Os Rubaiyat de Omar Khayyam
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10-Dec-2015Category
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Transcript of Os Rubaiyat de Omar Khayyam
Os Rubaiyat de Omar Khayyam verso em portugus de Afredo Braga
1
Nunca murmurei uma prece,
nem escondi os meus pecados.
Ignoro se existe uma Justia, ou Misericrdia;
mas no desespero: sou um homem sincero.
2
O que vale mais? Meditar numa taverna,
ou prosternado na mesquita implorar o Cu?
No sei se temos um Senhor,
nem que destino me reservou.
3
Olha com indulgncia aqueles que se embriagam;
os teus defeitos no so menores.
Se queres paz e serenidade, lembra-te
da dor de tantos outros, e te julgars feliz.
4
Que o teu saber no humilhe o teu prximo.
Cuidado, no deixes que a ira te domine.
Se esperas a paz, sorri ao destino que te fere;
no firas ningum.
5
Busca a felicidade agora, no sabes de amanh.
Apanha um grande copo cheio de vinho,
senta-te ao luar, e pensa:
Talvez amanh a lua me procure em vo.
6
No procures muitos amigos, nem busques prolongar
a simpatia que algum te inspirou;
antes de apertares a mo que te estendem,
considera se um dia ela no se erguer contra ti.
7
Alcoro, o livro supremo, pode ser lido s vezes,
mas ningum se deleita sempre em suas pginas.
No copo de vinho est gravado um texto de adorvel
sabedoria que a boca l, a cada vez com mais delcia.
8
H muito tempo, esta nfora foi um amante,
como eu: sofria com a indiferena de uma mulher;
a asa curva no gargalo o brao que enlaava
os ombros lisos da bem amada.
9
Que pobre o corao que no sabe amar
e no conhece o delrio da paixo.
Se no amas, que sol pode te aquecer,
ou que lua te consolar?
10
Hoje os meus anos reflorescem.
Quero o vinho que me d calor.
Dizes que amargo? Vinho!
Que seja amargo, como a vida.
11
intil a tua aflio;
nada podes sobre o teu destino.
Se s prudente, toma o que tens mo.
Amanh... que sabes do amanh?
12
Alm da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vo, o Cu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Cu e Inferno esto em ti.
13
No vamos falar agora, d-me vinho. Nesta noite
a tua boca a mais linda rosa, e me basta.
D-me vinho, e que seja vermelho como os teus lbios;
o meu remorso ser leve como os teus cabelos.
14
Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos.
Quem ir dizer se tero o Cu ou o Inferno?
Conheces algum que visitou esses lugares?
E ainda queres encher o mar com pedras?
15
Na sombra azulada do jardim
o ar da primavera renova as rosas
e ilumina os meigos olhos da minha amada.
Ontem, amanh... to grande o prazer agora.
16
Bebo, mas no sei quem te fez, grande nfora;
podes conter trs medidas de vinho, mas um dia
a Morte te quebrar. Numa outra hora perguntarei
como foste criada, se foste feliz, ou por que sers p.
17
Como o rio, ou como o vento,
vo passando os dias.
H dois dias que me so indiferentes:
O que foi ontem, o que vir amanh.
18
No me lembro do dia em que nasci;
no sei em que dia morrerei.
Vem, minha doce amiga, vamos beber deste copo
e esquecer a nossa incurvel ignorncia.
19
Khayyam, enquanto erguias a tenda da Sabedoria,
caste na fogueira da dor; agora s cinzas.
O Anjo Azrail cortou as cordas da tua tenda
e a Morte vendeu-a por uma ninharia.
20
intil te afligires por teres pecado;
tambm intil a tua contrio:
alm da morte estar o Nada,
ou a Misericrdia.
21
Cristos, judeus, muulmanos, rezam,
com medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos segredos de Deus, no iam plantar
as mesquinhas sementes do medo e da splica.
22
Na estao das rosas procuro um campo florido
e sento-me sombra com uma linda mulher;
no cuido da minha salvao: tomo o vinho
que ela me oferece; seno, o que valeria eu?
23
O vasto mundo: um gro de areia no espao.
A cincia dos homens: palavras. Os povos,
os animais, as flores dos sete climas: sombras.
O profundo resultado da tua meditao: nada.
24
Eu estava com sono e a Sabedoria me disse:
A rosa da felicidade no se abre para quem dorme;
por qu te entregares a esse irmo da morte?
Bebe vinho; tens tantos sculos para dormir.
25
Admito que j resolveste o enigma da Criao;
e o teu destino? Aceito que desvendaste a Verdade;
e o teu destino? Est bem, viveste cem anos felizes
e ainda tens muitos para viver; e o teu destino?
26
Ningum desvendar o Mistrio. Nunca saberemos
o que se oculta por trs das aparncias.
As nossas moradas so provisrias, menos aquela ltima.
No vamos falar, toma o teu vinho.
27
Olha, um dia a alma deixar o teu corpo
e ficars por trs do vu, entre o Universo
e o desconhecido. Enquanto no chega a hora,
procura ser feliz. Para onde irs depois?
28
Os sbios mais ilustres caminharam nas trevas da ignorncia,
e eram os luminares do seu tempo.
O que fizeram? Balbuciaram algumas frases confusas,
e depois adormeceram, cansados.
29
A vida um jogo montono que d dois prmios:
A Dor e a Morte.
Feliz a criana que expirou ao nascer;
mais feliz quem no veio ao mundo.
30
Na feira que atravessas no procures amigos
ou abrigo seguro. Aceita a dor que no tem remdio
e sorri ao infortnio; no esperes que te sorriam:
Seria tempo perdido.
31
O mundo gira, distrado dos clculos dos sbios.
Renuncia vaidade de contar os astros
e lembra-te: vais morrer, no sonhars mais,
e os vermes da terra cuidaro da tua carcaa.
32
Aquele que criou o Universo e as estrelas
exagerou quando inventou a dor.
Lbios vermelhos como rubis, cabelos perfumados,
quantos sois no mundo?
33
Velho mundo sob o passo do cavalo branco e negro
dos dias e das noites, s o palcio triste onde mil Djenchids
sonharam com a glria e mil Bahrams com o amor,
e a cada manh acordavam chorando.
34
Sono sobre a terra, sono debaixo da terra.
Sobre a terra, sob a terra: homens deitados.
Nada em toda a parte. Deserto.
Homens chegam, outros partem.
35
Enquanto o rouxinol lhe entoava um hino,
murchou a bela rosa por causa do vento sul.
Lamentaremos por ela ou por ns?
Quando morrermos, outra rosa desabrochar.
36
Se no tiveste a recompensa que merecias,
no te importes, no esperes nada;
j estava tudo nas pginas daquele livro
que o vento da eternidade vai virando ao acaso.
37
Quando me falam das delcias que na outra vida
os eleitos iro gozar, respondo:
Confio no vinho, no em promessas;
o som dos tambores s belo ao longe.
38
Bebe vinho, ele te devolver a mocidade,
a divina estao das rosas, da vida eterna,
dos amigos sinceros. Bebe, e desfruta
o instante fugidio que a tua vida.
39
Bebe o teu vinho. Vais dormir muito tempo
debaixo da terra, sem amigos, sem mulheres.
Confio-te um grande segredo:
As tulipas murchas no reflorescem mais.
40
Baixinho a argila dizia
ao oleiro que a torneava:
J fui como tu, no te esqueas,
no me maltrates.
41
Oleiro, vai com cuidado, trata bem a argila
com que Ado foi conformado.
Vejo no torno que moves a mo de Feridun,
o corao de Khosru... o que fizeste?
42
A tulipa rubra nasce no campo que foi regado
pelo sangue de um altivo rei.
A violeta brota do sinal de beleza que palpitava
na face de uma doce adolescente.
43
H tanto tempo giram os astros no espao;
h tanto tempo se revezam os dias e as noites.
Anda de leve na terra, talvez aonde vais pisar
ainda estejam os olhos meigos de um adolescente.
44
As razes do narciso que se inclina suave,
bebem a vida nos lbios mortos de uma mulher.
Pisa leve a relva macia, ela nasce das cinzas
de rostos to belos quanto as tulipas.
45
O oleiro ia modelando as alas e os contornos
de uma nfora. O barro que ele conformava
era feito de crnios de sultes
e mos de mendigos.
46
O bem e o mal se entrelaam no mundo.
No agradeas ao Cu
pela sorte que te coube, nem o acuses:
Ele indiferente.
47
Se em teu corao cultivaste a rosa do amor,
quer tenhas procurado ouvir a voz de Deus,
ou esgotado a taa do prazer,
a tua vida no foi em vo.
48
Vai com prudncia, viajante.
A estrada perigosa, a adaga do destino
acerada. No colhas as amndoas doces,
so venenosas.
49
Um jardim florido, uma bela mulher, e vinho.
Eis o meu prazer e a minha amargura,
o meu paraso e o meu inferno.
Mas quem sabe o que Cu e o que Inferno?
50
Com a tua face como a rosa, com o teu rosto belo,
como o de um dolo chins, no sabes
o que o teu olhar faz do rei da Babilnia?
Um bispo do xadrez, que foge da rainha.
51
A vida passa. O que resta de Bagdad e Balk?
A aragem mais leve fatal rosa j desabrochada.
Bebe o vinho, e contempla a lua:
lembra-te das civilizaes que ela j viu morrer.
5