Oswaldo Luiz Alves, Iara de Fátima Gimenez e Italo Odone...

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13 Cadernos Temáticos de Química Nova na Escola Edição especial – Maio 2001 Vidros O s materiais vítreos têm uma característica extremamente interessante: seja qual for a nossa necessidade, quase sempre te- mos a possibilidade de vir a utilizá-los nos mais diferentes contextos. Basta, para isto, olharmos ao nosso redor para verificarmos quão grande é a sua onipresença. Certamente, e até por isso, muitas vezes os vidros passam completamente desapercebidos, uma vez que, naturalmente, fazem parte da paisagem. Muito desta situação vem do fato de que os vidros são materiais conhe- cidos há bastante tempo. Alguns estu- diosos chegam mesmo a dizer que, provavelmente, estão entre os mate- riais mais antigos feitos pelo homem, sendo utilizados desde o início dos primeiros registros históricos. Assim, é praticamente impossível falarmos de tais materiais sem fazermos menção à própria História da Civilização. Apesar desta convivência, desta familiaridade, o que realmente sabe- mos sobre os vidros? Responder ape- nas que são materiais frágeis e que, em alguns casos, são transparentes, não nos parece oferecer a dimensão verdadeira de sua importância na so- ciedade moderna. Oswaldo Luiz Alves, Iara de Fátima Gimenez e Italo Odone Mazali Neste trabalho buscou-se abordar os aspectos históricos do desenvolvimento dos vidros enquanto materiais presentes no cotidiano, nas artes e na tecnologia. Adicionalmente, procurou-se desmistificar a definição clássica de vidros, na direção de abranger todos os exemplos conhecidos. Na seqüência, examinou-se brevemente os aspectos teóricos da formação de vidros pelo método clássico de fusão/resfriamento. Finalmente, abordou-se a preparação de vidros, do ponto de vista prático, suas aplicações modernas e, merecendo grande destaque atual, a questão ligada à reciclagem. evolução dos vidros, teoria da formação de vidros, aplicações de vidros, reciclagem de vidros Este artigo visa expandir os conhe- cimentos sobre estes fantásticos mate- riais, ao mesmo tempo tão antigos e tão modernos, procurando con- textualizá-los den- tro da história, da ciência e da tecno- logia relacionadas à sua fabricação, aplicações e impli- cações, sejam elas do cotidiano, da alta tecnologia ou da reciclagem. A arte de fazer vidro Tempos antigos: da Idade da Pedra à Renascença Os vidros nem sempre foram fabri- cados pelo homem. Os chamados vi- dros naturais podem ser formados quando alguns tipos de rochas são fundidas a elevadas temperaturas e, em seguida, solidificadas rapida- mente. Tal situação pode, por exemplo, ocorrer nas erupções vulcânicas. Os vidros naturais assim formados, deno- minados obsidian e tektites, permitiram aos humanos na Idade da Pedra con- feccionar ferramentas de corte para uso doméstico e para sua defesa. As características destes vidros naturais fizeram com que logo alcanças- sem alto valor ao longo da história, a ponto dos egípcios os considerarem como mate- rial precioso, sendo encon- trados em adornos nas tumbas e engastados nas máscaras mortuárias de ouro dos antigos Faraós. Como ocorre com grande parte dos mate- riais ditos antigos, o início de sua fabricação é, geralmente, in- certo. Plínio, o grande naturalista romano, nascido no ano 23 de nossa era, em sua enciclopédia Naturalis historia atribui aos fenícios a obtenção dos vidros. Segundo o relato, ao desem- barcarem nas costas da Síria há cerca de 7000 anos a.C., os fenícios improvi- saram fogões usando blocos de salitre sobre a areia. Observaram que, passa- do algum tempo de fogo vivo, escorria uma substância líquida e brilhante que se solidificava rapidamente. Admite-se que os fenícios dedicaram muito tem- po à reprodução daquele fenômeno, chegando à obtenção de materiais utilizáveis. Shelby, em seu livro Intro- duction to glass science and techno- Vidros naturais (obsidian e tektites) podem ser formados quando alguns tipos de rochas são fundidas a elevadas temperaturas, como ocorre em erupções vulcânicas, por exemplo

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Os materiais vítreos têm umacaracterística extremamenteinteressante: seja qual for a

nossa necessidade, quase sempre te-mos a possibilidade de vir a utilizá-losnos mais diferentes contextos. Basta,para isto, olharmos ao nosso redorpara verificarmos quão grande é a suaonipresença. Certamente, e até porisso, muitas vezes os vidros passamcompletamente desapercebidos, umavez que, naturalmente, fazem parte dapaisagem.

Muito desta situação vem do fatode que os vidros são materiais conhe-cidos há bastante tempo. Alguns estu-diosos chegam mesmo a dizer que,provavelmente, estão entre os mate-riais mais antigos feitos pelo homem,sendo utilizados desde o início dosprimeiros registros históricos. Assim, épraticamente impossível falarmos detais materiais sem fazermos menção àprópria História da Civilização.

Apesar desta convivência, destafamiliaridade, o que realmente sabe-mos sobre os vidros? Responder ape-nas que são materiais frágeis e que,em alguns casos, são transparentes,não nos parece oferecer a dimensãoverdadeira de sua importância na so-ciedade moderna.

Oswaldo Luiz Alves, Iara de Fátima Gimenez e Italo Odone Mazali

Neste trabalho buscou-se abordar os aspectos históricos do desenvolvimento dos vidros enquanto materiais presentesno cotidiano, nas artes e na tecnologia. Adicionalmente, procurou-se desmistificar a definição clássica de vidros, nadireção de abranger todos os exemplos conhecidos. Na seqüência, examinou-se brevemente os aspectos teóricos daformação de vidros pelo método clássico de fusão/resfriamento. Finalmente, abordou-se a preparação de vidros, doponto de vista prático, suas aplicações modernas e, merecendo grande destaque atual, a questão ligada à reciclagem.

evolução dos vidros, teoria da formação de vidros, aplicações de vidros, reciclagem de vidros

Este artigo visa expandir os conhe-cimentos sobre estes fantásticos mate-riais, ao mesmo tempo tão antigos etão modernos,procurando con-textualizá-los den-tro da história, daciência e da tecno-logia relacionadasà sua fabricação,aplicações e impli-cações, sejamelas do cotidiano,da alta tecnologia ou da reciclagem.

A arte de fazer vidro

Tempos antigos: da Idade da Pedra àRenascença

Os vidros nem sempre foram fabri-cados pelo homem. Os chamados vi-dros naturais podem ser formadosquando alguns tipos de rochas sãofundidas a elevadas temperaturas e,em seguida, solidificadas rapida-mente. Tal situação pode, por exemplo,ocorrer nas erupções vulcânicas. Osvidros naturais assim formados, deno-minados obsidian e tektites, permitiramaos humanos na Idade da Pedra con-feccionar ferramentas de corte parauso doméstico e para sua defesa.

As características destes vidrosnaturais fizeram com que logo alcanças-sem alto valor ao longo da história, a

ponto dos egípcios osconsiderarem como mate-rial precioso, sendo encon-trados em adornos nastumbas e engastados nasmáscaras mortuárias deouro dos antigos Faraós.

Como ocorre comgrande parte dos mate-riais ditos antigos, o início

de sua fabricação é, geralmente, in-certo.

Plínio, o grande naturalista romano,nascido no ano 23 de nossa era, emsua enciclopédia Naturalis historiaatribui aos fenícios a obtenção dosvidros. Segundo o relato, ao desem-barcarem nas costas da Síria há cercade 7000 anos a.C., os fenícios improvi-saram fogões usando blocos de salitresobre a areia. Observaram que, passa-do algum tempo de fogo vivo, escorriauma substância líquida e brilhante quese solidificava rapidamente. Admite-seque os fenícios dedicaram muito tem-po à reprodução daquele fenômeno,chegando à obtenção de materiaisutilizáveis. Shelby, em seu livro Intro-duction to glass science and techno-

Vidros naturais (obsidian etektites) podem ser

formados quando algunstipos de rochas sãofundidas a elevadas

temperaturas, como ocorreem erupções vulcânicas,

por exemplo

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logy (Introdução à ciência e tecnologiado vidro), oferece-nos um cenário suge-rindo que a combinação de sal marinho(NaCl), e talvez ossos (CaO), presentesnos pedaços de madeira utilizados parafazer fogo sobre a areia (SiO2), na beirada água salgada do mar (o Medi-terrâneo?), reduziria suficientemente oseu ponto de fusão, de tal modo quevidro bruto, de baixa qualidade, poderiaser formado. Posteriormente, a artevidreira teria sido difundida através doEgito e Mesopotâmia, sendo desen-volvida e consolidada em todos oscontinentes.

E o vidro segue seu caminho atra-vés da civilização. A ação do homem,agora, faz-se sentir. O casamento entrecerâmica e vidro data já do Egito antigo,dado que, quando as cerâmicas eramqueimadas, a presença acidental deareias ricas em cálcio e ferro, combi-nadas com carbonato de sódio, poderiater sido o resultado dascoberturas vitrificadas,observadas nas peçasdaquela época. Sãotambém do Egito anti-go a arte de fazer vi-dros (isentos de cerâ-mica) e a adição decompostos de cobre ecobalto para originar astonalidades azuladas.

Um desenvolvi-mento fundamental naarte de fazer objetos de vidro deu-se porvolta do ano 200 a.C., quando artesãossírios da região da Babilônia e Sidondesenvolveram a técnica de sopragem.Através desta, um tubo de ferro deaproximadamente 100 a 150 cm decomprimento, com uma abertura de 1cm de diâmetro, permitia ao vidreirointroduzi-lo no forno contendo a massade vidro fundida, e retirar uma certaquantidade que, soprada pela extremi-dade contrária, dava origem a uma peçaoca. Data desta época, também, autilização de moldes de madeira para aprodução de peças de vidro padroni-zadas. Os primeiros vidros incolores,entretanto, só foram obtidos por volta de100 d.C., em Alexandria, graças à intro-dução de óxido de manganês nas com-posições e de melhoramentos impor-tantes nos fornos, como a produção dealtas temperaturas e o controle da

atmosfera de combustão,os quais tiveram marcadainfluência sobre a quali-dade dos vidros e permi-tiram uma fusão mais efi-ciente dos materiais cons-tituintes.

Desde o princípio, osvidros fabricados tiveramum caráter utilitário, per-mitindo a construção deânforas, vasos, utensíliospara decoração etc. En-tretanto, a idade do luxodo vidro foi o período doImpério Romano. A quali-dade e o refinamento daarte de trabalhar com vi-dro permitiam criar jóiase imitações perfeitas depedras preciosas.

Recorremos à Tabela 1para continuarmos con-

tanto esta história, resu-mindo alguns aspectosapresentados e avan-çando outros; tais infor-mações permitem-nosfazer alguns comentá-rios adicionais sobre osvitrais. Trata-se, na reali-dade, de pequenos pe-daços de vidro polido,de até 15 cm de diâ-metro, rejuntados comtiras de chumbo e fixa-

dos nas construções formando janelas.O período de ouro desta técnica deu-seno século XV. Catedrais, igrejas, palá-

cios, átrios e residências tinham janelasdecoradas com vitrais. Na Figura 1 émostrado um dos magníficos vitrais queornamentam a Catedral de Chartres, naFrança. Alguns historiadores conside-ram que a expansão e difusão dos vi-trais tenha sido conseqüência direta dasaltas janelas utilizadas na arquitetura dascatedrais góticas.

Ao nos confrontarmos com a histó-ria dos vidros, fica clara a importânciados povos que habitavam o Mediterrâ-neo e o Adriático. Neste particular,Veneza teve papel fundamental, sobre-tudo na Idade Média, por contar comum grande número de vidreiros, forte-

Tabela 1: Períodos e regiões onde foram desenvolvidas importantes inovações na artevidreira antiga.

Período Região Desenvolvimento

8000 a.C. Síria(?) Primeira fabricação de vidros pelos fenícios

7000 a.C. Egito Fabricação dos vidros antigos

3000 a.C. Egito Fabricação de peças de joalheria e vasos

1000 a.C. Mediterrâneo Fabricação de grandes vasos e bolas

669-626 a.C. Assíria Formulações de vidro encontradas nas tábuas dabiblioteca do Rei Assurbanipal

100 Alexandria Fabricação de vidro incolor

200 Babilônia e Sidon Técnica de sopragem de vidro

1000-1100 Alemanha, França Técnica de obtenção de vitrais

1200 Alemanha Fabricação de peças de vidro plano com um dos ladoscobertos por uma camada de chumbo - antimônio:espelhos

1688 França Fabricação de espelhos com grandes superfícies

Figura 1: Vitral Oeste. Catedral de Chartres (França). A figurarepresenta a genealogia de Cristo.

Os primeiros vidrosincolores foram obtidos

por volta de 100 d.C., emAlexandria, graças à

introdução de óxido demanganês nas composiçõese de melhoramentos nosfornos, como a produçãode altas temperaturas e ocontrole da atmosfera de

combustão

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mente influenciados pela arte islâmica.Na Renascença, mais especificamenteno século XVII, houve um declínio da artede fazer vidros atribuído, em parte, aoaparecimento das técnicas de corte.Muitos dos artesãos venezianos daépoca expatriaram-se para a Alemanha,radicando-se nas florestas da Bavária eda Bohemia. Tais artesãos passaram aproduzir um vidro de cor esverdeadaque, depois de polido, recebia o nomede vidro florestal ou vidro da floresta, doalemão Waldglas. Na Figura 2 é mos-trado um dos fornos onde estes vidroseram fabricados, podendo, inclusive, serobservadas algumas ferramentas.

A arte da fabricação de vidros foi re-sumida em 1612 por Neri, em umafamosa publicação denominada L’ArteVetraria, traduzida para o latim e outraslínguas vernaculares. Não obstante estelivro conter informações úteis, comentaMichael Cable, não passava de um “livrode receitas”, onde as bases do entendi-mento da ciência do vidro só poderiamsurgir se acompanhadas de um melhorentendimento da química e da física.

Desenvolvimentos da química eramnecessários para permitir a análise tantodos vidros quanto das matérias-primas,e ainda o entendimento das diferençasentre os elementos, tais como o sódio epotássio ou cálcio e magnésio. Desen-volvimentos da física, por outro lado,eram necessários para o entendimentodo que era o calor, por alguns intuídocomo uma forma de elemento químico.A esta altura, tanto o fundido resultantecomo a solidificação e a formação dosvidros não eram entendidos.

Tempos Modernos: da Renascença àatualidade

Os séculos XVIII, XIX e XX marca-ram importantes desenvolvimentos

tanto na fabricação quanto na aplica-ção dos vidros, os quais, por que nãodizer, experimentaram a sua populari-zação enquanto material de produçãointensiva. Seria difícil e demandariamuito espaço a descrição destes avan-ços. Por conseguinte, recorreremos àTabela 2, onde apresentamos aquelesque, ao nosso juízo, constituem-se nospontos de destaque destes últimos 300anos.

Atualmente as pesquisas estãoconcentradas nos vidros à base deóxidos utilizando processos tradicio-nais de fusão. Nos últimos 20 anos fo-ram desenvolvidos novos processosde fabricação de vidros, como o pro-cesso sol-gel (totalmente químico em

Figura 2: Ilustração de um forno para a fa-bricação de vidro segundo a GeorgiusAgricola’s De Re Metallica (1556); (a) tubosoprador de vidro; (b) janela pequena mó-vel; (c) janela por onde era retirado o vidro;(d) pinça e (e) moldes através dos quaisas formas das peças eram produzidas.

Tabela 2: Principais estudos e desenvolvimentos dos vidros nos últimos 300 anos.

Data Estudos e Desenvolvimentos

1765 Início da produção do vidro cristal1787 Utilização de aparelhos de vidro para o estudo das propriedades físicas dos

gases: Lei de Boyle e Charles1800 Revolução industrial abre nova era na fabricação de vidros. Matérias-primas

sintéticas são usadas pela primeira vez. Vidros com propriedades controladassão disponíveis

1840 Siemens desenvolve o forno do tipo tanque, para a produção de vidro emgrande escala; produção de recipientes e vidro plano

1863 Processo “Solvay” reduz dramaticamente o preço da principal matéria-primapara fabricação de vidros: óxido de sódio

1875 Vidros especiais são desenvolvidos na Alemanha por Abbe, Schott e CarlZeiss. A Universidade de Jena, na Alemanha, torna-se o maior centro deciência e engenharia do vidro. A química do vidro está em sua infância

1876 Bauch & Lomb Optical Company é fundada em Rochester, Nova York. Teminício a fabricação de lentes e outros componentes ópticos

1881 Primeiros estudos sobre propriedade-composição de vidros para a construçãode instrumentos ópticos, tais como o microscópio

1886 Desenvolvida por Ashley a primeira máquina para soprar vidro1915 A Universidade de Sheffield, na Inglaterra, funda o Departamento de

Tecnologia do Vidro, hoje chamado Centro para a Pesquisa do Vidro1920 Griggith propõe a teoria que permite compreender a resistência dos bulbos

de vidro, o que levou ao entendimento e aperfeiçoamento da resistência dosvidros

1926 Wood e Gray desenvolveram uma máquina que permitiu a fabricação debulbos e invólucros de vidro em grande escala (1000 peças/minuto)

1932 Zachariasen publica seu famoso trabalho sobre a hipótese da rede aleatóriae as regras para a formação de vidros no Journal of American Chemical Society

1950-1960 A companhia americana Ford Motor Co. funda o principal centro de pesquisaem vidro. A Ciência do Vidro torna-se sua maior área de pesquisa

1960 Turnbull e Cohen propõem modelo para a formação de vidros, baseado nocontrole da cristalização através da taxa de resfriamento

1970 A Corning Glass americana produz a primeira fibra óptica de sílica, usandotécnicas de deposição de vapor químico para reduzir a atenuação e aumentaro sinal da transmissão

1984 Marcel e Michel Poulain e Jacques Lucas descobrem os primeiros vidrosfluoretos em Rennes, na França

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que não se usa a fusão) e os processosbaseados na deposição química devapor. No que diz respeito às outrasfamílias de vidros que não os óxidos,têm sido objeto de estudo os vidroshaletos, calcogenetos e calcohaletos.

Como são definidos os vidros?Do ponto de vista básico, os primei-

ros estudos sobre vidros foram reali-zados por Michael Faraday, em 1830,o qual definiu vidros como sendo mate-riais “mais aparentados a uma soluçãode diferentes substâncias do que umcomposto em si”.

Inicialmente, as definições de vidrobasearam-se no conceito de visco-sidade de sólidos, tendo em vista que,até então, os vidros eram preparadosunicamente por fusão/ resfriamento.Segundo o critério de viscosidade, umsólido é um material rígido, que não es-coa quando submetido a forças mode-radas. Quantitativamente, um sólidopode ser definido como um materialcom viscosidademaior do que 1015 P(poises). Com basenesse conceito, defi-niu-se vidro como “ummaterial formado peloresfriamento do estadolíquido normal (ou fun-dido), o qual exibemudanças contínuasem qualquer tempera-tura, tornando-se maisou menos rígido atra-vés de um progressivoaumento da viscosi-dade, acompanhado da redução datemperatura do fundido”. Tal definiçãopoderia ser assim resumida: “vidro éum produto inorgânico fundido, queatinge por resfriamento uma condiçãorígida, sem que ocorra cristalização.”

Na tentativa de explicar a estruturados vidros, Lebedev propôs, em 1921,a Hipótese do Cristalito, a qual consi-derava os vidros como “um fundidocomum consistindo de cristais alta-mente dispersos”. A hipótese de Le-bedev levava em conta a inter-relaçãoentre as propriedades e a estrutura in-terna dos vidros, sendo proposta muitoantes dos primeiros resultados pro-venientes dos métodos estruturaisbaseados na difração de raios-X. Hoje

em dia ninguém considera a Hipótesedo Cristalito para explicar a estruturados vidros; contudo, a mesma foi dis-cutida e amplamente considerada porvários anos.

Em 1932, Zachariasen publicou ofamoso artigo The Atomic Arrangementin Glass (O Arranjo Atômico em Vidros),e afirmava que “deve ser francamenteadmitido que não conhecemos prati-camente nada sobre o arranjo atômicodos vidros”.

A base estrutural para a formaçãode vidros por fusão/resfriamento foi fir-mada por Zachariasen, que propôsque “o arranjo atômico em vidros eracaracterizado por uma rede tridimen-sional estendida, a qual apresentavaausência de simetria e periodicidade”e que “as forças interatômicas eramcomparáveis àquelas do cristal corres-pondente”. Ainda segundo o pesqui-sador, a presença ou ausência deperiodicidade e simetria em uma redetridimensional seria o fator de diferen-

ciação entre um cris-tal e um vidro.

A Figura 3a se valede uma representa-ção bidimensional pa-ra apresentar o ar-ranjo cristalino simé-trico e periódico deum cristal de compo-sição A2O3, enquantoa Figura 3b mostra arede do vidro para omesmo composto,onde fica caracteriza-da a ausência de si-

metria e periodicidade.Englobando-se a Hipótese da Rede

Aleatória de Zachariasen ao conceitode vidro aceito na época da publicaçãodo trabalho, poderíamos chegar àseguinte definição: “vidro é um produtoinorgânico fundido, baseado principal-mente em sílica, o qual foi resfriadopara uma condição rígida sem cristali-zação, formando uma rede tridimen-sional estendida aleatória, isto é, comausência de simetria e periodicidade”.

Relativamente a esta última defini-ção, poderíamos fazer algumas impor-tantes indagações, cujas respostassurgiram com o próprio processo deevolução do conhecimento científico:

• A sílica é um componente neces-

sário para a formação de um vidro?• Vidros são obtidos somente a par-

tir de compostos inorgânicos?• A fusão dos componentes é ne-

cessária para a formação de um vidro?Para as três perguntas, temos uma

única resposta: não!Podemos formar uma número qua-

se ilimitado de vidros inorgânicos, osquais não contêm sílica. Tradicional-mente, a maioria dos vidros são forma-dos por compostos inorgânicos, po-rém, atualmente, os vidros metálicos eos vidros orgânicos são bastante co-

Figura 3: Representação bidimensional: (a)do arranjo cristalino simétrico e periódicode um cristal de composição A2O3; (b)representação da rede do vidro do mesmocomposto, na qual fica caracterizada aausência de simetria e periodicidade.

A

B

Por definição, “vidro é umsólido não cristalino,

portanto, com ausência desimetria e periodicidadetranslacional, que exibe o

fenômeno de transiçãovítrea, podendo ser obtido

a partir de qualquermaterial inorgânico,

orgânico ou metalálico eformado através dequalquer técnica de

separação”

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nhecidos. É importante salientar que anatureza química do material não podeser usada como critério para definir vi-dro. Na Tabela 3 é apresentada, a títulode exemplo, uma relação de compos-tos que podem ser obtidos no estadovítreo, pelo processo de fusão/resfria-mento.

Como comentamos de passagem,os vidros podem ser formados por umgrande número de processos: deposi-ção química de vapor, pirólise, irradia-ção de nêutrons e processo sol-gel, en-tre outros. O vidro silicato de sódio, porexemplo, pode ser obtido por evapo-ração de uma solução aquosa desilicato de sódio (conhecido como “vi-dro líquido”) seguida, posteriormente,de tratamento térmico (eliminação daágua residual). O mais interessantedesta situação é que o produto obtidopor este processo é indistinguível dovidro silicato de sódio, de mesma com-posição, produzido pelo método clás-sico de fusão/resfriamento.

As respostas dadas a estas indaga-ções deixaram clara a necessidade dese adequar continuamente a definiçãode vidros. Assim, novas e diferentesdefinições têm surgido nos livros-textoe na literatura científica. A Tabela 4 traz,de maneira resumida, algumas dasdefinições utilizadas.

Nas definições modernas de vidro

identificamos o uso freqüente dasexpressões sólido não-cristalino, sólidoamorfo, material vítreo (ou simplesmen-te vidro). Tais expressões são usual-mente utilizadas como sinônimas. Em1995, Gupta publicou o artigo denomi-nado Non-Crystalline Solids: Glassesand Amorphous Solids (Sólidos Não-Cristalinos: Vidros e Sólidos Amorfos),no qual mostra que cada uma dessas

expressões implica num conceitoespecífico e, portanto, não podem sertomadas como sinônimas.

De acordo com Gupta, um sólidonão-cristalino pode ser dividido, doponto de vista termodinâmico, em duasclasses distintas: vidros e sólidos amor-fos. Sólidos não-cristalinos seriamtodos aqueles materiais que apresen-tassem uma rede tridimensional esten-dida e aleatória, isto é, com ausênciade simetria e periodicidade translacio-nal. Considerando-se o aspecto termo-dinâmico, um sólido não-cristalino seriaum vidro quando este apresentasse ofenômeno de transição vítrea. Conse-quentemente, sólidos amorfos seriamsólidos não-cristalinos que não exibis-sem a transição vítrea.

Segundo Gupta, as definições resu-midas na Tabela 4 apresentariam umaimprecisão, na medida em que consi-deram como vidros os sólidos amor-fos. Os vidros e os sólidos amorfosseriam duas classes distintas demateriais não-cristalinos, uma vez queapresentam diferenças tanto do pontode vista topológico como do termodi-nâmico.

Feitas estas considerações, o que,afinal, seria um vidro? Como resposta,poderíamos dizer que “um vidro é umsólido não-cristalino, portanto, comausência de simetria e periodicidade

Tabela 3: Espécies químicas formadoras de vidro pelo processo de fusão-resfriamento.

Elementos S, Se, P, Te (?)

Óxidos B2O3, SiO2, GeO2, P2O5, As2O3, Sb2O3, In2O3, Tl2O3, SnO2, PbO2, SeO2

Sulfetos As2S3, Sb2S3, CS2Vários compostos de B, Ga, In, Te, Ge, Sn, N, P, Bi

Selenetos Vários compostos de Tl, Sn, Pb, As, Sb, Bi, Si, P

Teluretos Vários compostos de Tl, Sn, Pb, As, Sb, Bi, Ge

Haletos Vidros cloretos multicomponentes baseados em ZnCl2, CdCl2, BiCl3,ThCl4Vidros fluoretos à base de BeF2, AlF3, ZrF4, HfF4

Nitratos KNO3–Ca(NO3)2 e muitas outras misturas binárias contendo nitratosalcalinos e alcalino-terrosos

Sulfatos KHSO4 e outras misturas binárias e ternárias

Carbonatos K2CO3 – MgCO3

Acetatos Na(CH3COO), Li(CH3COO)

Compostos o-terfenil, tolueno, 3-metil-hexano, 2,3-dimetil cetona, etilenoglicol,orgânicos simples álcool metílico, álcool etílico, glicerol, éter etílico, glicose

Compostosorgânicos Poliestireno (-CH2-)npoliméricos

Ligas metálicas Au4Si, Pd4Si

Tabela 4: Definições de vidros encontradas em livros-texto publicados na década de 90.

Definição

“Vidros são materiais amorfos que não possuem ordem transla-cional a longo alcance (periodicidade), característica de um cristal.Os termos amorfo e sólido não-cristalino são sinônimos nesta de-finição. Um vidro é um sólido amorfo que exibe uma transiçãovítrea.”

“Um vidro é um sólido não-cristalino exibindo o fenômeno de tran-sição vítrea.”

“Vidro é um sólido amorfo. Um material é amorfo quando não temordem a longa distância, isto é, quando não há uma regularidadeno arranjo dos constituintes moleculares, em uma escala maiordo que algumas vezes o tamanho desses grupos. Não é feitadistinção entre as palavras vítreo e amorfo.”

“Vidro é um sólido que tem a estrutura do tipo de um líquido, umsólido “não-cristalino” ou simplesmente um sólido amorfo, consi-derando a característica de amorfo como uma descrição da desor-dem atômica, evidenciada pela técnica de difração de raios-X.”

“Vidro é um sólido amorfo com ausência completa de ordem alongo alcance e periodicidade, exibindo uma região de transiçãovítrea. Qualquer material, inorgânico, orgânico ou metal, formadopor qualquer técnica, que exibe um fenômeno de transição vítreaé um vidro.”

Autor [Ano]

Elliott [1990]

Zarzycki [1991]

Doremus [1994]

Varshneya [1994]

Shelby [1997]

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translacional, que exibe o fenômeno detransição vítrea (...), podendo serobtido a partir de qualquer materialinorgânico, orgânico ou metálico eformado através de qualquer técnicade preparação”.

Formação de vidrosNeste tópico serão abordados

aspectos da formação de um vidro, apartir de um fundido, dado ser este ométodo de preparação mais importan-te em termos práticos. Em seguida, asteorias de formação vítrea serão breve-mente examinadas, tanto pela pers-pectiva estrutural quanto do ponto devista cinético.

Formação de vidro a partir de umfundido

Os vidros convencionais são pro-duzidos tradicionalmente através dométodo de fusão/resfriamento. Estemétodo envolve a fusão de umamistura dos materiais de partida, emgeral a altas temperaturas, seguida doresfriamento rápido do fundido. Quan-do as matérias-primas de um vidro seencontram fundidas, suas estruturasguardam grandes semelhanças comaquelas de um líquido. Contudo, à me-dida em que ocorre o resfriamento, oarranjo estrutural interno do materialfundido pode trilhar diferentes cami-nhos, de acordo com a taxa de resfria-mento utilizada. Como mostra a Figura4, um parâmetro conveniente para lan-çar alguma luz sobre o que ocorre inter-namente, durante tal processo, é avariação do volume.

Quando se fala nos diferentesarranjos internos, eqüivale dizer queexistem várias maneiras de se empa-cotar as unidades formadoras, incor-porando quantidades maiores ou me-nores de espaços vazios, segundo asorientações relativas das unidades.Para melhor compreensão, basta quese imagine a diferença entre os modosordenado e desordenado de se empi-lhar um conjunto de objetos quaisquer.Um empilhamento organizado repre-senta um melhor aproveitamento doespaço, fazendo com que o conjuntotodo “caiba” tranqüilamente dentro deuma caixa, por exemplo. Por outro lado,se todos os objetos forem dispostosao acaso, alguns fatalmente ficarão de

fora, devido a um excesso de espaçoocioso. Analogamente, como pode serverificado a partir da Figura 4, o arranjocristalino que um fundido pode assu-mir, após o resfriamento, apresenta umvolume menor do que o estado vítreo.

Ao ser resfriado abaixo de suatemperatura de líquido (TL), um fundidoatravessa uma região de equilíbriometaestável, ou seja, uma situação deequilíbrio termodinâmico incipiente, oqual pode ceder frente a pequenas per-turbações podendo, por exemplo,cristalizar-se. Durante o processo decristalização, faz-se necessário umcerto tempo para que as pequenas uni-dades se orientem, até atingirem as po-sições adequadas para formar o cristal.É por isto que um resfriamento rápidofaz com que as unidades percam amobilidade antes de se ordenarem. Sea cristalização não ocorrer, o líquidopermanecerá no estado de equilíbriometaestável, abaixo de TL.

Como já mencionado, conforme atemperatura diminui, aproxima-se deuma condição em que a mobilidade,em nível atômico, dentro do líquido,torna-se bastante reduzida e os áto-mos fixam-se em suas posições. Talfenômeno ocorre em uma faixa de tem-

peraturas denominada transição vítrea.Por definição, o ponto de interseçãodas linhas extrapoladas, que definema região metaestável e a região de vi-dro, é o parâmetro conhecido como Tg(temperatura de transição vítrea – verquadro). A Tg é, mais rigorosamente, ointervalo de temperaturas em que teminício a chamada relaxação estrutural,quando algumas propriedades comoviscosidade, capacidade calorífica eexpansão térmica começam a manifes-tar um comportamento diferente dopadrão verificado até então. A relaxa-ção estrutural ocorre em conseqüênciado desimpedimento dos movimentosdas cadeias umas em relação às ou-tras (movimento translacional). Reite-rando: quando um vidro é formado apartir de um fundido, o processoenvolve a homogeneização dos com-ponentes acima de TL, e o resfriamentoabaixo de Tg. A velocidade de resfria-mento deve ser suficientemente eleva-da para que não se forme uma quanti-dade significativa de cristais, uma vezque o vidro completamente não-crista-lino é uma situação ideal. No outroextremo, temos o cristal ideal. A veloci-dade de resfriamento necessária de-pende das cinéticas de nucleação ecrescimento.

De onde viria a capacidade de formarvidro? – Teorias de formação

Além da conceituação de vidro, dacompreensão de sua estrutura e decomo ocorre sua formação a partir deum fundido, outra questão que intrigaas pessoas, no que se refere à existên-cia dos vidros, é por que certas subs-tâncias têm mais facilidade em se apre-sentarem no estado vítreo do queoutras. Para responder tal pergunta, vá-rias teorias foram desenvolvidas. Le-vando-se em consideração que, nosprimeiros vidros conhecidos, o compo-nente principal era a sílica, parecebastante natural que as primeiras teo-rias se tenham baseado nos estudosde silicatos fundidos, sendo apenasposteriormente estendidas aos outrostipos de vidros. Duas abordagensdiferentes governaram o estabeleci-mento das diversas teorias. A primeirabuscou dar conta da capacidade deformação vítrea a partir de caracterís-ticas químicas e estruturais dos forma-

Figura 4: Mudança de volume durante oresfriamento de um líquido. Se o apareci-mento de cristais ocorrer facilmente, o volu-me diminuirá de maneira brusca na tempe-ratura TL. Por outro lado, na ausência decristalização, o líquido permanecerá emequilíbrio metaestável até atingir a Tg, quan-do os rearranjos estruturais passarão a sercineticamente impedidos. Contudo, o volu-me abaixo da Tg continuará a diminuir,como conseqüência das menores ampli-tudes de vibração dos átomos em torno desuas posições fixas.

Vidros

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dores clássicos (teorias estruturais). Aoutra, mais moderna, voltou-se para aformação vítrea como sendo umacapacidade de todo e qualquer mate-rial, desde que hajam condiçõesadequadas, de evitar a cristalização(teorias cinéticas). Muitas vezes,preparar um vidro não-convencionalimplica no uso de velocidades deaquecimento e resfriamento muitíssimoelevadas, ou mesmo no emprego demétodos de preparação diferentes defusão/resfriamento.

Teorias estruturaisVislumbrando descrever os fatores

químicos determinantes da tendênciaa formar um vidro com maior facilidade,o ponto de partida das teorias estrutu-rais passa pela descrição da estruturavítrea de suas unidades formadoras,como resultante de pequenas varia-ções em ângulos e comprimentos dasligações químicas. Ao se atribuir umcaráter não-cristalino a um vidro, o quese diz, na verdade, é que o materialnão apresenta um ordenamento perió-dico (uma porção da estrutura que serepete) a médias e longas distâncias,apresentando apenas um ordenamen-to a curtas distâncias.

O conceito de ordem a curta distân-cia pressupõe a existência de uma uni-dade formadora bem definida em umvidro de sílica, por exemplo, as cadeiasconstituem-se de unidades tetraédri-cas SiO4, todas muito parecidas entre

si, e ligadas umas às outras formandocadeias. Entretanto, não é possível lo-calizar cadeias de tetraedros SiO4, queestejam dispostas todas da mesmamaneira, como se fossem repetiçõesumas das outras.

Uma analogia interessante seriaimaginar um átomo de silício “míope”,em um vidro de sílica. Tal átomo nãosaberia dizer se está presente em umcristal ou em um vidro. Isto dar-se-iaporque, ao olhar ao redor, enxergariaapenas os quatro oxigênios maispróximos, todos praticamente à mes-ma distância e configurando um tetrae-dro. Todavia, talvez não percebesse aexistência de variações muito sutis nes-tes ângulos e distâncias, mas que sãosuficientes para que o material comoum todo perca o ordenamento. A capa-cidade de uma substância de incor-porar estas pequenas variações, emuma situação de viscosidade alta osuficiente para que as unidades nãose ordenem em um arranjo cristalino,está diretamente ligada à facilidade deformar vidro.

Formação de vidros óxidos

Considerando-se que os vidros demaior importância comercial são ba-seados em óxidos, as teorias estru-turais mais difundidas são aquelas queconseguem explicar e prever, commaior sucesso, a formação destes vi-dros. A mais simples e mais antiga teo-ria de formação de vidros baseou-se

na observação de Goldschmidt, de quevidros com fórmula geral RnOm formam-se mais facilmente quando a razão dosraios iônicos do cátion R e do oxigêniose encontra na faixa entre 0,2 e 0,4.Uma vez que as razões nesta faixatendem a produzir cátions circundadospor quatro átomos de oxigênio, emuma configuração tetraédrica – carac-terística comum a todos os vidros co-nhecidos àquela época –, Goldschmidtacreditava que tais requisitos seriamessenciais à formação de um vidro.

As idéias deste autor foram estendi-das por Zachariasen (1932), em umatentativa de explicar por que certas co-ordenações (número de oxigênios aoredor do cátion R) favorecem a for-mação vítrea. Essencialmente,Zachariasen notou que aqueles óxidosque formavam mais prontamente umvidro, ao invés de se cristalizarem,exibiam a capacidade de formar ca-deias, na forma de conjuntos de tetrae-dros, conectados entre si pelos vérti-ces. Vale comentar que as formascristalinas também podem apresentartais cadeias; contudo, no vidro, estasperdem a simetria e a periodicidade.Sendo assim, Zachariasen estabeleceuque a formação de cadeias seria umacondição fundamental para a existên-cia de um vidro e extraiu, como conse-qüência deste requisito, outras con-clusões sobre o arranjo ao redor dosátomos da rede. Em primeiro lugar,nenhum átomo de oxigênio deveriaestar ligado a mais do que dois cátionsda rede, posto que as coordenaçõesde mais alta ordem impediriam asvariações nos ângulos das ligaçõescátion-oxigênio, necessárias à forma-ção de uma rede não-cristalina. Notou-se, entre os vidros conhecidos até en-tão, que sua estrutura era formada ape-nas por cátions de rede em coorde-nação triangular (B2O3) ou tetraédrica(SiO2, P2O5, GeO2), e que havia umatendência destas estruturas a que oscátions se localizassem tão afastadosuns dos outros quanto possível. Taisobservações sustentaram a raciona-lização de que o número de oxigêniosao redor do cátion deveria ser peque-no, e que os poliedros deveriam estarligados entre si pelos vértices, nuncapor faces ou arestas, a fim de distanciaro máximo possível os cátions. Por fim,

Transição vítreaA temperatura de transição vítrea, Tg, é uma temperatura característica para os vidros,definindo a passagem do estado vítreo para o estado viscoelástico, através da chamadarelaxação estrutural. Os conceitos de estado vítreo e viscoelástico são emprestados daReologia (estudo das propriedades associadas à fluidez). O termo viscoelástico descreveo comportamento de um corpo que responde elasticamente a uma força aplicada,portanto, sem apresentar uma deformação permanente. Adicionalmente, tal respostaelástica não é instantânea, devido a um componente significativo de viscosidade. Emcontrapartida, o comportamento vítreo está associado a um corpo que não pode serdeformado nem permanentemente nem elasticamente, sendo mais propenso a absorvera energia e dissipá-la, quebrando-se. Quando se aquece um vidro acima da Tg, ocomportamento viscoelástico tem início, devido à possibilidade das cadeias escoaremumas em relação às outras, dentro do vidro. Sendo assim, quando uma força é aplicada,as cadeias se movimentam, mas a atração que existe entre as mesmas as faz retornarelasticamente à situação inicial, com uma velocidade relativamente baixa, devido àelevada viscosidade. Diz-se, neste caso, que ocorre um aumento na chamada entropiaconfiguracional do sistema, o que significa que, à medida que as unidades formadorasdo vidro adquirem a capacidade de escoamento, estas podem ser encontradas em umnúmero cada vez maior de diferentes arranjos relativos.

Vidros

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o caráter tridimensional da rede vítrea,ou seja, que pelo menos três dos vérti-ces do poliedro de oxigênio sejamcompartilhados com outros poliedros.

Finalmente, Stanworth procuroujustificar o papel de diferentes tipos decátions em um vidromisto, com base naeletronegatividadedos mesmos. Os cá-tions, cuja ligaçãocom oxigênio fossealgo em torno de 50%iônica e 50% cova-lente, atuariam comoformadores de rede.Outros cátions, com eletronegati-vidades muito baixas, e cuja ligaçãocom o oxigênio apresentasse umcaráter fortemente iônico, causariamuma descontinuidade da rede, ou seja,sua quebra, sendo batizados demodificadores de rede. E os cátionsque, por si só, não formam vidros comfacilidade, mas que, misturados aosformadores típicos, podem substituí-los na rede, foram classificados porStanworth como intermediários.

Teorias cinéticas de formação de vidrosA habilidade para a formação de

vidro, do ponto de vista cinético, podeser encarada como uma medida darelutância do sistema em sofrer cristali-zação durante o resfriamento do fundi-do. Logo, a formação de vidro podeser considerada em termos de umacompetição entre as velocidades decristalização e de resfriamento. Não sepretende, aqui, realizar um aprofunda-mento no formalismo matemático de-senvolvido para quantificar estesprocessos. Tais deduções poderão serexaminadas no corpo das referênciasbibliográficas sugeridas.

Formalmente, o termo cristalizaçãose refere à combinação de dois pro-cessos: nucleação e crescimento. Aetapa de nucleação tem lugar quandoo sistema começa a se ordenar emalguns pontos, chamados núcleos. Naverdade, as duas etapas podemocorrer simultaneamente, mas sãodistintas com relação à lei de veloci-dades que obedecem. A etapa denucleação é muito importante, pois senão houver núcleos presentes acristalização jamais ocorreria. Por sua

vez, o impedimento do crescimentopode acarretar a existência de núcleoscom tamanho muito reduzido, a pontode não serem detectados, mas o ma-terial, em termos práticos, ainda poderáser considerado um vidro. Neste

contexto, as veloci-dades de nucleação ecrescimento, junta-mente com a taxa deresfriamento, deter-minam se um vidro éou não formado.

Esta abordagempermite considerar osfatores que conduzem

à baixas velocidades críticas de res-friamento, e de que forma tais fatoresse correlacionam com as teorias estru-turais, tratadas anteriormente. A vis-cosidade dos fundidos é claramenteum fator importante na formação vítrea.A cristalização será fortemente impe-dida se o fundido apresentar umaviscosidade alta na temperatura defusão. Alternativamente, se, ao invés deuma viscosidade alta do fundido, esteapresentar uma variação rápida daviscosidade com a temperatura, umefeito análogo àquele de uma visco-sidade alta será observado.

Dentre os outros fatores que favore-cem a formação dos vidros, merecemdestaque os elevados valores da razãoTg/TL (Figura 4). Considerando-se que aformação de um vidro requer o resfria-mento a partir de TL até Tg, valoresgrandes de Tg/TL são indicativos de queuma composição pode formar vidro comfacilidade. A justificativa passa pela lem-brança de que, se Tg/TLé grande, o intervalo en-tre a Tg e TL é pequenoe a perda da mobilidadedas cadeias ocorre combastante rapidez. Junte-se a isto, como outrofator importante, umagrande diferença decomposição entre ocristal e o líquido, o queirá dificultar a separaçãoda fase cristalina. Aqui entra em jogo umfator chamado tensão interfacial, querepresenta uma espécie de força derepulsão, existente na fronteira entreduas fases quimicamente diferentes.

Enquanto a habilidade para formar

um vidro é definida em termos da resis-tência à cristalização durante o resfria-mento de um fundido, a estabilidadedo vidro, por outro lado, é a resistênciaà cristalização durante o reaquecimen-to do vidro. Esta última se torna impor-tante nos processos que envolvem aremodelagem de um vidro já pronto,tais como o processamento de fibrasópticas. Embora estas duas proprie-dades não sejam idênticas, são con-fundidas com uma certa freqüência e,nem sempre, um vidro produzido a par-tir de um formador fraco será um vidrocom uma baixa resistência à crista-lização.

Como são preparados os vidros?Embora os vidros possam ser pro-

duzidos por uma grande variedade demétodos, a maioria continua sendoobtida pela fusão dos seus compo-nentes, em elevadas temperaturas.Este procedimento sempre envolve aseleção de matérias-primas, cálculodas proporções relativas de cadacomponente, pesagem e mistura doscomponentes para obtenção de ummaterial de partida homogêneo.

Durante o processo inicial de aque-cimento, as matérias-primas passampor uma série de transformações físi-cas e químicas para produzir o fundido.A conversão deste em um líquido ho-mogêneo pode requerer outros pro-cessamentos, incluindo a remoção decomponentes não-fundidos, impure-zas e bolhas e a agitação.

Os materiais constituintes de um vi-dro podem ser divididos em cinco cate-

gorias, tomando-sepor base a funçãoque desempenhamno processo: forma-dor, fundente, agentemodificador, agentede cor e agente derefino. Cabe salientarque o mesmo com-posto pode ser clas-sificado em diferen-tes categorias quan-

do utilizado para diferentes propósitos.A alumina (Al2O3), por exemplo, atuacomo formador em vidros aluminatos,mas é considerada um modificador namaioria dos vidros silicatos.

Os formadores de vidro são os res-

Vidros

A habilidade paraformação de vidro, doponto de vista cinético,

pode ser encarada comouma medida da relutância

do sistema em sofrercristalização durante o

resfriamento do fundido

Os materiais constituintesde um vidro podem ser

divididos em cincocategorias, tomando-se por

base a função quedesempenham no

processo: formador,fundente, agente

modificador, agente de core agente de refino

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ponsáveis pela formação da redetridimensional estendida aleatória; osprincipais formadores comerciais sãoSiO2 (sílica), B2O3 eP2O5. A grande maio-ria dos vidros comer-ciais é, como vimos,baseada em sílica.Os vidros puros desílica são muito ca-ros, devido ao fato deque o fundido éobtido somente emtemperaturas superiores a 2000 °C. Osfundentes têm a função de reduzir atemperatura de processamento paravalores inferiores a 1600 °C, sendo osmais comuns os óxidos de metaisalcalinos (lítio, sódio e potássio) e oPbO.

Se, por um lado, a adição de fun-dentes na composição do vidro de síli-ca promove um decréscimo na tempe-ratura de fusão, por outro, a presençade grandes quantidades de óxidosalcalinos provoca sérias degradaçõesem muitas propriedades destes vidros,dentre elas a durabilidade química(estabilidade frente a ácidos, bases eágua). A degradação das proprie-dades é usualmente controlada pelaadição de agentes modificadores, osquais incluem os óxidos de metais de

transição e de terras-raras e, principal-mente, a alumina (Al2O3).

Os agentes de refino são adiciona-dos para promover aremoção de bolhasgeradas no fundido,sendo utilizados emquantidades muito pe-quenas (<1%mol).Incluem-se aí os óxidosde antimônio e arsênio,KNO3, NaNO3, NaCl,CaF2, NaF, Na3AlF3 e

alguns sulfatos.Os agentes de cor, como o próprio

nome sugere, são utilizados para con-ferir cor aos vidros. Os vidros coloridossão, usualmente, produzidos pela adi-ção de compostos de metais de transi-ção 3d ou de terras-raras 4f. Contudo, acor final obtida de-pende do estado deoxidação do metal,da sua concentra-ção, da composi-ção do vidro e dotratamento térmicoao qual foi subme-tido. Alguns dos óxidos normalmenteutilizados para dar cor aos vidros sãoapresentados na Tabela 5.

Após a obtenção do fundido como

um líquido homogêneo, a produção deprodutos comerciais requer a obtençãodos vidros em formatos específicos.Essa etapa do processamento é deno-minada moldagem do vidro, a qualpode ser feita por quatro métodos prin-cipais: sopro, prensagem, fundição eestiramento ou flutuação.

Dentre os métodos de moldagem,vamos nos ater ao processo de estira-mento ou flutuação, método maisusado na fabricação de vidros planos.Tal método foi desenvolvido e paten-teado por Pilkington Brothers Co.(1959), cujo desenvolvimento revolu-cionou a manufatura dos vidros planos.O vidro é moldado estirando-se umalarga lâmina de vidro derretido em umtanque de estanho, também derretido.

Esse tanque é cha-mado “tanque deflutuação”, porque ovidro “flutua” emuma camada uni-forme sobre a su-perfície perfeita-mente lisa do esta-nho fundido. O vidrosolidifica-se a tem-

peratura mais alta que o estanho,podendo, portanto, ser removido. Ovidro obtido neste processo apresentaambos os lados brilhantes, o quedispensa o acabamento por polimento.

De maneira geral, depois de molda-dos os vidros são submetidos a umprocesso denominado recozimento e,em alguns casos, também a um pro-cesso de têmpera. O recozimento tempor finalidade remover as tensões quepodem ser criadas na moldagem. Umvidro não recozido pode estilhaçar-sedevido à tensão resultante do resfria-mento desigual. O recozimento é feitoem temperaturas inferiores à tempe-ratura de transição vítrea. A têmpera,por outro lado, é um processo peloqual um vidro já pronto é reaquecidoaté tornar-se quase maleável. Sobcondições cuidadosamente controla-das, o vidro é subitamente resfriado porrajadas de ar frio ou pela imersão emóleo. Tal processo aumenta enorme-mente sua resistência mecânica.

Aplicações dos vidrosQuando olhamos ao nosso redor,

verificamos que vários objetos de nos-

Tabela 5: Espécies químicas (agentes de coloração) utilizados para dar cor aos vidros.

Agente Estado de Coloraçãode coloração oxidação

Cobre Cu2+ Azul claro

Crômio Cr3+ VerdeCr6+ Amarelo

Manganês Mn3+ VioletaMn4+ Preto

Ferro Fe3+ Marrom-amareladoFe2+ Verde-azulado

Cobalto Co2+ Azul intenso ou rosaCo3+ Verde

Níquel Ni2+ Marrom, amarelo, verde, azul a violeta, dependendoda matriz vítrea

Vanádio V3+ Verde, em vidros silicatos e Marrom, em vidrosboratos

Titânio Ti3+ Violeta

Neodímio Nd3+ Violeta-avermelhado

Praseodímio Pr3+ Verde claro

Ouro Auo Rubi (partículas coloidais dispersas na matriz vítrea)

Cádmio CdS, CdSe Laranja

Vidros

Os agentes de refino sãoadicionados para

promover a remoção debolhas geradas no fundido;já os agentes de cor, como

o próprio nome sugere,são utilizados para conferir

cor aos vidros

O recozimento de umvidro tem por finalidaderemover as tensões quepodem ser criadas na

moldagem. Um vidro nãorecozido pode estilhaçar-sedevido à tensão resultantedo resfriamento desigual

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so cotidiano são fabricados com vidro.Estando no interior de uma casa pode-mos ver janelas, lâmpadas, lustres,espelhos, vidros de relógios, objetosde decoração, utensílios de cozinha(copos, taças, xícaras, pratos etc) e di-ferentes tipos de recipientes (garrafas,frascos de medicamentos, produtosalimentícios etc). Alguns destes pro-dutos estão ilustrados na Figura 5.Além deles, os vidros também são utili-zados em diversos equipamentoseletro-eletrônicos, tais como televiso-res, microondas, fogões e monitoresde vídeo, dentre outros.

Saindo à rua, podemos ver toda ailuminação pública, vidros usados noscarros, portas e janelas dos bancos,vitrines das lojas e até edifícios, cujamaior parte de sua superfície externaé de vidro. Seria difícil, sem qualquerexagero, viver sem os vidros! Certa-mente, apenas a menção destes exem-

plos seria suficiente paradar a dimensão exata daimportância dos vidros nasociedade moderna.

Levando-se em contao fato do vidro ser ummaterial transparente,geralmente brilhante, que-brável com facilidade, háuma tendência de se ima-ginar que todos os vidrostêm a mesma composi-ção. Certamente isto nãoé verdade. As proprie-dades dos vidros, asquais determinam suaaplicação, dependem di-retamente de sua compo-sição. Assim, é muito co-mum serem descritas naliteratura as seis mais im-portantes composiçõesbásicas de vidros à basede sílica (Tabela 6), asquais permitem que estesapresentem as mais dife-rentes propriedades: ópti-cas, condutoras ou iso-lantes, resistência mecâ-nica e térmica, absorçãode radiações de alta ener-gia e ionizantes e resistên-cia ao ataque químico,dentre outras.

Os vidros naturais (ob-sidian), provenientes do Monte Vesúvio(Itália), revelaram ser do tipo alumi-nosilicatos, cuja composição em por-centagem molar dos componentes

majoritários é 53,3 SiO2 - 9,1 Na2O - 5,8K2O - 3,2 CaO - 20,7 Al2O3 - 5,3 FeO.Por sua vez, os vidros encontrados noEgito, e datados de 1400 a.C., eramdo tipo “soda-lime” silicato, com com-posição 63,7 SiO2 - 20,0 Na2O - 0,5 K2O- 9,1 CaO -5,2 MgO - 1,0 Al2O3.

Considerando as composições daTabela 6, podemos associar estasfamílias a vários materiais, produtos eaplicações:

• “Soda”-silicato: agentesagentesagentesagentesagentes com-plexantes em detergentes sintéticos eem banhos de limpeza para metais;

• “Soda-lime” silicato: invólucros delâmpadas incandescentes, garrafas,janelas, isolantes elétricos, blocos devidro para construção, embalagens dealimentos e fármacos etc;

• Borosilicato: instrumentos delaboratório (béquers, pipetas, buretas,kitassatos, dessecadores, tubos deensaio) (Figura 6). As denominaçõesPirex® e Kimax® são marcas regis-tradas de vidros borosilicatos, respec-tivamente da Corning e da Owens-Illi-nois (USA);

• Aluminosilicato: fibras de vidro (re-forço de plásticos e concreto), iso-lamento com fibras de vidro resistentesà hidrólise (decomposição pela água),lã de vidro (isolante térmico), fabrica-ção de filtros, roupas e cortinas a provade fogo, tampos de fogões, invólucrosde lâmpadas de mercúrio de altapressão, vidros do tipo opalina (con-tém 5,3% de fluoretos e apresentamaspecto leitoso) usados como louçase objetos de decoração e para visua-

Figura 5: Objetos de uso diário fabricados com vidro: (a)utensílios domésticos; (b) diferentes tipos de embalagens(potes, garrafas etc.).

Tabela 6: Composição das principais famílias de vidros a base de sílica.

Tipo do vidro SiO2 Na2O K2O CaO MgO B2O3 Al2O3 PbO

I. “Soda”-silicatoa

Composição variável razão SiO2 – Na2O de 1,6 a 3,7(water glass)

II. “Soda-lime”b silicato 72,1 21,1 – 2,8 – – 2,0 –(lime glass) 72,1 14,0 – 9,9 3,2 – 0,3 –

III. Borosilicato 81,0 4,5 – – – 12,5 2,0 –

IV. Aluminosilicato 54,5 – – 17,5 4,5 10,0 14,0 –59,0 11,0 0,5 16,0 5,5 3,5 4,5 –65,8 3,8 – 10,4 – – 6,6 –

V. Silicato de chumbo 56,0 2,0 13,0 – – – – 29,03,0 – – – – 11,0 11,0 75,05,0 – – – – 10,0 3,0 62,0

VI. Alta sílica 96,7 – – – – 2,9 0,4 –99,9 – – – – – – –

asoda (do inglês) = Na2O; blime (do inglês) = CaO.

Vidros

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lizar chapas de raios-X;• Silicato de chumbo: comumente

chamado “cristal”, é utilizado em jogosde utensílios de mesa e em peças artís-ticas, devido à facilidade para gra-vação e polimento; também emprega-do na fabricação de instrumentos ópti-cos (lentes, prismas), tubos de TV,anteparos para blindagem de radiaçãoγ e como vidro para solda;

• Alta Sílica: vidros que apresentamum teor de SiO2 superior a 96% e que,devido a sua elevada resistência quí-mica e térmica (fundem em torno de2000 °C), são utilizados em equipa-mentos especiais de laboratório, cadi-nhos, recipientes para reações a altastemperaturas, invólucros para lâmpa-das de altas temperaturas e pré-formaspara fibras ópticas.

Quando falamos de vidros e suasaplicações, merecem destaque espe-cial os vidros de segurança, as vitroce-râmicas e as fibras ópticas, todos de-senvolvidos nos últimos 30 anos.

Dentre os vidros de segurança, sa-lientamos o vidro laminado, o vidro àprova de bala e o vidro temperado. Ovidro laminado é constituído como umverdadeiro “sanduíche”, tendo cama-

das alternadas de vidroplano e material poli-mérico (plástico). É usa-do normalmente em si-tuações nas quais a que-bra do vidro não pode darorigem a riscos de feri-mentos graves. Quandode sua quebra, ao seratingido por um objeto, ovidro mantém no lugar ospedaços (cacos) evitan-do assim que os mesmossejam projetados em to-das as direções. Taistipos de vidro são, porexemplo, usados na fa-bricação de pára-brisasde automóveis.

No caso do vidro àprova de bala, tem-setambém um vidro lami-nado, porém mais espes-so, constituído de cama-das alternadas de vidroseparadas por materialpolimérico. Alguns des-tes vidros podem absor-

ver a energia de projéteis de grossocalibre, mesmo quando disparados acurta distância. Tal tipo de material temsido utilizado em portas de bancos, nablindagem de automóveis e lojas epara fins militares.

Finalmente, o vidro temperado.Diferentemente dos exemplos anterio-res, trata-se de uma peça única. É pre-parado através de sucessivos trata-mentos térmicos especiais (têmpera)tendo como característica o fato de, aoquebrar, sofrer um processo de “esti-lhaçamento”, produzindo pequenosfragmentos não cortantes. Portas debox para banheiros e portas de segu-rança são exemplos de sua utilização.

As vitrocerâmicas são materiaisconstituídos por uma fase vítrea e ou-tra cristalina. Como já colocado emsessões precedentes, na maioria doscasos não queremos que o vidrocristalize (devitrificação). No caso dasvitrocerâmicas, por outro lado, ocrescimento cristalino (cristalização)controlado é deliberadamente estimu-lado nos vidros, visando à obtenção demateriais com propriedades especiaise bem definidas. Dentre tais proprie-dades, destaca-se o coeficiente de

expansão térmica próximo de zero (ovolume do vidro não sofre variação emuma ampla faixa de temperatura deutilização), o que lhe confere a capa-cidade de resistir a choques térmicosextremos. Objetos confeccionadoscom este tipo de vidro podem ser reti-rados de um freezer e colocados dire-tamente sobre uma chapa de aqueci-mento ou forno. Sem sombra de dúvi-da, a utilização destes materiais temmodificado substancialmente as práti-cas da cozinha tradicional.

As fibras ópticas, por sua vez, sãofilamentos finos e flexíveis de vidro,com diâmetros da ordem de algunscentésimos de milímetros e que podem“conduzir”, “guiar” a luz. Tal proprie-dade se verifica pelo fato de que o“núcleo” da fibra é constituído por umvidro com elevado índice de refração(esta grandeza está relacionada coma velocidade de propagação da luz emum determinado meio) e, a “casca” éformada por um vidro de baixo índicede refração. Na Figura 7a é mostradoo guiamento da luz através de umafibra óptica. O desenvolvimento defibras ópticas e lasers causou umimpacto absolutamente sem preceden-tes na sociedade moderna. A aplica-ção das fibras ópticas dá-se nos maisdiferentes campos: telecomunicações(redes de transmissão de dados,Internet); medicina de diagnóstico(endoscopia); microscopia e

Figura 6: Vidros de laboratório: (a) instrumentos de labora-tório; (b) vidros para armazenagem e embalagem de rea-gentes químicos. A coloração escura (âmbar) é devida àadição de óxidos de metais de transição.

Figura 7: (a) fibras ópticas guiando luz; (b)vidros emissores de luz visível (lumines-cente) após irradiação.

Vidros

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iluminação de precisão; detecção re-mota e sensoriamento; estudo defissuras em componentes estruturais(asas de avião), dentre outras. Muitasdestas aplicações vêm se constituindonaquilo que hoje denominamos fotô-nica, ou seja, a possibilidade de realizarcom os fótons (paco-tes de luz) tudo aquiloque é feito com elé-trons (eletrônica) e asua expansão paranovos conhecimentose aplicações. Dentrodestas perspectivas,têm tido lugar de rele-vo novas funcionali-dades dos vidros, taiscomo os vidros fluo-rescentes de alto rendimento. Estes vi-dros podem emitir luz vermelha, ama-rela ou azul, dependendo dos compo-nentes utilizados na sua fabricação edo comprimento de onda da luz utili-zada na sua irradiação. Na Figura 7bsão mostrados alguns exemplos des-tes vidros.

Dentre as novas possibilidades deuso de sistemas laser-fibras ópticas,destacam-se as aplicações em medi-cina (tratamento de câncer, tomografia,diagnóstico de lesões cerebrais, cirur-gia, análises clínicas), em análise quí-mica (sensores à fibra óptica para con-trole de fármacos e alimentos) e emmeio ambiente (sensoriamento e aná-lise de emissões industriais), dentreoutras.

É importante remarcar, neste parti-cular, a contribuição de pesquisadoresda UNICAMP nos estudos que culmi-naram com o desenvolvimento e con-solidação da tecnologia da fibra ópticanacional.

A questão ambiental: ReciclagemUm ponto que atualmente vem me-

recendo grande destaque está ligadoà questão ambiental. Os vidros tam-bém vêm fazendo parte das preocu-pações com o ambiente, dado o fatoda indústria vidreira ser intensiva, o quefaz com que produza emissão departículas sólidas e gases, além desubprodutos descartados na forma delixo industrial.

Além dos resíduos provenientes daindústria vidreira, as embalagens de vi-

dro utilizadas no cotidiano são descar-tadas juntamente com o lixo domés-tico.

Para se ter uma idéia da ordem degrandeza do problema gerado, os vi-dros constituem cerca de 2% do totalde lixo doméstico da cidade de São

Paulo, o que eqüivalea um descarte deaprox imadamente7.000 toneladas/mêsde vidro.

Hoje, o vidro em-pregado nas embala-gens já pode ser clas-sificado e inteiramentereciclado. Outros tiposde vidro, tais comotubos de lâmpadas

fosforescentes, tubos de televisão,tampos de fornos e fogões etc, têmmerecido grande atenção da pesquisaem vários países, visando ao desen-volvimento de métodos adequados dereciclagem. A reciclagem de vidros po-de ser considerada viável, levando-seem conta os seguintes aspectos:

• recipientes de vidro são relativa-mente fáceis de serem limpos, este-rilizados e reutilizados;

• vidros podem ser facilmentetransformados em “cacos” e adiciona-dos aos fornos para a produção denovas embalagens (garrafas, vidrospara medicamento etc). Este proce-dimento aumenta não só a vida útil dosfornos, como leva a uma redução noscustos de produção;

• vidros são produzidos utilizando-se como matéria-prima areia, carbo-nato de cálcio e outras substâncias,extraídas da natureza por processosque acabam descaracterizando o am-biente e causando o esgotamento dosrecursos minerais;

• reciclar e reutilizar vidros poderácontribuir para a matriz energética na-cional através da economia de enor-mes quantidades de energia, visto quepara produzir 1 kg de vidro novo sãonecessários 4500 kilojoules, enquantoque para produzir 1 kg de vidro reci-clado necessita-se de 500 kilojoules!

Um dado importante sobre recicla-gem de vidro recentemente apresen-tado, mostra que em 1999, de cada100 potes de vidro fabricado por umacompanhia líder no Brasil, 38 já eram

Vidros

feitos a partir do produto reciclado(cacos). Em fevereiro de 2000, a co-tação da sucata de vidro era deR$75,00/tonelada, e mostrava tendên-cia de alta.

Cabe aos pesquisadores desenvol-ver novas tecnologias de reciclagem eencontrar novas oportunidades deaplicação para o vidro reciclado. Aosgovernos, sobretudo às Prefeituras,cabe encorajar os cidadãos a recicla-rem o vidro, gerando inclusive verbasextra-orçamentárias para a aplicaçãoem programas sociais, a exemplo doque tem sido feito, com sucesso, emvárias cidades do Brasil e do exterior.

Oswaldo Luiz Alves ([email protected]), doutorem química, é professor do Instituto de Química,UNICAMP. Iara de Fátima Gimenez ([email protected]), bacharel e mestre em química peloInstituto de Química da UNICAMP, onde desenvolvetrabalho de doutoramento. Italo Odone Mazali([email protected]), bacharel e mestre em quí-mica pela UNESP – Araraquara, é doutorando no Insti-tuto de Química da UNICAMP.

Vidros também vêmfazendo parte das preocu-pações com o ambiente,dado o fato da indústria

vidreira ser intensiva, o quefaz com que produzaemissão de partículas

sólidas e gases, além desubprodutos descartados

na forma de lixo industrial