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PANTANAL MATO-GROSSENSE

O Semantismodas Águas Profundas

Cristina Campos

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C198p

Campos, Cristina

Pantanal Mato-grossense: O semantismo das águas

profundas./ Cristina Campos. -- Cuiabá: Entrelinhas, 2004.

240 p.: il.; 23 cm

ISBN: 85-87226-20-7

1. Pantanal Mato-grossense – Usos e Costumes.

I. Título.

CDU: 82: 981.72

© Campos, Cristina. 2004

Av. Senador Metello, 3.773 – Jardim Cuiabá

Cep: 78.030-005 – Cuiabá, MT

Telefax: (65) 624 5294

www.entrelinhaseditora.com.br – e-mail: [email protected]

Maria Teresa Carrión Carracedo

Ricardo Miguel Carrión CarracedoMaike Luís de Almeida Vanni

Helton Pereira Bastos

Waldemar Manfred Seehagen

Arne Sucksdorff, Cristina Campos, José Luiz Medeiros, Luiz Vicente Campos, Marina Azem, Mario Friedländer, Ricardo Carracedo, Sandra Márcia Laet. De acervos particulares: Quitéria da Costa, Edith de Oliveira Campos e da família de Doninha.Album Graphico do Estado de Matto Grosso

Cristina Campos

Projeto Gráfi co

Editoração

Capa e tratamentode imagens

Foto da capa

Fotos

Revisão

Contato com a autora: [email protected]

Ficha Catalográfi ca

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Cuiabá, Mato Grosso, 2004

PANTANAL MATO-GROSSENSE

O Semantismodas Águas Profundas

Cristina Campos

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A Luiz Vicente da Silva Campos Filho.Amigo de fé, irmão-camarada,

interlocutor impecável.

Marina Azem

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Não se tampa o passado: goteira-o, por entre dentes.

Silva Freire

Ricardo Carracedo

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Luiz Vicente Campos

A Deus e à Deusa.

Ao Prof. Henrique Barros, Di re tor Geral do Cefet-MT, pela ami za de e apoio cons- tan te.

À Profª Drª Catarina Sant’Anna, pela excelente bi- bli o gra fi a indicada.

À Profª Drª Lúcia Helena Vendrúsculo Possari, mestra-apren diz de olhar o mun do com os olhos livres, pelo carinho, acei ta ção, estímulo e co nhe ci men to.

À Profª Drª Elizabeth Madu-reira Siqueira, pela generosi- dade.

À Biblioteca da Uni ver -si da de Federal de Mato Gros-so, pelo aces so às obras da Coleção Amidicis Tocantins.

Aos meus pais, pelo apoio na retaguarda, e a Daniel, meu raio de sol.

Às fontes orais, que con- tri bu í ram com este trabalho: Giovanni Nunes Rondon (in memorian), Aquiles Belmiro da Silva (in memorian), Be ne -di to Pedroso, Luís Duarte, Ma-medes Mendes Duarte, Nerze Gomes Duarte, Tenildes Duar-te, Maria Virgínia de Almeida Lobo, Tirso Camargo, Adelmi-na Duarte Camargo, Se bas ti ão de Arruda e Silva, Merenice de Arruda e Silva e seu noivo Eduardo, João Pereira Nunes, Maria Madalena de Oli vei ra, Edith de Oliveira Campos, Gonçalo Vicente de Figueiredo (in memorian), José Rodrigues

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Agradecimentos

de Carvalho (in memorian), Juracy Paes de Arruda Rondon (in memorian), João Urbano da Silva, Jesuína Leite da Silva, Antônia Mariana de Aquino, Ma ria Rosa Rondon Mon ge dos San tos, José Jacinto da Silva, Íris de Arruda, Manuel Valfride Correa (in memorian), Antônia Luz da Cunha Pontes, Mariane da Cu nha Pontes.

Aos poetas, escritores e pes qui sa do res, fontes múlti-plas: Wlademir Dias Pino, José Lobo, Ms. Luiz Vicente da Silva Cam pos Filho, Ivens Cuiabano Scaff e Amauri Tangará.

Aos fotógrafos, pela ge-nerosa con tri bui ção: Arne Sucksdorff (in memorian) e à sua esposa Maria, José Luiz Medeiros, Mario Frieländer, Waldemar Manfred Seehagen e Sandra Márcia Laet.

Aos que colaboraram com apoio, sugestões, fotos, biblio-grafi a, in for ma ções, revisões: Profª Drª Maria de Lourdes Bandeira, Profª Drª Maria Cecí-lia Sanches Teixeira, Profª Drª. Cláudia Callil, Prof. Ms. Marcos André de Car va lho, Profª Drª Rosina Djinko Miyasaki, Suely Ferraz Afonso, Letícia Lobo, Maria Te re sa Carracedo, Ri-cardo Carracedo e Quitéria da Costa.

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Ricardo Carracedo

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15 Roteiro de PercursoÁgua mole em pedra dura .............................................. 17

As pedras do caminho ..................................................... 19

25 Considerações Filosófi co-pragmáticasPor uma nova ciência ...................................................... 27

‘Rombando aterros’ .......................................................... 33

Circularidades .................................................................. 351. Sujeito/Objeto .......................................................... 352. Indivíduo/Sociedade ............................................... 363. Natureza/Cultura ..................................................... 37

Oralidade e memória ....................................................... 401. Mato Grosso e a tradição oral ................................ 412. Palavras e imagens .................................................. 45

81 Pantanal: Natureza e CulturaOs meandros dos labirintos ............................................ 83

1. Cuiabá ...................................................................... 842. Santo Antônio de Leverger e Poconé ..................... 88

Aspectos da tradição pantaneira ................................... 1021. Água não corre duas vezes sob

a mesma ponte: tradição e rupturas ..................... 102

2. Aspectos educacionais .......................................... 1082.1. Contar histórias .............................................. 118

3. As festas tradicionais ............................................. 120

4. Aspectos devocionais ............................................ 1284.1. Doninha do Tanque Novo ............................ 130

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4.2. Virgilato Cândido da Silva ............................ 1374.3. Outras possibilidades mágicas

de interferência na natureza ......................... 142

5. O sistema dos antigos ........................................... 1475.1. O cotidiano .................................................... 148

5.1.1. O alvorecer ......................................... 1485.1.2. Tarefas masculinas e femininas ......... 1505.1.3. Aspectos sexuais ................................. 157

5.2. Aspectos econômicos .................................... 1585.2.1. Homem-gado: devires ........................ 159

O ciclo das águas ........................................................... 1611. Águas claras, águas profundas,

águas oceânicas ..................................................... 164

171 Isomorfi smos da Serpente e do OuroA serpente e o labirinto ................................................. 173

1. Sagas locais ............................................................ 1741.1. Acidente com jacaré ...................................... 1741.2. Acidentes com cobras ................................... 176

2. Isomorfi smos da serpente ..................................... 1772.1. Jakirana-bóia .................................................. 1772.2. Bírbulas e lagartos ......................................... 1862.3. Minhocão ....................................................... 1882.4. Negrinho d’Água ........................................... 199

O ouro sob a dialética terra-ar bachelardiana .............. 204

225 Considerações Finais

229 Referências Bibliográfi cas

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Roteiro de Percurso

Mario Friedländer

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Ric

ardo C

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cedo

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Roteiro de Percurso – 17

Água mole em pedra dura

O caminhar faz o caminho.

Provérbio Taoísta

A palavra ‘educação’ provém do latim educere, que signifi ca li te ral -men te atualizar potencialidades latentes, o que implica um movimento de dentro para fora. Nesse sentido, opõe-se a instruo, ‘instruir’, que, em movimento inverso, empurra, de fora para dentro, valores es tra -nhos às pessoas.

O trajeto das teorias educacionais, no Brasil, historicamente as sen -ta das sob o paradigma cartesiano, trabalha a transmissão de saberes (ins tru ção), visando à construção da ordem social. A instituição escola é criada para ensinar a disciplina e a obediência, tornando-se ins tru -men to de ascensão social, através da substituição de conhecimentos tidos como vulgares, folclóricos, de senso comum, pelo conhecimento ci en tí fi co, o único positivamente valorizado.

O marxismo, sobretudo através de Gramsci e da chamada Pe da go gia Crítica, abriu brechas para práticas educacionais distintas. O campo educativo passou a ser concebido como território de luta, onde ações transformadoras se tornariam possíveis. Ao invés de reprodução, trans- for ma ção da sociedade. No entanto, o método continuou, igualmente, visando à substituição de conhecimentos “folclóricos” por científi cos, com o objetivo de desmascarar ideologias.

Uma feição diferenciada do Paradigma Crítico despontou no Brasil através de Paulo Freire e, internacionalmente, a partir deste, Henry Giroux, que desenvolveu sua teoria como política da diferença da pedagogia do oprimido freiriana (Bandeira, 1997, p. 27).

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As mudanças na economia mundial, detectáveis através do fe nô me no da globalização, estrategicamente operam articulando as in for ma ções a fi m de consolidar uma homogeneização cultural. A informatização e a sofi sticação dos meios de comunicação contribuem para imprimir a este processo uma velocidade, antes não imaginada. Nessa ação, as diferenças são banidas, preferencialmente sem deixar vestígios. “Des sa situação, emerge o desafi o de encontrar uma alternativa de de sen vol vi men to solidário, cooperativo, transnacional, potencializador das diferenças (culturais, étnicas, regionais), interativo das identidades par ti cu la res numa perspectiva intersubjetiva” (ibid., p. 28).

Esta dissertação, ao colocar em pauta a cultura regional, visa con- tri buir para uma prática educacional diferenciada em Mato Grosso, pon tu al men te, no caso, na Baixada Cuiabana. A valorização da plu-ralidade étnica e da tradição local como afi rmação da diferença pode gerar agenciamentos no sentido de se repensar o modus operandi das po lí ti cas educacional, econômica e ambiental no Estado de Mato Grosso.

A nova LDB instaurou, em nível legislativo, a possibilidade de uma práxis educacional diferenciada. Cabe aos educadores mato-grossenses o desafi o de viabilizá-la. O momento é oportuno.

Como se verá ao longo deste trabalho, a cultura da Baixada Cuiaba-na, histórica e geografi camente, embebe-se em suas águas, compon-do-se com elas e adaptando-se a seus ciclos; por isso foram tomadas como ponto focal de consistência.

A difi culdade de acesso a esta microrregião cronologicamente nela brecou o advento da modernidade. Uma das principais características decorrentes desse fato é a preservação da tradição oral na transmissão da cultura.

A partir da década de 50 e, defi nitivamente, de 1970 em diante, em função da política de (des)envolvimento da Ditadura Militar, novas exigências se fi zeram presentes no Estado, entre elas a valorização da ciência positivista e da cultura letrada, que se sobrepôs violentamente a modos de vida seculares.

Antes, a educação se fazia na práxis cotidiana. A memória, fo men -ta da pela oralidade, era o depositário de saberes seculares. Por isso, as sagas locais e “causos” contados assumem um status importante na

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Roteiro de Percurso – 19

transmissão desses saberes. E daí a relevância do conceito de cultura evidenciado por Maturana (1994): coordenações de coordenações de ações e emoções transmitidas geração após outra. O papel da edu ca ção, no cotidiano da cultura, via oralidade, era encarregar-se disso.

Uma política educacional em Mato Grosso que não leve em conta esses aspectos estará corroborando a ação homogeneizante do Ca- pi ta lis mo Mundial Integrado. Faz-se necessária a consciência de que essa cultura capitalística se opõe à tradição; os educadores devem se posicionar nesse jogo.

As pedras do caminho

O trabalho de campo desta pesquisa iniciou, aproximadamente, seis meses antes do ingresso no Curso de Mestrado, quando coletava dados para a redação de uma monografi a, na conclusão do Curso de Es pe ci a li za ção em Semiótica da Cultura, na UFMT.

Intrigaram-me imagens presentes nas histórias narradas por fontes orais. Após um ano de convivência com o poeta Wlademir Dias Pino, acompanhando de perto sua didática de criação, naturalmente houve mudanças em minha percepção visual. Sem querer, já estava co le -ci o nan do imagens. Conhecimentos astrológicos levaram-me ao re co -nhe ci men to e associação dessas imagens ao semantismo das águas.

Quando, posteriormente, tive acesso a Gilbert Durand, percebi que a profusão de imagens coletadas inseriam-se perfeitamente no Regime Noturno da Imagem, ao esquema da descida, à teriomorfi a e nictomorfi a. Bachelard, então, complementou a chave para uma lei-tura possível, através de sua Filosofi a da Criação Poética, sobretudo na parte dedicada às águas.

O trajeto de tessitura da dissertação foi acidentado. Já no início, esbarrei frontalmente com o paradoxo acadêmico que, em nível discursivo, apregoa “o novo na transição de milênio” e, em termos práticos, não admite uma abordagem interdisciplinar. Quando permite exceções, são encaradas como algo menor. Enveredar-se por uma ci ên cia do imaginário, então...

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Essa difi culdade traduziu-se em uma série de mistifi cações acerca da metodologia, por isso o tom didático – quase infantil – que inaugura a primeira parte; ele responde a indagações iniciais que pe no sa men te tive que responder, solitariamente, nadando contra a corrente neomar-xista que domina as refl exões acerca da educação brasileira.

A orientação para a exploração do trabalho proposto – inicialmente, compilar sagas locais e lendas – era que se elegesse um município mato-grossense, nele preferencialmente um bairro, e se levantassem dados estatísticos, mapas e informantes. Eu deveria elaborar então um questionário-padrão para todos os entrevistados.

Ao sair a campo, percebi que a situação era mais complexa, por-que os informantes, ao longo de suas vidas, deslocaram-se muito, ‘na ve gan do de canoa ou a cavalo’ pelos caminhos das águas, estando emo ci o nal men te, às vezes, mais ligados a outros locais do que onde se en con tra vam; muitos idosos hoje moram com os fi lhos. Depois de algum tempo, percebi que a localidade se concentrava na Baixada Cuiabana, extrapolando-a, em alguns casos; por isso elegi a micror-região como objeto de estudo.

Quanto ao questionário-padrão, procurei sondar o cotidiano, as sagas locais e o sobrenatural. Dentre as fontes, há aquelas pessoas que não crêem ou afi rmam não crer no sobrenatural, recusando-se a falar a respeito, omitindo informações. No entanto, são excelentes fontes quan do se trata de histórias e práticas cotidianas. Deixei-os à vontade, apro vei tan do de cada um aquilo que queria ou podia oferecer. Vale acres cen tar que há um gosto e predisposição por parte da maioria dos en tre vis ta dos em falar a respeito do passado, não ocorrendo, em nenhum caso, constrangimento por causa do uso do gravador. Esse tom de conversa foi mantido ao longo do texto e, para preservar a intimidade das pes so as, utilizei na transcrição apenas suas iniciais nos diálogos que man ti ve mos. Guattari afi rma que o inconsciente coletivo vetoriza suas ne ces si da des. Creio que essa predisposição e valorização de pesquisas como esta, demonstradas pelas comunidades participantes, são indícios disso.

Uma mudança de orientação e de linha de pesquisa possibilitou-me a liberdade necessária para trabalhar em paz e não desistir do método de investigação que se apresentou como sensato e viável.

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Roteiro de Percurso – 21

Estou conscientemente trabalhando com autores de áreas e abor da -gens diferentes, algumas confl itantes, se consideradas integralmente. O plano geral de consistência desta dissertação é composto por brico-lagem, através da reterritorialização de fragmentos de teorias, to ma das como linhas de fuga. Um de seus objetivos tornou-se efetuar registros sobre o cotidiano da cultura na Baixada Cuiabana, em período an-terior à década de 1970, marco de grandes transformações advindas da política desenvolvimentista da Ditadura Militar. Isso porque Mato Grosso é um Estado singular dentro da Nação brasileira, caracterizado, entre outras coisas, pela força da tradição oral. A memória de pessoas idosas, presentifi cada pelo discurso, tornou-se a principal fonte de pesquisa, mais a bibliografi a que foi possível acessar. Houve, durante o trabalho de campo, o cuidado de entrevistar informantes diversos: proprietários de fazendas, peões, donas de casa, professores, co zi -nhei ros, agricultores, intelectuais e artistas, entre outros.

Ao fazer uso do conceito de ecosofi a que Guattari propõe em As três ecologias, percebi que a estratégia didática para a organização estrutural da dissertação seria articulá-la em três instâncias: natureza, sociedade e imaginário. Há uma certa difi culdade em traduzir, na li-nearidade da palavra, a vida, que é total. Dessa forma, ‘Considerações Filosófi co-pragmáticas' faz considerações metodológicas, explicitando autores e te o ri as com as quais trabalho.

‘Pantanal: Natureza e Cultura' tece considerações acerca da cultura local, as so ci an do-a à imagem do labirinto, que tem as águas como constitutivas de seus meandros. A seguir, traz dados sobre o ciclo das águas e algumas caracterizações dessa substância na região; a topogra-fi a as si na la as leituras bachelardiana e astrológica: as águas primaveris, pro fun das e oceânicas. Faz também uma descrição do cotidiano da cultura, particularmente nas fazendas de gado no Pantanal de Poco-né, re gis tran do dados acerca da tradição. Ela vem sendo rapidamente subs ti tu í da por valores capitalísticos que, entre outras coisas, alteram paisagens e costumes. Alimentação, crenças, festas, devoção e técnicas são re la ta das pelas fontes, cujas falas, às vezes longas, preferi manter, ao invés de traduzi-las em sínteses empobrecedoras.

Já ‘Isomorfi smos da Serpente e do Ouro' encadeia imagens retira-das de sagas locais e lendas relatadas, compondo dois semantismos que dialogam com Durand e Bachelard. O isomorfi smo da serpente

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adere-se às águas profundas através dos labirintos; já o ouro, apesar de aderir-se fortemente a outros elementos, toca as águas, que eram o caminho percorrido no trajeto monçoeiro até as minas do Cuiabá, atra vés dos rios-serpentes.

Apesar de acalentar um desejo de encontrar, no domínio do ima- gi ná rio, exemplos cotidianos de relações simbólicas que engendrem pos sí veis devires, ou virtuais linhas de fuga para o novo, sou forçada a reconhecer que ainda estamos engatinhando nesse sentido. A cultu-ra, em geral, é cristalizante, o que condiciona o imaginário sempre a pular para trás diante do susto que o desconhecido proporciona. Por maior que seja o esforço em direção ao conhecimento, existe sempre um quê de mistério insondável nas coisas, e daí advém sua beleza, poesia, magia, mas também a frustração diante do reconhecimento de que “o espírito é mais lento que a natureza” (Deleuze & Guattari, 1995, p. 13).

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Roteiro de Percurso – 23

Mapa de localização da Baixada Cuiabana

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