Os Factores Potenciadores da Sinistralidade Rodoviária

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Os Factores Potenciadores da Sinistralidade Rodoviária Análise aos factores que estão na base da sinistralidade – Pedro Magalhães Oliveira 2007

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Os Factores Potenciadores da Sinistralidade Rodoviária

– Análise aos factores que estão na base da sinistralidade –

Pedro Magalhães Oliveira

2007

Índice

1. Introdução à sinistralidade rodoviária …………………………………... 3 2. A sinistralidade rodoviária e as suas consequências ……………………. 5

2.1 Sinistro, sinistralidade e vitimização ………………………………… 5 2.2 Os números negros …………………………………………………… 6

3. O erro estratégico ………………………………………………………... 9 3.1 Na formação teórico-prática …………………………………………. 10 3.2 Nas campanhas de prevenção rodoviária …………………………….. 11

4. O status quo do ensino prático e as suas insuficiências ……………...….. 22 5. As causas da sinistralidade rodoviária? …………………….…………… 24

5.1 Condição básica para a ocorrência de um sinistro …………………… 24 6. Os Factores Potenciadores da Sinistralidade Rodoviária ............……….. 28

6.1 O supra-factor “Humano” ……………………………………………. 28 6.1.1 Incapacidade para dominar as reacções dinâmicas do veículo …... 28

6.1.1.1 Formação em dinâmica automóvel + condução defensiva ….... 28 6.1.1.2 Velocidade excessiva para as condições de circulação ………. 43 6.1.1.3 Estado psico-físico inadequado à prática da condução ………. 45 6.1.1.4 Ergonomia e postura na condução ……………………………. 46

6.1.2 Distracção na prática da condução ……………………………….. 49 6.1.3 Não-prática de uma condução defensiva – postura agressiva ……. 50 6.1.4 Desrespeito pelo Código da Estrada ……………………………... 52

6.1.4.1 Não-sinalização ou sinalização incorrecta na condução ……... 52 6.1.4.2 Desrespeito pela sinalização …………………………………. 53 6.1.4.3 Desrespeito pelas regras de circulação e da prioridade ………. 56 6.1.4.4 Desrespeito pelas regras de estacionamento …………………..65 6.1.4.5 Desrespeito pelos limites de velocidade ……………………… 65 6.1.4.6 Desrespeito pelos limites de álcool no sangue ……………….. 69

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6.1.5 Perseguições das autoridades policiais …………………………… 70 6.1.6 Inaptidão psico-física e cognitiva ………………………………… 72

6.1.6.1 Ausência de verificações periódicas (teóricas e práticas) ……. 73 6.1.7 Sexo, faixas etárias de risco e experiência de condução …………. 73 6.1.8 Factor cultural ……………………………………………………. 75 6.1.9 Os peões na Via Pública ……………………......................……… 79

6.2 O supra-factor “Veículo” …………………………………………….. 83 6.2.1 Estado de conservação e/ou de manutenção ……………………... 83 6.2.2 Capacidade de aceleração longitudinal e lateral …......................... 84 6.2.3 Massa do veículo e sua distribuição ……………………………… 86 6.2.4 Direcção ………………………………………………………….. 93 6.2.5 Ergonomia / posição de condução ………………………….......... 93

6.3 O supra-factor “Via” …………………………………………………. 94 6.3.1 Factor “Via” versus Factor “Humano” …………………………... 101

6.4 O supra-factor “Ambiente” …………………………………………... 104 7. Considerações finais e recomendações ………………………………….. 108

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1. Introdução à sinistralidade rodoviária

Em Portugal, a elevada taxa de sinistralidade rodoviária registada tem merecido, nos

últimos anos, uma atenção especial por parte das autoridades rodoviárias, nomeadamente

da Direcção-Geral de Viação (DGV), tendo resultado em campanhas de prevenção,

legislação mais punitiva e uma consequente acção policial mais forte.

Sem embargo ao esforço meritório das instituições competentes, os números “negros”

continuam a verificar-se, ano após ano, com consequências devastadoras para muitas

famílias afectadas por este fenómeno endémico e obnóxio, para o qual contribuem muitos

factores que vão desde a formação teórico-prática dos condutores, às condições das vias,

passando pelo parque automóvel e, não menos relevante, pela nossa própria cultura.

Não obstante, só com uma compreensão ampla do que está a montante da sinistralidade

será possível actuar eficazmente para reduzir o número de sinistros rodoviários.

Particularmente, o trabalho pretende alertar, com especial destaque, para as insuficiências

do ensino da condução automóvel e sua aplicação prática na Via Pública (VP).

Partindo do pressuposto de que a maior parte dos sinistros rodoviários ocorre devido a

erro humano, defende-se a tese de que uma formação prática mais completa e rigorosa,

nomeadamente na inclusão da vertente da dinâmica automóvel e em harmonia com um

reforço importante da condução defensiva, poderia evitar muitos sinistros considerados,

pois, evitáveis. Talvez, por isso, a aposta das autoridades rodoviárias não tenha sido a

mais eficaz, na medida em que se tem negligenciado um dos aspectos fundamentais do

ensino da condução – a sua componente prática – e, ao mesmo tempo, subvalorizado a

noção de condução defensiva.

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Mas não é só do ensino prático da condução que este trabalho trata. Será, pois, feita uma

análise integral aos factores que estão na base da sinistralidade, pelo que esta não decorre

de uma só causa, mas antes é potenciada por factores diversos e relevantes.

Os principais destinatários serão, por hierarquia descendente de competências: a própria

DGV, que certifica; as escolas de condução, que prestam formação; os condutores

certificados, detentores de título válido de condução, nomeadamente com qualificações

de “Categoria B” (ligeiros), mas também extensível às categorias “A” (motociclos), “C”

(pesados de mercadorias) e “D” (pesados de passageiros).

Todas as ocorrências práticas significativas registadas durante a realização deste trabalho

com interesse para o seu âmbito, estão descritas no texto e servem de exemplos práticos

simples e demonstrativos de determinadas práticas diárias correntes na VP.

Considera-se este um trabalho maduro, tendo sido escrito após um aturado esforço de

recolha de informação, de uma análise aprofundada aos factores culturais vernáculos, de

convívio com indivíduos e grupos diversos e com múltiplos agentes e vítimas da

sinistralidade rodoviária, incluindo grupos de risco de conduta marginalizante. É, ainda,

fruto de uma congregação, confronto e síntese de ideias e impressões provenientes de

indvíduos profissionais em formação de condução, das suas experiências práticas.

As linhas que se seguem são escritas ao arrepio da elevada taxa de sinistralidade

rodoviária nacional, e, como síntese, devem ser encaradas, por um lado, como uma crítica

construtiva ao status quo em matéria de formação rodoviária, e, por outro, como uma

possível linha directora para um ensino mais completo, uma legislação mais adequada, e

uma atitude e desempenho na condução na VP mais responsável e eficaz,

respectivamente.

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2. A sinistralidade rodoviária e as suas consequências

A sinistralidade rodoviária é um fenómeno civilizacional, fruto da existência e da

circulação em massa de veículos na VP. As suas causas assentam numa dinâmica em que

intervêm quatro supra-factores inter-relacionados: humano, veículo, via e ambiente.

Afecta, praticamente, todas as famílias, directa ou indirectamente, e tem consequências

sociais, económicas e, até, ambientais nefastas.

2.1 Sinistro, sinistralidade e vitimização

Para os efeitos do presente trabalho, entenda-se o sinistro como sendo qualquer

ocorrência na VP, de carácter fortuito, não-intencional, resultante do despiste e/ou

colisão de, pelo menos, um veículo em movimento, conduzido por condutor detentor

de título de condução válido, e do qual resultem danos materiais e/ou humanos

(vítimas). Neste âmbito, diferencia-se o sinistro do acidente clássico, pela ausência de

intencionalidade e pela ocorrência exclusiva em veículos automóveis em movimento com

condutor certificado. É, pois, uma definição mais restringente. Os acidentes ocorridos

com veículos imobilizados, não conduzidos ou com intencionalidade evidente, ou ainda

os que conduzidos por condutores sem título de condução válido, remetem a análise para

outros campos, tais como a criminologia, que, pelos objectivos do trabalho, não serão

aqui aprofundados.

A sinistralidade rodoviária é o somatório dos sinistros ocorridos na VP, por unidade de

tempo, nas vias de uma área geográfica específica, de uma divisão administrativa ou de

um determinado país.

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A vitimização resulta da ocorrência de sinistros em que tenham como consequência os

danos humanos, tanto físicos como psíquicos. Ao nível dos danos físicos, há três

categorias de vítimas definidas: mortos, feridos graves (quando os danos corporais

obrigam a um tempo de hospitalização superior a 24 horas) e feridos ligeiros. Os feridos

graves podem sofrer desde escoriações, fracturas ósseas, até lesões medulares resultantes

de traumatismo forte, para-/tetraplegia, perda de sangue, lesões em órgãos internos,

cortes de membros, queimaduras graves, incluindo, ainda, a perda de memória e o coma.

Alguns indivíduos chegam a morrer horas ou dias após o internamento, o que indica que

os dados estatísticos relativos ao número de vítimas mortais poderão não dar uma visão

muito verosímil da negra realidade rodoviária, por defeito.

2.2 Os números “negros”

Nos números da DGV sobre vitimização (ver Tabela 1), observa-se, entre 1984 e 2004,

um aumento de 33% no número de acidentes com vítimas (ainda que uma redução

considerável do número de mortos envolvidos) perante um aumento de quase 200% do

consumo total de combustível. Fazendo fé nestes números, pode afirmar-se, em traços

largos, que, neste espaço temporal, houve uma evolução positiva tendo em conta o

crescimento imarcescível do número de veículos a circularem na VP.

Nesta linha, a evolução positiva tecnológica da indústria automóvel no tocante à

segurança activa e à segurança passiva dos veículos, mais o aumento do número e da

qualidade de construção das vias, em harmonia com as campanhas de sensibilização da

Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), uma legislação mais restrictiva (inclusive na

utilização do cinto-de-segurança), e uma decorrente acção fiscalizadora e punitiva mais

eficiente, podem, conjuntamente, justificar esta diminuição relativa da vitimização.

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Tabela 1 – Número de acidentes com vítimas (1984 a 2004 – Rel. Anual da DGV, 2004).

O ano de 1992 foi o pior em vitimização. De 1998 a 2004 registou-se uma tendência de

redução substancial, quer em número de mortos quer de feridos.

Uma comparação muitas vezes feita, quando se procede a uma análise à vitimização nas

estradas portuguesas, é a da mortalidade ocorrida na guerra do Ultramar Português – onde

perderam a vida, entre 1961 e 1974, quase oito mil soldados (8.000) em campanha – com

a ocorrida nas estradas portuguesas, em período de tempo idêntico. Entre 1991 e 2004,

perderam a vida nas estradas mais de vinte e cinco mil (25.000), ou seja, mais do triplo.

Os números “negros” da sinistralidade rodoviária custam, ao País, anualmente, cerca de

dois mil milhões de Euros. As famílias envolvidas em sinistros rodoviários são

prejudicadas humana, material e financeiramente. O Estado sai, também, lesado, uma vez

que um sinistro comporta, normalmente, custos relacionados com o trabalho das forças de

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segurança (PSP e GNR), bombeiros, hospitais e até tribunais. O Ambiente também é

prejudicado com o aumento do número de veículos acidentados que, por um lado,

estimulam a procura e o fabrico de mais quantidade de veículos novos, e, por outro, o

aumento da quantidade de matérias não-orgânicas, não sujeitas a reciclagem.

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3. O erro estratégico

Como foi dito, medidas diversas foram sendo tomadas, ao longo dos últimos anos, por

parte dos sucessivos governos, do Ministério da Administração Interna (MAI) e da DGV,

com o intuito de reduzir a sinistralidade e, acima de tudo, a vitimização nas estradas

portuguesas. Algumas delas, ao nível de alterações na legislação do CE, nomeadamente

na vertente punitiva; outras, mais morosas e não menos importantes, de obras públicas

com vista ao aumento de segurança nas vias (como é exemplo a construção da auto-

estrada A25, em substituição do traçado do IP5, entre Aveiro e a Guarda).

Contudo, e não obstante uma redução efectiva gradual do número de vítimas mortais e de

feridos desde 1998, os números têm permanecido em níveis preocupantes, como foi

aludido.

Sem prejuízo às campanhas de prevenção conhecidas, a linha directora de actuação das

autoridades competentes em matéria rodoviária tem-se centrado na punição aos

infractores do CE. Esta praxis pauta-se por uma legislação com uma carga punitiva mais

pesada, autuação policial e uma aplicação de coimas e de sanções acessórias.

Mas aqui reside o erro estratégico. Ao contrário do slogan da DGV, não basta cumprir o

CE, nem somente punir, do lado dos condutores e das autoridades rodoviárias,

respectivamente. A penalização dos infractores do CE será importante para ajudar a

desencorajar o incumprimento do mesmo, mas não será condição suficiente garantir a

segurança na VP. A velocidade, as vias e as condições meteorológicas podem agravar

qualquer erro por parte do condutor, ou criar condições propensas ao despiste, mas não

serão propriamente, e em rigor, causas como normalmente se aponta.

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3.1 Na formação teórico-prática

A verdade é que uma fatia muito grande dos sinistros rodoviários ocorridos na VP, dá-se

por falta de destreza no controlo dinâmico do veículo, juntamente com uma grave falha

de práticas de condução defensiva. Isto, independentemente do cumprimento ou

incumprimento do CE.

Os sinistros mais graves estão frequentemente associados a perdas de controlo dos

veículos em curvas, com despiste (causa directa), consequente colisão e vitimação, em

situações de sub-/sobreviragem. Uma grande parte deles encontrando-se em cumprimento

das velocidades ditadas pela sinalização e pelas regras do CE, incluindo taxas de

alcoolemia normais, no momento da sua ocorrência.

Os famigerados troços de algumas vias portuguesas, chamados de “pontos negros” –

como surge, por exemplo, no IP4 – ganharam a sua fama por serem palco permanente de

longas derrapagens descontroladas de veículos em que os seus condutores pouco mais

fazem do que observar, horrorizados e impotentes, o seu próprio deslizar em direcção à

morte que os “espreita” nas curvas lateralmente delimitadas pela geada matinal.

Apontar o dedo, nestas circunstâncias, à velocidade, à via ou às condições meteorológicas

adversas sem primeiro analisar a preparação dos condutores encartados e os requisitos do

seu treino teórico-prático nas escolas, jamais passará de uma tergiversação que esconde

um problema de fundo que nunca foi devidamente identificado nem, muito menos,

solucionado.

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3.2 Nas campanhas de prevenção rodoviária

Por outro lado, as campanhas portuguesas de prevenção rodoviária não terão, porventura,

sido as mais eficazes, pois não chocam ou simplesmente não causam impressão. Há

autores que defendem o estilo da “campanha de choque”, já existente noutros países da

União Europeia, em que são mostradas situações reais arrepiantes como exemplo do que

acontece, por forma a tentar consciencializar, de uma forma mais agressiva, os

condutores para os perigos e consequências de uma condução errada. A integração de

bébés, crianças e jovens nas campanhas de prevenção é um factor emocional adicional

que reforça a mensagem que nelas pretende ser transmitida.

Figura 1 – Exemplo de campanha da PRP.

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Em Portugal, a campanha televisiva, apoiada pelo MAI, na qual surgem crianças a entrar

para dentro de um avião comercial (Fig. 2), foi bastante criticada pelo facto de, por um

lado, não ser visualmente chocante e, por outro, pela analogia com os aviões em

substituição dos automóveis. Embora a mensagem a transmitir seja importante, a forma

como foi transmitida pecava por falta de objectividade e direcção, segundo as críticas.

Figura 2 – Campanha portuguesa de prevenção rodoviária.

Na vizinha Espanha, tal como também em França, as campanhas televisivas para a

prevenção rodoviária são claramente elucidativas. Vejam-se dois exemplos. Na Fig. 3, a

seguir, pode observar-se umas imagens do vídeo de uma campanha conhecida. Algumas

imagens contidas nas páginas seguintes têm um conteúdo forte.

Figura 3 – Campanha espanhola de prevenção rodoviária.

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Os vídeos de certas campanhas estrangeiras de prevenção rodoviária são bastante

objectivos e mostram claramente os efeitos nefastos da condução ora com velocidade

excessiva, sem cinto de segurança, sob o efeito do álcool, sono e distracção.

No exemplo espanhol, a comparação dos efeitos de uma colisão em velocidade com

exemplos de situações físicas de dinâmica da vida real amplificam a mensagem

transmitida.

No exemplo seguinte, (vídeo da Fig. 4), observa-se um veículo acidentado com

capotamento no meio da faixa de rodagem, supostamente devido à perda de controlo por

parte do condutor que circulava em excesso de velocidade. Ouve-se a voz de uma criança

a chamar pela sua “mamã”. O pai tenta abrir a porta para sair do veículo. Quando está já

quase a conseguir sair, vem outro veículo, também em excesso de velocidade, e colide

directamente com o acidentado, matando o pai instantaneamente e projectando o veículo

capotado com os restantes ocupantes para longe, anulando hipóteses de sobrevivência.

Figura 4 – Campanha francesa de prevenção rodoviária.

Não há dúvida de que a campanha francesa é, igualmente, uma “campanha de choque”,

pois pretende atingir emocionalmente os condutores, por forma a consciencializá-los,

com um caso prático e perturbador, para os perigos da velocidade…

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Outro exemplo de “campanhas de choque”, objectivas, é o vídeo britânico que está

apresentado na Fig. 5, em baixo. Aqui em foco a não-utilização do cinto-de-segurança,

no caso de colisão.

Figura 5 – Campanha britânica de prevenção rodoviária.

Observa-se, no vídeo, o traumatismo provocado na cabeça de uma rapariga resultante da

colisão do corpo solto do namorado – que não levava o cinto de segurança apertado –

dentro do veículo, causado pela forte colisão longitudinal com outro veículo, seguido

ainda de outra no sentido contrário à primeira. Supostamente, tal como é apresentado no

vídeo, o embate entre as cabeças do casal iria provocar um dano cerebral permanente na

rapariga. Se o seu namorado levasse o cinto apertado, não teria embatido daquela forma

contra ela, pois sofreria a mesma aceleração e desaceleração consecutivas, resultantes das

colisões, que os restantes ocupantes sofreram.

O carácter emocional da relação amorosa entre os dois protagonistas do spot em

referência, inicialmente apresentada – sendo que um deles seria responsável pela morte

ou invalidez do outro – ajuda, ainda, a causar um impacto muito maior à mensagem da

campanha.

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No âmbito da estratégia de segurança rodoviária, do Department for Transport, Energy

and Infraestructure (DTEI) sul-australiano, foram realizadas diversas campanhas com

spots publicitários para a rádio e para a televisão, também muito elucidativos. Os temas

em destaque são: o álcool, a velocidade, o cansaço, a distracção e o cinto de segurança.

No fim dos spots, surgem mensagens em letras maiúsculas grandes, em branco e em

vermelho, sobre um fundo preto:

1) – Sobre a condução sob o efeito do álcool:

“DRINK DRIVE. YOU’LL BE SORRY.”

“DRINK DRIVE. THINK ABOUT THE IMPACT.”

2) – Sobre a condução com velocidade excessiva:

“SPEED DRIVING. WRECKS LIVES.”

“SPEEDING. WHAT’S YOUR EXCUSE?”

“WIPE OFF 5.” (“5 KM/H MAKES ALL THE DIFFERENCE”)

3) – Sobre a condução sob cansaço:

“STOP. REVIVE. SURVIVE.”

4) – Sobre a utilização do cinto-de-segurança:

“NO TRIP’S TOO SHORT FOR A SEATBELT.”

5) – Sobre a desconcentração na condução e utilização de telemóveis:

“GOOD DRIVERS JUST DRIVE.”

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Para além dos vídeos, as campanhas de cartaz, sejam em panfletos, em revistas ou em

outdoors, têm um papel importante. Em Portugal, também curiosamente, não se

observam campanhas chocantes como se observa nos países anglófonos porventura mais

civilizados em matéria de comportamento rodoviário. Ora, será isto um contra-senso?

Figura 6 – Campanha britânica contra a velocidade rodoviária.

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Figura 7 – Campanha norte-americana contra a condução sob o efeito do álcool.

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Figura 8 – “DRINK AND DRIVE ALSO KILLS THOSE WHO DON’T DRINK”

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Figura 9 – Outdoor faz analogia da morte com a bebida.

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Inúmeras imagens fortes e vídeos de colisões rodoviárias contam histórias reais que

acabaram mal e que poderiam ser mais divulgadas como uma advertência para os perigos

da condução errada.

O exemplo chocante de uma jovem de 18 anos que, embriagada, resolveu pegar no

Porsche novo do seu pai sem a permissão dele. O resultado de uma violenta colisão

contra uma estrutura sólida a bem mais de 100 milhas, após perda de controlo e colisão

num outro veículo, está documentado nas imagens que se seguem.

Figura 10 – Violenta colisão a alta velocidade de um veículo conduzido por jovem embriagada.

Na página seguinte, alguns exemplos de consequências, na fisionomia humana, de

colisões em sinistros rodoviários potenciados por condução sob o efeito do álcool ou

simplesmente por quaisquer outros factores humanos específicos.

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Figura 11 – Consequências de acidentes rodoviários. Fracturas, esmagamentos e queimaduras.

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4. O status quo do ensino prático e as suas insuficiências

O ensino prático leccionado nas escolas de condução baseia-se na aplicação do CE na

VP, incluindo algumas manobras de estacionamento. Não é dado o devido valor à prática

de uma condução defensiva nem ao treino do controlo dinâmico do veículo,

nomeadamente o treino na prevenção e no controlo da derrapagem. Não há um plano de

aplicação de formação prática deste importantíssimo capítulo; não há pistas com

condições próprias adequadas para este tipo de treino, nem simuladores específicos.

Os simuladores que alguns centros de formação de condução (v. Fig. 12) utilizam,

embora tenham a sua importância na passagem da teoria para a prática real, não

contemplam modelos suficientemente precisos do comportamento dinâmico de um

veículo automóvel, e a sua utilização fica, pois, limitada, à aplicação do CE na VP virtual

em ambiente sintético, e ao treino psicomotor de ab-initio.

Figura 12 – Simulador de condução utilizado pelo ACP.

Os próprios instrutores também não têm, na generalidade, essa preparação necessária ao

treino em causa.

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As escolas de condução não ensinam, pois, um condutor formando a controlar um veículo

na sua vertente dinâmica, mas antes a circular dentro dos limites de velocidade, a

respeitar o CE e a manobrá-lo como se as leis da Física se não aplicassem e a reacção do

veículo às solicitações do condutor fosse sempre linear e imediata.

Não será imprudente afirmar-se que há, actualmente, como tem havido sempre, um certo

facilitismo na emissão de licenças de aprendizagem e de títulos de condução em relação à

complexidade, à exigência e à responsabilidade que a condução na VP exige.

Se se comparar o nível de exigência de um curso aeronáutico para a obtenção de uma

simples licença de Piloto Particular de Avião (PPA), aprovado pelo Instituto Nacional de

Aviação Civil (INAC), com o de um curso para automóveis pesados de passageiros

aprovado pela DGV, observa-se uma disparidade de critérios gigantesca, desde os

requisitos psico-físicos eliminatórios, ao conteúdo teórico ou, até mesmo, à exigência

prática psicomotora no controlo do aparelho. Esta constatação é preocupante, uma vez

que uma aeronave ligeira para a qual a licença é válida tem, estatisticamente, uma taxa de

sinistralidade associada bastante mais reduzida do que tem um automóvel ligeiro, que

circula em vias físicas com grande intensidade de tráfego, com uma margem para erro

muito reduzida, e que pode, até, em caso de sinistro, ter consequências de igual ou,

mesmo, maior gravidade.

Será assim tão mais crítica a pilotagem de uma aeronave ligeira com 2 passageiros num

espaço aéreo vasto e desimpedido do que um carro pesado com 80 passageiros lá dentro

numa estrada movimentada e cheia de curvas?!

A falta de formação em condução nocturna e em condições de má visibilidade é outra

insuficiência do actual ensino. Muitos sinistros rodoviários sucedem nestas condições.

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5. As causas da sinistralidade rodoviária?

Muito se fala nas causas da sinistralidade rodoviária mas, também, muitas vezes se

comete o erro de apontar o dedo a um ou a outro factor, como causa, e de arrumar o

assunto por aí de forma simplista e, até, ingénua.

5.1 Condição básica para a ocorrência de um sinistro

Massa vezes Velocidade. Será esta a condição necessária, sine qua non, para a ocorrência

de um sinistro rodoviário. Tem de haver massa em movimento. O momentum linear de

um veículo é dado pela produto da sua massa pela velocidade. Como é normalmente

representado por um vector, tem ainda uma orientação. Todo o veículo em movimento

tem um momentum próprio, ou seja, uma quantidade de movimento linear.

E=½m.v2 Esta fórmula relaciona a Energia cinética com a massa e a velocidade. Numa

colisão perfeitamente inelástica entre dois veículos automóveis dá-se uma redução

máxima da Energia cinética. A Energia cinética é transformada em Energia térmica

durante a deformação dos veículos. Ora, a variação da velocidade de um objecto faz

resultar uma variação maior da sua Energia cinética do que faz a variação da sua massa,

pela dependência quadrática. Isto significa que um pequeno aumento na velocidade de

um veículo faz aumentar a sua Energia cinética de forma muito acentuada. Em situação

de colisão, um pequeno aumento da Energia cinética contida no veículo em movimento,

potencia um aumento acentuado dos danos físicos resultantes dessa colisão.

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Em termos comparativos, veja-se, por exemplo, que um automóvel ligeiro de 1.500kg de

peso bruto, deslocando-se a uma velocidade de 260km/h contém em si um valor de

Energia cinética superior ao de um veículo pesado de dez toneladas a 100km/h, podendo,

pois, causar importantes danos materiais (e humanos) em caso de colisão.

Mas, para ocorrer um sinistro, basta que um veículo se encontre em movimento. A

velocidade é, pois, a condição necessária essencial para a ocorrência de um sinistro – tem

de haver movimento.

Nos dias de hoje, encontra-se uma enorme discrepência entre as limitações impostas pelo

CE e as capacidades dinâmicas dos veículos que legalmente circulam na via pública.

Com menos de quinze mil euros, é possível adquirir máquinas de duas rodas capazes de

acelerar até aos 200km/h no tempo de sete segundos; e não é preciso uma certificação

especial para as conduzir. Infelizmente, nas nossas estradas, a “Categoria A”, por vezes, é

sinónimo de “licença para morrer”.

O mesmo se passa com veículos de quatro rodas, em que, na prática, em relação ao

parque automóvel existente, a “Categoria B” certifica condutores para a condução de

veículos: desde um “Moto4” de 100kg até um veículo blindado de 3.500kg de peso; com

velocidades máximas entre os 50km/h e os 400km/h (ou mais); com potências dos 10Cv

aos 1.000Cv (ou mais); de tracção dianteira e de tracção traseira. Isto significa que não há

nem limitações em termos dinâmicos para os veículos, que não somente o peso, nem

certificações específicas que tenham em conta as diferentes características dos veículos e

os níveis de perigosidade que uma condução irresponsável nesses veículos pode

comportar para o próprio e, sobretudo, para os restantes utentes da VP.

Os parágrafos anteriores poderiam parecer partes integrantes de um óptimo postulado

para a “cartilha rodoviária” de qualquer defensor da velocidade reduzida na VP e da

respectiva punição aos infractores dos limites estabelecidos pelo CE. Os que alegam que,

juntamente com o álcool, a velocidade é uma das principais causas de sinistralidade

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rodoviária, tradicionalmente remetem a resolução deste complexo problema para uma

simples punição dos infractores, por vezes desconhecendo as verdadeiras causas e quase

sempre negligenciando factores relacionados não menos relevantes. Também as

autoridades policiais, PSP-T e GNR-BT, não referem, nas entrevistas, a insuficiente

preparação prática dos condutores de veículos, apontando, antes, o “excesso de

velocidade”, o “piso escorregadio”, as “manobras perigosas” ou o “álcool”.

Mas contrariamente ao que se advoga, a velocidade não é uma causa de sinistralidade,

mas sim um factor potenciador de sinistralidade, tal como a chuva, as curvas de uma

estrada, o álcool ou o desrespeito do CE. Embora as campanhas de prevenção rodoviária

tradicionalmente convirjam para o aforismo “a velocidade mata”, ou ainda para “basta

cumprir os limites”, a verdade é que a velocidade potencia eventuais erros por parte do

condutor ou dos restantes elementos dinâmicos constituintes da infra-estrutura rodoviária,

tais como veículos terceiros, peões e objectos diversos.

É importante que se respeitem os limites de velocidade; é importante que se não circule a

velocidade excessiva para as condições das vias; mas igualmente importante será garantir

que os condutores, legalmente habilitados a conduzir na VP, tenham uma formação

prática eficaz ao ponto de estarem preparados para controlar os veículos em caso de

instabilidade / perda de aderência, situação frequente em condução automóvel.

O capítulo do controlo dinâmico do veículo, na condução, está, infelizmente, associado

apenas à noção de “condução avançada“, ou seja, opcional à margem do título de

condução aprovado pela DGV. Ora, enquanto não fizer parte integrante de uma formação

completa, obrigatória, portanto, sinistros evitáveis continuarão a suceder tal como hoje

sucedem. Juntamente com uma melhor preparação necessária dos condutores, assim

também o reforço da componente defensiva da condução, a montante da ocorrência da

derrapagem, perda de controlo do veículo e sinistro, é fundamental. A este concerto de

esforços formativos chama-se prevenção.

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Em suma, à excepção das situações humanamente inevitáveis, um sinistro com ou sem

colisão e/ou vítimas, ocorre principalmente devido a erro humano, por incapacidade do

condutor em controlar o veículo ou em modificar a sua marcha de acordo com as

condições e necessidades de circulação, eventualmente potenciado por diversos factores,

ou supra-factores – humano, veículo, via e ambiente. A National Highway Traffic Safety

Administration (NHTSA) norte-americana estima que pelo menos 90% dos sinistros

rodoviários com veículos automóveis tenham causa em factores humanos.

Do ponto de vista da análise à sinistralidade rodoviária global e à sua redução, parecerá

mais coerente ter em conta todos os possíveis e mais variados factores que potenciam o

sinistro, do que abordar a complexa análise do ponto de vista, porventura mais limitativo,

da/(s) causa/(s). As causas directas, essas, variam consoante cada caso e, normalmente,

redundam no despiste do veículo ou na sua incapacidade de imobilização, causas directas,

sendo ainda, por sua vez, originárias em determinadas condições potenciadas por

diversos factores importantes. No ponto seguinte serão apresentados em detalhe esses

factores.

27

6. Os Factores Potenciadores de Sinistralidade Rodoviária

São quatro os supra-factores que estão na base da ocorrência dos sinistros rodoviários.

Contêm factores e sub-factores que, conjuntamente, potenciam a sua ocorrência, e que,

seguidamente, serão apresentados.

6.1 O supra-factor “Humano”

O factor humano é o mais importante responsável na ocorrência dos sinistros rodoviários.

No plano do sinistro, o factor humano está associado tanto a condutores de veículos como

a peões que frequentemente atravessam as vias.

6.1.1 Incapacidade para dominar reacções dinâmicas do veículo

A incapacidade para controlar um veículo em situações críticas depende de alguns sub-

factores importantes.

6.1.1.1 Formação em dinâmica automóvel + condução defensiva

Considera-se que só uma formação teórico-prática completa, que integre o capítulo da

dinâmica automóvel, poderá garantir um controlo óptimo do veículo por parte do

condutor. Sem um controlo efectivo e permanente, por parte deste, sobre o veículo que

conduz, não será, igualmente, possível garantir um mínimo razoável de segurança de

circulação na VP.

28

As reacções do condutor ao desequilíbrio do veículo, em situações de derrapagem, perda

de aderência de uma ou de várias rodas, têm de ser prontas e eficazes. Mas a prontidão de

reacção, por parte do condutor, obriga a uma condição prévia – a criação de

automatismos – que pressupõe a reacção imediata à situação dinâmica do veículo na via.

Essa condição pode ser adquirida com treino de simulador e em condições reais.

Figura 13 – Dinâmica de um automóvel numa curva.

O caso mais típico verificado em Portugal de perda de controlo do veículo, com despiste

total ou parcial, é o clássico erro da sobreviragem descontrolada em volta, induzida por

uma desaceleração com transferência de peso para a frente, perda de tracção lateral

traseira e rotação sobre o eixo vertical para o lado exterior da curva (ver Fig. 13).

29

Figura 14 – Ângulo de derrapagem do pneu em curva.

Quando um veículo descreve uma curva, os seus pneus têm de suportar lateralmente a

Força centrífuga gerada. Devido à elasticidade do pneu, por um lado, e aos coeficientes

de atrito, por outro, é formado um ângulo de derrapagem (deriva) na área de contacto

com o piso, que corresponde à diferença entre a direcção da área de contacto ou a

direcção efectiva da deslocação e a direcção física real da roda.

Figura 15 – Diferença ângular de derrapagem entre as rodas dos eixos dianteiro e traseiro.

30

É a diferença angular nas rodas, entre os dois eixos, que dita a subviragem e a

sobreviragem. Numa volta normal, neutra, os ângulos de derrapagem das rodas dianteiras

têm sensivelmente a mesma amplitude que os das rodas do eixo traseiro. Assim, se os

ângulos do eixo dianteiro forem maiores, obter-se-á subviragem; se forem menores, será

a sobreviragem que resulta.

Na realidade, há, também, sempre uma ligeira diferença angular entre as rodas do lado

exterior e interior da curva, por causa da posição em relação ao eixo vertical de

translação, sendo que as do lado interior fazem um ângulo maior com o eixo longitudinal

do veículo do que as do lado exterior (ver Fig. 16). Há, igualmente, uma diferença de

velocidade no movimento circular das rodas, devido ao diferente comprimento dos arcos

de curva (as rodas do lado interior da curva giram menos do que as do exterior que têm

um percurso maior por percorrer), pelo que existem dispositivos mecânicos diferenciais.

Figura 16 – Translação e Rotação teóricos – eixos verticais em volta.

31

Quando há aplicação de Força de tracção, em curva, o ângulo de derrapagem aumenta.

Isto significa, genericamente, que, nos veículos de tracção dianteira tende a haver um

aumento da subviragem; nos de tracção traseira, a tendência é a oposta, ou seja,

sobreviragem. Nos veículos equipados com sistemas de tracção integral com repartição

50% / 50%, o aumento da derrapagem surge de forma equilibrada e neutra.

Quando os limites de aderência lateral se aproximam ou quando estes são ultrapassados,

numa curva, a aplicação de Força longitudinal (tracção) tende a resultar em derrapagem

ou no seu agravamento.

A subviragem surge em situações de entrada em curva com velocidade excessiva para o

piso, ou por aceleração em veículos de tracção dianteira.

Já a sobreviragem tanto pode surgir em aceleração em veículos de tracção traseira, como

também em desaceleração em qualquer tipo de tracção. A transferência de peso para a

frente, em desaceleração, provoca um desequilíbrio no veículo e uma tendência de

sobreviragem eminente, ou seja, de rotação sobre o eixo vertical dianteiro do veículo.

A subviragem excessiva e descontrolada apresenta um perigo de colisão e de despiste.

Surge, sobretudo, em piso pouco aderente e é sempre um efeito indesejável na condução

(o chamado “fugir de frente”). Em subviragem, a tendência de rotação do veículo sobre

um eixo vertical tende a desaparecer e, em vez disso, mantém a direcção inicial. E o

condutor perde momentaneamente o controlo direccional do veículo.

A sobreviragem por desaceleração surge mais frequentemente em piso aderente e, se

descontrolado, pode ocasionar um peão e eventual despiste; se controlado, desde que

ligeiro, pode ajudar na inscrição da frente do veículo para o interior da curva na

trajectória pretendida (sobretudo em veículos de tracção dianteira com o centro de

gravidade avançado). A sobreviragem em aceleração surge mais em piso de baixa

32

aderência, mormente em veículos com elevado torque, ou momento de torção, (comum e

imprecisamente chamado de “binário motor”) e/ou muita potência disponível às rodas

traseiras, pelo que poderá ser aconselhável manter o controlo de tracção e/ou de

estabilidade ligados, sobretudo em piso pouco aderente.

Figura 17 – Eixos verticais (teóricos) de rotação em volta normal e em sobreviragem.

Quando um veículo entra em sobreviragem por desaceleração longitudinal, a derrapagem

das rodas do eixo traseiro (deriva) em torção é agravada se não houver correcção por

parte do condutor e/ou dos sistemas de controlo automático (se os houver). Se não houver

correcção, a velocidade angular da torção aumenta, provocando um aumento do

momentum angular (velocidade angular x momento de Inércia), por sua vez provocando

um agravamento da deriva, podendo mesmo passar do ponto de não-retorno – situação

em que o veículo descreverá uma rotação descontrolada sobre o seu eixo vertical frontal

(efeito designado por “peão”).

33

O controlo da deriva de traseira faz-se através da contra-brecagem, voltando o volante

para o lado da deriva e assim obrigando a frente a contrariar a torção.

Em veículos com tracção dianteira, para além da contra-brecagem, pode recorrer-se ao

acelerador, em simultâneo e com muito eficiência, para cortar a transferência de peso e,

assim, impossibilitar um agravamento do momentum angular.

Nos veículos de tracção traseira, é menos aconselhável o recurso ao acelerador nesta

circunstância, devido à possibilidade de agravamento da derrapagem das rodas do eixo

traseiro e, por conseguinte, da sua deriva. Nestes veículos, para além da contra-brecagem,

deve usar-se o pedal da embraiagem de forma a impedir que a Força do motor transmitida

(pela transmissão) às rodas possa agravar a deriva. Há, todavia, veículos de tracção às

quatro rodas, equipados com um diferencial central que reparte a Força pelos eixos

consoante a derrapagem em cada um deles, possibilitando a aceleração como atenuador

da sobreviragem.

A perda de controlo do veículo na via pública, por erro humano, surge, nas estradas

portuguesas, em todas as condições: em piso seco e em piso molhado, com boa e má

visibilidade, em veículos novos e antigos, com condutores jovens e idosos, inexperientes

e, até, experientes. O erro humano por falta de formação prática em dinâmica automóvel

(onde se inclui o controlo da derrapagem), juntamente com outros sub-factores como a

velocidade excessiva, a ausência de práticas de condução defensiva (que inclui a

prevenção da derrapagem e do sinistro), o estado de conservação da via, e de condições

climáticas, resulta em graves acidentes de viação.

Existem dispositivos de controlo de estabilidade automático para os veículos, alguns dos

quais já vêm, até, incorporados no equipamento de série. O Anti-lock Braking System

(ABS), o Traction Control (TC) e o Electronic Stability Program (ESP) ou Electronic

stability Control (ESC). Os dois primeiros actuam essencialmente na dinâmica

34

longitudinal do veículo, para travar e para acelerar sem derrapagem, respectivamente. Ao

ABS pode, ainda, estar associado um repartidor electrónico de travagem. O ESP/ESC tem

em conta a dinâmica lateral e o equilíbrio durante a transferência de peso em curva. Os

mesmos sistemas podem surgir, na indústria, com nomes diferentes aos apresentados,

mas os princípios são idênticos.

Figura 18 – As Forças no plano horizontal e os sistemas electrónicos de controlo automático (Bosch).

A utilização do controlo de estabilidade não deverá assentar, nunca, num excesso de

auto-confiança por parte do condutor que o leve a conduzir de forma imprudente, assim

como não deve acontecer quando este recebe lições de controlo e prevenção da

derrapagem em cursos de “condução avançada” ou mesmo quando compreende e domina

bem o veículo em termos dinâmicos. Por isso é que é peremptório o princípio da

condução defensiva. O ESP/ESC serve, somente, para ajudar o condutor no controlo

direccional e para manter a estabilidade do veículo.

Um estudo do Instituto para a Segurança Automóvel, alemão, recomenda a inclusão do

sistema de controlo de estabilidade em todas as classes de veículos, depois de concluir

que mais de ¼ das colisões graves em automóveis se devem ao despiste por falta de

controlo directo e efectivo do condutor.

35

Figura 19 – Representação tridimensional da dinâmica automóvel.

Quando se fala em dinâmica automóvel, i.e., nas Forças que actuam num veículo e o seu

comportamento, tem de se equacionar as três dimensões do espectro dinâmico: a

dinâmica longitudinal, a dinâmica lateral e a dinâmica vertical.

Só compreendendo o jogo de Forças que a dinâmica automóvel abarca será possível

compreender o comportamento dos veículos na VP, incluindo os limites de aderência e a

movimentação de massas.

Figura 20 – Esboço da análise à dinâmica, nas três dimensões: longitudinal, lateral e vertical (Corrsys-Datron GmbH).

36

Como foi dito, a formação prática prestada actualmente nas escolas de condução é

insuficiente, não preparando devidamente, na vertente prática, os potenciais condutores

na base da percepção do comportamento dinâmico nem, menos ainda, no importante

controlo do veículo em situações de derrapagem. Partindo deste pressuposto, a origem de

um sinistro por erro humano, surge numa cascata de causas-consequências:

→Instabilidade do veículo ou perda de aderência →Ausência de reacção, ou reacção errada

→Perda de controlo, por parte do condutor →Despiste do veículo da via de trânsito ou da faixa de rodagem

→Eventual colisão do veículo (sinistralidade e/ou vitimização)

A perda de controlo do veículo, com despiste, é responsável, todos os anos, por milhares

de acidentes e muitas centenas de mortos, nas estradas portuguesas. A perda de controlo

do veículo, em curva, é, quase sempre, originada por sobreviragem descontrolada (por

inabilidade do condutor) ou por subviragem excessiva (por velocidade excessiva para as

condições do veículo e da via).

Uma indicação das situações em que o treino prático de dinâmica automóvel se revela

importante:

• controlo lateral de subviragem / sobreviragem (em aceleração angular);

o subviragem (por velocidade excessiva para as condições da via, e por

aceleração em veículos de tracção dianteira);

o sobreviragem (por desaceleração, e por aceleração excessiva em veículos

de tracção traseira);

• controlo longitudinal de derrapagem (em aceleração linear /±);

• treino diferenciado para veículos de tracção dianteira e traseira;

• condições do treino em piso aderente e em piso escorregadio.

37

São inúmeras as histórias reais de sinistros graves nos quais pessoas perderam a vida na

VP, por falha no controlo do veículo, nomeadamente por falta de preparação prática

específica. Fica, aqui, ilustrado um excerto de uma história de terror bem real:

“(…) A tragédia deu-se em Maio de 1995 (…) Leonor, Patrícia e Natalie juntaram-se ao grupo e foram com Tê-Tê e Liliana até Lisboa, ao aniversário de uma outra amiga num bar em Santos. Às duas da manhã, regressaram à Marginal em direcção à festa da espuma do Coconuts. Para fugirem às poças de águas (…), decidiram viajar pelo lado esquerdo. Não muito tempo depois, um Jeep guiado por um grupo de rapazes colou-se a elas. O condutor fazia malabarismos para dar nas vistas às meninas da Linha. Numa curva entre a Parede e São Pedro do Estoril, o Jeep deu inadvertidamente um toque na traseira do veículo das jovens. A condutora, Natalie, que (…) só tinha a carta de condução há quinze dias, perdeu o controlo e entrou pela outra faixa. Um Seat Ibiza, que vinha na direcção contrária, bateu na zona do depósito do Polo, que voou até ao parque de estacionamento da discoteca Bafureira, aterrando em cima de uma carrinha Bedford. A rapariga que ia atrás, sem cinto, foi imediatamente cuspida do veículo. As restantes ficaram presas no interior em chamas (…) Homens acorreram (…), conseguindo retirar Patrícia, que viajava no lugar do pendura. Tê-Tê que ia no banco de trás gritava: ‘Alguém que me tire daqui. Não consigo desapertar o cinto’. Mas o VW tinha apenas três portas e estava desfeito. Era impossível socorrê-la. Pouco depois, o carro explodiu. As amigas morreram carbonizadas. Patrícia, com graves queimaduras, sobreviveu à catástrofe. Nove anos depois continua em coma no hospital…”Excerto retirado do jornal Correio da Manhã, de 21/11/2004.

A par da vertente prática, a formação com incidência em técnicas de condução defensiva

é, igualmente, de relevância maior, de forma a que os formandos – futuros condutores e

potenciais agentes da sinistralidade – aprendam a proteger-se e a minimizar o perigo.

Figura 21 – Caso típico de de

controlo do veículo por parte do condutor, por sobreviragem em curva (dia 25/12/05 – 14h). spiste, na curva de acesso ao IC-17 / CRIL, resultante da perda de

38

Alguns estudos realizados na Escandinávia, nomeadamente na Noruega e na Suécia –

países periodicamente fustigados pelo mau tempo, incluindo muita neve e muito gelo –

concluiram que um treino prático exclusivamente centrado no controlo da derrapagem

pode ter efeitos exteriores nefastos. A explicação apontada por alguns autores (como

Glad, p.ex., em 1988, Noruega) reside em dois pontos principais: primeiro, no facto de os

indivíduos adquirirem um excesso de auto-confiança com o treino e derrapagem,

expondo-se, em consequência, mais a situações potencialmente perigosas do que

anteriormente ao treino; segundo, no facto de o treino em referência se basear

exclusivamente no controlo da derrapagem e não na sua prevenção.

Sobretudo em condições de baixa aderência, na condução na VP, mais importante será

an a

destreza apreendida no treino

controlo electrónicos de segurança activa existentes em muitos veículos, resolvam a

ento da

destreza, ou driving skills, no treino prático. Ou seja, passou a apostar-se mais na

m

tecipar o perigo, evitando-o, do que negligenciá-lo ou, até, propiciá-lo e esperar que

do controlo da derrapagem, ou que os dispositivos de

situação.

Em 1999, na Suécia, o “syllabus” dos cursos de treino da derrapagem, disciplina incluída

nos cursos de condução, ou skid training, baseado num programa de investigação do VTI

– Swedish National Road and Transport Research Institute (Gregersen & Strandberg,

1994), foi alterado, no seu conteúdo, pela autoridade rodoviária sueca – a Swedish Road

Administration. Assim, implementou-se um programa que passou a privilegiar a

prevenção da derrapagem, ou skid prevention, antecipação na condução e consciência do

risco e das limitações do condutor, em relação à importância do desenvolvim

condução defensiva, mas sem negligenciar o capítulo a que anteriormente era dado maior

valor pedagógico.

39

É preciso não esquecer que os países onde os estudos foram realizados, tal como foi dito,

apresentam anualmente condições do piso propícias à derrapagem. É, também, muito

mais difícil o controlo da derrapagem nestas condições de baixa aderência do que em piso

seco e aderente.

Quando um veículo, em piso escorregadio, entra em derrapagem, é muito mais difícil

imprimir uma alteração do seu momentum do que em piso seco, pois os coeficientes de

atrito são muito mais reduzidos, não obstante a mais reduzida velocidade de circulação.

Por isso é muito importante, sempre que possível, antecipar o perigo e reduzir a

velocidade antes da abordagem de uma curva nessas circunstâncias, e não acelerando

nem travando ao descrevê-la. Isto tem especial relevância sobre o gelo ou sobre estrada

boa aderência. Para que ela se dê em piso de boa aderência, é necessário

mais velocidade do que em piso menos aderente. Nos países mais quentes e secos, como

molhada e suja de óleo ou de outra matéria orgânica tal como a resina das árvores.

A derrapagem tanto pode surgir em piso escorregadio, de baixo nível de aderência, como

em piso seco, de

Portugal, a derrapagem surge frequentemente ligada à desaceleração/travagem a meio de

uma curva com velocidade (sobreviragem por desaceleração), do que à subviragem ou à

derrapagem das quatro rodas como surge no gelo dos países escandinavos. Nesta

perspectiva, o capítulo da condução defensiva, ainda que muitíssimo importante, não será

ainda assim tão delicado, por comparação com as chamadas driving skills, como naqueles

países do Norte em que um pequeno erro ou falta de cuidado pode ser a origem de um

grande sinistro rodoviário.

Embora, como se disse, existam já dispositivos electrónicos que controlam a derrapagem

das rodas motrizes e a estabilidade do próprio veículo – travando cada roda

independentemente – tal não é garantia de que o despiste do veículo não possa surgir,

mesmo em piso seco.

40

Fazendo fé nos estudos nórdicos já referidos, torna-se, na perspectiva do autor deste

trabalho, de grande relevância uma formação teórico-prática que incida nas duas

vertentes:

• no controlo da derrapagem e na percepção da dinâmica do veículo na via e das

forças físicas a que está sujeito, em particular na compreensão da subviragem e da

sobreviragem por desaceleração em curva;

la ocorrer, dando-se, pois, um maior

enfoque, e seguindo as directrizes escandinavas (Suécia).

mínimo de controlo sobre os veículos que transitam diariamente na VP.

E tal formação deveria ser dada, obrigatoriamente, nos centros de formação oficiais,

vul e

Uma vez que a grande m e circulam em Portugal têm as rodas

motrizes no eixo dianteiro, não seria difícil implementar um sistema de treino bipartido –

em

situaçõ

uma cu

Para m ue podem ser colocados

sob o eixo traseiro dos veículos de tracção dianteira (ver as Figs. 22 e 23), para fazer

• na prevenção da derrapagem e da antecipação ao sinistro potencial, através de

práticas de condução defensiva, de forma a evitar a necessidade constante de

controlo da derrapagem, ou seja, antes de

Só desta forma concertada, em que uma vertente não seja a negação da outra é que se

pode garantir um

go scolas de condução, a todos os condutores instruendos.

aioria dos veículos qu

simulador e em pista – no qual o instruendo teria de aprender a reagir prontamente a

es de derrapagem, nomeadamente à sobreviragem por desaceleração a meio de

rva1, mas também à travagem de emergência, incluindo o desvio de obstáculos.

ais, existem dispositivos de baixo custo – os “skid-car” – q

deslizar esse eixo e, assim, simular uma sobreviragem permanente, isto de forma a que os

condutores formandos tenham de contrabrecar e/ou acelerar para aprender a reagir,

atenuando a sobreviragem e controlando a trajectória do veículo. 1 Também designado por “lift-off”, o levantar súbito do pedal do acelerador, provocando o travão-motor.

41

Figura 22 – Para as 2 rodas do eixo traseiro: à esquerda, o sistema utilizado pelo Dept. of Transp. (DOT) do Montana (EUA); à direita, o sistema adaptado pelo centro de formação português CR&M.

Figura 23 – Para as 4 rodas: “SkidCar System”™ .

A simulação por computador atinge, hoje, elevados níveis de realismo. É uma solução

prática, pouco dispendiosa, necessitando, apenas, de um modelo matemático que sim le o

com

da caixa de velocidades). Se aplicada na formação rodoviária, a simulação tanto serve

como repositório de conhecimento teórico (processo cognitivo) como instrumento de

aprendizagem e estimulação da estrutura psicomotora (processo psicomotor).

Inclusivamente, e para demonstrar o seu grande potencial, diga-se que mesmo alguns

simuladores originariamente de utilização lúdica e Commercial Off-The-Shelf (COTS)

são já utilizados na fo . Também a vertente

automóvel destes simuladores tem grande potencial pedagógico que poderia ser

u

portamento dinâmico de forma fidedigna, de um sistema de A/V com ecrã e de

alguns dispositivos periféricos de controlo (volante, pedais e, eventualmente, uma manete

rmação aeronáutica com comprovado sucesso

aproveitado. Os seus modelos são relativamente fidedignos para uma aplicação séria,

42

bastando, para tal, uma parametrização específica para o treino pretendido. Esse potencial

pedagógico deveria ser explorado e tido como exemplo para futuro desenvolvimento e

aplicação efectiva em equipamentos específicos de baixo-custo.

Figura 24 – Simuladores de condução “Commercial Off-The-Shelf” (COTS).

6.1.1.2 Velocidade excessiva para as condições de circulação

A velocidade pode ser excessiva, tendo em conta: as aptidões e o estado psico-físico do

condutor, o estado do veículo e os seus limites dinâmicos, o traçado e o estado da via, o

seu congestionamento, a aderência relativa do piso e as condições meteorológicas locais.

Quando falha alguma destas preocupações maiores, o risco de sinistro aumenta de forma

abrupta. A velocidade excessiva é um factor potenciador da sinistralidade rodoviária.

Na linha do sub-factor anterior, a entrada de um veículo numa curva em velocidade

excessiva pode provocar uma de duas situações: subviragem, se a aceleração for

constante ou se estiver a aum

sobreviragem, se houver desaceleração ou travagem após o início da volta com aderência.

Na prática, acontece com grande frequência na VP um veículo entrar numa curva com

velocidade evitar o

despiste por subviragem; ora, ao fazê-lo, as rodas dianteiras ganham aderência, o eixo

entar, agravado em condições de baixa aderência relativa;

excessiva, tendo o condutor que desacelerar e/ou travar para tentar

43

traseiro fica mais leve com a transferência de peso para a frente, e deixa de fazer a força

necessária no piso, ou aderência, para manter o equilíbrio, provocando uma

sobreviragem. Como poucos condutores têm um treino básico em controlo dinâmico de

veículos, não controlando a subviragem nem a sobreviragem, o resultado “tradicional” é

o despiste e a consequente elevação da taxa de sinistralidade.

Como se disse, há já sistemas que individualmente controlam a rotação/travagem de cada

roda, auxiliando os condutores nas manobras mais críticas.

O ESP/ESC é especialmente eficaz, sobretudo, para reduzir a subviragem e permitir o

desvio do veículo de obstáculos em piso muito escorregadio, evitando ainda, de seguida,

rampas e

a potencial incapacidade do

reacção como pela incapacidade de controlo

dinâmico do veículo, e pela condição cinemática do próprio veículo.

uma consequente sobreviragem excessiva.

O ABS permite manter o controlo direccional em travagem de emergência, mas pode ter

um efeito nefasto quando são atingidos os limites de aderência lateral, sobretudo em

curvas descendentes apertadas, em velocidade, situação em que não permite travar,

podendo potenciar o sinistro (aqui por excesso de intervenção).

O TC controla a tracção evitando a derrapagem do trem motor. Tem utilidade em

veículos com elevado valor de torque, sobretudo em piso pouco aderente em

subidas.

O sub-factor da velocidade excessiva também se reflecte n

condutor em desviar ou imobilizar em segurança o seu veículo perante eventuais

obstáculos ou quaisquer outros elementos constituintes da via (factor ambiental

envolvente). Tanto por causa do tempo de

44

6.1.1.3 Estado psico-físico inadequado à prática da condução

É importante que o condutor em exercício se encontre em bom estado físico e psíquico.

. O cansaço físico pode, também, limitar os movimentos dos membros e

adormecer parte do corpo. O estado febril pode causar sonolência e distracção, bem como

oviário.

xcitantes vegetais como a cafeína e a cocaína, e sintéticos como as anfetaminas

provocam um aumento da excitação, da agressividade, diminuindo a prudência. Outras

drogas, com zantes,

provocam estados mentais de relaxamento sonolentos, entre eles o ópio e seus derivados:

vela perdeu a vida no entroncamento entre a

EN118 e a EN119, próximo do Campo de Tiro de Alcochete. O acontecimento foi muito

te imediata

do rapaz e a de outro indivíduo que com ele ia no veículo, dias após o acidente quando já

internado no hospital.

Só nestas circunstâncias, para além de uma boa preparação teórico-prática, é possível

garantir um bom desempenho na condução. A dor física pode distrair e prejudicar a

condução

a ingestão de determinados medicamentos.

O mesmo sucede com o estado psíquico. Sub-factores, tais como o sono, o cansaço, o

stress quotidiano prolongado, estado depressivo, a adrenalina, o álcool ou as substâncias

psicoestimulantes, podem potenciar muito a ocorrência do sinistro rod

E

o o LSD, produzem alucinações visuais (fantasticantes). Outras, eufori

morfina, codeína, heroína e outros opiáceos. Outras há que provocam o sono

(hipnóticos): os barbitúricos e os benzodiazepínicos. O álcool causa uma redução do

medo e afecta a estrutura psicomotora, aumentando perigosamente o tempo de reacção do

condutor.

Em Abril de 2006 um jovem actor de teleno

publicitado. Nos exames toxicológicos realizados ao cadáver, no Instituto Nacional de

Medicina Legal (INML), revelaram a presença de cocaína e de cafeína, substâncias que o

rapaz terá ingerido antes de se fazer à estrada. Desse acidente resultou a mor

45

A excitação pode propiciar uma condução agressiva e rápida. A cafeína é também um

psicoestimulante excitante, e é ingerido diariamente por uma grande parte da população

condutora portuguesa. Também a excitação pode prejudicar o controlo dinâmico do

veículo, para além de propiciar manobras bruscas e excesso de velocidade. Um estado

psíquico emocional desequilibrado pode potenciar, em grande medida, o sinistro,

incluindo a criminalidade ao volante e, até, a tentativa de suicídio.

O tipo de condução na VP varia na medida do estado de espírito dos condutores. O

cansaço psíquico e o sono podem provocar a falta de atenção na condução e, até, o

6.1.1.4 Ergonomia e postura na condução

esmo e dos

pedais diminui a atenção na condução, dificulta o controlo e, consequentemente, aumenta

adormecimento – causa frequente de despiste com consequências nefastas. Por isso, é

importante que os condutores descansem em viagens longas e conduzam, somente,

quando se sentem em boas condições psico-físicas de forma a possibilitar um bom

desempenho na condução. É preferível encostar do que continuar. Tal como a distracção,

o sono é um sub-factor crítico, responsável por uma enorme fatia da sinistralidade

rodoviária.

A ergonomia, na condução automóvel, é de grande relevância para o seu bom

desempenho. Uma posição de condução errada, um desconforto acentuado ou a falha de

contacto do corpo humano com os dispositivos de controlo de um automóvel – volante,

pedais, manetes da caixa e do travão de emergência – podem propiciar o sinistro

rodoviário. Uma posição ao volante demasiado descontraída, afastada do m

o tempo de reacção. O condutor deverá comportar-se como elemento do veículo. O cinto-

de-segurança tem importância não só para a redução da taxa de vitimização, mas também

para a redução da taxa de sinistralidade, na medida em que ao prender o condutor ao

veículo, fá-lo parte integrante do mesmo, melhorando o seu controlo dinâmico.

46

O uso de calçado desconfortável, de sola e/ou salto altos, de baixa aderência aos pedais,

dificulta o controlo do veículo. O tipo de calçado ideal para a condução deve ser

confortável, leve, bem adaptado, de sola baixa e de boa aderência aos pedais. Os sapatos

de senhora são, normalmente, desadequados para a condução automóvel. As sapatilhas,

ou ténis, e o calçado desportivo em geral são mais recomendados. O “calçado de praia”,

as sandália , ainda que permitida a sua

mentos

verticais descendentes) e ainda causar cansaço e distracção na condução.

s e os chinelos, muito na “moda” actualmente

utilização em espaços públicos fechados, deveria contudo ser proibida a sua utilização

para os efeitos da condução automóvel, uma vez que prejudicam o controlo dos pedais.

A posição das mãos no volante é uma das coisas mais básicas da aprendizagem em

condução automóvel mas que, ainda assim, é, frequentemente, das mais desconhecidas

pelos condutores. Infelizmente, os instrutores de condução ainda não estão bem

sensibilizados para com estes pormenores básicos e importantes.

Se as mãos do condutor estiverem colocadas em posição elevada – o típico “dez para as

duas” – em vez de numa posição média e em oposição imediatamente abaixo do eixo

médio, poderão potenciar a ocorrência do sinistro por excesso de reacção (movi

Figura 25 – A importância da posição ao volante.

Muitos condutores conduzem de braços esticados até ao volante, o que é errado. Ou com

uma mão apoiada no topo do volante, como que a descansar ou a mostrar aos outros que

têm um “domínio total” sobre a situação. Ou, ainda, com uma mão no volante e com a

outra apoiada na manete da caixa de velocidades – muito praticado por portugueses.

47

Refira-se, ainda, a má utilização do campo de visão, mormente em curvas e manobras de

evasão em situação de colisão eminente. Muitos condutores visualizam as zonas erradas

ou pouco importantes da estrada à sua frente, ou, simplesmente, fixam os olhos nos

mente perigosa,

para a evitar com mais antecedência.

A simples utilização do travão de emergência (ou de mão) quando parado no trânsito ou

em semáforos, em vez de manter o pé direito a pressionar o pedal do travão, reduz o

cansaço físico e evita, veículo de trás. Uma

prática tão simples não é, sequer, normalmente referida pelos instrutores de condução.

s de

formação em “condução avançada” que funcionam como uma “escola de

objectos com os quais pensam que vão colidir, em vez de descortinar o percurso que

pretendem que o veículo siga, a linha de fuga imaginária. Em todo o caso, é importante

que o condutor visualize sempre mais à frente, sobretudo quando a maior velocidade, de

forma a prever qualquer situação ou ocorrência que possa ser potencial

de noite, o encandeamento do condutor do

Todas estas práticas erradas propiciam a distracção e a ocorrência de sinistros

rodoviários. E deveriam ser corrigidas (e não desenvolvidas) logo na aprendizagem

inicial ab-initio, nas escolas de condução, em vez de, posteriormente, em centro

desaprendizagem” de vícios e erros. Ou seja, muitos dos conteúdos fornecidos na

frequentemente chamada “condução avançada” deveriam fazer parte integrante dos

currículos dos cursos de condução. Muitos dos erros vêm do “berço”, ou seja, do ensino

leccionado nas escolas de condução, desde o início. E, como, na maior parte das vezes, os

instrutores não estão preparados nem sensibilizados para com muitas destas coisas, o

ensino sai, por conseguinte, deficiente, com repercussões directas na condução na VP.

48

6.1.2 Distracção na prática da condução

Este factor tem um peso importante na taxa de sinistralidade rodoviária. Na linha do que

Comer e beber são acções que, também, apresentam um certo perigo, sobretudo quando

entorna algo e o condutor é imediatamente distraído.

O som ito movimento é um factor

potenciador, na medida em que também distrai o condutor da dinâmica do veículo na via

smo tempo, bem como para ver

tem sido dito, a condução de um veículo exige concentração. Por isso, toda a prática que

possa provocar distracção ao condutor deve ser evitada.

O manuseamento de telemóveis durante a condução foi já proibido por lei. Contudo,

fumar é ainda mais perigoso e, à data da elaboração deste trabalho, continua a não ser

reprimido. Fumar durante a condução pode propiciar o sinistro, seja porque ocupa uma

mão, porque enquanto na boca o cigarro liberta fumo para os olhos, ou, ainda mais grave,

porque deixa cair cinza e pode, mesmo, cair aceso nas pernas do condutor, no banco ou

no chão, ora queimando o condutor, incendiando matérias combustíveis – peles,

plásticos, carpetes – ora distraíndo a atenção do condutor para o apanhar, baixando-se.

se

do auto-rádio em cidade ou em zonas de mu

e da infra-estrutura rodoviária externa ao veículo.

A leitura também deve ser evitada. Quando a leitura urge, preferível será imobilizar o

veículo em local seguro, em vez de conduzir e ler ao me

TV ou DVD em veículos equipados com estas tecnologias audiovisuais.

Painéis luminosos, anúncios, cartazes e outras formas de publicidade que possam

prejudicar a atenção dos condutores é reprimido pelo CE. Contudo, em muitos locais

críticos, essa forma de abuso continua a verificar-se (exemplo do painel luminoso gigante

visto no enfiamento da descida do Monsanto, ao chegar ao viaduto Duarte Pacheco, ou o

49

do cruzamento da Av. da Índia com a Rua Mécia Mouzinho de Albuquerque, próximo do

hospital Egas Moniz, ambos em Lisboa, ou ainda o do cruzamento da Rua Alexandre

Herculano com a Rua Brancamp, também em Lisboa, entre outros).

em psíquica individual, potencia

também o sinistro. A condução exige uma entrega quase total, alheia aos problemas e

dução defensiva

potenciam, em grande medida, o sinistro. Práticas simples como a sinalização luminosa e

ar o suficiente antes

de entrar nela e deixa o resto da travagem/desaceleração para durante a curva (erro

de iniciar a trajectória, como prevenção da

derrapagem. É, pois, uma forma de prevenção fácil mas importante.

O clim

excesso de veículos automóveis que entram e circulam na capital, pela poluição, pelas

Finalmente, refira-se que a distracção, por si só, de orig

factores que intervêm na vida do dia-a-dia.

6.1.3 Não-prática de uma condução defensiva – postura agressiva

A postura agressiva ao volante e a falha na prática de uma con

sonora correctas e eficazes, a redução da velocidade de circulação antes da entrada numa

curva apertada, num cruzamento, numa passadeira, etc, ou em condições de baixa

aderência ou visibilidade, ou, ainda, a preocupação constante em prever o comportamento

de outros condutores e terceiros utentes da via, e o respeito pelos utentes da via e a

cortesia ao volante são exemplos de práticas defensivas importantes.

Quando um condutor, na aproximação a uma curva, decide não trav

frequente), está a potenciar a “saída de traseira” do veículo, sendo necessários

automatismos de reacção para a controlar a sobreviragem. A condução defensiva, nesta

situação, será reduzir a velocidade antes

a de stress do dia-a-dia que caracteriza a vida na cidade de Lisboa, propiciado pelo

50

obras na VP, pela crise financeira generalizada, pela vida laboral e concorrencial, pelos

horários, entre outros factores, não ajuda a uma condução civilizada, mas antes potencia a

agressividade e a falta de civismo ao volante. O recurso frequente à buzina como protesto

é um reflexo da irritação que a vida numa sociedade tão agitada como a citadina lisboeta

provoca.

E a sinistralidade aumenta proporcionalmente à ira dos condutores, ou seja, à condução

agressiva, mormente quando a prática da dinâmica da condução não está presente, por

aseira do veículo da

frente, sem respeitar a distância de segurança para reacção e travagem, é um dos erros

Pela sua importância, a sensibilização para a prática da condução defensiva deverá ser

falta de formação como foi aludido, para resolver situações críticas a jusante dessa

agressividade. A audição de música ou de ruído sonoro intensos, de ritmo acelerado e

baseados em baixas frequências, também conferem um estado de espírito agressivo ao

condutor pronto para “o combate” na estrada.

A condução em perseguição, com a frente do veículo “colada” à tr

grosseiros de condução agressiva muito praticados no País, não especialmente relevado

pelo CE nem pelas autoridades rodoviárias. Isto acontece com grande frequência nas

auto-estradas (AE) e vias reservadas a veículos automóveis. Circular a uma distância

reduzida do veículo da frente diminui a capacidade de reacção do condutor a eventuais

acções do outro condutor ou a obstáculos que possam surgir no caminho à frente. As

autoridades policiais deveriam ter uma mão mais pesada para com esta prática…

feita, com maior rigor, nas escolas de condução. Por outro lado, e igualmente relevante, a

repressão à condução agressiva e à postura de competição na VP deve ser tomada em

grande consideração, tanto nas escolas de condução como na prevenção precoce nos

currículos das escolas tradicionais, na formação rodoviária e cívica, em jovens.

51

As ultrapassagens realizadas imediatamente antes ou em cima das travessias de peões

potenciam muitíssimo a sinistralidade. As sanções para este tipo de prática deveriam,

igualmente, ser punidas de forma muito mais severa, bem como o não respeitar a

e via de

trânsito ambas previstas no CE. Este facto é responsável por inúmeros sinistros

ua realização. De

pouco ou nada serve começar a sinalizar a manobra após esta ter sido iniciada. O início

ou retoma da marcha, bem como da sua detenção, devem ser sinalizados. A manobra de

marcha doras de perigo intermitentes

como complemento da luz branca automática.

com o braço de fora. A

prioridade de passagem dos peões nas travessias destinadas a esse fim.

6.1.4 Desrespeito pelo Código da Estrada

Portugal é um dos países da União Europeia onde o desrespeito pelo CE surge

frequentemente e está, mesmo, enraízado na própria cultura.

6.1.4.1 Não-sinalização ou sinalização incorrecta na condução

É prática corrente, nas estradas portuguesas, o não-recurso à sinalização por parte dos

condutores, nas situações de ultrapassagem e de mudança de direcção ou d

rodoviários em que condutores de veículos foram surpreendidos por reacções inesperadas

de outros condutores, por ausência de sinalização.

A sinalização das manobras deve ser realizada com antecedência à s

-atrás também deve ser sinalizada com as luzes avisa

À falta da sinalização luminosa de mudança de direcção do veículo, a mesma deverá ser

substituída por sinalização manual equivalente, realizada

52

sinalização via –

incluindo os peões – das intenções do condutor do veículo, por forma a prever posições e

a imobilização brusca de emergência

deve ser realizada com recurso às luzes avisadoras de perigo.

qualquer situação de perigo eminente.

s máximos, de dia e na cidade, em vez dos obrigatórios médios, ou

luzes de cruzamento. O uso correcto do sinal de pré-sinalização de perigo, quando

6.1.4.2 Desrespeito pela sinalização

s

condutores, quando do exercício da condução, estivessem atentos a toda a sinalização.

é fundamental, como instrumento de aviso aos restantes utentes da

a prevenir sinistros.

No caso de uma situação de perigo eminente, ou de alteração brusca das condições do

veículo ou da via, e que possam representar perigo para os restantes utentes, deverá fazer-

se a sinalização do perigo através das luzes. Um

Antes de iniciar-se uma manobra de ultrapassagem ou de mudança de direcção, deve

assinalar-se a intenção do condutor em efectuá-la. A utilização de sinais sonoros deve ser

utilizada fora das localidades no início das curvas de visibilidade reduzida, para alertar os

outros condutores da presença do veículo, ou em

A ausência, por avaria, de alguma ou de ambas as luzes de cruzamento e de presença

dianteiras e traseiras, por não assinalar de forma conveniente a posição do veículo na VP,

pode potenciar o sinistro. O encandeamento por negligência ou intencional é uma contra-

ordenação muito grave, e que também o potencia. Em motociclos surge frequentemente a

utilização abusiva do

aplicável, bem como do colete reflector, alerta e igualmente reduz o risco.

Este sub-factor contempla, por hierarquia descendente, a sinalização luminosa, a

sinalização vertical e a sinalização horizontal. A sinistralidade é, naturalmente, muito

potenciada pelo seu incumprimento. Muitos sinistros poderiam ser evitados se o

53

Mas poucos são os condutores que atentam a toda a sinalização, sobretudo a vertical mas

também a horizontal. Para as respeitar, dentro das localidades, é necessário circular com

muita atenção e com velocidade reduzida.

Em Portugal, sobretudo nas metrópoles, é prática comum perante a sinalização luminosa,

tomar o sentido do sinal amarelo, de abrandamento, pelo sentido de aceleração, para

passar antes daquele ser substituído pelo vermelho, de obrigação de paragem; ou, então,

arrancar com o sinal vermelho ainda ligado; ou, ainda, continuar a circular por dois ou

três segundos, após a iluminação do vermelho – situação muito grave.

A negligên requente na VP. Os sinais de perigo

devem sempre ser tidos em elevada consideração, na medida em que alertam para

sinistralidade, podendo ser de considerável

gravidade. Situações de transposição de traços contínuos e duplo-contínuos, de separação

cia relativamente à sinalização vertical é f

eventuais perigos prováveis e frequentes; a atenção e respeito pela sinalização de perigo /

travessia de peões reduz o risco de atropelamento. Também a sinalização de proibição e

de obrigação é elemento básico e importante para uma circulação correcta e controlada

dos veículos. O seu incumprimento voluntário ou negligente potencia a sinistralidade.

Não obstante a sinalização vertical e luminosa, o desrespeito pela sinalização horizontal,

consoante as circunstâncias, potencia a

de vias de trânsito e de sentidos de trânsito, desrespeito pelas setas no pavimento (ver

Fig. 26) – indicadoras de sentido de circulação – podem originar colisões com outros

veículos em circulação no mesmo e em outros sentidos.

54

Figura 26 – Frequente desrespeito pelas marcas do pavimento (em Algés).

A anterior representa uma prática frequente de desrespeito pelas marcações no

pavimento, em que o veículo de vermelho pretende mudar de via, encontrando-se em

posição irregular para realizar a manobra. Esta situação acontece diariamente na VP.

O desrespeito pelas marcações no pavimento surge em muitas situações. Uma grande

parte dos condutores portugueses pura e simplesmente não tem em conta o factor

delimitador dos traços que delimitam as vias de trânsito, desorientando-se

horizontalmente na via.

Nas rotundas estreitas e nas curvas e aviso

prévio sem a preocupação da posição dos restantes veículos que transitam ao lado noutra

m geral, é prática comum o atravessar sem

via de trânsito. É uma autêntica desorientação negligente.

55

6.1.4.3 Desrespeito pelas regras de circulação e da prioridade

O desconhecimento, a negligência e o desrespeito pelas regras de circulação e da

prioridade na VP, por parte dos condutores portugueses, são enormes. É dominando e

fazendo uso sistemático das regras de circulação, entre outras práticas, que é possível, na

m,

próximo da berma ou do passeio, e nas filas e vias de trânsito mais à direita.

A excepção vai para o trânsito realizado dentro das localidades em que existe pluralidade

e vias de trânsito, não havendo obrigação em circular na fila ou na via de trânsito mais à

direita. Nestas condições, a ultrapassagem é possível realizar-se a partir de uma via de

trânsito mais à direita, mas não é considerada ultrapassagem a circulação de veículos a

velocidades diferentes, em vias de trânsito paralelas, no mesmo sentido. Cada condutor

deverá esc outra

io, é frequente assistir-se a uma demonstração

agressiva de sinais luminosos e/ou sonoros ilícitos – podendo, mesmo, causar

estrada, fazer por reduzir a sinistralidade.

Regra geral, o trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodage

d

olher a via de trânsito que lhe é mais conveniente, podendo mudar para

nas situações de ultrapassagem, para mudar de direcção, parar ou para estacionar.

Ora, poucos condutores têm conhecimento desta e de outras excepções relevantes, e,

menos ainda, fazem uso dela; pelo contrár

encandeamento – por parte de condutores apressados e imbuídos de um forte “espírito

pedagógico” errante. Isto surge a qualquer hora do dia, todos os dias do ano.

O trânsito efectuado pela via de trânsito da esquerda ou central, nas AE e vias

equiparadas, constitui um desrespeito às regras da circulação referentes à posição da

marcha, mas é prática frequente em Portugal. A ultrapassagem pela direita, ilegal,

também pode potenciar o sinistro.

56

Na fase de ultrapassagem, o veículo que está sendo ultrapassado deve facilitar a

ultrapassagem, chegando-se, sempre que possível, para o lado direito e não aumentando a

velocidade ou, até, reduzindo em caso de perigo de dificuldade de ultrapassagem do

amente, em

particular nas AE e em vias reservadas a veículos automóveis, como que a ver quem é o

O trânsito em sentido contrário nas AE, para além de ser considerado uma prática-crime,

inistro.

Acontece que, à falta de sinalização, tantas vezes a regra da prioridade é substituída, nas

ercebe, e, quando vê

um veículo com prioridade à sua direita, num qualquer entroncamento, não detém a

marcha. resolve buzinar e, até, acelerar, já para não falar da linguagem gestual obscena

que sempre foi Nosso apanágio.

veículo. Acelerar no momento da ultrapassagem, manobra muito comum neste País,

impedindo que o veículo ultrapassante concretize a manobra, é ilegal e potencia

muitíssimo o sinistro, sobretudo se existir trânsito de veículos em sentido oposto.

Mais uma vez, em Portugal, essa competição absurda tem lugar diari

“rei da estrada” ou quem tem o carro mais potente. As ultrapassagens em lombas e curvas

de visibilidade reduzida são situações críticas para o agravamento da sinistralidade, e,

para além de serem proibidas pelo CE, são práticas muito perigosas.

é um sub-factor potenciador de elevadíssima gravidade e resulta, quase sempre, em

sinistro com vitimização mortal múltipla.

A regra da prioridade é válida para as situações em que não existe sinalização em

contrário. O seu conhecimento é uma condição básica sine qua non para a prevenção

contra a sinistralidade. O incumprimento da regra da prioridade potencia, pois, o s

ruas e nas estradas portuguesas, pela “regra do quem chega primeiro” ou pela “regra da

via aparentemente mais importante” ou pela regra do veículo mais pesado ou importante.

Quase nenhum condutor cumpre sistematicamente a regra da prioridade. Em situações em

que tem de ceder a passagem, pura e simplesmente ignora, nem se ap

57

Diz assim o CE (arts. 29º e 30º): “O condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a

passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar, ou, em caso de cruzamento de

veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da

velocidade ou direcção deste.” A regra geral: “Nos cruzamentos e entroncamentos, o

situações mais evidentes e na presença das autoridades policiais. Estima-se que, dentro

sabilidade.

radou-lhe: –Achas que eu ia parar no cruzamento para tu passares?!

condutor deve ceder a passagem aos veículos que se lhe apresentem pela direita”. A

sanção para o desrespeito desta regra varia de 120 a 600 Euros, mas isto só em teoria,

porque, na prática, não só a regra não é cumprida como a aplicação da coima também não

acontece.

A sinalização vertical também não é bem observada nem respeitada, à excepção das

das localidades, em cada 10 (dez) sinais verticias, o condutor “normal” português não

observe com atenção sequer 1 (um), por incrível que possa parecer, não só porque circula

naturalmente com velocidade excessiva, como também porque circula de forma incauta e

sem precaução ao que passa fora da sua via de trânsito. A má colocação da sinalização

também tem uma parte da respon

Durante a realização do trabalho, foi registado, num cruzamento, a seguinte ocorrência:

um veículo ligeiro aproximou-se de um cruzamento; ao chegar, foi quase abalroado por

um autocarro da Carris que o atravessou a grande velocidade sem respeitar a regra básica

da prioridade, sem deter a marcha nem, sequer, abrandar o andamento; o veículo que

tinha prioridade, e que se apresentou pela direita do autocarro, conseguiu parar a tempo

de evitar o desastre; indignado, o seu condutor seguiu o autocarro até à paragem próxima

e mostrou indignação pela manobra potencialmente assassina; lá de cima, o condutor do

autocarro b

58

Este tipo de mentalidade e de actuação põe em causa a segurança dos veículos mas

também das pessoas que nelas circulam. É uma complexa questão cultural que será

abordada mais ao pormenor no ponto 6.1.8.

Também surge em veículos de emergência – sobretudo do Instituto Nacional de

zamentos

encadeados de ruas compridas e sem sinalização, por exemplo, na zona entre a Av.

rodoviário é a distância de marcha entre

veículos. Nas AE, a prática do aumento da distância é muito importante, pelo que, a

Em Portugal, é muito comum a circulação em auto-estrada pela via de trânsito mais à

Emergência Médica (INEM) – a condução perigosa e imprudente. Ora, valerá, para salvar

uma vida, pôr em risco a vida de outros? Nos países mais civilizados, a resposta é

claramente negativa. Em Portugal, contudo, ainda não é assim tão claro…

Uma colisão em cunha, entre dois veículos, num cruzamento ou num entroncamento,

pode resultar na projecção do veículo abalroado para fora da faixa de rodagem e atingir

objectos, peões e/ou outros veículos, provocando vitimização, para além do sinistro.

Situações deste género surgem frequentemente em zonas urbanas, em cru

António Augusto Aguiar e a Av. 5 de Outubro, em Lisboa.

Também importante no âmbito do trânsito

velocidades mais elevadas do que nas restantes vias, no caso de uma travagem de

emergência, as distâncias de travagem aumentam consideravelmente e os tempos de

reacção necessários ao seu início diminuem, pelo contrário.

esquerda, em geral em excesso de velocidade, em condução agressiva e com o veículo

quase colado ao da frente. Na Alemanha, país civilizado, a detecção e autuação dos

veículos perseguidores nas AE é pronta e impiedosa; em Portugal essa preocupação, por

parte das autoridades, é reduzida ou quase nula.

59

Quando há intersecção de estradas ou de ruas, em que há cruzamento de veículos ou

mudanças de direcção, o risco de sinistro aumenta logo muito. Para além do respeito à

sinalização local e à regra da prioridade quando aplicável, é de grande importância a

execução correcta das manobras.

Manda o CE que, nos cruzamentos e entroncamentos, para mudar de direcção para a

o de circulação, devendo dar a esquerda

ao centro de intersecção das duas vias.

meros sinistros rodoviários evitáveis.

direita, o veículo se aproxime do limite direito da faixa de rodagem e efectue a manobra

no trajecto mais curto. Nas mudanças de direcção para a esquerda, deve aproximar-se do

limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afecta a um

ou a ambos os sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que

pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentid

A prática mais frequente, errada, em inúmeros cruzamentos e entroncamentos, é realizar-

se a mudança de direcção para a esquerda, em contra-mão, com início da volta antes do

eixo da via, o que responde por inú

Na Fig. 27, a seguir, pode observar-se um cruzamento de duas vias de Lisboa: a verde, o

trajecto correcto dos veículos em mudança de direcção, a dar a esquerda ao centro de

intersecção das duas vias; a vermelho, o trajecto em contra-mão, prática diária.

60

Figura 27 – Cruzamento: Av. Infante Santo / Rua da Lapa (Lisboa).

A seguir, na Fig. 28, está representado um entroncamento de duas vias, também em

Lisboa, uma de sentido único e outra de dois sentidos com linhas demarcadoras das duas

vias de trânsit pre feita sem

dar-se a esquerda ao centro de intersecção, entrando alguns metros em contra-mão.

o, onde, mais uma vez, a mudança de direcção é quase sem

61

Figura 28 – Entroncamento: R. de Buenos Aires / R. de S. Domingos (Lisboa).

Há, inclusivamente, cruzamentos de concepção irregular, nos quais a mudança de

direcção, realizada sem dar-se a esquerda ao centro da intersecção, é propiciada pelas

marcações no pavimento (ver a Fig. 29, na página seguinte). É um exemplo de excepção,

em dissonância com o procedimento previsto no CE. Deveria, contudo, existir uma placa

informativa.

62

Figura 29 – Cruzamento irregular: Av. EUA / Av. de Roma.

Ainda para terminar este sub-capítulo extenso, note-se que o trânsito nas rotundas

realizado de forma incorrecta pode, também, potenciar a ocorrência de sinistros. Os

condutores portugueses, na sua grande maioria, não circulam correctamente nas rotundas,

sendo também nelas que ocorrem acidentes com alguma frequência: uns, circulam

sempre na periferia, independentemente da saída pretendem; outros, circulam por dentro,

sem critério, quando se lembram de voltar brusca e repentinamente, junto da saída que

pretendem alcançar, ameaçando a integridade física dos outros veículos.

63

Na Fig. 30 está representado um esquema com a circulação ideal nas rotundas, de forma

a reduzir o risco de sinistro e a aliviar o trânsito.

Figura 30 – Esquema de circulação ideal nas rotundas.

64

6.1.4.4 Desrespeito pelas regras de estacionamento

Os veículos mal-estacionados na VP podem potenciar o sinistro rodoviário, na medida

em que retiram visibilidade, ocupam espaço na via, por vezes obstruindo-a, aumentando

o risco de colisão e/ou despiste: veículos estacionados junto a curvas de visibilidade

reduzida, junto a passagens de peões ou em zonas apertadas.

Muito frequente em Portugal, o estacionamento junto (ou imediatamente antes) das

passagens de peões é uma prática negligente responsável, em boa parte, por inúmeros

atropelamentos em zonas urbanas. O CE proibe o estacionamento a menos de 5 metros

antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões, prevendo a mesma distância

para ambos os lados dos cruzamentos, entroncamentos e rotundas.

6.1.4.5 Desrespeito pelos limites de velocidade

O não-cumprimento dos limites de velocidade potencia, de facto, a sinistralidade. Há,

contudo, uma diferença entre a condução com velocidade excessiva (para as condições de

circulação) – em que entram em jogo os quatro supra-factores: humano, veículo, via e

ambiente – e a condução com excesso de velocidade. Esta segunda condição, tal como é

entendida, depende directamente das regras do CE e da sinalização local. Ou seja, é

possível circular-se com velocidade excessiva, mesmo respeitando os limites de

velocidade impostos pelo CE e locais, sem excesso de velocidade; mas também é

possível circular-se em excesso de velocidade, mesmo sem atingir velocidade excessiva.

O desrespeito pelos limites de velocidade pode, em variadas situações, não constituir um

perigo maior, mas deve, contudo, ser evitado. Não obstante, o perigo de circulação com

velocidade mais ou menos elevada é muito relativo: ruas há, em zonas urbanas, estreitas e

superlotadas, nas quais circular a 50km/h poderá parecer quase um crime, em contraste

com certas vias de óptima construção, com boas condições atmosféricas e com volume de

65

tráfego reduzido, nas quais circular a velocidades próximas dos 200km/h não traz, por si

só, condição de perigo excepcional – tendo em conta, claro, a preparação do condutor e o

próprio veículo.

Por exemplo, a auto-estrada “A6” (Lisboa-Elvas), de pouco tráfego, por vezes é palco de

acelerações momentâneas de veículos de elevada potência e segurança activa. Sem

embargo ao perigo existente, a sua quantificação é sempre relativa. Na Internet é possível

observarem-se vídeos de um veículo sem limitação electrónica de velocidade, nessa via, a

marcar no velocímetro nada menos que “335 km/h”! Será um pouco excessivo, para uma

via cujo limite é de, somente, 120km/h, não?! Sobretudo, se em competição com outros

“aceleras”...

Figura 31 – Veículo BMW M6 a 335 km/h (no mostrador) na auto-estrada A6 (Elvas-Lisboa).

Ainda assim, o ideal seria um sistema de sinalização de velocidade máxima local,

variável consoante as condições atmosféricas e próprias das vias. Como tal não existe em

Portugal, ao contrário de alguns países mais desenvolvidos como a Alemanha – país que

adoptou, curiosamente, a supressão dos limites de velocidade em alguns troços de AE –,

a opção certa será, sem qualquer dúvida, respeitar os limites de velocidade legalmente

66

estabelecidos e, não obstante, circular sempre na observância dos limites razoáveis do

bom-senso, tendo em atenção a condição relativa da “velocidade excessiva”.

A condução com excesso de velocidade é uma das práticas com maior ocorrência na VP.

O limite legal dentro das localidades, que em Portugal é de 50km/h, raramente é

cumprido pelos condutores; também, nas AE, um veículo que circule dentro do limite

legal de 120km/h, e na via de trânsito da direita, é sucessivamente ultrapassado pela

maior parte dos utentes, e, se tiver de usar a via de trânsito da esquerda para ultrapassar

algum, a essa velocidade, é agressivamente perturbado por sinais de luzes ou sonoros

intensos, por condutores apressados que se colam à sua traseira – isto, quando não

decidem ultrapassar pela direita ou até pela berma ao jeito de “kamikaze”…

Em 2007 entram em pleno funcionamento os 21 radares de velocidade (v. Fig. 32) com

câmera fotográfica acoplada, previstos para a cidade de Lisboa. À semelhança dos

existentes na VCI no Porto, os sistemas são constituídos, ainda, por um painel luminoso,

imediatamente antes do radar, com indicação da velocidade máxima e proximidade do

radar. Trata-se de uma medida preventiva eficaz que não simplesmente punitiva e

(comprovadamente) ineficaz.

Em apenas 24 horas após a montagem dos primeiros radares dos 21 previstos para a

cidade de Lisboa, em 21 de Dezembro de 2006, foram verificados cerca de 13 mil

veículos em excesso de velocidade, alguns circulando a velocidades acima dos 220km/h.

Figura 32 – Novos radares de velocidade estacionários TraffiTower da Robot Visual Systems™, na

cidade de Lisboa.

67

A filosofia do funcionamento destes radares difere do modus operandi 100% punitivo das

perseguições da EFT da PSP e da GNR-BT em veículos descaracterizados e porventura

agressivos ou em radares móveis colocados temporariamente num determinado local sem

aviso prévio algum.

Comparativamente às metrópoles dos países mais desenvolvidos do Norte da Europa, e

dos EUA, não obstante a muito mais fraca qualidade das vias, Lisboa é uma cidade onde

a velocidade média praticada é elevada, à excepção das horas de ponta especialmente

caóticas. Os limites legais mais comuns para a cidade, de 50km/h e de 80km/h, consoante

as vias, raramente são respeitados. Há algumas artérias em que é relativamente normal a

circulação fazer-se a bem mais de 100km/h. A título de exemplo: na 2ª Circular, no Eixo

N/S, na radial de Benfica, na CRIL, na Av. General Gomes da Costa. Estas, só para não

falar nas que atravessam a cidade por dentro e na zona ribeirinha, da Infante D. Henrique

à Avenida da Índia... Resta saber se os radares terão um impacto significativo.

Apesar dos sinais de indicação de velocidade máxima controlada – bem visíveis e em

fundo amarelo fluorescente – em muitas vias, o trânsito faz-se com velocidade excessiva

em negligência da sinalização clara e inequívoca. Este tipo de sinalização tem a vantagem

de ser mais facilmente visível pelos condutores de veículos, nomeadamente à noite.

Figura 33 – Sinal de indicação de velocidade máxima controlada.

68

Figura 34 – Mapa fotográfico de Lisboa, com identificação das vias onde a velocidade dos veículos em

circulação é frequentemente elevada, dados os limites impostos para os locais.

6.1.4.6 Desrespeito pelos limites de álcool no sangue

O álcool, tal como foi dito, causa uma diminuição da eficiência das funções do cérebro,

interferindo com a acção dos neurotransmissores existentes nos neurónios, e fazendo com

que partes diversas da máquina cerebral – responsáveis pelo movimento, pela memória,

pelo julgamento, etc. – sejam afectadas pelo seu efeito sedativo.

A condução sob o efeito do álcool representa um perigo, sobretudo se a quantidade

ingerida, prévia e durante o seu exercício, for elevada. Cada indivíduo tem um limite

diferente. Contudo, a legislação actual que regula as quantidades de álcool no sangue,

proíbe níveis superiores a 0,5g/l. Contudo, mesmo dentro deste limite, a condução sob o

69

efeito desta substância deve ser evitada a menos que estritamente necessária, tendo

sempre em mente as suas implicações directas na condução de veículos (e de animais).

Nestas circunstâncias, a velocidade de circulação deve ser reduzida.

Como foi dito, a condução sob o efeito do álcool é um forte factor potenciador da

sinistralidade rodoviária.

6.1.5 Perseguições das autoridades policiais

Achou-se relevante fazer, aqui, um parêntesis à acção, por vezes abusiva, das autoridades

policiais na fiscalização da circulação na VP.

A Brigada de Trânsito (BT) da GNR e a Esquadra de Fiscalização Técnica (EFT) da PSP

estão preparadas para detectarem e perseguirem veículos em contra-ordenação na VP.

Equipados com veículos capazes de circular a velocidades superiores à média do parque

automóvel nacional, nomeadamente, e à data deste presente trabalho, Subaru Impreza

WRX (230km/h) e STi (245km/h), BMW 330d “Série E46” (230km/h), Volkswagen Golf

V GTi (235km/h) e Seat Leon TDi150 (215km/h). Estes veículos patrulham as AE, vias

reservadas a veículos automóveis, algumas estradas nacionais e localidades (no caso da

PSP). Passam quase despercebidos pois estão descaracterizados; possuem câmara de

vídeo no pára-brisas, antena de comunicações, luzes de emergência azuis escondidas na

grelha frontal com sirene e altifalante.

A actuação destes veículos dificilmente encontrará justificação como instrumentos de

dissuasão, pois a sua presença não é detectada à distância, confundindo-se com o restante

trânsito. Mas é aqui que surge a questão perniciosa. O modus operandi dos agentes da

autoridade destas unidades não se compadece, frequentemente, nem com a ética cívica

70

rodoviária nem, até, com a prática de uma condução segura, sobretudo quando os seus

condutores são de idades mais novas: assim, quando detectam, por exemplo, um veículo

em trânsito com excesso de velocidade, iniciam uma perseguição automóvel com o

auxílio da câmera de filmar que serve como prova de autuação; aceleram a velocidades

muito superiores às permitidas pelo CE, pondo, muitas vezes, em risco a segurança dos

restantes utentes da via; quando conseguem alcançar o veículo perseguido, sobretudo em

auto-estrada, aproximam-se demasiado, não mantendo a distância de segurança

conveniente; passado algum tempo, ou quilómetros, anunciam a sua presença com os

dispositivos legais próprios e dão ordem de paragem ao veículo, na berma da via. Ora,

deva dizer-se que: a paragem na berma da auto-estrada representa um perigo potencial; a

perseguição com veículos agressivos – os Subaru Impreza pretos com asa traseira de

grandes dimensões – confunde-se com o espírito “tuning” ou de “street racing” e incita à

aceleração, tal como as perseguições em auto-estrada da GNR, muitas vezes realizadas

com proximidade excessiva à viatura perseguida e com recurso (ilícito) a sinais de luzes,

mais uma vez a incitar à aceleração e/ou à intimidação dos condutores.

Durante a realização deste trabalho, foi registada a ocorrência de uma patrulha da PSP em

Subaru Impreza descaracterizado e de cor preto (no dia 27/01/06 às 23:50), a acelerar a

uma velocidade superior ao dobro da permitida, na Av. General Correia Barreto, em

Lisboa, pelo simples prazer de acelerar, sem se encontrar em perseguição de nenhum

veículo, e desacelerando antes do final da mesma avenida, após dois quilómetros.

Aconteceu meia-hora após ter interceptado e autuado em Algés um ligeiro, de marca

Mazda, que circulava a uma velocidade bem mais baixa. Manobras perigosas

(supostamente em situação de emergência), mal assinaladas, tais como a inversão de

marcha em auto-estrada, saída pelas vias de entrada de sentido único e ultrapassagens

arriscadas foram outras situações críticas igualmente registadas por veículos da GNR

descaracterizados. Sem embargo ao que por vezes sucede, deva dizer-se que isto não

significa que as forças de segurança procedam todas desta forma. Afigura-se, contudo, e

71

dada a óbvia falta de eficácia na redução da sinistralidade, a substituição dos veículos

descaracterizados destas forças da autoridade por outras bem identificadas e mais

económicas, de forma a evitar um esbanjamento desnecessário do dinheiro dos

contribuintes em “brinquedos” que servem para, sob uma capa legal/policial, praticar

autênticos atentados ao CE e à segurança rodoviária.

6.1.6 Inaptidão psico-física e cognitiva

O Plano Nacional de Prevenção Rodoviária reconhece as limitações do sistema de

formação e avaliação de condutores. Esta limitação é patente de forma muito clara no

processo de selecção de candidatos e de reavaliação de condutores que inclui critérios

elementares de avaliação das aptidões físicas, que somente exigem um exame médico

indiferenciado com uma apreciação básica das capacidades visuais e auditivas.

A avaliação das capacidades de ordem psicológica e neuro-fisiológica são, igualmente,

elementos fundamentais numa acção de natureza preventiva, como forma de evitar a

ocorrência de um eventual sinistro rodoviário. Indivíduos hiper-activos, com traços

característicos de epilepsia ou que, por qualquer razão decorrente da sua condição psico-

física, possam desenvolver comportamentos de risco na VP, devem ser identificados

precocemente, considerados inaptos ou colocados sob reserva com possibilidade de

tratamento e/ou controlo psiquiátrico, e limitando a sua actividade de condutor. Essa

limitação poderia, por exemplo, assentar na inibição de condução de noite, redução das

velocidades máximas permitidas, ou, até, proibição da ingestão de álcool ou excitantes.

Nos sectores dos transportes ferroviário e de transporte aéreo de passageiros têm sido

desenvolvidos instrumentos e práticas de avaliação das capacidades dos condutores e

pilotos, baseados no uso de baterias de testes psico-técnicos e físicos.

72

Os instrumentos que têm sido desenvolvidos nesses sectores para avaliação de

capacidades psico-físicas poderão ser adaptados de forma a serem aplicados ao sector

rodoviário, quer aos candidatos a condutores particulares ou profissionais, quer aos

condutores envolvidos em processos de revalidação da carta de condução.

6.1.6.1 Ausência de verificações periódicas (teóricas e práticas)

Uma vez obtida a licença de condução, na actual legislação, um condutor, legalmente

habilitado, não está sujeito a novo exame teórico nem prático, com excepção para

situações específicas de cassação da carta de condução ou a pedido especial do juiz.

Tal desobrigação, contribui para uma despreocupação pela necessidade continuada de

treino cognitivo e psico-motor, levando os condutores a negligenciarem aspectos

importantes da condução na VP, tanto em termos de actualização legislativa (CE) como

na sua aplicação prática.

Posto isto, bom seria que fosse implementado um sistema de verificação periódica

teórico-prática, com período de tempo máximo de, por exemplo, 10 anos, com redução

gradual do período consoante o avanço da idade do condutor.

6.1.7 Sexo, faixas etárias de risco e experiência de condução

Tanto o sexo como as faixas etárias fazem variar as estatísticas da sinistralidade. É sabido

que os jovens-adultos, os recém-encartados e os idosos têm um factor de risco associado,

por razões diferentes. Os condutores de menor idade são menos conscientes, mais activos

e envolvem-se mais frequentemente em confrontos e em condução rápida e agressiva,

73

mormente os do sexo masculino. As raparigas são, regra geral, mais calmas e conscientes

do perigo da condução agressiva do que os rapazes e não arriscam tanto. Isto deve-se a

questões hormonais e culturais também.

Gráfico 1 – Sinistros rodoviários, com colisão, consoante a faixa etária, nos EUA (DOT-Montana).

A hormona testosterona é responsável pelo aumento da agressividade no ser-humano. Por

esta razão, sobretudo, indivíduos do sexo masculino são mais agressivos na condução do

que os do sexo oposto. Mas também razões culturais relacionadas com o conceito (latino)

da masculinidade propiciam um aumento da agressividade.

Os recém-encartados pouca experiência têm da condução na VP, estão ainda numa fase

de maturação de toda a informação (assimilação do treino cognitivo e desenvolvimento

de psicomotricidade) que receberam durante a sua formação teórico-prática inicial.

Embora com uma ampla experiência de condução, os idosos têm a sua estrutura psico-

motora degradada, com uma consequente diminuição da velocidade dos reflexos. Por não

existirem re-examinações periódicas (teórico-práticas), e pela sua relevante antiguidade,

raramente estão a par da legislação actual que difere da do tempo que obtiveram as suas

licenças.

74

Em média, cerca de 30 condutores são, todos os anos, identificados a circular em contra-

mão nas AE portuguesas. Mais de 1/3 deles são idosos. Alguns chegaram mesmo a fazer

algumas dezenas de quilómetros em contra-mão e a causar sinistros de consequências

graves.

Em relação directa com o factor anterior abordado, parecerá também óbvia a necessidade

de um estabelecimento de um sistema de verificações periódicas das capacidades

mentais, psico-físicas – incluindo a parte cognitiva e a psicomotora – dos idosos,

limitando-se-lhes a actividade da condução na VP consoante o estado individual.

6.1.8 Factor cultural

Este é, certamente, um dos pontos principais a referir quando se aborda o problema

complexo da sinistralidade rodoviária. Afecta toda a população – os condutores, os peões,

as autoridades rodoviárias, as câmaras e as empresas de construção e manutenção das

vias.

O desenvolvimento dos países, nomeadamente a nível sócio-cultural, pode ser medido

pelos comportamentos dos seus povos. E o comportamento na VP é, indubitavelmente,

um reflexo cultural importante. Por outro lado, é apanágio dos países menos

desenvolvidos, e dos latinos, uma clara tendência para a desresponsabilização e para a

emotividade, que se traduz ora no desconhecimento e incumprimento do CE ora na

prática de condução agressiva, respectivamente.

Em Portugal conduz-se mal, não só por falta de preparação teórico-prática dos

condutores, mas também devido ao factor cultural indelével.

75

Uma cultura que ainda exalta a agressividade masculina forma jovens com perfil

psicológico perigoso para a prática da condução, sobretudo quando adquirem alguma

prática inicial e se julgam condutores “dominantes” e “muito rápidos”. Ou seja, quando

começam a acelerar e a fazer manobras bruscas e perigosas, sem que algum treino em

dinâmica de condução tenham tido. O resultado é, normalmente, muito negro, como

mostram as estatísticas da sinistralidade em condutores jovens.

A condução com excesso de velocidade, velocidade excessiva, agressiva, incluindo

ultrapassagens com transposição de traços contínuos, desrespeito pela sinalização e pelas

regras do CE, são práticas diárias na VP, em Portugal, e nomeadamente em Lisboa.

Os fenómenos de grupo, sobretudo entre jovens, são um outro problema ligado à

condução errante na VP e à sinistralidade. Em grupo, nomeadamente entre jovens, os

condutores têm mais estímulo e sentem-se mais confiantes para fazer uma condução

agressiva e, por vezes, acrobática ou, até, criminosa. Por outro lado, a necessidade que os

adultos e jovens-adultos têm constantemente em provar, perante os seus semelhantes,

amigos e elementos do sexo oposto, juntamente com algum excesso de adrenalina ou de

álcool, até, leva-os a ter um comportamento marginal na VP.

Recorde-se, como exemplo, o acontecimento trágico que teve lugar na passagem de nível

de Santos, em Lisboa, em Outubro de 2002, no qual morreram, esmagados por um

comboio, seis jovens, durante a prática de condução errante e irresponsável:

“A colisão que matou duas raparigas e quatro rapazes (…) Os seis jovens regressavam de uma festa (…) Faltavam cerca de dez minutos para as sete horas da manhã, quando o veículo (um Peugeot 205) passou (…) a grande velocidade, tendo realizado uma ultrapassagem proibida uma vez que a via tem um traço contínuo (…) Quando chegaram à passagem-de-nível, fizeram um ‘esse’, no sentido mar-terra para contornarem ambas as cancelas e então aconteceu o pior (…) Uma corrida para a morte (…) O carro parecia que realizava um despique com o comboio…” Excerto retirado do jornal Correio da Manhã, de 03/10/2002.

76

Também o espírito “street racing” – conceito social rodoviário que contempla práticas

agressivas de condução ilegais na VP, de competição entre condutores de veículos, sem

organização oficial –, apanágio de indivíduos quase exclusivamente do sexo masculino e

de classes baixa e média-baixa, das periferias das metrópoles, é um reflexo cultural e

contribui para a insegurança na VP e para a ocorrência de sinistros rodoviários.

Os veículos maioritariamente utilizados para este efeito pertencem à gama baixa (Fiat

Punto, Citroën Saxo, Peugeot 106, Opel Corsa, VW Polo, etc.), mas também os há de

maior preço (Subaru Impreza, Mitsubishi Lancer, Honda Civic, Seat Leon, etc.).

Normalmente (mas não sempre) são transformados com vista a aumentar a capacidade de

aceleração e de fazer barulho (através da reprogramação do mapa da ignição electrónica,

adição de turbo-/compressores ou de transformações na admissão e no escape).

A loucura desta actividade tanto pode ir de uma simples e estúpida corrida em linha recta

(como surge na Ponte Vasco da Gama, normalmente com veículos de baixa gama que

correm em zigue-zague por entre os condutores vítimas dessa prática ilícita e

irresponsável) ao cúmulo de uma aposta suicida de circulação em contra-mão numa via.

O “circuito” junto à Faculdade de Arquitectura de Lisboa (Monsanto) entre duas rotundas

é frequentado, quase todas as noites, por jovens aceleras e por espectadores curiosos, e,

até, por apostadores... As chamadas “picardias”, na gíria do “street racing”, surgem

também na rotunda do limite Norte do Parque das Nações, junto ao Rio Trancão, na recta

ideal para arranques “dragster” de 300m, entre duas passadeiras-zebra para peões!

Por vezes associado à actividade supra referida, embora não sempre, está outro conceito

importado – o “tuning” – que reside na transformação e/ou adição de elementos estéticos,

acústicos e mecânicos de um veículo com vista a um determinado fim específico. As

alterações vão desde os aspectos mecânicos positivos com vista ao aumento da

segurança, incluindo rodas, suspensão e travões, à pura estética (visual e acústica) por

77

vezes anti-aerodinâmica e muito ruidosa. O espírito de agressividade na estrada é

reforçado pelo aumento do ruído de série do escape, através da remoção ilegal do

catalisador e da substituição da panela final por uma de maior abertura. O “tuning”, na

sua origem, tem aspectos positivos, na medida em que melhora a performance e a

segurança dos veículos; há marcas como a BMW, a Mercedes-Benz ou a Porsche, só para

exemplificar, que fazem o próprio “tuning” e comercializam versões melhoradas dos

veículos de série, mais seguros; porém, a cultura frequentemente associada a ele, em

Portugal, é que contém, por vezes, aspectos nefastos.

Tal como se disse, o factor cultural envolve toda a sociedade. Os próprios agentes da

autoridade, nomeadamente PSP e GNR, por diversas vezes, não respeitam o CE e,

mesmo não se encontrando em missão de urgência, transgridem os limites de velocidade,

realizam ultrapassagens pela via de trânsito da direita (sobretudo quando circulam em

motociclos e serpenteiam o trânsito). Já não é a primeira vez que se vêem carros-patrulha

da PSP a circularem, de madrugada, ao dobro da velocidade máxima permitida, na Av.

Brasília, em Lisboa, até de janela aberta e braço de fora, ou a fumar, na mesma onde

outros veículos descaracterizados circulam para perseguir e autuar os cidadãos em falta.

Ora, é condição fundamental, numa sociedade civilizada, as autoridades darem o bom

exemplo, uma vez que é sobre elas que recai uma parte maior da responsabilidade civil.

Nos EUA, um condutor é autuado por um simples farolim partido ou mesmo fundido; em

Portugal, é a própria polícia que muitas vezes circula nessas condições. É uma questão

cultural que estará, naturalmente, indissociável da questão económico-financeira do País.

O factor cultural é, por conseguinte, um forte elemento potenciador da sinistralidade

rodoviária.

78

6.1.9 Os peões na Via Pública

Estatisticamente, a maior parte dos sinistros ocorridos não implica vitimização. Contudo,

uma fatia considerável continua, anualmente, a ceifar a vida de muitos cidadãos

condutores e também de não-condutores. O atropelamento é o exemplo de vitimização de

indivíduos não condutores, e é, ainda, uma dura realidade para a qual contribuem diversas

responsabilidades: da parte de quem atropela; das entidades responsáveis pela segurança,

sinalização e manutenção das vias; e, também, por diversas vezes, de quem é atropelado.

O CE e as regras de civismo têm de ser cumpridas por ambas as partes, por quem conduz

e por quem não conduz, sem embargo à maior responsabilidade que recai sobre os

condutores de veículos no momento em que praticam a condução. Todos os dias se

observam situações lamentáveis de incumprimento do CE perante peões que atravessam

as passadeiras e que são confrontados com condutores que se recusam a dar-lhes

prioridade de passagem, chegando estes mesmo a acelerar para passar primeiro que

aqueles, ou até, a ultrapassar outros veículos mesmo em cima das travessias de peões,

violando descarada e, quase sempre, impunemente o CE.

É curioso verificar que um grande número de condutores certificados que circulam

diariamente pelas vias das cidades não se apercebem da eventualidade de os peões

poderem atravessar a meio de uma avenida. Pensam, pois, que só podem atravessar nas

passagens próprias. Ora, embora o CE obrigue os peões a atravessar a faixa de rodagem

nas passagens especialmente sinalizadas para esse efeito, também prevê a passagem fora

delas, perpendicularmente ao eixo da faixa de rodagem, quando não exista nenhuma a

distância inferior a 50 metros.

Em 2005 registaram-se mais de 900 atropelamentos com vítimas mortais ou muito

graves. Cerca de 190 (mais de 1/5 do total de atropelamentos) resultaram na morte do

peão. Mais de 40 ocorreram com fuga do condutor.

79

Figura 35 – Avenida das Descobertas, em Lisboa. Palco de atropelamentos frequentes.

É, pois, importante que os condutores de veículos conduzam de forma defensiva,

tentando prever as acções dos peões e animais que rondam a faixa de rodagem. Prever é a

melhor forma de evitar os sinistros, incluindo atropelamentos. O inverso também se

verifica, quando os peões não respeitam a obrigação de utilização das passadeiras nem a

sinalização luminosa, ou quando decidem atravessar-se intrépida e irresponsavelmente na

faixa de rodagem, propiciando o sinistro.

Os peões são, muitas vezes, os responsáveis pelos seus próprios atropelamentos:

• quando não respeitam a sinalização luminosa, como tem surgido na Av. 24 Julho

e na Av. de Ceuta;

• quando não atravessam nas passagens aéreas ou subterrâneas que lhes estão

destinadas, como surge na Avenida das Descobertas (junto à escola secundária do

Restelo – v. Fig. 35), no Campo Grande, ou na Avenida da Índia junto a Belém;

• quando não querem avançar mais alguns metros até à passadeira mais próxima;

• quando correm imediatamente a seguir às saídas dos túneis para veículos

automóveis, como acontece nos túneis do Campo Grande, em Lisboa.

80

Todos estes locais referidos foram já palcos de muitos acidentes de atropelamento com

vítimas mortais, em que a responsabilidade se deveu, muitas vezes, ao incumprimento

dos peões.

As crianças, por inconsciência, e os idosos, por lentidão dos movimentos, são os grupos

etários de maior risco. Os que sofrem de cegueira e de dificuldades auditivas também são

grupos de risco.

A distracção, o sono, o álcool, o desrespeito, a falta de civismo ou mesmo o suicídio são,

também, factores que intervêm do lado dos peões, e que potenciam, igualmente, a

sinistralidade.

Figura 36 – Peão intrépido e incauto atravessando junto à saída do túnel.

Também no Campo Grande, em Lisboa, em frente à Universidade Lusófona, perderam a

vida alguns jovens na perigosa travessia. Após manifestações sucessivas, lá foi construída

uma passagem aérea que ainda não existia. Contudo, ainda hoje perdem a vida por não a

utilizarem, preferindo muitos, em vez disso, atalhar caminho e aventurar-se na travessia

da “auto-estrada citadina” que é o Campo Grande… É caso para dizer que deveriam

pagar multa. E pesada!

81

Figura 37 – Manifestação de estudantes da Univ. Lusófona contra a falta de travessia aérea.

Na Av. 24 de Julho em Lisboa, após os atropelamentos mortais de Dezembro de 2005,

foram colocadas novas placas de sinalização (v. Fig. 38) pela Câmara Municipal de

Lisboa (CML), juntamente com semáforos a meio do percurso como tentativa de fazer

abrandar a velocidade naquela via. Contudo, a velocidade dos automóveis continua ali a

ser elevada e os peões a não respeitar a sinalização e a aventurar-se na travessia de uma

das “auto-estradas” da zona ribeirinha lisboeta. Será um problema especificamente dos

automóveis? Será dos peões? Ou será, sobretudo, um problema cultural de fundo?

Figura 38 – Sinal de indicação de perigo.

82

6.2 O supra-factor “Veículo”

Relativamente ao veículo, apontam-se um conjunto de factores que podem ajudar a

prevenir ou a potenciar a sinistralidade rodoviária.

6.2.1 Estado de conservação e/ou de manutenção

O bom-estado dos veículos em circulação é importante para a segurança rodoviária. Não

obstante a obrigatoriedade, para veículos com idade a partir dos 4 anos, de circulação

com aprovação na Inspecção Periódica Obrigatória (IPO), muitos ainda circulam,

contudo, em mau-estado, com diversas falhas – desde iluminação, deficiências graves nos

travões, até pneus com piso abaixo do nível limite de desgaste.

A realização de revisões periódicas ao veículo, juntamente com outras práticas rotineiras

de verificação, assegura um melhor desempenho da condução e aumenta a segurança.

Entre outras práticas, destacam-se: luzes, pneus (em desgaste e em pressão do ar de

enchimento adequada), desgaste dos travões (pastilhas, sobretudo) e níveis dos líquidos

(direcção assistida, travões, refrigeração, óleo, água do limpa pára-brisas, combustível).

Qualquer falha no funcionamento das componentes do veículo poderá resultar num

aumento directo da probabilidade de ocorrência de um sinistro rodoviário.

Deve fazer-se uma inspecção exterior, à volta do veículo, antes de se entrar nele e iniciar

o seu andamento, para verificar se os pneus ou qualquer outra componente física ou

mecânica visível a partir do exterior se encontra em bom estado, incluindo fugas de óleo

ou de combustível. Logo após o início da marcha, deve testar-se os travões para assegurar

83

a sua eficiência. É pois, um somatório de componentes que importa monitorizar com

frequência e ter em bom-estado.

Ao contrário do que, por vezes, se pensa, o bom-funcionamento dos dispositivos de

iluminação do veículo é muito importante, para garantir uma boa visão à noite e em

condições atmosféricas adversas, para ver e para ser visto.

6.2.2 Capacidade de aceleração longitudinal e lateral

Importa considerar a capacidade de aceleração de um veículo, dada pela sua relação

peso/potência e peso/torque, quando este realiza uma ultrapassagem. Esta manobra deve

ser efectuada no menor tempo e espaço possíveis, devendo o veículo que vai iniciar a

ultrapassagem acelerar o máximo possível durante a sua realização, reduzindo o tempo

que demora a efectuá-la, para garantir um mínimo de segurança aceitável. Só assim é

possível reduzir o risco de embate em contra-mão. Para tal, é, pois, necessária uma

capacidade de aceleração adequada. Em vias estreitas povoadas por veículos pesados

longos, como surgia no antigo IP5, a capacidade de aceleração do veículo é um factor

crítico.

Também a desaceleração (travagem) é um factor de importância

absoluta. Será ainda mais importante do que o anterior, na medida

em que a capacidade de redução da velocidade e de imobilização

dos veículos é uma garantia de integridade e de sobrevivência na

VP. Calcula-se que mais de 90% dos veículos que circulam na VP

têm travões de baixa eficiência em condições de utilização intensiva

como nas estradas de montanha. O sobreaquecimento, resultante da Figura 39 – Travões de “alta-performance”, eficazes em condições de intensa utilização.

84

transformação da Energia mecânica em Energia térmica, reduz a eficiência dos travões.

Muitos proprietários têm a preocupação de aumentar a potência dos seus veículos, para

acelerar mais, negligenciando o inverso – um grande erro.

A capacidade de travagem não depende, somente, dos

travões. Depende, também, dos pneus, dos amortecedores e,

sobretudo, da massa do veículo e da sua distribuição. Quanto

maior for a massa, mais espaço precisará para se imobilizar.

Isto, para a mesma Força de desaceleração aplicada. Os

pneus são outro elemento de máxima importância, pois são

eles que asseguram o contacto do veículo com o solo. Figura 40 – Pneus de “alta-performance.

Durante a travagem, há uma transferência de peso para a frente do veículo, com a

desaceleração longitudinal. Os pneus do eixo traseiro perdem Força e, por conseguinte,

capacidade de travagem.

Figura 41 – “Transferência de peso” em desaceleração.

85

Para além da capacidade de aceleração longitudinal do veículo, ou seja, a aceleração e a

travagem propriamente ditas, há que equacionar igualmente a capacidade de aceleração

lateral, i.e., a aceleração centrípeta e a Força que os pneus do veículo têm de conseguir

contrariar quando o veículo descreve uma curva ou muda de direcção.

A utilização de pneus de “alta-performance”, normalmente mais aderentes, bem como o

respeito pelos limites de profundidade do piso do pneu e a monitorização periódica da

pressão, serão sempre factores positivos na prevenção da sinistralidade rodoviária,

sobretudo em situações de travagem de emergência.

Ao nível da transmissão, a utilização de um diferencial com autoblocante poderá ajudar a

prevenir contra o despiste do veículo e contra perdas de tracção.

6.2.3 Massa do veículo e sua distribuição

Quanto maior for a massa de um veículo, maior será a Força necessária a exercer tanto

longitudinal como lateralmente, seja para o acelerar seja para o desacelerar.

A massa é "inimiga" da aceleração, seja ela linear ou angular. Um corpo com mais massa,

para a mesma aceleração, sofre Forças maiores do que um corpo com menos massa.

De forma muito simples, a aceleração linear (a) é igual ao quociente da divisão da

velocidade pelo tempo, ou seja, a=dv/dt . A Força (F) é igual ao produto da massa (m)

pela aceleração linear, ou seja, F=m.a , pelo que um corpo com mais massa precisará de

uma Força maior para a mesma aceleração. A Força também depende da massa em

aceleração angular. A componente aceleração centrípeta (ac) é dada pelo quociente da

divisão do quadrado da velocidade pelo raio (r), ou seja, ac=v2/r . Se se negligenciar a

86

componente aceleração tangencial, ou se ela for igual a zero, então a aceleração angular

será igual à aceleração radial, ou seja, à aceleração centrípeta.

Numa manobra em que há uma aceleração centrípeta, a Força centrípeta (Fc), que é igual

ao atrito, é exercida pelos pneus do veículo em direcção ao centro da volta; opostamente,

uma Força centrífuga actua na massa acelerada, mas em sentido oposto, ou reacção

centrífuga. A Força é igual à massa vezes a aceleração centrípeta (Fc=m.v2/r). Isto

significa que, para a mesma aceleração, um corpo com mais massa será naturalmente

submetido a Forças maiores – i.e., para a mesma velocidade e raio da curvatura – do que

um corpo de massa menor.

O aumento da massa tem uma importante influência na Força centrípeta, embora o

aumento da velocidade ainda tenha mais pela dependência quadrática.

As alterações dos momenta linear e angular também dependem da massa. O momentum

linear (p), ou "quantidade de movimento linear", é igual ao produto da massa pela

velocidade linear (v), ou seja, p=m.v , em que o aumento da massa resulta no aumento do

momentum linear do corpo em movimento, o que resulta, por conseguinte, numa maior

oposição em alterar o seu estado de movimento, em velocidade e em direcção,

necessitando, assim, de uma aplicação de Força maior, para a mesma aceleração linear,

do que num corpo com massa e correspondente momentum menores (F=m.a).

Quanto à componente angular do movimento de um corpo, o momentum angular (L) é

igual ao produto do momentum linear pelo raio ou distância ao eixo da rotação,

L=p.r=m.v.r , ou, dito de outra forma, é igual à velocidade angular (v/r) vezes o momento

de Inércia (I) que é a distribuição da massa em relação ao eixo da rotação – igual ao

produto da massa pelo quadrado da distância de actuação da Força ao eixo da rotação

(genericamente: I=m.r2 , embora a expressão dependa do eixo em questão e da própria

distribuição da massa).

87

É, pois, também demonstrável que quanto maior a massa maior o momentum angular, i.e.,

maior a tendência em manter uma dada rotação.

Resumindo, para a mesma velocidade, um veículo com uma massa maior, tem uma

“quantidade de movimento linear”, ou momentum linear, maior, pelo que a sua unidade

motriz e a de travagem têm de ser capazes de exercer Forças (opostas) também maiores,

de aceleração e de desaceleração respectivamente. A Força de aceleração é aplicada pelo

motor ao piso através da transmissão e das rodas. A Força de desaceleração é aplicada

pelos travões ao piso através das rodas.

Como se disse, lateralmente, numa curva com um determinado raio, para a mesma

velocidade, um veículo com maior massa necessitará de exercer uma Força centrípeta

também maior. Essa Força centrípeta é, como se disse, a Força de atrito que é uma Força

lateral ao veículo, oposta à Força centrífuga, num equilíbrio de Forças an direcção radial.

A Força lateral ao veículo é exercida pelos pneus em contacto com o piso. Então, quando

a massa é maior, os pneus estão sujeitos a uma Força de atrito também maior, para a

mesma aceleração centrípeta, e, por conseguinte, a um desgaste maior.

Concluindo o racínio, quando há mais massa em movimento, a alteração dos seus

momenta requer maior Força do que nas situações em que a massa a acelerar/desacelerar

– seja longitudinal ou lateralmente – é menor.

Quanto à distribuição da massa, esta é medida em percentagem da sua distribuição pelos

dois eixos do veículo. Uma repartição de equilíbrio perfeito ronda os 50% -Fr / 50% -Tr,

com o centro de gravidade (CG) localizado longitudinalmente a meio, entre os dois eixos.

Os veículos com mais massa sobre o eixo traseiro tendem a sobrevirar mais intensamente

em situações de desaceleração com derrapagem do eixo traseiro, em curva, pela

transferência de peso para a frente. A localização do centro de gravidade do veículo tem,

pois, importância para a sua estabilidade. O excesso de carga e a sua desigual

88

distribuição, criando problemas de equilíbrio dinâmico, são outros factores que

potenciam a sinistralidade rodoviária.

Relacionado com a distribuição de massas, merecem referência os momentos de Inércia

de massa do veículo. Genericamente, o momento de Inércia de massa obtem-se

multiplicando a massa pelo quadrado da distância ao eixo de rotação (Iz=1/2.m.r² para um

cilindro rodando em torno do eixo longitudinal). A distância ao eixo de rotação faz variar

o momento de Inércia mais do que a variação da massa.

O momento de Inércia de massa de um automóvel aproxima-se ao de um sólido cuboide

com uma altura h, largura w e profundidade d, em que, em vez do raio, somam os

quadrados das duas distâncias (Ih=1/12.m.(w²+d²) para uma rotação em torno do eixo

vertical médio h). Note-se que, conforme o afastamento do eixo de rotação vertical, do

ponto médio em direcção às extremidades do sólido, o momento de Inércia varia (na

extremidade, o momento de Inércia pode aumentar para 4 vezes o valor obtido com o

eixo no ponto médio). O momento de Inércia de massa quantifica a Inércia rotativa de um

corpo rígido, ou seja, a sua Inércia em relação ao movimento rotativo. De outra forma,

denota a dificuldade de indução de rotação. Também, uma distribuição de massa

equilibrada entre os dois eixos (CG central, neutro) proporciona ângulos de derrapagem

dos pneus menores e mais homogéneos do que em situação de desigual distribuição. Em

volta estabilizada, para a mesma massa, os veículos com o CG deslocado para a frente

tendem, portanto, a subvirar mais devido à carga adicional sobre esse eixo. Na Fig. 42,

quatro veículos com diferentes configurações:

Figura 42 – Veículos com diferentes configurações e distribuições de CG.

89

O VW Golf (à esquerda) é um veículo de tracção dianteira que tem o seu CG avançado

longitudinalmente, com uma percentagem de distribuição de massa de 59/41 devido,

sobretudo, à posição frontal do motor. Por isto, ele tanto é subvirador com aceleração

como em volta estabilizada. Em desaceleração/travagem, também pode ser sobrevirador,

devido à transferência de peso para a frente, ajudado pelo baixo momento de inércia (CG

frontal e relativamente reduzida distância entre-eixos) quando em sobreviragem (rotação

em torno do eixo vertical dianteiro) e pela eficiência do efeito travão-motor à frente.

Na segunda imagem a contar da esquerda, o BMW Série 3 que, embora tenha também o

seu motor à frente, apresenta um CG neutro e uma distribuição de massa equilibrada de

50/50. A reacção em curva estabilizada é neutra. Tendo a tracção aplicada ao eixo

traseiro, pode provocar uma sobreviragem, com aceleração, bastante equilibrada.

A seguir, o Porsche Cayman tem uma repartição de massa de 46/54, ou seja, ligeiramente

para trás. Isso deve-se, sobretudo, à posição central-traseira do motor. Para além do CG

ser recuado, tem, ainda, um baixo momento de Inércia em volta estabilizada, ajudado

pela relativamente curta distância-entre-eixos e pequena massa e pela posição do motor, o

que contribui para uma resposta mais rápida às solicitações da direcção e uma tendência

maior para girar sobre o eixo vertical central do que o BMW.

Finalmente, na imagem mais à direita, um Porsche 911 com o seu CG posicionado para

trás (distribuição de massa de 38/62). Este veículo tem um momento de Inércia de massa

grande com o seu motor colocado em posição traseira, pelo que a sua dinâmica em

sobreviragem actua como efeito de pêndulo: tem mais dificuldade em iniciar a rotação

em sobreviragem com aceleração, mas, uma vez iniciada, tem igualmente uma

dificuldade muito maior em contrariá-la; assim, em desaceleração, a transferência de peso

de trás para a frente pode provocar uma sobreviragem muito intensa, uma vez libertado o

eixo traseiro, necessitando de correcções permanentes e rápidas na direcção.

90

Figura 43 – Ângulos de derrapagem consoante a posição do CG.

Quando um veículo descreve uma curva normal, estabilizado, o seu eixo de rotação

vertical está posicionado atrás, próximo do eixo traseiro, variável ainda consoante os

ângulos das rodas dos dois eixos e os ângulos de derrapagem. Nesta situação, um baixo

momento de Inércia facilita a manobra, ou seja, reduz o ângulo de derrapagem do eixo

anterior, permitindo acelerações angulares maiores. Já quando um veículo entra em

sobreviragem, o eixo de rotação “avança” longitudinalmente em direcção ao eixo

anterior; dá-se uma alteração do momento de Inércia de massa. Se, nestas circunstâncias,

ele for grande (comum em veículos com motor central-traseiro e, sobretudo, traseiro, ou

seja, a sua massa concentrada em zona posterior), a sua massa em movimento

desenvolverá um efeito rotativo de “pêndulo” mais intenso, uma vez iniciada a aceleração

angular, que não existia quando não em sobreviragem.

O aumento de massa de um veículo, ou a sua grande quantidade em termos absolutos, e a

sua desigual distribuição, são factores potenciadores da sinistralidade do lado do

“Veículo” em ligação estreita com o condutor, ou seja, com o factor “Humano”.

A suspensão do veículo, responsável pelo adorno ou inclinação da carroçaria em

manobras de aceleração, desaceleração e em volta (inclinação lateral), é um factor que

pode, igualmente, potenciar o sinistro. Se o seu curso for excessivamente longo e o

91

conjunto molas/amortecedores demasiado macio, pode provocar situações de

desequilíbrio e perda de aderência em qualquer uma das manobras referidas. Os

amortecedores gastos devem ser prontamente substituídos, por forma a reduzir o risco de

perda de controlo do veículo devido a instabilidade – em curva e em travagem.

Como foi dito, durante uma travagem ou durante uma mudança de direcção, dá-se um

desequilíbrio temporário no veículo, com a sua massa (peso) a ser transferida no sentido

contrário à (des)/aceleração. A taxa de transferência é proporcional à altura do centro de

gravidade, à aceleração centrípeta (g) e é inversamente proporcional à largura das vias

(distância entre os pontos de apoio – as rodas). É também proporcional ao adorno da

carroçaria, este por sua vez proporcional ao curso e dureza da suspensão.

A afinação do camber, ou inclinação lateral da roda em relação ao plano vertical, pode

ainda trazer alguns benefícios em termos de aderência lateral, se for ligeiramente

negativo, conforme a suspensão do veículo e os ajustes disponíveis de fábrica.

Há, ainda, mais ajustes possíveis, em alguns veículos, tais como o caster (inclinação

longitudinal) e toe-in (convergência). Em todo o caso, é importante circular com as rodas

alinhadas e calibradas. A alteração assimétrica das dimensões, tipo e dureza e pressões

dos pneus, bem como da suspensão, de frente e de trás, podem servir tanto para aumentar

como para diminuir a tendência de subviragem e de sobreviragem.

Em estrada normal, de uma forma geral, um veículo será mais seguro e eficaz se adornar

menos nas curvas e nas travagens, dentro de certos limites e consoante o estado do piso.

Para a mesma massa, e considerando o equilíbrio de um veículo – tanto em volta

estabilizada como em aceleração – como um indicador de segurança, será mais seguro o

veículo mais neutro possível, ou seja, com uma repartição de massa próxima dos 50/50 e,

igualmente, com tracção integral 50/50, e de massa pequena.

92

Faça-se o reparo de que, em cidades como Lisboa – em que as condições do piso são

geralmente deficientes – o recurso a uma afinação da suspensão rija e rebaixada pode

trazer grandes desvantagens, entre elas um grande desconforto e uma potencial

degradação da eficácia de travagem sobre lombas e irregularidades acentuadas do piso, o

que, em certas situações limite, pode, até, potenciar um sinistro.

6.2.4 Direcção

Também a direcção é fundamental, na medida em que controla o ângulo das rodas em

relação ao chassis, o que permite o controlo direccional do veículo. Uma direcção

demasiado assistida e pouco directa reduz a sensibilidade por parte do condutor e, por

conseguinte, prejudica o controlo do veículo.

6.2.5 Ergonomia / posição de condução

A posição de condução possibilitada pelo veículo, incluindo o apoio lateral e lombar dos

bancos, a posição dos pedais e do volante, é importante tanto para o conforto do condutor

como para a segurança na condução.

93

6.3 O supra-factor “Via”

O terceiro supra-factor considera a importância da VP, na origem da sinistralidade

rodoviária. Essa influência tem enquadramento em alguns factores específicos: na

projecção e/ou construção erradas, incluindo lombas e curvas de má visibilidade, relevé

desfavorável, material do piso escorregadio, cruzamentos e entroncamentos perigosos; no

mau estado de conservação e falta de fiscalização; na deficiente sinalização e iluminação;

na concepção inadequada da via ao volume e tipo de veículos que nela transitarão.

A concepção das vias deve, pois, ter sempre em consideração todos estes múltiplos

aspectos. Falhar algum destes aspectos significa propiciar um aumento da taxa de

sinistralidade rodoviária.

A má concepção das vias pode, pois, em certa medida, justificar a elevada taxa de

sinistralidade em Portugal. O famoso traçado do IP5 é o exemplo de uma obra importante

mas com erros de concepção original. Este itinerário foi concebido para ligar o litoral

português a Espanha, partindo de Aveiro com passagem por Viseu e Guarda. No troço

entre a Guarda e Celorico da Beira, por entre os contrafortes da Serra da Estrela, estão

situados alguns “pontos negros” graves das estradas portuguesas. Por ele passam,

diariamente, centenas de veículos pesados carregados de mercadorias, muitas vezes com

excesso de peso e/ou em mau estado de conservação mecânica – os travões,

nomeadamente.

Na descida da Guarda para o Porto da Carne (ver a Fig. 47, mais à frente), entre os kms

154 e 158, no IP5, uma descida com cerca de 4 kms e com declive considerável (8%),

serpenteada de curvas apertadas, constitui um perigo potencial para os veículos pesados

que percorrem aquele itinerário e para os ligeiros que podem ser alvos de colisão por

parte daqueles quando em descida desgovernada.

94

A juntar à forte inclinação continuada da estrada (Factor “Via”) que sobreaquece os

travões dos veículos pesados, a idade e a baixa fiabilidade mecânica de muitos deles

(factor “Veículo”) resulta, por vezes, no terror de um “monstro” desgovernado a embater

nos pequenos ligeiros que por ali transitam. Que o digam as vítimas que pereceram junto

à curva do famigerado km156… Aqui, não obstante os factores “Veículo” e “Humano”

terem, por ventura, uma responsabilidade maior nos sinistros que nesta via ocorrem, o

factor “Via” também potencia em sua grande medida, uma vez que oferece condições

propensas a essa ocorrência.

Para além do IP5, muitas outras vias há em Portugal, em que a perda de controlo dos

veículos, por parte dos condutores – e para além de outros factores tais como a falta de

preparação prática no controlo dinâmico do veículo, a condução agressiva, o próprio

veículo ou, ainda, as condições atmosféricas adversas – é amplamente potenciada pelo

traçado, pelo seu estado de conservação e pela sua deficiente sinalização. Muitas vezes os

erros são de concepção. Vejam-se os exemplos das curvas descendentes da Av. Calouste

Gulbenkian e do Eixo Norte-Sul, ambas em Lisboa.

Figura 44 – Curvas em declive acentuado: Avenida Calouste Gulbenkian (à esquerda) e

Eixo N-S (à direita).

95

Figura 45 – Av. Calouste Gulbenkian e Eixo Norte-Sul. Curvas em declive acentuado.

Figura 46 – Acessos ao IC-19 e à CRIL. Acidentados com muita frequência.

96

97

Figura 47 – IP5: Descida (kms 154-158), troço perigoso do IP5 para veículos pesados em mau estado.

No referido Itinerário Principal n.º 4 (IP4), as curvas apertadas com grandes declives e

sem relevé conveniente, juntamente com outro factor maior – o factor ambiental, que

inclui veículos pesados e condições climáticas adversas – provocam sinistros de

gravidade extrema.

Figura 48 – Sinistro com vitimização ocorrido no IP4 próximo de Amarante. Os p is do bébé na foto

anão sobreviveram. (Ass. Utentes IP4).

98

As ruas da cidade de Lisboa estão, na generalidade, em mau estado de conservação. A

Av. 24 de Julho e a Baixa, só para exemplificar, está repleta de tampas metálicas de

e (LRV)

imediatamente em cima ou imediatamente antes do perigo, como sejam as passadeiras, os

der potenciais perigos que o

condutor tem de prever, bem como também a falta de manutenção das vias e da sua

rodoviária de forma muito

evidente.

saneamento que destroem a suspensão dos veículos e potenciam o sinistro. O asfalto é,

também, muito irregular, aumentando perigosamente as distâncias de travagem.

Outro erro inconcebível é a colocação de lombas redutoras de velocidad

entroncamentos ou os cruzamentos. Acontece que, se um veículo, por distracção, circular

em velocidade excessiva, será incapaz de travar uma vez em cima delas. A sua colocação

deverá ser numa zona com bastante antecedência ao perigo. O final da A5, sentido

Lisboa-Cascais, na saída para Aldeia de Juzo, contém uma grande quantidade de LRV

seguidas que terminam junto à estrada onde a via da saída entronca, o que é um perigo

enorme, para os veículos que queiram travar em cima delas.

A sinalização inadequada e a sua má colocação podem escon

sinalização (vertical e horizontal). É frequente encontrar-se, nas vias portuguesas, sinais

verticais e luminosos escondidos atrás de árvores e vegetação em crescimento, ou,

simplesmente deteriorados ou até, mesmo, já inexistentes…

Todas as situações descritas potenciam a sinistralidade

99

Figura 49 – Situação que potencia o sinistro: zona limitada de piso molhado a meio de uma curva. Av. Marginal, entre o Estádio Nacional e a recta do Dafundo.

Na Fig. 49, observa-se uma via que apresenta, periodicamente, condições ideais para a

ocorrência de despistes. Entre o Estádio Nacional e a recta do Dafundo ocorreram

numerosos sinistros com vitimização. A existência de um relvado com rega automática

na margem da curva da estrada, que inunda periodicamente metade da faixa de rodagem,

provoca uma zona de piso molhado e pouco aderente, contrastando com o piso seco do

restante troço, imediatamente antes e depois desta. Surge frequentemente o despiste de

veículos no sentido Estádio–Dafundo (Oeste–Este) em duas situações:

– por subviragem: o veículo segue em frente e colide contra o muro da linha de caminho-

-de-ferro que se encontra mais à frentre e um pouco mais elevada;

– por sobreviragem: o condutor trava quando sente a subviragem inicial provocada pela

água que alaga o piso (a frente a fugir da faixa de rodagem, contra o muro), que se

transforma em sobreviragem logo que as rodas dianteiras ganham aderência com a

transferência de peso para a frente quando atingem a zona de piso seco, uns metros mais

à frente, entrando em pião para o lado interior de curva e pela parte da faixa de rodagem

100

contrária, originando colisões sérias com veículos que transitam no outro sentido. No

início do mês de Março de 2007 mais uma rapariga perdeu a vida nesse mesmo local nas

condições descritas.

Acresce o facto de não existir sinalização que indique precaução especial para a

possibilidade de piso escorregadio.

O exemplo descrito tanto serve para mostrar as más condições de sinalização e de

manutenção/fiscalização de muitas vias portuguesas, como para reforçar a necessidade de

uma formação em condução defensiva e em controlo da derrapagem por forma a evitar a

perda de controlo frequente em situações tão simples e idênticas è ilustrada, como ainda

para introduzir o outro supra-factor que falta: o “Ambiente” – que inclui a ocorrência de

substâncias na VP que diminuem o seu nível de aderência, como a água ou o óleo.

6.3.1 Factor “Via” versus Factor “Humano”

Diga-se, em forma de parêntesis, que, numa análise às “causas” de um acidente, e não

retirando a sua devida responsabilidade na sinistralidade, há, contudo, sempre uma

grande tendência, sobretudo por parte dos condutores, em atribuir “as culpas” à via, seja

pela sua má construção ou pela deficiente sinalização, negligenciando-se outros factores

por vezes tão mais importantes como o erro humano, ou seja, o “Factor Humano”.

Recorde-se que, a jusante do sinistro ocorrido na referida passagem de nível de Santos,

em Lisboa, a mesma foi encerrada – como que a desculpar a condução suicida do jovens

que nela pereceram por aquela passagem ser considerada de “perigosa” – prejudicando

muito quem frequentemente se deslocava para o outro lado da linha, que tem agora que

dar uma volta de vários quilómetros para lá chegar. Não quer isto dizer que, neste

101

exemplo, a passagem-de-nível fosse especialmente aconselhada para o local, mas é,

efectivamente, uma infeliz coincidência o seu encerramento. E, até à data, não foi

encontrada uma solução plausível para o local: continua fechada e sem alternativa! Este

tipo de acção pós-ocorrência parece vir ao socorro dos perfis do “cidadão estúpido” ou do

“cidadão prevaricador”, o que vai prejudicar e impedir o normal funcionamento da vida

daqueles de bom-senso que cumprem. Será, porventura, um erro político e cultural agir

desta forma. Deve agir-se preventivamente, se se justificar, mas nunca a justificar os

erros dos que não cumprem, prejudicando terceiros.

Outro erro de pensamento frequente é o apontar do dedo aos “túneis assassinos” das

avenidas das cidades em vez de se criticar a falta de passagens desniveladas para os peões

ou a própria estupidez daqueles que, não tendo cuidado ou respeito pela legislação que

rege o trânsito de peões na VP, decidem atravessar-se mesmo à frente da saída dos túneis,

potenciando muitíssimo a ocorrência de sinistros, ou seja, o seu próprio suicídio. Os

túneis das avenidas da cidade de Lisboa têm tido, desde a sua construção, uma importante

acção de “desentupimento” dos cruzamentos e alívio do trânsito à superfície. Porém, a

construção dos túneis deve ser acompanhada, por um lado, nas rampas de acesso, da

construção de passagens aéreas para peões, e, por outro, de radares de velocidade com

aviso luminoso. Agora, não será razoável pensar que se deve deixar de construir túneis

por causa de peões que não querem ter o trabalho de andar uns metros e/ou de subir as

escadas de acesso às passagens que lhes estão destinadas.

As condições das vias têm a sua fatia de responsabilidade na sinistralidade, mas não são,

necessariamente, o factor que mais contribui para a ocorrência de um sinistro. E não são

mesmo!

102

Figura 50 – Panfleto da Comissão para a organização Global Road Safety.

103

6.4 O supra-factor “Ambiente”

O supra-factor “Ambiente” contempla diversos factores que intervêm na condução

automóvel, potenciando a ocorrência de sinistros rodoviários. Eles são: a existência de

água na via; a baixa visibilidade atmosférica; o vento forte; a existência de animais,

objectos e de outros veículos na via e sua interacção; a ocorrência de catástrofes naturais

e de outros fenómenos externos, tais como a existência de óleo, resinas vegetais ou de

outras substâncias derrapantes que possam diminuir o coeficiente de atrito da via.

A água na via, sob a forma de humidade, precipitação, neve ou gelo, diminui os limites

de aderência dos pneus com o piso. Nestas circunstâncias, deve reduzir-se a velocidade

de forma a evitar a derrapagem indesejável.

A humidade na via e o gelo apresentam um perigo acrescido, por poderem não ser

detectados à primeira vista. O granizo, por descida brusca da temperatura do ar, pode cair

alguns hectómetros mais à frente do veículo sem que o seu condutor se aperceba,

podendo vir a provocar um sinistro de consequências imprevisíveis, sobretudo se a

velocidade do veículo circulante for elevada.

O controlo direccional de um veículo,

equipado com pneus normais, sobre o gelo –

situação em que o atrito é mínimo – é

praticamente quase nulo. Sobre a neve o

atrito é maior mas, ainda assim, requer a

utilização de pneus adequados para a neve

ou, quando a altura da neve aumenta,

104

correntes próprias.

Em regiões muito chuvosas ou de Inverno mais rigoroso, será recomendável a mudança

do jogo de pneus de Verão para o de pneus de Inverno, consoante a estação. Os pneus de

Inverno, embora apresentem coeficientes de aderência inferiores em condições de piso

seco e aderente, são, contudo, menos propícios ao aquaplaning e agarram-se melhor ao

piso molhado.

Os veículos de duas rodas são os mais prejudicados em relação à variação dos

coeficientes de aderência. Em piso molhado, é, pois, recomendável a circulação com

velocidade especialmente reduzida.

As primeiras chuvas são sempre as mais críticas, uma vez que a mistura da água com o

óleo e a sujidade, que normalmente se encontram sobre as vias, forma, por vezes, uma

camada muito propensa à derrapagem. As poças de água representam um perigo

adicional, na medida em que desaceleram a/(s) roda/(s) que por ela passarem, podendo

desequilibrar o veículo se a velocidade não for especialmente reduzida. Podem, ainda,

esconder buracos e obstáculos que podem danificar o veículo.

A geada matinal constitui, igualmente, um perigo para os condutores menos avisados e

preparados, tal como acontece no IP4, no troço entre a serra do Marão e Bragança. Por

isso é importante monitorizar a temperatura exterior do veículo, de forma a prever a

ocorrência destas formas de gelo. Em altitude, em estradas e caminhos com muita neve,

após fortes nevões, devem ser utilizadas correntes ou, em substituição, pneus próprios

com pregos, tanto para veículos de duas como de quatro rodas motrizes. Estes últimos

têm uma vantagem clara em termos de tracção, nestas condições.

A baixa visibilidade também requer uma condução atenta e a velocidade reduzida. A

ocorrência de nevoeiro ou de uma tromba de água pode reduzir a visibilidade para poucos

105

metros à frente do veículo. Nestas circunstâncias, devem usar-se os faróis de nevoeiro, os

médios e a luz de nevoeiro traseira.

Em condições de baixa aderência e de baixa visibilidade, é muito importante que o

veículo circule com uma distância de segurança maior em relação aos veículos que o

antecedem e sucedem. As distâncias de travagem variam consoante o coeficiente de

atrito, ou seja, para uma condição de aderência inferior, o espaço necessário para uma

travagem completa e em segurança é superior, para o mesmo veículo.

Para além da distância de segurança e da velocidade reduzida, como condução defensiva,

em condições de baixa aderência e visibilidade, é importante que se procure sempre

observar o que se passa na estrada à sua frente o mais longe possível, por forma a tentar

prever acções inesperadas por parte de condutores e peões, aumentando assim o tempo de

reacção e de paragem no caso de esta ser necessária.

O vento é um outro factor que pode dificultar o controlo do veículo, sobretudo se este

tiver uma área lateral grande que possa criar muita resistência ao vento lateral.

Catástrofes de origem natural podem, igualmente, potenciar o sinistro: queda de pedras

ou de árvores, desabamentos, furacões, relâmpagos, incêndios, trombas de água, tremores

de terra, tornados, ou até vulcões. Muitas delas são imprevisíveis e as suas consequências

podem ser devastadoras.

A existência de animais na VP é responsável por diversos sinistros, desde a vaca que

resolve “pastar” na VP ao cão inconsciente que decide atravessar a auto-estrada. O acto

de desviar o percurso de um veículo, repentinamente, para evitar um cão, pode provocar

um despiste grave, sobretudo com veículos sem dispositivos automáticos de controlo de

estabilidade ou com condutores sem preparação. Muitos acontecem, diariamente, na

estrada nacional e, até, na auto-estrada. Nestas condições, alguns podem ser evitados com

106

uma boa preparação prática de condução, com automatismos de reacção, nomeadamente

no já abordado controlo da sub-/sobreviragem. A circulação atenta e com velocidade

moderada ajuda a minimizar possíveis consequências que surgem nessas situações.

Por último e antes de terminar este ensaio, resta referir a existência dos outros veículos da

VP, factor que tem uma grande relevância, na medida em que uma grande parte dos

sinistros ocorrem entre dois ou mais veículos. O sub-factor “outros veículos” pressupõe a

existência física de veículos automóveis na via, conduzidos por indivíduos sobre os quais

recai, igualmente, o factor humano, bem como todos os outros que nesta análise foram

sendo apresentados.

107

7. Considerações Finais e Recomendações

A solução para a redução da sinistralidade rodoviária passará pela revisão dos diversos

factores aqui dissertados. O Factor Humano é, sem dúvida, o mais importante, o que mais

influência tem no desempenho diário na VP. A maior parte dos sinistros graves ocorre

devido ao erro humano. Outros factores, ou supra-factores na análise hierárquica

apresentada, têm, na sua certa medida, importância na sinistralidade rodoviária.

Não será, certamente, coisa de somenos, a congregação de esforços que se direccionem

na atenuação do que foi chamado, no capítulo primeiro, de fenómeno endémico e

obnóxio.

A cultura de um país reflecte-se na VP. O mau desempenho dos seus condutores é, por

conseguinte, um reflexo dessa cultura, tal como as vias, a sinalização e o seu estado de

conservação também o são. Em Portugal, a agressividade latente das suas gentes é

manifestamente exteriorizada na VP em autênticas batalhas rodoviárias. O stress

quotidiano, os desequilíbrios emocionais, juntamente com uma cultura de

desresponsabilização e anti-cívica, provocam esses comportamentos. Junte-se-lhes a falta

de preparação teórica e, sobretudo, prática, mais os outros factores externos, e chega-se

ao negro arrepiante dos números que enchem as folhas das estatísticas, frequentemente

tingidas pelo vermelho sangue da vitimização.

Nesta acepção e na sua globalidade, a sinistralidade será, pois, um fenómeno endémico e

não epidémico. Não é um mal “que nos cai em cima”, é, antes, um mal que todos, mais

ou menos activamente, com maior ou menor responsabilidade, ajudamos a criar ou, no

mínimo, colaboramos – desde os condutores, peões, passando pelos centros de formação,

até às autoridades rodoviárias, autarquias e responsáveis pela fiscalização e manutenção

da VP.

108

A sinistralidade rodoviária terá de ser combatida através da prevenção e de uma mudança

de mentalidades. Somente impôr limites e tentar punir, por si só, não tem grande eficácia

no objectivo comum aos que se preocupam com a questão da sinistralidade, por duas

razões maiores: primeiro, porque, tal como está comprovado, a cultura rodoviária e

nacional vernácula, apanágio dos povos menos desenvolvidos, leva a um desrespeitar

permanente e consecutivo do CE, como comprovam os números das autoridades

policiais, todos os anos; segundo, porque muitos sinistros ocorrem em circunstâncias de

condução normal, dentro dos limites do CE. Ou seja, cumprir os limites do CE não

garante ausência de sinistralidade. Ajuda, de facto, mas não garante... Não basta cumprir.

Ora, aqui reside o que foi considerado um erro estratégico, uma visão que se baseia na

punição e no “basta cumprir”, mas que, na verdade, não tem solucionado este complexo

problema.

Quanto ao ensino da condução em Portugal, considera-se estar num estado ainda

deficiente. Será necessário alterar os currículos e as exigências dos mesmos, incidindo,

desde a ergonomia e postura ao volante, à condução defensiva e ao controlo dinâmico do

veículo na via. O interesse das vertentes teórico-práticas referidas reside numa preparação

superior dos candidatos a condutores certificados.

É de grande importância o treino em controlo de manobras de sub-/sobreviragem,

aspectos da aderência, travagem, mudanças de direcção, acelerações longitudinais e

centrípetas. Como foi dito, muitos sinistros graves sucedem por falha no controlo do

veículo por parte do condutor, em situações facilmente evitáveis com esse treino.

Mas a exploração da vertente da dinâmica da condução e a boa preparação prática dos

condutores não chegam, por si só, para uma redução da sinistralidade, pelo que o ensino,

a sensibilização e a prática de uma condução defensiva é condição prévia sine qua non

para a redução da mesma.

109

Vendo as coisas por outro prisma, e sem embargo ao princípio fundamental e absoluto da

condução defensiva, diversas situações de falta de aderência (longitudinal e lateral)

surgem sem que seja praticada uma condução agressiva ou aparentemente rápida. Falhas

de aderência podem surgir em qualquer momento, em qualquer circunstância e, mesmo

durante o exercício de uma condução defensiva. Como tal, é fundamental que os

condutores estejam preparados para as controlar e/ou minimizar as suas consequências.

Para mais, a existência de dispositivos de controlo automático de estabilidade nos

veículos não é condição suficiente nem, menos ainda, garantia de que sinistros, nessas

condições, não ocorrerão.

A incluir, no futuro, os capítulos de prevenção e controlo da derrapegem, nos currículos

dos cursos de condução básicos, deveria ser realizada em dois módulos – um

essencialmente teórico e introdutório, e um outro prático. Para uma correcta aplicação

dos conceitos teóricos apreendidos, seria necessário reforçar, em especial, o

desenvolvimento psico-motor, que não somente cognitivo, e criar os automatismos de

reacção necessários. A primeira fase de um segundo módulo (prático) passaria pela

aplicação de simuladores de condução com modelo dinâmico realista. Numa segunda

fase, passar-se-ia ao treino real em pista fechada e adaptada para condições de piso seco e

de piso molhado. Manobras simples como aprender a travar, a contrabrecar e/ou acelerar

(para veículos tracção dianteira) em situação de sobreviragem, ou desacelerar em situação

de subviragem, entre outras, poderiam ser treinadas em simuladores, sem custos e com

total segurança.

Mas esta formação dinâmica só fará sentido existir se integrada num processo de

aprendizagem completo, desde a formação mais básica actualmente praticada nos centros

de formação para a obtenção do título de condução, até ao que é hoje considerado de

“condução avançada” – conceito que vem tentar reparar um erro maior oficial em termos

de formação e certificação.

110

Como se disse, a criação dos automatismos no ser-humano, necessários às reacções

correctas dos condutores, leva um certo tempo, pelo que o processo de obtenção do título

de condução não deveria ser inferior aos 8 (oito) meses.

Ainda na esteira do que tem vindo a ser dito, deveriam ser criadas pistas com condições

próprias para o treino da derrapagem, para uma aplicação prática dos conceitos teóricos –

adquiridos numa primeira fase – e práticos adquiridos através de simuladores

dinamicamente fidedignos.

O bom condutor será, porventura, aquele que, dominando e fazendo uso sistemático do

Código da Estrada, circula sempre com elevados níveis de segurança, não causa

desconforto para os outros passageiros do veículo e não coloca o próprio nem os restantes

utentes em perigo. Para garantir uma circulação com segurança, terá de praticar uma

condução defensiva bem como de estar apto a controlar o veículo em caso de istabilidade.

Paralelamente, o incentivo à canalização da “agressividade masculina” e das “energias

negativas” dos condutores, para circuitos fechados, preparados com organização e

segurança, em substituição da VP, seria uma aposta também acertada. Tal opção já

acontece em países como o Reino-Unido (Cadwell Park) e a Alemanha (Nürburgring). É

uma estratégia que visa diminuir a condução agressiva na VP. Em Portugal, os circuitos –

autódromos – como o do Estoril ou o de Braga, bem como de alguns kartódromos com

condições, espalhados por todo o país, poderiam ser palco dessas acções positivas que

podem também servir como repositório de conhecimento ou aplicação prática de

conceitos adquiridos na formação automóvel, criando os preciosos automatismos de

reacção, em vez serem criados na VP muitas vezes violando o CE e pondo em causa a

segurança rodoviária. Estas actividades deveriam, ainda, ser acompanhadas por acções de

prevenção e de sensibilização rodoviárias, para maximizar o seu efeito positivo.

111

Conduzir na VP é uma tarefa deveras complexa que requer algo mais do que o

conhecimento e o cumprimento do CE: requer atenção especial ao veículo conduzido e ao

que fora dele se passa, ou seja, à infra-estrutura rodoviária (à via e à sua sinalização, aos

veículos terceiros, aos peões, às condições climáticas, aos obstáculos); requer uma

postura defensiva de condução; requer civismo e espírito de cooperação avesso à

competitividade e agressividade na estrada, qual recinto de batalha; requer, também, um

estado psico-físico adequado à prática; e requer, tal como foi dito, uma boa e completa

formação teórico-prática.

Circular na VP é, pois, um exercício que envolve a dinâmica do próprio veículo em

harmonia com a dinâmica dos restantes numa interacção constante, cada um permeável à

influência dos diversos factores.

Sobre os veículos pesados recai uma responsabilidade acrescida, pelo facto de

movimentarem uma massa maior, podendo, em caso de sinistro, provocar danos mais

importantes, para a mesma velocidade, do que um veículo ligeiro. O mesmo se aplica aos

condutores de veículos com mercadorias facilmente inflamáveis e perigosas. Mas a

velocidade excessiva dos veículos ligeiros também tem uma grande fatia da

responsabilidade na sinistralidade.

O respeito pelos limites de velocidade, pelos requisitos psico-físicos da prática da

condução, pelas regras de civismo e pelos limites operacionais dos veículos e condutores,

é, pois, um imperativo na condução. Assim, também a repressão às práticas ilegais de

condução na VP é uma parte importante – a acção punitiva.

A aplicação de multas mais pesadas, juntamente com a obrigação de repetição de exame

téorico e prático de condução, em vez do regime (ineficaz) de sanção acessória – nos

casos de contra-ordenação grave e muito-grave, e nos sinistros com responsabilidade

imputável – poderia ajudar a acabar com a sinistralidade de causa humana grosseira. No

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actual regime de coimas aplicável, considera-se um aumento dos mínimos para 250€,

500€ e 1.000€, e máximos para 1.250€, 2.500€ e 5.000€, para as contra-ordenações leves,

graves e muito-graves, respectivamente.

Para os peões, deveria também haver uma aplicação efectiva e severa de multas para os

casos mais aberrantes, mormente quando em desrespeito à utilização das passagens

aéreas e subterrâneas, ou de passadeiras em zonas especialmente perigosas.

Já a colocação de radares de velocidade deverá ser assinalada, para dissuasão. Está

provado que o efeito visual e/ou auditivo, dissuasor, da presença das autoridades e

sistemas de detecção e vigilância tem um efeito positivo e imediato no comportamento

dos condutores portugueses. Em caso contrário, só servirá para encher os cofres do

Estado, já que o efeito psicológico supostamente pretendido não resulta, como também

está provado. Recomenda-se, igualmente, a colocação de sinais luminosos ligados a

detectores de velocidade fixos, nas avenidas e ruas mais críticas das cidades em termos

de atropelamentos.

De outro lado, e ainda dentro da prevenção, é de relevar a importância da introdução de

disciplinas de educação cívica e rodoviária, nas escolas tradicionais, com actividades

pedagógicas diversas, e sujeitas a provas de avaliação obrigatórias. Para mais, a Escola de

Educação Rodoviária, um projecto da Câmara Municipal de Braga, pode ser referido

como um exemplo positivo.

Do lado dos instrutores de condução, é preciso repensar a sua formação. Esta deverá ser

adequada a um novo paradigma de ensino, mais centrado no valor da condução

defensiva, na dinâmica automóvel e no maior rigor ao cumprimento integral e efectivo do

CE. Como prefácio a uma mudança na formação, salienta-se aqui os já existentes cursos

livres da Aprendizagem da Condução Automóvel, da Faculdade de Motricidade Humana

(FMH), da Universidade Técnica de Lisboa (UTL), vocacionados para pessoal de centros

de formação de condução.

113

Como exemplos de aplicação dos aspectos da condução defensiva e da condução

chamada “avançada”, i.e., fora das escolas de formação-base certificadas pela DGV,

destacam-se as actividades da CR&M junto ao kartódromo de Palmela, da Prime

Promotion junto ao autódromo do Estoril, EMSDrive junto ao kartódromo de Lagoa, e da

Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP).

O recurso às “campanhas de choque” afigura-se, também, uma estratégia sensata a seguir.

Seria positivo um maior rigor na fase de recrutamento de candidatos a condutores, nas

escolas de condução, nomeadamente incidindo na aptidão psico-física (a aptidão psico-

emocional de cada indivíduo deveria ser apreciada) para a condução, através de exames

de rastreio, com a classificação de “apto”, “não-apto” e de “apto com reservas” – neste

último caso sujeito a correcção ou a aplicação de limites específicos já referidos. A juntar

ao rigor do recrutamento, também se considera de grande importância a implementação

de re-examinações, ou verificações periódicas, teóricas e práticas, e para todos os

condutores, com um período possível de 10 anos até aos 65 anos de idade do condutor,

passando para 5 anos entre os 66 e os 80 anos de idade, e anual a partir dos 81.

Um maior rigor nas verificações finais, por parte dos examinadores da DGV, que incluam

muitos mais variados aspectos técnicos previstos no CE, incluindo circulação em

rotundas e mudanças de direcção específicas (raramente contempladas nas actuais

verificações), também deveria ser considerada.

A introdução de outros aspectos legais, tais como a obrigação de transportar nos veículos

um exemplar do CE impresso em papel, actualizado, tal como acontece, já, com os

coletes reflectores. Nesse caso, em situação de infracção ou autuação, o agente deveria

chamar, no momento, a atenção do/(s) condutor/(es) para a infracção ao CE,

identificando o número do artigo referente, desta forma fazendo com que os condutores

se consciencializem da necessidade de conhecer e respeitar mais a legislação específica

que rege os mais diversos aspectos da condução na VP.

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A alteração do Imposto Automóvel (IA), de modo a favorecer os veículos mais seguros,

sobretudo em termos de segurança activa – para a redução da sinistralidade – mas

também de segurança passiva – para a redução da vitimização – é uma medida coerente

com todas estas preocupações relativas à sinistralidade. A incidência do IA na cilindrada

não faz sentido algum, tanto porque há veículos com menor cilindrada que produzem

valores de potência e de torque muito superiores, como ainda porque a cilindrada de um

veículo, por si só, não o torna necessariamente mais poluente. Já a preocupação com o

consumo e a poluição tem alguma importância, não para a sinistralidade, mas para a

economia e para o ambiente.

A melhoria das vias, em termos de reforço da segurança, da sinalização e da manutenção

é uma condição muito importante, também, que não pode ser postergada. A colocação de

separadores centrais delimitadores de sentido de trânsito, nas zonas mais perigosas é

outra medida positiva.

Em suma, para ter um efeito eficaz, o combate à sinistralidade rodoviária terá de ser

realizado em várias “frentes de batalha”, incidindo nos diversos factores enunciados ao

longo deste trabalho. A punição e o cumprimento do CE não chegam. Como foi dito, a

primeira – porventura a mais difícil e morosa – “batalha” consiste na alteração de certos

padrões culturais, de hábitos e mentalidades. As restantes são igualmente importantes e

vêm em consequência dessa alteração, mas, contrariamente, são de aplicação mais rápida

e directa. É preciso alterar muita coisa, e a sinistralidade só será reduzida para níveis

“aceitáveis” quando os diversos aspectos aqui enunciados forem tomados em alta

consideração e aplicados num esforço global e de forma dinâmica e concertada.

Só dessa forma será possível pôr fim à silenciosa “guerra civil” que tem como palco as

estradas portuguesas, por todos nós conhecida, embora por vezes desdenhada, na qual

participamos e também somos vítimas.

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