Parmênides e o caminho da justiça

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Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 50 ISSN 2175-0947 PARMÊNIDES E O CAMINHO DA JUSTIÇA 1 Hilda Helena Soares Bentes 2 Resumo: Propõe-se a analisar o pensamento de Parmênides, indicativo de uma concepção de Justiça a meio caminho entre o período pré-socrático e os sistemas filosóficos de Platão e Aristóteles. Inscreve-se Parmênides na fronteira de um pensar mítico e na busca de uma ordenação racional de ideias. O caminho delineado por Parmênides estabelece vias antitéticas, destacando-se o caminho do conhecimento verdadeiro. Viagem conduzida pela Deusa Justiça, em que se revela o itinerário rumo a um nível de maior abstração, afastando- se do plano da dóxa, reino das opiniões contrastantes. Trata-se da viagem do homem sábio em busca da sabedoria, dos fundamentos teóricos que balizam a condição humana e o Direito. Palavras-chave: Pré-socráticos; Justiça; Conhecimento; Filosofia do Direito. Abstract: It seeks to analyze Parmenides´ thought, expressive of a conception of Justice that can be situated between the presocratic period and the philosophical systems of Plato and Aristotle. Parmenides is classified on the border of a mythical thinking and a search of a rational organization of ideas. The way outlined by Parmenides establishes two antithetical directions, with emphasis on the way of true knowledge. The journey is led by the Goddess of Justice, occasion when the path towards a level of more abstraction is taken, off the dóxa stage, considered the realm of the contrasting opinions. It concerns the journey of the wise man in search of wisdom, of the theoretical bases that founded the human condition and the Law. Keywords: Presocratics; Justice; Knowledge; Philosophy of Law. 1 Artigo recebido em 13/07/2011 e aprovado para publicação pelo Conselho Editorial em 20/07/2011. 2 Doutora em Filosofia do Direito pela PUC/SP e Professora Adjunta da Universidade Católica de Petrópolis – UCP. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7621671933218419. E-mail: [email protected].

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Artigo cientifico de Hilda Helena Soares Bentes que é Doutora em Filosofia do Direito pela PUC/SP e Professora Adjunta da Universidade Católica de Petrópolis– UCP. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7621671933218419. E-mail: [email protected].

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  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 50 ISSN 2175-0947

    PARMNIDES E O CAMINHO DA JUSTIA1

    Hilda Helena Soares Bentes2

    Resumo: Prope-se a analisar o pensamento de Parmnides, indicativo de uma concepo de Justia a meio caminho entre o perodo pr-socrtico e os sistemas filosficos de Plato e Aristteles. Inscreve-se Parmnides na fronteira de um pensar mtico e na busca de uma ordenao racional de ideias. O caminho delineado por Parmnides estabelece vias antitticas, destacando-se o caminho do conhecimento verdadeiro. Viagem conduzida pela Deusa Justia, em que se revela o itinerrio rumo a um nvel de maior abstrao, afastando-se do plano da dxa, reino das opinies contrastantes. Trata-se da viagem do homem sbio em busca da sabedoria, dos fundamentos tericos que balizam a condio humana e o Direito. Palavras-chave: Pr-socrticos; Justia; Conhecimento; Filosofia do Direito. Abstract: It seeks to analyze Parmenides thought, expressive of a conception of Justice that can be situated between the presocratic period and the philosophical systems of Plato and Aristotle. Parmenides is classified on the border of a mythical thinking and a search of a rational organization of ideas. The way outlined by Parmenides establishes two antithetical directions, with emphasis on the way of true knowledge. The journey is led by the Goddess of Justice, occasion when the path towards a level of more abstraction is taken, off the dxa stage, considered the realm of the contrasting opinions. It concerns the journey of the wise man in search of wisdom, of the theoretical bases that founded the human condition and the Law. Keywords: Presocratics; Justice; Knowledge; Philosophy of Law.

    1 Artigo recebido em 13/07/2011 e aprovado para publicao pelo Conselho Editorial em 20/07/2011. 2 Doutora em Filosofia do Direito pela PUC/SP e Professora Adjunta da Universidade Catlica de Petrpolis UCP. Currculo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7621671933218419. E-mail: [email protected].

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    INTRODUO

    O tema visa, principalmente, a efetuar uma abordagem sobre a concepo de Justia

    esboada pelo pr-socrtico Parmnides. Afigura-se como um caminho necessrio para a

    perfeita compreenso da Justia o resgate de pensadores que erigiram conceitos matriciais

    para a Filosofia do Direito, como Anaximandro, Herclito e Parmnides.

    Trata-se, portanto, de recuperar o sentido originrio de Justia e do arcabouo

    conceitual que os gregos, como os grandes tericos da Justia, nos legaram. Parmnides

    representa um momento culminante do perodo que antecede aos grandes sistemas

    filosficos de Plato e Aristteles, sendo, portanto, fundamental que a ele retornemos para

    extrairmos suas preciosas lies.

    Na primeira parte uma breve contextualizao da biografia de Parmnides

    oferecida. Essa etapa importante para apresentar o momento histrico em que Parmnides

    viveu e refletiu sobre as vicissitudes da vida humana e as exigncias da plis. Acentuam-se as

    influncias filosficas que se cruzam no limiar do esplendor dos grandes filsofos gregos,

    tendo Scrates como o ponto de referncia.

    Parte-se, em seguida, para uma anlise sobre o poema Sobre a natureza, ttulo

    comum entre os pr-socrticos e tema recorrente na reflexo levada a cabo por esses

    pensadores. Poeticamente construdo, o poema prenuncia conceitos de enorme ressonncia

    na histria do pensamento filosfico ocidental. No que concerne questo da Justia,

    avultam as figuras mticas de forte simbologia, assim como conceituaes que permitem

    vislumbrar um conceito de Justia num nvel mais abstrato.

    E o caminho para a Justia delineado por Parmnides, forma pura que busca um

    sentido incorpreo. Representa o esforo do homem que persegue a sabedoria localizada

    num plano de abstrao mais pronunciado, distanciando-se do mundo sublunar, mbil, das

    opinies dissonantes. Cuida-se de seguir os passos rumo a uma fonte de saber inusitada e

    que ser desenvolvida com vigor pelos filsofos posteriores.

    Nosso caminho terico e descritivo. Visa a acompanhar o pensamento instigante

    de Parmnides atravs da leitura de seu poema e de seus comentadores. Considerados como

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    os grandes tericos da Justia, os gregos lanam os alicerces de uma poderosa interrogao e

    de um problema permanente para a Filosofia do Direito, qual seja, a Justia.

    1- BREVE PERFIL DO PR-SOCRTICO PARMNIDES

    Parmnides nasceu em Elia, colnia grega situada no sul da Itlia, que viria a

    constituir-se num centro filosfico de importncia capital para o desenvolvimento do

    pensamento especulativo. A sua biografia marcada por vrios pontos obscuros e

    controversos, porm sabe-se, de acordo com os relatos doxogrficos, que Parmnides teria

    tido uma enorme projeo devido ao fato de pertencer a uma famlia de elevada

    preeminncia social e de ter tido uma atuao poltica significativa ao elaborar uma

    importante legislao para sua cidade. , no entanto, no aspecto da cronologia que as

    maiores incertezas aparecem, provocando divergncias insuperveis. Costuma-se fixar o

    acme da vida de Parmnides na sexagsima nona Olimpada (504-500 a.C.), informao

    derivada de Apolodoro e transmitida por Digenes Lartios3.

    contemporneo de Herclito, com quem polemiza por considerar ilusrias e

    insustentveis as suas ideias sobre o devir e os opostos. Quanto ao seu nascimento, as

    discrepncias aumentam, no obstante a maior parte dos comentadores aceite o testemunho

    de Plato que relata o encontro de Parmnides, aos sessenta e cinco anos, com o jovem

    Scrates em Atenas. Como esse teria sido condenado morte, em 399 a.C., aos setenta

    anos, estabelece-se, com alguma preciso, que Parmnides teria nascido em 515 a.C. A data

    do florescimento fornecida pela doxografia e a do nascimento deduzida de Plato so

    3 John Burnet (1994, p. 142-143) salienta que a informao de Apolodoro, relatada por Digenes Lartios, leva em considerao a fundao da cidade de Elia, ocorrida em 450 a.C., poca em que se fixa o acme de Xenfanes de Clofon. Parmnides teria nascido nesta data, da mesma forma como se estabelece o nascimento de Zeno, correspondendo ao florescimento do primeiro, ou seja, por volta de 500 a.C. Vale dizer, Apolodoro costumava fazer combinaes entre o acme e o nascimento dos pr-socrticos, o que, para Burnet, no devem ser levadas em considerao. Consultem-se, igualmente, os seguintes autores com relao biografia de Parmnides: Barnes (1997); Bornheim (1991); Brun (1991); Kirk., Raven, Schofield (1994); Lartios (1977).

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    discordantes, mas o comentrio platnico tem prevalecido como historicamente mais

    relevante.4

    Vrias influncias sobre o pensamento de Parmnides so apontadas pela tradio

    doxogrfica, particularmente do pitagrico Ameinias. No entanto, a despeito de algumas

    ideias msticas presentes na sua doutrina, Parmnides afasta-se do pitagorismo devido ao

    carter dualista implcito na teoria dos opostos, que converge, no obstante, para uma

    unidade numrica5 constituinte das coisas. Presume-se tambm que teria conhecido

    Xenfanes de Clofon. Da crtica ao politesmo e ao antropomorfismo da religio,

    Xenfanes postula a existncia de um Deus caracterizado pela unicidade, identidade e

    imobilismo, apreensvel pelo pensamento. Esse aspecto da concepo religiosa de Xenfanes

    considerado como uma antecipao da teoria parmenideana do Ser, despojada do

    elemento da divindade absoluta e pensada exclusivamente em termos metafsicos6.

    Importa sublinhar que Parmnides coloca-se em oposio filosofia milesiana, em

    especial ao monismo materialista, ou seja, tentativa de encontrar uma substncia primria

    criadora do cosmo, e nfase no mltiplo como gerao e corrupo das coisas. Nega,

    igualmente, o mobilismo e a doutrina dos contrrios de Herclito, banindo o devir da

    cogitao filosfica. Todavia, se o conceito de phsis no pensamento pr-socrtico implica

    uma investigao sobre o Ser em nvel metafsico, poder-se-ia afirmar que com Parmnides

    h a elaborao explcita e rigorosa de uma teoria sobre o Ser de forma radical e definitiva. 4 O testemunho de Plato encontra-se no dilogo Parmnides (Ou: Sobre as idias. Gnero lgico), in verbis: Ento, Antifonte disse que Pitodoro lhe contara como, de uma feita, Zeno e Parmnides vieram as grandes Panatenias. Parmnides j era de idade avanada, cabeleira inteiramente branca e de presena nobre e veneranda; poderia ter sessenta e cinco anos. [...] Scrates nesse tempo era muito jovem [...]. In: :___. Dilogos de Plato: Parmnides Filebo. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belm: Universidade Federal do Par, p. 19-85, 1974, v.VIII. (Coleo Amaznica/ Srie Farias Brito), p. 22. 5.PESSANHA, Jos Amrico Motta. Do mito filosofia. In: Os pr-socrticos: fragmentos, doxografia e comentrios. Trad. Jos Cavalcante de Souza et al. So Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os Pensadores), p.20. 6.Quanto s informaes doxogrficas, ver particularmente o testemunho de Digenes Lartios, na obra j mencionada, livro IX, captulo 3, 21, p.256. Com relao aos comentrios acerca das doutrinas pitagrica e a de Xenfanes, consultar Bornheim, 1991, p.30 e 47-48; Kirk., Raven, Schofield (1994, p.172-177; 228-231; 242-246). Vale transcrever o comentrio de Aristteles na Metafsica com relao aos pitagricos: [...] Os Pitagricos, por sua parte, disseram igualmente que existem dois princpios, mas acrescentaram isto, que lhes peculiar: para les, o finito e o infinito no so atributos de outras coisas, p. ex. do fogo, da terra ou de algo semelhante, mas o prprio infinito e a unidade constituem a substncia das coisas de que so predicados. Eis a por que o nmero foi para les a substncia de tdas as coisas. [...] In: ___. Metafsica. Trad. Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1969. (Biblioteca dos Sculos), livro I, 987a, 10-20, p.49.

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    A phsis (natureza; processo de nascimento e crescimento; natureza de um ser; princpio

    originrio) o Ser concebido em termos lgicos e abstratos, superando as incertezas da

    mudana e da multiplicidade7.

    A importncia da doutrina parmenideana pode ser aquilatada no curso da histria

    da filosofia. Parmnides representa um corte significativo em relao s concepes

    especulativas anteriores e uma alavanca propulsora para o desenvolvimento dos sistemas

    filosficos posteriores, desde Plato e Aristteles at a Idade Mdia, com reflexos at a

    Modernidade. considerado o fundador da Metafsica e da Lgica8. Com ele inicia-se um

    perodo em que a filosofia adquire autonomia em face dos fatos observveis da natureza,

    instaurando, em contrapartida, um rgido esquema dicotmico entre ser e no-ser, entre

    essncia e aparncia, entre verdade e opinio, que repercute h mais de vinte e cinco

    sculos, ora abstraindo o homem da realidade, ora dilacerando-o, ora apaziguando-o num

    gigantesco esforo de reconciliao das antinomias propostas pelo filsofo de Elia9.

    2- O POEMA: SOBRE A NATUREZA

    Parmnides autor de um poema intitulado Sobre a natureza, escrito em versos

    hexmetros e composto de duas partes distintas, aps um prlogo, de teor marcadamente

    alegrico: a primeira parte refere-se ao Caminho da Verdade, em que Parmnides expe

    com rigor a concepo sobre a verdadeira natureza do real; a segunda denomina-se o

    Caminho da Opinio, delineado segundo o padro cosmolgico jnio, restando dessa parte

    7.Cf. especialmente com referncia ao afastamento de Parmnides do monismo materialista, Burnet (Op. cit., p.150), e Guthrie (1987 p.43-44). Quanto considerao da phsis de Parmnides entendida como a procura absoluta do sentido do Ser, ver Gomperz (1949, p.170-172). 8. Cabe assinalar que, conquanto seja atribudo a Parmnides o mrito de ter primeiro formalizado os princpios bsicos da Lgica, esta s foi sistematicamente discutida e classificada a partir de Aristteles, que, superando a dialtica platnica, instituiu os instrumentos necessrios para a realizao do conhecimento e da elaborao do discurso. Para um aprofundamento da noo de Lgica, suas classificaes e desdobramentos, consultar o verbete Lgica, in Mora (1996, p.431-437). 9.Cf. Kirk., Raven, Schofield (Op. cit., p.251); Morente (1980, p.72-79).

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    poucos fragmentos, o que contribui para manter esses versos remanescentes envoltos numa

    obscuridade difcil de ser eliminada10.

    O prlogo do poema transmite ainda a viso de um mundo marcada pela herana

    mtica, ou seja, a linguagem de Parmnides ainda potica na medida em que utiliza

    recursos imagsticos provenientes da histria dos Mestres da Verdade, expresso usada por

    Marcel Detienne na sua obra Os mestres da verdade na Grcia arcaica11, que, atravs da

    palavra mgico-religiosa, haviam sido os condutores iluminados da Altheia (Verdade).

    Com efeito, o poeta, o adivinho e o rei de justia so, naquele contexto, os portadores de

    uma mensagem inspirada, como manifestao da Altheia, ou seja, da verdade revelada

    somente queles possuidores de uma memria sacralizada12, acesso concedido aos

    privilegiados que tm o dom de penetrar nos mistrios e decifrar o invisvel, o absoluto, o

    inescrutvel.

    A utilizao da simbologia ligada Altheia afigura-se no somente adequada para

    veicular o sentido de uma viagem descobridora e ascensional rumo Verdade absoluta,

    como tambm, simultaneamente, para descortinar toda a carga de ambiguidade que essa

    palavra encerra, dimenso que Parmnides preserva por ser inerente condio humana13.

    Na verdade, o promio apresenta a configurao do homem sbio14 em busca do

    conhecimento filosfico, modelado ainda em conformidade com as figuras arquetpicas da

    tradio mtica, e a prefigurao da base estrutural do poema, formada por caminhos

    antagnicos impregnados por um imaginrio alternante de Dia x Noite, de Luz x Trevas,

    representaes metafricas para expressar a oposio entre Altheia e dxa (opinio).

    10.Cf. Barnes (1997, p.150); Kirk., Raven, Schofield (1994., p.251); Zeller (1980, p.49-50). Para um melhor entendimento, convm transcrever o significado de verso hexmetro: Diz-se de ou verso grego ou latino de seis ps, podendo os quatro primeiros ser dtilos ou espondeus, sendo o quinto dtilo, e o sexto espondeu. In: HOUAISS, Antnio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 1.017. 11. Cf. 1988, passim. 12.DETIENNE, Marcel. Os mestres da verdade na Grcia arcaica. Trad. Andra Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p.17. 13. Detienne trata explicitamente de Parmnides em diversas partes, podendo-se citar, especificamente, as pginas 14, 69, 70, 71 e 72, da obra citada. Com referncia tradio mtica e viagem rumo ao saber, vrios comentadores abordam o tema; porm, mencionamos aqueles que mais contriburam para a compreenso do prlogo de Parmnides: Cornford (1981, p.191-195); Gernet (1968, p.241-249); Jaeger (1989, p. 151-152); Marques, (1990, p.43-54). 14. JAEGER, op. cit., p.152.

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    Parmnides conta esta viagem rumo sabedoria alegoricamente no prlogo, que,

    afortunadamente, foi conservado por Sexto Emprico:

    As guas que me levam onde o corao pedisse conduziam-me, pois via multifalante me impeliram da deusa, que por todas as cidades leva o homem que sabe; [...] quando se apressavam a enviar-me as filhas do Sol, deixando as moradas da Noite, para a luz, das cabeas retirando com as mos os vus. l que esto as portas aos caminhos de Noite e Dia. [...] destes Justia de muitas penas tem chaves alternantes. A esta, falando-lhe as jovens com brandas palavras, persuadiram habilmente a que a tranca aferrolhada depressa removesse das portas; [...] E a deusa me acolheu benvola, e na sua a minha mo direita tomou, e assim dizia e me interpelava: jovem, companheiro de aurigas imortais, tu que assim conduzido chegas nossa morada, salve! Pois no foi mau destino que te mandou perlustrar esta via (pois ela est fora da senda dos homens), mas lei divina e justia; preciso que de tudo te instruas, do mago inabalvel da verdade bem redonda, e de opinies de mortais, em que no h f verdadeira. No entanto tambm isto aprenders, como as aparncias deviam validamente ser, tudo por tudo atravessando (grifos nossos).15

    importante enfatizar que o primeiro verso coloca-nos perante a palavra corao

    (em grego, thyms, geralmente traduzida por corao ou desejo), vital para a compreenso

    15.Utilizamos a traduo de Jos Cavalcante de Souza, em PARMNIDES DE ELIA. Fragmentos: Sobre a natureza. In: Os pr-socrticos: fragmentos, doxografia e comentrios. Seleo de textos e superviso Prof. Jos Cavalcante de Souza. Trad. Jos Cavalvante de Souza et al. So Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os Pensadores), p.121-122. Importa sublinhar, como fazem Kirk, Raven e Schofield (op. cit., p.254), que o promio de Parmnides tem vrias ressonncias com a Teogonia: a origem dos deuses, de Hesodo, principalmente no que se refere s portas do Dia e da Noite e revelao transmitida por uma divindade. Cf. em especial os seguintes versos da Teogonia: a origem dos deuses, v. 22-25 e 29-32, p.107: Elas [as Musas heliconades] um dia a Hesodo ensinaram belo canto/ quando pastoreava ovelhas ao p do Hlicon divino./ Esta palavra primeiro disseram-me as Deusas/ Musas olimpades, virgens de Zeus porta-gide:/ (...) Assim falaram as virgens do grande Zeus verdicas,/ por cetro deram-me um ramo, a um loureiro vioso/ colhendo-o admirvel, e inspiraram-me um canto/ divino para que eu glorie o futuro e o passado, [...]. In: HESODO. Teogonia: a origem dos deuses. 3. ed. rev. Traduo e estudo Jaa Torrano. So Paulo: Iluminuras, 1995. (Biblioteca Plen).

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    global do poema parmenideano. De fato, o desejo de saber componente indispensvel

    para impulsionar o homem que busca o conhecimento, vido por alcanar a compreenso

    do mundo e do Ser. E nesse percurso, o jovem que se envereda para o caminho da verdade

    encontra nas divindades uma recepo acolhedora para as suas pretenses, porquanto as

    filhas do Sol dispem-se a gui-lo at a deusa, que o recebe afavelmente, toma-lhe a mo

    direita e ensina-lhe a verdadeira senda da sabedoria16. Essa disposio para o conhecimento

    abre a possibilidade para o dilogo, permitindo ao jovem ter acesso palavra sagrada,

    memria, em suma, altheia. Este processo de des-velamento, sugerido poeticamente

    pelas filhas do Sol, que das cabeas retirando com as mos os vus, transforma o homem

    que procura o saber em sophs, palavra que est vinculada ao adjetivo saphs (claro,

    verdadeiro). O jovem atinge a sua meta: ele contempla a Luz.

    Toda a riqueza polissmica da palavra Altheia manifesta-se intensamente, pois

    Peith, a doce persuaso que a acompanha, faz-se presente no prlogo: as filhas do Sol

    persuadem Dke (Justia) a abrir a porta que conduz ao caminho da sabedoria. Associada

    igualmente Altheia, encontra-se Pstis, que corresponde confiana, fidelidade. Pstis

    um elemento importante no esquema do poema na medida em que d suporte e

    credibilidade ao discurso da deusa, revelador de duas vias mutuamente excludentes. Com

    efeito, a deusa proclama no prlogo que o jovem necessita instruir-se da verdade e da

    opinio de mortais, em que no h f verdadeira. Alm disso, a presena de Pstis refora a

    idia de deciso e deliberao do jovem em seguir as palavras divinas e consagrar-se sbio.

    Esses componentes no poema so indcios relevantes para se desfazer o equvoco de que

    Parmnides seria um pensador abstrato, alheio a qualquer considerao de natureza

    emotiva, porquanto a busca da verdade, para Parmnides, necessariamente uma questo

    de f e de desejo, e apresenta assim toda sua dimenso afetiva, pois essencialmente um

    movimento humano.17

    16.Consoante Marcelo Pimenta Marques (Op. cit., p. 44), fica estabelecida uma relao de reciprocidade entre o nvel humano e o divino, o que impulsiona o desdobramento de todo o poema. 17.MARQUES, Marcelo Pimenta. O caminho potico de Parmnides. So Paulo: Loyola, 1990. (Coleo Filosofia 13), p.51. importante mencionar, como acrescenta o autor citado, a crtica que Nietzsche (1995, p. 57) dirige a Parmnides em contraposio a Herclito: [...] tambm ele um profeta da verdade, mas parece feito de gelo e no de fogo, e irradia sua volta uma luz fria que queima. Ver Detienne (Op. cit.,

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    Configura-se, no prlogo, uma tessitura complexa em torno da metfora do

    caminho, eixo estrutural que se desdobrar na composio de todo o poema. O jovem

    empreende uma caminhada mtica e filosfica, ultrapassando a obscuridade e vislumbrando

    a esfera luminosa do conhecimento verdadeiro. Porm, a deusa mostra-lhe no s o

    caminho da verdade, mas tambm o caminho do no-ser e o da opinio (dxa), dos quais

    ele deve instruir-se para ser capaz de chegar a um correto discernimento. O cruzamento dos

    caminhos no poema um tema controvertido, mas foroso constatar que Parmnides no

    constri simplesmente rgidos pares antitticos e irreconciliveis; ele insere-se na

    ambiguidade da palavra Altheia, trabalha os opostos como constituintes indispensveis do

    processo de desvelamento, que necessita do jogo de contrrios para poder realizar a sntese

    almejada. Ademais, em Parmnides entrecruzam-se duas direes existenciais definidas: nele

    inscrevem-se o sbio, o profeta que adquire o dom da palavra mgica, e, simultaneamente, o

    legislador, ou seja, o cidado da plis, espectador da emergncia da palavra-dilogo, e

    responsvel por ordenar as opinies que se confrontam incessantemente18.

    O tema do caminho remete a uma questo fundamental desenvolvida no poema de

    Parmnides: o mtodo (mthodos). Com efeito, mtodo composto de met e ods

    (caminho), significando precisamente uma investigao que efetuada de acordo com um

    procedimento especfico com vistas a alcanar o conhecimento de alguma coisa19. Trata-se,

    portanto, de estabelecer um percurso racional rigoroso, apto a tornar o discurso filosfico

    inteligvel, superador das sendas enganadoras do mundo sensvel, onde se contrapem

    opinies discrepantes. John Burnet considera que o grande mrito de Parmnides reside na

    inveno de um mtodo de racionar, erigindo as categorias que podem ser pensadas e

    excluindo as afirmaes contraditrias20. A apreciao de Werner Jaeger merece ser

    transcrita por descrever, com pertinncia, a correspondncia entre a metfora do caminho e

    a descoberta do mtodo:

    p.70), no que concerne s foras positivas que esto agregadas palavra altheia, conferindo-lhe eficcia e realizao. 18.Cf. com relao temtica do caminho e da ambiguidade no poema parmenideano, Marques (Op. cit., p.19-47). 19.Cf. Chau (2002, p.505). 20.Cf. 1994., p.150.

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    A descoberta do pensamento puro e da sua necessidade rigorosa surge em Parmnides como a abertura de um novo caminho, mais, do nico caminho praticvel para chegar posse da verdade. A partir deste instante, a imagem da via reta (&) da investigao aparece constantemente. E, embora por enquanto no passe de uma imagem, j possui, todavia, uma ressonncia terminolgica que, especialmente na oposio entre o caminho certo e o errado, se aproxima do sentido do mtodo. aqui que tem razes este conceito cientfico fundamental. Parmnides o primeiro pensador que levanta conscientemente o problema do mtodo cientfico e o primeiro que distingue com clareza os dois caminhos principais que a filosofia posterior h de seguir: a percepo e o pensamento. O que no conhecemos pela via do pensamento apenas opinio dos homens. Toda a salvao se baseia na substituio do mundo da opinio pelo mundo da verdade. Parmnides considera esta converso como algo violento e difcil, mas grande e libertador. [...] (grifos nossos).21

    Nos versos seguintes Parmnides ir demonstrar o seu mtodo de investigao,

    apontando o Caminho da Verdade como a nica possibilidade de aceder ao conhecimento.

    O mtodo utilizado a confrontao de duas vias diante das quais o homem tem de decidir

    que direo tomar sob pena de emaranhar-se numa nvoa de contradio: a primeira via a

    afirmao de que o Ser , enquanto que a segunda a sua negao, indicando que o No-

    Ser no . Essas proposies exclusivas visam a superar a ambiguidade mtica contida na

    palavra Altheia e a acenar para uma nova formalizao com relao ao Ser e Verdade:

    claramente identificado, o Ser afasta-se do No-Ser, que diludo no Nada, nada dele pode-

    se conhecer e dizer. O Ser plenamente concebido a verdadeira constituio das coisas, a

    phsis, a partir da qual o homem metafsico que surge dessa ruptura construir um discurso

    calcado no que realmente pode ser pensvel e exprimvel. a Razo, deificada por

    Parmnides, que proclama as palavras fundantes de um novo pensar filosfico:

    Pois bem, eu te direi, e tu recebe a palavra que ouviste, os nicos caminhos de inqurito que so a pensar: o primeiro, que e portanto que no no ser, de Persuaso o caminho (pois verdade acompanha);

    21.Op. cit, p.151. Ver no mesmo sentido a anlise de Bruno Snell (1965, p. 341-354.) acerca do caminho como smbolo na cultura grega.

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 60 ISSN 2175-0947

    o outro, que no e portanto que preciso no ser, este ento, eu te digo, atalho de todo incrvel; pois nem conhecerias o que no (pois no exeqvel), nem o dirias ... [...] ............. pois o mesmo a pensar e portanto ser.(grifos nossos)22

    Especialistas observam que o uso do verbo grego enai (ser), desdobrado nos dois

    enunciados caracterizadores das duas vias de investigao, ou seja, est () e ouk est (no ),

    revela o sentido de verdade, de existncia, daquilo que evidente por si mesmo. No poema

    parmenideano, verifica-se o emprego do uso veritativo do verbo para afirmar o que ou no

    real e verdadeiro, centrado na unicidade do Ser, e, igualmente, do uso predicativo para

    expressar as propriedades inerentes ao Ser nico, que pensado a partir da negao do

    nada23. Parmnides desenvolve ao mximo uma poderosa reflexo metafsica sobre a

    linguagem, utilizada como recurso para conhecer o real, em torno de um centro

    minsculo, a pequena palavra grega , o verbo ser24, como analisa Marcel Detienne. O verbo ser transforma-se em postulado transcendental, em Ser universal e abstrato,

    porquanto o ser (t n, substantivo abstrato derivado de enai) que percebido e pensado

    (do verbo noen) constitui-se em ontologia, pois o mesmo a pensar e portanto ser,

    sentena nuclear da doutrina de Parmnides25.

    3- O CAMINHO DA JUSTIA

    Da univocidade do Ser e da excluso do No-Ser, Parmnides ir enunciar os

    princpios lgico-ontolgicos da identidade e da contradio, o que implica uma

    22.Traduo de Jos Cavalvante de Souza, Os pr-socrticos, da Coleo Os Pensadores, p.122. A problemtica do Ser e do No-Ser intensamente discutida pelos comentadores, indicando-se entre os principais: Burnet (Op. cit., p.149-150); Brun (1991, p.61-64; Kirk., Raven, Schofield (Op.cit, p. 255-256); Marques (Op. cit p.55-67). 23.Ver em especial o trabalho desenvolvido por Charles H. Kahn no que concerne ao uso veritativo do verbo ser em grego, em Sobre o verbo grego ser e o conceito de ser, passim. 24.Op.cit, p.70. 25.Este verso, traduzido como pois pensar e ser o mesmo, por Gerd Bornheim, em Os filsofos pr-socrticos. 7. ed. So Paulo: Cultrix, 1991, p.55, tem suscitado vrias polmicas entre os estudiosos do perodo pr-socrtico. Kirk, Raven e Schofield (Op. cit., p.257) comentam que este fragmento foi acrescentado por Clemente e Plotino, tendo sido omitido no relato doxogrfico de Simplcio.

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 61 ISSN 2175-0947

    descontinuidade com o pensamento anterior, dominado pela palavra ambgua e mgica de

    Altheia, pura epifania, para se converter em discurso racional, regido pela lgica da

    contradio26, Altheia dessacralizada. No Caminho da Verdade anunciado, Parmnides ir

    revestir Altheia de atributos que convergem para a ideia de unidade do Ser, desviando-se da

    equivocidade de predicados mltiplos e contraditrios: o Ser ingnito, imperecvel,

    indivisvel, uno, contnuo, imvel, completo. Deve-se enfatizar que o plano

    divino interfere no discurso argumentativo, pois Dke, Annke (necessidade, destino) e

    Mora (o destino de cada um)27 compem a trplice presena divina de deusas com poderes

    de ligao, ordenao, amarrao e encaminhamento unificado.28 Com efeito, todo o

    frreo encadeamento lgico elaborado por Parmnides tem na metfora das correntes29,

    que as divindades expressam, um suporte eficiente para apontar um novo caminho, um

    novo mtodo de raciocnio, como pode-se constatar na exposio da deusa:

    S ainda (o) mito de (uma) via resta, que ; e sobre esta indcios existem, bem muitos, de que ingnito sendo tambm imperecvel, pois todo inteiro, inabalvel e sem fim; nem jamais era nem ser, pois agora todo junto, uno, contnuo; pois que gerao procurarias dele? Por onde, donde crescido? Nem de no ente permitirei que digas e pense; pois no dizvel nem pensvel que no ; [...] Nem jamais do que em certo modo permitia fora de f

    26.DETIENNE, 1988, p.74. 27.De acordo com as informaes contidas no Glossrio de termos gregos, do livro Introduo histria da filosofia: dos pr-socrticos a Aristteles, v.1, de Marilena Chau, Annke significa a necessidade como constrangimento ou coero; destino inevitvel e inelutvel determinado pelos deuses; [...]; lei na natureza. Inicialmente indica os laos de sangue que determinam o destino individual pelos laos do parentesco da famlia e da estirpe; a necessidade significa que no se pode negar a origem e o destino que ela impe a algum; juridicamente, que no se pode negar a herana a algum e algum no pode recusar-se a receber a herana da famlia (estes sentidos so prprios de uma sociedade aristocrtica e desta necessidade-destino que falam as tragdias gregas). Necessidade a ordem das coisas estabelecidas pela divindade como lei; lei da Natureza. Coisas e humanos so forados ou constrangidos a ser como so e a agir como agem por fora da necessidade (divina, natural). Ope-se ao acaso. [...], p. 494-495; Mora quer dizer o destino de cada um, a necessidade que rege o curso das coisas. uma palavra da mesma famlia de mros, parte. [...] A mora a parte ou quinho que cabe a cada um e, por extenso, o destino. [...], p.506. 28. MARQUES, O caminho potico de Parmnides, p.73. 29.G.S. KIRK; J.E. RAVEN; M. SCHOFIELD, Os filsofos pr-socrticos: histria crtica com seleco de textos, p.259. Cf. no mesmo sentido Marques (Op. cit., p.72-74).

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 62 ISSN 2175-0947

    nascer algo alm dele; por isso nem nascer nem perecer deixou justia, afrouxando amarras, mas mantm; e a deciso sobre isto est no seguinte: ou no ; est portanto decidido, como necessrio, uma via abandonar, impensvel, inominvel, pois verdadeira via no , e sim a outra, de modo a se encontrar e ser real. [...] Nem divisvel , pois todo idntico; nem algo em uma parte mais, que o impedisse de conter-se, nem algo menos, mas todo cheio do que , por isso todo contnuo; pois ente a ente adere. Por outro lado, imvel em limites de grandes liames sem princpio e sem pausa, pois gerao e perecimento bem longe afastaram-se, rechaou-os f verdadeira. O mesmo e no mesmo persistindo em si mesmo pousa. e assim firmado a persiste; pois firme a Necessidade em liames (o) mantm, de limite que em volta o encerra, para ser lei que no sem termo seja o ente; [...] outro fora do que , pois Moira o encadeou a ser inteiro e imvel; [...] Ento, pois limite extremo, bem terminado , de todo lado, semelhante a volume de esfera bem redonda, do centro equilibrado em tudo;[...] (grifos nossos)30

    Dke, a Justia de muitas penas, potncia divina vinculada Altheia: ela que

    guarda as chaves do caminho da verdade. Implacvel, ela simboliza a ordenao do mundo,

    a sentena que declara a medida justa. No poema parmenideano, articulada revelao da

    verdade, ela assume tambm o papel corretivo da razo ao estabelecer com rigor os

    pressupostos lgicos do pensamento31. Da mais alta relevncia a invocao que a deusa faz

    da lei divina e justia, ou seja, de Thmis e Dke, intimamente associadas para conduzir o

    jovem verdadeira conscincia filosfica. Consoante aprecia Marcelo Pimenta Marques,

    utilizando Thmis e Dke conjuntamente, Parmnides articula uma lei que ultrapassa o

    humano e uma norma que se inscreve nele. A partir dessa articulao ele aponta para os

    30.Traduzido por Jos Cavalvante de Souza, em Os pr-socrticos, da Coleo Os Pensadores, p.123-124. 31.Cf. Detienne (Op. cit., p.70).

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 63 ISSN 2175-0947

    caminhos que se distinguem medida que se aproximam ou se afastam da lei divina.32

    As concepes relativas Thmis e Dke, vale dizer, ao sentido de justia divina e

    de prescrio imperativa, so referncias importantes na elaborao de um discurso

    filosfico de validade universal, capaz de fixar com solidez os fundamentos essenciais que

    devero nortear o homem na sua existncia. O conceito consagrado de Thmis e Dke aflora

    com mais nitidez na medida em que se investiga a origem etimolgica dessas palavras,

    conforme demonstra mile Benveniste: Thmis provm do snscrito rta correspondente ao

    vocbulo latino ars, que significa ordem, e tambm de dhaman, em grego thmis, sentido

    de lei, cuja raiz dhe quer dizer estabelecer, colocar, ou seja, Thmis passa a representar

    a lei posta que tem por base uma ordem divina33; Dke, por seu turno, deriva da raiz deik,

    resultando em grego deknumi (mostrar) e em latim dico (dizer), donde o significado de

    mostrar verbalmente, com autoridade, uma prescrio normativa34. Em outras palavras,

    Dke quem vai dizer a Justia, com fundamento na lei divina, para mostrar ao homem que

    deseja saber o caminho da verdade.

    Observa-se que, no discurso do Caminho da Verdade, Parmnides entrelaa uma

    linguagem de referncias mticas com as novas exigncias do pensamento na tentativa de

    dar credibilidade ao plo subjetivo que se impe como critrio definitivo da verdade e da

    realidade. Trata-se da glorificao da deusa da Razo35, como afirma Cornford, a qual

    instaura um domnio absoluto sobre a questo do pensar e do ser, enlaando-os firmemente

    num crculo fechado, deduzido formalmente mas petrificado nas muralhas da abstrao. A

    lgica da identidade e da contradio formula um mtodo more geometrico para perquirir a

    32.Op. cit, p.51. 33.Cf. Le vocabulaire des institutions indo-europennes: Pouvoir, Droit, Religion, v.2, p.99-103; a raiz dhe, significando colocar, estabelecer, derivou em grego tthemi. O sentido de Thmis encontra--se no Dictionnaire Grec-Franais, de A. Bailly, p.922. 34.Cf. Benvnsite (Op. cit., p.107-109). Ver, igualmente, o significado de Dke no Dictionnaire Grec-Franais, de A. Bailly, p.511. 35.CORNFORD, Principium sapienti: as origens do pensamento filosfico grego, p.194. Ver a respeito da razo, ordenadora dos critrios do conhecimento e do real, MONDOLFO, Rodolfo. O homem na cultura antiga: a compreenso do sujeito humano na cultura antiga, Trad. Luiz Aparecido Caruso. So Paulo: Mestre Jou, 1968, p. 102, em que afirma que a razo determina as condies da conceptibilidade, e a conceptibilidade se erige em critrio da realidade; as exigncias interiores do sujeito pensante se convertem em rbitro da existncia objetiva.

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 64 ISSN 2175-0947

    verdade que dar base a uma predicao coesa, inteligvel, racional. O crculo fecha-se no

    ser reflexivo, mundo inviolvel e inabalvel, construindo formas perfeitas de verdade, que,

    na viso nietzscheana, s pode habitar nas generalidades mais plidas e usadas, nos

    invlucros vazios das palavras mais indefinidas, como numa casa de teias de aranha: e o

    filsofo est agora sentado ao lado desta verdade, exangue como uma abstraco e

    completamente enredado em frmulas.36

    O Caminho da Verdade tem sido considerado a via condutora da Metafsica e da

    Lgica ocidental, excluindo o no-ser de suas cogitaes. Martin Heidegger, todavia, na

    Introduo metafsica, reivindica que o caminho do no-ser deve ser pensado, porquanto

    constitui um aspecto importante da meditao ontolgica. Heidegger insiste na mtua

    correspondncia entre phsis e lgos, como momentos pertencentes ao des-velamento do Ser,

    relao rompida pela tendncia em priorizar a lgica na filosofia posterior. O fragmento

    acima transcrito, pois o mesmo a pensar e portanto ser, em que aparece o verbo noen,

    comumente traduzido por conhecer e pensar, possui tambm o significado de perceber37, ou

    seja, a phsis como vigor surgente que se mostra percepo para que sua essencializao

    seja realizada.

    Essa conexo resgatada pela interpretao heideggeriana implica o reconhecimento

    no do princpio da identidade, mas a reciprocidade38 entre o pensar e o ser Altheia revelada nesse processo de manifestao de pertena recproca. Na verdade, a relao

    originria entre phsis e lgos possibilita ultrapassar o plano gnosiolgico e adentrar numa

    dimenso ontolgica, que rene, inobstante a opinio contrria da tradio filosfica,

    Herclito e Parmnides, pois, segundo a indagao de Heidegger, onde mais poderiam

    36.A filosofia na idade trgica dos gregos, p.67. Cf. Cornford (Op. cit., p.192), quanto ao mtodo geomtrico empregado por Parmnides; e Marques (Op. cit., p.74-76) com relao circularidade e ao sentido compacto do ser presente no pensamento parmenideano. 37.O significado de noen, no Dictionnaire Grec-Franais, de A. Bailly, p.1.330, aponta o sentido de aperceber-se de, colocar no esprito, ter no esprito um pensamento certo, justo. Cf. Brun (Op. cit, p. 64-65); Heidegger (1987, p.137 e 161-164;) Marques (Op. cit., p.79-81). 38.NUNES, Passagem para o potico: filosofia e poesia em Heidegger, 2. ed. So Paulo: tica, 1992. (Ensaios 122), p.216.

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 65 ISSN 2175-0947

    estar sses dois pensadores gregos, os instauradores da dimenso de todos os pensadores,

    seno no Ser do ente?39

    A unidade de phsis e lgos, resultante da mostrao do Ser e da reunio operada em

    funo do lgein, permite que o homem se instaure na dinmica da essencializao e,

    consequentemente, no ato de pensar o seu destino e de decidir sobre o caminho que dever

    trilhar: a via do acesso plenitude do Ser e verdade revelada ou a via da aparncia, da

    dissimulao, da negao do Ser. Em Parmnides, a Altheia ainda carrega vestgios da

    ambiguidade que havia caracterizado o discurso mtico na medida em que a linguagem do

    poema estabelece correlaes pertinentes entre o ser e o pensar, intrinsecamente

    relacionados para servir de fundamentao para uma anlise abrangente da existncia.

    Nesse aspecto, importante sublinhar que, aps haver unificado o ser e o pensar,

    Parmnides refora essa identidade onto-lgica, no incio do Caminho da Verdade, onde

    utiliza lgein (dizer) e noen (pensar) conjuntamente para exprimir o ser em contraste

    com o no-ser, impensvel e indizvel; esta a via contraditria percorrida pelos mortais que

    no fazem uso das suas capacidades reflexivas. Considerado como uma crtica explcita

    teoria dos contrrios de Herclito, a passagem seguinte demonstra, no obstante, a

    convergncia entre os dois filsofos: ambos lanam acerbas admoestaes contra os que no

    so capazes de estabelecer as articulaes entre o ser e o pensar para alcanar uma identidade

    reveladora, vale dizer, o lgos heraclitiano e o ser parmendico compartilham do mesmo

    pensamento originrio40:

    Necessrio o dizer e pensar que (o) ente : pois ser, e nada no ; isto eu te mando considerar. Pois primeiro desta via de inqurito eu te afasto, mas depois daquela outra, em que mortais que nada sabem erram, duplas cabeas, pois o imediato em seus peitos dirige errante pensamento; e so levados

    39.Introduo metafsica, p.160. Cf. a explicitao de Heidegger a respeito da conexo entre phsis, lgos e noen, na obra citada, p.137-200; no mesmo sentido, Brun (Op. cit., p.64-65); Marques (Op. cit., p.78-81). 40.Cf. Kirk, Raven e Schofield (Op. cit., p.257-258); Marques (Op. cit., p.80-81. Vale acentuar que Martin Heidegger (Op. cit,, p.150-151), ao resgatar o pensamento originrio dos primeiros pensadores, procura aproximar Parmnides e Herclito, afirmando que a oposio estabelecida entre os dois pr-socrticos, inclusive levantada por Nietzsche, fundamenta-se numa falsa interpretao do pensamento primordial grego, em que ser e pensar esto reciprocamente imbricados.

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 66 ISSN 2175-0947

    como surdos e cegos, perplexas, indecisas massas, para as quais ser e no ser reputado o mesmo e no o mesmo, e de tudo reversvel o caminho. (grifos nossos)41

    O poema de Parmnides est estruturado em torno de trs caminhos

    mutuamente exclusivos, diante dos quais o jovem deve instruir-se para chegar deliberao

    correta, que conduz ao verdadeiro conhecimento. O Caminho da Opinio dos mortais no

    foi preservado na sua inteireza, porm constitui um relato ambguo acerca da viso

    cosmolgica predominante, baseada em crenas contraditrias, convencionais, destitudas

    de verdade objetiva. A dxa, entretanto, deve ser posta em confrontao com a verdade

    anunciada por Parmnides, porquanto ele est situado na plis e a sua palavra no apenas

    revelao mstica, mas sobretudo dilogo persuasivo estabelecido com os homens42.

    Ao iniciar o caminho da opinio dos mortais, a deusa reveste-se de toda a

    ambiguidade da Altheia herdada da tradio mtica, reminiscncia das Musas na Teogonia

    de Hesodo, sendo Pstis e Peith substitudas por Pseuds (desconfiana, mentira) e

    Apte (engano), dimenses negativas constitutivas de Altheia, servindo de recurso

    expressivo para contrapor a demonstrao da verdade absoluta exposio da opinio

    instvel e cambivel dos mortais:

    Neste ponto encerro fidedigna palavra e pensamento sobre a verdade; e opinies mortais a partir daqui aprende, a ordem enganadora de minhas palavras ouvindo. Pois duas formas estaturam que suas sentenas nomeassem, das quais uma no se deve no que esto errantes ; em contrrios separaram o compacto e sinais puseram parte um do outro, de um lado, etreo fogo de chama, suave e muito leve, em tudo o mesmo que ele prprio mas no o mesmo que o outro; e aquilo em si mesmo (puseram) em contrrio, noite sem brilho, compacto denso e pesado. A ordem do mundo, verossmil em todos os pontos, eu te revelo, para que nunca sentena de mortais te ultrapasse. (grifos nossos)43

    41.Versos traduzidos por Jos Cavalcante de Souza, Op. cit., p.122. 42.Cf. Detienne (Op. cit., p.71-72); Kirk, Raven e Schofield (Op. cit., p.264-267); Marques (Op. cit., p.81). 43.Traduo de Jos Cavalcante de Souza, Os pr-socrticos, da Coleo Os Pensadores, p.124.

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 67 ISSN 2175-0947

    No Caminho da Opinio, Parmnides desenvolve a metfora unificante do poema

    centrada na contraposio entre claro x escuro, Luz x Noite, compondo uma tessitura

    potica coerente, apropriada para exprimir a dualidade das posies irredutveis. No

    entanto, seguindo a leitura heideggeriana, Parmnides no estaria propondo uma viso

    dicotmica entre essncia e aparncia, entre mundo inteligvel e mundo sensvel; ao revs,

    estaria ainda submerso na ambiguidade da palavra Altheia, desbravando o caminho do Ser

    atravs de um processo de re-velao, em que o manifesto e o oculto mesclam-se

    continuamente. Para Heidegger, dxa, em sentido lato, a considerao em que algum se

    encontra44, portanto, liga-se aos mltiplos aspectos do parecer, que constituem as opinies

    no convvio dos entes. Ao invs de representar a anttese da senda iluminada da verdade, o

    mundo da aparncia integra-se na caminhada do conhecimento, pois cabe ao homem sbio

    discernir cuidadosamente os aspectos enganadores dos verdadeiros. A dxa, por

    conseguinte, deve ser pensada como elemento indecomponvel do Ser e da Altheia, como

    explica Heidegger:

    Estamos aonde queramos chegar. Posto que o Ser, physis, consiste no aparecer, no oferecer aspectos, encontra-se essencialmente e portanto necessria e constantemente na possibilidade de apresentar um aspecto que justamente encobre e oculta o que o ente na verdade, isto , na dimenso do re-velado e des-coberto (Unverborgenheit). Essa vista, em que o ente vem a estar, aparncia no sentido de simples aparentar. Onde h re-velao, des-cobrimento (Unverborgenheit) do ente, h tambm a possibilidade da aparncia (Schein). E onde o ente aparece e assim se mantm firme por muito tempo, a aparncia pode desfazer-se e desmanchar-se. (grifado no original)45

    Consoante apreciao de Marcelo Pimenta Marques, a metfora do caminho,

    poeticamente trabalhada por Parmnides, no implica excluso e separao das vias

    enfocadas; ao contrrio, o percurso do jovem rumo ao saber e verdade pressupe a

    passagem e o constante intercmbio entre as regies do ser, do no-ser e da aparncia,

    44.Op. cit., p.130. Ver tambm Gomperz (1949, book II, chapter II, p.181), em que o autor explica o significado de dxa como sendo opinio, mas igualmente percepo, ou seja, a idia, ou viso, ou opinio a coisa que aparece aos homens como verdadeira. [...], no original: the idea, or view, or opinion the thing that appears to men to be true). 45.Ibid, p.131. Cf. no mesmo sentido Marques (Op. cit., p.86).

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 68 ISSN 2175-0947

    porquanto o caminho dos homens que erram pelo mundo integrado esfera de validade

    do saber, pois errar uma figura da prpria verdade (Altheia) do ser.46 Deve-se ressaltar o

    significativo uso do verbo errar na medida em que remete a uma das mais interessantes

    abordagens da filosofia heideggeriana, perfeitamente aplicada construo metafrica do

    poema. De fato, a insistncia do homem em permanecer no esquecimento de seu Ser

    analisada por Heidegger como um dos aspectos da errncia.

    A errncia constitui a variao simultnea entre o desvelamento e a dissimulao em

    que o homem, ao invs de afirmar sua essncia, absorvido pela cotidianidade

    massificadora, impotente para vislumbrar a plenitude da compreenso do Ser. Mais uma

    vez, o filsofo alemo surpreende com sua terminologia, pois errncia tem o duplo

    significado de equivocidade como tambm de caminhada sem rumo, no sentido de que,

    segundo a interpretao de Emmanuel Carneiro Leo,

    nesse esquecimento moderno, isto , nas fases de progresso da tcnica e da cincia, se derrama a escurido da Noite Histrica na qual o homem, perdendo os fundamentos de sua humanidade, erra, sem ptria, no turbilho de uma objetividade sempre mais absorvente de subjetividade. A poca da tcnica e da cincia o imprio do homem a-ptrida em sua essncia.47

    Parmnides coloca o homem perante trs caminhos distintos, submetido a uma

    escolha para alcanar a via reveladora da verdade. Todo o discurso parmenideano gira em

    torno da metfora do caminho, indicando as vertentes que iro consolidar-se no

    pensamento filosfico ocidental. Na verdade, a opo por uma via unilateral significa um

    caminhar estril, culminando numa aporia48 no nvel gnosiolgico e metafsico. Parmnides

    46.Op. cit., p.87. 47.1967, p.17. Sobre o tema da errncia, ver em especial Heidegger (1996, p.166-168); Stein (1993, p. 191-192). 48.De acordo com o glossrio de termos gregos, do livro Introduo histria da filosofia: dos pr-socrticos a Aristteles, v. 1, de Marilena Chau, p.495, apora (a*poriva) palavra composta do prefixo negativo a- e pelo substantivo pros (passagem, via de comunicao, caminho, trajeto). [...] Apora significa: incapacidade de encontrar caminho ou trajeto; falta de uma via ou um meio de passagem; impossibilidade de chegar a um lugar; por extenso: impossibilidade de deduzir, concluir, inferir. A apora uma dificuldade insolvel.

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 69 ISSN 2175-0947

    pensa os trs caminhos, distingue-os e unifica-os numa articulao poderosa, seguindo a

    interpretao de Heidegger:

    Um homem verdadeiramente sbio no aquele que persegue cegamente uma verdade. smente aqule que conhece constantemente todos os trs caminhos, o do Ser, o do no-ser e o da aparncia. Um saber superior e todo saber superioridade, s concedido quele que experimentou o mpeto alado do caminho para o Ser. Que no estranhou o espanto do segundo caminho para o abismo do Nada. E que aceitou, como constante necessidade, o terceiro caminho, o da aparncia. 49

    A palavra da deusa Altheia, Razo um convite ao homem racional para que

    ele, cruzando os caminhos, possa efetuar a ligao correta, instauradora da Verdade e da

    Justia. Heidegger analisa o poema de Parmnides luz de um enfoque unificador,

    desviando o homem da errncia e conduzindo-o verdadeira sabedoria.

    CONSIDERAES FINAIS

    Investigaram-se subsdios para explicar as primeiras formalizaes sobre a Justia em

    Parmnides. Os pr-socrticos, em particular Anaximandro, Herclito e Parmnides, so

    porta-vozes de um pensar fundacional no que concerne definio sobre o justo, o que os

    habilita a serem considerados os primeiros tericos da Justia. Na verdade, a contribuio

    dos pr-socrticos vem sendo reabilitada nos tempos modernos como forma de recuperar as

    preciosas lies que esse pensamento legou para o patrimnio filosfico dos homens.

    Por conseguinte, retornar aos gregos e, principalmente, iniciar pelos pr-socrticos,

    constituiu uma etapa imprescindvel para refazer um caminho que nos leva a uma melhor

    inteligibilidade sobre o conceito de Justia. Esse trajeto terico pressupe uma anlise

    significativa dos escritos sobre esses pensadores, e, particularmente, Parmnides assume uma

    posio destacada em virtude do papel fulcral que desempenha na transio entre o perodo

    pr-socrtico e as grandes teorizaes sobre a Justia elaboradas pelos sistemas platnico e

    aristotlico.

    49 .Introduo metafsica, p.139.

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 70 ISSN 2175-0947

    Com efeito, Parmnides, calcado na estrutura do poema Sobre a natureza, estabelece

    uma viso antittica sobre o plano opinativo e o abstrato, inteligvel; para esse nvel o

    homem sbio dirige-se com o intuito de desenvolver suas capacidades cognitivas e poder

    deduzir conceitos verdadeiros, hauridos de um processo intelectivo guiado pela Razo.

    Itinerrio ainda povoado por componentes mgicos, herana da tradio mtica anterior,

    porm anteviso de uma esfera dominada por ideias claras e justas, rigidamente desenhada

    para evitar as equivocidades e as contradies.

    Destaca-se a metfora do Caminho, simbolizando a viagem ascensional rumo ao

    plano terico sonhado. Idealismo vista. o embrio do sujeito cognoscente que surge

    nesta estrada nebulosa, vido por saber hbris (excesso; desmedida) do fil-sofo. E a Justia o conduz neste desiderato: o acesso ao conhecimento verdadeiro (da Justia?), ao

    fundamento ltimo que baliza o nmos (territrio; norma), mobilizador do pensamento do

    fil-sofo do direito, e questo nuclear desde o perodo pr-socrtico.

  • Lex Humana, v. 3, n. 1, 2011, p. 71 ISSN 2175-0947

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