o ponto central das reflexões foi um debate renovado sobre a experiência

da escravidão no Brasil, demonstrando que, para além de um sistema, a escravidão era movida

por gente, que amava, sofria e que escreveu uma história de liberdade através de permutas e

conflagrações, cujo recorte temporal aconteceu durante o Segundo Império, mais

precisamente, desde o fim do tráfico (1850) até 1888, quando foi assinada a Lei Áurea.

Acreditar que há democracia racial no Brasil implica em dizer que todos os cidadãos

têm os mesmos direitos. No entanto, o que se observa é o não acesso aos direitos básicos, que

se contrapõem à realidade, quando a população branca tem melhor acesso a esses direitos,

enquanto a população não branca encontra todas as dificuldades.

O preconceito de cor no Brasil é uma herança da cultura europeia que aqui aportou

através dos colonizadores e dos imigrantes, sendo reforçado pela situação humilhante da

escravatura, que esse povo passou, sem qualquer atenção e apoio, após sua libertação, para

que pudesse superar situação de extrema pobreza, que o alijou de se beneficiar das benesses,

como estudo e oportunidades de ascensão profissional.

É com base nessas distorções da realidade e na confusa interpretação dos fatos de

que há democracia racial no Brasil que surge a necessidade de estudos e de informações mais

precisas; o projeto busca a afirmação dessa etnia excluída e se valida através da inclusão da

História da África e dos afrodescendentes nos currículos escolares do Ensino Fundamental e

do Ensino Médio, no Brasil.

O início que foi dado a esta pesquisa não foi fácil, pois se sabe que é necessário

readaptar e definitivamente trazer para o currículo, momentos pontuais, para torná-lo prático

no cotidiano escolar. Neste sentido, temos no livro “Negro e Currículo”, o texto de Jeruse

Romão (2002, p. 36) que faz a seguinte citação:

A dimensão da necessidade de um novo foco para a história da população

afrodescendente propõe que a História, o sujeito, seu legado civilizatório, o homem

e a mulher de origem africana sejam as questões centrais no processo de

mediatização entre saberes na escola.

Sendo assim, há necessidade de sempre se buscar a formação teórica para enriquecer

a prática.

2 Os iorubás configuram uma das mais significativas culturas da história do continente africano; eles estão

localizados na região sudoeste da Nigéria e no sul do Benin, onde se concentra uma minoria.

Assim foram elaboradas várias atividades para serem trazidas à cena estes atores que

até hoje pedem passagem com direitos de igualdade dentro da sociedade, contrapondo-se

àquela ideia de que existe uma raça superior e que determina que negros africanos, bem como

os afrodescendentes,são inferiores.

Portanto, através desta reflexão, tentamos trazer para a nossa sala de aula este novo

foco da História que, há muito tempo, precisa ser discutida e trabalhada.

IMPLEMENTAÇÃO

A aplicação, na prática, dos conhecimentos adquiridos e que deram corpo a este

PDE, são de suma importância para validar e fundamentar o processo formativo, cujo registro

da experiência que foi muito impactante, bem merece ser historiada.

Sendo assim, foi preciso sempre consultar e adequar os conhecimentos, na

preparação da abordagem para a turma de alunos selecionada, pois era necessário trazer para o

cotidiano os atores escravizados, mostrando e discutindo as formas como eles atuavam dentro

do sistema escravista brasileiro, assim como muitos autores da atualidade apresentam, entre

eles, pesquisadores, historiadores, romancistas, novelistas e poetas, que vêm contribuindo, de

maneira espetacular, na transformação da sociedade, que começa a surgir uma nova visão e

concepção sobre o povo negra e seus afrodescendentes.

Da mesma forma, esse novo acervo que representa um resgate de aspectos da

História que foram deixados de lado e que agora vêm realimentar e vivificar essa revisão

histórica, como algo novo, tonifica e fortalece o estudo, aprofundando a compreensão de uma

realidade que ficou escondida, como a brasa debaixo das cinzas, e que agora torna

interessante e atual esta abordagem, para justificar o enfoque em defesa da plena cidadania

que devem alcançar os afrodescendentes.

Foi com todo esse embasamento adquirido e ajuntado, que se realizou um trabalho

com os jovens da 1ª série do Ensino Médio do Colégio Estadual São Cristóvão, no período

matutino, onde havia a expectativa de, na prática, levantar discussões e buscar testemunhos.

Mas, já de início, ocorreu um impasse, quando foi realizado um levantamento na secretaria do

Colégio e não se encontrou, como dado oficial, o número de alunos matriculados que

tivessem se declarado como negros e afrodescendentes.

Outro impasse aconteceu no início da apresentação, quando feita a pergunta:- “Existe

preconceito racial neste Colégio?” E a resposta foi geral e de forma uníssona: - Não! Mas,

uma aluna levantou a mão e disse: - SIM!

E, na medida em que a exposição se discorria com insinuações e desafios,

comentários foram aparecendo e, aos poucos, os alunos foram se dando conta que muitas

atitudes, dizeres, imprecações e adjetivações, considerados como normais, não passavam de

manifestações inconscientes de seus próprios preconceitos, e, logo foi sendo reconhecido que

tanto na escola, como na rua e em casa, muita coisa denotava um preconceito racista

generalizado.

Na sequência dessa implementação, foi apresentada a música A de Ó (estamos

chegando), de Gilberto Gil que proporcionou momentos singulares e entretenimento,

envolvendo a turma num clima de comprometimento, quando todos, em seguida, queriam

contar passagens de suas vidas e fazer comentários. Pois a música, aliada à mensagem nela

contida, despertou o lado jovem, ativo e participante, quando se dá oportunidade, e foi aquele

alvoroço. Bastou um jovem, perguntar se podia trazer outra música dentro do mesmo tema,

outros logo também queriam dar sua contribuição.

Então, depois de terminarem a atividade proposta com referência à música de

Gilberto Gil, começaram a se programar para fazer sua própria apresentação, no seguinte

encontro. Dividiram-se em grupos, analisaram e discutiram várias músicas, debatendo sobre

diversos cantores e ritmos, não esquecendo que o tema era algo que devia tratar, de maneira

explícita, sobre racismo ou preconceito. E, chegando o dia, fizeram suas apresentações. E

como foi dignificante vê-los e senti-los tão envolvidos e entusiasmados, podendo extravasar

suas energias. O que mais chamou a atenção foram as leituras que faziam das letras das

músicas através de gestos, maneios de cabeça e até na dança.

Outra atividade que mais rendeu comentários e que caiu no gosto da turma foi a

apresentação do vídeo “O Xadrez das Cores” que trata da realidade cotidiana das pessoas que

sofrem discriminação, que afloram seus sentimentos e formas de enfrentar a situação.

A mensagem, transmitida por esse vídeo, motivou mais ainda sobre a busca em

celulares e na web para saber o que está sendo dito nas redes sociais. E, grande parte do

próximo encontro foi reservada, para que todos pudessem relatar suas observações. Ouviram-

se várias alunas desabafarem dizendo: “Nossa professora!” “Quanta ignorância das pessoas!”

“Não tínhamos percebido quanto racismo existe.”

Entretanto, na decorrência de implementação desta Unidade Didática, ocorreu um

caso de racismo que serviu de base para uma abordagem mais substancial e mais convincente,

considerando-se todos os aspectos, ao presenciar tais fatos na busca de pacificação, de forma

educativa, sem que provocasse traumas. Mas que deixou de alguma forma, sequelas, porque a

escola precisou envolver as famílias dos alunos implicados, já que os injuriados lavraram

boletim de ocorrência na delegacia de polícia por conhecerem a Lei e queriam cobrar séria

satisfação. Entretanto, a família que se defendia, quando chegou ao Colégio, foi recebida pela

Pedagoga da turma, e recusava-se terminantemente em aceitar o fato de que o filho tivesse

cometido uma ofensa preconceituosa de racismo. Somente depois de muita conversa os

ânimos acalmaram-se e concordaram que apenas fosse lavrado um relatório, com a conivência

de que jamais fato semelhante iria se repetir.

Após este fato, ficou evidente a necessidade e a importância de mais discussões

sobre a temática. Pois, até aquele momento, acreditava-se que o racismo estava muito longe

do cotidiano escolar. Mas, ao se deparar com este fato, a pesquisadora se deu conta de algo

que precisava ser feito. Então, concluiu-se que é urgente a elaboração de um novo currículo

que contemple o formato deste debate.

A seguir, deu-se continuidade à implementação das atividades, procurando-se trazer

para a turma o que está sendo publicado por pessoas que têm conhecimento de causa e que

registraram suas experiências, a exemplo do que consta no excerto de “Um Brasil muitas

Áfricas”, de Alberto da Costa e Silva, extraído da Revista de História da Biblioteca Nacional,

e que dá a dimensão de que, no mesmo espaço geográfico brasileiro, quantas Áfricas existem.

Pois os homens, mulheres e crianças escravizadas tinham tradições, crenças, valores,

costumes, saberes e técnicas diferentes.

E, dando seguimento, o trabalho foi sendo desenvolvido com personagens negras,

resgatando-se suas valiosas contribuições, que serviram de alicerce para o desenvolvimento e

construção do País. E, nesse sentido, percebeu-se que há um longo caminho para se

desconstruir, no cotidiano brasileiro, muitas ideias negativas, concebidas sobre o sistema

escravista e seus atores, e que também se reconheça o papel preponderante deste povo, na

formação da sociedade.

Foi, ao destacar a diversidade dos valores registrada na memória nacional através da

música, literatura, ciência, alimentação e religião, presente e sedimentada na cultura e nas

tradições que caracterizam a nação brasileira, com um povo alegre, dado a festas, a cantorias e

a celebrações muito coloridas, que se pôde conferir e destacar sua imensa contribuição.

Na perspectiva de alcançar a distante história das “Áfricas,” dos que aqui chegaram,

a mobilização dos grupos negros e de afrodescendentes, que traz para o cotidiano a discussão

de seus direitos e conquistas pela cidadania plena, declaram que seus pleitos precisam ser

reconhecidos, não como uma prerrogativa gratuita, mas como uma dívida garantida por

direito histórico de suas lutas e constitucional que se deve a todo e qualquer cidadão.

Outro ponto que deve estar presente na prática pedagógica e que precisa ser

trabalhada é a oralidade. Pois, as línguas têm grande importância para todos os povos do

mundo e, em especial, na África, com toda relevância, pois lá a língua falada é primordial na

transmissão de conhecimentos e de tradições, que passam de geração a geração. Quem garante

essa afirmação é o escritor malinês Amadou Hampâté Bâ (1901-1991), que escreve sobre a

importância da oralidade na África: “O fato de não possuir uma escrita não priva a África de

ter um passado e um conhecimento”. (BISPO, 2010, P. 11)

Quando houver no Brasil uma sociedade que também mostre toda beleza negra e a

mídia que não somente apresente pessoas brancas, privilegiando manequins, modelos e

artistas, como se a cor da pele seja determinante para definir padrão de beleza, os

espectadores logo vão perceber que beleza tem outros predicados, que se harmonizam e

destacam-se na observação, avaliando-se cada ser humano dentro de padrões característicos e

universais.

E, enquanto essa realidade não atingir um grau de igualdade, apesar das reações, das

manifestações de lideranças e da Lei 10.639/03, os educadores precisam contribuir de maneira

formativa e decisiva, incutindo em seus alunos essa nova mentalidade.

Porém, para que isso aconteça, sem chamar grande atenção para o processo, há que

se levarem, para o cotidiano escolar, referências de pessoas negras que, dentro de seu

contexto, contribuíram na construção da sociedade brasileira, mas que não são exaltadas ou

referendadas por causa da cor de sua pele.

Ao se fazer isso, que sejam apresentados entre os grandes personagens da história

nacional, os escritores, poetas e outros profissionais que são negros, para comprovar que o

esforço nacional não só dependeu e depende apenas de pessoas ilustres e heróis brancos. Mas

também de milhões de brasileiros, que deram sua contribuição na cultura e nas batalhas, não

importando a origem ou descendência e, muito menos, quanto à cor. Ninguém está

questionando se eram de origem europeia, africana ou nativa todos aqueles que moldaram este

grande país, amalgamando, no correr de sua história, diversas etnias, para podermos

considerar que o Brasil de hoje é uma nação miscigenada e que está em busca de ser uma

pátria igualitária.

Dentro desta historiografia que traz um novo foco para trabalhar, discutir e aprender

sobre o povo negro é que foram apresentadas à turma várias histórias, que mostram e contam

o reverso da História que, por muito tempo, ficou à mercê das etnias brancas, provenientes da

colonização e da emigração europeia.

Muito chamou a atenção, em aulas anteriores, a estranheza de alunos que ao

estudarem sobre personagens negras e afrodescendentes, relatando seus feitos, questionavam

se aquela história era verdadeira. Já essa observação, relatada posteriormente, causou reações

inversas. Sinal que a implementação desta Unidade Didática estava produzindo o resultado

esperado. Esta abordagem, por sua dinâmica, evoluiu, saindo do mundo das ideias para a

rotina diária das personagens.

Quando foi lida a introdução do livro “Orfeu de Carapinha” frisou-se o ano dos

acontecimentos e as classes sociais que seguiam o cortejo, que lançou um novo olhar sobre o

papel de um negro e sua participação nos meios legais que, na prática, pertencia apenas à elite

branca. E, no desenrolar do caso, os alunos prestaram muita atenção e foram descobrindo a

importância de se conhecer os meios, os direitos e as leis, quando qualquer pessoa ou cidadão

precisa conquistar seus direitos que, muitas vezes, lhe é negado, desde que corra atrás e não se

entregue, apenas conformando-se com uma situação injusta. E essa discussão, com base

naquela luta e exemplo, foi muito esclarecedora e útil, não só para entenderem o esforço, a

inteligência e a lição que foi dada por Carapinha, mas também por esclarecer que qualquer

cidadão, como eles próprios, podem ajudar-se para defender seus direitos.

Outra personagem, que também rendeu discussão e muitas perguntas, foi a negra

Caetana. Sua história serviu para lhes mostrar, como uma pessoa decidida e conhecedora de

seus direitos já promulgados, na época, soube aproveitar seu tempo para escapar de uma

situação incômoda.

Buscando uma saída inédita para uma negra, quando teve de casar com quem não

gostava e, à noite, fugiu de sua casa para a casa grande, pedindo arrego ao patrão que a

acolheu, E este também a ajudou a encaminhar um pedido de divórcio diante das leis do

Direito Canônico da Igreja Católica, cuja aprovação ou não, os registros não a mencionaram.

Por fim, todas as atividades propostas foram realizadas, com exceção da visita ao

Quilombola de Palmas, devido a problemas financeiros. Combinou-se que acontecerá em

outro momento. Pois, se faz necessário conhecer a realidade em que as pessoas vivem, para

que os jovens percebam que não importa o tempo histórico, em que dificuldades e problemas

aconteçam, os sujeitos sempre encontram meios de resistir e sobreviver dentro do sistema

imposto, buscando sempre um caminho para conquistar os seus direitos.

Para encerrar esta implementação, os alunos realizaram uma pesquisa sobre as

personagens negras, criaram um grande mural que ficou exposto no saguão do Colégio e que

chamou a atenção de toda a comunidade escolar, que se interessou pelo projeto e quis saber

mais sobre aquele movimento que foi tão do agrado da turma.

GRUPO DE TRABALHO EM REDE

Os Grupos de Trabalho em Rede – GTR - constituem uma atividade do Programa de

Desenvolvimento Educacional – PDE - que se caracteriza pela interação virtual entre os

professores PDE e os demais professores da rede pública estadual que têm como objetivos:

possibilitar novas alternativas de formação continuada para os professores da rede pública

estadual; viabilizar mais um espaço de estudo e discussão sobre as especificidades da

realidade escolar; incentivar o aprofundamento teórico-metodológico nas áreas de

conhecimento, através da troca de ideias e experiências sobre as áreas curriculares; socializar

o Projeto de Intervenção Pedagógica na escola, elaborado pelo professor PDE com os demais

professores da rede;

Vale destacar que o GTR também promove a inclusão virtual dos professores, como

forma de democratizar o acesso da Educação Básica aos conhecimentos teórico-práticos

específicos das áreas e disciplinas trabalhadas no Programa.

DIA A DIA EDUCAÇÃO

E assim foi. Depois de ser disponibilizado este projeto do PDE com sua Unidade

Didática aos professores da rede estadual de ensino, através de postagem via internet, no

“site” Dia a Dia Educação, enquanto processava-se a implementação em sala de aula com os

alunos do Colégio Estadual São Cristóvão, dezesseis professores da rede pública do Paraná,

provenientes de várias regiões do Estado e de núcleos regionais de educação diferentes,

inscreveram-se para atender os requisitos do GTR, a fim de se credenciarem para participar

dos próximos PDE´s.

Esses professores, envolvidos com a formação continuada através da Rede, tiveram

que estudar com muita acuidade o Projeto e contar sobre como trabalham esta temática, em

salas de aula, na escola ou colégio, onde lecionavam. E, para melhor compreender e afinar-se

com a nova metodologia, seguiram os passos pré-estabelecidos pelo programa, trocando

informações, discutindo ideias e avaliando o projeto com a titular, que atendia, como

orientadora, através da troca de mensagens via “online”. Porém, seguindo um roteiro pré-

determinado, estabelecido pelo próprio programa da formação continuada, com metas a serem

atingidas, com prazos e obedecendo as etapas constantes, ou seja, participar dos fóruns e do

diário, via “online”.

Na avaliação final desta atividade, a titular deste PDE, que serviu como

coordenadora do GTR declarava-se muito satisfeita com o resultado obtido, porque todos os

participantes da Rede, que se envolveram com muita competência cumpriram todas as

atividades com muita presteza, em tempo e com muita competência. Todos, sem exceção,

manifestaram grande interesse e gosto pela escolha do tema, parabenizaram pela criatividade

na elaboração das atividades para serem desenvolvidas em sala de aula e fizeram “feed-

backs” muito produtivos.

Para confirmar o sucesso da coordenação deste GTR e a maneira como procedeu,

junta-se a cópia de algumas mensagens recebidas, como segue:

Nossos anseios, enquanto educadores, propiciam um debate sobre as relações raciais

no Brasil, contribuindo com o processo de formação da identidade brasileira,

valorizando a contribuição dos africanos. Com a implementação da Lei 10.639/03,

fruto de lutas históricas do Movimento Negro, a Lei surgiu como um instrumento de

conquista para pautar suas demandas no âmbito educacional, de forma que possamos

rever práticas, posturas, conceitos e paradigmas, almejando assim a construção

sólida de uma educação antirracista, uma educação para a diversidade e para a

igualdade racial.

O projeto de intervenção, na sua totalidade, está antenado à realidade escolar e à Lei

federal 10.639/03. Além de preocupar-se com problematização do conteúdo em

questão, preocupa-se com o ensino da História, isto é, com a forma como a

escravidão, o negro e os afrodescendentes foram tratados historicamente pela

educação, inclusive, lembra aos educadores, a necessidade de uma readaptação do

currículo como uma das ações afirmativas democráticas. (R.C.K.)

Assim foram acontecendo as discussões e contribuições do grupo. Foi importante a

diferença que estava em confrontar um pensamento com critério e embasamento, diluindo a

discordância através de uma análise dos pontos positivos e negativos, para indicar um novo

caminho, de como fazer para alterar ou melhorar o enfoque que se pretendia dar. Só assim,

agregaram-se conhecimentos e houve melhoria em todo o trabalho. Talvez, num primeiro

momento, a justaposição argumentativa tenha causado algum desconforto ou

descontentamento. Mas depois de terem-se debruçado sobre o exposto, puderam avaliar com

calma a nova colocação, para ponderar e descobrir que a sugestão procedia. Caso contrário, a

dúvida ainda permanecesse e a discordância continuasse quanto à orientação, pudemos

reavaliar e buscamos um maior aprofundamento no tema, voltando ao debate.

Um dos participantes fez o seguinte comentário: “Ao priorizar o estudo das histórias

de vida de tanta gente, que a História oficial ignorou para através delas discutir e

problematizar a escravidão e as diversas formas de resistência, relacionamos a vida do negro

antes (África) e durante a escravidão, inclusive, sem perder de vista a questão humana do

afrodescendente (amizades, família, sociedade e cultural).” Portanto, no decorrer das

participações, percebia-se que um dos objetivos estava sendo compreendido e bem aceito.

Pois, para Rüsen (PARANÁ, 2008, p.57) “A História” é exatamente o passado sobre

o qual os homens têm de voltar o olhar, a fim de poderem ir em frente em seu agir e de

poderem perspectivar seu futuro”.

E foi com esse pensamento que se desenvolveu a produção didática, com a

experiência do tempo passado, para discutir sobre o tempo presente. Portanto, as

contribuições dos professores foram de suma importância para poder fazer o fechamento do

projeto da implementação e da Unidade Didática.

Antes de encerrar, ainda cabe uma colocação que chamou bastante atenção e que

rendeu vários comentários dos demais participantes:

[...] um bom material ainda não é tudo. Dependendo da didática do profissional,

este material apenas pode não surtir o efeito esperado que muitos colegas já

mencionaram. Estou referindo-me ao currículo oculto (o respeito pelo conhecimento

que o aluno já possui; a postura intelectual do docente em ouvir mais e intervir só

quando necessário; a forma como o docente encaminha o debate: se todos são

instigados a falar, discordar...; a disposição das carteiras na sala; a democratização

do conhecimento produzido para todo o colegiado [...]. (J.B.F.)

Realmente, isto é um fato. O professor deve lembrar que os educandos trazem de

casa, do meio social em que eles estão inseridos, valores que fazem parte do seu cotidiano ou,

como citado acima, no currículo oculto.

Portanto, precisamos explorar como eles sentem e como vivem a questão do negro

no Brasil. Então vamos, através de dados e das historiografias, desconstruir o que eles têm

como verdade pronta e acabada. Mas, para que isso tenha o fim que se espera, precisamos nos

apoiar em fatos que provem e que demonstrem o que ficou velado por tantos anos.

Sendo assim, podemos orientar os educandos através da historiografia brasileira mais

recente, que vai além do sistema escravista, analisando as atitudes das pessoas que foram

escravizadas e que encontraram maneiras de lutar para manter sua cultura, como seres

inteligentes que pensam, têm sentimentos e que fazem parte da construção deste período

histórico. Os novos enfoques terão embasamento nos autores como João José Reis, Hebe

Mattos, Robert Slenes, Sidney Chalhoub, Ilton Cesar Martins, entre outros.

Entre os autores citados acima, podemos trazer para a sala de aula a história que está

no livro e faz parte da tese de doutorado do professor Ilton Cesar Martins, com o título: E EU

SÓ TENHO TRÊS CASAS: A DO SENHOR, A CADEIA E O CEMITÉRIO: CRIME E

ESCRAVIDÃO NA COMARCA DE CASTRO (1853-1888), onde faz o relato de uma

personagem, que pode levá-los a conhecer o outro lado do escravismo.

Pois, trata-se de uma negra que viveu no período pré-abolicionista, quando

sobejavam escravos trabalhando em fazendas e em outros afazeres. Mas também era normal

serem encontrados e reconhecidos, pelos caminhos e nas cidades, negros escravos ou libertos,

que conseguiram sua alforria ou que eram foragidos do cativeiro e esquecidos, ao passar do

tempo.

Contudo, um negro, com carta de alforria, devia ser reconhecido como cidadão e

gozar de todos os direitos de uma pessoa livre. Pois, foi esse o caso de nossa personagem que

punha em teste a autoridade legal da cidade de Castro, no estado do Paraná, na década de

1860. Assim, esta história comprova-se, como verdadeira, por constar nos registros oficiais da

época.

Esta é apenas uma das muitas abordagens que pudemos fazer e, aos poucos, mostrar

o quão grande foi a participação dos negros que, de várias formas, reivindicavam seus direitos

e espaços na sociedade escravista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo da pesquisa foi trazer para o debate a história dos seres que foram

escravizados, servindo para desmistificar a ideia construída, ao longo da história, de que eram

escravos. Mas também de podermos mostrar que os mesmos tinham uma identidade, uma

cultura, uma forma de louvar e tantas outras coisas que os tornam especiais, como seres

humanos.

E, no final deste estudo, que exigiu a leitura de muitos livros, que contou com

inúmeros encontros com o coordenador do Projeto, quando se discutiram ideias e corrigiu-se

o texto tantas vezes, também se acrescentou o envolvimento de colegas de sala de aula através

da implementação da Unidade Didática que faziam parte do GTR, pondo tudo a prova com

alunos, na prática, não só validando o conhecimento adquirido, mas também ajuntando a

experiência adquirida e que nos serviu para ensinar que não basta um bom plano de aula, se

não houver uma boa didática com base numa metodologia dinâmica e criativa. Caso contrário,

ao invés de se ensinar, vai-se enfernizar e atormentar os receptores da mensagem,

desperdiçando-se tamanho esforço sem o resultado esperado.

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