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1 PARA “MENINOS MALUQUINHOS” UM “SOSSEGA LEÃO”: UMA DISCUSSÃO DA PSICOLOGIA ACERCA DA LÓGICA QUE SUSTENTA A CRESCENTE E INDISCRIMINADA ADMINISTRAÇÃO DE RITALINA EM CRIANÇAS COM SINTOMA ESCOLAR RESUMO Este estudo tem como intuito problematizar os discursos veiculados, bem como as relações estabelecidas entre dois principais sistemas que vem sustentando e justificando a medicalização da educação: Ensino e Saúde. Expõe-se diferentes lógicas e modelos envoltos a fim de questionar a crescente e indiscriminada administração de Ritalina como um “sintoma social”. Na tentativa de uma leitura provocativa deste fenômeno, contou-se com uma pesquisa qualitativa através de entrevistas semi-estruturadas realizadas com médicos clínicos gerais e neurologistas, educadores, equipe pedagógica e crianças usuárias do medicamento. As discussões realizadas tratam da disfuncionalidade do sistema de ensino, e da criança tida com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade como denunciante, logo, na tentativa matreira de velar, permeiam-se relações de poder-dominação e assujeitamento, almejando manutenção e defesa do status quo. Nesta busca pela supressão do balburdiante ocorre uma pactuação com o sistema de saúde que a partir de suas peculiaridades – relativas ao seu maior representante, o médico – usa de sua “formula mágica” (no caso aqui a Ritalina) para serená-los. Neste cenário somam-se diferentes interesses, para além de disciplinares ou mesmo de tamponamento, envolve também lógicas políticas e de mercado. Assim, indaga-se quais as possíveis intervenções da psicologia nesse contexto, para além da clínica tradicional hegemônica. Palavras-chave: Ritalina, Medicalização, Psicologia.

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PARA “MENINOS MALUQUINHOS” UM “SOSSEGA LEÃO”: UMA DISCUSSÃO DA PSICOLOGIA ACERCA DA LÓGICA QUE

SUSTENTA A CRESCENTE E INDISCRIMINADA ADMINISTRAÇÃO DE RITALINA EM CRIANÇAS COM

SINTOMA ESCOLAR

RESUMO Este estudo tem como intuito problematizar os discursos veiculados, bem como as relações estabelecidas entre dois principais sistemas que vem sustentando e justificando a medicalização da educação: Ensino e Saúde. Expõe-se diferentes lógicas e modelos envoltos a fim de questionar a crescente e indiscriminada administração de Ritalina como um “sintoma social”. Na tentativa de uma leitura provocativa deste fenômeno, contou-se com uma pesquisa qualitativa através de entrevistas semi-estruturadas realizadas com médicos clínicos gerais e neurologistas, educadores, equipe pedagógica e crianças usuárias do medicamento. As discussões realizadas tratam da disfuncionalidade do sistema de ensino, e da criança tida com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade como denunciante, logo, na tentativa matreira de velar, permeiam-se relações de poder-dominação e assujeitamento, almejando manutenção e defesa do status quo. Nesta busca pela supressão do balburdiante ocorre uma pactuação com o sistema de saúde que a partir de suas peculiaridades – relativas ao seu maior representante, o médico – usa de sua “formula mágica” (no caso aqui a Ritalina) para serená-los. Neste cenário somam-se diferentes interesses, para além de disciplinares ou mesmo de tamponamento, envolve também lógicas políticas e de mercado. Assim, indaga-se quais as possíveis intervenções da psicologia nesse contexto, para além da clínica tradicional hegemônica.

Palavras-chave: Ritalina, Medicalização, Psicologia.

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PARA “MENINOS MALUQUINHOS” UM “SOSSEGA LEÃO”: UMA DISCUSSÃO DA PSICOLOGIA ACERCA DA LÓGICA QUE

SUSTENTA A CRESCENTE E INDISCRIMINADA ADMINISTRAÇÃO DE RITALINA EM CRIANÇAS COM

SINTOMA ESCOLAR

André Augusto da Silva

Orientadora: Eloísa Borges Mestre em Psicologia pela Fafich-UFMG, Psicóloga e Docente do curso de Psicologia do INESP/ Funedi-UEMG E-mail: [email protected]

BANCA EXAMINADORA Profª. Me. Eloísa Borges Prof. Me. José Heleno Ferreira Profª. Esp. Rita de Cássia Francischetto da Rocha Ferreira Data da defesa: 14/12/2011

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Era uma vez um menino maluquinho, ele tinha o olho maior

que a barriga, tinha fogo no rabo, tinha vento nos pés (...) E

macaquinhos no sótão (embora nem soubesse o que

significava macaquinho no sótão). Ele era um menino

impossível! Ele era muito sabido, ele sabia tudo, a única

coisa que ele não sabia era como ficar quieto (...) Seu

caderno era assim: um dever e um desenho, uma lição e um

versinho, um mapa e um passarinho (...) Um dia, num fim de

ano o menino maluquinho chegou em casa com uma bomba:

‘Mamãe, tou aí com uma bomba!’‘Meu neto é um

subversivo!’ gritou o avô‘Ele vai matar o gato!’ gritou a

avó‘Tira esse negócio daí’ falou – de novo – a babá. Mas aí

o menino explicou: ‘A bomba já explodiu, gente. Lá no

colégio.’ ‘Esse menino é maluquinho!’ falou o pai, aliviado.

E foi conferir o boletim. (ZIRALDO, 1980, p. 07-37).

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

Este trabalho tem como intuito problematizar os discursos veiculados, bem como

as relações estabelecidas entre dois principais sistemas que vem sustentando e

justificando a medicalização da educação: Ensino e Saúde. Busca-se trazer à baila as

diferentes lógicas – embora convergentes – e modelos envoltos a fim de questionar a

crescente e indiscriminada administração de Ritalina1 como um “sintoma social” – para

além do individual, em especial como sintomas resultantes do imbricamento das esferas

individual-social, ético-moral. Logo, cabe indagar, quais as possíveis intervenções da

psicologia neste contexto, para além da clínica tradicional hegemônica?

O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP/SP) realizou no corrente

ano o II Seminário Internacional de Educação Medicalizada, discutindo a medicalização

como processo em que “as questões da vida social, sempre complexas, multifatoriais e

marcadas pela cultura e pelo tempo histórico, são reduzidas à lógica médica, vinculando

aquilo que não está adequado às normas sociais a uma suposta causalidade orgânica,

expressa no adoecimento do indivíduo” (CRP/SP).

Desta forma, questões como os comportamentos não aceitos socialmente, as

performances escolares que não atingem as metas das instituições, as conquistas

1 Utiliza-se o nome comercial Ritalina para referir ao seu princípio ativo, o Metilfenidato, o que inclui seu similar, o Concerta. A Ritalina, por ser o nome mais conhecido do Metilfenidato, foi privilegiada neste trabalho para se referir ao uso do estimulante.

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desenvolvimentais que não ocorrem no período estipulado, são retiradas de seus

contextos, isolados dos determinantes sociais, políticos, históricos e relacionais,

passando a ser compreendidos apenas como uma doença, que deve ser tratada. Trata-se

de uma abordagem reducionista dos processos sociais, relacionados à precarização das

condições de vida e à uniformização de comportamentos, sentimentos e pensamentos

(CRP/SP).

Cabe esclarecer que a figura “hiper ativa” que é o Menino Maluquinho de

Ziraldo tem aqui o papel de representar os sujeitos menores alcunhados neste processo.

A criança apresentada no livro traz o rótulo enquanto identidade; vê-se que durante toda

a escrita do autor o nome não é ao menos citado. Todavia, o livro consegue abarcar a

dimensão maior da experiência destas crianças: o desacordo com os padrões

estabelecidos num determinado sistema, faz-se habilidade em ambientes distintos.

As discussões realizadas neste estudo tratam da disfuncionalidade do sistema de

ensino, e da criança tida com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade2

(TDAH) como denunciante, logo, na tentativa matreira de velar, permeiam-se

maquinações de poder-dominação e assujeitamento, almejando manutenção e defesa do

status quo. E nesta busca pela supressão do balburdiante, ocorre uma pactuação com o

sistema de saúde que a partir de suas peculiaridades – relativas ao seu maior

representante, o médico – usa de sua “formula mágica” (no caso aqui a Ritalina) para

serená-los. Neste cenário, somam-se diferentes interesses, para além de disciplinares ou

mesmo de tamponamento, envolve também lógicas políticas e de mercado.

PROBLEMA E OBJETIVO A Devoração de Ritalina

2 A característica essencial do TDAH é um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade, mais freqüente e severo do que aquele tipicamente observado em indivíduos em nível equivalente de desenvolvimento (Critério A). Alguns sintomas hiperativo-impulsivos que causam prejuízo devem ter estado presentes antes dos 7 anos, mas muitos indivíduos são diagnosticados depois, após a presença dos sintomas por alguns anos (Critério B). Algum prejuízo devido aos sintomas deve estar presente em pelo menos dois contextos (por ex., em casa e na escola ou trabalho) (Critério C). Deve haver claras evidências de interferência no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional apropriado em termos evolutivos (Critério D). A perturbação não ocorre exclusivamente durante o curso de um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico e não é melhor explicada por um outro transtorno mental (por ex., Transtorno do Humor, Transtorno de Ansiedade, Transtorno Dissociativo ou Transtorno da Personalidade) (Critério E). São subtipos: (I) Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Tipo Combinado; (II) Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Tipo Predominantemente Desatento e (III) Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, Tipo Predominantemente Hiperativo-Impulsivo (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM IV).

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Segundo Itaborahy (2009) a Ritalina3, nome comercial do metilfenidato, tem

sido cada vez mais produzida e consumida no Brasil. Somente entre 2002 e 2006 a

produção brasileira de metilfenidato cresceu 465%. Sua vinculação ao diagnóstico de

TDAH tem sido fator predominante de justificativa para tal crescimento. Entretanto, os

discursos que circulam em torno do tema e legitimam seu uso também contribuem para

o avanço nas vendas. Estes discursos não estão despojados de atravessamentos sociais e

são o objeto de estudo desta pesquisa.

Ortega et al. (2010) trazem que este psicoestimulante é, sem dúvida, o mais

consumido no mundo, mais que todos os outros estimulantes somados. Ressalta que no

relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2008 sobre produção e consumo

de psicotrópicos, sua produção mundial passou de 2,8 toneladas em 1990 para quase 38

toneladas em 2006. Isto se deve, de acordo com o relatório, não só a sua vinculação ao

TDAH, mas principalmente devido à intensa publicidade do medicamento voltada

diretamente aos consumidores norte-americanos. O consumo nos Estados Unidos da

América (EUA) vem crescendo a cada ano, e hoje representa 82,2% de todo

metilfenidato consumido no mundo. A questão é tão alarmante que revistas como a

Veja de out./2004 trazia que até um terço dos garotos em idade escolar naquele país

usava Ritalina, embora muitos não precisassem. Assim, na terra dos tupiniquins não se

faz distinto, uma vez que há forte importação das tendências norte-americanas – é a

“Coca-Cola das Farmácias”. No ano 2000 o consumo nacional de Ritalina foi de 23 kg

(Lima, 2005 apud Itaborahy, 2009). Em 2006 o Brasil fabricou 226 kg de metilfenidato

e importou outros 91 kg (ONU, 2008).

A Ritalina ficou conhecida nos últimos anos por sua associação ao TDAH,

todavia, é comercializado desde os anos 50 na Suíça, na Alemanha e nos EUA. De

início sua indicação era para pessoas idosas para diminuir a fadiga. Não havia nenhum

diagnóstico específico para seu uso. Foi somente a partir de sua associação com o

TDAH que suas vendas alavancaram e a Ritalina tornou-se o estimulante mais

consumido no mundo. No Brasil foram vendidas quase 1.150.000 caixas de

metilfenidato somente em 2007 (ANVISA, 2009 apud Itaborahy, 2009).

3 A Ritalina tem como substância ativa o metilfenidato que atua como um fraco estimulante do sistema nervoso central, com efeitos mais evidentes sobre as atividades mentais do que nas ações motoras. Seu mecanismo de ação no homem ainda não foi completamente elucidado, mas acredita-se que seu efeito estimulante é devido a uma inibição da recaptação de dopamina no estriado, sem disparar a liberação de dopamina. O mecanismo pelo qual ele exerce seus efeitos psíquicos e comportamentais em crianças não está claramente estabelecido, nem há evidência conclusiva que demonstre como esses efeitos se relacionam com a condição do sistema nervoso central (Bula - Laboratório Novartis).

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A Atenção ou Desatenção à Infância4

Segundo Ariès (1981), diferentemente do que o senso comum produzido a partir

da perspectiva romântico-burguesa nos oferece, a delimitação de um tempo da vida do

homem como objeto de cuidado e educação especiais por parte da sociedade não é

universal, mas ocorre na Idade Moderna paulatinamente à substituição do modo de

produção feudal e sua organização social respectiva. Se, antes, a criança era considerada

o adulto em miniatura, participando sem reservas da vida social e produtiva assim que

se mostrasse vencedora dos altos índices de mortalidade infantil, a partir da segunda

metade do século XVIII principalmente, ela vai ser objeto de políticas públicas que

visavam resguardá-las e prepará-la para as atividades adultas. Decorrente das novas

necessidades de produção econômica, a criança passa a ser o centro a partir do qual toda

uma série de instituições vai se constituir e reconstituir: a família, a escola, os saberes

científicos vinculados se põem à luz na modernidade simultaneamente à emergência

dessa nova categoria social que é a infância.

Em 13 de julho de 1990, a partir da Lei nº. 8.069, fruto da luta de movimentos

sociais, profissionais e de pessoas preocupadas com as condições e os direitos infanto-

juvenis no Brasil, estabelece-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Trata-se

de um instrumento de cidadania, especialmente criado para assegurar os direitos e os

deveres das crianças e dos adolescentes, bem como dos adultos para com estes.

Determina o dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público

de defender, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à

saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. O ECA

dispõe em seu artigo 3º:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (p. 1).

4 A palavra infância, do latim in fans - o que não fala, está ligada diretamente à idéia de criança como ser em falta. (Sarmento, 2005). Não obstante, a concepção adotada aqui trata dum sujeito em desenvolvimento, com características peculiares, sendo fundamentais medidas e dispositivos especiais para preservá-la acerca de sua saúde e cidadania.

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Diante do problema que este trabalho apresenta, cabe indagar até que ponto tem-

se zelado por estas crianças? Uma vez que se tornam objetos frente aos experts

preocupados com a manutenção do status quo.

Assim torna-se contraditório ler no 5º artigo: “nenhuma criança ou adolescente

será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão,

aos seus direitos fundamentais” (ECA, p. 1). As crianças submetidas à indiscriminada

administração de Ritalina são vítimas num processo atroz, donde, em razão de interesses

mútuos, envolvendo principalmente as vertentes do Ensino e da Saúde, estão

descaradamente sendo tuteladas – sinaliza-se pelos números de consumo descritos.

PROCEDIMENTOS

Em vista dos enormes índices de consumo da Ritalina (acima descritos) e dos

diagnósticos5 questionáveis do distúrbio de déficit de atenção e hiperatividade, a

psicologia não pode fazer-se “míope”. Assim, na tentativa duma leitura provocativa

deste fenômeno social, contou-se com uma pesquisa qualitativa, através de entrevistas

semi-estruturadas realizadas com médicos clínicos gerais e neurologistas, educadores,

equipe pedagógica e crianças, envolvidos na administração da droga.

Segundo Minayo (2001), a pesquisa qualitativa se preocupa, nas ciências sociais,

com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com um

universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que

corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos

que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. Enfatiza que os autores

que seguem tal corrente não se preocupam em quantificar, mas sim, compreender e

explicar a dinâmica das relações sociais que, por sua vez, são depositárias de crenças,

valores, atitudes e hábitos. Trabalham com a vivência, com a experiência, com a

continuidade e também com a compreensão das estruturas e instituições como resultado

da ação humana objetiva. Ou seja, desse ponto de vista, a linguagem, as práticas e as

coisas são inseparáveis.

São inúmeras as publicações que circulam na mídia sobre não haver se quer uma

escola que não tenha pelo menos uma criança que faz uso de Ritalina, partindo dessa

5 A etiologia específica do TDAH é desconhecida e não há teste diagnóstico específico. O diagnóstico correto requer uma investigação médica, neuropsicológica, educacional e social (Bula Ritalina, Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA).

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idéia, fez-se uma sondagem nas escolas públicas de Educação Infantil e Ensino

Fundamental da cidade de Cláudio/MG e se escolheu para pesquisa a que teve maior

incidência do uso. A escola onde a pesquisa foi desenvolvida tem 388 alunos, 20 fazem

uso da Ritalina (cerca de 5%), fora outros que consomem diferentes psicotrópicos.

Segundo encaminhamentos da escola realizou-se as entrevistas com os médicos.

Neste estudo buscou-se reconhecer como as narrativas ou concepções descrevem

o padrão das relações estabelecidas, a dinâmica operante e os discursos arraigados e

propagados naqueles contextos específicos, logo, partiu-se para revisão de literatura.

Vale destacar que para as falas trazidas foram utilizados pseudônimos, bem como se

localizou os experts e os demais atores deste processo em notas de rodapé.

RESULTADOS E DISCUSSÃO O Sistema de Ensino: Quando o Objeto não se faz Pacientemente Ouvinte

Já nas décadas de 70 e 80 Paulo Freire discutia a necessidade de avançarmos na

concepção e no modelo de educação – educação ‘libertária’ –, uma vez que esta

correspondia a um instrumento opressor, de assujeitamento. Já na segunda década dos

anos dois mil, pouquíssimos avanços realizaram-se; as falas das crianças entrevistadas

fazem referência à velha sabatina. Não gosto de escola, a professora fica só dando

dever, falando e copiando! (SIE)6 A aula é chata, tinha que ser só umas duas horas!

Gosto de aprender, mas a aula é muita. É ruim ter que ficar só sentado escrevendo

(SIE)7. Vão de encontro à questão colocada por Freire sobre o sistema hegemônico

como uma forma ‘bancária’, onde as relações educador-educandos8 são

fundamentalmente narradoras, dissertadoras. “Narração ou dissertação que implica um

sujeito – o narrador – e objetos pacientes, ouvintes – os educandos (...) A tônica da

educação é preponderantemente esta – narrar, sempre narrar.” (FREIRE, 2005, p. 65).

Daí a primeira via de entrada para a medicalização, a pacificação do não paciente ou

intolerante ouvinte para a hábil execução das empreitadas escolares; assim: Quando

6 Lauro, 9 anos, aluno do 4º ano. 7 Vitor, 9 anos, aluno do 4º ano. 8 Termo também preferido aqui. A palavra aluno vem do latim “alumnus, alumnié” e significa “o que não tem luz, o que não trabalha, o que não tem direitos políticos, o que não é imputável, o que não tem responsabilidade parental ou judicial, o que carece de razão etc.” (SARMENTO, 2005, p. 2-3). Apesar de pejorativo, na contemporaneidade vê-se que é a visão ainda disseminada.

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tomo eu fico quieta no meu canto, escrevendo o que passa no quadro. A gente copia

muito! (SIE)9.

Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante. Em lugar de comunicar-se o educador faz ‘comunicados’ e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis a concepção ‘bancária’ da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los... Na visão ‘bancária’ da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro (FREIRE, 2005, p. 67).

Trata-se dum mesmo “arroz com feijão”, dia pós dia, onde o educando é

convidado, ou melhor, intimado a saborear. O Leonardo levanta o tempo todo. Tem que

ser uma coisa muito diferente pra prender a atenção dele. Não é possível, ele tem que

tomar remédio! O médico não passou Ritalina pra ele. A mãe não deu retorno, nunca vi

a cara dela, nunca veio numa reunião (SIE)10. Segundo Freire (2005) fala-se da

realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem-comportado, quando não,

disserta-se sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos educandos.

Esta vem sendo a suprema inquietação desta educação, a sua irrefreada ânsia. Nesta

“escola de mão única” onde quem pode fazer e acontecer é o professor, resta: Tomo esse

remédio pra ficar mais quieto, pra não ficar falando muito na escola. Pra não ficar

andando na sala de aula. Sem o remédio não consigo ficar quieto! É que quando a aula

ta muito sem graça, desanimada, eu perco a atenção. Bom é quando passa um trem

diferente, mas quase não tem! (SIE)11.

A Aline incomoda a sala toda, só quer saber de falar! Escutar que é bom nada

(SIE)12. Na ‘educação bancária’, o educador aparece como seu indiscutível agente,

como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos

de sua narração. Para isto: O remédio faz com que eles façam as tarefas, mas ainda com

ajuda do professor, mas aí ele já tem sossego de esperar porque são mais vinte e cinco

na sala. Pra gente é uma beleza! Sem o remédio ele fica sem fazer, além disso,

9 Lara, 8 anos, aluna do 2º ano, já repetiu de série uma vez. 10 Sônia, 37 anos, 11 de docência, Formada em Normal Superior, Especialista em Psicopedagogia. 11 João, 10 anos, aluno do 4º ano – já repetiu de série uma vez. 12 Regina, 48 anos, 24 de docência, Formada em Magistério e Pedagogia, Especialista em Alfabetização e Letramento.

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atrapalha. (SIE)13. “A narração os transforma em ‘vasilhas’, em recipientes a serem

‘enchidos’ pelo educador. Quanto mais vá ‘enchendo’ os recipientes com seus

‘depósitos’, tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente ‘encher’,

tanto melhores educandos serão” (FREIRE, 2005, p. 66). A palavra, nestas dissertações,

se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, em

verbosidade alienada e alienante. Buscam-se então caminhos, de preferência menos

trabalhosos, para a querida docilização, e estes concorrem ao lugar do bom educando

(ou melhor, aluno neste caso). Com o remédio a criança acalma, fica menos ansiosa,

tem mais concentração na aula. Melhora o nível de aprendizagem porque ele fica mais

tranqüilo e executam as tarefas. Sem, eles agitam a turma. Às vezes nem tem tanta

dificuldade assim, mais porque não ficam quietos (SIE)14.

Nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação,

não há saber. De acordo com Freire (2003) só existe saber na invenção, na reinvenção,

na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o

mundo e com os outros. Busca esperançosa também. “Não é de estranhar, pois, que

nesta visão ‘bancária’ da educação, os homens sejam visto como seres da adaptação, do

ajustamento” (FREIRE, 2005, p. 68). Quanto mais se exercitem os educandos no

arquivamento dos depósitos que lhes são feitos tanto menos desenvolverá em si a

consciência crítica de que resultaria sua inserção no mundo, como transformadores dele.

Como sujeitos. Na seguinte fala confirma-se a questão colocada por Paulo Freire: Há

garantias de aprendizagem, todos que tomam a Ritalina até agora deram retorno. Foi

possível que todos aprendessem a ler e escrever, que é a parte da escola! Todos tem

que aprender a ler e escrever, é a cobrança do governo, ele não está preocupado com

socialização, etc. (SIE)15. Quanto mais se lhes imponha passividade, tanto mais

ingenuamente, em lugar de transformar, tendem a adaptar-se ao mundo, à realidade

parcializada nos depósitos recebidos.

Cabe destacar aqui a discussão de Delou (2008) acerca da estruturação do

sistema de ensino: considera que ocorre uma massificação escolar, a qual gera

conseqüências. Aponta a diferenciação interna que estrutura o sistema escolar,

configura-se numa oferta heterogênica que não produz o mesmo desempenho e não tem

13 Regina, 48 anos, 24 de docência, Formada em Magistério e Pedagogia, Especialista em Alfabetização e Letramento. 14 Eloísa, 46 anos, 20 anos de experiência na área, 7 anos como Supervisora Pedagógica, Formada em Magistério, Pedagogia, Especialista em Educação Inclusiva. 15 Eloísa, 46 anos, 20 anos de experiência na área, 7 anos como Supervisora Pedagógica, Formada em Magistério, Pedagogia, Especialista em Educação Inclusiva.

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a mesma eficácia. A seguinte narrativa faz menção: Tem uma turma aqui que a gente

fala que é “promoção social”. Saindo daqui sei que eles não vão render, não vão

continuar, não sabem interpretar textos, resolver fatos! (SIE)16. Ainda segundo Delou

(2008), pode-se dizer que o primeiro mecanismo que gera a desigualdade é o

desenvolvimento de percursos construídos de acordo com os critérios de desempenho e

não com escolhas de orientação verdadeira e que realmente são de interesse dos alunos.

Desta maneira, os alunos que apresentam dificuldades são orientados por trajetórias

escolares desvalorizadas e cada vez mais o mercado escolar reforça este mecanismo de

tratamento.

Nesta estratégia de poder, e quiçá de dominação, em vista dos aspectos

mencionados, vê-se que via de regra o objeto não se faz pacientemente ouvinte, se

incomoda e causa incomodo acerca do lugar que tentam subjugá-lo. Não gosto da

escola. Direto fico de castigo! A Dona Regina fala que eu falo demais e levanto toda

hora (SIE)17. Concorda-se haver então um sintoma, porém, um sintoma literalmente

escolar, deste modelo de educação tecnicista, retrógrado, capenga, e porque não dizer

nazista. O aluno tem que aprender! A cúpula não fala a mesma língua do professor (...)

O ensino é algo que cai de cima para baixo e por isso que se chega ao aluno com

dificuldade de aprendizagem (SIE)18.

Apóia-se em Machado (1981) para salientar os princípios do poder tal como

discute Foucault. Elucida que o poder não é um lugar que se ocupa, nem um objeto que

se possui, mas uma relação. É algo que se exerce, funciona como uma máquina social.

Existem assim práticas de poder, via de regra, intencionais. Vê-se na seguinte fala: O

remédio se tornou uma espécie de dispositivo auxiliar na educação! A grande maioria

desses meninos só aprendeu a ler e escrever depois que começou a tomar Ritalina. Não

havia reforço que bastasse (SIE)19. Isto porque

O poder possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma ‘positividade’. E é justamente esse aspecto que explica o fato de que tem como alvo o corpo humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas para aprimorá-lo, adestrá-lo. Não se explica inteiramente o poder quando se procura caracterizá-lo por sua função repressiva. O que lhe interessa basicamente não é expulsar os homens da vida social, impedir o exercício de

16 Maria, 40 anos, Formada em Magistério e Normal Superior, Especialista em Supervisão e Orientação Educacional, a menos de um ano na Vice-Direção, 20 anos na docência. 17 Lara, 8 anos, aluna do 2º ano, já repetiu de série uma vez. 18 Virgínia, 38 anos, 18 anos como Supervisora Pedagógica, 20 de experiência na área, Formada em Pedagogia, Especialista em Administração e Inspeção Escolar. 19 Consuelo, 58 anos, 21 na docência, Formada em Magistério e Geografia, Profª. de Reforço.

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suas atividades, e sim gerir a vida dos homens, controlá-los em suas ações para que seja possível e viável utiliza-los ao máximo (MACHADO, 1981, p.193).

Trata-se, segundo Machado (1981) de algo estratégico, sempre com metas e

objetivos, está dirigido por uma intenção, como se percebe no seguinte dizer: Com o

remédio eles ficam mais calmos. Sem o remédio eles ficam muito eufóricos e desse jeito

não dá para dar aula! (SIE)20. Todavia, o autor ressalta que se há poder, há

resistência21. Como no jogo físico de ação e reação, o exercício de um poder implica

sempre uma resistência, isso é, um poder contrário, um contra-poder. Ninguém exerce

poder impunemente, e ninguém é apenas passivo nas relações de poder. Em vista disso,

presume-se os desatentos e hiperativos como adversos às atuais estruturas de ensino,

assim tendem a manifestar as discordâncias – são evidentes exemplos: Com o remédio

eu fico mais calmo, mais acaba que eu deito e fico dormindo na carteira. Toda hora a

dona Sônia tem que me chamar! (SIE)22. Chama atenção nesses meninos a inquietude e

a falta de concentração, e aí vem uma aprendizagem lenta. Às vezes trata-se de uma

apatia da criança que não reage àquilo (SIE)23.

“Meninos Maluquinhos”: A Patologização do Desviante

Quando um menino está agitado é comum a gente dizer que ele está precisando

de Ritalina! (SIE)24. Segundo Velho (2003) remete-se o desvio, via de regra, a uma

perspectiva de patologia. Sabe-se que os órgãos de comunicação de massa encarregam-

se de divulgar e enfatizar esta perspectiva quer em termos estritamente

‘psicologizantes’, quer em termos de uma visão que pretende ser ‘culturalista’ ou

‘sociológica’. Tradicionalmente o indivíduo desviante tem sido encarado a partir de uma

ideologia médica preocupada em distinguir o ‘são’ do ‘não-são’ ou ‘insano’. O TDAH é

uma doença e a Ritalina tem sido a melhor alternativa de tratamento nesses casos, até

20 Norma, 24 anos, Formada em Pedagogia, um ano de docência. 21 “A indisciplina engrandece-os, como afirmou uma professora, fazendo com que ganhem lugar de destaque e de ascendência sobre os colegas e, a partir deste lugar, enfrentem o poder constituído e instituído de alguns de seus professores. Quanto mais são temidos, mais motivos para que seus atos correspondam a este temor, numa emergência vigorosa de afrontamentos e enfrentamentos” (FERNANDES, 2010, p. 12). 22 Felipe, 10 anos, aluno do 5º ano. 23 Sônia, 37 anos, 11 de docência, Formada em Normal Superior, Especialista em Psicopedagogia. 24 Regina, 48 anos, 24 de docência, Formada em Magistério e Pedagogia, Especialista em Alfabetização e Letramento.

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porque não se sabe ao certo a origem específica (SIE)25. Dessa maneira, certas pessoas

apresentariam características de comportamentos ‘anormais’, sintomas ou expressão de

desequilíbrios ou doença. Tratar-se ia, então, de diagnosticar o mal e tratá-lo. O que leva

ao encaminhamento para o médico é a dificuldade de aprendizagem. Não prestam

atenção em detalhes, não concentram, não memorizam, são muito distraídos. É uma

agitação só. Porque tem esse comportamento não aprendem (SIE)26.

A idéia de desvio, de um modo ou de outro, implica a existência de um comportamento ‘médio’ ou ‘ideal’, que expressaria uma harmonia com as exigências do funcionamento do sistema social (...) Em antropologia, Margareth Mead, Ruth Benedict e seus discípulos enfatizaram a idéia de que cada cultura geraria personalidades características e o que é desviante na sociedade (...) A idéia de que uma sociedade ou cultura estabelece um modelo rígido (em certos casos únicos) para seus membros e que tal fenômeno é essencial para a continuidade da vida social permaneceu vigorosa (VELHO, 2003, p. 17).

Foucault (1991) discute o conceito de normalidade e anormalidade. A

normalidade aparece como um conceito regulador que serve para contemplar a realidade

a luz de um ideal (da norma) e denunciar seu desvio. Como uma fronteira que contribui

para afastar da realidade aquilo que não se submete a determinados modelos

supostamente racionais, universais, em suma homogeneizadores. Trata-se de um

construto humano elaborado em função de algumas opções prévias. Não é normal!

Atividades que exigem esforço eles desistem facilmente, não tem um pingo de

persistência, aí passam a gerar confusão com a turma! Tem atração só para aquilo que

acham interessante, como nas aulas de arte, quando tem experiência de ciências, pro

grosso mesmo eles não tem (SIE)27. Revela-se aqui mais semelhanças ao Menino do

livro de Ziraldo, todavia, ainda Maluquinho:

E quanto mais deixavam ele criar mais o menino inventava vestido de Doutor Silvana com óculos de aro grosso e jeito de maluquinho. A pipa que o menino maluquinho soltava era a mais maluca de todas rabeava lá no céu rodopiava adoidado caía de ponta cabeça e sua linha cortava mais que o afiado cerol. E a pipa quem fazia era mesmo o menino pois ele havia aprendido a amarrar a linha e a taquara a colar papel de seda e a fazer com polvilho o grude para colar a pipa triangular como o papai lhe ensinara do jeito que havia aprendido com o pai e o pai do pai do papai (1980, p. 47-49).

25 Gustavo, 27 anos, Médico da Estratégia de Saúde da Família (ESF), um ano na Clínica Geral. 26 Virgínia, 38 anos, 18 anos como Supervisora Pedagógica, 20 de experiência na área, Formada em Pedagogia, Especialista em Administração e Inspeção Escolar. 27 Norma, 24 anos, Formada em Pedagogia, a um ano na docência.

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Cabe ainda pensar os conceitos de desvio e divergência a partir das seguintes

falas: O TDAH não é um problema de aprendizado, como a Dislexia e a Disortografia,

mas as dificuldades em manter a atenção, a desorganização e a inquietude atrapalham

bastante o rendimento dos estudos (SIE)28. O problema maior às vezes nem é tanto o

aprendizado, mas a inquietude demasiada, a mexeção, a agitação, fazem um monte de

coisa ao mesmo tempo (SIE)29. Reporta-se novamente, a partir destas colocações, a uma

passagem do livro O Menino Maluquinho:

Às vezes sem qualquer ordem do papai e da mamãe se trancava lá no quarto e estudava e estudava e voltava do colégio com as provas terminadas, tinha dez no boletim que não acabava mais. Ele dizia aos pais cheio de contentamento: “Só tem um zerinho aí. Num tal de comportamento!” (ZIRALDO, 1980, p. 37).

Para Velho (2003), o desviante não é um indivíduo que está fora de sua cultura,

mas que faz uma ‘leitura’ em desacordo, trata-se, pois, duma relação de atores, onde

alguém se arroga representante da normalidade e “aponta o dedão: esse é esquisito!”30.

Ele não será sempre desviante. Existem áreas de comportamento em que agirá como

qualquer cidadão normal. Mas em outras divergirá, com seu comportamento, dos

valores dominantes. Deste modo, reforça-se a noção da criança com sintoma escolar

como aquele que prova reais indícios da falha; um desajustado deste sistema

uniformizador, formatador e que denuncia o fracasso do mesmo. Assim, “o ‘inadaptado’

é o indivíduo cuja individualidade é tão exacerbada que contraria as normas vigentes

(...) Indivíduos contidos em um sistema sociocultural que tem uma existência própria,

distinguível da biografia de seus membros” (VELHO, 2003, p. 19). Estes meninos tem

atração só para aquilo que acham interessante, pode olhar que lá na Educação Física é

bem diferente (SIE)31. O desassossego tido como desabilidade frente ao processo de

alfabetização apresenta-se como aptidão em ambiente distinto, trata-se então duma

divergência. Ziraldo (1980) escreve:

O menino maluquinho jogava futebol e toda turma ficava esperando ele chegar pra começar o jogo. É que o time era cheio de craques e ninguém queria ficar só no gol. Só o menino maluquinho que dizia sempre: “Deixa

28 Carlos, 20 anos de Medicina, há 10 anos na Neurologia. 29 Eloísa, 46 anos, 20 anos de experiência na área, 7 anos como Supervisora Pedagógica, Formada em Magistério, Pedagogia, Especialista em Educação Inclusiva. 30 De acordo com Freud (1917) o estranho, o diferente, a exceção, o particular, é que vai determinar o familiar, o igual, o comum e o padrão. Assim, “o estranho seria sempre algo que não se sabe como abordar” (FREUD, 1917, p.138). 31 Norma, 24 anos, Formada em Pedagogia, a um ano na docência.

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comigo!” E ia rindo para o jogo começar. E o menino maluquinho voava na bola e caía de lado e caía de frente e caia de pernas pro ar e caía de bunda no chão e dançava no espaço com a bola nas mãos. E a torcida ria e gostava de ver a alegria daquele goleiro. E todos diziam: “Que goleiro maluquinho!” (p. 88-96).

Sistemas de Ensino e Saúde: Uma Aliança pelo Disciplinamento Químico

Segundo Fernandes (2010)

A função da educação é fazer com que o sujeito que está sendo educado conviva bem no seu meio social, a ele adaptando-se e, para bem adaptar-se, é preciso bem disciplinar-se. Porém, a disciplina escolar não deve ser um meio de garantir sossego, paz exterior, silêncio (porque isso não seria um fim moral e sim coerção pura e simples), mas deve colaborar na construção da autodisciplina do aluno (p.3).

Ora, lamentavelmente deturpa-se a concepção de disciplina em vista da falta de

manejo na alteridade, tira-se de lição a colocação seguinte: Temos sempre que nos

policiar! É natural da criança fazer barulho, correr, pular, subir em muros e árvores,

brigar, esquecer a tarefa. Porém, a professorada não tem dado conta disso! Hoje,

qualquer uma que aja assim é imediatamente diagnosticada pelas ORAS (refere-se às

professoras, supervisoras, orientadoras, vice-diretoras e diretoras) como TDAH. Tenho

visto colegas cometerem inúmeros erros neste sentido. (SIE)32.

Foucault (1977), em Vigiar e Punir, define o conceito de disciplina como

técnicas de controle e sujeição do corpo com o objetivo de tornar o indivíduo dócil e

útil, capaz de fazer o que se quer e de operar como se quer. Nota-se a partir da fala que

segue: A educação está buscando caminhos para que a criança atinja os objetivos que é

aprender. Caminhos para a eficácia. Tenta de um jeito, tenta de outro. O tratamento

médico nesses casos é um caminho (...) O ponto principal é acalmar, tirar a agitação.

De todo jeito eles não conseguem uma aprendizagem normal, mas pelo menos deixam

os outros aprender! (SIE)33. A devida colocação, segundo Foucault (1977) denota uma

teoria materialista da ideologia nas sociedades capitalistas, implementada com o

objetivo de separar o poder do sujeito sobre a capacidade produtiva do corpo, necessário

a subordinação do trabalho assalariado ao capital.

De acordo com Foucault (1977) utiliza-se de “recursos para o bom

adestramento” (p. 143-162). Pressuposto inicial para o bom adestramento é a vigilância

32 Gilberto, 48 anos, 20 de Medicina, há 15 anos na Pediatria, exerce Clínica Geral na ESF. 33 Maria, 40 anos, Formada em Magistério e Normal Superior, Especialista em Supervisão e Orientação Educacional, a menos de um ano na Vice-Direção, 20 anos na docência.

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hierárquica. Demonstra no exemplo de escolas e também de fábricas, com a distribuição

de micro-poderes de vigilância autorizados por uma autoridade hierárquica superior.

Como no caso: Temos que ficar treinando eles para fazer provas do governo. Fazemos

o que o governo quer: meta! (SIE)34.

Toda a lógica militar reside sobre esse princípio. A sanção normalizadora, que deve ser genérica, bem como o exame são outras formas para se lograr um bom adestramento dos corpos. O exame combina as técnica da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza (...). A escola torna-se uma espécie de aparelho de exame ininterrupto que acompanha em todo o seu cumprimento a operação do ensino (FOUCAULT, 1977, p. 154-155).

Ainda sobre a teoria foucaultiana, a declaração seguinte designa a

individualização que se opera na vigilância e na normalização. Com a Ritalina tem

melhoras: há uma acomodação para aprender. Fica mais fácil para lidar no meio do

todo porque aproxima as reações. Mas não fica igual aos outros, pode mudar o

professor que chega naqueles! (SIE)35.

Não é, porém, uma individualização ascendente, que projeta a pessoa para o cenário principal. Num regime disciplinar, a individualização, ao contrário, é descendente à medida que o poder se torna mais anônimo e mais funcional, aqueles sobre os quais se exerce tendem a ser mais fortemente individualizados; e por fiscalizações mais que por cerimônias, por observações mais que por relatos comemorativos, por medidas comparativas que têm a norma como referência, e não por genealogias que dão os ancestrais como pontos de referência; mais por desvios que por proezas (FOUCAULT, 1977, p. 160-1).

Para Le Breton (2003) os psicotrópicos (hipnóticos, tranqüilizantes, barbitúricos,

antidepressivos ou estimulantes) tornaram-se técnicas banais de estabelecimento de

modelos de comportamento e do humor, produtos de consumo comum, muitas vezes

fora de qualquer contexto patológico. Os episódios mencionados direcionam-se a

referida idéia: Hoje está ficando mais comum o diagnóstico do TDAH, até porque tem si

discutido muito. As escolas encaminham bastante! A questão é que não há exame

médico específico; se faz pelos relatórios produzidos pela escola e relatos da família.

Mas geralmente o que realmente pesa são os comprometimentos escolares (SIE)36. Com

o medicamento o aluno está sob controle. Resolve o problema de disciplina! (...)

Porque têm alguns que tomam no horário de aula. Medicamentos que sobram ficam

34 Ana, 32 anos, Formada em Magistério e Normal Superior, 13 anos de docência. 35 Ana, 32 anos, Formada em Magistério e Normal Superior, 13 anos de docência. 36 Gustavo, 27 anos, Médico da ESF, um ano na Clínica Geral.

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aqui, de aluno transferido ou que mudou a fórmula. Caso chega um sem remédio e tá

meio impossível a gente acaba tendo que dar. Quando eles estão sem remédio às

professoras quase morrem (SIE)37.

Fica claro que “o domínio químico do cotidiano não poupa a criança” (LE

BRETON, 2003, p. 58), conduta mágica que garante pelo menos um controle sobre o

orgânico, onde o ambiente social não é problematizado, mas que contribui para a

manutenção da ordem das coisas por meio da comodidade e da eficácia. A fala seguinte

ilustra a então conquista do êxito: Muito se fala sobre o aumento do uso da Ritalina,

mas sua eficácia é visível! Com meus pacientes tenho 100% de acerto. As escolas têm

dado retorno positivo e já encaminharam mais (SIE)38.

Conforme traz Le Breton (2003),

Nos anos 80, nos EUA, considerava-se uma criança demasiado ativa como manifestando um déficit de atenção. Ela entrava no registro das patologias da química cerebral e da constituição genética. Milhões de estudantes hoje são tratados com ritaline ou outros medicamentos em virtude de sua dificuldade de aprendizagem ou de perturbações que provocam em suas classes. São tratados por ansiedade, depressão, depressão, problemas de comportamento etc. A educação familiar é protegida dessa forma, de qualquer dúvida quanto a seu funcionamento, tem certeza de jamais estar errada. Presume-se uma “disfunção cerebral leve”, mesmo se os exames neurológicos nada detectam e se as crianças suspeitas de carregar essa patologia estejam às vezes muito calmas no momento das consultas. As obras sobre esse problema afirmam que esse comportamento não é contraditório e que o médico não deve recuar diante da prescrição de medicamentos para “acalmá-la” (p. 58).

Quanto ao itinerário da criança o neurologista explica consoante sua alçada: Ela

passa primeiramente por uma avaliação do Clínico Geral, caso haja necessidade é

encaminhada para o Neurologista, especialista nestes casos. Aqui, na consulta inicial

pede-se alguns exames para se verificar a existência de lesão ou alteração neurológica.

Tem-se contato também com os relatórios produzidos pela escola. Pra lá são

encaminhados questionários sobre o desempenho da criança nas diferentes rotinas. É

baseado na comunicação com a escola e com a família que se fecha o diagnóstico do

transtorno (SIE)39. Efetua-se, de acordo com Le Breton (2003), a biologização do

sintoma da criança naturalizando suas condutas – que pretensamente agora exprimem

sua patologia e não mais seu sofrimento por estar imersa numa situação em que não

encontra sua razão de ser.

37 Selma, 50 anos, 10 anos como Diretora, 27 de experiência na área, Formada em Pedagogia e Letras, Especialista em Supervisão Escolar. 38 Marcos, 35 anos, 8 anos de Medicina, há 3 anos na Neurologia. 39 Marcos, 35 anos, 8 anos de Medicina, há 3 anos na Neurologia.

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A escuta da criança, o suporte afetivo, o acompanhamento ao seu lado, a detecção de violências familiares ou escolares deixam de se impor quando se trata de cuidar estritamente do sintoma (a criança transformada em terminal biológico) sem ter mais de interrogar as causas (o sistema de relações que está imersa)” (LE BRETON, 2003, p. 58).

“Sossega Leão”: Biopoder

O Jornal do Conselho Federal de Psicologia (CFP) de out./2011 traz uma matéria

sobre o II Seminário Internacional de Educação Medicalizada, com o título: “A

crescente medicalização de esferas da vida preocupa a Psicologia”, em especial destaca

o Metilfenidato que por ser amplamente difundido, ganhou o apelido de “a droga da

obediência”. O que é veramente percebido nos dizeres: O acerto com a Ritalina é muito

relativo, temos que ajustar a dosagem junto com o Neurologista até conseguir, porque

às vezes não é suficiente. Suficiente é quando conseguem ser mais obedientes,

conseguem concentrar, se organizar, fazer as atividades (SIE)40.

Sabe-se que no exercício de poder, no almejo da dominação, há uma oposição,

uma intransigência diante dos imperativos do Mestre para com o pupilo. Portanto,

conclui-se que este se encontra desautorizado, assim, na ânsia de concretizar sua

indeclinável missão (ensinar o bê-a-bá), associa-se ao todo poderoso da atualidade – os

Doutores. Ocorre uma transferência de papéis: da família para a escola e a escola pede

socorro para o médico (SIE)41. Estes, enquanto legítimos representantes da ciência dos

corpos, ficam na condição de realizar a subserviência.

Sobre o domínio da ciência no corpo, Novaes (2003), citando Valéry, discute

que o organismo feliz ignora-se, e a arte do corpo consiste no silêncio eterno de toda

uma parte da sensibilidade possível: existe coisa mais excitante para o espírito do que a

ignorância do seu corpo? A maravilha consiste em nada conhecer deste nosso corpo.

Para o espírito não existe coração, fígado, cérebro. Quando ele descobre esses órgãos,

descobre-os como se descobre a América (descoberta científica) – como coisa estranha

e estrangeira.

De acordo com Novaes (2003) se a perfeição é o esquecimento de certos

fenômenos, o corpo contemporâneo é absolutamente imperfeito, uma vez que ele se

tornou não apenas objeto de controvérsias, mas também campo de todas as experiências

40 Ana, 32 anos, Formada em Magistério e Normal Superior, 13 anos de docência. 41 Virgínia, 38 anos, 18 anos como Supervisora Pedagógica, 20 de experiência na área, Formada em Pedagogia, Especialista em Administração e Inspeção Escolar.

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possíveis. O corpo transformou-se em máquina ruidosa a ser reparada a cada

movimento. Máquina defeituosa, rascunho, segundo Le Breton, sobre o qual a ciência

trabalha para aperfeiçoá-lo. Esse pensamento objetivo ignora o homem como sujeito e

trata-o como um dos objetos manipuláveis. Tal pensamento operatório não é formulado

sem conseqüências: o mundo natural, e nele o humano, é apresentado como imensa

máquina, espécie de relógio cujas peças se ajustam perfeitamente umas às outras. Tudo

é mecanismo.

Ao falar em silêncio e ruídos, é imprescindível trazer a entrevista da socióloga

Flávia Shilling (Perdigão, 2005), sobre silenciamentos e resistência. Fala do silêncio

imposto, relacionado à hierarquia, a forma de repressão. Inibindo opiniões destoantes,

constrangendo a espontaneidade e a liberdade de expressão. Chama atenção que a

mesma diz na qualidade de ex-presa política na época da ditadura militar, mas, não é o

que vem se repetindo para com estas crianças que caguetaram a falha do sistema de

ensino? “Apesar dos pesares”, Flávia Shilling refere-se a uma situação bastante análoga

a aqui discutida – indiscriminada administração de Ritalina:

Silêncio vindo de fora, porque em última instância a ditadura é uma forma de silenciamento de falas que se opõe a uma determinada visão de sociedade; a repressão política é o silenciar de setores que de alguma maneira tentam mudar alguma ordem. Agora, eu estou falando desse vir de fora do silêncio como algo que tenta ser imposto, porque quando eu recordo a prisão, eu a recordo como um lugar muito loquaz” (PERDIGÃO, 2005, p. 151).

“Até Cego Vê”: Estratégias Econômicas e Políticas

Segundo Londres (2007):

É de conhecimento público a declaração de um dirigente de uma grande empresa de medicamentos a respeito do que ele pensava em relação à sua área de atuação. Dizia que sonhava produzir medicamentos que seriam destinados a pessoas saudáveis, pois assim a sua empresa poderia vender para todo o mundo. Isso é o que acontece quando algum dos setores da área da Saúde deixa o caminho eminentemente social e se joga inteiro no comércio de seus produtos ou serviços. (p.117).

O autor considerava tal declaração meio exagerada, pelo menos naqueles dias,

apesar de acreditar que provavelmente habitava o inconsciente coletivo da classe.

Atualmente, no avassalar do capital, onde o estilo de vida é “fast-food” e a saúde se

encontra no “pregão”, é impossível questionar. Londres (2007) ressaltava que não

podemos descartar a idéia de que a noção de mercado é muito mais importante para os

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fabricantes de medicamentos do que a noção do bem-estar daqueles a serem atingidos

por seus produtos. “A saúde financeira dos acionistas é mais importante do que a saúde

dos usuários” (LONDRES, 2007, p. 117).

De acordo com Londres (2007) o problema aparece quando aquilo que deveria

ser o ponto de apoio de uma instituição passa a ser sua própria essência. A inversão das

prioridades – os meios antes das finalidades, ou melhor, o dinheiro antes do bem-estar –

cria mais que um conflito, uma inversão de postura moral. “Em Saúde, ou

consideramos o aforismo hipocrático de que ‘antes de tudo não fazer mal’ ou estamos

prostituindo uma missão de extrema nobreza, considerando o ganho financeiro acima do

benefício a ser distribuído” (LONDRES, 2007, p.121). Ainda sobre a mercantilização

da saúde, Londres manifesta-se:

A aparência é de um bem que se vende, porém a realidade é a procura de um dinheiro que se subtrai da população. Estamos vivendo os estertores de um período com características específicas: o capital arrasa o social, o curto prazo despreza o longo prazo, o presente desconsidera o futuro, o genérico esmaga o específico, o “eu” apaga o outro, o egoísmo mata a alteridade, e assim por diante. É um mundo cada vez mais fechado, cada vez mais idiota, cada vez menos cidadão. O pensamento social foi corroído pelos dois lados: por fora, pela oposição do capitalismo; e por dentro, pela intolerância do consumismo. “A humanidade está órfã de si mesma” (2007, p.120).

Sobre o âmbito político, Ignácio & Nardi (2007) discutem que o dispositivo de

medicalização opera mobilizando estratégias e formas de assujeitamento, e por estar

ligado a configurações de saber que dele nascem e igualmente o condicionam. Pode

tratar-se tanto de discurso quanto de práticas, de instituições quanto de táticas moventes.

Entendem este dispositivo como produtor de tecnologias de si que operam nos corpos

como estratégias de controle legitimadas político e socialmente por estarem acopladas

aos modos de subjetivação contemporâneos. O indiscriminado e crescente uso de

Ritalina, neste contexto, é uma expressão da biopolítica (enquanto governo da vida)

como controle da população e como uma forma de disciplinarização dos corpos. “O

dispositivo de medicalização é interior à biopolítica e age formando modos de ser e

instaurando uma normalidade medicalizada, na qual a expressão do sofrimento (de

qualquer origem e forma) não se torna objeto de reflexão e busca de construção de

outras formas de ser, mas sim de um ‘bloqueio químico’ das emoções” (IGNÁCIO &

NARDI, 2007, p. 89).

O processo de “cala-boca” sob estas crianças “delatoras” faz-se em razão dum

semblante, onde não há nada de errado com o sistema de ensino, muito menos com o de

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saúde. O que é veramente mais cômodo, uma vez que não tem de se reavaliar as devidas

operações e melhor ainda, que Estado não sonha com uma massa homogênea e,

sobretudo alienada! Logo, faz-se mister lembrar a canção de Zé Ramalho:

Vocês que fazem parte dessa massa que passa nos projetos do futuro. É duro tanto ter que caminhar e dar muito mais do que receber... E ter que demonstrar sua coragem à margem do que possa parecer. E ver que toda essa engrenagem já sente a ferrugem lhe comer... Êeeeeh! Oh! Oh! Vida de gado. Povo marcado, Êh! Povo feliz!... Lá fora faz um tempo confortável a vigilância cuida do normal. Os automóveis ouvem a notícia, os homens a publicam no jornal... E correm através da madrugada a única velhice que chegou. Demoram-se na beira da estrada e passam a contar o que sobrou... Êeeeeh! Oh! Oh! Vida de gado. Povo marcado, Êh! Povo feliz!... O povo foge da ignorância apesar de viver tão perto dela. E sonham com melhores tempos idos contemplam essa vida numa cela... Esperam nova possibilidade de verem esse mundo se acabar. A Arca de Noé, o dirigível não voam nem se pode flutuar, não voam nem se pode flutuar, não voam nem se pode flutuar... Êeeeeh! Oh! Oh! Vida de gado. Povo marcado, Êh! Povo feliz!... (Admirável Gado Novo, 1980).

Na intolerância à diferença, nesta falta de manejo com a alteridade, segundo

Ignácio & Nardi a medicalização como um dispositivo biopolítico emerge na cena

moderna como os programas de higienização realizados na Europa entre os séculos

XVII e XVIII: medidas de saneamento coletivo para banir pestes, infecções e doenças,

sem dizer da separação de doentes prostitutas e desocupados. “A medicalização assume

uma conformação que se adapta à biopolítica” (IGNÁCIO & NARDI, 2007, p. 90).

E a Psicologia faz Coro

Sabe-se que historicamente a profissão de psicólogo surge ligada às demandas

de um regime disciplinar de adequar, ajustar. “Um profissional comprometido com a

adaptação social, com a legitimação de formas instituídas, hegemônicas de ser na

sociedade” (PRAÇA & NOVAES, 2004, p. 23). O psicólogo aplicava testes para

selecionar “o funcionário certo para o lugar certo”, classificar o escolar numa turma que

lhe fosse adequada, para treinar o operário, programar a aprendizagem etc.

Sobre a Lei 4.119 que dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e

regulamenta a profissão de Psicólogo, de 27 de Agosto de 1962, no governo João

Goulart, Souza (2009) comenta:

Interessa particularmente na lei 4.119, regulamentada pelo decreto nº. 53.464, de 21 de Janeiro de 1964, as atribuições básicas do psicólogo que, além de diagnóstico psicológico, orientação e seleção profissional e orientação psicopedagógica, tem a função de solucionar problemas de ajustamento. Esse último não é um mero detalhe, cujos reflexos ainda são

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sentidos nas expectativas depositadas nos psicólogos pela sociedade em quaisquer áreas de atuação: proceder com o objetivo de adaptar os sujeitos à ordem econômica, política e social instituída no país (SOUZA, 2009, p. 60).

Praça e Novaes (2004), explicam que essas funções ainda são importantes na

definição da identidade profissional do psicólogo, evidenciando que as vinculações da

psicologia às demandas de um regime disciplinar estão presentes até hoje. A

intervenção profissional voltada para a conformidade e o ajustamento do homem ao

meio denota a grande ausência da dimensão social na concepção da psicologia sobre seu

objeto de estudo.

Diferenças individuais, perspectivas classificatórias, noções abstratas de ser humano e de mundo psicológico nas quais a noção de potencialidades estava dada de forma apriorística à vida, a própria noção de desenvolvimento, permitiram que as condições sociais que facilitam ou impedem o "desenvolvimento" do sujeito ficassem camufladas por detrás de discursos abstratos e ideológicos. Na área da educação existe um exemplo bem evidente: falamos de fracasso escolar e de dificuldades de aprendizagem nos referindo sempre ao aluno. Como podemos acreditar que uma parte apenas de um processo (a criança) fracasse sozinha? O processo de ensino-aprendizagem fracassou, não o aluno. Não temos dúvida, hoje, de que a Psicologia contribuiu para ocultar as condições desiguais de vida no decorrer da História. (BOCK, 1999, p. 325).

As instituições esperam comportamentos que mantenham uma “estabilidade” e

uma produtividade adequada à reprodução das relações sociais de produção, como é no

caso da escola. Logo, cabe questionar qual é a demanda pelo psicólogo nesse cenário

nacional.

Se a saúde mental for considerada como um estado de bem estar de sujeitos singulares, conquistado nas suas relações objetivas, quem demandaria a atuação do psicólogo na sociedade? Quem definiria o que é bem estar? E em que situações seriam possíveis ser sujeito em uma sociedade que mercantiliza até as emoções? (BRANCO, 1998, p.29).

Conforme traz Souza (2009) um estudo do Conselho Federal de Psicologia

(CFP, 1988) revela um diagnóstico propensamente negativo da profissão. Mesmo com a

ampliação e revisão das práticas do campo, a Classificação Brasileira de Ocupações

(CBO, 2002) descreve uma profissão ainda calcada em atividades prioritárias de

ajustamento social – cura de patologias.

Entende-se que “o modelo curativo e assistencialista, voltado para o setor de

atendimentos privados foi se consolidando dentro da categoria dos psicólogos,

tornando-se o paradigma hegemônico da profissão” (DIMENSTEIN, 2001, p. 59). Uma

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questão a se pensar, é até que ponto os profissionais da psicologia têm buscado um

afastamento do modelo biomédico, espelho da clínica tradicional. De acordo com Souza

(2009) historicamente os cursos de graduação enfatizam uma formação que privilegia a

cura e o ajustamento dos sujeitos, sendo quase que ausentes (ou na melhor das hipóteses

relegadas ao segundo plano) as problematizações maiores sobre a organização da

sociedade – herança, quiçá, das diretrizes sobre a função do psicólogo (lei 4.119). Deste

modo, tem se caracterizado, mormente, por uma formação técnica e pouco dialógica.

Logo, “não há uma preocupação com o grupo, com a coletividade, mas com o indivíduo

isoladamente e, até certo ponto, com o sofrimento de cada um. Essa tônica

individualista, um tanto voltada para o patológico, seria a resultante do modelo clínico

que permeia o curso e se torna hegemônico na prática profissional” (CARVALHO et.

al, 1988, p. 57 apud SOUZA, 2009, p. 65).

Segundo Dimentein (2001) historicamente a psicologia ignorou a realidade

social e as necessidades e sofrimentos da população, levando profissionais a cometer

muitas distorções teóricas, a práticas descontextualizadas e etnocêntricas, e a uma

psicologização dos problemas sociais, na medida em que não são capacitados para

perceber as especificidades culturais dos sujeitos. Deste modo, a psicologia vem

servindo de suporte científico das ideologias dominantes, das relações hierarquizadas de

poder, e para a manipulação das maiorias pobres por uma minoria ― cúmplice da já

conhecida política de dominação dos mais fracos (como exemplo discutido neste

trabalho). “A psicologia veio se configurando como um instrumento útil para a

reprodução das estruturas injustas de nossos sistemas sociais, especialmente latino-

americanos” (MARTIN-BARÓ, 1997 apud DIMENSTEIN, 2001, p. 59).

CONCLUSÃO

É redundante ainda indagar sobre a posição do psicólogo frente às questões

levantadas! Entende-se que o mesmo pode ser “peça chave” na desqualificação dos

processos supracitados, devido sua permeabilidade nos ambientes escolares/

educacionais e de saúde, bem como por sua extensa clientela advinda destes espaços;

logo deve envolver-se nesta luta, não eximindo as dimensões institucionais de se

problematizarem. Buscar-se-à o afastamento do modelo clínico tradicional e

hegemônico, calcado na cura de patologias. Deseja-se, sobretudo, um olhar social

dentro do ambiente clínico, bem como um olhar clínico para o contexto social.

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Acredita-se que o trabalho deve apontar para a transformação social, para a

mudança das condições de vida, estamos falando do compromisso, portanto de uma

perspectiva ética. Concorda-se com Bock (1999) quando ela expõe que o psicólogo não

pode mais ter uma visão estreita de sua intervenção, pensando-a como um trabalho

voltado para um indivíduo, como se este vivesse isolado, não tivesse a ver com a

realidade social, construindo-a e sendo construído por ela. É preciso ver qualquer

intervenção, mesmo que no nível individual, como uma intervenção social e, neste

sentido, política e posicionada. Deve-se acabar com a idéia de que mundo psicológico

não tem nada a ver com mundo social. Que sofrimento psíquico não tem nada a ver com

condições objetivas de vida. Os psicólogos precisam ter clareza de que no exercício de

seu ofício estão com sua prática e seu conhecimento interferindo na sociedade. Há

exemplos de como os conceitos da psicologia serviram para acobertar as desigualdades

sociais.

Entende-se que assumir compromisso social em psicologia é acreditar que só se

fala do ser humano quando se fala das condições de vida que o determinam. É também

buscar estranhar o que hoje já parece familiar; é não aceitar que as coisas são porque

são, mas sempre duvidar e buscar novas respostas. Compromisso social é estranhar, é

inquietar-se com a realidade, é buscar saídas inovadoras, é apostar no devir.

Portanto, faz-se fundamental, de acordo com Dimenstein (2001),

Sujeitos dinamizadores, capazes de revolucionar o cotidiano na medida em que recusam o determinismo absoluto que aniquila os possíveis espaços de liberdade, de criação, de diversidade (...) Trata-se, pois, de um profissional norteado por modelos de explicação ampliados acerca do complexo promoção-saúde-cuidado e formas de intervenção flexíveis que levam em conta as necessidades e prioridades de saúde da clientela, e que possui efetiva capacidade para lidar com uma realidade desafiadora e complexa, que não se encontra enclausurada nos modelos teóricos aprendidos na academia. Ou seja, um profissional não escravizado pela técnica, pelo saber totalizante dos experts, por rituais profissionais. ( p. 59).

Ao conceber a crescente e indiscriminada administração de Ritalina como um

“sintoma social”, acredita-se que “termos práticas terapêuticas deve significar termos

práticas capazes de alterar a realidade social, de denunciar as desigualdades, de

contribuir para que se possa cada vez mais compreender a realidade que nos cerca e

atuarmos nela para sua transformação no sentido das necessidades da comunidade

social” (BOCK, 1999, p. 327).

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À medida que a psicologia e os psicólogos ainda servem como agentes de

adequação, normalização e controle social – um corretivo para o que é considerado um

comportamento “anormal” – permeia-se uma ética perversa, pois, dessa forma, o sujeito

torna-se objeto. Ao responder a este tipo de demanda, o psicólogo se compromete com a

reprodução das relações instituídas e funciona como legitimador da desumanização do

homem; ferindo os princípios fundamentais de sua deontologia profissional:

O psicólogo baseará seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Seu trabalho visará à promoção de saúde e a qualidade de vida das pessoas e das cole-tividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural (Código de Ética do Psicólogo, 2005, CFP).

Em vista das inúmeras crianças clientes do Metilfenidato, bem como de todas

estas organizações que vem demandado a habilidade psi, cabe ao psicólogo interrogar-

se constantemente sobre seu fazer de forma crítica: “agente de transformação ou agente

de adequação?” (PRAÇA & NOVAES, 2004, p. 46). E faz-se essencial, portanto,

pensar: quem sabe não se tem impedido estes sujeitos de serem apenas “crianças”!

Sobre o Menino de Ziraldo:

E como toda a gente o menino maluquinho cresceu. E como tudo na vida os anos foram passando. Cresceu e tornou-se num rapaz muito ajuizado. Aliás, tornou-se no rapaz mais ajuizado do mundo! E foi então que toda a gente descobriu que ele não tinha sido um menino maluquinho, ele tinha sido era um menino FELIZ!!!!!!! (1980, p.107-109).

Deixa-se por fim uma provocativa a partir do fragmento de uma das entrevistas:

As crianças da minha época subiam em árvores, brincavam na rua. Hoje as árvores tão

cortando tudo, a rua foi tomada pela violência e pelas drogas; sobra dentro de casa, e

lá a babá é a televisão, quando não a internet ou o vídeo-game. Na correria e na

compração dos dias de hoje, estamos estragando a meninada! (SIE)42.

REFERÊNCIAS

ARIÈS, Philippe; FLAKSMAN, Dora. Historia social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 279 p.

42 Gilberto, 48 anos, 20 de Medicina, há 15 anos na Pediatria, exerce Clínica Geral na ESF.

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MEMORIAL

O presente estudo parte do interesse em relação às temáticas presentes na

Psicologia Social sobre nosso modelo de sociedade: sujeitos, grupos, instituições e seus

nuances. E, sobretudo, da experiência como Professor da Educação Básica que se

deparou, rotineiramente, com as muitas caixas do Metilfenidato, etiquetadas, segundo

seus cativos e período de execução. Bem como, com a continuidade das exceções, pra

não dizer estigma, que estas crianças sofrem no contexto escolar.

É importante salientar que o problema em questão não é exclusividade da

Escola/ Cidade onde se desenrolou a pesquisa, trata-se apenas duma amostragem frente

uma realidade que compromete, segundo revisão de literatura, o Brasil. Pode-se

considerar uma “bomba-relógio”, em termos de Saúde e Educação, pronta para explodir.

Bomba esta ainda aquecida por questões parentais/ familiares que, se trazidas aqui,

gerariam discussões para uma Tese.

Destaca-se, pois, a receptividade da equipe escolar para com a pesquisa, talvez

até não atribuída à relevância do problema, mas pela carência de falar deste “ambiente

adoecido”, somado a qualidade do trabalho, a desvalorização da classe, as queixas de

remuneração e ao descompromisso dos responsáveis pelas crianças. Já o acesso aos

“Doutores”, não foi tão fácil, quando possível disponibilizar um curto tempo, estes via

de regra mostraram-se “cabreiros”, quando não absolutos em suas colocações. Graças,

toda regra tem sua exclusão.

Chama atenção à espontaneidade das crianças entrevistadas e a crítica acerca do

diagnóstico e uso da Ritalina. Descrevem, quase que de forma cômica, a percepção

acerca da precarização do sistema.