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Parte Geral – Acórdão na Íntegra 1535 Superior Tribunal de Justiça Recurso Especial nº 1.293.006 – SP (2011/0144139‑6) Relator: Ministro Massami Uyeda Recorrente: Centro de Terapia Aquática Integrada Ltda. Advogado: Odair Roberto Vertamatti e outro(s) Recorrido: Companhia de Seguros Aliança do Brasil Advogado: Fabiano Salineiro e outro(s) EMENTA RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE SEGURO – RELAÇÃO DE CONSUMO – CLÁUSULA LIMITATIVA – OCORRÊNCIA DE FURTO QUALIFICADO – ABUSIVIDADE – IDENTIFICAÇÃO, NA ESPÉCIE – VIOLAÇÃO AO DIREITO DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR – RECURSO ESPECIAL PROVIDO I – Não há omissão no aresto a quo, tendo sido analisadas as ma- térias relevantes para solução da controvérsia. II – A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo e, portanto, impõe-se que seu exame seja realizado dentro do mi- crossistema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consu- midor, observando-se a vulnerabilidade material e a hipossuficiên- cia processual do consumidor. III – A circunstância de o risco segurado ser limitado aos casos de furto qualificado exige, de plano, conhecimentos do aderente quanto às diferenças entre uma e outra espécie de furto, conheci- mento esse que, em razão da sua vulnerabilidade, presumidamen- te o consumidor não possui, ensejando-se, por isso, o reconheci- mento da falha no dever geral de informação, o qual constitui, é certo, direito básico do consumidor, nos termos do art. 6º, inciso III, do CDC. IV – A condição exigida para cobertura do sinistro – ocorrência de furto qualificado – por si só, apresenta conceituação específica da legislação penal, cujo próprio meio técnico-jurídico possui dificul- dades para conceituá-lo, o que denota sua abusividade. Preceden- te da eg. Quarta Turma. V – Recurso especial provido.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1535

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.293.006 – SP (2011/0144139‑6)Relator: Ministro Massami UyedaRecorrente: Centro de Terapia Aquática Integrada Ltda.Advogado: Odair Roberto Vertamatti e outro(s)Recorrido: Companhia de Seguros Aliança do BrasilAdvogado: Fabiano Salineiro e outro(s)

ementA

RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE SEGURO – RELAÇÃO DE CONSUMO – CLÁUSULA LIMITATIVA – OCORRÊNCIA DE FURTO QUALIFICADO – ABUSIVIDADE – IDENTIFICAÇÃO, NA ESPÉCIE – VIOLAÇÃO AO DIREITO DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR – RECURSO ESPECIAL PROVIDO

I – Não há omissão no aresto a quo, tendo sido analisadas as ma-térias relevantes para solução da controvérsia.

II – A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo e, portanto, impõe-se que seu exame seja realizado dentro do mi-crossistema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consu-midor, observando-se a vulnerabilidade material e a hipossuficiên-cia processual do consumidor.

III – A circunstância de o risco segurado ser limitado aos casos de furto qualificado exige, de plano, conhecimentos do aderente quanto às diferenças entre uma e outra espécie de furto, conheci-mento esse que, em razão da sua vulnerabilidade, presumidamen-te o consumidor não possui, ensejando-se, por isso, o reconheci-mento da falha no dever geral de informação, o qual constitui, é certo, direito básico do consumidor, nos termos do art. 6º, inciso III, do CDC.

IV – A condição exigida para cobertura do sinistro – ocorrência de furto qualificado – por si só, apresenta conceituação específica da legislação penal, cujo próprio meio técnico-jurídico possui dificul-dades para conceituá-lo, o que denota sua abusividade. Preceden-te da eg. Quarta Turma.

V – Recurso especial provido.

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RDE Nº 28 – Set-Out/2012 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������� 139

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Brasília, 21 de junho de 2012 (data do Julgamento).

Ministro Massami Uyeda Relator

relAtório

O Exmo. Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por Centro de Terapia Aquática Integrada Ltda., fundamentado no art. 105, inciso III, alíneas a e c, do permissivo constitucional, em que se alega violação dos arts. 2º, 47 e 51, do Código de Defesa do Consumidor; 131, 300, 302, 319, 334 e 535 do Código de Processo Civil, além de divergência jurispru-dencial.

Os elementos existentes nos presentes autos noticiam que o re-corrente, Centro de Terapia Aquática, ajuizou, em face da ora recorrida, Companhia de Seguros Aliança do Brasil, ação de indenização securitá-ria, ao fundamento de que, em resumo, nos termos de contrato de segu-ro, pactuado entre as partes, pretendeu proteger-se de eventuais sinistros que pudessem atingir seus bens ou de terceiros que utilizam de seus serviços. Nesse contexto, efetuou o pagamento do prêmio, cumprindo, segundo alega, sua obrigação contratual. Todavia, apontou que, em 28.12.2006, na vigência do contrato de seguro, houve furto em seu es-tabelecimento, o que motivou a cobertura securitária. Entretanto, procu-rada a realizar o adimplemento da obrigação securitária a ora recorrida, Companhia de Seguros Aliança do Brasil, recusou-se a fazê-lo porquan-to não estaria prevista a cobertura, por não se tratar de furto qualificado.

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Sendo assim, o ora recorrente, Centro de Terapia Aquática, alegou que a cláusula limitativa de cobertura é abusiva em razão do caráter defei-tuoso na informação ao consumidor acerca das coberturas contratuais. Requereu, assim, a procedência do pedido e o adimplemento dos bens descritos no boletim de ocorrência (fls. 02/27 e-STJ).

Devidamente citada, a ora recorrida, Companhia de Seguros Alian-ça do Brasil, apresentou defesa, na forma de contestação. Em linhas ge-rais, sustentou que o sinistro ocorrido não está garantido pelo contrato tendo em conta que não se tratou de furto qualificado pela destruição ou rompimento de obstáculo. Afirmou, nesse contexto, a validade da cláu-sula contratual. Pediu, ao final, a improcedência do pedido (fls. 74/89 e-STJ).

O r. Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Santo André/SP, julgou improcedente a demanda. Dentre seus fundamentos, é possível destacar, in verbis: “[...] a limitação da cobertura é lícita, na medida em que ex-pressamente autorizada por lei e, portanto, a cláusula que estabelece os eventos assumidos pelo contrato e, especialmente, os eventos excluídos da cobertura contratual, por si só, não ofende o Código de Defesa do Consumidor, já que é válida a restrição dos riscos segurados”. Além dis-so, sustentou que “[...] A autora não nega que teve plena e prévia ciência dos instrumentos contratuais e, assim, do teor das cláusulas limitativas do direito à cobertura e nem poderia ser diferente, já que ela mesma trouxe aos autos o manual do segurado (fl. 43)”. Disse, ao final, que “[...] o fato ocorrido no estabelecimento da autora não envolveu rompimento de obstáculo, conforme declarou sua representante perante a autoridade policial, ao elaborar o boletim de ocorrência (fl. 41) e, deste modo, não se enquadra no modelo de cobertura contratado, o que afasta a preten-são indenizatória” (fls. 167/171 e-STJ).

Irresignado, o ora recorrente, Centro de Terapia Aquática Integra-da Ltda., interpôs recurso de apelação. Sustentou, em resumo, que “[...] a estipulação que limita a cobertura aos furtos qualificados por rompi-mento de obstáculo ou arrombamento viola as disposições do Código de Defesa do Consumidor”. Alegou, ainda, que o furto qualificado, nos termos do dispõe o Código Penal, pode ser praticado por diversos modos e, nesse contexto, a interpretação da disposição contratual, deve ser re-alizada em favor do consumidor. Pediu, assim, o provimento do recurso (fls. 174/193 e-STJ).

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O egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio da 36ª Câmara Cível, por unanimidade de votos, negou provimento ao recurso de Apelação. A ementa, por oportuno, está assim redigida:

“Seguro. Furto qualificado. Cláusula que limita a cobertura à hipótese de furto qualificado do qual resultem vestígios de arrombamento ou rompi-mento de obstáculo. Admissibilidade. Recurso desprovido.”

Os embargos de declaração opostos às fls. 240/253 e-STJ, foram rejeitados às fls. 256/260 e-STJ.

Nas razões do especial, o ora recorrente, Centro de Terapia Aquá-tica Integrada Ltda., sustenta, em resumo, negativa de prestação jurisdi-cional. Diz, ainda, que o contrato entabulado entre as partes é regido pelo Código de Defesa do Consumidor. Aduz, também, que a diferen-ciação entre os dispositivos penais apenas tem referência no Direito Pe-nal, não sendo possível esse alcance na contratação do seguro. Nesse contexto, aponta que o condicionamento da indenização somente no caso do rompimento ou destruição do obstáculo ou de meio de subtra-ção da coisa constitui cláusula abusiva. Alega, outrossim, violação ao dever de prestação informações corretas acerca da pactuação. Requer, dessa forma, o provimento do recurso especial (fls. 263/289, e-STJ).

Devidamente intimada, a ora recorrida, Companhia de Seguros Aliança do Brasil, apresentou contrarrazões, oportunidade em que pug-nou pelo improvimento do recurso especial por incidência das Súmulas nºs 5 e 7/STJ, bem como pela ausência de demonstração de divergência jurisprudencial (fls. 308/317 e-STJ).

Às fls. 319/320 e-STJ, sobreveio juízo negativo de admissibilida-de, oportunidade em que, por meio do Agravo em Recurso Especial nº 52.172/SP, esta Relatoria determinou sua conversão em Recurso Espe-cial a fim de propiciar o julgamento colegiado da presente demanda (fls. 380 e-STJ).

É o relatório.

ementA

RECURSO ESPECIAL – CONTRATO DE SEGURO – RELAÇÃO DE CONSUMO – CLÁUSULA LIMITATIVA – OCORRÊNCIA DE FURTO QUALIFICADO – ABUSIVIDADE – IDENTIFICAÇÃO,

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NA ESPÉCIE – VIOLAÇÃO AO DIREITO DE INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR – RECURSO ESPECIAL PROVIDO

I – Não há omissão no aresto a quo, tendo sido analisadas as ma-térias relevantes para solução da controvérsia.

II – A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo e, portanto, impõe-se que seu exame seja realizado dentro do mi-crossistema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consu-midor, observando-se a vulnerabilidade material e a hipossuficiên-cia processual do consumidor.

III – A circunstância de o risco segurado ser limitado aos casos de furto qualificado exige, de plano, conhecimentos do aderente quanto às diferenças entre uma e outra espécie de furto, conheci-mento esse que, em razão da sua vulnerabilidade, presumidamen-te o consumidor não possui, ensejando-se, por isso, o reconheci-mento da falha no dever geral de informação, o qual constitui, é certo, direito básico do consumidor, nos termos do art. 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.

IV – A condição exigida para cobertura do sinistro – ocorrência de furto qualificado – por si só, apresenta conceituação específica da legislação penal, cujo próprio meio técnico-jurídico possui dificul-dades para conceituá-lo, o que denota sua abusividade. Preceden-te da egrégia Quarta Turma.

V – Recurso especial provido.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Massami Uyeda:

A irresignação merece prosperar.

Com efeito.

Resumidamente, na vigência de contrato de seguro pactuado entre as partes, sobreveio sinistro de furto, o que motivou o ora recorrente, Centro de Terapia Aquática Ltda., a pedir indenização securitária que restou-lhe negada pela ora recorrida, Companhia Aliança de Seguros, ao fundamento de inexistência de vestígio de ocorrência de furto qualifica-do por arrombamento ou rompimento de obstáculo. Sendo assim, ajui-zou-se a presente ação indenizatória que restou julgada improcedente

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pelo r. Juízo a quo, decisão mantida pelo egrégio Tribunal de origem. Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. Daí a interposição do presente recurso especial.

Inicialmente, acerca da negativa de prestação jurisdicional, ob-serva-se que, diferente do que pretendido pelo ora recorrente, Centro de Terapia Aquática Ltda., o v. acórdão recorrido examinou, adequada-mente, os principais pontos da lide, notadamente acerca do cabimento da indenização securitária, dando-lhe, por conseguinte, a interpretação que melhor entendeu para a questão (fls. 232/237 e-STJ).

Na verdade, esta Corte Superior tem repetido, em diversos julga-dos, que o órgão julgador não é obrigado a se manifestar sobre todos os pontos alegados pelas partes, mas somente sobre aqueles que entender necessários para o julgamento do feito, de acordo com seu livre conven-cimento fundamentado, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso (ut AgRg no REsp 705.187/SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 26.09.2005).

Acerca do meritum causae, é importante deixar consignado que a relação jurídica estabelecida entre as partes é nitidamente de consumo e, portanto, impõe-se que seu exame seja realizado dentro do microssis-tema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, obser-vando-se a vulnerabilidade material e a hipossuficiência processual do consumidor, tendo em conta a relevante circunstância de que o mesmo não participou, sequer implicitamente, da elaboração do conteúdo con-tratual, tratando-se, pois, de típico contrato de adesão.

Além disso, a circunstância de o risco segurado ser limitado aos casos de furto qualificado exige, de plano, conhecimentos do aderente quanto às diferenças entre uma e outra espécie de furto, conhecimento esse que, em razão da sua vulnerabilidade, presumidamente o consu-midor não possui, ensejando-se, por isso, o reconhecimento da falha no dever geral de informação, o qual constitui, é certo, direito básico do consumidor, nos termos do art. 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, a condição exigida para cobertura do sinistro – ocorrên-cia de furto qualificado –, por si só, apresenta conceituação específica da legislação penal, cujo próprio meio técnico-jurídico possui dificulda-des para conceituá-lo, o que denota sua abusividade. Com essa orienta-ção, registra-se a seguinte ementa:

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“CONSUMIDOR – SEGURO EMPRESARIAL CONTRA ROUBO E FUR-TO CONTRATADO POR PESSOA JURÍDICA – MICROEMPRESA QUE SE ENQUADRA NO CONCEITO DE CONSUMIDOR – CLÁUSULA LI-MITATIVA QUE RESTRINGE A COBERTURA A FURTO QUALIFICADO – REPRODUÇÃO DA LETRA DA LEI – INFORMAÇÃO PRECÁRIA – IN-CIDÊNCIA DO ART. 54, § 4º, DO CDC

1. O art. 2º do Código de Defesa do Consumidor abarca expressamente a possibilidade de as pessoas jurídicas figurarem como consumidores, sendo relevante saber se a pessoa, física ou jurídica, é ‘destinatária fi-nal’ do produto ou serviço. Nesse passo, somente se desnatura a relação consumerista se o bem ou serviço passa a integrar uma cadeia produtiva do adquirente, ou seja, posto a revenda ou transformado por meio de beneficiamento ou montagem.

2. É consumidor a microempresa que celebra contrato de seguro com escopo de proteção do patrimônio próprio contra roubo e furto, ocupan-do, assim, posição jurídica de destinatária final do serviço oferecido pelo fornecedor.

3. Os arts. 6º, inciso III, e 54, § 4º, do CDC, estabelecem que é direito do consumidor a informação plena do objeto do contrato, garantindo-lhe, ademais, não somente uma clareza física das cláusulas limitativas – o que é atingido pelo simples destaque destas –, mas, sobretudo, clareza semântica, um significado unívoco dessas cláusulas, que deverão estar infensas a duplo sentido.

4. O esclarecimento contido no contrato acerca da abrangência da co-bertura securitária que reproduz, em essência, a letra do art. 155 do Có-digo Penal, à evidência, não satisfaz o comando normativo segundo o qual as cláusulas limitadoras devem ser claras, por óbvio, aos olhos dos seus destinatários, os consumidores, cuja hipossuficiência informacional é pressuposto do seu enquadramento como tal.

5. Mostra-se inoperante a cláusula contratual que, a pretexto de informar o consumidor sobre as limitações da cobertura securitária, somente o remete para a letra da Lei acerca da tipicidade do furto qualificado, cuja interpretação, ademais, é por vezes controvertida até mesmo no âmbito dos Tribunais e da doutrina criminalista.

6. Recurso especial não conhecido.” (REsp 814.060/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 13.04.2010)

De mais a mais, acrescenta-se que o objeto do contrato de seguro procurou resguardar o patrimônio do segurado contra possíveis desfal-ques, independentemente da sua modalidade, se decorrente de roubo

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ou de furto, seja simples ou qualificado, tendo em conta que o segurado deve estar resguardado contra o fato e não contra determinado crime.

Sendo assim, dá-se provimento ao recurso especial para julgar procedente a demanda e, por conseguinte, determinar o adimplemento da indenização securitária, corrigida monetariamente pelo IGP-M, des-de o ajuizamento da ação e acrescidos de juros legais, no importe de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação.

Ônus sucumbenciais invertidos, mantendo-se, contudo, os per-centuais fixados pelas Instâncias ordinárias.

É o voto.

Ministro Massami Uyeda Relator

certidão de JulgAmento terceirA turmA

Número Registro: 2011/0144139-6

Processo Eletrônico REsp 1293006/SP

Números Origem: 1070490640 91791024820088260000

992080429482 99208042948250000

Pauta: 21.06.2012 Julgado: 21.06.2012

Relator: Exmo. Sr. Ministro Massami Uyeda

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Maurício Vieira Bracks

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

AutuAção

Recorrente: Centro de Terapia Aquática Integrada Ltda.

Advogado: Odair Roberto Vertamatti e outro(s)

Recorrido: Companhia de Seguros Aliança do Brasil

Advogado: Fabiano Salineiro e outro(s)

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Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos – Seguro

certidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos ter-mos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.023.172 – SP (2008/0012014‑0)Relator: Ministro Luis Felipe SalomãoRecorrente: Calçados Racket Ltda.Advogado: Cristiane Resende Cardoso e outro(s)Recorrido: Contato Confecções Tarumã Ltda. MEAdvogado: Rodrigo Silveira Lima

ementA

PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE FALÊNCIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO DECRETO-LEI Nº 7.661/1945 – IMPONTUALIDADE – DÉBITO DE VALOR ÍNFIMO – PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

1. O princípio da preservação da empresa cumpre preceito da nor-ma maior, refletindo, por conseguinte, a vontade do poder cons-tituinte originário, de modo que refoge à noção de razoabilidade a possibilidade de valores inexpressivos provocarem a quebra da sociedade comercial, em detrimento da satisfação de dívida que não ostenta valor compatível com a repercussão socioeconômica da decretação da quebra.

2. A decretação da falência, ainda que o pedido tenha sido formu-lado sob a sistemática do Decreto-Lei nº 7.661/1945, deve obser-var o valor mínimo exigido pelo art. 94 da Lei nº 11.101/2005, pri-vilegiando-se o princípio da preservação da empresa. Precedentes.

3. Recurso especial não provido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, a Quarta Turma, por unanimida-de, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

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Brasília (DF), 19 de abril de 2012 (data do Julgamento).

Ministro Luis Felipe Salomão Relator

relAtório

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

1. Calçados Racket Ltda. requereu a falência de Contato Confec-ções Tarumã Ltda., em 03.08.2001, sustentando inadimplemento de du-plicatas no valor de R$ 6.244,20 (seis mil, duzentos e quarenta e quatro reais e vinte centavos) (fls. 4-7).

O Juízo singular extinguiu o processo por falta de interesse de agir, uma vez que o valor da dívida era inferior ao previsto na nova legislação falimentar (fls. 275-280).

O Tribunal manteve a decisão, em acórdão assim ementado (fls. 351-356):

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO INTERNO – DECISÃO DO RELATOR QUE NEGOU SEGUIMENTO À APELAÇÃO – RECURSO DESPROVIDO.

Nas razões do recurso especial interposto com base nas alíneas a e c do permissivo constitucional, foi alegada violação dos arts. 1º do Decreto-Lei nº 7.661/1945, 200 e 192, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, ao argumento de que a falência consubstanciada no art. 1º da antiga Lei de Falência caracterizava-se pela impontualidade no pagamento de uma obrigação líquida e não pela ocorrência de circunstâncias indicativas de insolvência, razão pela qual deve ser reformado o acórdão recorrido, que entendeu pela incidência da novel legislação falimentar, a qual, in-clusive, previu expressamente a aplicação da lei anterior até o momento da decretação da falência.

Foi também apontado dissídio jurisprudencial.

Não foram apresentadas contrarrazões ao recurso (fl. 395), que recebeu crivo positivo de admissibilidade na instância ordinária (fls. 397-398).

Em consulta ao Tribunal a quo, verificou-se que o processo encon-tra-se suspenso, aguardando o julgamento do recurso especial.

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RDE Nº 28 – Set-Out/2012 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������� 149

É o relatório.

ementA

PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE FALÊNCIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO DECRETO-LEI Nº 7.661/1945 – IMPONTUALIDADE – DÉBITO DE VALOR ÍNFIMO – PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA1. O princípio da preservação da empresa cumpre preceito da nor-ma maior, refletindo, por conseguinte, a vontade do poder cons-tituinte originário, de modo que refoge à noção de razoabilidade a possibilidade de valores inexpressivos provocarem a quebra da sociedade comercial, em detrimento da satisfação de dívida que não ostenta valor compatível com a repercussão socioeconômica da decretação da quebra.2. A decretação da falência, ainda que o pedido tenha sido formu-lado sob a sistemática do Decreto-Lei nº 7.661/1945, deve obser-var o valor mínimo exigido pelo art. 94 da Lei nº 11.101/2005, pri-vilegiando-se o princípio da preservação da empresa. Precedentes.

3. Recurso especial não provido.

voto

O Senhor Ministro Luis Felipe Salomão (Relator):

2. Cinge-se a controvérsia à definição da lei aplicável a pedido de falência formulado com base na impontualidade de dívida de pequeno valor, ainda sob a égide do Decreto-Lei nº 7.661/1945, tendo sido a sentença prolatada na vigência da Lei nº 11.101/2005, segundo a qual o decreto de falência exige débito não inferior a 40 salários mínimos.

O presente pedido de falência foi formulado em 03.08.2001, sob a vigência do Decreto-Lei nº 7.661/2001, cujo art. 1º dispunha:

Art. 1º Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva.

No vetusto sistema, presumia-se a insolvência do devedor comer-ciante pelo simples inadimplemento no vencimento, sem relevante ra-zão de direito, de obrigação líquida materializada em título com força executiva, exigindo-se apenas o protesto para caracterização da impon-tualidade.

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A Lei nº 11.101/2005 introduziu relevante alteração nesse ponto, passando a indicar valor mínimo equivalente a quarenta salários míni-mos como pressuposto do requerimento de falência.

Dispõe o art. 94:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obriga-ção líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;

Analisando-se a questão sob o enfoque do direito intertemporal, tem-se que a Lei nº 11.201/2005, nas suas disposições finais e transitó-rias, especificou que, decretada a falência da sociedade na vigência da lei nova, serão aplicados os seus dispositivos:

Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concorda-ta ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluí-dos nos termos do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945.

[...]

§ 4º Esta Lei aplica-se às falências decretadas em sua vigência resultantes de convolação de concordatas ou de pedidos de falência anteriores, às quais se aplica, até a decretação, o Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, observado, na decisão que decretar a falência, o disposto no art. 99 desta Lei.

Assim, no procedimento pré-falimentar, aplica-se a lei anterior, incidindo a nova Lei de Quebras somente na fase falimentar.

3. Não obstante, deve-se analisar a questão não sob o prisma do direito intertemporal mera e simplesmente, mas pela ótica da nova or-dem constitucional, segundo a qual:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho hu-mano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...]II – propriedade privada;

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

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RDE Nº 28 – Set-Out/2012 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������� 151

Com efeito, a Constituição da República consagra a proteção à preservação da empresa por duas razões basilares: (i) é forma de conser-vação da propriedade privada; (ii) é meio de preservação da sua função social, ou seja, do papel socioeconômico que ela desempenha junto à sociedade em termos de fonte de riquezas e como ente promovedor de empregos.

Assim, o princípio da preservação da empresa cumpre a norma maior, refletindo, por conseguinte, a vontade do poder constituinte ori-ginário.

É nessa linha o magistério de Ricardo Negrão, segundo o qual, “das normas constitucionais decorre o objetivo da tutela recuperatória em ju-ízo: atender à preservação da empresa, mantendo, sempre que possível, a dinâmica empresarial em três aspectos fundamentais: fonte produtora, emprego dos trabalhadores e interesses dos credores”. (Manual de Di-reito Comercial e de Empresa. São Paulo: Saraiva, vol. 3, 2007, p. 125)

Dessarte, tendo-se como orientação constitucional a preservação da empresa, refoge à noção de razoabilidade a possibilidade de valores insignificantes provocarem a sua quebra, razão pela qual a preservação da unidade produtiva deve prevalecer em detrimento da satisfação de uma dívida que nem mesmo ostenta valor compatível com a repercussão socioeconômica da decretação da falência.

Nessa ordem de idéias, não atende ao correto princípio de política judiciária a decretação da quebra de sociedade comercial, lançando so-bre ela e seus empregados a pecha da falência, em razão de débitos de valores pequenos, com as drásticas consequências sociais que seriam fa-talmente irradiadas dessa situação e que se afiguram sobremaneira noci-vas e desproporcionais em relação ao montante do crédito em discussão.

4. Em verdade, o pedido de falência, por ser o mais amargo remé-dio contra o inadimplemento da obrigação, deve ser utilizado somente como última solução, sob pena de se valer do processo falimentar com propósitos coercitivos, transmudando-o em feito de execução ou de co-brança.

Nesse sentido, leciona Fábio Coelho ao comentar o art. 94 da Lei nº 11.101/2005:

Um dos objetivos da reforma da lei falimentar de 2005 foi desmotivar o uso do pedido de falência como mero instrumento de cobrança de obrigação líquida. Este objetivo se intentou mediante estabelecimento

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de um valor mínimo para o crédito inadimplido que legitima o credor ao pedido, com base na impontualidade injustificada: quarenta salários mí-nimos. (Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 344)

A jurisprudência desta Corte perfilha o mesmo entendimento:

COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL – PEDIDO DE FALÊNCIA – DECRE-TO-LEI Nº 7.661/1945 – VALOR ÍNFIMO – PRINCÍPIO DA PRESERVA-ÇÃO DA EMPRESA – INDEFERIMENTO

I – O Superior Tribunal de Justiça rechaça o pedido de falência como substitutivo de ação de cobrança de quantia ínfima, devendo-se presti-giar a continuidade das atividades comerciais, uma vez não caracterizada situação de insolvência, diante do princípio da preservação da empresa.

II – Recurso especial conhecido, mas desprovido.

(REsp 920.140/MT, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, Julgado em 08.02.2011, DJe 22.02.2011)

AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – PEDIDO DE FALÊNCIA – ÉGIDE DO DL 7.661/1945 – DÉBITO DE PEQUENO VALOR – INAD-MISSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA – RECURSO DESPROVIDO

1. A jurisprudência dominante desta Corte Superior é no sentido de que a decretação da falência, mesmo na sistemática da antiga Lei de Que-bras (DL 7.661/1945), apenas pode se dar quando a dívida não paga representar um valor considerável, haja vista a incidência do princípio da preservação da empresa.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 997.234/SP, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desem-bargador Convocado do TJ/RS), Terceira Turma, Julgado em 15.03.2011, DJe 21.03.2011)

EMPRESARIAL – FALÊNCIA REQUERIDA SOB A ÉGIDE DO DECRETO--LEI Nº 7.661/1945 – PEQUENO VALOR – PRINCÍPIO DA PRESERVA-ÇÃO DA EMPRESA IMPLÍCITO NAQUELE SISTEMA LEGAL – INVIABI-LIDADE DA QUEBRA

Apesar de o art. 1º do Decreto-Lei nº 7.661/1945 ser omisso quanto ao valor do pedido, não é razoável, nem se coaduna com a sistemática do próprio Decreto, que valores insignificantes provoquem a quebra de uma empresa.

Nessas circunstâncias, há de prevalecer o princípio, também implícito naquele diploma, de preservação da empresa.

Recurso Especial não provido.

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RDE Nº 28 – Set-Out/2012 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������� 153

(REsp 959695/SP, Relª Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgado em 17.02.2009, DJe 10.03.2009)

5. Dessarte, a decretação da falência, ainda que o pedido tenha sido formulado sob a sistemática do Decreto-Lei nº 7.661/1945, deve observar o valor mínimo exigido no art. 94 da Lei nº 11.101/2005, privi-legiando-se o princípio da preservação da empresa.

6. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

certidão de JulgAmento quArtA turmA

Número Registro: 2008/0012014-0

Processo Eletrônico REsp 1.023.172/SP

Números Origem: 15332001 470120010108364 4934194 4934194001

Pauta: 19.04.2012 Julgado: 19.04.2012

Relator: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. José Flaubert Machado Araújo

Secretária: Belª Teresa Helena da Rocha Basevi

AutuAção

Recorrente: Calçados Racket Ltda.

Advogado: Cristiane Resende Cardoso e outro(s)

Recorrido: Contato Confecções Tarumã Ltda. ME

Advogado: Rodrigo Silveira Lima

Assunto: Direito civil – Empresas – Recuperação judicial e falência

certidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

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A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

1537

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.201.736 – SC (2010/0129490‑0)Relatora: Ministra Nancy AndrighiRecorrente: Nízia Fernandes Prazeres FerreiraAdvogado: Roseane de Souza Mello e outro(s)Recorrido: Unimed Grande Florianópolis – Cooperativa de Trabalho MédicoAdvogado: Rodrigo Slovinski Ferrari e outro(s)

ementA

DIREITO CIVIL – PLANO DE SAÚDE – COBERTURA – EXAMES CLÍNICOS – RECUSA INJUSTIFICADA – DANO MORAL – EXISTÊNCIA

1. A recusa, pela operadora de plano de saúde, em autorizar tra-tamento a que esteja legal ou contratualmente obrigada, implica dano moral ao conveniado, na medida em que agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito daquele que neces-sita dos cuidados médicos. Precedentes.

2. Essa modalidade de dano moral subsiste mesmo nos casos em que a recusa envolve apenas a realização de exames de rotina, na medida em que procura por serviços médicos – aí compreendidos exames clínicos – ainda que desprovida de urgência, está sempre cercada de alguma apreensão. Mesmo consultas de rotina causam aflição, fragilizando o estado de espírito do paciente, ansioso por saber da sua saúde.

3. Recurso especial provido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimida-de, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Brasília (DF), 2 de agosto de 2012 (data do Julgamento).

Ministra Nancy Andrighi Relatora

relAtório

A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por Nízia Fernandes Prazeres Ferreira, com fundamento no art. 105, III, a e c, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ/SC.

Ação: cominatória cumulada com pedido de indenização por da-nos morais e materiais, ajuizada pela recorrente em desfavor de Unimed Regional Grande Florianópolis Coopertiva de Trabalho Médico.

Depreende-se da inicial que a recorrente mantinha plano de saúde junto à Unimed, porém através da Cooperativa do Alto Vale, tendo cum-prido integralmente o prazo de carência exigido, vindo, depois disso, a submeter-se a cirurgia para extração de tumor da coluna vertebral.

Ante à rescisão do plano pela Cooperativa do Alto Vale, a recor-rente migrou para a Cooperativa recorrida, com a promessa de que não seria exigida nenhuma carência.

Todavia, ao tentar realizar exames de rotina, foi impedida sob a alegação de ausência de cobertura por ainda não ter expirado o prazo de carência.

Antecipação dos efeitos da tutela: concedida pelo TJ/SC em sede de agravo de instrumento, autorizando a recorrente a “realizar todos os exames e consultas, desde que tenham origem em complicações exis-tentes em razão da retirada anterior do tumor da coluna vertebral e que estejam previstos no seu plano de saúde” (fls. 200/208, e-STJ).

Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para obri-gar a recorrida a “prestar à autora todos os serviços contratados, sem qualquer limitação de quantidade, tempo, matéria ou forma”, bem como para condená-la ao pagamento de indenização por dano moral arbitrada em R$ 10.500,00 (fls. 218/234, e-STJ).

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Acórdão: o TJ/SC deu parcial provimento à apelação da re-corrida, para afastar a condenação da cooperativa por danos morais (fls. 298/316, e-STJ).

Embargos de declaração: interpostos por ambas as partes, foram rejeitados pelo TJ/SC (fls. 328/336, e-STJ).

Recurso especial: alega violação dos arts. 6º, VIII e X, e 14 do CDC; e 186 do CC/2002; bem como dissídio jurisprudencial (fls. 393/400, e-STJ).

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SC admitiu o recurso especial (fls. 459/461, e-STJ), determinando a remessa dos autos ao STJ.

É o relatório.

voto

A Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relator):

Cinge-se a lide a determinar se a descabida negativa de cobertura de exame médico levada a efeito por operadora de plano de saúde é causa geradora de danos morais.

Em primeiro lugar, cumpre salientar que, à míngua de recurso por parte da cooperativa, tornou-se incontroverso nesses autos a sua condu-ta abusiva, ao pretender sujeitar a recorrente a novo prazo de carência.

Ocorre que, não obstante tenha reconhecido que essa exigência foi injustificada, o TJ/SC ressalvou que a negativa da recorrida foi apenas para a realização de exames, situação considerada “corriqueira, não ca-racterizada a extrema urgência do procedimento negado pela ré, a ponto de encontrar a autora em risco iminente de sua saúde” (fl. 312, e-STJ).

O Tribunal local consigna, ainda, “não constar que a espera pela realização do exame até a concessão da antecipação dos efeitos da tu-tela tenha contribuído para eventual agravamento da enfermidade da autora”, bem como que “mero inadimplemento contratual, por si só, não tem o condão de gerar reparação por abalo moral”, concluindo que “o experimentado pela autora constituiu-se em dissabor, a que todos estão sujeitos na vida em sociedade, não podendo ser alçado ao patamar de dano moral” (fls. 312/313, e-STJ).

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Todavia, esta Corte já pacificou entendimento no sentido de que a recusa, pela operadora de plano de saúde, em autorizar tratamento a que esteja legal ou contratualmente obrigada, implica dano moral ao conveniado, na medida em que agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito daquele que necessita dos cuidados médicos.

No julgamento do REsp 657.717/RJ, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de 12.12.2005, alçado a paradigma pelos recorrentes, consignei que, embora de regra nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, na hipótese específica dos contratos de seguro-saúde “sempre haverá a possibilidade de consequências da-nosas para o segurado, pois este, após a contratação, costuma procurar o serviço já em evidente situação desfavorável de saúde, tanto a física como a psicológica”.

Na realidade, da própria descrição das circunstâncias que perfa-zem o ilícito material, é possível constatar consequências de cunho psi-cológico que são resultado direito do inadimplemento, dispensando-se a produção de provas nesse sentido.

Depois do referido julgado, seguiram-se tantos outros de ambas as Turmas que compõem a 2ª Seção desta Corte, todos no mesmo sentido, pacificando a questão no âmbito do STJ. Confira-se algumas decisões recentes: AgRg no Ag 1.353.037/MA, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.03.2012; AgRg no AREsp 17.200/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 10.11.2011; AgRg no REsp 1.253.696/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 24.08.2011; e REsp 1.167.525/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJe de 28.03.2011.

Nesse contexto, as ressalvas feitas pelo TJ/SC – no sentido de que a recusa envolveu apenas exames considerados de rotina, sem urgência e sem agravamento da enfermidade da autora – a meu ver não têm o condão de excepcionar o entendimento consolidado pelo STJ.

A procura por serviços médicos – aí compreendidos exames clíni-cos – ainda que desprovida de urgência, está sempre cercada de alguma apreensão. Mesmo consultas de rotina causam certa aflição, fragilizando o estado de espírito do paciente, ansioso por saber da sua saúde.

Aliás, essa condição em geral constituiu um dos motivadores da própria contratação de um plano de saúde. O associado, ciente de que a necessitar de um serviço médico, estará de alguma forma debilitado, quer assegurar o acesso livre e rápido, sem burocracias, aos médicos,

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hospitais e clínicas conveniadas, gerando-lhe a legítima expectativa de que, ao tentar utilizá-los, mesmo que para um simples exame de rotina, não surjam contratempos.

Ademais, na hipótese específica dos autos, não cabe dúvida de que a situação era delicada, na medida em que o próprio TJ/SC reconhe-ce que os exames que a recorrente pretendia realizar, embora fossem corriqueiros, advinham de prévia cirurgia por ela realizada para extra-ção de um tumor na coluna.

Diante disso, é de se pressupor que, ao ver-se impossibilitada de realizar esses exames, a recorrente tenha de fato sofrido abalo psicoló-gico, diante da incerteza sobre quando teria notícias sobre a evolução do seu quadro clínico, sobretudo eventual reincidência da doença que a levou a submeter-se ao procedimento cirúrgico.

Imperiosa, portanto, a reforma do acórdão recorrido, para restabe-lecer a condenação por dano moral imposta na sentença.

Forte nessas razões, dou provimento ao recurso especial, para o fim de restabelecer integralmente a sentença de fls. 218/234, e-STJ, in-clusive no que tange à sucumbência.

certidão de JulgAmento terceirA turmA

Número Registro: 2010/0129490-0 Processo Eletrônico REsp 1201736/SC

Números Origem: 20070089791 20070089791000100 20070089791000200 20070089791000300 23040560530

Pauta: 02.08.2012 Julgado: 02.08.2012

Relatora: Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Maurício Vieira Bracks

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

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AutuAção

Recorrente: Nízia Fernandes Prazeres Ferreira

Advogado: Roseane de Souza Mello e outro(s)

Recorrido: Unimed Grande Florianópolis – Cooperativa de Trabalho Médico

Advogado: Rodrigo Slovinski Ferrari e outro(s)

Assunto: Direito do consumidor – Contratos de consumo – Planos de saúde

certidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora.